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Pereira LOPES*
*Doutora em Educação: Didática, USP. Mestre em Educação: História e Filosofia da Educação. Licenciada e Bacharel em Filosofia.
Professora das Faculdades Integradas "Campos Salles".
Augusto Guzzo Revista Acadêmica
'MARX; 1974:135
como experiências isoladas, a métodos pessoais, ela conhecimento pedagógico como subjetivo-obje-
estará refletindo sobre um ideal variável de acordo tivo e/ou objetivo-subjetivo. Nesse sentido, tanto
com o pensamento de cada indivíduo ou grupos sujeito como objeto se fazem no âmbito da relação
de indivíduos. Será então definida como arte da do conhecimento pedagógico.
educação 2 , já que não poderá ser uma ciência, por Essa relação do conhecimento, em nosso cam-
dizer respeito à dimensão especulativa e subjetiva. po específico, ocorre entre o pedagogo e a educa-
Quando a reflexão pedagógica recai sobre a edu- ção, pólos em movimento. Daí explicitamos que a
cação no tempo e no espaço, ela é considerada pedagogia também está em movimento. Para defi-
História da Educação e, por outro lado, ela se vol- nir esse conhecimento pedagógico como ciência,
ta para campos de especialização diferentes, é en- é necessário distinguir a pedagogia pelo método de
carada como Filosofia da Educação. Neste senti- investigação, o qual precisa captar a dinâmica do
do, a pedagogia apresenta-se encoberta por outros campo educacional.
campos de conhecimentos. O conhecimento científico volta-se, através do
Porém, assumir a pedagogia como reflexão so- método, principalmente para a concretude do real,
bre os fatos da educação - pertencentes ao seu ou seja, pretende ser um saber real, e um saber real é
domínio, e não ao de outras especializações-, ela um saber do real 4 • Para tanto, é necessário um mé-
é definida como ciência autônoma da educação, todo cuja concepção represente o universal con-
como defende Mialaret 3 , entre outros. creto, que forneça leis objetivas, as quais sejam, ao
Para sua reflexão, a pedagogia depende de ou- mesmo tempo, leis de todo o movimento, tanto do
tras ciências, assim como outras precisam dela, ain- real quanto do pensamento, do objetivo e do sub-
da que cada qual com seu objeto de estudo. Por jetivo.
exemplo: se o objeto de estudo da história da edu- O método científico compreende a lógica ge-
cação é o espaço e o tempo da educação, o objeto ral, tácita ou explicitamente empregada para apre-
da pedagogia é a educação no espaço e no tempo, ciar o mérito de uma pesquisa, o processo de refle-
ou seja, a pedagogia historiciza a educação. xão que vai do abstrato ao concreto, para se apos-
Para reconhecer a autonomia epistemológica sar deste e apresentá-lo como concreto pensado5 • Esse
de uma ciência específica da educação, é necessá- método lógico inerente à ciência é o instrumento
rio precisar a natureza do seu objeto e seus méto- para atingir conclusões fundadas acerca do mundo
dos de estudo. É indubitável que a discussão do em que os homens vivem e do lugar que nele ocu-
estatuto epistemológico da ciência da educação, pam, pois possibilita captar a realidade em movi-
ou pedagogia, se deva realizar no contexto de uma mento. Assim, as leis de tal método - internas ao
reflexão epistemológica própria. Para isso, recorre- conhecimento e ao conhecido, o objeto - de-
mos à epistemologia específica da educação. vem ser concretas.
