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A Implantacao e Expansao Da Escola Normal No Sul Do Mato
A Implantacao e Expansao Da Escola Normal No Sul Do Mato
GROSSO (1930-1970)
Como relatado anteriormente, o momento histórico que vai de 1930 a 1937 foi de crise
no plano econômico, crise essa que agravou a situação sempre precária das finanças públicas
do executivo estadual. Neste sentido, adotando políticas ortodoxas nos setores fiscais e
monetários, poucos foram os investimentos realizados pelo Estado no período,
particularmente nos setores sociais, inclusive em educação. Assim, tanto em termos
financeiros como administrativos, como se verá na parte seguinte deste capítulo, as estruturas
existentes permaneceram no mais das vezes conservadas em seus traços mais gerais, apesar
dos vários interventores e governadores que estiveram à frente do executivo estadual nesses
sete anos (BRITO, 2001).
Desta forma, somente no período ditatorial, entre 1937 e 1944, foram implementadas
reformas no plano administrativo, voltadas principalmente para a reorganização e
centralização dos organismos estatais. Apesar do alcance aparentemente limitado destas
reformas, principalmente aquelas que atingiram o setor educacional, foi nesses anos que se
lançaram as bases para as medidas que seriam implementadas pelo Estado após 1945,
sobretudo aquelas voltadas para a racionalização do processo de controle e gestão do sistema
escolar — importantes para a concretização, em Mato Grosso, das diretrizes do governo
Vargas, visando principalmente à consolidação de uma educação nacional. Pelos próprios
limites impostos a esse processo, nos primeiros quinze anos que se seguiram ao movimento
revolucionário de 1930, a (re)organização do ensino escolar em Mato Grosso não chegou a
motivar, por exemplo, a definição de um novo corpus legal, permanecendo em vigor até 1952,
em Mato Grosso, a legislação implementada a partir de 1927.
O ensino normal também não se expandiu entre 1930 e 1945, uma vez que deixou de
funcionar enquanto curso independente, em 1942. Durante o período, no sul de Mato Grosso,
uma única escola normal pública foi criada, na cidade de Campo Grande. São interessantes,
neste sentido, as observações sobre o perfil dos alunos da escola normal, reafirmado várias
vezes pelos ocupantes de cargos públicos naqueles anos:
[Os] (...) alumnos nella matriculados [são] [...] em sua quasi totalidade do
sexo feminino. É notavel em nosso Estado esse abandono da carreira do
magisterio, por parte dos rapazes. Ou seja porque considerem mais
brilhantes as carreiras abertas pelo ensino superior, ou porque reputem
menos compensadores os resultados materiaes que o nobre sacerdocio do
magisterio offerece, o facto é que em 1930 só um alumno do sexo masculino
se matriculou na 1º anno da nossa Escola Normal. (MATO GROSSO, 1930,
p. 45-46).
Assim, com uma procura menor desse tipo de curso pela população masculina, pode-
se entender o porquê da permanência de um mesmo número de cursos durante todos esses
anos. A posterior anexação da escola normal ao ensino secundário, a partir de 1938/39, como
curso de especialização de professores, veio agravar ainda mais este quadro, tornando mais
difícil a formação desses profissionais. Segundo registros dos Relatórios de 1940 e 1942 do
interventor Júlio Strübing Müller, em 1939, apenas 3 alunos se haviam matriculado nesse
curso em Cuiabá; enquanto 4 alunos se matricularam em 1941 (MATO GROSSO, 1940;
MATO GROSSO, 1942)7.
Sobre esta questão, é interessante notar ainda que, embora a própria interventoria
constatasse a falta de professores em Mato Grosso, principalmente nas zonas rurais (MATO
GROSSO, 1942), tenha feito a seguinte consideração, ao justificar as transformações sofridas
pelo curso normal, quando deixou de ser uma modalidade de ensino independente, em 1942, e
passou a exigir um curso complementar, de 2 anos, a título de especialização:
Considerando que o grande número de normalistas diplomadas, [é]
suficiente para as necessidades do nosso ensino primário [isto] permite a
exigência de um curso mais longo e mais profundo para os futuros
candidatos ao magistério [...]. (MARCÍLIO, 1963, p. 197. Os grifos são
nossos.). 8
Dessa forma, durante as décadas de 1930 e 1940, o ensino normal, no estado de Mato
Grosso, contava ainda com um número reduzido de estabelecimentos, distribuídos em quatro
municípios: Cuiabá, Campo Grande, Corumbá e Aquidauana. Se a demanda e o investimento
existentes em relação ao ensino primário já eram limitados pelas características econômico-
sociais do estado, tanto mais o eram nesta outra modalidade de ensino, para a qual concorria
parcela bastante reduzida de alunos egressos da escola primária.
