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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA

2020/1

Teoria e Metodologia da História II - Linha: Cultura e Representações

Compilado dos comentários sobre a bibliografia da disciplina

“Os reis taumaturgos” de Marc Bloch

Tuesday, 23 Jun 2020, 20:27

Com base na leitura da obra de Bloch, especialmente sua introdução e os dois primeiros
capítulos da obra, além do excelente e esclarecedor prefácio de Jacques Le Goff, gostaria de
destacar o que acho mais importante da obra que é o diálogo entre uma história política e
cultural. Bloch afirma que sua intenção era dar uma contribuição a história política da Europa
“no sentido amplo, no verdadeiro sentido da expressão “história política“ (BLOCH, p. 51). Já
que os aspectos culturais e religiosos de uma sociedade não deveriam ser alijados de uma
interpretação mais factual relacionada a história política.
Nesse sentido, o minucioso estudo desse fenômeno, que seria o poder milagroso dos Reis,
insere-se num contexto mais amplo que seria a própria afirmação do poder real e/ou
dinástico. Ao estudar as origens dessa representação na França e Inglaterra, e seu
desenvolvimento ao longo de séculos, Bloch não se furta de utilizar diversos exemplos e
comparativos com outras sociedades antigas e modernas. Obviamente a questão mais bem
desenvolvida pelo autor gira em torno da Cristandade e todos os seus ritos e cerimoniais,
especialmente a unção dos Reis e sua coroação pelo Papa, como sendo um dos eixos
explicativos para que esse “milagre” tivesse uma recepção não somente pelos “beneficiados“
pelo milagre régio e demais súditos, mas também pelas próprias realezas europeias.
Resumindo, como esclarece Le Goff, o que Bloch quis fazer foi a história de um milagre mas
também da crença das sociedades nesse milagre (p. 18). Para isso não devemos esquecer da
importância das representações religiosas para os homens da idade média pois eles teriam “as
coisas da religião uma imagem muito material” (p.93). Portanto, a análise da política
real/dinástica das monarquias medievais (e em certo ponto, também as absolutistas) não
poderiam estar dissociadas dos aspectos mágicos e do mundo das crenças das populações
naqueles contextos, mesmo que essa crença no milagre régio tenha constituído um “erro
coletivo“.

Re: “Os reis taumaturgos” de Marc Bloch

por REGINA WEBER - Wednesday, 24 Jun 2020, 19:03

Concordo com suas colocações, Valdir, apenas vou pontuar detalhes:


"Já que os aspectos culturais e religiosos de uma sociedade não deveriam ser alijados de uma
interpretação mais factual relacionada a história política. " Se você retirar o que destaquei,
talvez fique mais adequado. Os Annales se distanciaram da história factual do tipo mais
antigo. Então, eles inserem a cultura no estudo da própria história política, procurando
distanciá-la de uma história apenas factual.
"...como sendo um dos eixos explicativos para que esse “milagre” tivesse uma recepção ...."
Na minha leitura, o rito da unção é um elemento que deu suporte, ou melhor, que faz parte
das vertentes que contribuíram para a cura das escrófulas. Se tivéssemos lido outros caps isso
ficaria mais claro, pois também há rito com água na cura dos reis.
Exatamente, a história da crença é que é importante, pois populares e reis acreditavam.

"Representações sociais: um domínio em expansão" de Denise Jodelet

Tuesday, 22 Sep 2020, 12:44

Após reavaliar o capítulo introdutório de Denise Jodelet tenho algumas considerações.


Apesar dos apontamentos feitas naquela aula em que discutimos o texto, com as quais eu
concordo, de que a autora não apresenta de forma clara o que ela própria entende por
representações sociais ou que a sua conceituação é vaga e demasiado ampla, o texto traz
considerações interessantes para aqueles que eram pouco próximos do tema como eu.
A autora além de apresentar a diversidade de campos e esferas teórico-metodológicas que
usam a categoria de "representação social" indicando também uma vasta bibliografia, com
abordagens sempre complexas, também atenta para os sensos práticos e os usos das
representações sejam elas informativas, cognitivas, ideológicas, normativas, de crenças,
valores, atitudes, opiniões, imagens etc,.
Para a autora a representação social é uma forma de conhecimento pratico que contribui para
a construção de realidades comuns, sendo elas, portanto, sistemas de interpretação que regem
nossa relação com o mundo e com o outro. (p. 22)
Pensando na minha pesquisa sobre as representações anticomunistas, acho interessante
perceber como as representações se relacionam com os sistemas simbólicos e ideológicos, já
que, segundo Jodelet, "a representação social é sempre representação de alguma coisa ou de
alguém" e, sendo assim, "as características do sujeito e do objeto nela se manifestam",
considerando que a representação tem com seu representado uma "relação de simbolização
(substituindo-o) e de interpretação (conferindo-lhe significações)". (p. 27)
Representar corresponderia então a um ato de pensamento, de classificação, de atribuição de
significantes, seja a um grupo de pessoas, acontecimento material, objeto, idéias ou teorias.
Nesse sentido pode-se perceber mais facilmente o fenômeno do anticomunista e o imaginário
que se formou em torno do comunismo.

