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CORONAVÍRUS

Quando acaba a quarentena? O


que preveem infectologistas e
epidemiologistas

O estado de São Paulo entrou em quarentena ontem, dia 24 de marçoImagem: Sebastião Moreira/EPA
Stefhanie Piovezan
Colaboração para o UOL, em São Paulo
25/03/2020 04h00

RESUMO DA NOTÍCIA

Quando a rotina voltará ao normal? Especialistas afirmam que não é possível prever com precisão, por
enquanto

Infectologistas e epidemiologistas dizem que será preciso acompanhar a evolução da transmissão do


novo coronavírus pelas próximas semanas
Após avaliar se o nível de contaminação está desacelerando, será possível afrouxar as restrições de
quarentena

"A curto prazo, a expectativa é que haja um pico de casos nos próximos 10 a 14 dias", declara um
consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia

Quem aderiu aos pedidos e determinações de quarentena como forma de combate ao


novo coronavírus viu a vida virar do avesso nos últimos dias. E quer saber: quando a
rotina voltará ao normal?
A resposta, segundo especialistas ouvidos pela reportagem do UOL, é que não é possível
prever com precisão, por enquanto.
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Infectologistas e epidemiologistas dizem que será preciso acompanhar a evolução da


transmissão do vírus pelas próximas semanas, para avaliar se o nível de contaminação
está desacelerando e, a partir daí, afrouxar as restrições.

"Se nos próximos 15 dias houver um controle do surto e o crescimento dos casos for
controlado, nós já vamos poder entender a força dessas medidas e pensar na
desmobilização com calma, cautela e responsabilidade. Agora, se não estivermos
controlando, talvez até medidas mais extremas tenham que ser tomadas", considera o
médico Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia.

"A curto prazo, a expectativa é que haja um pico de casos nos próximos 10 a 14 dias. Se
esse aumento for menor do que o previsto, será o prêmio de todo o esforço que está
sendo feito, um indicativo de abrandamento das expectativas e a redução na necessidade
de manutenção das medidas", afirma o infectologista Renato Grinbaum, consultor da
Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

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Quando as coisas voltam ao normal?

Pesquisadores asseguram que o sucesso das medidas depende do engajamento da


população — em outras palavras, quanto mais à risca o isolamento for seguido, menor
será o tempo necessário de quarentena. No cenário de maior duração, estimam de dois a
três meses para que a circulação de pessoas seja normalizada.
"O que deve acontecer é que, após o pico, ao longo dos próximos dois ou três meses,
dependendo do país, as medidas serão paulatinamente relaxadas. Obviamente, vai
permanecer o isolamento de todos os pacientes que ainda têm sintomas, mas a quarentena
geral tende a ser relaxada, na medida em que essa curva epidêmica dá sinal de redução, o
que possivelmente ainda vai demorar um ou dois meses para acontecer", estima o
epidemiologista Guilherme Loureiro Werneck, professor da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-
presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Werneck adianta que, mesmo após o pico, ainda deveremos ouvir falar bastante da covid-
19. "A expectativa é que permaneça sendo um problema de saúde pública que vai
acometer várias populações ao longo de um ou dois anos, eventualmente com retornos de
curvas epidêmicas, mas não nos níveis atuais."

A possibilidade de cenários com e sem surtos sucessivos também é considerada nos


modelos matemáticos do físico Roberto Kraenkel, pesquisador do Instituto de Física
Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Não se pode projetar o fim da
epidemia no Brasil. Todas as projeções pelo mundo têm muitas hipóteses que podem não
ser verdadeiras", alerta.

Dificuldades no combate ao vírus

Entre os fatores que podem afetar o período de quarentena, Tânia Vergara, presidente da
Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro, destaca a realização de testes. "Se
tivéssemos como testar todos os casos suspeitos, como fez a Coreia do Sul, o isolamento
seria mais eficaz, já que incluiria assintomáticos e pouco sintomáticos".

Outro aspecto a ser analisado nas projeções é o momento de início das restrições. A
Itália, por exemplo, começou a tomar medidas em um momento posterior ao que foi
observado aqui, mas o perfil demográfico nos dois casos é muito diferente, assim como o
sistema de saúde.
"A quarentena poderá ser mantida se tivermos uma situação como na Itália, o que
considero pouco provável, porque, apesar de termos condições sanitárias piores, em
cidades como São Paulo a preparação foi adequada", opina Grinbaum.

"Estou me preparando para ficar três meses em casa"

O infectologista e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),


Bernardino Geraldo Alves Souto, vê atraso na tomada de providências em São Paulo.
"Quanto mais tardia for a intervenção, mais acelerado vai ser o crescimento da epidemia.
Aqueles países que tomam as medidas preventivas mais tardiamente, que esperam a
doença chegar para depois agir, perdem o controle da situação", argumenta

Para Souto, no caso brasileiro, é preciso considerar que o Sistema Único de Saúde (SUS)
é negligenciado há muitos anos e há fragilidades de ordem sociocultural, como a postura
individualista daqueles que não estão seguindo as recomendações.

"Nós ainda estamos em uma situação de muita imprevisibilidade em relação ao curso que
a epidemia pode seguir, mas acredito que não devemos contar com boas expectativas.
Devemos pensar no pior cenário", defende o professor da UFSCar. "Acho que, aqui no
Brasil, temos que nos preparar para uma quarentena de uns 3 meses. Se conseguirmos
interromper antes, melhor. É possível que a gente consiga fazer em menos do que isso,
mas eu estou me preparando para ficar dentro de casa durante três meses".

O infectologista lembra que o grande problema da covid-19 é o aumento do número de


infectados de um dia para o outro, o que sobrecarrega os sistemas de saúde. "Por
enquanto, temos no Brasil uma taxa progressiva, então é impraticável pensar em
revogação da quarentena, e não temos uma perspectiva precisa de quando esse momento
de diminuição vai chegar, se ele vai ser em um ou dois meses. Eu acho que em menos de
dois meses ele não chega."

Taxas diferentes de região para região

Além das especificidades do país como um todo, os especialistas também destacam as


diferenças regionais. "Acredito que teremos heterogeneidade de epidemias dentro do
Brasil. Regiões mais pobres, com maior densidade populacional e menor saneamento
básico poderão ser mais afetadas", adianta Grinbaum, consultor da Sociedade Brasileira
de Infectologia (SBI).

"Para onde a pobreza vai, a doença vai atrás. Hoje temos lugares no Brasil em que
moram 20 pessoas em um cômodo só. Acho pouco provável que a Itália tenha um
problema desses, por isso sugiro que nos preparemos para o pior cenário possível",
concorda Souto.

"Talvez mais difícil do que a decisão de entrar seja a decisão de sair da quarentena",
opina o médico Urbano. "É muito duro tomar essas medidas, mas é o que neste momento
parece mais adequado. Lá na frente vamos poder olhar para trás e ver o que foi certo e o
que foi errado."

TIRE DÚVIDAS SOBRE CORONAVÍRUS

https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/16/coronavirus-no-brasil-veja-o-numero-de-casos-
confirmados.htm

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