Em que pesem as vicissitudes dessa quadra histórica, contudo, as primeiras
instituições públicas de formação de professores, de caráter permanente na região sul do
estado, surgiram entre 1930 e 1940.
O motivo desse longo período entre a instalação da Escola Normal no norte de Mato
Grosso, que acontecera ainda no século XIX, e as instituições do sul do estado pode ser
explicado quando se observa, conforme exposto na primeira parte deste trabalho, que o
processo de expansão e desenvolvimento mais acentuados do sul de Mato Grosso deu-se
efetivamente a partir da secunda década do século XX.
Foi somente a partir das políticas nacionalistas e desenvolvimentistas de modernização
de Getúlio Vargas, no início da República Nova, que a educação ganhou espaço no cenário
nacional. E foi neste período que se instalou a primeira Escola Normal de Campo Grande.
Como a educação também era peça chave da estratégia de desenvolvimento liberal
forjado pelo governo central, viu-se assim a necessidade da criação de uma Escola Normal
também em Campo Grande9. Outro motivo importante para a abertura da Escola Normal na
referida cidade está na rivalidade política entre os polos norte e sul do estado. Frente a
crescente disseminação do ensino primário em todo país, ter uma Escola Normal em Campo
Grande significava não precisar ter apenas professoras cuiabanas nas escolas públicas atuando
no sul do estado (ARAÚJO, 1997).
De acordo com Rodríguez e Oliveira (2006, p. 5) em Campo Grande, “A origem da
escola normal pode-se situar a partir da instalação do primeiro Grupo Escolar em Campo
Grande em 13 de junho de 1922, após ter sido autorizado pela Resolução nº 866, de 03 de
novembro de 1921.” No seguimento dessa iniciativa, em 21 de abril de 1930 foi instalado na
cidade, junto ao Grupo Escolar a Escola Normal de Campo Grande, por ordem do Dr. Aníbal
Toledo, presidente do estado. Ainda de acordo com as pesquisas das autoras supracitadas,
neste contexto de implantação da Escola Normal Campo Grande, as condições de
funcionamento desta instituição eram precárias:
Em péssimo estado de conservação se encontra o edifício da Escola Normal
onde funccionam também a escola modelo e o curso annexo.
A impressão que se tem ao penetrar-se nelle é desoladora. Urge uma
limpeza geral, assim como a reparação das vidraças das janelas que se
acham todas quebradas. Edifício acanhado, sem lotação suficiente
para nelle funcionar um grupo escolar, pois somente seis salas de aula,
sente-se, a direção do estabelecimento em sérios embaraços para nele
fazer funccionar as duas outras escolas annexas. No próximo anno,
com a promoção dos alunnos do 1º anno para o 2º anno normal, não
terá a Directoria, uma sala para collocar esses alunnos. [...] A lotação
actual do edifício é para 240 alunnos e só na escola modelo a
matrícula é de 541, com uma freqüência de 434 se juntarmos ainda 24,
da Escola Normal e 17 do Curso Complementar (...) um total de 582
alunnos, freqüentando um edifício com lotação para 240 ou 480, com
funcinamento em dois turnos (MATO GROSSO, RELATÓRIO, 1931
apud RODRÍGUEZ & OLIVEIRA, 2006, p.5).
A mesma situação é relatada por Ayd Camargo César, ingressa de uma das primeiras
turmas da Escola Normal Anexa de Campo Grande. Em sua fala ela desvela a situação
precária em que se encontrava a instituição:
Fui assim para a Escola Normal com muita base. Ali tive, como professor de
Português, Vitor de Paula Correa, homem de grande preparo, mas sem
nenhuma energia, com quem aprendi a redigir. O diretor da Escola Normal
Joaquim Murtinho10 era o professor Múcio Teixeira. Se a Escola Normal de
Cuiabá era modelo, a nossa deixava a desejar. Tanto o aprendizado, quanto o
material didático eram extremamente deficientes. Haviam professores
esforçados e outros que estavam ali só, porque tinham influência política.
Tive um professor de didática que costumava dizer: Sou farmacêutico
formado, de didática não entendo nada. (ROSA, 1990, p. 40).
Neste mesmo livro há também depoimentos de ex-funcionários da Escola Normal
Anexa que reclamavam da instabilidade profissional, pois não eram feitos concursos, e a cada
mudança de governo mudavam as nomeações de professores e diretores da instituição
(ROSA, 1990; BRITO, 2001).
