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2020/1
Com base na leitura da obra de Bloch, especialmente sua introdução e os dois primeiros
capítulos da obra, além do excelente e esclarecedor prefácio de Jacques Le Goff, gostaria de
destacar o que acho mais importante da obra que é o diálogo entre uma história política e
cultural. Bloch afirma que sua intenção era dar uma contribuição a história política da Europa
“no sentido amplo, no verdadeiro sentido da expressão “história política“ (BLOCH, p. 51). Já
que os aspectos culturais e religiosos de uma sociedade não deveriam ser alijados de uma
interpretação mais factual relacionada a história política.
Nesse sentido, o minucioso estudo desse fenômeno, que seria o poder milagroso dos Reis,
insere-se num contexto mais amplo que seria a própria afirmação do poder real e/ou
dinástico. Ao estudar as origens dessa representação na França e Inglaterra, e seu
desenvolvimento ao longo de séculos, Bloch não se furta de utilizar diversos exemplos e
comparativos com outras sociedades antigas e modernas. Obviamente a questão mais bem
desenvolvida pelo autor gira em torno da Cristandade e todos os seus ritos e cerimoniais,
especialmente a unção dos Reis e sua coroação pelo Papa, como sendo um dos eixos
explicativos para que esse “milagre” tivesse uma recepção não somente pelos “beneficiados“
pelo milagre régio e demais súditos, mas também pelas próprias realezas europeias.
Resumindo, como esclarece Le Goff, o que Bloch quis fazer foi a história de um milagre mas
também da crença das sociedades nesse milagre (p. 18). Para isso não devemos esquecer da
importância das representações religiosas para os homens da idade média pois eles teriam “as
coisas da religião uma imagem muito material” (p.93). Portanto, a análise da política
real/dinástica das monarquias medievais (e em certo ponto, também as absolutistas) não
poderiam estar dissociadas dos aspectos mágicos e do mundo das crenças das populações
naqueles contextos, mesmo que essa crença no milagre régio tenha constituído um “erro
coletivo“.
O que apontamos em aula, pelo menos eu apontei, é que faltavam alguns exemplos, para
podermos entender o conceito da autora. É uma contribuição da autora enfatizar este aspecto
de construção da realidade do dia a dia, não necessariamente grandes representações como as
de um regime autoritário.
Quando ela afirma que o símbolo representa a coisa/pessoa podemos sim aplicar ao caso do
"comunismo", pois, ao se atribuir esta classificação a uma pessoa (comunista!) é como se já
soubéssemos tudo sobre esta pessoa, mesmo sem conhecer esta pessoa.
De modo geral a leitura de Peter Burke é sempre bastante proveitosa, principalmente devido a
sua forma de escrita fluida e de fácil compreensão. Os capítulos lidos da obra "Hibridismo
cultural" não foi diferente, apesar das limitações do texto já expostas pela professora em aula.
Comento especialmente o capítulo segundo, "Variedades de terminologia", onde o autor
procura problematizar diversos termos e teorias utilizados em distintos momentos históricos
para as discussões das interações culturais. Neste capítulo Burke discorre sobre termos como
"imitação", "apropriação", "troca cultural", "acomodação", "negociação", "miscigenação" e,
claro, "hibridização". Recorrendo a diversos exemplos em cada uma de suas exposições fica
bastante compreensível para o leitor o percurso analítico que o autor vai construindo para
reforçar seu argumento sobre as formas de interação cultural.
Chegando ao final do capítulo, o autor faz um comentário um tanto irônico, porém oportuno
quando se trata de estudos de História cultural, acerca dos problemas que uma diversidade de
conceitos podem criar, ao invés de resolver as questões intelectutais. (BURKE, p. 54).
Complementa ainda afirmando que o hibridismo "é um termo escorregadio, ambíguo, ao
mesmo tempo literal e metafórico, descritivo e explicativo" (p.55)
Nesta parte que Burke vai tratar sobre a questão mais interessante do capítulo, na minha
opinião, que é a noção de "tradução cultural", que segundo ele seria "usada para descrever o
mecanismo por meio do qual encontros culturais produzem formas novas e híbridas" (p.55).
E é no capítulo terceiro, onde o autor procura explicar a distinção entre "encontros de iguais e
desiguais", que podemos refletir mais facilmente sobre as diferentes e problemáticas formas
de trocas culturais e traduções culturais, já que muitas vezes elas também acarretam
"problemas de traduzibilidade" de determinados elementos da cultura.
Seguindo uma mesma linha dos exemplos do autor, que recorre aos processos de colonização
das Américas, lembrei do texto de Tzvedan Todorov, A conquista da América: a questão do
outro" (1999), onde este autor procura analisar a questão do "descobrimento" dos indígenas
americanos pelos povos colonizados europeus e vice-versa. Teria sido este processo de
colonização o inicio da chamada "Era Colombiana", de ascensão do Ocidente, marcada
principalmente pela questão econômica do capitalismo, mas também pelas grandes trocas
culturais. Caso esteja equivocado a professora me corrija.
