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Fortaleza de Santa Cruz, 21 de Junho de 1939.

(onze e meia da noite)

Minha querida filha

Que silencio na fortaleza! Os pátios estão escuros. Nunca


Vi uma noite mais triste do que a de hoje. Sinto uma certa
solenidade no ar parado, sem um rumor.

Depois que Vocês partiram, todos se despediram e foram


dormir. Meu coração aperta, meu cérebro vibra. Minha filha!

Você viu que fui o único que não chorou? Mas, deu-
Me um esquisito tremor, minhas orelhas ficaram rubras,
minha cabeça latejava, meu coração vibrava aos arrancos.
Carmela voltou chorando e de tanto soluçar acaba de cair
exausta. Foi mais feliz. Fizemos uma fervorosa oração juntos,
em voz alta e ela dormiu. Eu ainda não chorei, mas – fato
raríssimo, quase absurdo – não posso dormir: estou com
insônia. Minhas fontes latejam. O quarto está triste; há
pouco, estava tão cheio... Parece que ainda estou vendo
todos. Vejo maletas e pacotes fechados. Nem papel existe.
Arranquei uma folha de livro para escrever á minha filha
idolatrada, esta carta ainda em terra do Brasil.

Uma intima voz me diz que tudo isto passará. Sinto a


presença de Deus no quarto, nas sombras da fortaleza. Nesta
última noite na pátria, sozinho neste silencio, escuto a voz
de Deus! Não se esqueça d’Ele, minha filha querida,... Coisa
singular: estou me sentindo mais tranquilo. Esta cartinha
foi um desabafo. Estas linhas equivaleram a uma descarga
de lagrimas. Sim! Agora uma força nova se levanta em mim!
Confiei minha filha e os meus a Santa Terezinha e santo
Antônio. E a virgem Mãe olhara por todos. Eu e Carmela,
diariamente, faremos essa oração. Jesus está dizendo que
verei logo a Você e todos que partiram na lancha, assim
como a todos os que queremos bem! Viva o Brasil! Receba a
benção e o beijo extremado

Papai (1\2 noite)

Anotações à margem: Juca! Olhe por minha filha!


Irene, Pompeu, que saudade!
Mande noticias do tratamento de Irene.
Estamos saindo do Forte ás 5 ¼ da manha.
Diga ao senhor Fortunato que muito me comoveram as lá-
grimas dele, porque eu as entendi... Porque sou pai.
Escreva! Escreva! Escreva!

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