A Escola Normal Anexa foi fechada em 1940, com o encerramento total de suas
atividades. Esta interrupção foi motivada pelo interventor Júlio Müller, que instituiu uma
nova política de formação de professores em Mato Grosso, na qual propunha que a mesma
fosse realizada por um curso de especialização de duração de um ano, vinculado aos Liceus. É
importante frisar que, nesse momento histórico, como frisa Romanelli:
Não tinham, porém, essas escolas organização fundada em diretrizes
estabelecidas pelo Governo Federal. Tal como o ensino primário, o ensino
normal era assunto da alçada dos Estados, ficando restritas as reformas até
então efetuadas aos limites geográficos dos Estados que as promovessem.
(ROMANELLI, 1986, p. 163).
Já no ano de 1958 foi criada a Escola Normal Nossa Senhora da Conceição, sob a
direção de religiosas franciscanas, na cidade de Dourados (MANCINI E SILVA, 2008). Na
mesma década (1950) apareceu a Escola Normal Regional, em Ponta Porã.
No início dos anos 1970 todas as escolas normais anteriormente referidas sofreram
nova interrupção de suas atividades. A causa do fechamento da Escola Normal, desta vez, foi
novamente motivada pela mudança da legislação nacional, mais especificamente, pela Lei n°
5.692, de 1971, que reformou o ensino, e instituiu o 1º e 2º graus, substituindo as Escolas
Normais por cursos de Habilitação Específica em Magistério.
À guisa de considerações em processo
Nesse sentido, considera-se que o Brasil, a partir dos anos 1930, sofreu modificações
que redundaram numa nova configuração social. Foi nesse contexto, marcado por um amplo
debate, que se desencadearam as reformas educativas. Dessas reformas resultou a necessidade
de ampliação da rede escolar em todo o país; a modificação da infraestrutura e a organização
administrativa; a introdução de um novo ideário educacional, com uma orientação pedagógica
também diversa, em função das concepções do escolanovismo. Nesse contexto, a Escola
Normal ganhou vitalidade e centralidade, porque era a instituição encarregada de prover os
professores que viabilizariam o processo de expansão, bem como divulgar e propagar os
novos métodos pedagógicos.
Essas transformações também se evidenciavam no sul do estado de Mato Grosso,
determinadas pelo desenvolvimento produtivo e aumento populacional ocorrido na região, o
que motivou a implantação de várias instituições escolares. Entre 1930 e 1970 houve a
criação de sete novas instituições, além daquela já existente desde 1904 em Corumbá. Dentre
as novas escolas normais, cinco eram públicas e estavam situadas nos municípios de Campo
Grande, Aquidauana, Ponta Porã, Três Lagoas e Dourados; as outras duas, confessionais,
eram situadas em Campo Grande e Dourados.
Apesar disso, a documentação legal evidencia que, afora o contexto modernizante e
“progressista”, a expansão do ensino normal na região sul de Mato Grosso teve dificuldades
de ordem política e pedagógica, sobretudo no tocante às escolas públicas. Estas últimas
inicialmente tiveram um funcionamento precário, dadas as condições materiais deficitárias e o
reduzido número de professores – muitos, inclusive, provinham de Cuiabá e de São Paulo. A
intervenção política também repercutiu na organização pedagógica e na estabilidade dos
docentes. Essa situação, aliada à política de formação de professores no contexto nacional,
suscitou várias interrupções e condicionou a expansão da escola normal no sul de Mato
Grosso.
Referências
ALVES, G. L. Educação e história em Mato Grosso: 1719-1864. Campo Grande: Imprensa
Universitária, 1984.
CORRÊA FILHO, V. História de Mato Grosso. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos,
1984.
MATO GROSSO. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas — Presidente
da República pelo Bel. Julio Strübing Müller — Interventor Federal em Mato Grosso.
Cuiabá: Imp. Oficial, 1940. p. 14.;
MATO GROSSO. Relatório apresentado ao Sr. Dr. Getúlio Vargas pelo Bel. Julio
Strübing Müller, no período de 1941 a 1942. Cuiabá: Imp. Oficial, 1942.
OLIVEIRA, T. C. M. de. Uma fronteira para o pôr-do-sol. Campo Grande: UFMS, 1998.
QUEIROZ, P. R. C. Uma ferrovia entre dois mundos: a E. F. Noroeste do Brasil na
primeira metade do século XX. Bauru: Edusc; Campo Grande: UFMS, 2004.
