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CAPÍTULO 3: REPARO ÓSSEO NORMAL E ALTERADO

FUNDAMENTOS DE ORTOPEDIA & TRAUMATOLOGIA (José Batista Volpon)

SEÇÃO 1: PRINCÍPIOS

CAPÍTULO 3: REPARO ÓSSEO NORMAL E ALTERADO


João Paulo Mardegan Issa

O osso é um tecido peculiar no sentido que se repara formando novo tecido ósseo e, assim, restabelece a
continuidade do segmento, com recuperação das propriedades mecânicas e anatômicas. Entretanto, pode haver desvios
do processo normal de reparação.
O processo de reparação em uma fratura envolve todos os componentes ósseos (periósteo, porções cortical e
medular), e poderá ocorrer de forma normal ou alterada. O periósteo tem origem durante o período embrionário e se
prolonga até a fase pós-natal, sendo formado pelos osteoblastos que estão em contato direto com o osso. A camada
interna dessa estrutura é que apresenta inúmeras células osteogênicas que, no adulto, apenas entram em intensa
atividade para reparar fraturas ou outras lesões ósseas. O endósteo corresponde à lâmina composta por células
pavimentosas e tecido conjuntivo que recobrem as paredes do tecido ósseo trabecular, envolvendo o canal medular e
prolongando-se em direção das cavidades ósseas.
Quando existe uma fratura, células liberam mediadores que, em conjunto, vão promover a reparação da área
lesada, buscando recompor a morfologia e a função do tecido. Em termos de reparação, o osso é estrutura ímpar, pois
cicatriza formando osso e não fibrose, como os demais tecidos.
De forma geral, imediatamente após a fratura, o suprimento sanguíneo é interrompido e o sangramento decorrente vai
ser responsável pela formação de um hematoma, processo que ocorre até 12 horas após a fratura. Tipos celulares
conhecidos como plaquetas liberam o PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas) que terá papel preponderante
no recrutamento de células inflamatórias para o local lesionado.
Na sequência, células pré-osteoblásticas presentes principalmente no periósteo e tecido ósseo adjacente, vão se
diferenciar em osteoblastos ativos graças a fatores de crescimento específicos presentes no sangue circulante e, aí, dar
início ao processo de reparação óssea. Estudos indicam de forma mais ampla que a formação do futuro tecido ósseo
tem início 24h após a fratura. O osso neoformado em tomo dos fragmentos fraturados é chamado calo ósseo e sua
quantidade depende do tipo de reparo que ocorrerá.
Basicamente, o osso pode se reparar primariamente, com formação mínima de calo ósseo, se os fragmentos
estiverem bastante próximos e estáveis (sem movimentação anômala). Isto pode ocorrer de maneira natural em
fraturas incompletas ou impactadas, principalmente nas regiões epifisárias e metafisárias (osso esponjoso). Na
reparação óssea secundária, ou por segunda intenção, existe a participação da ossificação intramembranosa e
endocondral. Assim, após um período em tomo de duas semanas, o calo ósseo é composto basicamente por tecido
ósseo imaturo que, associado à atuação de alguns fatores de crescimento, forma tecido cartilaginoso. Por último, essa
cartilagem, já mineralizada, é reabsorvida e substituída por osso.
O tecido ósseo é ímpar no sentido de que se repara com a formação de osso normal, representado pelo calo
ósseo externo (nas reparações secundárias), ou calo ósseo interno (nas reparações primárias).
A reparação de uma fratura pela formação de calo ósseo é o mecanismo clássico de consolidação do osso longo
(Figura 3.1-A). Entretanto, isto pode ser modificado se os fragmentos forem colocados em contato íntimo e
estabilizados. Isto ocorre de maneira espontânea com fraturas impactadas na região metafisária, ou é conseguido com
cirurgia para reposicionar os fragmentos e estabilizá-Ios por meio de implantes ortopédicos (Figura 3.1-B).
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Figura 3.1 (A) Exemplo de consolidação secundária caracterizada pela formação de grande calo ósseo periosteal (seta).
(B) Na consolidação primária, o traço de fratura desaparece (região destacada) e não se forma calo ósseo externo.

1. ANOMALIAS DA CONSOLIDAÇÃO ÓSSEA


Após a fratura, desencadeia-se uma cascata de eventos na região das extremidades fraturadas, cujo resultado
final é a reparação formando tecido ósseo. Entretanto, podem ocorrer desvios deste processo, que constituem as
anomalias de consolidação.
Para que ocorra uma correta consolidação óssea é necessário adequado posicionamento dos segmentos sobre
um leito ósseo bem vascularizado, mas também outros fatores como nutrição e saúde do indivíduo, tipo de fratura e
demanda funcional sobre o sítio ósseo acometido, influenciam o processo de consolidação óssea.
O osso pode apresentar consolidação atrasada, isto é, formar pouco calo ósseo em longo tempo, excedendo os
períodos normais esperados para a consolidação daquela fratura, naquele perfil de indivíduo. Pode ocorrer em pessoas
debilitadas, com o uso de medicamentos (corticosteroides, imunossupressores), em regiões ósseas pouco irrigadas ou
desvitalizadas pelo traumatismo, ou ser consequência de tratamento mal conduzido, principalmente por má técnica
operatória. Este tipo de anomalia é reversível, ou seja, tende à consolidação espontânea, embora possa demorar muito,
se não houver intervenção.
O outro tipo de anomalia de consolidação é a pseudartrose, que se caracteriza por ser uma alteração
irreversível (se não tratada), com mudanças estruturais na região da fratura, compostas pela interposição de tecido
fibroso ou cartilaginoso no foco de fratura e aparecimento de neocápsula que une os fragmentos. Estes ficam móveis, à
semelhança de uma articulação, onde o nome - pseudartrose (pseudo = falsa; artros = articulação; ose = degeneração).
Basicamente há dois tipos de pseudartrose:

1.a. Pseudartrose hipertrófica


Forma-se calo ósseo volumoso, alargando as extremidades dos fragmentos sem, entretanto, estabelecer união entre
eles. Muitas vezes, há cartilagem recobrindo estas extremidades e surge a presença de um espaço preenchido por
líquido. Neste tipo há boa capacidade osteogênica, mas o excesso de movimento (instabilidade da fratura), ou a diástase
dos fragmentos, não permitem a consolidação (Figura 3.2A). Portanto, se os fragmentos forem estabilizados
cirurgicamente ocorrerá união.
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Figura 3.2 (A) Radiografia de uma pseudartrose hipertrófica da fíbula. Forma-se calo ósseo abundante que, entretanto,
não une as duas extremidades do osso. (B) Pseudartrose atrófica: as extremidades ósseas sofrem reabsorção, há
aumento do espaço entre os ossos e osteoporose difusa.

1.b. Pseudartrose atrófica


Não há formação de calo, as extremidades ósseas ficam poróticas e afinadas, ocorrendo aumento do espaço da
fratura que fica preenchido por tecido fibroso cicatricial (Figura 3.2B).
Neste caso, há capacidade osteogênica local em decorrência de irrigação deficiente, presença de tecido
anormal, destruição excessiva de tecidos no momento do traumatismo ou em cirurgias mal conduzidas. Nesta situação,
o tratamento é cirúrgico, mas, além da estabilização, deve ser aplicado enxerto ósseo ou a utilização de outras técnicas
para estimular a osteogênese.

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