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A física a serviço da sociedade

Osvaldo Novais de Oliveira Jr.


Rui Jorge Sintra
Organizadores

A física a serviço da sociedade

São Carlos – SP
IFSC/USP
2014
© 2014 IFSC/USP

Todos os direitos reservados ao Instituto de Física de São Carlos.

Organização e Edição
Prof. Dr. Osvaldo Novais de Oliveira Jr. – IFSC/USP
Rui Jorge Sintra (Jornalista Mtb 66181)
Textos
Luciana Cristina Sanchez,
Nicolle Casanova
Rui Jorge Sintra
Tatiana Zanon
Diagramação
Rodrigo Rosalis - Rosalis Designer – www.rosalis.com.br
Capa
Criada por Ricardo Rehder Cardoso, adaptando a foto original da autoria de Edison
Santiago de Almeida

Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do IFSC

F 528
A física a serviço da sociedade/ Osvaldo Novais de
Oliveira Jr, Rui Jorge Sintra, organizadores – São
Carlos: IFSC, 2014.
320p.

ISBN 978-85-61958-03-9

1. Física. I. Oliveira Jr, Osvaldo Novais, org. II. Sintra,


Rui Jorge, org. III. Titulo.
CDD 530
Agradecimentos

A
gradecemos em primeiro lugar ao nosso diretor do
IFSC, Prof. Antonio Carlos Hernandes, pelo seu
entusiasmo e apoio ao trabalho de comunicação do
IFSC com a sociedade e à edição deste livro em particular.
Nossos agradecimentos aos professores e funcionários do IFSC
que colaboraram com as matérias e textos publicados neste livro.
Como são muitos, não os nomeamos nos agradecimentos, mas
seus nomes aparecem no decorrer do livro. As versões originais
das matérias e textos foram produzidas por um dos editores,
Rui Sintra, e pelas Srtas. Luciana Cristina Sanchez, Nicolle
Casanova e Tatiana Zanon, a quem também agradecemos.
Contribuíram, também, para a edição e publicação deste
livro os funcionários Cristiane Estella, do Setor de Comuni-
cação, Ítalo Celestini, da Gráfica, Maurício Schiabel, do Setor
de Finanças, e a equipe da Biblioteca. A eles, nossos agradeci-
mentos.
Agradecimentos especiais são dedicados aos Professores
Yvonne Primerano Mascarenhas e Sérgio Mascarenhas, que
gentilmente escreveram o prefácio deste livro, e que continuam
a inspirar o trabalho em educação e pesquisa de professores,
alunos e funcionários do IFSC.

Osvaldo N. Oliveira Jr.


Rui Sintra
(Organizadores)
Sumário

Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2 Os desafios da física no Século XXI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3 Integração de áreas e iniciativas multidisciplinares. . . . . . . . . . . . . . 39

4 Explorando os fundamentos da Física . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

5 Materiais e Nanotecnologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

6 Energia e meio ambiente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

7 Física Computacional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169

8 Ciências Físicas e Biomoleculares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211

9 Saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237

10 Inovação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273

11 Comentários Finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319


Prefácio

P
refaciar este livro “A física a serviço da sociedade” foi para
nós uma grande satisfação ao verificarmos através de sua
leitura, de modo muito objetivo, o que já sentíamos sub-
jetivamente: a pujança desta unidade que ajudamos a formar nos
seus estágios iniciais. Embora nossas atividade estivessem in-
cluídas no âmbito de uma Escola de Engenharia onde a Física
representava apenas uma, assim chamada na época, “cadeira
reunida” de Física Geral e Experimental a ser ministrada nos
dois anos iniciais do curso, nos deparamos com alunos com
grande interesse científico que, se não se tornaram físicos,
acompanharam as aulas teóricas e experimentais com grande
interesse o que nos dava um “feed back” extremamente esti-
mulante. Ainda nas décadas de 1950 e 1960 se incorporaram
ao grupo jovens docentes graduados em Física, Química ou
Engenharia. Nessa época vários intercâmbios, estabelecidos
com apoio da Fundação Fulbright, com professores dos Esta-
dos Unidos que vinham a São Carlos para iniciar a formação
de nossos jovens em nível de pós-graduação, assim como de
membros do grupo que se dirigiram a várias universidades
americanas para estágios de pesquisa, principalmente na área
de Física da Matéria Condensada, muito contribuíram para o
seu aprimoramento. Na década de 1970 novos membros são
contratados mantendo-se a característica interdisciplinar ade-
quada a pesquisas que já se voltavam para áreas de informática
e biofísica. A partir daí, nas décadas de 1980 e 1990 e a primeira
do sec. XXI, consolidam-se cada vez mais as características de
pesquisa interdisciplinar e fortalecem-se áreas de Física Básica.
Assim podemos dizer que, mais do que qualquer prêmio ou honraria, a existência
da atual configuração do IFSC, com seus cerca de 80 docentes exercendo atividades
em nível de graduação e pós-graduação e envolvendo alunos, tanto em ativida-
des didáticas como de pesquisa através dos seus programas de Iniciação Científica,
Mestrado e Doutorado e, dessa forma, contribuindo para a formação de recursos
humanos de alto nível para o país, é a maior recompensa a que poderia aspirar um
casal de professores que ambicionavam se dedicar à docência e à pesquisa e que
deixaram a vida familiar, social e cultural que tinham no Rio de Janeiro, a sempre
Cidade Maravilhosa, para, em 1956, trabalharem na recém criada Escola de Enge-
nharia de São Carlos/USP.

Sérgio Mascarenhas
Yvonne P. Mascarenhas
Apresentação

O
viver da sociedade moderna, o nosso dia a dia, é
fruto dos grandes avanços da ciência no século XX
e da transformação do conhecimento em tecnolo-
gias que nos permitem ter, entre outras coisas, uma expecta-
tiva de vida mais do que o dobro, se a compararmos com o
início do século passado. Mas, como bem sabemos, muitos
ainda são os desafios.
Poderíamos elencar inúmeras questões que permane-
cem sem respostas, seja na física, na biologia, na medicina,
na química, para dizer somente algumas áreas da ciência.
Questões vitais, como a origem da vida, a vida em outros
planetas, ou ainda sobre o clima, a disponibilidade de água,
de energia e de recursos alimentares para as futuras gera-
ções. E assim se poderia seguir questionando. Alguns dos
desafios da física no século XXI são abordados neste livro
por ilustres pesquisadores do Instituto de Física de São Car-
los. Mas não é tudo.
Existe outro tipo de desafio para o século XXI que, de
certa maneira, está vinculado às questões fundamentais para
a humanidade: a necessidade de se ter mais pessoas com gosto
pela ciência, ou com gosto pela descoberta. Para superar mais
rapidamente esses desafios e fazer avançar a fronteira do co-
nhecimento, é obrigatório o trabalho de muitos com certa
dose de genialidade.
Trazer mais pessoas para atuar em ciência não é tarefa
fácil devido a vários fatores, inclusive falta de conhecimento.
Mas é preciso. Para isso, necessita-se de estímulo e de informação. Informação
que deve ser de fácil acesso e atualizada. Em síntese, têm que se providenciar
informações à sociedade numa linguagem que seja capaz de despertá-la para os
avanços da ciência e da tecnologia e com isso estimular mais pessoas a trilhar os
caminhos da ciência, de maneira a criarmos um círculo virtuoso que permita
contribuir para romper os reais desafios do século XXI.
Em 2010, o Instituto de Física de São Carlos – IFSC - iniciou um projeto de
divulgação da ciência em que uma de suas vertentes foi justamente contribuir
para que a sociedade tivesse acesso fácil, rápido e gratuito sobre o progresso das
pesquisas executadas em seus laboratórios. A home-page do IFSC (www.ifsc.
usp.br) passou a disponibilizar textos, entrevistas e informações sucintas sobre
os diferentes temas de pesquisa e as inovações geradas por seus pesquisadores.
Um dos resultados dessa iniciativa é a publicação deste livro Física a serviço
da sociedade. O professor Osvaldo Novais de Oliveira Jr, com o apoio do jorna-
lista Rui Sintra, fizeram uma seleção de entrevistas e textos publicados no portal
do IFSC, que abordam temas como energia do vácuo, matéria exótica, políme-
ros luminescentes, nanomateriais, fontes alternativas de energia e avanços tec-
nológicos em iluminação fria, criptografia, visão cibernética, novos fármacos,
computação quântica e muitos outros. O livro irá surpreendê-lo positivamente
frente à diversidade de temas em pesquisa e inovação que os pesquisadores do
IFSC têm se dedicado.
Editar e publicar o livro Física a serviço da sociedade não é somente mais
uma ação de divulgação científica, que já seria de extrema relevância, mas é
principalmente uma contribuição para a formação do círculo virtuoso para que
mais jovens se sintam estimulados pelo êxtase da descoberta. Tão importante
quanto descobrir, é saber comunicar a descoberta à sociedade. O leitor e a leito-
ra certamente se beneficiarão dos conhecimentos aqui disponibilizados.

Prof. Dr. Antonio Carlos Hernandes


Professor Titular e Diretor do IFSC - Grupo Crescimento de Cristais e
Materiais Cerâmicos
1 I ntrodução

A
principal missão do Instituto de Física de São Carlos
da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) tem sido
formar recursos humanos de alto nível na graduação
e pós-graduação, em que o ensino é fortemente acoplado às
atividades de pesquisa. Busca-se formar profissionais que, a
partir de conhecimentos sólidos em física, possam – se assim
o desejarem - atuar em áreas multidisciplinares e com preo-
cupação de servir à sociedade também com desenvolvimento
de inovação e transferência de tecnologia. Essa visão, base-
ada na indissociabilidade de ensino e pesquisa e de atuação
multidisciplinar, acabou por guiar a evolução do IFSC desde a
fundação do Instituto de Física e Química de São Carlos, em
1971, tendo continuado o seu percurso com o desmembra-
mento nos atuais IFSC e IQSC (Instituto de Química de São
Carlos) a partir de 1994.
As consequências mais visíveis dessa evolução estão na cria-
ção, nas últimas décadas, de cursos de graduação e programas de
pós-graduação. Hoje, o IFSC oferece três cursos de bacharelado,
a saber: Física, Física Computacional e Ciências Físicas e Biomo-
leculares, e um curso de Licenciatura em Ciências Exatas, em
parceria com o IQSC e o Instituto de Ciências Matemáticas e de
Computação (ICMC-USP). O programa de pós-graduação em
Física contempla as subáreas de Física Básica e Física Aplicada,
sendo que esta última inclui Física Computacional e Física Bio-
molecular. O IFSC participa ainda do programa Interunidades
em Ciência e Engenharia de Materiais, em parceria com o IQSC
e a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP).

13
Introdução

Outra consequência importante foi a vocação de docentes do IFSC para


buscar parcerias no Brasil e no exterior com pesquisadores de diferentes áreas.
Em São Carlos, em particular, há forte sinergia em ações com as outras unida-
des do campus da USP, com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e
com a Embrapa Instrumentação (CNPDIA). Tal atuação culminou na forma-
ção de diversos centros, institutos nacionais de pesquisa e redes de excelência,
muitos dos quais são liderados por professores do IFSC, como teremos oportu-
nidade de mencionar ao longo do livro.
Devido à diversidade das pesquisas e crescente necessidade de comunicação
com a sociedade, o IFSC decidiu há alguns anos divulgar suas atividades de pes-
quisa e extensão, tendo sua página da Internet como principal canal. Foi assim
produzida, a partir de 2010, uma série de reportagens, resenhas e entrevistas.
Ao compilar tais documentos, identificou-se a oportunidade de consolidá-los
em texto mais unificador, que é a origem deste livro, organizado da seguinte
forma: os capítulos correspondem a grandes temas de pesquisa em ciência bá-
sica e aplicada, além de tecnologia e inovação. No que concerne ao conteúdo,
reproduzem-se artigos e entrevistas, pós-editados em alguns casos, tendo-se
incluído novo material para contextualização. Do ano de 2010, em particular,
foram compilados os chamados “destaques” de pesquisa, consistindo de breve
resumo e figura ilustrativa para um artigo científico.
Os destaques e entrevistas aparecem com a data em que foram publicados
na página do IFSC. Pela diversidade de formatos, o uso da linguagem não é
uniforme. Na maioria dos casos, esperamos que a linguagem empregada seja
acessível para o não-especialista, sendo que em alguns tópicos específicos são
mencionadas referências para estudo mais aprofundado.
O Capítulo II traz opiniões de docentes do IFSC sobre os desafios da física
para o século XXI, enquanto o Capítulo III aborda a integração de diferen-
tes áreas de pesquisa que propiciou a formação de redes de pesquisa, centros
de pesquisa e inovação, institutos nacionais de tecnologia e núcleos de apoio
à pesquisa, liderados por docentes do IFSC. Nos capítulos IV a X aparecem
as matérias e reportagens divididas em grandes áreas, iniciando-se com pes-
quisas em física fundamental, de cunho teórico ou experimental, no Capítulo
IV. Os temas de materiais e nanotecnologia, e energia e meio ambiente são

14 | A física a serviço da sociedade


Introdução

tratados nos Capítulos V e VI, respectivamente. As pesquisas e contribuições


relacionadas a outras duas grandes áreas para as quais o IFSC oferece cursos de
graduação e programas de pós-graduação são comentadas nos Capítulos VII e
VIII. Estes capítulos são dedicados, respectivamente, à física computacional
e às ciências físicas e biomoleculares. O Capítulo IX traz matérias sobre
aplicações de metodologias da física em saúde, e as contribuições do IFSC
em inovação tecnológica aparecem no Capítulo X. O livro é encerrado com
comentários finais no Capítulo XI, em que se faz uma reflexão sucinta sobre a
cobertura das pesquisas no IFSC pelo setor de comunicação.

A física a serviço da sociedade | 15


2 O s desafios da física
no Século XXI

U
ma preocupação constante dos pesquisadores do IFSC
é se antecipar e eleger problemas científicos com gran-
de possibilidade de impacto. Decorridos pouco mais de
uma dezena de anos no novo século, vale a pena ouvir a opinião
de professores do IFSC, expressa numa reportagem e em textos
específicos, que compõem este Capítulo.

17
Os desafios da física no Século XXI

Quais são os principais desafios


da física para o século XXI?
Glaucius Oliva, Professor Titular do IFSC e Presidente do CNPq

O
s fenômenos da natureza associados à Vida consti-
tuem, talvez, a última grande fronteira do conhe-
cimento humano ainda em grande parte intocada
pela Física. A alta complexidade, associada aos organismos
biológicos, é certamente a razão principal pela qual as cha-
madas Ciências da Vida adotaram, ao longo de sua história,
uma abordagem sistêmica na descrição e análise dos proble-
mas envolvidos. Este panorama modificou-se drasticamente
nos últimos anos, com o florescimento de novas técnicas ex-
perimentais, tanto físicas quanto bioquímicas e biológicas,
que permitem a interação sistemática e racional com a Ma-
téria Viva. O ímpeto para esta nova abordagem da pesqui-
sa biológica deve-se ao reconhecimento universal de que a
chave para o entendimento da biologia encontra-se nas es-
truturas moleculares e supramoleculares dos sistemas vivos.
Por vários séculos, os assim chamados “filósofos naturais”
buscaram a compreensão da organização, comportamento e
função, na forma que podia ser observada com a visão co-
mum. Mais recentemente, com o advento dos microscópios
ópticos e, nos últimos 100 anos com as microscopias eletrô-
nica e de força atômica, a pesquisa estendeu-se ao domínio
da organização celular e subcelular. Hoje em dia, com as cada
vez mais sofisticadas ferramentas da Física, esta visão alcança
os níveis de moléculas e átomos. Estas ferramentas decorrem
da possibilidade de se estudar a interação da radiação eletro-
magnética com a matéria biológica, particularmente, no caso
cristalográfico, no estado sólido cristalino. Observou-se, as-

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Os desafios da física no Século XXI

sim, uma gradual transição da Biologia Clássica para a Biolo-


gia Molecular, na completa acepção desta denominação, qual
seja a Ciência da Vida ao nível molecular que busca entender
os fenômenos biológicos na escala atômica.
A física é a ferramenta fundamental para o entendimen-
to da biologia, a qual, por sua vez, é central para a medicina.
Desta forma, as aplicações potenciais da física na medicina
são extraordinárias. Dentre as principais áreas desafiadoras
no século XXI, destaco: (1) A aplicação de técnicas físicas
experimentais e teóricas na compreensão da estrutura da
matéria biológica (ácidos nucleicos, proteínas, carboidratos
e fosfolipídios, bem como o universo dos metabólitos celu-
lares e xenobióticos), incluindo suas propriedades dinâmi-
cas, funcionais e suas interações, com tratamento quântico;
(2) Os processos estocásticos na regulação e transcrição do
DNA e suas implicações funcionais nos sistemas complexos
celulares; (3) A compreensão e simulação completa do fun-
cionamento celular, que permitam elucidar o modus operan-
di dos sistemas nervoso, circulatório, respiratório e digesti-
vo; (4) A compreensão completa do cérebro, desvendando
os mecanismos da memória e do pensamento; (5) O desen-
volvimento de novos métodos não-invasivos de diagnósti-
co e tratamento, bem como novos materiais biomecânicos,
interfaces cérebro-máquinas e sensores capazes de substituir
ou expandir os sentidos humanos, entre outros; (6) A com-
binação de técnicas físicas e de biologia molecular nos de-
senvolvimentos da biologia sintética e impressão de tecidos
biológicos e até mesmo órgãos completos.

A física a serviço da sociedade | 19


Os desafios da física no Século XXI

A origem da vida
José Fernando Fontanari, Professor Titular
e Chefe do Departamento de Física e Informática

E
m sua fala presidencial no encontro de 1871 da Socie-
dade Britânica para o Progresso da Ciência, William
Thomson (Lord Kelvin) declarou que “a matéria bru-
ta não pode tornar-se viva sem antes ser influenciada pela
matéria viva. Isso me parece um ensinamento da ciência tão
definitivo quanto a lei da gravidade”. Kelvin acreditava que
o universo e a vida eram eternos, ou seja, sempre existiram,
tendo sido um influente defensor da panspermia, uma vez
que ele mesmo havia calculado um máximo de 20 milhões
de anos para a idade da Terra.
Hoje, sabemos que o universo surgiu há mais ou me-
nos 14 bilhões de anos, mas ainda não temos a menor ideia
de como a vida surgiu, onde quer que isso tenha ocorrido.
Entretanto, a conexão entre a gravitação e a vida talvez seja
mais profunda que a sugerida pela frase de Kelvin. Afinal, a
gravitação parece ser a fonte última da informação biológica
e da ordem necessárias à vida. A dificuldade é que essa in-
formação adquire significado (semântica) apenas na presen-
ça de um contexto, tratando-se, portanto, de uma grandeza
global que dificilmente poderá ser explicada ou entendida
através de leis físicas locais.
Atualmente, a vasta maioria da comunidade científi-
ca endossa - mesmo sem que o perceba - a perspectiva do
Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina de 1974, Christian
de Duve, que via a vida como um fenômeno corriqueiro no
universo, como uma consequência inevitável das leis conhe-
cidas da Física e da Química, dadas as condições adequadas.

20 | A física a serviço da sociedade


Os desafios da física no Século XXI

Não é à toa que a busca pela vida no universo tenha sido re-
duzida à procura por planetas e satélites com água no estado
líquido, embora não haja nenhuma evidência científica da
inevitabilidade da vida no nosso universo. A visão alternati-
va, capitaneada pelo ganhador do mesmo prêmio, em 1965,
Jacques Monod, coloca a origem da vida como um evento
único no universo, resultante de uma sequência de eventos
extremamente improváveis. Apenas a primeira perspectiva
presta-se à aplicação do método científico de investigação
(daí, talvez, sua popularidade entre os cientistas) e o desafio
da Física é a descoberta, caso existam, das leis que governam
a auto-organização da matéria em sistemas fora do equilí-
brio termodinâmico.

A física a serviço da sociedade | 21


Os desafios da física no Século XXI

Quais os desafios da Física


para o século XXI?
Profa. Dra.Yvonne Primerano Mascarenhas,
Docente Aposentada na ativa – Grupo de Cristalografia

A
análise da proposta sugerida pelo título deste livro
“Física e Sociedade” pode ser feita sob vários vieses.
Para fazê-la, sou levada a analisar como a Física,
ou melhor, a Ciência de um modo mais geral, modificou o
homem e a sociedade desde que se estabeleceu o método
científico a partir de Descartes e Galileu.
No século XVII, em 1637, René Descartes publica o seu
livro Discours de la méthode (sous-titré Pour bien conduire sa
raison, et chercher la vérité dans les sciences). Em seu método,
Descartes propõe quatro princípios:
1. Evidência: Nunca aceitar nada como verdadeiro que não
conheça evidentemente como tal;
2. Reducionismo: Dividir cada uma das dificuldades que
encontrar em tantas parcelas quanto possível e necessá-
rio para melhor as resolver;
3. Causalidade: conduzir por ordem os pensamentos, co-
meçando pelos objetos mais simples e mais fáceis de co-
nhecer, até os mais complexos, supondo mesmo a ordem
entre os que não precedem naturalmente os outros;
4. Exaustividade: revisões tão gerais que se fique com a cer-
teza de nada omitir.
Galileu completa em 1630 e publica em 1632 o “Diálogo
sobre os dois principais sistemas do mundo” e estabelece o
Método Científico.
Sir Isaac Newton, com sua monografia Philosophiæ Naturalis
Principia Mathematica, publicada em 1687, definitivamente
estabeleceu o heliocentrismo e a teoria da gravitação.

22 | A física a serviço da sociedade


Os desafios da física no Século XXI

O enfoque baseado nessa nova forma de raciocínio levou


a um notável desenvolvimento científico nos séculos XVII
e XVIII e a importantes descobertas no século XIX, esten-
dendo o conhecimento do eletromagnetismo, da óptica, da
termodinâmica e da química. Consequência: no século XIX
as novas tecnologias geradas pelo conhecimento científico
levam à Revolução Industrial com novos métodos de pro-
dução, transporte, volume e custo dos materiais produzidos,
gerando grandes mudanças políticas e sociais pelo uso cada
vez mais intensivo da mão de obra nas cidades.
No início do século XX pareceria que os princípios fun-
damentais da Física e da Química estavam bem estabeleci-
dos. Mas tudo o que se conhecia era o comportamento de
sistemas macroscópicos. Alguns experimentos relativos a
pesquisas em espectroscopia da radiação emitida por gases
rarefeitos em tubos catódicos e o espectro da radiação do
corpo negro levaram a resultados surpreendentes e inex-
plicáveis pela teoria vigente do eletromagnetismo. Ainda
mais, não se entendia a natureza de uma radiação produzi-
da nos tubos de raios catódicos: os raios X; assim como a ra-
dioatividade natural, espontânea, que se observa em certos
minerais de urânio como a pechblenda. A fim de entender
esses fatos experimentais surge a Mecânica Quântica com
novos conceitos que foram muito questionados e discutidos
entre os cientistas da época, mas que se consolidou diante
da evidência da propriedade com que consegue explicar os
resultados experimentais acima referidos. E, para culminar,
os novos horizontes da Ciência são estendidos teoricamen-
te quando Einstein concebe a Teoria da Relatividade que
estabelece um limite superior para a velocidade de ondas
ou corpos e a equivalência entre massa e energia. As aplica-
ções tecnológicas da Ciência no século XX geram inúmeras
aplicações em múltiplas áreas, ampliando enormemente a

A física a serviço da sociedade | 23


Os desafios da física no Século XXI

disponibilidade de fontes de energia, novos materiais, co-


municação via satélites artificiais, computadores, robótica,
astrofísica e o entendimento dos princípios de funciona-
mento dos seres vivos (DNA, proteínas).
A pesquisa de ponta em ciência e tecnologia na segunda
metade do século XX está voltada ao estudo de problemas
interdisciplinares que exigem a concorrência de pesquisa-
dores de várias áreas, além de envolvimento de indústrias
levando a aperfeiçoamento de computadores e ferramentas;
construção e experimentos nos aceleradores de partículas;
nanotecnologia; busca de novos fármacos; controle de redes
de distribuição de energia, de telefonia e de bancos; criação
de grandes laboratórios de pesquisa internacionais (CERN,
observatórios astronômicos multinacionais, síncrotrons, re-
atores nucleares de pesquisa).
Poderíamos então nos perguntar qual a parcela da po-
pulação de nosso planeta goza de boas condições de vida
proporcionadas por todos esses avanços científicos e tecno-
lógicos. É bem conhecida a resposta: Uma ainda maior con-
centração de PODER econômico, bélico e industrial.