Notas:
1
Esta diversificação foi particularmente forte até os anos 1920, quando os reflexos da nova divisão internacional
do trabalho, por força das mudanças provocadas em âmbito mundial, com a transição para a fase monopólica da
sociedade capitalista, fez-se sentir com mais intensidade em Mato Grosso. Será nesse momento, com o ocaso
deste processo de dinamização econômica, que a região começou a se firmar enquanto zona de pecuária
extensiva e de exportação de gado em pé. Cf. ALVES, 1984, p. 54-57.
2
Região situada no entorno da planície pantaneira, cuja principal cidade é Campo Grande.
3
Até meados dos anos 1960, a atividade agrícola era pouco expressiva no Estado, ocupando uma posição
secundária, principalmente quando comparada à pecuária. Neste sentido, também em virtude da falta de um
mercado mais amplo que justificasse o empreendimento, carecia ainda de tecnologia e de capital. Em Mato
Grosso, até este período, além dos projetos de colonização, ela estava presente no interior das grandes
propriedades pastoris, onde era utilizada na abertura de áreas novas, visando ao barateamento de custos na
formação de pastagens. O cultivo era o tradicional, utilizando-se basicamente os solos de matas, por serem mais
férteis, uma característica da transitoriedade desta agricultura. Cf. GONZÁLEZ, 1996.
4
É necessário deixar claro que, apesar da tendência de queda relativa da participação da erva mate na economia
mato-grossense, queda esta que já vinha se dando desde meados da década de 1930, a produção local era
importante para o desenvolvimento do extremo Sul do estado, sobretudo para os municípios de Ponta Porã e
Amambaí. Além disso, apesar desta tendência de menor participação relativa, houve momentos de recuperação
nas vendas do produto, como aquele acontecido a partir dos anos 1940 e sobretudo nos anos 1950, em parte
graças a um série de incentivos oferecidos pelo governo estadual, combinados a conjuntura favorável de
aumento de vendas para a Argentina. Assim, nos anos de 1951, 1954 e 1957 a produção ervateira de Mato
Grosso representava respectivamente 17,18%, 10,56% e 11,03% da produção total desta mercadoria, no Brasil.
Cf. CAMPOS, 1960; QUEIROZ, 2004.
5
Segundo dados do IBGE, Mato Grosso tinha um rebanho bovino estimado em 7.956.200 cabeças em 1955, ou
12,51% do total existente no país, que chegava a 63.607.580 animais. INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1956..
6
É interessante notar que a maioria destas antigas áreas de colonização transformara-se em grandes propriedades
que se ligaram, nas décadas seguintes, ao processo de formação da agroindústria em Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul. O que significa dizer que se organizaram dentro dos mais avançados padrões tecnológicos e de relações
de produção dentro do campo agrícola, em termos capitalistas.
7
Pode-se inferir, pelos dados disponíveis, que os alunos remanescentes da antiga Escola Normal, no município
de Cuiabá, em 1939, em número de 226, estavam cursando a Seção Normal daquela escola, que era a “(...)
remanescente da antiga Escola Normal”. Dada a pequena matrícula registrada no curso de especialização de
professores nos anos seguintes, infere-se que após a encampação de 1938/39, os novos alunos e futuros
candidatos ao magistério primário, tanto em Cuiabá como em Campo Grande, acabaram por terminar seus
estudos na escola secundária, não optando posteriormente pela escola especializada de professores, que se
seguiria ao secundário.
8
MARCÍLIO, Humberto. História do ensino em Mato Grosso... p. 197.
9
É importante frisar ainda que outra Escola Normal foi instalada em Campo Grande no mesmo ano de 1930, e
que também teve papel importante na história da educação no sul do estado: a Escola Normal Dom Bosco. Esta
escola privada era mantida pelas freiras da Congregação Salesiana (ARAÚJO, 1997).
10
Essa denominação foi atribuída à citada instituição escolar em 1947, quando as escolas normais foram
reabertas em todo o estado de Mato Grosso (ROSA, 1990).
11
A Escola Normal de Aquidauana recebeu a denominação de Jango de Castro em homenagem ao Cel. João de
Almeida Castro (1860-1930), popularmente conhecido como Jango de Castro. Um dos fundadores da Villa de
Aquidauana em 15 de agosto de 1892, foi comerciante, primeiro juiz de paz, primeiro agente dos correios, o
primeiro delegado de polícia, enfim, era um dos intelectuais do grupo de fundadores de Aquidauana (NEVES,
2007).