Re: "Representações sociais: um domínio em expansão" de Denise Jodelet

por REGINA WEBER - Tuesday, 22 Sep 2020, 18:48

O que apontamos em aula, pelo menos eu apontei, é que faltavam alguns exemplos, para
podermos entender o conceito da autora. É uma contribuição da autora enfatizar este aspecto
de construção da realidade do dia a dia, não necessariamente grandes representações como as
de um regime autoritário.
Quando ela afirma que o símbolo representa a coisa/pessoa podemos sim aplicar ao caso do
"comunismo", pois, ao se atribuir esta classificação a uma pessoa (comunista!) é como se já
soubéssemos tudo sobre esta pessoa, mesmo sem conhecer esta pessoa.

"O poder simbólico" P. Bourdieu

Tuesday, 22 Sep 2020, 13:36

Os textos de Bourdieu também me auxiliaram a repensar algumas categorias que posso


desenvolver melhor na pesquisa. Além da noção das "lutas simbólicas" em torno da definição
e classificações do mundo social, a discussões do autor em torno do 'trabalho de
representação" e a teoria do "espaço social" são interessantes para a compreensão das lutas
politicas, pois o autor coloca o espaço social como um campo de forças em que os agentes
procuram impor sua visão acerca das divisões do mundo social, além da sua própria posição
neste mundo social.
Quando o autor trata do "trabalho de representação" como a contribuição que os agentes
sociais dão para a construção da visão de mundo e também para a própria construção deste
mundo (p.141), entendo que os trabalhos de categorização, explicitação e classificação
relaciona-se com as "lutas que opõem os agentes acerca do sentido do mundo social e da sua
posição neste mundo, da sua identidade social, por meio de todas as formas do bem dizer e do
mal dizer, da bendição ou maldição, elogios, congratulações, louvores, cumprimentos ou
insultos, censuras, críticas, acusações, calúnias, etc,." (p. 142)
Não sei até que ponto estou certo, mas acredito que essa noção pode auxiliar a compreensão
das lutas politicas em torno da construção do outro, do inimigo politico que deve ser alijado
do espaço politico para que outros agentes possam atuar livremente.

Re: "O poder simbólico" P. Bourdieu

por REGINA WEBER - Tuesday, 22 Sep 2020, 18:59

As partes citadas do Bourdieu são mesmo bem elucidativas de sua sociologia.


Sobre onde e quando aplicar o autor:
A noção de campo ou espaço social no qual atuam os agentes parece se aplicar melhor a
indivíduos atuando e competindo entre si num dado campo: vemos uma luta entre juristas
para saber quem será nomeado para o STF. Em certos casos, a luta pode se dar entre grupos
contra outros grupos, como na política parlamentar teremos alianças e disputas. Também
podemos pensar em lutas mais amplas, como quando B. fala que a classe operária é uma
construção feita com discursos etc. Ele não nega a força da classe operária, apenas diz que ela
não existe por si só.
Então, sim, numa luta política haverá forças/agentes buscando mais espaço e certamente
farão uso de representações. Mandar matar um adversário foge a esta disputa de discursos e
imagens.

