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Grupo I
Apresenta as tuas respostas de forma bem estruturada.
PARTE A
Lê o seguinte excerto do capítulo IV de Amor de Perdição. Se necessário, consulta as notas.
Teresa ergueu-se sem lágrimas, e entrou serenamente no seu quarto. Tadeu de Albuquerque foi
encontrar seu sobrinho, e disse-lhe:
– Não te posso dar minha filha, porque já não tenho filha. A miserável, a quem dei este nome,
perdeu-se para nós e para ela.
Baltasar, que, a juízo de seu tio, era um composto de excelências, tinha apenas uma quebra: a
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absoluta carência de brios. Malograda a tentativa do seu amor de emboscada, tornou para a terra o
primo de Teresa, dizendo ao velho que ele o livraria do assédio em que Simão Botelho lhe tinha o
coração da filha. Não aprovou a reclusão no convento, discorrendo sobre as hipóteses infamantes
que a opinião pública inventaria. Aconselhou que a deixasse estar em casa, e esperasse que o filho
do corregedor viesse de Coimbra.
10 Ponderaram no ânimo do velho as razões de Baltasar. Teresa maravilhou-se da quietação
inesperada de seu pai, e desconfiou da incoerência. Escreveu a Simão. Nada lhe escondeu do
sucedido; nem as ameaças de Baltasar por delicadeza suprimiu. Rematava comunicando-lhe as suas
suspeitas de algum plano de violência.
O académico, chegando ao período das ameaças, já não tinha clara luz nos olhos para decifrar o
restante da carta. Tremia sezões 1, e as artérias frontais arfavam-lhe entumecidas 2. Não era
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sobressalto do coração apaixonado: era a índole arrogante que lhe escaldava o sangue. Ir dali a
Castro Daire, e apunhalar o primo de Teresa na sua própria casa, foi o primeiro conselho que lhe
segredou a fúria do ódio. Neste propósito saiu, alugou cavalo, e recolheu a vestir-se de jornada. Já
preparado, a cada minuto de espera assomava-se em frenesis 3. O cavalo demorou-se meia hora, e o
seu bom anjo, neste espaço, vestido com as galas com que ele vestia na imaginação Teresa, deu-lhe
20 rebates de saudade daqueles tempos e ainda das horas daquele mesmo dia em que cismava na
felicidade que o amor lhe prometia, se ele a procurasse no caminho do trabalho e da honra.
Contemplou os seus livros com tanto afeto, como se em cada um estivesse uma página da história do
seu coração. Nenhuma daquelas páginas tinha ele lido, sem que a imagem de Teresa lhe aparecesse
a fortalecê-lo para vencer os tédios da continuada aplicação, e os ímpetos dum natural inquieto e
ansioso de emoções desusadas. «E há de tudo acabar assim?, pensava ele, com a face entre as mãos,
25 encostado à sua banca de estudo. Ainda há pouco eu era tão feliz!... – Feliz!», repetiu ele, erguendo-
se de golpe. «Quem pode ser feliz com a desonra duma ameaça impune!... Mas eu perco-a! Nunca
mais hei de vê-la... Fugirei como um assassino, e meu pai será o meu primeiro inimigo, e ela mesmo
há de horrorizar-se da minha vingança... A ameaça só ela a ouviu; e, se eu tivesse sido aviltado 4 no
conceito de Teresa pelos insultos do miserável, talvez que ela os não repetisse…»
30 Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2006, p. 60.
1
sezões: febre intermitente ou cíclica. 2entumecidas: inchadas. 3frenesis: estado de exaltação violenta que põe o indivíduo fora de si.
4
aviltado: humilhado; rebaixado; desonrado.
2. O narrador descreve, nas linhas 15 a 27, comportamentos antagónicos de Simão que indiciam uma
certa inconstância.
Identifica e justifica esses comportamentos.
por um lado, Simão considera que não poderá ser feliz vivendo em desonra, se não se vingar da
afronta perpetrada por Baltasar, e pensando que poderia ter sido desconsiderado perante Teresa
(«– Quem pode ser feliz com a desonra duma ameaça impune!...», l. 29; «se eu tivesse sido aviltado
no conceito de Teresa», ll. 31-32);
por outro, tem noção das consequências negativas da sua vingança: teria de fugir, não podendo
voltar a ver Teresa, o seu pai nunca o perdoaria e, acima de tudo, a jovem ficaria horrorizada com o
seu ato («Mas eu perco-a! Nunca mais hei de vê-la... Fugirei como um assassino, e meu pai será o
meu primeiro inimigo, e ela mesmo há de horrorizar-se da minha vingança...», ll. 29-31).
PARTE C
3. Do ponto de vista do autor, o leitor afeiçoa-se à obra de Camilo Castelo Branco pela
(A) diversidade temática e de abordagens que a aproximam da atualidade.
(B) forma como dá a conhecer formas de agir muito diferentes da sua.
(C) visão pessimista e derrotista que transpõe para a abordagem dos temas.
(D) constância no tratamento dos temas, mesmo nos mais incomodativos.