A educação, como vimos, é um campo eminen- Todas essas caracterizações de método nos re-
temente humano mutável através do tempo. Isso portam, efetivamente, ao método dialético. Sua
significa que a educação é um objeto dinâmico, existência possibilita definir a pedagogia como ci-
em construção, portador de finalidades e perspec- ência autônoma da educação, pois leva à compre-
tivas temporais, o que torna complexo o seu co- ensão do fenômeno da educação em seu movimen-
nhecimento. Resta frisar que ela pertence a um to e em sua complexidade e permite também com-
campo que se m0difica parcialmente também quan- preender a pedagogia como um campo de estudo
do se tenta conhecê-lo, do mesmo modo que pro- concreto da realidade educacional.
voca mudanças naquele que procura conhecê-lo. Pode ainda restar uma dúvida, para que possamos
Assim, há um reconhecimento na valorização do classificar a pedagogia como ciência, destacando-a dos
1
DEBESE e MIALARET; 1974:3-4
3
MIALARET; 1977:13
4
JEAN LADRIÉRE (1978:35)
5
MARX; 1982:14
Augusto Guzzo Revista Acadêmica
domú-lios de outras ciências, como a história da edu- Essas leis, transitoriamente relacionadas, possi-
cação: que características da pedagogia lhe garantem bilitam uma análise objetiva tanto do processo
a condição de ciência autónoma? quanto do produto educacional, dois elementos em
Primeiro, é preciso partir da idéia de que qual- constante interação. Assim, estão sempre em mo-
quer área do conhecimento científico abrange ape- vimento, pois, ao se analisar um processo, chega-
nas e tão-somente o universo em que seus concei- se a um produto que, por sua vez, pode ser analisa-
tos, suas leis, seus procediment9s se inscrevem. do novamente, gerando novo produto. O novo
Entretanto, não existe ciência solitária; cada uma processo é a superação do processo e do produto
dá suas contribuições às demais, criando condições primeiro, pois são opostos, contraditórios, e, num
para um conhecimento interdisciplinar. O mesmo determinado momento de quantidade, levam o
ocorre com a pedagogia. novo processo a uma qualidade diferenciada.
Segundo, a pedagogia, definida como ciência A compreensão do método dialético só se tor-
autónoma, tem um objeto que lhe é próprio, a edu- nou possível com o advento do capitalismo. Na
cação, a ação educativa, e faz uso de um método acumulação primitiva do capitalismo, a visão de
que pertence ao campo da lógica dialética. Assim, mundo ocidental transformou-se. E não só a visão
a pedagogia destaca-se de outros campos científi- de mundo (superestrutura), mas também o modo
cos por seu objeto, suas hipóteses e sua teoria espe- de produção (estrutura) já se vinha modificando,
cíficos e busca a concretude do real ou um saber um influenciando o outro. A estrutura, no entan-
do real através de um método que apreende o mo- to, determinava a superestrutura, pois já alcançara
vimento. um grande desenvolvimento no campo da técnica
E o que diferencia a pedagogia como ciência da e das relações de produção.
educação de outras ciências da educação? A peda- Essa nova visão de mundo do homem em tran-
gogia busca analisar tanto o produto da ação edu- sição fez emergir as próprias ciências humanas des-
cacional - o qual descreve, explica, interpreta- vinculadas da filosofia - a sociologia, a psicolo-
quanto seu processo - algo que se deve fazer, pro- gia, a história, a economia e, mais recentemente, a
duzir, realizar. Assim, podemos considerar a peda- pedagogia - , decorrentes da estrutura social capi-
gogia como ciência que procura sistematizar a edu- talista e das três condições básicas do processo de
cação, uma teoria construída a partir e em função trabalho próprio do capitalismo: 1) separação en-
das exigências educacionais, ou seja, realidade-pro- tre trabalhadores e meios de produção, sendo que
cesso e realidade-produto. os trabalhadores só têm acesso aos meios ao ven-
Essas características da pedagogia- ciência que der sua força de trabalho; 2) liberdade dos traba-
trata do processo e do produto da educação- só lhadores de dispor de sua força de trabalho; 3) atua-
encontram respaldo no método dialético. Os outros ção dos trabalhadores na expansão de uma unida-
métodos, além de não abrangerem a educação, tam- de de capital, que pertence ao comprador de sua
bém não captam o movimento do sujeito e do obje- força de trabalho, o capitalista.
