Você está na página 1de 3

RELENDO OS QUADRINHOS

A História em Quadrinhos sempre foi subjulgada por alguns teóricos que não
conseguiam enxergá-la como uma obra literária constituída por elementos lingüísticos,
peculiares e específicos, que evidenciam uma obra de arte moderna com representação
mundial. Sempre foi tratada pelo professor com o mesmo descaso destes teóricos,
sendo utilizada somente como um instrumento de iniciação no mundo da Literatura,
deixando assim de explorar uma gama enorme de elementos lingüísticos, artísticos e
ideológicos, consonantes com o contexto da arte moderna universal.

Para entendermos essa coerência, faremos uma breve explanação sobre o surgimento das HQs no
cenário mundial e no brasil:

A História em Quadrinhos é uma arte recente na história da cultura universal, vem logo após a
arte da ilustração, todas desenvolvidas
a partir do aparecimento da imprensa.

As inscrições rupestres nas cavernas pré-históricas já revelavam a preocupação do homem em narrar


os acontecimentos através de desenhos sucessivos, onde nos leva a crer que a origens das "Histórias
em Quadrinhos" estão no início da civilização.

Durante o processo civilizatório, várias manifestações culturais aproximaram-se desse gênero


narrativo (mosaicos, afrescos, tapeçarias) e muitas técnicas foram utilizadas para registrar a história
por meio de uma seqüência de imagens.

A história da história em quadrinhos brasileira é marcada por altos e


baixos, de acordo com o progresso da imprensa e da impressão.

(...) A luta por um lugar ao sol, uma cultura brasileira, uma estética
nacionalista na mídia impressa prossegue, como uma saga dos
quadrinhos, em série infinita.

A História em quadrinhos chegou ao Brasil, com toda a sua plenitude,


nos anos trinta, teve o seu apogeu nos anos quarenta e depois se
acomodou, justamente quando os "experts" descobriram que ela era
uma arte séria. "

De forma geral, somente na primeira década deste século o quadrinho se constitui como linguagem
sistematizada: articulação de signos verbais e não verbais como prática simbólica narrativa.

Na década de 60, ao nível da vanguarda artística em geral, se dá início a modernidade dos


quadrinhos brasileiros, assumindo-se como realidade estético-informacional, onde os autores das
historietas extrapolam os mecanismos da cultura de massa.

A interrelação quadrinhos/vanguarda, por outro lado, atingiu os próprios produtores de uma


vanguarda (anti)literária. Em nosso país, na área do poema, e explorando alguns dos recursos
estruturais dos quadrinhos, encontramos Álvaro de Sá, com "12 x 9"; Ronaldo Azeredo, com "O Sonho
e o Escravo"; Falves Silva, com "américa américa"; Dailor Varela, com "Não ao não"; Antônio Luís
Andrade, com "Meta-quadrinhos" e Lapi, que faz desta interrelação toda a matriz estética da sua obra,
através de quadrinhos poetizantes e poemas quadrinizados.

A produção dos quadrinhos brasileiros têm seu marco divisor - modernidade x antigüidade - no
"Pererê" (1960/64), de Ziraldo.

Ziraldo conseguiu penetrar na realidade nacional da época com bastante agudeza crítica.

Decerto, os problemas básicos continuavam os mesmos: problemas editoriais, econômicos, culturais.


A arte em quadrinhos brasileira pós-68 encontrou no "Zéferino" (1972/JB), de Henfil, a marca maior
de uma crítica social que se fazia necessária. Através dos quadrinhos, e depois dos "Fradinhos", do
"Preto-que-ri", da série publicada no Jornal dos Sports, Henfil conseguiu atingir o cerne da realidade
brasileira penetrando na realidade nordestina. O realismo de Henfil explorou com eficácia discursiva os
elementos formais das estruturas dos quadrinhos.

Além de Henfil, os outros autores de quadrinhos que têm pensado a realidade brasileira de modo tão
contundente são Evandro Mesquita, Edgar Vasques, Chico Caruso, Ivan Maurício, entre outros.

Sob o impacto das novas manifestações (anti)artísticas e das novas realidades (contra)culturais, os
quadrinhos brasileiros inseriram-se na problemática do experimental através de pesquisas nem sempre
satisfatórias.

