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GRUPO I (100 PONTOS)

A
Lê o texto a seguir transcrito. Em caso de necessidade, consulta o vocabulário apresentado.
Em 1801, achamos Domingos José Correia Botelho de Mesquita corregedor em Viseu.
Manuel, o mais velho de seus filhos, tem vinte e dois anos, e frequenta o segundo ano jurídico.
Simão, que tem quinze, estuda humanidades em Coimbra. As três meninas são o prazer e a vida toda do
coração de sua mãe.
5 O filho mais velho escreveu a seu pai queixando-se de não poder viver com seu irmão, temeroso do
génio sanguinário dele. Conta que a cada passo se vê ameaçado na vida, porque Simão emprega em
pistolas o dinheiro dos livros, convive com os mais famosos perturbadores da academia, e corre de
noite as ruas insultando os habitantes e provocando-os à luta com assuadas 1. O corregedor admira a
bravura de seu filho Simão, e diz à consternada mãe que o rapaz é a figura e o génio de seu bisavô
10 Paulo Botelho Correia, o mais valente fidalgo que dera Trás-os-Montes.
Manuel, cada vez mais aterrado das arremetidas de Simão, sai de Coimbra antes de férias e vai a
Viseu queixar-se, e pedir que lhe dê seu pai outro destino. D. Rita quer que seu filho seja cadete 2 de
cavalaria. De Viseu parte para Bragança Manuel Botelho, e justifica-se nobre dos quatro costados para
ser cadete.
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No entanto, Simão recolhe a Viseu com os seus exames feitos e aprovados. O pai maravilha-se do
talento do filho, e desculpa-o da extravagância por amor do talento. Pede-lhe explicações do seu mau
viver com Manuel, e ele responde que seu irmão o quer forçar a viver monasticamente.
Os quinze anos de Simão têm aparências de vinte. É forte de compleição 3; belo homem com as
feições de sua mãe, e a corpulência dela; mas de todo avesso em génio. Na plebe 4 de Viseu é que ele
20 escolhe amigos e companheiros. Se D. Rita lhe censura a indigna eleição que faz, Simão zomba das
genealogias, e mormente do general Caldeirão que morreu frito. Isto bastou para ele granjear a mal-
querença de sua mãe. O corregedor via as coisas pelos olhos de sua mulher, e tomou parte no desgosto
dela, e na aversão ao filho. As irmãs temiam-no, tirante Rita, a mais nova, com quem ele brincava pue-
rilmente5, e a quem obedecia, se lhe ela pedia, com meiguices de criança, que não andasse com pes-
25 soas mecânicas.
Finalizavam as férias, quando o corregedor teve um grande dissabor. Um dos seus criados tinha ido
levar a beber os machos, e, por descuido ou propósito, deixou quebrar algumas vasilhas que estavam à
vez no parapeito do chafariz. Os donos das vasilhas conjuraram contra o criado; espancaram-no.
Simão passava nesse ensejo; e, armado dum fueiro 6 que descravou dum carro, partiu muitas cabeças, e
30 rematou o trágico espetáculo pela farsa de quebrar todos os cântaros. O povoléu 7 intacto fugira espavo-
rido, que ninguém se atrevia ao filho do corregedor; os feridos, porém, incorporaram-se e foram cla-
mar justiça à porta do magistrado.
Domingos Botelho bramia contra o filho, e ordenava ao meirinho-geral que o prendesse à sua
ordem. D. Rita, não menos irritada, mas irritada como mãe, mandou, por portas travessas, dinheiro ao
35 filho para que, sem detença, fugisse para Coimbra, e esperasse lá o perdão do pai.
O corregedor, quando soube o expediente de sua mulher, fingiu-se zangado, e prometeu fazê-lo
capturar em Coimbra. Como, porém, D. Rita lhe chamasse brutal nas suas vinganças, e estúpido juiz
de uma rapaziada, o magistrado desenrugou a severidade postiça da testa, e confessou tacitamente
que era brutal e estúpido juiz.
CASTELO BRANCO, Camilo (2016). Amor de Perdição, Capítulo I.