Figura 1 – Distribuição de riqueza (em %) entre as diversas regiões do mundo


Figura 2 – Distribuição da população no mundo em 2005
Fontes: Credit Suisse Global Wealth Databook, Schords/Davies/Lluberas e
Wikipedia.

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Os desafios da física no Século XXI

A figura 1 mostra a distribuição de riqueza entre as


varias regiões do planeta. Ela é obviamente extremamen-
te desigual e poderíamos nos perguntar até que ponto isso
se deve à concentração de conhecimento nas regiões mais
ricas. Lembrando que a população das regiões mais ricas,
como se vê na fig. 2, é relativamente bem menor que a das
regiões mais pobres, isso fica ainda muito mais grave!
Se é verdade que a distribuição da riqueza é função do
poderio adquirido pelos países detentores do conhecimento
científico, então deveríamos nos perguntar se isso é etica-
mente aceitável. Normalmente os questionamentos sobre in-
tegridade e ética na ciência encaram apenas a necessidade de
evitar comportamentos que não atendam ao uso legítimo do
método cientifico e as condições Cartesianas apresentadas
no início deste texto e também aquelas devidas ao compor-
tamento ético associado entre outros a plágio, manipulação
de dados, não reconhecimento de coautorias. Entretanto a
ética no estado atual do desenvolvimento social humano vai
além desses comportamentos pessoais e interpessoais, pois
o exacerbado poderio militar, econômico e industrial pode
levar a desastres fatais a toda a humanidade, tanto no uso de
armas “convencionais” robotizadas como biológicas e nucle-
ares, cujo uso indiscriminado pode levar a sérios danos am-
bientais com reflexos ecológicos e de saúde humana, animal
e vegetal. O uso da bomba atômica na segunda guerra mun-
dial por suas trágicas consequências já levou a movimentos
em que se busca o controle do seu uso.
Por todas essas razões o filósofo alemão Hans Jonas
(“The principle responsibility: Essay on an ethics for a
technological civilization” (1979) e uma coleção de ensaios
reunidos em 1994 “Ethics, Medicine and Technic”) preconi-
zou a observação de uma nova ética para o nosso tempo que
deve se aplicar num contexto mais amplo relacionando-se o

A física a serviço da sociedade | 25


Os desafios da física no Século XXI

indivíduo à sua responsabilidade social. Se assim for qual a


parcela de responsabilidade cabe aos cientistas para minorar
essa situação? Quais as novas descobertas que poderão pro-
porcionar uma melhor condição de vida às populações mais
pobres? Como evitar aplicações indevidas das novas tecno-
logias? Sem dúvida essa é uma tarefa que vai de encontro a
muitos interesses da atual civilização capitalista, mas não é por
isso que a responsabilidade ética do cientista deixa de existir!
Nesse sentido, embora a pesquisa científica básica deva ser
conduzida sem limitações, a comunidade científica deveria
avaliar criteriosamente sua participação nas mesmas, assim
como as consequências de cada uma das aplicações tecno-
lógicas de acordo com os respectivos potenciais de riscos e
benefícios para a sociedade, regulamentando as condições
em que podem ou devem ser aplicadas.
O caminho para alcançar, ao menos em parte, esses ob-
jetivos passa por um esforço educacional para possibilitar
que a população em geral possa ser participante das deci-
sões. Por outro lado, a comunidade científica deveria, cada
vez mais, se empenhar em programas de divulgação científi-
ca, levando à população o seu testemunho sobre os avanços
que estão sendo feitos e a importância dos temas científicos
de ciência básica pesquisados nos grandes projetos interna-
cionais, envolvendo frequentemente altos recursos financei-
ros públicos.
Voltando agora aos dados apresentados nas Figs. 1 e 2,
considero que a atual disponibilidade energética do nosso
planeta é insuficiente para manter a taxa de seu uso atual, e
ainda menos se quisermos estendê-la para a grande massa
populacional dos países não desenvolvidos. Mesmo que as-
sim não fosse, o uso de recursos fósseis, carvão, petróleo e
xisto, acarretaria um aumento drástico da poluição ambien-
tal com os graves riscos bem conhecidos. Assim, sonhando

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Os desafios da física no Século XXI

alto, a existência de geradores a fusão nuclear seria a grande


esperança, porém o estabelecimento da tecnologia necessá-
ria ainda é incerto e os investimentos são altíssimos. O pro-
jeto ITER, que visa a estabelecer as condições para o fun-
cionamento de um reator a fusão nuclear, é o projeto mais
caro do mundo e está sendo executado    no sul da França
ao lado do CEA (Cadarache Research Centre). Participam
desse projeto a Comunidade Europeia, com 45,5% de parti-
cipação, e seis outras nações, cada uma com 9,1%, Estados
Unidos, Japão, China, Rússia, Índia e Coreia do Sul, repre-
sentando 34 países. Segundo declarações feitas ao jornal Es-
tado de São Paulo em janeiro de 2013 o Prof. Ricado Gal-
vão do Instituto de Física da USP, que acompanha de perto
o desenvolvimento do projeto do ITER, “A fusão nuclear é
uma tecnologia promissora como fonte de energia e sem os
problemas da fissão nuclear. Ainda há algumas dificuldades
científicas e técnicas para serem resolvidas, mas os experi-
mentos na Inglaterra e nos Estados Unidos demonstraram
sua viabilidade”.
Salientamos ainda como de grande importância as pes-
quisas em Biologia Molecular que poderão, ainda durante o
sec. XXI, proporcionar resultados importantíssimos que le-
varão a um amplo entendimento das funções biológicas no
nível molecular através de cada vez mais potentes métodos de
biologia molecular com o auxílio de técnicas espectroscópicas
e difratométricas que se prenunciam cada vez mais poderosas
(desenvolvimento de novas fontes de raios X e nêutrons (laser
de raios X, síncrotrons, reatores) e de obtenção de imagens in
vivo (NMR e tomografia de raios X)). O uso dos dados assim
obtidos levará certamente ao desenvolvimento de métodos
cada vez mais precisos de prevenção, diagnóstico e terapia de
grande número de doenças assim como de conservação da
saúde e da qualidade de vida das populações.

A física a serviço da sociedade | 27


Os desafios da física no Século XXI

O grande desafio
Prof. Dr. Luiz Nunes de Oliveira,
Professor Titular – Grupo de Física Teórica

N
o final do segundo milênio, ouvia-se frequente-
mente que o Século XX tinha sido da Física, mas
que o próximo seria da Biologia. Assim como
ocorria com as profecias do Oráculo de Delfos, na Grécia
antiga, constata-se que o significado dessa previsão fica mais
claro à medida que o tempo passa. A interpretação que hoje
se tem é bem distinta da compreensão mais superficial que
prevalecia no ano 2000. Os maiores triunfos do Século XX
foram a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade, co-
lhidos nos mundos microscópico e cósmico, e que revolu-
cionaram a Física, a Química e a Astronomia. Já no Século
XXI, a grande batalha científica será travada no domínio da
Biologia, nas escalas de tempo e distância que caracterizam
as macromoléculas, tais como a insulina, a hemoglobina ou
o DNA. Como em qualquer disputa ainda por começar, o
resultado é imprevisível, mas o desafio já se apresenta.
De que desafio falamos? Para responder, precisamos
prestar atenção à Física dos objetos que nos cercam. Parte
deles é descrita pela Mecânica de Newton; a outra parte, pela
Mecânica Quântica. Se os engenheiros eletrônicos que pro-
jetaram o telefone que espera chamadas na bolsa da leitora
tivessem tentado trabalhar com as Leis de Newton, prova-
velmente teriam concluído que um celular é um sonho im-
possível. No entanto, os engenheiros civis responsáveis pela
edificação do prédio onde a bolsa se encontra puderam dar-
-se ao luxo de ignorar a Mecânica Quântica e trabalhar ex-
clusivamente com a de Newton.

28 | A física a serviço da sociedade


Os desafios da física no Século XXI

Para todo efeito prático, a Mecânica de Newton é exata


na escala de tempos e distâncias em que vivemos. Como
pode ser assim, se os prédios e as bolsas são constituídos
por um número incalculável de prótons, nêutrons e elé-
trons, que obedecem cegamente à Mecânica Quântica?
A Física explica que um sistema físico pode ser dividido
em escalas de distância. Em particular, há escalas de ta-
manho em que as leis são independentes das distâncias
muito maiores e que herdam das distâncias muito meno-
res apenas alguns parâmetros. Essas escalas são conhecidas
como pontos fixos. Assim, nós vivemos perto do ponto fixo
macroscópico (o da Mecânica de Newton), que é indepen-
dente do que acontece na escala astronômica e herda da
escala atômica apenas informações, tais como a massa de
um objeto ou o campo magnético que um ímã produz. Os
átomos estão perto do ponto fixo microscópico (o da Me-
cânica Quântica), governado por leis totalmente indepen-
dentes do mundo macroscópico.
O grande desafio da Física do Século XXI é saber se exis-
te um ponto fixo intermediário, governado por leis que nem
são as de Newton, nem são as da Mecânica Quântica. Em
caso afirmativo, teremos de encontrar as leis que governam
essa escala mesoscópica, entre os pontos fixos microscópico
e o macroscópico. O mundo mesoscópico, que compreende
distâncias entre 1 e 100 nanômetros, é riquíssimo. As prin-
cipais reações químicas que ocorrem em nossos corpos são
provocadas por estruturas nanométricas. O diâmetro de uma
hélice de DNA é 2 nm e a espessura de uma membrana ce-
lular é 7 nm. O vírus do HIV mede 100 nm. A fotossíntese
e o armazenamento de energia nas células são produzidos
nessa mesma escala de distância. Como as estruturas me-
soscópicas são complexas demais para serem descritas pela
Mecânica Quântica, sabemos muito pouco sobre elas. Se

A física a serviço da sociedade | 29


Os desafios da física no Século XXI

encontrarmos leis matemáticas mais simples para descrevê-


-las com precisão, tudo mudará.
Já há algum tempo, começaram a aparecer evidências
de que o mundo mesoscópico tem suas próprias regras. O
desafio em identificá-las é conhecido como o problema da
emergência, porque as novas leis devem emergir da Mecâ-
nica Quântica. Talvez possamos encontrar, por exemplo,
uma equação simples (e exata) para descrever a densidade
eletrônica de uma molécula com cem mil átomos. Esse é o
problema científico mais importante de nossos dias. Quem
conseguir resolvê-lo conseguirá desenhar moléculas com
propriedades típicas da Biologia: moléculas que armazenam
e liberam energia conforme a necessidade, ou moléculas que
se reproduzem, por exemplo. As leis mesoscópicas oferece-
rão aos bioquímicos recursos tão ricos como os que hoje es-
tão à disposição dos químicos que, atualmente, sintetizam
polímeros. A química polimérica revolucionou a engenha-
ria de materiais na segunda metade do Século XX. É difícil
imaginar o impacto que teria o trabalho de um bioquímico
dotado de recursos semelhantes no Século XXI.

30 | A física a serviço da sociedade


Os desafios da física no Século XXI

Desafios da Física para este século XXI


Prof. Dr. Luiz Agostinho Ferreira,
Professor Titular – Grupo de Física Teórica

O
s desafios para a Física são inúmeros, mas vamos
nos concentrar em alguns relacionados aos funda-
mentos desta ciência. As interações fundamentais
da natureza conhecidas até o momento são quatro: gravita-
cional, eletromagnética, nucleares fraca e forte. As teorias
que descrevem estas interações são baseadas em princípios
de simetria, a saber: o princípio de equivalência, no caso da
Teoria Geral da Relatividade que descreve a gravitação, e o
princípio de gauge no caso das chamadas Teorias de Gauge,
ou Teorias de Yang-Mills, que descrevem as outras três.

1. O primeiro problema diz respeito à massa. O princípio


de gauge, que determina a estrutura das teorias de gauge,
não permite que os chamados bósons de gauge tenham
massa. Por isso, o fóton não tem massa. No entanto, os
bósons de gauge da interação nuclear fraca têm massa.
Para resolver isto, foi criado o mecanismo de Higgs que
quebra a simetria de gauge e gera massa às partículas. No
caso das interações nucleares fortes, descritas pela teoria
de gauge, chamada Cromodinâmica Quântica (QCD), é
sabido que a simetria de gauge é exata e os bósons de gau-
ge, chamados glúons, não podem ter massa. No entanto,
sabemos dos dados experimentais que o espectro da QCD
não pode ter excitações de massa nula. Este é o chamado
problema do gap de massa (1), ou seja, como uma teoria
de gauge exata (simetria não quebrada), e que ainda é in-
variante conforme, pode gerar uma escala de massa? Vale

A física a serviço da sociedade | 31


Os desafios da física no Século XXI

dizer que a maior parte da massa de nosso corpo não é


gerada pelo mecanismo de Higgs, mas sim pela interação
nuclear forte. A razão é que nossa massa provém princi-
palmente das massas dos prótons e nêutrons. Apesar de es-
tes serem formados por quarks, a contribuição das massas
dos quarks às massas dos prótons e nêutrons é apenas uma
pequena fração da massa total. A maior parte das massas
(inércia) destes provém da energia de interação nuclear
forte entre seus constituintes, os quarks e glúons (2).
2. O problema do gap de massa descrito acima está intima-
mente relacionado ao chamado problema do confinamento
(3) dos quarks e glúons dentro do hádrons (prótons e nêu-
trons). Ou seja, as excitações de massa nula da QCD desa-
parecem do espectro porque estão confinadas e não podem
ser observáveis. A questão é que, apesar de a QCD ser uma
teoria bem definida, não sabemos mostrar como suas leis
levam ao confinamento dos quarks e glúons e ao espectro
(massas) dos hádrons. Imagine que Schrödinger apresen-
tasse sua equação como a “Lei de Newton” da Mecânica
Quântica e não conseguisse calcular o espectro do átomo
de hidrogênio. Este é o problema da QCD. Não sabemos
demonstrar o confinamento porque ele é um fenômeno
não-perturbativo, isto é, não pode ser resolvido por apro-
ximações, como na teoria de perturbações. O problema do
confinamento insere-se, na verdade, em um contexto mais
amplo na Física, que é o de se desenvolverem métodos
para tratar problemas complexos (complicados!). Dentro
deste contexto, insere-se a solução de problemas não-li-
neares de maneira geral, como por exemplo a previsão do
tempo, o controle de plasmas, etc. Em muitos casos, pode
ser que o problema não seja a falta de métodos, mas sim
a falta de um entendimento mais profundo das leis não-
-lineares da Física.

32 | A física a serviço da sociedade


Os desafios da física no Século XXI

3. Ampliando o horizonte de fenômenos complexos na Físi-


ca, encontramos a interface desta com a Biologia. Se os se-
res vivos são feitos de átomos e estes obedecem às Leis da
Física, como as Leis da Biologia emergem daquelas? Esta
pergunta esconde uma hipótese muito importante, pouco
entendida - e porque não dizer polêmica: a hipótese do re-
ducionismo. Talvez a Biologia tenha as suas próprias leis
(4). Dentro deste contexto, o fenômeno mais complexo e
desafiador é o próprio cérebro, seja ele humano, canino,
ovíparo, etc. Aqui, talvez resida um dos maiores desafios
não somente da Física, mas da Humanidade.

Voltando à Física propriamente dita, temos ainda seus


problemas relacionados à descrição do Universo (das estre-
las e galáxias). Nas distâncias astronômicas, galácticas, etc,
a interação gravitacional, apesar de muito mais fraca que as
demais, domina os fenômenos cosmológicos. Portanto, a
Teoria Geral da Relatividade de Einstein (GR) tem um papel
preponderante no nosso entendimento do Universo. Aqui
seguem alguns dos problemas abertos:

1. A Mecânica Quântica introduz um ingrediente fantástico


na descrição dos fenômenos físicos, a saber: as leis da Físi-
ca mudam com a escala de distância ou equivalentemente
de energia. Nas chamadas teorias de gauge, isto implica
que suas leis não mudam mas suas intensidades (constan-
tes de acoplamento) mudam. Teorias que se comportam
assim são ditas Teorias Renormalizáveis, devido ao chama-
do processo de renormalização utilizado na eliminação de
divergências nos cálculos das grandezas físicas. Já a Teoria
Geral da Relatividade tem não somente suas intensidades,
mas também suas leis alteradas conforme mudamos a esca-
la de energia dos fenômenos a serem estudados. Isto im-

A física a serviço da sociedade | 33


Os desafios da física no Século XXI

plica que, diante da Mecânica Quântica, a GR não faz sen-


tido! Por isto, a GR é dita uma teoria não renormalizável.
Este talvez seja, atualmente, o maior problema fundamen-
tal da Física. A incompatibilidade da Mecânica Quântica
com a Teoria Geral da Relatividade é semelhante (mas
muito mais complexa) à incompatibilidade da Mecânica
Newtoniana com a Teoria de Maxwell do eletromagne-
tismo, no final do Século XIX, e que levou ao desenvol-
vimento da Teoria da Relatividade Especial pelo próprio
Einstein. Existem duas teorias que competem entre si para
resolver este problema: a Teoria de Cordas (string theory)
(5) e a Teoria dos Laços (Loop Quantum Gravity) (6). No
entanto, atualmente elas não passam de tentativas matemá-
ticas, pois não fazem ainda o menor contato com os dados
experimentais. Outra abordagem, envolvendo conceitos
mais próximos das teorias realistas, é aquela proposta origi-
nalmente por S. Weinberg e denominada asymptotic safety
(7). O ponto crucial é a hipótese da existência de um ponto
fixo do grupo de renormalização em energias altas.
2. Outros problemas desta área são:
a. Um problema que já dura setenta anos é a anomalia na
velocidade de rotação das galáxias. Tais velocidades não
podem ser explicadas pela interação gravitacional (do
jeito que a entendemos) da massa observável das galá-
xias. A hipótese mais aceita é que exista uma matéria
escura (8) que não absorve ou emite luz e que ainda não
descobrimos. Algumas experiências em andamento em
balões e satélites, assim como no LHC (Large Hadron
Collider) do CERN, podem dar uma resposta em breve.
b. Em 1998, descobrimos que o Universo está se expandin-
do de maneira acelerada e não desacelerada, como era
de se esperar, dado o caráter atrativo da força gravita-
cional (9). Isto foi possível graças a um tipo de superno-

34 | A física a serviço da sociedade


Os desafios da física no Século XXI

va muito conhecida, que funciona como uma lâmpada


de potência conhecida colocada nos confins do cosmo.
Ou seja, deve existir uma força repulsiva que atua a dis-
tâncias muito grandes. A hipótese mais popular é a da
energia escura. Este é um problema mais complexo que
o da matéria escura e ainda precisamos de um melhor
entendimento dos modelos cosmológicos.

Enfim, ainda temos muito com que nos divertirmos!

References:
1 CLAY MATHEMATICS INSTITUTE. The Millenium prize problems.
Disponivel em: <http://www.claymath.org/library/monographs/MPPc.
pdf>. Acesso em:29 jan.2014.
2 KRONFELD, Andreas S. The weight of the world is quantum
chromodynamics. Science, v.322, n.5905,p.1198-1199, 21Nov. 2008.
3 WILSON, Kenneth G. Confinement of quarks, Physical Review D
v.10,p.2445-2459,1974.
4 MAYR, Ernst. What makes Biology unique? considerations on the
autonomy of a scientific discipline. Cambridge: Cambridge University
Press,2004.
5 GREEN,M.B.;SCHWARZ,J.H.;WITTEN,E. Superstring theory.
Cambridge: Cambridge UniversityPress,1987.
6 ROVELLI,Carlo. Loop quantum gravity. Living Reviews in Relativity,
v.11, n.5, 2008. Disponivel em:<http://relativity.livingreviews.org/
Articles/lrr-2008-5/>.Acesso em:29 jan.2014.
7 NIEDERMAIER,Max; REUTER,Martin. The asymptotic safety
scenario in quantum gravity. Living Reviews in Relativity, Disponivel
em:<http://relativity.livingreviews.org/Articles/lrr-2006-5/>. Acesso
em:29 jan.2014.
8 SUMNER, T.J. Experimental searches for dark matter. Living Reviews
in Relativity.Disponivel em: <http://relativity.livingreviews.org/
Articles/lrr-2002-4/>Acesso em:29 jan.2014.
9 THE NOBEL Prize in Physics. Written in the stars. 2011.Disponivel
em:<http:// www.nobelprize.org/nobel-prizes/physics/laureates/2011/
popular- physicsprize2011.pdf>.Acesso em:29 jan.2014.