Superando a engrenagem e os vícios literários da cultura de massa, os quadrinhos experimentais


brasileiros, à margem do sistema editorial, figuram no centro de toda uma vanguarda artística que
produz na América Latina, apesar de influências nem sempre produtivas. E se neles a violência política
está ausente, o mesmo não se dirá - pelo menos em alguns nomes representativos - da violência
gráfica e da violência erotizante.

O experimentalismo nos quadrinhos, como em qualquer outra


arte, fundamenta-se na pesquisa de linguagem. Esta pesquisa
será válida na decorrência de sua funcionalidade estética e social.

Somente Maurício de Sousa, ao longo de vários anos (a partir de 1959), conseguiu montar uma
estrutura eficaz para atender às necessidades do mercado consumidor. Seus personagens são hoje
conhecidos nacionalmente, através de suas revistas que vendem por mês 3 milhões de exemplares e
de algumas dezenas de jornais em todo o país, e internacionalmente, atingindo mercados europeus,
asiáticos e americanos com as traduções de suas histórias.

Uma pesquisa do Instituto Gallup comprovou que do público leitor da Mônica, 56% são pessoas
com mais de 18 anos. Assim, a filosofia das histórias criadas por Maurício é a de divertir, de entreter e,
na medida do possível, transmitir às crianças (e aos adultos) mensagens de otimismo. Seus
personagens não são neuróticos. Eles tentam resolver seus próprios problemas. Seu estilo de desenho
é simples, coerente com o tipo de narrativa que faz para o consumo diário. Os leitores de Histórias em
Quadrinhos querem entendê-las num relance e sem grande esforço. Arabescos, enfeites de fundos e
detalhes em demasia, dificultam essa visão imediata.
Enraizados na realidade da vida e do cotidiano, seus bonecos são "gente". Identificam-se com pessoas,
retratam a vida no seu dia-a-dia. A conversão dos personagens é popular. O "dia-a-dia": comer,
dormir ter emoções, boas ou más, sentir amor ou raiva são ingredientes universais.
Logo, o que vale para Chico Bento, vale para o mundo.
(in Mônica no MASP, outubro-1979)

A obra literária em si funciona como um produto particular, produtor de um discurso que será
reproduzido pelo receptor; a riqueza ou a precariedade da reprodução de um discurso dependerá da
capacidade de decodificação/recodificação do receptor, desde que a obra preencha determinados
requisitos estéticos.

A estética das Histórias em Quadrinhos é bastante peculiar. Ao contrário dos outros tipos de
literatura, os quadrinhos fomentam a sua comunicação em signos não-verbais, as imagens constituem
o cerne. A palavra é um auxílio ao elemento visual e muitas vezes se torna um.

É dessa linguagem, inovadora e complexa, que trataremos na Parte II deste artigo, que será
veiculado em Agosto-2000 no número 4 desta revista. Abordaremos os quadrinhos levando em conta a
prática semiológica, a riqueza contida na interação das linguagens verbais e não-verbais. Ilustraremos
com diversas sugestões pedagógicas para utilização das HQs em sala de aula para alunos de todas as
faixas etárias. Para isso contamos com a colaboração dos leitores interessados que tenham
experiências bem sucedidas na utilização dos quadrinhos como recurso didático.
Participe! Divulgue o seu trabalho!

Simone de Jesus Souza


Professora do Ensino Fundamental do Município do Rio de Janeiro;
Graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em Língua Pórtuguesa e Literaturas;
Especialista em Literatura Infanto-Juveni pela Universidade Federal Fluminense (UFF);
rjsouza@montreal.com.br

Bibliografia
CIRNE, Moacy. Vanguarda: Um Projeto Semiológico; Petrópolis, Vozes; 1975
História e Crítica dos Quadrinhos Brasileiros; Rio de Janeiro, Funarte Europa Empresa Gráfica e Editorial; 1990
Os Feras do Quadrinho Brasileiro; Rio de Janeiro, FUNARTE, [1986?]
MOYA, Álvaro de. História das Histórias em Quadrinhos; 3 ed. São Paulo, Brasiliense; 1994.

Fonte: http://www.estacio.br/graduacao/pedagogia/literarte/Literarte03/artigos.htm

Você também pode gostar