Porto: Porto Editora [pp. 21-24]

Encontros • Português, 11.º ano ©Porto Editora


1. assuadas: arruaças; algazarras. 2. cadete: soldado ou aluno que cursa escolas de oficiais militares. 3. compleição: constituição do corpo. 4. plebe:
população; ralé. 5. puerilmente: de forma infantil. 6. fueiro: cada um dos paus que se erguem nos lados do leito do carro de bois ou de atrelado. 7.
povoléu: gentalha.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
1. Com base no excerto, analisa a relação existente entre Simão Botelho e a sua família. (20 pontos)
2. Mostra de que forma se delineia a construção do herói romântico neste momento da ação.
(20 pontos)
3. Transcreve um excerto que evidencie a crónica da mudança social presente em Amor de
Perdição, justificando a tua opção. (20 pontos)

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
4. Considera a carta transcrita. (20 pontos)

“É necessário arrancar-te daí – dizia a carta de Simão. – Esse convento há de ter uma
evasiva. Procura-a, e diz-me a noite e a hora em que devo esperar-te. Se não puderes
fugir, essas portas hão de abrir-se diante da minha cólera. Se daí te mandarem para
outro convento mais longe, avisa-me, que eu irei, sozinho ou acompanhado, roubar-te
ao caminho. É indispensável que te refaças de ânimo para te não assustarem os arrojos
da minha paixão. És minha! Não sei de que me serve a vida, se a não sacrificar a salvar-
-te. Creio em ti, Teresa, creio. Ser-me-ás fiel na vida e na morte. Não sofras com paciência;
luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder paternal é uma
afronta. Escreve-me a toda a hora que possas. Eu estou quase bom. Diz-me uma palavra,
chama-me e eu sentirei que a perda do sangue não diminui as forças do coração.”

CASTELO BRANCO, Camilo, Op. cit., Capítulo VIII [pp. 90-91]

4.1. Com base na carta, caracteriza a relação existente entre Simão e Teresa. (20 pontos)

5. Refere as principais funções das cartas na obra Amor de Perdição. (20 pontos)

G R U P O II (50 PONTOS)

Lê o texto seguinte.

GRUPO I (100 PONTOS)

Critérios específicos
Item Cotação Cenário de resposta
de classificação
• Irmão mais velho: relação conflituosa com Simão, devido ao seu • Aspetos de conteúdo –
carácter violento e desordeiro. 12 pontos.
• Irmã mais nova: relação afetuosa com Simão (cf. brincadeiras • Aspetos de estruturação
1. 20 pontos pueris entre ambos). do discurso e correção
• Restantes irmãs: relação pautada pelo medo. linguística:
• Pais: relação baseada, simultaneamente, na autoridade e na · estruturação do
condescendência. discurso – 4 pontos;
2. 20 pontos • Características de Simão Botelho que permitem antevê-lo como · correção linguística –
herói romântico: ímpeto, excesso na expressão de sentimentos

Encontros • Português, 11.º ano ©Porto Editora


(violência). 4 pontos
• “Se D. Rita lhe censura a indigna eleição que faz, Simão zomba
das genealogias, e mormente do general Caldeirão que morreu
frito.” (ll. 20-21)
3. 20 pontos • Oposição de valores sociais: D. Rita valoriza a genealogia e a
defesa do nome familiar (valores tradicionais); Simão Botelho
ridiculariza esses mesmos valores, evidenciando a mudança social
do século XIX).
• Relação de amor-paixão:
4. 20 pontos · veemência do sentimento amoroso;
· eventualidade da morte por amor.
• Funções das cartas:
· forma de comunicação e ligação entre Simão e Teresa;
5. 20 pontos
· forma de expressão lírica de sentimentos/contribuição para a
construção do herói romântico (veia poética do herói romântico).

G R U P O III (50 PONTOS)

Cenário de resposta Critérios específicos de classificação

Possíveis aspetos a ter em conta: • Aspetos de conteúdo – 30 pontos.

• descrição do cartoon (homem cego debruçado na • Aspetos de estruturação do discurso e correção


janela, contemplando o escuro, alheio à luz que, atrás linguística:
de si, cai sobre outras figuras) · estruturação temática e discursiva – 10 pontos;
• interpretação do cartoon: valor simbólico da · correção linguística – 10 pontos.
cegueira (ex.: diferentes formas de percecionar a
realidade ou a cegueira como característica de quem
não quer ver/conhecer)
• desenvolvimento de uma reflexão com base na
interpretação feita (explicitando um ponto de vista de
forma clara e pertinente, recorrendo a argumentos
desenvolvidos e respetivos exemplos, emitindo um
discurso valorativo, com juízos de valor explícitos ou
implícitos).

Encontros • Português, 11.º ano ©Porto Editora

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