A física a serviço da sociedade | 35


Os desafios da física no Século XXI

O Santo Graal de Einstein


21 de Junho de 2013

O século XXI parece muito promissor


no que tange à evolução científica e
tecnológica, que certamente terá a Física
Bóson de Higgs, explica a docente do Grupo
de Física Teórica do IFSC, Tereza C. da Ro-
cha Mendes.
como uma das protagonistas. Uma questão O problema tem início aqui: embora
que se coloca é se a unificação da mecânica explique a interação entre as forças fraca,
quântica com a gravitação - que nem Eins- forte e eletromagnética, o modelo padrão
tein conseguiu - será finalmente atingida. não conseguiu incluir a força gravitacional.
Os objetos de estudo mais fundamen- Ou seja, as partículas elementares da maté-
tais da Física são as partículas e como elas ria têm uma teoria quântica que as explica,
interagem entre si. Ou seja, quais forças são enquanto a gravitacional, não. Esta, por sua
responsáveis por atrair ou repelir elétrons, vez, só pode ser explicada pela teoria da re-
prótons, nêutrons e quarks. Tais interações latividade geral, formulada por Albert Eins-
são oriundas de apenas quatro forças, duas tein, em 1915, cerca de dez anos antes da
das quais são mais conhecidas pelo públi- consolidação da mecânica quântica: A força
co geral: a da gravitação, que nos permite da gravidade, apesar de ser a mais conhecida,
estar fixados ao solo, e a eletromagnética, é a única que não possui uma teoria quântica
que explica fenômenos ligados à corrente para descrevê-la, explica o docente do Grupo
elétrica e ao magnetismo. As outras duas de Física Teórica do IFSC, Daniel A. Turolla
forças só foram descobertas no século XX Vanzella: Para qualquer fenômeno em que a
e agem nos núcleos dos átomos. São as cha- gravidade é protagonista, ou seja, quando há
madas forças nucleares: a força forte, que um acúmulo de massa muito grande num es-
mantém os prótons e nêutrons no núcleo paço muito pequeno, a relatividade geral é a
atômico, e a força fraca, que explica, entre teoria mais adequada, diz o docente.
outras coisas, os processos de radioativida- Tereza explica que as três forças de in-
de. As forças fraca, forte e eletromagnética teração - eletromagnética, forte e fraca - são
são bem explicadas pelo chamado modelo descritas pelo mesmo paradigma. É de se
padrão da física de partículas elementares, esperar, portanto, que a quarta também o
ou simplesmente pela mecânica quântica, seja: O que a maior parte dos físicos deseja
teoria que permitiu explicar a estrutura da é encontrar ‘furos’ no modelo padrão que
matéria: O modelo padrão foi construído du- possam levar a pistas de como incluir a gra-
rante o século XX e ficou completo - teórica vidade nele, opina a docente: Na verdade,
e experimentalmente - após a descoberta do o objetivo é tentar unificar o microscópico

36 | A física a serviço da sociedade


Os desafios da física no Século XXI

ao macroscópico. Esse grande dilema, hoje e benefícios gerados pelos milhares de


considerado o maior desafio da física, não pesquisadores no LHC são de suma im-
é novo. O próprio Einstein, quando formu- portância e beneficiam a todos. Se você
lou a teoria geral da relatividade, já buscava não imagina sua vida sem a Internet, agra-
uma teoria capaz de unificar as quatro for- deça ao ex-funcionário do CERN, o físico
ças de interação. E não foi bem sucedido: britânico Tim Berners-Lee, que na década
Muitos sucessores de Einstein também pro- de 1980 se deparou com cientistas nervo-
curaram uma teoria quântica da gravidade, sos por não conseguirem compartilhar ra-
mas ainda não encontraram, conta Daniel. pidamente dados e informações com seus
Dentre os pesquisadores descontentes com colegas em outras partes do mundo. Para
essa lacuna entre a relatividade geral e a resolver o problema, Berners criou o pro-
mecânica quântica, alguns defendem a teo- jeto World Wide Web (www). Sem pensar
ria das supercordas. Segundo esta teoria, as nos benefícios imediatos, as teorias, como
partículas subatômicas (prótons, nêutrons a da relatividade geral ou mecânica quân-
e elétrons) são formadas por pequenos fila- tica, são essenciais para o entendimento
mentos, parecidos com cordas. Assim, todo sobre o nascimento do Universo e, por sua
Universo seria formado por tais cordas que, vez, do funcionamento da natureza: Tem-
conforme seu comprimento e vibração, -se a esperança que uma teoria quântica
criaram e definiram características indi- da gravidade possa explicar coisas, como
viduais das partículas subatômicas, o que o que existe dentro de um buraco negro ou
explicaria, por sua vez, a grande diversi- como realmente o Universo teve início, diz
dade das partículas do Universo: Alguns Daniel: Conseguimos descrever a evolução
físicos acreditam que a teoria das super- do Universo nos últimos 13 bilhões de anos,
cordas será a explicação de tudo que temos mas o ponto que lhe deu origem - ou não -
no Universo. Penso que essa é uma teoria ainda não é entendido.
injustificada até o momento e que dificil- Ainda que uma teoria unificadora não
mente trará a resposta para o que pesqui- tenha sido atingida, a mecânica quântica
sadores dessa área buscam, opina Daniel. e a teoria da relatividade já têm aplicações
O Grande Colisor de Hádrons (LHC), com grande impacto na sociedade. Po-
acelerador de partículas localizado no demos nos surpreender, por exemplo, ao
maior laboratório de física de partículas saber que mesmo uma teoria tão abstrata,
do mundo, o CERN, teve um custo esti- como a da relatividade, seja essencial para
mado de oito bilhões de euros: É natural uma aplicação do nosso cotidiano: o GPS
que as pessoas perguntem para que serve (da sigla em inglês para global positioning
o LHC e todos os experimentos realizados system). Para obter a precisão que se con-
nele, uma vez que há tanto dinheiro e re- segue hoje no GPS é necessário medir os
cursos humanos investidos no experimento, tempos de envio e retorno de sinais da
diz Tereza. No entanto, os conhecimentos Terra para os satélites em órbita, também

A física a serviço da sociedade | 37


Os desafios da física no Século XXI

com grande precisão. Isso é feito com re-


lógios atômicos instalados nos satélites. sistema em separado para depois
compreender como se forma o todo,
Como estes satélites estão a uma grande deve-se estudar o sistema como um
distância da Terra e com velocidades con- todo a partir das inter-relações dos
sideravelmente altas, é necessário fazer componentes.
correções relativísticas, tanto empregando Para tanto são usados métodos
a relatividade restrita, como a relatividade de física estatística, aliados a méto-
geral. Para se ter uma ideia, sem essas cor- dos computacionais.
reções o GPS erraria no posicionamento Segundo o docente do Grupo de Polí-
do aparelho em alguns quilômetros den- meros do IFSC, Osvaldo Novais de Oliveira
tro de uma semana. Mas foi a mecânica Jr., os desafios que se colocam para os pes-
quântica que trouxe a revolução tecno- quisadores que buscam novos usos para os
lógica no século XX. Ao explicar como a materiais são de natureza distinta daqueles
matéria é constituída e como interage com enfrentados por físicos à procura de uma
radiações, essa teoria permitiu conceber teoria unificadora para mecânica quântica
aplicações para materiais abundantes na e relatividade: Todas as evidências apontam
natureza e mesmo a criação de novos ma- para a validade geral da mecânica quântica.
teriais. Exemplos marcantes são o uso dos Não esperamos encontrar novas leis ao estu-
semicondutores para a indústria da micro- dar os materiais para novas aplicações. O de-
eletrônica, que produz computadores e ce- safio está em empregar a mecânica quântica
lulares cada vez mais eficientes e menores, para materiais orgânicos, principalmente a
bem como os avanços em medicina, com matéria viva, devido à sua complexidade.
novas terapias e métodos de diagnóstico. São necessários métodos computacionais e
Mesmo que consiga compreender em nossa capacidade computacional, hoje, per-
detalhe como se dão as interações em nível mite tratar apenas problemas relativamente
atômico e molecular, o funcionamento de simples. Apesar de quase um século da mecâ-
um organismo ainda não será decifrado. To- nica quântica, só conseguimos prever resul-
memos como exemplo o funcionamento do tados com precisão para um número ínfimo
cérebro: não basta saber o que ocorre com de sistemas, diz Osvaldo.
cada célula, pois as funções neurológicas Não se sabe quando o quebra-cabeça
podem ser determinadas pela inter-relação relatividade geral/mecânica quântica será
entre os componentes da rede de neurônios. encaixado, se for encaixado. Mas, para
os apaixonados pela ciência, fica o pen-
Para abordar esse tipo de pro- samento da própria Tereza Mendes, ao
blema, é necessário usar um para-
digma científico oposto ao empre- afirmar que: O bonito da pesquisa básica
gado na compreensão da matéria é isso: você faz porque ela é importante,
usando mecânica quântica. Ao invés mesmo não sabendo quando nem como
de estudar cada componente de um essa importância aparecerá.

38 | A física a serviço da sociedade


3 I ntegração de áreas de
pesquisa e iniciativas
multidisciplinares

A
onipresença da física com o desenvolvimento de abor-
dagens e metodologias teóricas e experimentais para
lidar com problemas científicos e tecnológicos, das
mais diversas naturezas, vem sendo confirmada com a atua-
ção de pesquisadores do IFSC ao longo de décadas. Duas áre-
as principais têm sido as relacionadas a aplicações de física em
biologia, medicina e ciências da saúde, e em computação, que
se desenvolveram desde os primórdios do então Instituto de
Física e Química de São Carlos, e culminaram com a criação
de cursos de graduação em ciências físicas e biomoleculares e
em física computacional, além de subáreas correspondentes na
pós-graduação.
O uso de física para tratar a matéria viva iniciou-se em São
Carlos, numa iniciativa do Prof. Sérgio Mascarenhas, com a
criação do Grupo de Biofísica, e da Profa. Yvonne Primerano
Mascarenhas, com a criação do Grupo de Cristalografia. Os
participantes do primeiro utilizando técnicas espectroscópicas
e fenomenológicas que permitem elucidar a natureza do en-
torno de átomos e/ou defeitos estruturais, e o segundo usando
técnicas de espalhamento e difração de Raios X para obter ima-
gens de baixa resolução (espalhamento) ou alta resolução (di-
fração) de moléculas e macromoléculas com resolução atômica.
Pode-se afirmar que tal conhecimento é indispensável para o
entendimento das transformações moleculares que têm lugar

39
Integração de áreas de pesquisa e iniciativas multidisciplinares

nos seres vivos e nos mais variados sistemas naturais ou sintéticos da matéria.
Do interesse em cristalografia de proteínas, derivaram estudos de bioquímica,
genômica e química medicinal, com a formação de um grande consórcio de
pesquisadores, como ficará claro em reportagens a seguir. Ainda no que concer-
ne à biologia e medicina, a partir de aplicações de lasers em terapias formou-se
novo núcleo de pesquisadores, também gerando centros de pesquisa.
Já a atuação em computação foi pioneira em São Carlos e em muitos tópicos
também no Brasil, surgida no início do Instituto de Física e Química de São
Carlos decorrente da compra de um difratômetro automático de monocristais,
que era automatizado por um computador de razoável capacidade de cálculo
para a época. Um pouco dessa história será contada no Capítulo VII, dedicado
à Física Computacional.
Dessa atuação multidisciplinar se originaram os centros de pesquisa e difu-
são (CEPID’s), financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP), os institutos de ciência e tecnologia (INCT’s), mantidos
pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e pela FAPESP, as redes de
nanobiotecnologia, mantidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior (CAPES), e os núcleos de apoio à pesquisa, criados pela
Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. Uma lista dessas redes de pesquisa sediadas
no IFSC é apresentada a seguir.

• Centro de Óptica e Fotônica (CEPOF), coordenado pelo Prof. Vanderlei Sal-


vador Bagnato.
• Centro de Biotecnologia Molecular e Estrutural (CBME), que evoluiu para
o Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar),
coordenado pelo Prof. Glaucius Oliva.
• Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO), coordenado pelo Prof.
Roberto Mendonça Faria
• Instituto Nacional de Biotecnologia Estrutural e Química Medicinal em Do-
enças Infecciosas (INBEQMeDI), coordenado pelo Prof. Richard Charles
Garratt.
• Instituto Nacional de Óptica e Fotônica (INOF), coordenado pelo Prof. Van-
derlei Salvador Bagnato.

40 | A física a serviço da sociedade


Integração de áreas de pesquisa e iniciativas multidisciplinares

• Rede de nanobiotecnologia Nanobiomed, coordenada pelos Profs. Yvonne


Mascarenhas e Valtencir Zucolotto
• Rede de nanobiotecnologia nBioNet, coordenada pelo Prof. Osvaldo Novais
de Oliveira Jr.
• Núcleo de Apoio à Pesquisa – Centro de Tecnologia de Materiais Híbridos,
coordenado pelo Prof. Antonio Carlos Hernandes
• Núcleo de Apoio à Pesquisa em Óptica e Fotônica, coordenado pelo Prof.
Vanderlei Salvador Bagnato
• Núcleo de Apoio à Pesquisa em Instrumentação para estudos avançados de
materiais nanoestruturados e biossistemas, coordenado pelo Prof. Igor Poli-
karpov
• Núcleo de Apoio à Pesquisa em Nanofísica quântica, coordenado pelo Prof.
José Carlos Egues de Menezes
• Núcleo de Apoio à Pesquisa em propriedades estruturais e funcionais em
materiais sólidos desordenados usando técnicas modernas de RMN, coorde-
nado pelo Prof. Hellmut Eckert.

As reportagens que seguem são relacionadas a essas redes de pesquisa.

A física a serviço da sociedade | 41


Integração de áreas de pesquisa e iniciativas multidisciplinares

Grupo de pesquisadores do IFSC estuda a


eletrônica do futuro
11 de Fevereiro de 2011

A degradação do meio ambiente é hoje


uma das mais relevantes preocupa-
ções, causada principalmente pela produ-
Eletrônica Orgânica:Vale muito mais um
país dominar a tecnologia aplicada à segu-
rança nacional do que ter um exército bem
ção contínua de energia suja, tendo como montado. Portanto, é obrigação do Brasil
matéria-prima carvão, gás natural e diesel, tirar esse atraso.
por exemplo. Muitos esforços vêm sendo O docente, que também é coordenador
empreendidos na produção da chamada do Instituto Nacional de Eletrônica Orgâni-
energia limpa, incluindo em uma área que ca (INEO), afirma: Não há dúvidas de que a
não é muito conhecida do público em geral EO será um ramo da eletrônica extremamente
- a Eletrônica Orgânica (EO). Ela já é apon- importante ao longo do século XXI e como é
tada como a tecnologia para a energia do uma área nova, tanto em pesquisa científica,
futuro. quanto em aplicações, pode ser que esteja aí a
chance de o Brasil recuperar seu espaço entre
Instituto Nacional de os países produtores de tecnologias avançadas.
Eletrônica Orgânica (INEO)
O transistor é o elemento fundamental
da eletrônica que permite o processamen-
to de informação, tendo sido testado pela
primeira vez nos Estados Unidos, em 1947.
Desde então, este dispositivo tem sido res-
ponsável por toda tecnologia relacionada,
principalmente, às telecomunicações e à
ciência da computação, tendo muito a ver
com a Revolução Eletrônica desde 1950:
Hoje, a segurança de qualquer país e a sua Modernos equipamentos compõem o labo-
riqueza dependem do quanto ele é evoluído ratório de pesquisa.
em eletrônica e o Brasil, nesse aspecto, tem
um enorme déficit, que tende a aumentar, O INEO, que conta com mais de trin-
conta o Prof. Roberto Mendonça Faria, ta grupos de pesquisa em EO em todo o
docente do IFSC e pesquisador na área de Brasil, deve contribuir para o avanço tec-

42 | A física a serviço da sociedade


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nológico do país. O grupo começou a es- televisão ainda mais finas e flexíveis, bem
tudar propriedades elétricas e orgânicas como painéis de iluminação de altíssima efi-
de polímeros- macromoléculas sintéticas ciência, por exemplo, conta.
e naturais-, com propriedades eletrônicas,
desde a década de 1970 e a partir de então
tem sintetizado tais polímeros e estudado
suas aplicações: Do ponto de vista econômi-
co, essa nova eletrônica movimentará cente-
nas de bilhões de dólares a partir da década
de 2020 e a tendência é aumentar cada vez
mais sua inserção na economia do planeta.
Nesse mercado global, o Brasil deve agregar
conhecimento para uso interno e sair do
papel de comprador, apenas, para se tornar
também um vendedor dessa nova tecnolo-
Célula fotovoltaica produzida no laborató-
gia, completa Faria.
rio do INEO-IFSC.
O Grupo de Polímeros conta com par-
cerias de empresas, sendo a CSEM, empre- Já Alexandre de Castro Maciel trans-
sa suíça que implantou uma unidade em forma a solução polimérica em filmes mui-
território brasileiro, uma das que estão dis- to finos, que se tornam o elemento ativo de
postas a financiar os estudos realizados no um transistor: Com um transistor feito de
Instituto. Um dos orientandos do Prof. Fa- polímeros, que será fino, leve e de baixo cus-
ria, Giovanni Fornereto Gozzi, desenvolve to, é possível o descarte. Assim, ele pode ser
seu doutorado na área de luminescentes, usado em embalagens, substituindo o tradi-
onde faz uso de polímeros específicos ca- cional código de barras, explica Alexandre.
pazes de emitir luz. O conceito de eletrolu- Essa troca pode trazer o supermercado
minescência é trabalhado pelo aluno, num do futuro, em que através dos dispositivos
processo da geração de luz, utilizando-se poliméricos nas embalagens, em conjun-
de fontes limpas para isso: Os polímeros são to com outro dispositivo instalado em um
processados em solução, que são como uma carrinho de supermercado, a soma das
tinta. Ou seja, você transforma energia elé- mercadorias no carrinho vem pronta, eli-
trica em luz, usando processos semelhantes minando a fila nos caixas e o estresse do
ao de impressão com tinta. Aqui, o grande comprador.
desafio é transformar o processamento atual As telas extremamente flexíveis, estu-
no processamento em solução, utilizando-se dadas por Pedro Henrique Pereira Rebello
apenas de materiais orgânicos, explica Gio- e Josiani Cristina Stefanelo, trarão facilida-
vanni. A tecnologia orgânica abrirá a pos- de. A televisão do novo século poderá ser
sibilidade de serem desenvolvidas telas de impressa: seus circuitos eletrônicos serão

A física a serviço da sociedade | 43


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feitos com soluções poliméricas orgâni- e amplamente utilizada, explica Douglas


cas. Um circuito de computador não será José Coutinho, mestrando de Faria.
mais composto de tantos fios: Os circui- Nos Estados Unidos, a empresa Ko-
tos integrados de agora, por serem de me- narka já fabrica as placas de energia solar
tal, precisam de substratos rígidos, o que com material orgânico. O que Douglas
é uma desvantagem. Hoje se fala muito tenta fazer hoje, auxiliado por Faria, é des-
em eletrônica flexível. No futuro, você irá cobrir a fórmula da tecnologia já aplicada
numa palestra com seu computador, de- e trazê-la ao Brasil: Já temos condições de
senrolar a tela e ligar o aparelho. Quan- competir com essas empresas e já busco a
do terminar, enrola e coloca de volta no aplicação do dispositivo. Já chegamos à
bolso, exemplifica Pedro. Pedro e Josiani eficiência de 2,5%, enquanto grandes labo-
têm estudado a tinta de uma impressora ratórios dos Estados Unidos e Europa têm
comercial para criar uma tinta polimérica uma eficiência de 3,5 a 4%. Estamos muito
com as mesmas características. próximos! esclarece Douglas.
O laboratório no qual o grupo de pes-
Células solares quisadores do INEO-IFSC trabalha já pos-
sui equipamentos modernos, gerando pes-
O efeito fotovoltaico, ou seja, a trans- quisas que permitem acreditar que o Brasil
formação de energia solar em elétrica, foi possa se tornar protagonista nessa nova
observado pela primeira vez em 1839 pelo tecnologia. Esta tem todas as característi-
físico Edmund Becquerel. Quase dois sé- cas para vir a ser tecnologia essencial em
culos depois, temos placas compostas por futuro próximo: Estamos classificados para
células voltaicas, mas diferentemente de a final de um mundial, mas é óbvio que não
suas antecessoras, que tinham como base somos os favoritos. O Brasil tem potencial
o silício, elas são compostas por materiais para ser um dos candidatos a uma boa colo-
orgânicos: O custo para a produção desse cação. Dependerá da atitude dos pesquisa-
tipo de placa ainda é muito alto e preci- dores da área, da política industrial do país
samos de uma alternativa de baixo custo, e do investimento contínuo nessa política,
para que essa energia renovável seja viável finaliza Faria.

44 | A física a serviço da sociedade


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CIBFar – Pesquisa para produção de novos


fármacos
05 de Julho de 2013

E m 2000, o Instituto de Física de São


Carlos (IFSC/USP), através de seus do-
centes e colaboradores, recebia uma nova
Inovação em Biodiversidade e Fármacos
(CIBFar)  resulta de projetos de pesquisa
colaborativos.
missão: sediar o Centro de Biotecnologia Também sob a coordenação de Glaucius
Molecular e Estrutural (CBME), um dos Oliva, o novo Centro conta com uma equi-
Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão pe de 19 pesquisadores oriundos de diversas
(CEPID) da FAPESP, e coordenado pelo instituições do Estado de São Paulo, entre
Prof. Glaucius Oliva. as quais USP (campus São Carlos e Ribei-
rão Preto), UFSCar, Unicamp e Unesp: Esta
nova proposta tem foco mais direcionado ao
desenvolvimento e produção de fármacos
e envolve áreas como a química medicinal,
síntese orgânica, produtos naturais, bioquí-
mica, física, etc., explica o docente do IFSC e
coordenador de transferência de tecnologia
do CIBFar, Prof. Dr. Adriano Andricopulo:
Com a missão principal de realizar Somando-se docentes, pesquisadores, alunos e
estudos relacionados ao conhecimento técnicos que fazem parte do CIBFar, o núme-
estrutural de macromoléculas-alvo de pa- ro de colaboradores desse projeto ultrapassa
rasitas causadores de doenças negligencia- uma centena.
das, como Leishmaniose, Esquistossomose, O CIBFar terá como fonte de prin-
Doença de Chagas e Malária, o antigo cen- cípios ativos plantas da biodiversidade
tro desenvolveu durante onze anos muitos brasileira: Juntamente com compostos de
estudos e incitou novos desafios aos pesqui- origem sintética, eles possibilitarão o pla-
sadores que dele faziam parte. nejamento de candidatos a novos fármacos
Para enfrentar novas demandas na para uma variedade de alvos moleculares
área de planejamento de fármacos e dar validados para diversas doenças humanas,
continuidade às pesquisas do CBME, um destaca Adriano.
novo CEPID foi criado em 2013. Nova- Com a colaboração de pesquisadores
mente com sede no IFSC e com financia- brasileiros e estrangeiros, o CIBFar conta
mento da FAPESP, o Centro de Pesquisa e com importantes parcerias internacionais,

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como a do Drugs for Neglected Diseases Ini- Durante o tempo de duração do projeto,
tiative (DNDi), grupo de pesquisa indepen- tentaremos identificar as melhores oportu-
dente que trabalha em novos tratamentos nidades dentre as pesquisas que estão sendo
para a Doença de Chagas, Leishmaniose feitas e para isso contaremos com o suporte
e Tripanossomíase Africana, entre outras: de um comitê científico internacional.
Uma característica especial do CIBFar é a De acordo com Adriano Andricopulo,
reunião de pesquisadores seniores que con- estudos em andamento serão aprimorados
tam com vasta experiência e liderança nas no CIBFar. A duração total do programa
áreas de biodiversidade, síntese orgânica e é de onze anos, tempo que deve ser sufi-
química medicinal, o que nos coloca em uma ciente para desenvolver candidatos a fár-
posição privilegiada, diz Adriano. macos capazes de combater algumas das
Embora as doenças tropicais negli- doenças que são o foco do projeto: Ainda
genciadas sejam a menina dos olhos do que não estejamos saindo do zero, os resul-
projeto, outras doenças serão alvo de estu- tados de pesquisa são demorados. Logo nos
dos do CIBFar, inclusive o câncer: Temos primeiros dois anos planejamos estruturar
pesquisas em desenvolvimento relacionadas bons projetos que possam agregar o uso de
a uma diversidade de doenças, mas algu- moléculas promissoras, tanto a partir da
mas delas, que têm moléculas mais promis- biodiversidade brasileira como da síntese
soras, serão prioritárias, explica o docente: orgânica, conclui o docente.

46 | A física a serviço da sociedade


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Nasce o novo CEPOF


12 de julho 2013

T endo como base principal a ópti-


ca e a medicina, o sucesso incon-
testável de terapias fotodinâmicas (que
carro chefe do Centro, que focaliza o estudo
de fluidos quânticos e os condensados de
Bose-Einstein: Somos o único grupo expe-
unem conhecimentos das duas áreas) é rimental da América Latina que trabalha
disseminado em diversas partes do país com isso, portanto temos que dar nossa con-
graças aos esforços de docentes que in- tribuição nessa área, diz Vanderlei.
tegram o Centro de Pesquisa em Óptica Outro destaque é a pesquisa em biofo-
e Fotônica (CEPOF), um dos Centros de tônica, com foco em alguns fundamentos
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da interação luz/matéria, além da parte prá-
da FAPESP. tica com ensaios clínicos. Nestes se incluem
aqueles realizados no Centro de Fototerapia
e Fotodiagnóstico, recém-inaugurado no
Hospital Amaral Carvalho (Jaú-SP), des-
tinado a pacientes com câncer de pele em
estágio inicial e que realizam o tratamento
gratuitamente através do Sistema Único de
Coordenado pelo docente do IFSC, Saúde (SUS). Finalmente, a linha de pes-
Vanderlei Salvador Bagnato, o CEPOF é quisa relacionada à plasmônica* ficará sob
um dos dezessete CEPIDs aprovados pela a coordenação do docente do IFSC, Eucly-
FAPESP e conta com doze pesquisadores des Marega Jr., da qual docentes da Escola
efetivos de diversas Universidades. Este de Engenharia de São Carlos (EESC-USP)
CEPOF é novo, ou seja, é um novo projeto também farão parte.
e não uma continuidade do anterior, es- De acordo com Vanderlei, um ponto
clarece Vanderlei, referindo-se ao primei- importante no CEPOF refere-se à inovação
ro CEPOF coordenado por ele entre 2000 tecnológica. A sede do CEPOF - localizada
e 2012, quando o CEPID foi lançado: No no campus II da USP São Carlos - terá um
CEPOF 2013 temos novos pesquisadores e, espaço apropriado para reuniões com em-
inclusive, pesquisadores jovens que acaba- presários: Realizamos muitos projetos para
ram de ingressar no quadro das universi- empresas, mas não com a participação dire-
dades envolvidas. ta das mesmas. O que eu quero no CEPOF é
No que diz respeito às pesquisas do que as empresas estejam presentes e colabo-
novo CEPOF, um dos destaques vai para rando, inclusive com parte das despesas do
os estudos de física atômica e molecular, Centro, conta o docente.