Você inicia seu comentário fazendo um apanhado do texto de Burke, ao qual não tenho
objeções.
Na questão da tradução cultural, que também está bem posta, e vc cita uma frase que resume.
Deixo a sugestão de que, ao usar a noção, diferenciar com a ideia de tradução estrito senso,
pois ao traduzir um texto procuramos fazer o mais fiel possível à ideia original, e no caso do
encontro cultural, é como se houvesse uma livre tradução e incorporação de elementos da
outra cultura para a nossa. A ênfase no termo vem acompanhada do alerta que não se deve
dizer que há uso errado, pois o grupo que absorve o faz a sua maneira.
A ideia de desigualdade aparece quando povos estão em relação uns com os outros. Se
tivermos um grupamento indígena em uma reserva, podemos dizer que eles não tem a
tecnologia que temos, mas isso não faz diferença.
A questão do encontro europeus e americanos vamos ver amanhã. Com certeza o capitalismo
acompanhou o processo de conquista da América. Quanto às trocas culturais, elas existiram,
mas com efeitos muito diferentes para ambos os lados. Os americanos e negros serviram ao
imaginários de afirmação da superioridade europeia. E quando os europeus passam a
interferir nas práticas culturais locais, as "trocas" podem ser imposições.
comentário sobre Raymond Williams
O texto deste grande pensador marxista da cultura trouxe alguns elementos importantes
principalmente para repensar o próprio marxismo naquele contexto de escrita. Embora o
autor inicie a conclusão dando a entender que existiria uma "luta de classes" pela cultura, já
que tanto os setores dominantes quanto os dominados desejam em alguma medida se
identificar com ela, ao longo do capítulo final notamos como a sua análise é mais complexa.
De modo geral, Williams tenta demonstrar sua teoria da cultura operária e da burguesa. Esta
mais ligada questão do individualismo próprio da burguesia, e aquela ligada ao sentido de
coletividade atrelado as lutas do proletariado por sua emancipação.
Porém, o autor esclarece que cultura não é apenas um corpo de trabalho imaginativo e
intelectual, mas sim todo um "modo de vida" e que a base para as distinções entre os
diferentes modos e formas de cultura deve ser buscada neste "modo total de vida". Neste
sentido que sua analise se distingue de um marxismo mais "ortodoxo", pois Williams afirma
que mesmo em uma sociedade de classes em que uma domina e oprime a outra, é possível
que membros de outras classes contribuam com a 'produção da cultura', já que existiria uma
"herança humana comum" que atravessaria as análises simplistas de cultura burguesa versus
proletária.
Voltando novamente aos textos de Thompson, após algumas leituras anteriores desde a
graduação até agora para a pós-graduação, outros elementos me chamaram a atenção,
especialmente procurando relacionar com os temas desta disciplina com as críticas do autor
ao conceito de cultura.
Na sua Introdução: costume e cultura, o autor expõe algumas categorias afins a escolhida por
ele, os costumes propriamente e como ele se manifestou na cultura dos trabalhadores do
século XVIII e XIX, apesar da tese corrente de que este já seria um mundo praticamente
"desencantado"; embora Thompson reconheça que no século XVIII a plebe estaria já sendo
pressionada para reformar sua cultura, seus costumes.
Algo que não havia atentado em outras leituras, é que o autor pontua que devemos tomar
cuidado tanto com generalizações, como "cultura popular", quanto estarmos atentos para as
distinções entre categorias/conceitos como tradição, costume, folclore, cultura etc. Quando o
autor diz que cultura só pode se tornar um "sistema" devido a "pressões imperiosas", ou
externas, como nacionalismo ou consciência de classe (p. 16-17); eu fico em duvida com
oque ele quer dizer que esses sistemas, se seriam as expressões que se fazem por meio de
imagens, símbolos, representações culturais etc.
Outra questão importante que merece ser destacada é que os costumes seriam uma oposição
ou contraposição a emergência de uma sociedade de mercado, industrial, capitalista e
exploradora que se afirmava cada vez mais, conforme o autor escreve: "podemos entender
boa parte da história social do século XVIII como uma série de confrontos entre uma
economia de mercado inovadora e a economia moral da plebe, baseada no costume." (p. 21)
Neste sentido que podemos analisar os protestos da população pobre na Inglaterra do XVIII,
que eram muito mais do que simples "motins de fome", mas sim protestos de homens e
mulheres, agentes históricos rebelados, que tinham a crença de que estavam defendendo os
seus direitos e seus costumes tradicionais, sendo "uma forma altamente complexa de ação
popular direta, disciplinada e com objetivos claros". (p. 152). Ou seja, os sujeitos/agentes
históricos mobilizados em defesa do seu modo de vida e, principalmente, opondo-se as
imposições vindas dos "de cima", seja no imposições econômicas ou sociais, rebelavam-se
para a preservação de suas tradições e costumes.