Comentário sobre texto de Peter Burke

Thursday, 16 Jul 2020, 14:58

De modo geral a leitura de Peter Burke é sempre bastante proveitosa, principalmente devido a
sua forma de escrita fluida e de fácil compreensão. Os capítulos lidos da obra "Hibridismo
cultural" não foi diferente, apesar das limitações do texto já expostas pela professora em aula.
Comento especialmente o capítulo segundo, "Variedades de terminologia", onde o autor
procura problematizar diversos termos e teorias utilizados em distintos momentos históricos
para as discussões das interações culturais. Neste capítulo Burke discorre sobre termos como
"imitação", "apropriação", "troca cultural", "acomodação", "negociação", "miscigenação" e,
claro, "hibridização". Recorrendo a diversos exemplos em cada uma de suas exposições fica
bastante compreensível para o leitor o percurso analítico que o autor vai construindo para
reforçar seu argumento sobre as formas de interação cultural.
Chegando ao final do capítulo, o autor faz um comentário um tanto irônico, porém oportuno
quando se trata de estudos de História cultural, acerca dos problemas que uma diversidade de
conceitos podem criar, ao invés de resolver as questões intelectutais. (BURKE, p. 54).
Complementa ainda afirmando que o hibridismo "é um termo escorregadio, ambíguo, ao
mesmo tempo literal e metafórico, descritivo e explicativo" (p.55)
Nesta parte que Burke vai tratar sobre a questão mais interessante do capítulo, na minha
opinião, que é a noção de "tradução cultural", que segundo ele seria "usada para descrever o
mecanismo por meio do qual encontros culturais produzem formas novas e híbridas" (p.55).
E é no capítulo terceiro, onde o autor procura explicar a distinção entre "encontros de iguais e
desiguais", que podemos refletir mais facilmente sobre as diferentes e problemáticas formas
de trocas culturais e traduções culturais, já que muitas vezes elas também acarretam
"problemas de traduzibilidade" de determinados elementos da cultura.
Seguindo uma mesma linha dos exemplos do autor, que recorre aos processos de colonização
das Américas, lembrei do texto de Tzvedan Todorov, A conquista da América: a questão do
outro" (1999), onde este autor procura analisar a questão do "descobrimento" dos indígenas
americanos pelos povos colonizados europeus e vice-versa. Teria sido este processo de
colonização o inicio da chamada "Era Colombiana", de ascensão do Ocidente, marcada
principalmente pela questão econômica do capitalismo, mas também pelas grandes trocas
culturais. Caso esteja equivocado a professora me corrija.

Re: Comentário sobre texto de Peter Burke

por REGINA WEBER - Thursday, 16 Jul 2020, 19:10

Você inicia seu comentário fazendo um apanhado do texto de Burke, ao qual não tenho
objeções.
Na questão da tradução cultural, que também está bem posta, e vc cita uma frase que resume.
Deixo a sugestão de que, ao usar a noção, diferenciar com a ideia de tradução estrito senso,
pois ao traduzir um texto procuramos fazer o mais fiel possível à ideia original, e no caso do
encontro cultural, é como se houvesse uma livre tradução e incorporação de elementos da
outra cultura para a nossa. A ênfase no termo vem acompanhada do alerta que não se deve
dizer que há uso errado, pois o grupo que absorve o faz a sua maneira.
A ideia de desigualdade aparece quando povos estão em relação uns com os outros. Se
tivermos um grupamento indígena em uma reserva, podemos dizer que eles não tem a
tecnologia que temos, mas isso não faz diferença.
A questão do encontro europeus e americanos vamos ver amanhã. Com certeza o capitalismo
acompanhou o processo de conquista da América. Quanto às trocas culturais, elas existiram,
mas com efeitos muito diferentes para ambos os lados. Os americanos e negros serviram ao
imaginários de afirmação da superioridade europeia. E quando os europeus passam a
interferir nas práticas culturais locais, as "trocas" podem ser imposições.
comentário sobre Raymond Williams

Tuesday, 11 Aug 2020, 14:39

O texto deste grande pensador marxista da cultura trouxe alguns elementos importantes
principalmente para repensar o próprio marxismo naquele contexto de escrita. Embora o
autor inicie a conclusão dando a entender que existiria uma "luta de classes" pela cultura, já
que tanto os setores dominantes quanto os dominados desejam em alguma medida se
identificar com ela, ao longo do capítulo final notamos como a sua análise é mais complexa.
De modo geral, Williams tenta demonstrar sua teoria da cultura operária e da burguesa. Esta
mais ligada questão do individualismo próprio da burguesia, e aquela ligada ao sentido de
coletividade atrelado as lutas do proletariado por sua emancipação.
Porém, o autor esclarece que cultura não é apenas um corpo de trabalho imaginativo e
intelectual, mas sim todo um "modo de vida" e que a base para as distinções entre os
diferentes modos e formas de cultura deve ser buscada neste "modo total de vida". Neste
sentido que sua analise se distingue de um marxismo mais "ortodoxo", pois Williams afirma
que mesmo em uma sociedade de classes em que uma domina e oprime a outra, é possível
que membros de outras classes contribuam com a 'produção da cultura', já que existiria uma
"herança humana comum" que atravessaria as análises simplistas de cultura burguesa versus
proletária.