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Ele afirma também que no CEPOF an- novos planos estão incluídos o lançamen-
terior diversas metas foram atingidas e os to de terapias para onicomicose (mico-
resultados são visíveis, com benefício di- se de unha) e o tratamento de infecções
reto para a sociedade. Dentre os exemplos, infantis de garganta sem o uso de antibi-
Vanderlei cita a implantação de terapias óticos, em parceria com a Faculdade de
de combate ao câncer e tratamentos na Ciências Médicas da Unicamp. Em pes-
área odontológica realizados em parceria quisa básica, as perspectivas voltam-se
com universidades estaduais: A Unesp de aos experimentos com fluidos quânticos
Araraquara colabora em trabalhos de con- e nanoestruturas.
trole microbiológico com técnicas de terapia O prazo de duração do atual CEPID
fotodinâmica que o CEPOF ajudou a im- é de onze anos, mas as expectativas são
plementar, e a Faculdade de Medicina de grandes e, nas palavras do próprio Van-
Ribeirão Preto [FMRP/USP] realizou mui- derlei: A intenção é que os estudos reali-
tas cirurgias experimentais utilizando-se de zados deem uma personalidade especial à
técnicas desenvolvidas no CEPOF. Produzi- pesquisa realizada nessas áreas na cidade
mos um trabalho com o grupo de transplan- de São Carlos.
te de fígado, que foi destaque da revista Liver ___________________
Transplantation, relembra. *área que estuda os efeitos básicos da inte-
Com um passado tão profícuo, o fu- ração luz/matéria
turo do CEPOF não será diferente. Nos

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CEPIV - Centro de Pesquisa, Educação e


Inovação em Vidros
14 de Agosto de 2013

N o sentido de reforçar o desenvolvi-


mento de pesquisas na fronteira do
conhecimento, já que tem sido uma aposta
Dentre a multiplicidade de objetivos
científicos, o grupo de pesquisadores tam-
bém se dedicará a desenvolver novos ma-
bastante positiva para a ciência nacional, teriais ópticos, materiais para reforço es-
a FAPESP decidiu recentemente alargar o trutural de uso odontológico, dispositivos
programa CEPID – programa multidisci- para armazenamento de energia (eletróli-
plinar de pesquisa básica ou aplicada, de tos e selantes para alta temperatura) e sis-
caráter inovador - com a criação de mais temas de catalisadores ativos. Igualmente
núcleos de pesquisa, alguns deles sediados importante será entender os mecanismos
no campus da USP de São Carlos. básicos de formação de vidros e vitrocerâ-
micas, de maneira a planejar o desenvolvi-
mento de novos materiais ativos.
Coordenado pelo Prof. Dr. Edgar Du-
tra Zanotto, pesquisador do Centro de Ci-
ências Exatas e de Tecnologia (CCET) da
UFSCAR, o CEPIV conta com a partici-
pação de catorze pesquisadores, seis deles
pertencendo ao IFSC. Entre estes, o Prof.
Dr. José Fabián Schneider e o Prof. Hell-
mut Eckert são pesquisadores principais.
Prevê-se, também, o envolvimento de cer-
Inserido nesse qualitativo lote está o ca de cinquenta estudantes de graduação e
recém-criado CEPIV, Centro de Pesquisa, pós-graduação.
Educação e Inovação em Vidros, compos- Embora a criação do CEPIV seja muito
to por um conjunto de cientistas da USP, recente, esse grupo de cientistas não perdeu
UFSCar e UNESP-Araraquara, especia- tempo, tendo realizado ao longo do dia 10 de
listas de renome nas áreas de engenha- agosto, no IFSC, o seu primeiro workshop,
ria, química e física de materiais vítreos, cujo objetivo foi reunir todos seus membros
cristalização e técnicas de caracterização. e colaboradores – cerca de cinquenta pesso-
O principal objetivo é criar materiais vi- as, entre pesquisadores e alunos. Para o Prof.
trocerâmicos com novas funcionalidades. Dr. José Fabián Schneider, o workshop

A física a serviço da sociedade | 49


Integração de áreas de pesquisa e iniciativas multidisciplinares

serviu, acima de tudo, para conhecer as o cientista: Uma das realidades atuais é
pesquisas dos diferentes laboratórios do a utilização, em larga escala, das baterias
Centro, em que estágio se encontra o tra- de lítio, que têm um componente líquido
balho de pesquisa de cada membro, detec- no seu interior, o eletrólito; há muitos anos
tando-se, a partir daí, as possibilidades que se pesquisa uma forma de substituir
de cooperações. A partir desse levanta- esse líquido por um componente sólido, de
mento, serão definidos os tópicos mais tipo vítreo. Ainda existe mais um degrau
relevantes, tendo em vista concentrar os nessas pesquisas, que é a possibilidade
esforços da equipe em direção a resulta- de substituição do lítio por sódio, algo
dos inovadores. que poderia ser concretizado num futuro
Segundo Schneider, o workshop mos- próximo.
trou a multiplicidade das pesquisas desen- Além de proporcionar mais autono-
volvidas nos grupos que formam o CEPIV mia, esse novo tipo de bateria será mais
e as oportunidades para expandir a fron- barato que a de lítio e menos agressiva
teira do conhecimento e gerar inovação: para o meio-ambiente. O lítio existe em
Existem muitos desafios para vencer, prin- pouca quantidade, em determinadas regi-
cipalmente para dar uma resposta eficaz a ões do globo – Bolívia, Argentina e Chi-
trabalhos que, por não serem executados le -, requerendo investimentos altos para
ainda por uma equipe interdisciplinar, têm poder ser extraído e transformado, en-
algumas questões para serem resolvidas: quanto o sódio (do sal) existe em todo o
por isso, vamos ter que atuar em conjunto, planeta, principalmente na água do mar,
para que esses trabalhos possam ser conclu- sendo relativamente barata sua transfor-
ídos, menciona o docente do IFSC. mação para o fim em vista:  O desenvol-
Embora seja prematuro identificar a vimento de novos materiais funcionais é
área considerada prioritária no CEPIV, de grande relevância e é uma experiência
José Fabián Schneider afirmou que o gru- estimulante formar parte desta equipe de
po recebeu com especial interesse alguns pesquisadores de nível de excelência mun-
dos trabalhos apresentados no workshop, dial. O CEPIV é uma grande oportunida-
principalmente em materiais biocompatí- de, não só para os pesquisadores do IFSC
veis, indicados para aplicações em odon- envolvidos diretamente, como também para
tologia e substituição óssea, que se encon- os estudantes que se incorporem nesta área,
tram em estágios avançados de pesquisa e cujos resultados despontarão num futuro
são considerados altamente promissores. próximo, pontua Schneider.
Outra das grandes apostas do CEPIV O CEPIV congrega laboratórios em
será focar os esforços dos cientistas várias instituições de pesquisa e tem sua
em uma área que, para Schneider, é de sede institucional no Departamento de
grande importância – a de materiais em Engenharia de Materiais da UFSCar.
estado sólido para baterias, como explica

50 | A física a serviço da sociedade


4 E xplorando os fundamentos
da Física

U
ma dificuldade na elaboração deste Capítulo foi a es-
colha do título e a seleção de reportagens, pois muito
se faz no IFSC com pesquisas em física teórica e física
experimental em tópicos da fronteira do conhecimento. Para
distinguir de pesquisas de caráter mais multidisciplinar, como
abordado nos demais capítulos, escolhemos o presente título,
sendo que o Capítulo trará uma miscelânea de matérias. Ressal-
te-se que muitos trabalhos em física fundamental acabaram por
ser retratados em outros capítulos, na medida em que estavam
relacionados a alguns dos tópicos de aplicação e de atuação in-
terdisciplinar.

51
Explorando os fundamentos da Física

A acústica do violino
09 fevereiro 2010

P esquisadores do IFSC e colaborado-


res da Universidade Federal do Para-
ná e Conservatório Dramático e Musical
a influência do tipo de madeira usado em
cada peça do conjunto. Esses e outros as-
pectos dão ao violino uma complexidade
de Tatuí (SP) encontram tempo e espaço que ainda atrai o interesse de estudiosos,
entre a pesquisa de alto nível para divul- apesar de passar despercebido aos ouvin-
gar tema de interesse comum: a música. tes da boa música. Os autores, José Pedro
O artigo intitulado ‘A acústica do violino’ Donoso, Francisco E. G. Guimarães, Al-
será publicado na revista Ciência Hoje berto Tannús, Thiago Corrêa de Freitas
vol. 45, no. 267 deste mês. Os autores (UFPR), publicaram recentemente outro
tratam diversos assuntos, que incluem o artigo:
modo como os sons do instrumento são DONOSO, J.P.; GUIMARAES, F. E. G.;
produzidos pela vibração de cordas de TANNUS, A.; FREITAS, T. C. de A física
do violino. Revista Brasileira de Ensino de
aço friccionadas por fios de crina de cava-
Física, v.30, n.2, 2008. Disponível em:
lo, a transferência dos sons para uma caixa <www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/302305.
de ressonância que os altera e amplifica, e pdf.>. Acesso em: jan.2014.

52 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Pesquisadores do IFSC conseguem


potencializar energia presente no vácuo
02 maio 2010

F oi destaque na mídia esta semana um


trabalho de dois pesquisadores do Ins-
tituto de Física de São Carlos, Daniel Van-
Não se sabe se esses campos que sofre-
riam esse efeito de fato existem no univer-
so. No entanto, é bom lembrar que de todo
zella e William Lima. A pesquisa se refere o conteúdo de energia do universo, apenas
à descoberta de um fenômeno em que a cerca de cinco por cento são de fato com-
densidade de energia presente no vácuo, preendidos (pelo Modelo Padrão das Partí-
normalmente muito pequena, é amplifica- culas Elementares), de modo que há ainda
da de uma forma incontrolável e violenta. muito espaço para a descoberta de novos
A descoberta deste fenômeno envolve um tipos de campos. Mas uma questão interes-
dos aspectos mais enigmáticos da Física sante é se campos bem conhecidos, como
Moderna, a interconexão entre o vácuo o eletromagnético, que sabemos existir, po-
quântico e a gravidade. deriam sofrer esse fenômeno. Talvez não no
O instrumento para amplificar essa contexto de uma única estrela de nêutrons
densidade de energia é a própria força da mas no contexto cosmológico. Se esta hi-
gravidade, considerada pequena pelos fí- pótese proceder, poderia ser uma possível
sicos em comparação com outras forças. explicação para a chamada energia escura,
Segundo os pesquisadores, tanto a força força responsável pela expansão acelerada
da gravidade quanto o vácuo quântico não do Universo e um dos maiores desafios atu-
desempenham papeis tão importantes nas ais da cosmologia.
experiências cotidianas. No entanto, a pes-
quisa demonstrou que, em determinados
contextos, a interação dos dois entes pode
torná-los dominantes. No caso, o contex-
to se refere à gravidade de uma estrela de
nêutrons, que seria capaz de amplificar
exponencialmente a densidade de energia
contida no vácuo de alguns tipos de cam- Imagem publicada no Jornal Folha de São paulo
pos quânticos. mostra jato de partículas de estrela de nêutrons, ob-
tida com o telescópio Chandra.

A física a serviço da sociedade | 53


Explorando os fundamentos da Física

The point of view matters! -


O ponto de vista importa!
10 maio 2010

U m torus é certamente uma superfície


bidimensional. Mas ele também é
um conjunto de círculos e, portanto, uma
descrevem as interações fundamentais da
Natureza. Pesquisas realizadas no IFSC,
em colaboração com pesquisadores dos
curva (unidimensional) no espaço dos la- EUA, Espanha, Japão, França e Inglaterra
ços. Observações como esta podem reve- mostram como implementar esta ideia.
lar as simetrias das teorias de campos que

54 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Transferência quase-perfeita de estados


quânticos em redes bosônicas dissipativas
17 maio 2010

P esquisadores do IFSC, UFSCar e


UEPG desenvolveram um protocolo
para contornar o processo de coerência
são seja substancialmente enfraquecida,
acarretando alta fidelidade do processo de
transmissão.
na transferência de estados quânticos de Parte da equipe acima referida apre-
um a outro nó de uma rede de osciladores sentou também derivações e soluções
quânticos dissipativos (arXiv:0905.1267v1 das equações mestras associadas ao pro-
[quant-ph], a ser publicado na revista J. blema duplicado de Caldeira-Leggett: o
Phys. B: At. Mol. Opt. Phys.). Utiliza-se tratamento via integrais de trajetórias da
um processo similar ao efeito túnel pelo dinâmica de dois osciladores dissipativos
qual os estados são transferidos do emis- acoplados. Considerando uma forma ge-
sor ao receptor (osciladores de mesma ral para a interação entre os osciladores,
frequência ω), de forma a ocupar apenas dois diferentes cenários são analisados,
virtualmente o canal de transmissão (uma a depender do sistema físico tratado: I)
cadeia linear com N osciladores de frequ- quando cada oscilador se acopla a seu
ências suficientemente distintas de ω - vide respectivo reservatório, e II) quando am-
figura). Este mecanismo de transferência bos se acoplam a um mesmo reservatório
de estados por tunelamento faz com que (arXiv:0903.2176v2 [quant-ph], a ser pu-
a ação dos reservatórios térmicos associa- blicado na revista Journal of Physics A:
dos aos osciladores do canal de transmis- Mathematical and Theoretical).

A física a serviço da sociedade | 55


Explorando os fundamentos da Física

Efeito hall quântico em


multicamadas semicondutoras
23/06/2010

N uma colaboração com grupos cientí-


ficos da Rússia e França, pesquisado-
res do Grupo de Semicondutores do IFSC
uma transição da fase induzida pelo campo
magnético entre os dois estados do sistema
eletrônico. Para um campo menor que o
observaram pela primeira vez o efeito Hall campo crítico B <Bc, os elétrons são distri-
quântico fracionário em multicamadas ele- buídos homogeneamente sobre todo o poço
trônicas acopladas, formadas dentro do parabólico. No caso de B >Bc, a maioria
poço quântico parabólico de GaAlAs. O tra- dos elétrons está dentro da camada cen-
balho foi apresentado em palestra convidada tral, resultando no efeito Hall quântico
na International Conference on Physics of Se- fracionário. A transição acontece no cam-
miconductors (ISPC-30). po magnético correspondente ao fator de
Determinou-se que a incoerência entre preenchimento ν = 1, e é acompanhada
as camadas, causada pela variação aleató- pelo aumento da inclinação da resistência
ria de larguras, favorece o regime do efeito de Hall. Os resultados foram publicados
Hall quântico fracionário. Descobriu-se na Phys. Rev. B 81, 165302 (2010).

56 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

O insustentável peso do vácuo: estrelas de


nêutrons podem despertar o vácuo quântico
06/10/2010

mecanismo recentemente descoberto por


alguns deles para mostrar que o campo
gravitacional de algumas estrelas de nêu-
trons pode forçar o vácuo quântico e se
tornar, no lapso de alguns milissegundos,
tão denso em energia quanto essas pró-
prias estrelas (que já são os objetos mais
densos conhecidos na Natureza).
Esse peso extra desestabilizaria a es-
trela, possivelmente levando a eventos de
proporções astrofísicas alimentados pelo
vácuo. Além disso, revertendo o argumen-
to, a mera observação de uma configuração

A   Física Moderna desvendou uma es-


trutura incrivelmente rica para o que
se pensava ser, em Física Clássica, o mais
estável de uma estrela de nêutrons pode
ser usada para se descartar a existência de
certos campos na Natureza (aqueles que le-
desinteressante dos estados - o vácuo. Des-
variam a estrela observada a ser instável).
de o mar de Dirac de estados de energia
Num universo em que 95% de seu conteú-
negativa à visão de partículas virtuais sen-
do são desconhecidos (como o nosso), um
do continuamente criadas e aniquiladas,
método tão simples para se descartar a exis-
o vácuo adquiriu importância conceitual
tência de campos é bem-vindo.
para uma descrição consistente da Natu-
O trabalho inicial, onde o mecanis-
reza. Ainda assim, do ponto de vista ob-
mo de dominância do vácuo induzida pela
servacional, sua existência continua sendo
gravidade é apresentado, já havia recebido
quase tão evasiva quanto no mundo clássi-
uma menção de destaque da American Phy-
co, exigindo experimentos cuidadosamente
sical Society (APS) com um Physics Synopsis
planejados para se conseguir detectar dire-
(http://physics.aps.org/synopsis-for/10.1103/
tamente seus efeitos sutis (por exemplo, o
PhysRevLett.104.161102).
efeito Casimir).
Já o artigo a ser publicado na edição do
Neste trabalho, a ser publicado na
dia 8 de outubro foi escolhido como desta-
edição do dia 8 de outubro da Physical
que na Physical Review Focus (http://focus.
Review Letters, os autores utilizam um
aps.org/story/v26/st14).

A física a serviço da sociedade | 57


Explorando os fundamentos da Física

Pesquisas do Instituto de Física de São Carlos


voltadas ao segredo da origem da vida
26/10/2010

C om avanços e contribuições significati-


vas até mesmo em saúde, as teorias de
origem da vida buscam respostas para uma
temas físicos -, a pesquisa também utiliza
muito da Química, considerando que es-
tes elementos interagem e reagem quimi-
das maiores perguntas da humanidade. Em camente.
São Carlos há pesquisadores comprometi- Estas interações são a base da evolu-
dos com essa linha de pesquisa, chamada ção química, pois produzem reações au-
“evolução pré-biótica”, afirma o Prof. José tocatalíticas, que Fontanari explica: Neste
Fernando Fontanari, do IFSC. tipo de reação, o elemento gera um produto
Como físico de formação, o docente que age de tal forma a aumentar a frequên-
investiga este assunto sob o ponto de vista cia do elemento, que por isso gera mais pro-
da auto-organização da matéria, aspecto duto, que vai aumentar mais a frequência
em que acredita estar depositada a solução do elemento e assim sucessivamente, em um
para os problemas relacionados à origem processo de retroalimentação.
da vida no planeta: A primeira questão é Os cientistas questionam se poderia
como se gera a primeira vida a partir de um existir na natureza alguma molécula com
conjunto de matéria inanimada, ou seja, essa capacidade autocatalítica, ou seja, se
como a vida é criada a partir de onde não alguma molécula poderia produzir mais
há absolutamente nenhuma vida, explica cópias dela mesma. A admissibilidade da
Fontanari. A partir daí, outras questões se existência deste tipo de molécula é um dos
agregam ao corpo de pesquisa, como qual maiores objetivos da pesquisa e, se a res-
objeto se criaria primeiro a partir da ine- posta for sim, então os conceitos da Biolo-
xistência total de vida. gia podem ser aplicados, uma vez que estas
Uma vez que a pesquisa tem como in- cópias produzidas precisam não ser per-
gredientes principais estes elementos ina- feitamente idênticas às originais, e que por
nimados, inorgânicos, o trabalho do Prof. sua vez também tenham a capacidade de se
Fontanari não se vale da Biologia, como replicar. Com estes ingredientes – replica-
seria natural pensar, quando se trata do dor, cópia do replicador com erro e capaci-
início da vida. Além dos conceitos da Ter- dade das cópias também se replicarem –, o
modinâmica – área da Física dedicada ao mecanismo da seleção natural produz uma
estudo dos efeitos causados por variações competição entre este grupo de moléculas,
de temperatura, pressão e volume em sis- selecionando aquelas que produzem mais

58 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

cópias em um intervalo menor de tempo. cem entre si: A produção de vida artificial
Além disso, as que sofrem mais mutações em laboratório, que seria um feito inédito
no sentido de agregar mais minerais que na História e mudaria completamente nosso
auxiliem na replicação, e na estabilização entendimento da espécie humana, eventual-
frente à radiação ultravioleta, resistirão mente acontecerá, afirma Fontanari
com mais eficiência por um período maior O entendimento destes mecanismos de
de tempo. Portanto, produzirão mais có- desenvolvimento da vida pode auxiliar na
pias durante sua existência. É da combina- compreensão da estrutura de organismos
ção destes processos – replicação e seleção básicos, como arquéias, bactérias e euca-
natural - que pode surgir um sistema mais riontes mais simples. Neste sentido, as teo-
complexo, como uma célula. rias sobre a origem da vida podem até mes-
Fontanari, que hoje pesquisa a coe- mo contribuir com a eliminação de certos
xistência de vários replicadores através de tipos de vírus da face da Terra, através da
cinética química artificial (ciência que se produção de substâncias que agem quando
debruça sobre as reações químicas), traba- injetadas no vírus, enfraquecendo seus me-
lha em cooperação com biólogos teóricos canismos de prevenção de erro da replica-
do país. Eles compartilham o interesse de ção e aumentando suas taxas de mutação.
investigar a existência dessas moléculas re- Desta forma, o vírus apenas produzirá có-
plicadoras, sob a perspectiva de sua dinâ- pias errôneas de si mesmo até que se perca
mica de evolução, considerando as relações sua informação genética e não exista mais
de competição e cooperação que estabele- um corpo similar ao seu.