to, proporcionando uma compreensão parcial, tem- Ou seja, as ciências humanas - investigação
poral e estagnada do campo educacional. O método para compreender as relações do homem consigo
dialético, de seu lado, leva em conta as partes para a mesmo, com os outros, com a transcendência e com
compreensão da totalidade do próprio objeto, a edu- a natureza- surgiram em função da necessidade
cação, e conta com lé1s que permitem a relação entre de produção capitalista, do desenvolvimento da
o produto e o processo educacional no decorrer do própria produção ou do processo de trabalho. As-
próprio processo. São elas, como afirma Lefebvré, a sim se estabeleceram os diversos métodos das ciên-
lei da conexão universal; a lei do movimento univer- cias, por exemplo a visão naturalista e a visão dia-
sal; a lei da unidade dos contrários; a lei da transfor- lética, ora para auxiliar o desenvolvimento do pró-
mação da quantidade em qualidade; a lei da supera- prio capitalismo, ora para compreendê-lo e criticá-
ção. lo- cada um dos quais enfocando a ciência com
6
LEFEBVRE (1975)
interesses próprios. Tanto a pedagogia com seu método metafísico
Assim, se a pedagogia tem como objeto de es- quanto a pedagogia com seu método naturalista
tudo a prática educacional e esta se apresenta, não podem ser, em si, compreendidas como ciên-
através dos tempos, com diferentes perspectivas cias pedagógicas, na medida em que não tratam da
ou visões de mundo, caracterizando-se por mé- prática educativa como um processo e um produ-
todos diferenciados, é porque ela depende do pe- to, ou seja, em seu movimento. Em certo momen-
dagogo e de sua posição nas condições básicas to, elas até podem analisar o produto da prática
do capitalismo. Por isso a pedagogia dispõe hoje educativa, mas de modo fixo, acrítico e sem histo-
de diferentes teorias pedagógicas para explicar a ricizar a própria prática educativa. Ao contrário, a
educação. pedagogia como ciência - aquela que concebe a
A pedagogia, ao mesmo tempo que apreende a prática educativa em seu movimento de processo
prática educacional, vai além da descrição, da ex- e produto e como unidade de múltiplas relações
plicação, para buscar o sentido dessa realidade, atra- -busca encontrar na prática educativa o homem
vés das relações entre os indivíduos. Compreen- transformador ou criador que transcende o mundo
dendo o indivíduo como unidade de múltiplas re- dado, natural, bem como almeja o processo de au-
lações, podemos afirmar que essas relações são tam- toprodução do ser humano, que constitui precisa-
bém relações educacionais, caracterizadas pelo pro- mente a sua história 7 •
cesso e pelo produto delas mesmas. Assim, a peda- Portanto, a ciência da pedagogia, como produ-
gogia deve abarcar as múltiplas relações que o in- ção de conhecimento de uma área determinada
divíduo tem durante toda a vida para tornar-se cada - a educação- e com um método específico-
vez mais humano. o dialético - , é autónoma como as demais ciências
As concepções ou tendências pedagógicas que do homem. A pedagogia deixa, assim, de ser con-
se mostram na realidade educacional ao longo da cebida como um instrumento das ciências huma-
história tratam justamente dessas relações. Toda- nas e passa a revelar seus próprios problemas no
via, manifestam-se em função da fragmentação que campo do conhecimento, que atingem, direta ou
ocorre na realidade ou, ainda, concebem os indi- indiretamente, a estrutura (modo de produção) ou
víduos por justaposição, não orgânica e ativamen- a superestrutura (valores, crenças, ideologia) de
te, refletindo a prática educativa de modo também determinada sociedade. É uma pedagogia que en-
fragmentado, sem criticá-la. cara a educação como prática social.
7
VÁZQUEZ, 1987
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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