Re: comentário sobre Raymond Williams - Valdir Erick

por REGINA WEBER - Tuesday, 11 Aug 2020, 16:12

Sua compreensão está correta, apenas sugiro seguir o raciocínio do autor:


-existe a herança humana cultural comum. Ex: crianças de escolas periféricas vão a museus.
Esta visão também se afasta da ideia estreita que autores clássicos seriam burgueses.
-Existem duas noções de cultura (esta é uma grande contribuição de Williams. E a acepção
lata, modo de vida, é a que, como historiadores nos interessa.
-E, a partir da noção de cultura como modo de vida, ele distingue a cultura burguesa da
operária, outra grande contribuição. Podemos até pensar que não são apenas os operários,
atualmente, que apostam no coletivo. Há outros movimentos e práticas neste sentido. Mas
permanece a importância da distinção.
"Costumes em comum" de E. P. Thompson

Wednesday, 23 Sep 2020, 15:46

Voltando novamente aos textos de Thompson, após algumas leituras anteriores desde a
graduação até agora para a pós-graduação, outros elementos me chamaram a atenção,
especialmente procurando relacionar com os temas desta disciplina com as críticas do autor
ao conceito de cultura.
Na sua Introdução: costume e cultura, o autor expõe algumas categorias afins a escolhida por
ele, os costumes propriamente e como ele se manifestou na cultura dos trabalhadores do
século XVIII e XIX, apesar da tese corrente de que este já seria um mundo praticamente
"desencantado"; embora Thompson reconheça que no século XVIII a plebe estaria já sendo
pressionada para reformar sua cultura, seus costumes.
Algo que não havia atentado em outras leituras, é que o autor pontua que devemos tomar
cuidado tanto com generalizações, como "cultura popular", quanto estarmos atentos para as
distinções entre categorias/conceitos como tradição, costume, folclore, cultura etc. Quando o
autor diz que cultura só pode se tornar um "sistema" devido a "pressões imperiosas", ou
externas, como nacionalismo ou consciência de classe (p. 16-17); eu fico em duvida com
oque ele quer dizer que esses sistemas, se seriam as expressões que se fazem por meio de
imagens, símbolos, representações culturais etc.
Outra questão importante que merece ser destacada é que os costumes seriam uma oposição
ou contraposição a emergência de uma sociedade de mercado, industrial, capitalista e
exploradora que se afirmava cada vez mais, conforme o autor escreve: "podemos entender
boa parte da história social do século XVIII como uma série de confrontos entre uma
economia de mercado inovadora e a economia moral da plebe, baseada no costume." (p. 21)
Neste sentido que podemos analisar os protestos da população pobre na Inglaterra do XVIII,
que eram muito mais do que simples "motins de fome", mas sim protestos de homens e
mulheres, agentes históricos rebelados, que tinham a crença de que estavam defendendo os
seus direitos e seus costumes tradicionais, sendo "uma forma altamente complexa de ação
popular direta, disciplinada e com objetivos claros". (p. 152). Ou seja, os sujeitos/agentes
históricos mobilizados em defesa do seu modo de vida e, principalmente, opondo-se as
imposições vindas dos "de cima", seja no imposições econômicas ou sociais, rebelavam-se
para a preservação de suas tradições e costumes.

Re: "Costumes em comum" de E. P. Thompson


por REGINA WEBER - Friday, 25 Sep 2020, 18:06

Sobre cultura como sistema:


A cultura opera no cotidiano e assim pode ir se alterando conforme as circunstâncias. Por
exemplo, o alimento que é servido numa festa pode ter variações. Por outro lado, práticas
para assegurar o abastecimento de uma comunidade são preservadas. Culturas de longo
alcance e quase "normatizadas" são fruto de imposições, mesmo que haja adesão. O governo
Vargas, o da ditadura, criou vários rituais nacionalistas. Mas a valorização da carteira de
trabalho foi bem recebida pelos trabalhadores. O nazismo teve rituais culturais que se
propagaram. Pode-se chamar sistemas porque há vários destes rituais, imagens, transmitindo
uma mesma mensagem (doutrina, em alguns casos).
Os costumes existiam no século XVIII e as inovações de mercado colidiram com eles. Então
eles foram afirmados e defendidos. Antes eles simplesmente existiam como uma prática
naturalizada. (Nem toda inovação provoca isso. A máquina de lavar roupa pode não ter
mudado a divisão de tarefas nos lares. ) Mas a economia de mercado, que transforma os
alimentos em mercadoria que dá lucro (sem se importar que alguns fiquem sem alimento) é
uma grande mudança.

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