A física a serviço da sociedade | 59


Explorando os fundamentos da Física

Pesquisador do IFSC descobre


novo potencial em energia do vácuo
03 de dezembro de 2010

N o Instituto de Física de São Carlos


(IFSC), o Professor Doutor Daniel
A. TurollaVanzella, com o auxílio de seu
partículas virtuais que, embora se criem e
se aniquilem rapidamente, têm um efeito
macroscópico possível de ser observado, ex-
orientando, William Couto Corrêa de plica Vanzella.
Lima, pesquisa há dois anos o fenômeno Daniel conta que a força e, sobretudo,
que veio a chamar de Despertar do Vácuo e a existência dessas partículas virtuais, fo-
seus efeitos práticos na área de física teóri- ram comprovadas numa experiência ide-
ca, especificamente na astrofísica. alizada pelo físico Hendrik Casimir, em
No início do século XX, o vácuo era 1949. Ele imaginou duas placas metálicas,
definido como uma região completamen- próximas e paralelas, sem cargas elétricas
te vazia: Seria uma região sem partículas e atração gravitacional entre as mesmas.
de matéria ou de luz, com uma tempera- O resultado esperado, devido à crença de
tura de zero absoluto, explica Vanzella: inexistência de energia no vácuo, seria a
Porém, desde o advento da física quânti- imobilidade das placas. No entanto, a pre-
ca, descobriu-se que mesmo retirando-se sença das placas metálicas causa uma per-
todas as partículas de uma região e dimi- turbação no vácuo e, como consequência,
nuindo sua energia, ainda não é possível uma atração entre elas: Há um princípio
deixá-la completamente vazia. que a natureza busca sempre o estado de
Assim, restará nesse espaço, livre de mínima energia, e quanto maior a proximi-
partículas detectáveis diretamente, as dade das placas, menor a energia do vácuo.
chamadas partículas virtuais, criadas e A tendência é a aproximação dessas placas,
aniquiladas tão rapidamente, ao ponto de explica Vanzella. A energia existente no vá-
impedir que sejam detectadas: Para cada cuo é tão pequena, que experiências para
partícula na natureza existe uma partícula medi-la com precisão só foram conseguidas
de antimatéria associada. No caso das par- no início deste século, conta.
tículas fundamentais - prótons, elétrons e A novidade dos estudos do pesquisa-
nêutrons -, existem o antipróton, o antielé- dor se refere ao poder da energia do vácuo:
tron e o antinêutron. As partículas de maté- Toda estrela tem um ciclo de nascimento,
ria e antimatéria correspondente podem se vida e morte e a chamada ‘estrela de nêu-
aniquilar, produzindo luz ou simplesmente trons’ representa o estágio final da vida de
desaparecer. O que existe no vácuo são essas algumas estrelas que têm massa algumas

60 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

vezes maior do que a do Sol. Essa estrela entendia, por exemplo, o funcionamento
possui um campo gravitacional muito forte, do Sol, de onde se tirava sua energia. Esse
a ponto de induzir um crescimento muito esclarecimento ajudou bastante no enten-
rápido da energia de vácuo. Na estrela de dimento da astrofísica. A mensagem prin-
nêutrons, pode atingir proporções capazes de cipal que queremos passar é que apesar de
competir com a energia da própria estrela, o a energia do vácuo ser normalmente des-
que quebra o conceito de que a energia do prezível, existem situações em que ela pode
vácuo seja desprezível, explica o professor. sair do papel de coadjuvante para tornar-
Ainda não é possível antever como a -se protagonista. Nossa ideia é explorar
descoberta de Daniel poderá influenciar esses efeitos, pois é possível trazer algum
nosso cotidiano: É como tentar prever o entendimento sobre a própria natureza,
futuro, diz: No começo do século não se conclui o pesquisador.

A física a serviço da sociedade | 61


Explorando os fundamentos da Física

Grupo de pesquisa do IFSC busca


entendimento da transmissão de sinais
integralmente por feixes de luz
05 de Abril de 2011

A o longo de seus onze anos, o novo sé-


culo trouxe televisões e computado-
res jamais imaginados, o desenvolvimento
Estudamos também materiais inorgânicos,
como vidros e semicondutores, esclarece o
docente.
de energias alternativas e limpas e o quase Do ponto de vista de óptica, os mate-
invisível tornar-se fundamental, com a na- riais estudados devem ter capacidade de
notecnologia. gerar dispositivos: A única forma de tornar
O Grupo de Fotônica do IFSC, co- esses processos possíveis é através de processos
ordenado pelo docente Cléber Renato ópticos não-lineares, que são a base de nossos
Mendonça, estuda a transmissão de sinais estudos no Grupo de Fotônica, conta Cléber.
através de fótons, que deu origem ao neo- Eis um exemplo prático: em telecomu-
logismo fotônica, analogia feita ao conhe- nicações, as fibras ópticas são utilizadas na
cido termo eletrônica (neste caso, trans- transmissão de informação. Contudo, o
missão e processamento de sinais através processamento do sinal ainda é feito ele-
de elétrons). tronicamente, o que exige converter o si-
Os estudos resumem-se, basicamente, nal óptico para elétrico. Portanto, não se
na interação da luz com a matéria, quando trata de um processo inteiramente óptico:
submetidos a regimes de altas intensidades
(lasers) por processos ópticos não lineares:
Nos processos ópticos usuais o coeficiente de
absorção do material não depende da in-
tensidade luminosa, mas nos processos não
lineares essa dependência com a intensida-
de é observada, explica Cléber.
O grupo trabalha com moléculas or-
gânicas com alta conjugação (alternância
de ligações duplas e simples): Trabalhamos
com uma enorme gama de moléculas orgâni-
cas, tanto aquelas encontradas na natureza,
No futuro, transmissão de sinais de fibra óptica deve-
como as artificiais, criadas em laboratório. rá ser ainda mais veloz.

62 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

A ideia da fotônica é fazer com que esse pro- atuais, exemplifica Cléber: Esses processos
cesso seja integralmente óptico, o que trará não-lineares vêm sendo empregados com
aumento de velocidade do mesmo, explica: outros objetivos: para fazer sensores, por
Para tornar isso possível, primeiro é necessá- exemplo. Eles também podem ser emprega-
rio entender como esses processos funcionam dos para detectar reações fotoquímicas de
e é o que fazemos aqui: pesquisa fundamen- interesse  biológico.
tal, para entender como se dá essa interação Embora possa servir ao desenvolvi-
da luz com esses materiais, conta. mento tecnológico, Cléber deixa claro que
Sobre as vantagens de processos in- o interesse em estudar os processos não-
tegralmente ópticos, Cléber afirma que -lineares é voltado ao aspecto fundamen-
o menor tempo de resposta é a principal tal, para entender como ocorrem e qual
vantagem: O tempo de resposta de sinais a relação entre esses processos e proprie-
elétricos está na faixa de nanossegundos dades moleculares: Existe uma motivação
(10-9segundos), enquanto nos ópticos está tecnológica, mas minha curiosidade nessa
na faixa de femtossegundos (10-15segundos). área é mais a vontade de fazer física do que
Em princípio, computadores que viriam a produzir, de fato, algum produto tecnológi-
usar esse tipo de dispositivo, puramente óp- co, conta Cléber, que pesquisa o assunto há
tico, seriam muito mais rápidos do que os mais de dez anos.

A física a serviço da sociedade | 63


Explorando os fundamentos da Física

Grupo de Polímeros utiliza técnica de


Espectroscopia pioneira na América Latina
06 de Maio de 2011

O Grupo de Polímeros Prof. Bernhard


Gross foi criado há mais de 30 anos e
continua trabalhando intensamente no de-
O grupo continua em busca de desen-
volvimento e inovação científica, contando
com corpo técnico multidisciplinar, labora-
senvolvimento tecnológico e em inovação, tórios equipados com máquinas de última
dominando técnicas experimentais ainda geração e técnicas inovadoras e pioneiras
pouco difundidas pelo mundo. O Grupo na América Latina.
surgiu a partir de visitas do Prof. Bernhard
Gross na década de 1970, trazendo ideias A área de pesquisa
inovadoras de estudos sobre polímeros
Polímeros são moléculas muito gran-
isolantes e suas propriedades elétricas,
des e lineares – compridas –, compostas por
bem como seus aspectos teóricos, experi-
unidades iguais que se repetem: É como uma
mentais e suas aplicações práticas.
série de carimbos todos iguais, colocados no
No final da década de 1980, seguindo
papel, seguidamente uns ao lado dos outros,
a tendência dos grandes centros de pes-
explica o Prof. Dr. Paulo Barbeitas Miranda,
quisa do mundo, o grupo incorporou ou-
docente do IFSC, vinculado ao grupo desde
tras linhas de pesquisa, agregando novas
2003.
perspectivas ao material que é objeto dos
Estes polímeros podem ser sintéticos,
estudos. O trabalho de pesquisa intensifi-
criados em laboratório a partir de reações
cou-se com o desenvolvimento de novos
químicas. Muitos deles estão em nosso co-
materiais, como polímeros condutores
tidiano: são os plásticos industriais, como
eletrônicos, polímeros luminescentes e
o polietileno (encontrado em embalagens,
polímeros de grande interesse para a óp-
em sacolas de mercado, em garrafas térmi-
tica não-linear. Assim, o grupo de pesqui-
cas), o PVC, o nylon. Existem polímeros
sadores iniciou uma importante etapa no
naturais sintetizados nos organismos, entre
estabelecimento de interações com grupos
os quais o amido que é um polissacarídeo
internacionais, fortalecendo a coopera-
composto por anéis orgânicos. A celulose
ção, tanto com outros países quanto com
também é um polímero, de estrutura mui-
outras áreas de pesquisa, como a Quími-
to similar ao amido, cujas moléculas dão
ca – essencial para o domínio de técnicas
origem às fibras da madeira ou do papel.
de síntese, processamento e caracterização
O DNA é outro exemplo de polímero na-
dos novos materiais.

64 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

tural, com suas peculiaridades, já que as para entender seu processo de degradação –
combinações não são repetidas, mas aleató- um problema sério do dispositivo, já que é
rias, unindo diversos tipos de ingredientes, preciso protegê-lo para que não se degrade em
como aminoácidos e proteínas. poucas horas, explica o pesquisador.
O foco do Grupo de Pesquisa do IFSC Um projeto de pesquisa recente rela-
são os polímeros sintéticos e um grupo es- cionado com fenômenos de interface, no
pecial de polímeros que tem importância qual se encontra envolvido o Prof. Paulo
para a eletrônica: A maioria dos polímeros Barbeitas Miranda, investiga diversos tipos
que citamos são moléculas que não condu- de moléculas, inclusive polímeros e lipídios
zem eletricidade; pelo contrário, são isolan- (presentes em membranas celulares). Estas
tes. De fato, os isolantes elétricos são fabri- últimas moléculas têm a característica de
cados a partir de plástico. Aqui, procuramos não serem solúveis em água, organizando-
trabalhar com polímeros que são condutores -se em sua superfície: Se despejarmos uma
de eletricidade e alguns também são emisso- solução de lipídios e água em um recipiente,
res de luz, conta Miranda. vamos observar que essas moléculas rapida-
Este tipo de semicondutores pode ter mente se organizam como um fino carpete
aplicações importantes em nosso cotidiano, de lipídios – o filme – na superfície da água,
pois além de servir a dispositivos eletrôni- explica o pesquisador. O objetivo é des-
cos e para iluminação básica, já está sendo vendar as formas de interação destas mo-
utilizado na produção de telas de câmeras léculas com a água e os mecanismos de sua
fotográficas, aparelhos celulares e telas de organização neste filme. Muitas técnicas
pequeno porte. Inclusive já existem protóti- já investigam este tipo de filme fino, mas
pos de telas de grande porte baseados nesta os pesquisadores do IFSC se interessam
tecnologia, o que os colocam em posição de por esta interação no nível molecular, um
fortes candidatos para substituir a tecnolo- conhecimento importante para inferir as
gia de LCD utilizada em eletroeletrônicos. forças que levam a um arranjo específico
Noutra linha de pesquisa mais específica das moléculas na superfície da água:  Que-
estuda-se como se dá o arranjo das molécu- remos entender quais forças dominam o
las na interface entre materiais. São estuda- processo de interação nesta interface, que
dos os chamados fenômenos de interface, em determinam que o filme tenha essa ou
que se procura desvendar o movimento das aquela propriedade, conta ele.
moléculas dos polímeros em contato com Outro tipo de filmes que o pesquisa-
materiais, como o vidro ou metal: Os disposi- dor investiga são filmes automontados,
tivos eletrônicos utilizam metais em sua com- ou seja, que se agrupam espontaneamen-
posição e é de suma importância aprender te, formados por polímeros chamados
como o polímero vai reagir nessa interação, polieletrólitos - moléculas que possuem
para entender como as cargas elétricas vão muitas cargas elétricas, solúveis em água
entrar em contato com o material e também e que interagem de maneira muito forte

A física a serviço da sociedade | 65


Explorando os fundamentos da Física

com outras moléculas carregadas eletri- polímero, os grupos carregados da molé-


camente. Um filme desse tipo é produzi- cula tendem a apontar para a carga oposta
do colocando-se uma placa de vidro num que está na superfície, para fazer uma liga-
recipiente com uma solução aquosa con- ção com o substrato. Acrescentando outra
tendo moléculas com carga elétrica, que se camada, parte das moléculas se rearranja
depositam na placa. Se a mesma placa de para fazer ligação com a carga que está do
vidro é mergulhada depois em recipiente lado oposto.
com solução de moléculas carregadas com Entender essas forças de interação
sinal contrário, há adsorção espontânea poderá abrir caminho, em longo prazo,
novamente e forma-se uma bicamada de para controlar propriedades dos filmes
materiais. Esse procedimento pode ser re- que dependam do arranjo das molécu-
petido para adsorver múltiplas camadas, las. Do ponto de vista de aplicações, os
alternadas com cargas positivas e negati- filmes finos são usados em biossensores
vas (vide o procedimento na figura abai- para diagnóstico de doenças, como é o
xo). Neste estudo procura-se entender caso do projeto do Professor Dr. Osval-
como o polímero se liga à superfície, além do Novais de Oliveira Junior, também do
de determinar sua orientação quando em Grupo de Polímeros, e do Professor Dr.
interação com outro tipo de molécula, e os Valtencir Zucolotto, do Grupo de Biofí-
efeitos de adicionar outra camada de filme. sica do IFSC.
Um resultado inovador foi a desco-
berta que ao adicionar-se uma camada do

66 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Espectroscopia radiante incidente em uma amostra: Existem


vários outros tipos de espectroscopia para o es-
Esses projetos de pesquisa utilizam-se tudo de moléculas, mas a técnica não-linear
de uma técnica experimental chamada de tem a peculiaridade de selecionar apenas as
Espectroscopia Não-Linear, muito útil para moléculas em superfície, mesmo em soluções
estudar arranjo de moléculas em superfícies. muito grandes, como em um copo de água,
A espectroscopia é uma técnica de levanta- conta Miranda. Essa técnica foi implantada
mento de dados físico-químicos através da no IFSC, em 2005, e passou a ser o primeiro
transmissão, absorção ou reflexão da energia laboratório na América Latina a utilizá-la.

A física a serviço da sociedade | 67


Explorando os fundamentos da Física

Modelos físicos quase-integráveis podem


descrever fenômenos da natureza
29 de Setembro de 2011

U m pesquisador do IFSC, em parceria


com um colega da Universidade de
Durham, na Inglaterra, desenvolve o concei-
tureza que, em sua grande maioria, não é
descrita por teorias integráveis, já que não
apresentam quantidades conserváveis.
to de sistemas físicos quase-integráveis, o que Pois agora é provável que este conceito ga-
pode complementar as teorias integráveis, nhe um complemento.
descrevendo fenômenos naturais dos quais Há pouco mais de um ano dois pesqui-
estas últimas teorias não dão conta. Isso per- sadores têm pensado no conceito de quase-
mite obter soluções tecnológicas para proble- -integrabilidade, que pode ser capaz de
mas da atualidade. equacionar grande parte dos problemas de
Os sistemas integráveis constituem interpretação de fenômenos naturais, dos
um dos grandes desafios para estudantes quais as integráveis não dão conta. A brecha
das Ciências Exatas, pois servem para so- para este novo conceito está nos modelos
lucionar problemas da maneira mais exata integráveis que têm soluções, tipo sóliton
possível. Isso porque se baseiam na equa- – uma onda solitária muito estável que se
ção das quantidades conservadas encon- comporta como uma partícula. Os sólitons
tradas nos sistemas físicos investigados. aparecem em várias áreas da ciência: na
Para descrever um sistema é necessário água, em sistemas de matéria condensada,
desvendar suas leis de simetria, que levam em sistemas eletrônicos e em comunicação
a leis de conservação – ou seja, as quan- por fibra óptica, por exemplo. Eles compor-
tidades conservadas. E os sistemas que tam-se como partículas, mesmo quando se
chamamos integráveis têm um número de chocam entre si, ou seja, eles interagem mas
quantidades conservadas muito grande, não se destroem. A razão para isso vem, no-
em geral infinito. Por exemplo, a energia e vamente, das leis de conservação que regem
a carga elétrica são conservadas, mas ain- os sistemas integráveis.
da muitos outros fatores se conservam. É Esses pesquisadores repararam que em
na busca destas outras quantidades con- alguns sistemas, ao contrário dos integráveis,
servadas que se torna possível desenvol- quando os sólitons se chocam as quantidades
ver métodos para resolver o sistema, de conserváveis se modificam. Ao se afastarem,
forma exata. No entanto, estas equações as quantidades retornam aos valores iniciais.
mostram-se menos eficientes no que diz Efetivamente, elas cumprem o mesmo papel
respeito à descrição de fenômenos da na- que as quantidades conservadas, porque o

68 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

sistema não é alterado. Estes sistemas foram entendimento destes fenômenos e possi-
chamados de quase-integráveis. bilitar a modulação da fibra, a fim de ter
O professor Luiz Agostinho Ferreira, uma previsão e um controle muito maio-
do Grupo de Física Teórica do IFSC, autor res de seu comportamento.
da pesquisa, juntamente com o Professor Os pesquisadores pretendem continuar
Wojtek J. Zakrzewski, do Departamento de investigando outros tipos de sistemas para
Ciências Matemáticas da Universidade de verificar o poder da teoria, mas já se sabe que
Durham (Inglaterra), afirma: Essa descober- sendo eficaz ela poderá ser aplicada em um
ta é altamente não trivial, pois estes sistemas número muito maior de sistemas do que a te-
estão muito mais próximos de descrever fe- oria das integráveis: Nossos resultados analíti-
nômenos físicos reais e não idealizados. Por cos ainda são aproximados, mas temos argu-
isso, pode ter muitas aplicações. mentos de simetria que mostram que a teoria
Um exemplo destas aplicações está no funciona, comenta o docente: Também neste
novo trabalho dos pesquisadores, que es- trabalho ainda há muitos fenômenos não-line-
tuda uma equação integrável cujas modifi- ares que a ciência básica não entendeu e pede
cações conseguem descrever o comporta- por maiores investigações, completa ele.
mento dos pulsos de luz numa fibra óptica. O pesquisador aproveita para enfatizar
Não existem equações que governem a a importância da Ciência Básica que leva a
maneira como a fibra óptica interage com aplicações muito importantes: As aplicações
a luz, mas há equações aproximadas, mui- tecnológicas são originadas a partir de fenô-
to difíceis de serem resolvidas, que possi- menos físicos e leis físicas e por isso entender
bilitam que se descrevam numericamente estes aspectos é muito importante, afirma: Não
as reações que acontecem ali: Nós quere- basta dominar a tecnologia existente, porque
mos saber se estas modificações, que não a inovação vem da ciência básica, completa.
são integráveis - são quase-integráveis -, O artigo científico foi publicado em
pois descrever este sistema analiticamen- maio deste ano, no Journal of High Physics
te seria algo muito significativo, explica Energy (JHPE), sob o título O conceito de
Agostinho. Se o sistema realmente for quase-integrabilidade: um exemplo concreto,
quase-integrável, pode haver um melhor de autoria de ambos os pesquisadores.

A física a serviço da sociedade | 69


Explorando os fundamentos da Física

Como uma nova descoberta quântica poderá


revolucionar nossas vidas
21 de Outubro de 2011

desde quarks e núcleo dos átomos, até


spins eletrônicos e condensados de Bose-
-Einstein*, já considerados elementos ma-
croscópicos. O que vale é o comportamento
quântico, no qual os objetos que dele fazem
parte são capazes das mais audaciosas es-
tripulias, como atravessar barreiras.
Alguns anos depois de inaugurada a
mecânica quântica, três físicos - entre eles,
Albert Einstein - passaram a questionar se
a teoria seria completa, no seguinte aspec-

H á mais de um ano, nove físicos brasi-


leiros estudam o transporte de infor-
mação quântica, que é fundamental para
to: no mundo quântico as coisas existem
somente se pudermos medi-las, ou se elas
existem e interagem, mesmo que fisica-
a mecânica quântica, teoria elaborada nas mente muito distantes umas das outras?
primeiras décadas do século XX: A mecâ- A principal revolução da mecâni-
nica quântica foi uma revolução do ponto ca quântica diz respeito ao transporte de
de vista científico. Vivemos no ‘mundo clás- informação. Isso porque seus elementos
sico’, ou seja, cercado por objetos de gran- interagem à distância- que pode chegar a
deza macroscópica, mas quando olhamos milhares de quilômetros: tal fenômeno in-
para objetos cada vez menores, em algum terativo foi chamado emaranhamento. Ou
ponto, a física que nós temos deixa de valer, seja, no mundo quântico as propriedades
explica Diogo Soares Pinto, pós-douto- dos elementos que o compõem estão dire-
rando do IFSC e estudioso do assunto. En- tamente ligadas umas às outras: O que um
quanto no mundo clássico as propriedades elemento faz afeta o outro automaticamente.
dos elementos são exatas e determinadas, Não tem sentido olhá-los separadamente,
isso não acontece no quântico. Nele se explica Diogo.
trabalha com probabilidades, mesmo que Imaginemos o seguinte: você está no
muito pequenas. interior de um bar e um amigo seu do lado
O tamanho dos elementos que com- de fora. O bar está lotado e, mesmo assim,
põem o mundo quântico pode variar você consegue conversar com ele, como se

70 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

o fizesse por telepatia. No mundo quântico do mundo quântico é, justamente, o que


isso é possível, com partículas interagindo define o novo fenômeno da discórdia. Dio-
via correlação quântica, independente- go, em conjunto com Tito José Bonagamba e
mente da distância em que se encontrem, Eduardo Ribeiro de Azevêdo, também pes-
perdendo suas características individuais. quisadores do IFSC, e outros seis estudiosos
É como se fossem uma única entidade em da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-
dois corpos diferentes. cuária (EMBRAPA), Centro Brasileiro de
Exemplos como esse inspiraram a con- Pesquisas Físicas (CBPF) e Universidade Fe-
cepção da computação quântica, que ga- deral do ABC (UFABC) fizeram a seguinte
nhou destaque a partir de um artigo na Phy- experiência: criaram um estado de discórdia
sical Review Letters**, na década de 1980, em quântica entre átomos de hidrogênio e car-
que se comprovou matematicamente o tele- bono do clorofórmio (CHCl3) e mediram-
transporte, com informações podendo ser -na, utilizando-se de RMN (em tempera-
teletransportadas de um local a outro. tura ambiente), para tentar descobrir o que
Posteriormente, descobriu-se que acontece quando um elemento passa de um
nem todo sistema do mundo quântico estado clássico para o quântico: Analisamos
depende do emaranhamento. Observou- a deterioração da correlação entre as partícu-
-se, por Ressonância Magnética Nuclear las através dessa experiência e mostramos que
(RMN), que em temperatura ambiente e não só existe discórdia quântica em RMN,
condições normais, alguns sistemas não como também podemos medi-la.
apresentam emaranhamento. A razão para Essa experiência quântica, por outro
isso foi obtida pelos cientistas brasileiros lado, pode ser interrompida por certos
citados no início dessa matéria: Voltando ruídos (qualquer forma de agitação mole-
à analogia da conversa de dois amigos, pos- cular, causada, por exemplo, pelo aumento
tados um fora e outro dentro de um bar, a da temperatura) que enfraquecem a cor-
explicação para esse fato seria dizer que eles relação entre as partículas: Mesmo com a
também estão correlacionados, mas nesse interferência de certos ruídos, a discórdia
caso mantendo as características individu- quântica é mais robusta que o emaranha-
ais. Em outro artigo científico, publicado mento, explica Diogo.
em 2001 por Harold Ollivier e Wojciech H. A descoberta dos cientistas conseguiu
Zurek, foi provado que existia uma co-de- encontrar uma relação quântica mais po-
pendência entre partículas que não se tra- tente e menos exigente, utilizando-se de
tava do emaranhamento, o que os pesqui- uma técnica relativamente simples e mui-
sadores chamaram de ‘discórdia quântica’, to bem estabelecida no mundo científico.
explica Diogo. As discussões tiveram início em 2009 e a
Resumidamente, a diferença entre a conclusão da experiência um ano depois,
medida de correlação (dependência) entre para, finalmente, eles chegarem a resulta-
duas partículas no mundo clássico e duas dos concretos publicados em dois artigos

A física a serviço da sociedade | 71


Explorando os fundamentos da Física

científicos, no mesmo volume da PRL**: difícil de ser decodificado. Por exemplo,


Conseguimos dar uma boa contribuição para que o acesso a contas bancárias não
nos estudos dessa área, comemora o pós- seja desvendado por hackers, é preciso
-doutorando. que os desenvolvedores de softwares crip-
Se os computadores pessoais substitu- tografem as informações, como senha do
íram as antigas máquinas de datilografia, usuário: Os códigos de criptografia clássi-
num futuro muito próximo os computa- cos são, em princípio, quebráveis. Do pon-
dores quânticos aposentarão nossos atuais to de vista quântico isso seria impossível,
PC’s. Depois da descoberta do fenômeno em virtude do emaranhamento, conta o
da discórdia quântica, estudiosos esperam pesquisador.
que a velocidade do processamento dos Em 2011 a empresa canadense D-wave
computadores quânticos seja maior: Por se afirmou ter vendido seu primeiro compu-
tratar de uma correlação mais robusta do tador quântico pelo valor de US$ 10 mi-
que o emaranhamento, a discórdia também lhões. O sistema de TV a cabo Tóquio já
favorecerá a velocidade, afirma Diogo. é inteiramente baseado em criptografia
Nos próximos passos desse projeto se- quântica. Outras empresas já investem na
rão realizados testes para comprovar a efi- nova tecnologia: O código quântico é capaz
ciência no processamento de informações de quebrar qualquer outro clássico, mas a
(resolução de cálculos), tendo como base recíproca não é verdadeira, conta Diogo.
RMN e discórdia quântica: Inevitavelmen-
te, as propriedades quânticas serão necessá- _______________________
rias, pois assim estará sendo usado todo o * Fase da matéria formada por bósons, a uma
potencial quântico ao nosso alcance. Toda temperatura muito próxima do zero absolu-
comunicação que conhecemos será afetada to. Nestas condições, uma grande fração de
por isso, em breve, diz. átomos atinge o mais baixo estado quântico
Os computadores quânticos poderão e os efeitos quânticos podem ser observados à
processar as informações tão rapidamen- escala macroscópica. A existência deste estado
te que os computadores de hoje parecerão da matéria, como consequência da mecânica
coisa de passado remoto: Quando escreve- quântica, foi inicialmente prevista por Albert
mos um e-mail, por exemplo, os computa- Einstein (1925). O primeiro condensado des-
dores criptografam a informação baseando- te tipo foi produzido setenta anos mais tarde,
-se em algoritmos matemáticos. No mundo por Eric Cornell e Carl Wieman, em 1995, na
quântico isso será infinitamente mais rápi- Universidade de Colorado, em Boulder, usan-
do e seguro, explica Diogo. do um gás de átomos de rubídio arrefecido a
Além de uma velocidade mais rápida, 170 nanokelvins (nK).
o quântico pode trazer mais segurança **uma das revistas científicas mais presti-
ao mundo virtual, visto que é muito mais giosas na área da física.

72 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Experimento de docente do IFSC rende


publicação na revista Nature Photonics
09 de Janeiro de 2012

P oucos sabem o que é uma amplificação


da luz por emissão estimulada de ra-
diação. Mas a palavra laser já é comum em
outro, num processo contínuo de retroali-
mentação. Se esse retorno for eficiente, um
feixe de luz será formado espontaneamente.
nosso vocabulário, advinda de um acrôni- Um estudo iniciado em 2005 e reto-
mo em inglês, que significa Light Amplifi- mado em 2009, envolvendo pesquisadores
cation by Stimulated Emission of Radiation. alemães, conseguiu produzir uma grande
Um laser é um dispositivo que produz uma reflexão, utilizando-se de um gás de ru-
radiação eletromagnética com um compri- bídio (elemento químico) aprisionado e
mento de onda muito bem definido e que periodicamente estruturado por uma onda
se propaga de forma paralela. Os mais co- estacionária de luz. O gás, ao mesmo tem-
muns podem ser definidos como amplifi- po, serviu de amplificador óptico (que veio
cadores de luz e conjuntos de espelhos que a ser chamado Optical Parametric Ampli-
trazem a luz ampliada de um lado para o fier - OPA) e criou um novo tipo de laser,

A física a serviço da sociedade | 73


Explorando os fundamentos da Física

formado fundamentalmente por gás e luz, possibilitam o funcionamento da Inter-


mas sem espelhos - uma novidade no mun- net - têm muito em comum com cristais
do científico-acadêmico. fotônicos. Em comparação aos cristais, as
A pesquisa, uma colaboração entre o redes ópticas têm a vantagem de uma perio-
docente do IFSC, Philippe Wilhelm Cour- dicidade intrinsecamente perfeita. Os cris-
teille, e pesquisadores da Universidade de tais fotônicos (nanoestruturas ópticas) ge-
Tübingen (Alemanha), rendeu a publicação ralmente são feitos de materiais dielétricos
de um artigo* na notória revista científica sólidos, isolantes que não permitem passa-
Nature Photonics: O objetivo inicial foi me- gem de corrente elétrica. Estes materiais,
lhorar a reflexão de um gás rubídio apri- por sua vez, são capazes de moldar o fluxo
sionado em uma rede óptica, formando um da luz de maneira determinada e de locali-
cristal fotônico, explica Philippe. zar radiação, isto é, armazenar fótons.
Nas ondas estacionárias geradas pela Philippe faz uma importante ressalva:
retroalimentação, é possível aprisionar áto- Precisamos aprender como controlar e me-
mos, colocá-los de maneira estruturada no lhorar as propriedades do sistema, pois ain-
feixe de luz e possibilitar o fenômeno de da não temos o entendimento completo sobre
reflexão: Isso gera um meio para organizar ele. Embora sua pesquisa esteja com forte
a matéria, com propriedades interessantes. A viés acadêmico, com a publicação do artigo
luz pode ser refletida como se fosse um es- na Nature Photonics, muitos interessados
pelho: essa é a novidade, explica Courteille. começarão a se manifestar e, com isso, as
A partir dessa experiência, Philippe chances de aplicação serão aceleradas: Com
fala de projeções: o espelho formado pela a publicação deste artigo, várias pessoas tal-
luz refletida pode ser interessante para o vez vejam nisso um sistema muito interes-
desenvolvimento de lasers em regime de sante e começarão a trabalhar nessa nova
frequência ultravioleta que, diferentemente direção, conclui o docente.
dos lasers comuns, não são compostos por
espelhos convencionais: No regime ultra- ______________________
violeta é muito difícil trabalhar com espelhos *O artigo citado na matéria foi publicado na
convencionais, mas com redes ópticas pode revista Nature Photonics, edição de 18 de de-
haver reflexão, fazendo surgir um laser. zembro de 2011.
As conhecidas redes ópticas – as mais
modernas redes de telecomunicação, que

74 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Bóson de Higgs: Entenda a (revolucionária)


partícula de Deus
17 de Fevereiro de 2012

D escrever com os mínimos detalhes


aquilo que nos rodeia é desejo anti-
go, com mais de dois mil e quatrocentos
tuintes: núcleo e elétrons: Por muito tem-
po, ficou uma ‘nuvem’, no sentido literal da
palavra, em que o átomo era explicado por
anos, quando os gregos tentavam definir um modelo que recebeu o nome de ‘pudim
o que formava os corpos- vivos ou não-, de passas’: uma massa sem forma definida
incluindo o próprio corpo humano. Eles (núcleo - pudim) com os elétrons (passas)
acreditavam que tudo no Universo podia nela incrustados.
ser dividido em subconstituintes, ou seja, Em 1932, o átomo ganha o formato
elementos menores que, unidos, seriam atual, com direito a prótons e nêutrons.
capazes de formar todos os corpos: Por Não parece grande coisa, à primeira vista,
muito tempo os gregos acreditaram que os mas o desenvolvimento tecnológico muito
quatro elementos fundamentais da nature- acelerado pelo qual passamos no século
za - terra, água, ar e fogo - seriam os cons- XX tem tudo a ver com isso: Os computa-
tituintes de qualquer elemento, ideia que dores são feitos com silício e esse elemento
sobreviveu por mais tempo do que imagina- tem uma propriedade semicondutora, ou
mos, conta o docente do IFSC e membro seja, em algumas circunstâncias conduz
do Observatório de Raios Cósmicos Pierre energia elétrica, em outras não. Isso é usado
Auger, Luiz Vitor de Souza Filho: O áto- no computador, fazendo parte de seu fun-
mo era visto como uma partícula indivi- cionamento básico. Só foi possível montar
sível e a partir dele, as outras coisas eram computadores depois que entendemos
formadas. Mas, isso ainda não era muito como o silício funcionava, o que foi obtido
bem estabelecido. É como se o átomo fosse do estudo das propriedades dos átomos e
um tijolinho, mas sem cimento, não havia da matéria, justifica o docente: Antes de
uma explicação para como esses átomos 1930, não sabíamos exatamente como o
se mantinham grudados, explica Vitor: átomo era formado e isso fechou as portas
Não se sabia como eles se combinavam, se para qualquer tipo de desenvolvimento
tinham, ou não, constituintes. Só havia a tecnológico que, posteriormente viríamos a
ideia do átomo. alcançar.
No início do século XX apareceu um A confecção de fármacos e a cura de
modelo mais detalhado do átomo, que algumas doenças, como tuberculose e sa-
passou a ser descrito por dois subconsti- rampo, também só foram possíveis graças

A física a serviço da sociedade | 75


Explorando os fundamentos da Física

a esse conhecimento: Entender o funciona- por quarks: A física de partículas elementa-


mento das microestruturas de nosso corpo res tem duas classes de tijolos: quarks e lép-
faz parte dos desenvolvimentos da expli- tons. Nesta última classe estão os elétrons,
cação dos constituintes da matéria. Hoje, outras partículas menos comuns, o múon e
têm-se propostas de fabricação de remédios tau (no mesmo nível dos elétrons) e os neu-
em escalas praticamente atômicas. Isso trinos, esclarece Vitor: A diferença entre
também só é possível pelo conhecimento das essas duas classes é o tipo de interação que
propriedades dos átomos. elas têm. Léptons não têm a mesma intera-
Mas, os físicos ainda não estavam ção que os quarks.
satisfeitos. Uma vez explicado o funcio- Sendo as novas partículas fundamen-
namento do átomo, a curiosidade tomou tais, léptons e quarks formam tudo o que
outro rumo: como funcionavam os consti- conhecemos. Surge então um terceiro
tuintes dos átomos? Seria que prótons, elé- personagem: o bóson. Fazendo o papel de
trons e nêutrons poderiam ser formados cimento entre as partículas fundamentais,
por algo ainda mais fundamental? os bósons seriam responsáveis por estabe-
lecer a ligação entre elas: Os quarks atraem-
O quark é o novo tijolo -se muito fortemente para formar o próton.
Para descrever essa força, existe outra classe
de partículas, formadas por bósons.
Existem vários tipos de bósons, res-
ponsáveis pelas interações entre as partí-
culas fundamentais. A pergunta principal
que tem sido feita é: como essas partículas
ganham massa? O que caracteriza um qua-
rk é sua carga elétrica, sua massa etc. É pos-
sível explicar a massa do átomo, somando
os prótons, nêutrons, elétrons e suas intera-
ções. No caso do próton, soma-se o número
de quarks que o compõe e suas interações.
Mas, e quanto aos quarks? Como saber qual
é sua massa?
Esse buraco teórico tem ocupado o inte-
Para os físicos de partículas, sim! De lecto dos físicos há alguns anos. A maioria
maneira simplificada, o modelo padrão deles acredita que tal massa é conseguida via
da física de partículas indica que há algo interação, que veio a ser chamada de bóson
abaixo do átomo. Embora o elétron manti- de Higgs*. Há uma polêmica porque esse
vesse seu status de partícula fundamental, não é o único mecanismo que explica a mas-
prótons e nêutrons não: eles são formados sa de um quark. Vários outros foram propos-

76 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

tos, mas a atenção é voltada exclusivamente no FERMILAB** já buscam a partícula


ao primeiro, por ser o mais simples de todos: misteriosa há muito mais tempo.
É o que melhor combina com aquilo que já O apelido espiritual adquirido pelo
temos na teoria, é o mais básico. bóson de Higgs, na realidade, é por aca-
so: Leon Lederman, físico ganhador do
prêmio Nobel, em um livro que escre-
O LHC, também chamado de
veu sobre o assunto, apelidou o bóson
“Grande Colisor de Hádrons” do
em questão de partícula maldita, mas o
CERN, é o maior acelerador de
editor ficou temeroso com as reações ao
partículas e o de maior energia
nome e por questões de ética- e talvez re-
existente do mundo. Funciona
ligiosas- trocou-o.
desde setembro de 2008.
No entanto, a divulgação intensiva de
Ele foi construído com o principal
notícias sobre o assunto pode não passar
objetivo de detectar o bóson de
de uma estratégia política (e midiática)
Higgs, e o investimento em sua
para justificar o dinheiro investido no
construção, até o momento, já
LHC, com vistas a procurar a tão acuada
ultrapassa os € 5 bilhões. Isso
partícula: A comunidade de física de par-
sem contar seu conserto, há
tículas escolheu essa como a pergunta mais
dois anos, que pode ter custado
importante a ser respondida nos próximos
o mesmo preço. No momento,
anos: qual o mecanismo que dá massa às
cerca de 5 mil cientistas
partículas elementares.
trabalham no LHC e encontrar
Uma vez encontrado, esse mecanismo
a partícula de Deus já tornou-
poderá explicar com mais precisão aqui-
se o objetivo primordial dos
lo que os gregos se perguntam há mais de
pesquisadores.
2.400 anos e saberemos, ainda com mais
detalhes, como grande parte daquilo que
Embora carregue um nome místico, o nos rodeia é composta. Essa onipresença da
bóson de Higgs é um engenho simples. O partícula, se for de fato comprovada, será
apelido que ganhou se justifica por ser um mais um motivo para explicar seu trans-
mecanismo ainda não comprovado e mui- cendental apelido.
to difícil de ser encontrado. Se na mídia Até o momento, os dedicados pes-
essa partícula é novidade, o enorme time quisadores do assunto não encontraram
de pesquisadores que trabalha no LHC o Bóson de Higgs, mas já é possível ver o
não pode dizer o mesmo: eles tentam en- seu brilho: Há dois experimentos separa-
contrar o bóson de Higgs desde que o ace- dos, no LHC, para medir a mesma coisa.
lerador de partículas foi montado: O LHC Existe um intervalo grande onde o [bóson
tem como principal foco encontrar essa par- de] Higgs pode estar e os experimentos vão
tícula, embora tentativas semelhantes feitas varrendo esse intervalo. Boa parte dele

A física a serviço da sociedade | 77


Explorando os fundamentos da Física

já foi eliminada, onde o bóson não está, __________________


com certeza. Sobrou um intervalo muito *prevista em 1964 pelo físico Peter Higgs,
pequeno e nele apareceu uma pequena a partir de ideias do físico americano Phi-
evidência de que pode haver algo ali. Isso lip Anderson.
não é uma descoberta, embora tenha au- **Fermi National Accelerator Laboratory
mentado os ânimos entre os pesquisado- é um laboratório especializado em física
res, explica Vitor. de partículas de alta energia dos EUA, lo-
Ainda de acordo com o docente, se calizado em Chicago, Illinois
esse indício for verdadeiro, levará mais Nota dos Editores: A existência do Bóson
um ano, pelo menos, para que a famosa de Higgs foi comprovada no CERN em
partícula seja, efetivamente, encontrada. 2013, o que levou os pesquisadores Peter
Higgs e François Englert a ganharem o
Prêmio Nobel de Física de 2013.

78 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Ficção Científica? Dos mistérios da


transmissão de informação ao teletransporte
17 de Fevereiro de 2012

P ara a maioria das pessoas, o teletrans-


porte não passa de um fruto do imagi-
nário criado na ficção científica. Baseado
massa também não tem fim: então, qual se-
ria o próximo passo da evolução da infor-
mação? Transmitir objetos físicos, talvez?
em fenômenos e técnicas que têm aplica-
ções na promissora Computação Quântica Ficção ou realidade?
e nutrindo esperanças a partir da iminente
descoberta da polêmica partícula de Deus,
o teletransporte pode revolucionar as tec-
nologias de comunicação.
Formas artificiais de transmissão de
informação vêm sendo criadas ao lon-
go da história, inclusive para comunica-
ção entre pessoas em cidades diferentes.
No século XIX, o pesquisador alemão H.
Hertz constatou que ondas eletromagnéti-
cas se propagavam no espaço sem neces-
sidade de um meio físico específico, que
marcou o início da comunicação a longa
distância. Rapidamente se descobriu que Na série de TV Jornada nas Estrelas, que
é possível gerar e receber energia eletro- previu a tecnologia dos telefones celulares
magnética contendo informações através através do uso constante dos famosos comu-
de duas antenas. A primeira forma para nicadores, os personagens tinham também
trocar informações, através de ondas ele- uma forma muito particular de se trans-
tromagnéticas, foi o telégrafo, seguindo-se portar para outros planetas ou outras naves
o rádio, telefone e televisão, com o conte- espaciais – o teletransporte. Inicialmente
údo da informação transmitida evoluindo proposto como maneira de economizar os
de sinais, passando por áudio até imagens. custos de filmagem de inúmeros cenários e
A evolução recente tem sido na forma poupar tempo dos episódios com cenas de
de transmissão: as imagens são de alta reso- pouso e voo das naves, o transporter, como
lução, a velocidade da transmissão não para era chamado na série, acabou criando gran-
de crescer... Mas a sede pela informação em des expectativas. Ao entrar na câmara ou

A física a serviço da sociedade | 79


Explorando os fundamentos da Física

no espaço reservado ao transporter, com fenômeno antes mesmo de ele acontecer,


alguns comandos os personagens desapa- explicando que no mundo microscópico
reciam, em um processo chamado desma- atômico estudado pela Mecânica Quântica
terialização, e rapidamente apareciam em as leis não são determinísticas: Aqui, po-
seu destino, rematerializados. demos dizer com facilidade onde está uma
Isso é possível no mundo real? Cien- caneta, uma folha de papel, uma mesa. Po-
tificamente, o teletransporte é possível? rém, todas as coisas do universo têm uma
Segundo o Professor Dr. Euclydes Marega dualidade porque se comportam ora como
Junior, do IFSC, sim: Einstein já nos ensinou onda, ora como partícula. Uma pessoa pode
que energia e matéria são a mesma coisa, ex- apresentar comportamento ondulatório e
plica ele:Então, provavelmente a função da também de partícula, mas por ser algo mui-
máquina em ‘Jornada nas Estrelas’ era trans- to grande, sua localização é muito fácil. Um
formar a matéria humana em uma forma de elétron, muito menor que um átomo, tem
energia que contivesse toda a informação da- um comportamento essencialmente quânti-
quela pessoa, desde o número de células que co e sua localização é indefinida. Não é pos-
possui no corpo até seu DNA e seu conjunto sível determinar com simples observações a
de memórias e vivências. Contudo, este pro- posição do elétron, explica.
cesso é a parte surreal de todo o projeto. Se- A Mecânica Quântica postula que
gundo o pesquisador, esta conversão teria para definir a localização de um elétron
como resultado uma quantidade de energia é necessário abrir mão de outras infor-
absurdamente alta. Se a energia é a massa mações complementares. Isso porque a
multiplicada pela velocidade da luz ao qua- determinação de uma partícula depende
drado (E=mc²), o cálculo da desmateriali- de duas informações básicas: posição e ve-
zação de toda a informação contida em um locidade. Ao definir sua posição, perde-se
ser humano de 80 kg, convertida em ener- a informação sobre sua velocidade e vice-
gia eletromagnética, seria o equivalente à -versa. Este é o chamado Princípio da In-
produção de energia da Usina Hidrelétrica certeza de Heisenberg.
de Itaipu, em um dia. Se o elétron tem dois lugares possíveis
Se é possível teletransportar um átomo, de posição, onde ele está? Segundo as leis
é possível teletransportar uma pessoa, que da Mecânica Quântica, em nenhum dos
nada mais é do que um conjunto de átomos, dois, pois ele está emaranhado entre as
mas este é um processo realmente complexo, duas posições e a função que o representa
diz Marega. Ele explica que as coisas fun- é não-determinística. Contudo, ao deter-
cionam de uma maneira bastante distinta minar a localização do elétron, ele entra
no universo macroscópico e no universo para o mundo determinístico e nunca
microscópico: O nosso mundo macros- mais sairá desse mesmo local: É como se
cópico funciona de forma determinística, nunca tivesse saído de lá, comenta o do-
podemos prever as consequências de um cente. Esse fato é relacionado ao conceito

80 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

de entrelaçamento, que é uma superpo- o giro. Nestas experiências, quando os pes-


sição de estados em Mecânica Quântica, quisadores mediram o spin do fóton mais
desfeita a partir do momento em que se próximo, observou-se que o outro fóton
cruza a barreira entre o universo não-de- tinha spin na direção oposta. Não importa
terminístico e o universo determinístico. a que distância, não importa quantos mo-
vimentos faz o primeiro fóton: o segundo
A luz fóton sempre repete estes giros instanta-
A chave para a transmissão de infor- neamente. Também em 1998, físicos do
mação no mundo quântico é a luz. Qual é California Institute of Technology consegui-
a massa da luz? Zero: Luz é composta por ram replicar um fóton através de um cabo
fótons e estas partículas de luz têm massa coaxial de 1 metro, contornando o desafio
zero; é por isso que a luz consegue viajar do Princípio da Incerteza de Heisenberg
em velocidades tão altas, explica Marega. através do fenômeno do entrelaçamento
Outro aspecto interessante é que, para a em três fótons. O fóton A, a ser teletrans-
luz, o tempo não passa: A luz é a mesma portado, fora do entrelaçamento, poderia
desde sempre. Coisa estranha, não? refle- sofrer uma colisão e ser modificado caso os
te o docente, contando que, para viajar pesquisadores tentassem determiná-lo. Os
na velocidade da luz é preciso se tornar fótons B e C, se entrelaçados, poderiam for-
essencialmente luz. Segundo a Teoria da necer algumas informações sobre o fóton A
Relatividade de Einstein, se você viaja na e o resto das informações seria transferido
velocidade da luz, o tempo fica parado, do para o fóton B, através do entrelaçamento e
seu ponto de vista. Por essas razões, é mais depois para o fóton C. Quando essas infor-
fácil teletransportar a luz. Na verdade, ex- mações do fóton A passam para o fóton C
periências de teletransporte são mais co- tem-se uma réplica exata do fóton A, mas
muns com esta partícula de energia. este fóton nunca mais existirá da forma
A primeira experiência bem-sucedida como existia antes.
de teletransporte, realizada em 1997 pelo Dito isso, o teletransporte não é um
austríaco Anton Zeilinger e pelo italiano simples transporte de partículas, mas de
Francesco de Martini, baseia-se na réplica informação quântica. A informação se
do spin de um fóton. Para isso, foram cria- materializa em outros átomos, ou seja,
das duas partículas a partir de um mesmo após o teletransporte o que passa a existir
fóton chocado contra um cristal e posicio- é uma cópia do corpo original. Em outras
nadas em pontos bem distantes. Segundo palavras, no caso de Jornada nas Estrelas,
a Física Quântica e conforme exposto por quando o Capitão Kirk se teletransporta
Marega, as partículas não têm nenhuma para outros planetas, é como se o transpor-
propriedade até que sejam medidas, ou ter fizesse uma análise de sua estrutura atô-
seja, para nós é como se os fótons só come- mica e a enviasse para o local de destino,
çassem a girar quando o cientista percebe onde uma réplica dele é criada e o original

A física a serviço da sociedade | 81


Explorando os fundamentos da Física

é destruído. O pesquisador norte-america- receber informação, em forma de luz,


no Charles H. Bennett afirma que o gran- sem nenhuma interferência material entre
de desafio do teletransporte, da maneira elas, para transformar o que houvesse no
como imaginamos, é a forma apropriada local da antena receptora naquela mes-
de lidar com a delicadeza e a complexidade ma coisa que houvesse no local da antena
das partículas que formam os átomos sem emissora. O problema é que a quantidade
interferência alguma, ou seja, é como im- de informação numa pessoa, convertida,
primir a informação em átomos de maneira por exemplo, em gigabytes, é incalculável.
idêntica ao original. A única maneira para Além disso, ainda não foi descoberta uma
lidar com este problema, segundo o físico, é forma de transformar energia em matéria.
estabelecer uma comunicação instantânea A resposta para isso, segundo Marega, está
entre as partículas, mesmo sem nenhuma intimamente relacionada com a existência
ligação entre elas, como uma energia ele- do bóson de Higgs, a famosa partícula de
tromagnética que comunique a segunda Deus, que ainda não foi encontrada mas
partícula sobre o comportamento da pri- tem grande potencial de representar o elo
meira, construindo um sistema. E isto é perdido entre energia e matéria.
possível através do fenômeno de entrelaça- Para viabilizar o teletransporte, a ma-
mento, que permitiria a criação de partícu- téria precisa ser desintegrada, de alguma
las com propriedades idênticas a qualquer forma, para se transformar em energia. O
distância. O inglês Samuel Braunstein, da pesquisador dá o exemplo de uma reação
Universidade de York, provou a teoria no nuclear, em que o urânio, que tem uma ra-
final da década de 1990, teletransportando dioatividade natural e núcleo instável, se de-
um feixe de raio laser em laboratório, uti- sintegra quase totalmente, ou seja, quebra
lizando a teoria criada por Bennett. Mas, suas ligações nucleares e libera nêutrons.
segundo Marega, os elementos luminosos O interessante é que a massa que resulta
são muito menos complexos que um átomo desse processo é menor do que a massa do
e a quantidade de informações contidas em urânio original, porque a diferença é justa-
um ser humano é muito maior: Essa quan- mente energia, que estava armazenada nas
tidade é imensurável e é difícil saber quando ligações nucleares: É esta energia que unia
a ciência poderá lidar com tudo isso, afirma o núcleo do urânio, esclarece o professor:
o pesquisador do IFSC. Mas transformar nêutron em fóton é uma
tarefa nunca antes realizada.
Novamente a partícula de Deus Na busca pelas partículas mais ele-
mentares do Universo, constatou-se,
Teletransporte é possível, via luz, mas em séculos de investigação, que grandes
tem uma série de empecilhos. Basica- quantidades de energia as mantêm uni-
mente, seriam necessárias duas antenas das. Em algum ponto, resta apenas maté-
quânticas, uma para enviar e uma para ria; e é aqui que reside o grande interesse

82 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

em descobrir a partícula de Deus. Esta é este campo: Quanto mais perto chegamos
a intenção nos grandes aceleradores de da desintegração total das partículas que
partículas do mundo: chocar as partículas conhecemos, mais perto chegamos a des-
e desintegrá-las até que reste apenas um cobrir como a energia é transformada em
elemento, responsável pela existência de massa e vice-versa, e podemos ficar mais
todos os outros. A partícula comprovaria próximos de entender como tiveram origem
a existência do campo de Higgs, uma ener- todas as coisas do Universo, explica ele.
gia que preenche o vácuo do Universo e Com estas reflexões, fica fácil não fi-
que pode ser responsável por dar massa às car desapontado com a distância entre
partículas subatômicas. Crê-se que, após o realidade e ficção. O teletransporte pode
Big Bang, nenhuma partícula teria massa ser o ápice do desenvolvimento tecnológi-
a não ser que entrasse em contato com o co com o qual a humanidade sonha, mas
campo de Higgs. Exceto pelos fótons, que avanços científicos e benefícios práticos
não têm massa, todas as partículas que podem ser gerados a partir da pesquisa e
formam a matéria têm íntima relação com discussão sobre o tema.

Dois fótons de alta energia (representados pelas torres vermelhas) colidem e


produzem um grande número de partículas, cujas trajetórias estão representadas
em amarelo. A imagem é do CERN (European Organization for Nuclear Research),
responsável pelo LHC (Grande Colisor de Hádrons)

A física a serviço da sociedade | 83


Explorando os fundamentos da Física

Aprendizagem não- formal: uma mais valia


para a educação
30 de Março de 2012

São atividades complementares exercidas


de maneira diferente de como é mostrado
em sala de aula, explica a docente do IFSC,
Cibelle Celestino Silva.
Um dos principais objetivos do ensino
não formal é despertar o interesse do alu-
no. Isso geralmente é atingido, o que pode
ser comprovado por pesquisas desenvol-
vidas pela própria Cibelle que há quatro

E nsino e educação têm associação di-


reta com escolas e salas de aula, no
chamado espaço formal de ensino para os
anos tem se dedicado ao assunto: Nesses
espaços, existe compromisso com o apren-
dizado, mas não no formato que estamos
educadores. Paralelamente, existem tam- acostumados, afirma.
bém os designados espaços não formais de Como atividades experimentais são
ensino fora das salas de aula, estabelecidos escassas nas salas de aula de ciências e de
em locais diversos, como centros de ciên- física, o ensino nos espaços não formais
cia ou museus. atende dois objetivos: complementação
Em São Carlos, alguns locais servem do aprendizado e o despertar do interesse.
de sede desses espaços, incluindo-se o Cibelle cita alguns referenciais teóricos bri-
Centro de Divulgação Científica e Cultural tânicos para justificar o ensino em espaços
(CDCC/USP), o Observatório Prof. Die- não formais. Nessas teorias, o ensino em
trich Schiel (ambos pertencentes à USP), espaços não formais passa por três contex-
aterros sanitários, estações de tratamento tos e um deles é o sociocultural, segundo
de água e esgoto, entre outros. Levar estu- o qual o que é ensinado aos alunos será
dantes até esses locais pode- e deve- servir absorvido de acordo com sua bagagem
de estímulo ao aprendizado: A tudo isso cultural e experiência familiar: No espaço
chamamos de ‘aprendizagem não formal’, não formal, a individualidade é respeitada
onde o aprendizado acontece, mas não é de outra forma, explica a docente.
algo que será usado para medir o conhe- Cibelle trabalha com projetos dire-
cimento dos alunos através de provas ou cionados a essa linha de pesquisa, como
atividades previstas no currículo escolar. o desenvolvido no Observatório Prof.

84 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Dietrich Schiel, com auxílio do estudante ensino e aprendizagem, focando em con-


Pedro Donizete Colombo Júnior. Criou-se teúdos de física moderna (física atômica,
um questionário que foi respondido pelos radiação de corpo negro, espectroscopia
alunos e professores que visitaram o local. etc.): Os professores não têm conhecimen-
Os questionários, aplicados a dezenas de to sobre esse conteúdo. Queremos que pos-
turmas do ensino fundamental (cada uma sam trabalhar parte do conteúdo em sala
com uma média de 30 alunos), continham de aula e parte no Observatório, explica
tanto questões de aspecto social, como Cibelle. Portanto, a otimização do uso da
aquelas voltadas à visita propriamente dita: Sala Solar é um ponto importante e a par-
Os alunos respondiam questionários antes e ceria com as escolas públicas, essencial.
depois das visitas, um mês depois, mais ou As vantagens do novo programa es-
menos. A intenção era saber o que tinha tendem-se por diversos caminhos: para
sido aprendido não só sobre o conteúdo, mas os professores do ensino médio existem
também impressões, conta Cibelle. Um dos mais e melhores oportunidades de com-
resultados positivos foi ver que não somente preender os conteúdos que lhes cabem e
os estudantes tinham vontade de voltar, mas passá-los corretamente aos alunos. Para os
também de trazer os pais em uma próxima alunos, a vantagem é terem um aprendi-
oportunidade. zado mais aprofundado e divertido. Para
O projeto mais recente da professora os idealizadores do projeto, uma resposta
visa a aprimorar o uso da Sala Solar, mon- para sua pesquisa e para a sociedade, me-
tada no Observatório Prof. Dietrich Schiel lhores profissionais no futuro.
pela equipe do observatório com a colabo- Os desafios são imensos. O psicana-
ração de um de seus orientandos. A sala, lista e educador, Rubem Alves, concebeu
visitada por diversas turmas de escolas de uma teoria: Suponha que uma cebola corta-
ensino médio, abriga um heliostato*, um da é um modelo do mundo. Bem no centro,
telescópio e um espectroscópio**. Na sala lá onde o primeiro anel é tão pequeno que
ocorre a projeção do sol em uma tela com não chegou a ser anel, ponha uma criança.
1 metro de diâmetro e também a obser- Imagine que os anéis são os mundos que ela
vação do espectro solar: O projeto atual é precisa conhecer para viver. Mas não é pos-
trabalhar com os professores do ensino mé- sível comer o que está longe. Não é possível
dio, sendo cinco de física e dois de química. pular anéis. Só se pode comer o quarto anel
Queremos desenvolver atividades possíveis depois que se comeu o primeiro, o segundo e
de ser usadas por eles, de uma forma mais o terceiro anéis, descreve o educador.
efetiva, complementando o ensino em sala Essa analogia, sem termos técnicos ou
de aula, comenta a docente. expressões acadêmicas, tenta explicar a te-
No projeto, a professora pretende, inclu- oria dos obstáculos epistemológicos, redigi-
sive, oferecer bolsas aos professores partici- da pelo filósofo francês, Gaston Bachelard,
pantes. A ideia é desenvolver sequências de que busca explicações para as dificuldades

A física a serviço da sociedade | 85


Explorando os fundamentos da Física

do aprendizado: As crianças pequenas ten- Como a maior tarefa da escola é trazer


dem a pensar de uma forma anímica, ou o conhecimento científico aos seus alunos,
seja, ‘atribuindo alma às coisas’. Elas atri- as atividades em espaços não formais de
buem a atração de uma fruta para o chão ensino mostram-se como alternativa inte-
da Terra pelo fato de a fruta ‘gostar’ da Ter- ligente, didática e mais prazerosa.
ra. Esse é um exemplo de obstáculo episte-
mológico que deve ser vencido, pois está em A “Sala Solar”, localizada no
desacordo com o conhecimento científico. Observatório “Prof. Dietrich Schiel”,
Em suas pesquisas desenvolvidas no oferece um espaço não formal de
ensino, onde professores e alunos
CDCC, ao aplicar os questionários aos
interagem através de algumas
alunos, Cibelle notou diversas respostas “atrações” montadas no local.
carregadas de obstáculos epistemológicos: A sala abre à visitação todo último
Os professores tendem a ignorar esses obs- domingo do mês, das 10 às 12 horas,
táculos e os pensamentos anímicos. Para os para toda comunidade são-carlense.
alunos que pensam dessa forma, tal expli- Para mais informações,
acesse www.cdcc.usp.br/cda/
cação tem sentido e mudá-la é que não tem.
Então, são esses os vários desafios que se
sobrepõem ao ensino de ciências, comenta
a docente.

86 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Ficção vs Realidade: As fendas no Universo e


as possibilidades da viagem no tempo
09 de Abril de 2012

A s teorias de Einstein abrem espaço


para a hipótese de grandes fendas
no espaço-tempo e o uso desta geometria
circunstâncias físicas bem diferentes. Para
Einstein, se dois indivíduos se movem di-
ferentemente, eles experimentam também
para viagens super-rápidas no Univer- tempos diferentes.
so - e também no tempo. Este tópico tem Acontece que este continuum pode ter
ganhado espaço em ficção científica, mas algumas singularidades, alguns defeitos,
também no meio acadêmico. Apesar de a comenta o professor Luiz Vitor de Sou-
existência de túneis transitáveis no espa- za, pesquisador do IFSC, especialista em
ço-tempo ainda não ter sido comprovada, Física de Astropartículas: Imagine que a
não há nenhum princípio físico que consi- sala da sua casa, como a vemos, com três
ga descartar a ideia totalmente. dimensões, está com uma trinca, ele expli-
A teoria tem origem na descrição do ca: O mesmo pode ser descrito em quatro
espaço e do tempo proposta pela Física, dimensões.
que propõe três dimensões comuns que A matemática pode mesmo ser bem
podem ser representadas por largura, al- semelhante em ambos os casos. É exata-
tura e profundidade, mas com um dife- mente nesta trinca que as coisas começam
rencial fundamental: o tempo seria uma a ficar interessantes, por envolverem a
quarta dimensão. noção de tempo. Uma das formas mais co-
Para os físicos, as dimensões espa- nhecidas de trincas no continuum espaço-
ciais e temporal estão conectadas. Este é -tempo é o buraco negro. Em um destes,
o chamado continuum espaço-tempo, uma o espaço-tempo se dobra ao redor dele
teoria matemática que engloba o Univer- mesmo. Isso significa que a gravidade ali
so como um todo. Esta teoria foi proposta é tão intensa que ocorre a máxima distor-
pelo físico alemão Albert Einstein, através ção de tempo conhecida no Universo: nas
dos postulados da Teoria da Relatividade. proximidades de um buraco negro, o tem-
Nesse trabalho, Einstein explica a dinâ- po parece estar parado em relação à Terra.
mica que rege este continuum, ou seja, as Se um astronauta se atrevesse a chegar ali
forças e os mecanismos de movimento por perto, ele poderia enxergar toda a eterni-
trás destas quatro dimensões. Antes disso, dade em um curto período de tempo e dar
considerava-se que o tempo era absoluto um salto imenso ao futuro – se é que vol-
e universal, igual para todos, mesmo em taria inteiro.

A física a serviço da sociedade | 87


Explorando os fundamentos da Física

Diferentemente dos buracos negros,


não há ainda uma busca específica para
descobrir buracos de minhoca. É difícil
até mesmo fazer uma previsão, pois não se
sabe exatamente o que deveria ser visto no
Universo, no caso de uma dessas fendas.
Um buraco negro é localizável através do
movimento intenso de partículas e estrelas
ao redor de um ponto vazio, que não emite
luz, mas no caso de um buraco de minho-
ca o que veríamos? Seria como um buraco
negro, mas existe outra coisa do outro lado,
Diagrama geométrico de um buraco de para onde a matéria está indo; então, talvez
minhoca não enxergássemos nenhuma anormalida-
de, comenta Luiz Vitor.
Outra singularidade possível da te- Apesar desta diferença, os fenômenos
oria matemática é o chamado buraco de que levam à formação de todas as fen-
minhoca (wormhole, em inglês). Tendo das neste continuum são muito similares.
como parâmetro as três dimensões que Basicamente, trata-se de uma grande
enxergamos, esta fenda seria uma espécie concentração de massa que geraria uma
de funil – um buraco em um espaço tri- força gravitacional tão intensa que dobra-
dimensional que leva a matéria através de ria o espaço-tempo: A única forma que co-
um túnel para outro espaço do outro lado: nhecemos capaz de curvar o espaço-tempo é
O buraco de minhoca é isso, mas em quatro a gravidade, aponta o pesquisador. A não
dimensões, o que significa que é um bura- ser nos primórdios do Universo, durante o
co no espaço e no tempo também, explica o processo de expansão acelerada que sofreu,
pesquisador do IFSC. Este buraco poderia a partir do Big Bang. Pense em um elástico,
servir como atalho para viagens super-rá- que se estica muito rápido: criam-se ranhu-
pidas a locais distantes do Universo. ras, estrias, no material. Esta é também uma
No entanto, Luiz Vitor enfatiza que o explicação para o que os teóricos chamam
buraco de minhoca é um defeito de teor de defeitos topológicos no continuum espaço-
teórico, ou seja, é mera especulação: Não -tempo. O buraco de minhoca é apenas um
existe um experimento, uma medida. É destes defeitos: O Universo está - ou pode
apenas possível dentro da teoria da relativi- estar - repleto destes pontos descontínuos, re-
dade geral que o continuum espaço-tempo vela ele. Aliás, há teorias propondo que bu-
se dobre, mas o buraco de minhoca é ape- racos de minhoca subatômicos e naturais se
nas uma solução inusitada para as equa- formem em torno do Universo, desapare-
ções matemáticas de Einstein, esclarece o cendo muito rápido.
professor.

88 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Matéria exótica seria necessário utilizar as duas teorias si-


multaneamente e ninguém conhece essa
A matéria exótica recebe este nome Física, lamenta ele. Contudo, é possível
por ser muito pouco conhecida pelos es- traçar estimativas, mas os cientistas ad-
pecialistas. A forma atual mais famosa de mitem suas limitações em um caso em
matéria exótica é a matéria escura, que que a concentração de partículas é muito
instiga os cientistas por não emitir luz. grande e a massa é muito alta. Além dis-
Trata-se de uma força misteriosa que age so, estima-se que, para serem transponí-
na gravidade, unindo as galáxias. Segun- veis, os buracos negros exijam um tipo de
do Luiz Vitor, a matéria escura é um tipo matéria que possua densidade de energia
de gravidade que, dependendo de sua dis- negativa, o que mais uma vez não passa
tribuição, poderia causar tais dobras no de mera conjectura teórica: não se pode
continuum espaço-tempo: É algo possível, provar nem refutar a existência deste tipo
mas não detectado pela teoria, pois é uma de matéria.
massa com características muito particu- Como resultado de equações, pode-se
lares: suas partículas não se comportam inferir que a viagem no tempo seria pos-
como as partículas que temos aqui perto sível, sim: O buraco de minhoca não seria
da Terra, explica o pesquisador. apenas uma viagem no espaço: seria, de
Para antecipar perguntas clássicas fato, uma viagem no tempo. Mas enquanto
que surgem da hipótese de um buraco não houver medidas, experimentos e obser-
de minhoca, como qual seria o com- vações, tudo não passa de especulação, con-
portamento de astropartículas no inte- ta: Por isso, a pesquisa do tema é tão inte-
rior dessa fenda ou como seria possível ressante. Quando estudamos a fronteira do
ultrapassar a velocidade da luz sem se conhecimento geramos avanço, completa.
transformar em pura energia ou, mais Todas essas soluções matemáticas,
instigante ainda: a viagem no tempo é que abrem espaço para a hipótese de
possível? Luiz Vitor adianta que a Física fendas na relação espaço-tempo no Uni-
atual não está preparada para responder verso, têm ganhado notoriedade pela al-
a essas questões com firmeza. mejada possibilidade de viajar no tempo.
Ele explica que para estudar coi- Se comprovado, o buraco de minhoca
sas de massa muito grande no Universo poderia ser reproduzido e utilizado para
aplica-se a Teoria da Relatividade Geral esta finalidade. Os cientistas que se em-
e para estudar coisas de massa muito penham neste tipo de pesquisa têm me-
densa aplicam-se princípios de Mecâni- nos esse objetivo em mente e mais a am-
ca Quântica. E estas duas áreas não estão bição de explorar e resolver a geometria
unificadas: Para prever o que aconteceria do Universo. Menos apegados ao teor tec-
com objetos dentro de uma dessas falhas do nológico da investigação, os cientistas po-
espaço-tempo, ou mesmo em sua periferia, deriam aplicar estas soluções matemáticas

A física a serviço da sociedade | 89


Explorando os fundamentos da Física

em outros problemas, como a descrição caminham para a desordem e que essa


de grandes conjuntos de galáxias e estrelas tendência regula a seta do tempo para a
complexas. No entanto, ainda que esteja frente, não há indícios da completa ine-
longe de nossa realidade atual, a ideia está xistência de um mecanismo que possa
também longe de ser descartada. reverter este quadro.
A Física não diz que isso é impossível A preocupação humana com o tempo
e a postura de um físico sempre será ‘se a é um reflexo da intenção de prolongar a
teoria não descarta, vale a pena tentar’. vida, da tentativa insistente de driblar o
Nada que conhecemos impede uma via- fim, mas este é um problema intelectual
gem no tempo, conta ele. Na teoria de muito mais interessante porque nós temos
Einstein de continuum espaço-tempo, não uma percepção muito rígida do tempo e
há exatamente uma diferença entre via- ainda é muito enigmático pensar de outra
jar de São Carlos até São Paulo e viajar forma. Estes problemas são perfeitos para
de hoje para ontem. Mesmo na descrição isso, pois colocam a Física, como conhe-
de um princípio da Termodinâmica, que cemos, em condições extremas, finaliza o
propõe que todas as coisas do Universo pesquisador.

90 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Relógio Atômico: o relógio mais


pontual do mundo
26 de Outubro de 2012

S e todos os relógios do mundo parassem


ao mesmo tempo, como saberíamos
a hora correta? Mesmo nos guiando pelo
(EESC/USP) e um dos responsáveis, junto
com o professor do IFSC, Vanderlei Salva-
dor Bagnato, pelos relógios atômicos ins-
nascer ou pôr do Sol, não teríamos essa in- talados no Instituto: As pesquisas em física
formação 100% precisa. Em uma situação atômica são parte do alicerce para o funcio-
hipotética como essa, a ausência da hora namento desse relógio. Muitas pesquisas em
certa não traria como consequência ape- Metrologia Científica e Legal só podem ser
nas o nosso desnorteamento. O tique-taque realizadas com informações fornecidas pela
constante no mundo mantém satélites em física atômica.
atividade e, por sua vez, possibilitam o Alguns relógios atômicos funcionam
funcionamento de GPS, a Internet sincro- na frequência de micro-ondas, outros em
nizada e medidas de alta resolução em vá- frequência óptica (muito mais elevada),
rios campos da ciência, só para citar alguns por transição atômica. Nem toda transi-
exemplos. ção atômica serve para esse objetivo e por
Os responsáveis por manter o tem- isso é que somente alguns elementos são
po devidamente cronometrado são os viáveis: É o que chamamos de elegibilidade.
conhecidos relógios atômicos, cujo fun- Um fator fundamental é o tempo de vida no
cionamento é regulado por feixes de luz, estado excitado dessa transição; se for muito
geradores de micro-ondas e átomos de curto, a resolução para enxergar a transição
referência. O primeiro relógio atômico foi é muito baixa, explica Varela.
construído nos EUA, em 1945. No Brasil, Entre os tipos de relógios atômicos, o
o funcionamento de relógios de laborató- mais comum é o que funciona com átomos
rio teve início na década de 1990, no IFSC, de césio 133. As transições características
tendo sido construídos três, que continuam do átomo ocorrem em frequências em di-
operando e constantemente aperfeiçoados: ferentes faixas, que incluem luz visível e
No IFSC, esse relógio é consequência ondas de rádio. A identificação dessas fre-
de uma linha de pesquisa em física atômica quências ressonantes é obtida excitando-
desenvolvida no Grupo de Óptica, o que ge- -se átomos de césio com osciladores de
rou conhecimento suficiente para permitir quartzo, como os empregados em relógios
aplicações, explica Daniel Varela, docente comuns, e detectando-se as frequências
da Escola de Engenharia de São Carlos absorvidas. Tais frequências fornecem a

A física a serviço da sociedade | 91


Explorando os fundamentos da Física

referência de tempo, com precisão melhor eficiente: Atualmente, discute-se qual seria o
que bilionésimos de segundo: melhor átomo a ser usado. Mas, pergunta-
No laboratório, chamamos de ‘relógio’ mos: ‘Vale a pena? Será que na hora de fazer
para simplificar, já que na realidade ele é a divisão teremos perdas? Será que consigo
um ‘padrão atômico de frequência’. O re- ‘rodar’ esse sistema ininterruptamente por
lógio é um sistema que contém um padrão vários meses?’ A elegibilidade não leva em
de frequência e um elemento de contagem, conta apenas a medida de alguns minutos,
este último para contar o número de ‘tiques’ diz Daniel.
desse padrão e realmente marcar a hora, O metro é a medida utilizada para a ve-
explica o docente. locidade da luz. Aqui, tem-se uma medida
O objetivo principal do relógio atô- de tempo junto com outra de deslocamento.
mico é criar parâmetros de freqüência Estamos traçando rotas para buscar unida-
cada vez melhores: isso quer dizer que se des cada vez mais bem estabelecidas, base-
buscam formas para medir o tempo com adas numa unidade de referência, no caso a
maior precisão. No caso em questão, uni- do tempo, conta Daniel.
dade de tempo é definida como a frequ- A título de comparação, um relógio
ência associada à energia de transição dos baseado no movimento de rotação da Terra
dois níveis do átomo de césio 133. Embora atrasaria um segundo por ano. Já o relógio
seja o elemento mais popular para o reló- atômico levaria 30 milhões de anos para
gio atômico, nem sempre o césio é o único atrasar um segundo. Isso foi o que pesqui-
utilizado. Estrôncio, cálcio e rubídio, por sadores europeus e americanos descobri-
exemplo, também são usados para realizar ram no ano passado, quando mediram a
as transições. Porém, o césio ainda é o mais precisão do relógio atômico denominado

Relógio atômico do tipo “Chafariz de átomos frios”, também localizado no IFSC.

92 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

CsF2 (chafariz de césio), localizado na Grã- O mundo todo abriga cerca de 400
-Bretanha, que acabou ganhando o título relógios atômicos. Nove deles estão locali-
de mais preciso do mundo. Alguns cui- zados no IFSC: seis comerciais (utilizados
dados precisam ser tomados para que um nos experimentos), um de feixe térmi-
relógio atômico se mantenha em funciona- co de átomos (atualmente com operação
mento. Vibrações mínimas podem causar suspensa), o chafariz de átomos frios e o
danos elevados à sua precisão. (denominado pelos pesquisadores do Ins-
Redes de telecomunicação têm seu tituto) compacto. Este último, em futuro
funcionamento cada vez mais eficiente próximo, será transportável ou móvel: Ele
graças aos relógios atômicos: Se quero que poderá funcionar durante o trajeto, inclu-
a velocidade da Internet em minha casa seja sive. Pode ser colocado em um submarino
de 10 Gb/s, é preciso qualidade no sinal ou avião. É nisso que temos trabalhado ul-
de referência. Se não tiver, a informação timamente, conta o docente.
chega incorreta ou o filtro não deixa essa O chafariz, por outro lado, não pode
informação passar, o que, além de tudo, ser movimentado. Foi construído para
pode tornar a Internet mais lenta. estar fixado em algum lugar. É mais pre-
No final das contas, tudo tem a ver ciso do que o compacto: Com o chafariz,
com uma boa referência. Um avião, ao se podemos chegar a uma resolução quase mil
deslocar, precisa saber as posições exatas vezes melhor do que os relógios comerciais e
nas quais deve navegar. Se um sinal de cinquenta vezes melhor do que o compacto,
satélite chega ao seu GPS com três nanos- compara Daniel. Portanto, o foco do tra-
segundos de atraso, significa erro de um balho desses pesquisadores é juntar a pre-
metro em sua posição. cisão e mobilidade em um único relógio.

A física a serviço da sociedade | 93


Explorando os fundamentos da Física

Plasmônica: uma área óptica em ascensão


11 de Janeiro de 2013

N a pesquisa básica em física, um dos


assuntos do momento é a plasmônica,
área que estuda os efeitos básicos da intera-
fície seja gerada. Do contrário, a experiên-
cia não seria possível, afirma o mestrando.
O objetivo final do experimento é
ção luz-matéria. Os chamados plásmons são analisar a transmissão de luz através des-
a interação da luz emitida sob um metal que, sas superfícies. Isso porque tal experimen-
por sua vez, está depositado sobre um iso- to (já realizado há alguns anos por outros
lante (vidro, plástico etc.). Tal incidência traz estudiosos, mas que utilizaram outros
a condição perfeita para se gerar as ondas de tipos de isolantes e metais) contraria um
superfície*. conceito básico da física clássica. Esta reza
que a luz não pode passar por uma aber-
tura menor do que a de seu comprimento
de onda e o referido experimento provou o
contrário: Existe um conceito chamado ‘li-
mite de difração’ e diz que se a abertura da
fenda*** for menor que o comprimento de
onda da luz, não há passagem de luz. O me-
tal absorve parte da luz, mas se não houver
fenda, 90% serão refletidos, explica Otávio.
Orientado pelo docente do IFSC, Eucly-
Embora o termo plasmônica tenha
des Marega Júnior, o mestrando Otávio
surgido há pouco tempo, experiências en-
de Brito Silva é um dos estudiosos que
volvendo esse tipo de estudo datam da dé-
tenta entender a formação de tais ondas.
cada de 1940. O principal objetivo do tra-
Para testar essa teoria, ele depositou filmes
balho de Otávio foi reproduzir mais uma
metálicos (de espessura da ordem de na-
prova de equívoco da física óptica clássica.
nômetros) de ouro e prata sobre um vidro
e mediu as interações entre a luz e os ma-
teriais em questão: Nos metais há elétrons
livres para conduzir eletricidade, explica.
Para que a geração de plásmons ocor-
resse, foi preciso que os materiais em con-
tato tivessem índices de refração** bem
diferentes uns dos outros: Essa é uma condi-
ção essencial para que uma onda de super-

94 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Este projeto é ambicioso e ainda não


há sensores como os descritos acima. Mas
estudos nessa direção continuam e Otávio
é um dos que permanecerá trabalhando
para aperfeiçoar tal técnica. O ineditismo
de seu trabalho consiste na maneira com
que as fendas metálicas foram feitas: atra-
vés de feixes de íons. No IFSC já existe um
A ilustração representa a transmissão de
Laboratório de Nanofabricação que per-
luz por uma fenda de filme metálico. A luz
mite produzir fendas metálicas por feixes
incide de cima para baixo. Os pontos colori-
de íons.
dos representam artisticamente os plásmons
O trabalho de Otávio consistiu de si-
(ou ondas) de superfície, que contribuem na
mulações computacionais e uma vez que
transmissão de luz pela fenda. (imagem cedi-
sua pergunta central ainda não foi com-
da por Otávio de Brito Silva).
pletamente respondida - como é possível a
passagem de luz numa abertura menor do
Através desse novo conceito, algu-
que seu comprimento de onda -, ele conti-
mas possibilidades são abertas: é possível
nuará seus estudos.
construir-se uma lente óptica com várias
fendas. A luz, passando para o outro lado, _______________
focalizará algum ponto específico. As fen- *interação da luz com os elétrons que fazem
das, por sua vez, podem fazer sensores por parte do metal
meio de tais efeitos de transmissão da luz, **quando a luz passa de um meio para ou-
graças às ondas de superfície - levando-se tro, sua velocidade aumenta ou diminui
em conta, é claro - que todas as condições dependendo da diferença de índice de re-
já mencionadas acima sejam cumpridas. fração.
Um sensor construído através des- *** pequenos orifícios pelos quais a luz pas-
sa técnica poderá detectar substâncias a sará
****intensidade de radiação transmitida,
partir de seu espectro****: Para identificar
absorvida ou refletida em função do com-
uma substância, o perito pode colher uma
primento de onda ou frequência da radia-
amostra e incidir luz sobre ela. Imaginan- ção em questão
do que cada substância possua um espec-
tro único, sua identificação será imediata,
exemplifica o mestrando.

A física a serviço da sociedade | 95


Explorando os fundamentos da Física

Nova estação experimental


21 de Janeiro de 2013

O graduando do curso de Ciências Fí-


sicas e Biomoleculares do IFSC, Caio
Vaz Rímoli, decidiu se dedicar à pesquisa e
para isso procurou pelo docente do IFSC,
Paulo Miranda, que o orientou a trabalhar
em conjunto com o pesquisador do IFSC,
Marcelo Faleiros, enquanto este ainda ela-
borava uma estação experimental de espec-
troscopia ultrarrápida de bombeio-e-prova
(do inglês pump-probe-spectroscopy).
Caio estudou uma nova metodologia
criada pelo pesquisador Alexandre Mar-
letta, durante seu doutorado no IFSC,
em 2001, capaz de produzir polímeros
luminescentes de poli(p-fenileno vinile-
O que ele e os pesquisadores com
no) (PPV) com diferentes comprimentos
os quais trabalha estão tentando fazer é
médios de conjugação*: Quanto mais con-
definir caminhos lógicos e previsíveis por
jugado o polímero, menor o bandgap** e,
onde os elétrons possam se mover de uma
consequentemente, maior seu caráter con-
camada para outra, através da técnica de
dutor. Se fizermos vários filmes sobrepostos
espectroscopia ultrarrápida de bombeio-
em que cada um tem um comprimento de
-e-prova (metodologia criada por Falei-
conjugação diferente, criamos uma escada
ros). Dessa forma, eles são capazes de
energética, explica o aluno.
identificar a velocidade de transferência
Quando um material qualquer é ex-
de energia entre as camadas de diferentes
citado por um curto momento, como por
polímeros semicondutores sobrepostos.
incidência de luz, os elétrons que antes es-
Caio faz uma analogia: quando a luz
tavam distribuídos nos níveis mais baixos
do Sol incide sobre as plantas, em suas
de energia passam a popular os níveis mais
folhas há um mecanismo realizado pelas
altos. Como a excitação não é mantida, os
clorofilas antena, pelo qual estas transpor-
elétrons tendem a voltar aos níveis mais
tam energia gerada pelos fótons (partículas
baixos e seguem geralmente por caminhos
de luz) nelas incidentes diretamente para
aleatórios, elucida Caio.
as chamadas clorofilas de centro de reação
fotossintética, possibilitando a realização da

96 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

fotossíntese com alta eficiência. Caio ten- prêmio de melhor apresentação de pôster
ta fazer algo parecido: tornar possível essa na II Conferência USP de Nanotecnologia,
mesma lógica do polímero semicondutor outorgado pela prestigiosa American Che-
criado por Marletta, trazendo um caminhar mical Society. O prêmio destaca sua partici-
dos elétrons nas camadas de valência do re- pação na montagem da estação experimen-
ferido material mais previsível e definido: tal criada por Marcelo Faleiros e o fato de
Estamos verificando se esse material é capaz a estação poder ser usada por outros pes-
de canalizar energia de maneira não tão ale- quisadores.
atória. Conseguindo controlar essa guia de Ele afirma que dará continuidade à pes-
energia, você pode tornar um material mais quisa na pós-graduação planejada para co-
eficiente e construir novos dispositivos, con- meçar num futuro próximo, esperando re-
ta o estudante: Se a natureza evoluiu de tal sultados ainda mais promissores: Pretendo
forma a selecionar organismos que têm esse aprender mais sobre técnicas ópticas, sobre-
tipo de mecanismo fotofísico, provavelmente tudo aquelas que permitem um estudo mais
ele deve fazer a diferença, opina. detalhado de interfaces. Ainda dá para
Quando esse objetivo for alcançado e aproveitar muito do que aprendi na minha
se o conceito de guia de energia se mos- iniciação científica e há vários fenômenos
trar mais eficiente, essa metodologia (ou interessantes com aplicação industrial que
outras análogas, baseadas nela) poderá ser tenho interesse em estudar, conclui Caio.
usada para criar novos dispositivos optoe-
_______________
letrônicos. Assim, possivelmente o mundo
Imagem 1: Estação de espectroscopia ultrar-
digital (TVs, celulares, sensores ópticos,
rápida de bombeio-e-prova
câmeras digitais, vídeo games, tablets etc.)
Imagem 2: Ilustração dos bandgaps dos na-
poderá usufruir dessa tecnologia. nofilmes de PPV sintetizados por Caio
Graças aos resultados de sua pesquisa, *ligações simples-duplas consecutivas
no final do ano passado Caio foi contem- **quantidade de energia necessária para a
plado com uma menção honrosa e com um transição eletrônica

A física a serviço da sociedade | 97


Explorando os fundamentos da Física

Relatividade e força de Lorentz:


Incompatibilidade impossível
28 de Fevereiro de 2013

E m maio de 2012, o engenheiro elé-


trico americano Masud Mansuripur
fez uma afirmação audaciosa: disse que a
afirmando que Masud tinha feito uma pro-
posição incorreta, relembra Vanzella.
Só agora - quase um ano depois - a
Força de Lorentz* é incompatível com a PRL publicou em sua página na internet
relatividade de Albert Einstein. Esta pro- um dos quatro comments contestatórios,
vocação de Mansuripur foi publicada na sendo um deles o de Vanzella: Em 8 de ja-
prestigiosa revista Physical Review Letters neiro deste ano, a PRL aceitou o meu com-
(PRL),e foi destaque na Science News**: O ment e dias depois outros três, que refuta-
eletromagnetismo, dentro do qual a Força vam o artigo de Mansuripur. Essa demora
de Lorentz está inserida, deu origem à rela- se deveu ao fato de que antes de aceitar as
tividade; portanto, essa afirmação foi vista contestações, o artigo passou por outros três
com espanto pelos estudiosos da área, conta assessores da revista que, finalmente, con-
o docente de Física Teórica do IFSC, Da- venceram os editores de que a publicação de
niel A. Turolla Vanzella. Masud estava incorreta.
Além da informação incorreta sobre a
relação entre Força de Lorentz e a relativi-
dade, Masud propõe uma nova lei de força,
que acredita ter vantagens sobre a Força de
Lorentz. Vanzella, embora discorde, afirma
que, se correta, a proposição de Masud se-
ria surpreendente. Até o momento, não há
provas- nem mesmo por parte de Masud- de
que essa nova lei funcione.
A publicidade dada pela Science ao as- ________________
sunto chamou a atenção de diversos estu- * lei formulada no século XIX, que indica
diosos da relatividade (inclusive do próprio como uma carga elétrica se comporta num
Vanzella) que, pouco tempo depois, escre- campo elétrico e magnético;
veram alguns comments*** contestando a **site de notícias da famosa revista científica
afirmação de Mansuripur, provando seu Science;
equívoco: Além do meu comment enviado à *** os artigos científicos enviados às revistas
têm, mais ou menos, quatro páginas. Os com-
PRL e mencionado na Science, outros foram
ments podem ter, no máximo, uma página.
escritos por pesquisadores de diversos países,

98 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Como nosso cérebro aprende a “falar”?


13 de Maio de 2013

A inda no século XIX, Charles Sanders


Pierce apresentou oficialmente ao
mundo a semiótica, palavra usada para
Uma das correntes filosóficas que ser-
ve como base à pesquisa de Fontanari é o
associacionismo, sugerida por John Locke,
definir a ciência dos signos e utilizada para que atribui exclusivamente ao ambiente a
explicar sistemas de significação, ou como constituição de características humanas,
fazemos a associação entre forma (signi- privilegiando a experiência como fonte do
ficante) e conteúdo (significado) daquilo conhecimento e de formação de hábitos de
que nos cerca. Embora tenha dado corpo comportamento: Por exemplo, se uma pessoa
ao conceito, Pierce não foi o primeiro a ouve a palavra ‹banana› em várias situações
propô-lo, pois foi antecedido por Henry nas quais há um objeto comestível, amarelo e
Stubbes, que em 1670 tentou aplicá-lo à em formato de bumerangue, a associação de
medicina, e por John Locke, que o estudou ‹banana› a esse objeto será feita pelo cérebro
na obra Ensaio acerca do entendimento hu- quase imediatamente, exemplifica Fontanari.
mano, em 1690. Uma das interrogações para pesquisa-
Da mesma forma que não faltaram dores dessa temática é de como a palavra é
antecessores a Pierce, até hoje estudiosos corretamente associada a um objeto espe-
tentam desvendar como o cérebro associa cífico, para os casos em que há diferentes
informações referentes aos fenômenos contextos onde a palavra (como banana
culturais e, inclusive, ao nosso próprio vo- mencionada acima) pode aparecer.
cabulário. Exemplo é a pesquisa desenvol-
vida pelo docente do IFSC, José Fernando Poder da mente versus
Fontanari, que, através de modelagem ma- poder da máquina
temática, estuda os processos pelos quais
nosso cérebro faz a aquisição de vocabulá- A pesquisa de Fontanari consiste na
rio, ou seja, como uma criança ou um adul- modelação matemática desses eventos e,
to associa objetos às palavras que lhes dão em particular, de uma série de experimen-
nome: Muitas palavras de nosso vocabulário tos realizados no Departamento de Psico-
são adquiridas de maneira supervisionada, logia e Ciência do Cérebro da Universida-
mas grande parte não. Nossos pais não nos de de Indiana (EUA), com a participação
ensinaram as palavras - a maior parte de- de voluntários adultos.
las aprendemos simplesmente observando
a maneira como as pessoas se comunicam,
explica o docente.

A física a serviço da sociedade | 99


Explorando os fundamentos da Física

seguiremos ter a noção de que um tem cinco


Diversas imagens incomuns (tridimen- bolinhas menos do que o outro. Já o algorit-
cionais ou não) são exibidas numa tela mo que funciona matematicamente saberá
de computador e são inventadas pala- fazer essa distinção com precisão, indepen-
vras familiares à fonética inglesa para dentemente da quantidade de bolinhas, no
nomeá-las. Voluntários adultos são con- caso, coocorrências de palavras e objetos que
vidados a tentar ligar os nomes aos obje- lhe forem apresentados, explica Fontanari.
tos que, diversas vezes são exibidos.
Para cada objeto existe um nome as-
sociado e diversas telas são mostradas, Quando uma criança é exposta a um ob-
contendo quatro objetos em cada uma jeto familiar, cujo nome ela já conhece,
delas. Depois disso, os voluntários pre- e a um objeto estranho, cujo nome lhe
cisam ligar o objeto ao nome. é desconhecido, ela provavelmente irá
associar a este último objeto qualquer
palavra nova pronunciada por um adul-
Tendo como base esses experimentos,
to naquele momento. Tal ação é inerente
Fontanari e o pós-doutorando, Paulo Til-
aos humanos (e a alguns animais), mas
les, propuseram um algoritmo* que apren-
também pode pregar peças. Imagine que
de as associações entre palavras e objetos
você está instalado numa aldeia indígena
de forma parecida com o cérebro huma-
tupiniquim e vai fazer uma caminhada
no. A proposta desse algoritmo, publica-
pela mata com uma tribo indígena. De
da num artigo no Journal of Mathema-
repente, uma onça cruza seu caminho e
tical Psychology, em novembro passado,
um dos índios lhe profere a seguinte pa-
representa a essência do associacionismo:
lavra: “caapuã”.
Comparamos o desempenho desse algorit-
De imediato, é provável que associásse-
mo com o desempenho dos adultos nos ex-
mos tal palavra à “onça”, o que seria um
perimentos do pessoal de Indiana e foi algo
grande equívoco, pois “caapuã” em tupi-
incrível, pois o algoritmo mostrou-se dez ve-
niquim significa “aquele ou aquilo que
zes mais eficiente e preciso do que o cérebro
mora no mato”.
humano, conta o pesquisador.
Tal problemática foi lançada pelo filóso-
Para que o algoritmo proposto tivesse
fo Willard Van Orman Quine, na obra
seu desempenho equiparado ao do cére-
Palavra e Objeto, lançada em 1960, que
bro humano, foram introduzidas duas al-
introduziu a célebre palavra “Gavagai”
terações: uma limitação à sua memória e
no vocabulário da filosofia.
menos precisão na contagem de grandes
quantidades: Nós, humanos, não somos ca-
pazes de distinguir quantidades com preci-
são infinita. Se olharmos um frasco com 100
bolinhas e outro com 95 bolinhas, não con-

100 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Esse algoritmo foi proposto com im- no algoritmo. Antes de se criar uma me-
portantes propósitos. No que se refere todologia capaz de ensinar robôs a asso-
à pesquisa básica, será uma maneira de ciar imagens e palavras, outros desafios se
elucidar mecanismos utilizados pelos hu- colocam, uma vez que diversas caracterís-
manos para aprender o vocabulário e se ticas desse aprendizado são inerentes aos
comunicar. Cria-se, simultaneamente, humanos e em alguns casos sem explica-
uma metodologia capaz de ensinar o uso ção lógica: Como sabemos o que é um obje-
da linguagem para robôs: Simplesmente to? Como damos nomes a um objeto geral e
observando o mundo, um robô será capaz nomes diferentes a seus componentes? Ensi-
de fazer associações objeto-palavra e muito nar essas diferenciações a um robô é mate-
mais rapidamente do que um ser humano, maticamente impossível, pois abre-se uma
afirma o docente. infinidade de possibilidades, diz Fontanari.
Embora pareça futurista, já existe uma
____________
pesquisa na Universidade de Plymouth, li-
* Um algoritmo é uma sequência finita de
derada pelo pesquisador e também cola-
instruções bem definidas e não ambíguas,
borador de longa data de Fontanari, An-
cada uma das quais pode ser executada me-
gelo Cangelosi, na qual se procura ensinar
canicamente num período de tempo finito e
um robô-bebê a falar.
com uma quantidade de esforço finita (fon-
A pesquisa de Fontanari ainda precisa
te: Wikipedia)
aperfeiçoar alguns pontos, inclusive intro-
duzir o vínculo da exclusividade mútua

A física a serviço da sociedade | 101


Explorando os fundamentos da Física

Ciências exatas: Uma área decisiva na


conquista de uma profissão de relevo
24 de julho de 2013

D ocentes do IFSC normalmente enfa-


tizam a importância de uma formação
sólida para profissionais de quaisquer áreas
fez mudar sua trajetória: Na verdade, foi gra-
ças a ter reprovado no segundo vestibular e
ter começado a encarar seriamente e entender
e ressaltam que nossos alunos – com boa os conceitos da física, química e biologia que,
formação – podem seguir diferentes carrei- até esse momento, eram muito vagos para
ras. Um exemplo recente de como isso se mim, sem conexões. Depois de ter começado
pode dar foi a aprovação de uma graduan- a entender toda a lógica e correlação entre os
da do IFSC num concurso extremamente temas, pode-se dizer que fiquei apaixonada
competitivo, como se relata a seguir. e meu maior sonho começou a estar voltado
Érica Azzolino Montanha tem 27 para a pesquisa. O que encontrei no curso de
anos, é natural de Araraquara, onde vive Ciências Físicas e Biomoleculares tem tam-
com seus pais. Ao longo de sua infância, bém a ver com meu antigo sonho, que era me-
a jovem alimentou sonhos: aos 12 anos dicina, explica Érica.
queria ser arquiteta e aos 15 ainda pensou
em ser psicóloga. Ao completar 17 anos,
sua decisão foi seguir a carreira de medi-
cina. Érica prestou vestibular duas vezes
seguidas (2003-2004), não sendo bem-
-sucedida principalmente por seu baixo
desempenho em física. Com sua perse-
verança decidiu prestar o vestibular uma
vez mais: para Érica, se o obstáculo para
atingir seu objetivo era a física, então a
saída era encarar a disciplina e... Estudar Já graduada pelo IFSC e mantendo sua
e entender os conceitos! decisão de seguir a pesquisa na academia,
Em 2005, preparada para prestar mais Érica iniciou o Mestrado. Em janeiro  de
um vestibular para medicina, Érica teve co- 2013, uma nova porta se abriu, desta
nhecimento do Curso de Ciências Físicas e vez na área profissional: a Polícia Civil
Biomoleculares no IFSC e, de repente, mu- do Estado de São Paulo abria concur-
dou seu rumo e prestou vestibular para in- so público para perito criminal e Érica
gressar no IFSC. Ela explica o motivo que a inscreveu-se. Foi como se, de repente, eu

102 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

ouvisse um estalar de dedos. Perito crimi- matérias estarem bem presentes na minha
nal: eu poderia fazer pesquisa aplicada e memória e aí, sim, foi muito mais fácil: dos
dedicá-la ao bem comum, ao cidadão. Co- 17 mil inscritos apenas passaram 350 para a
lher evidências, analisar provas, trabalhar fase seguinte. A segunda fase do concurso foi
com DNA e decodificar questões laborato- constituída por provas psicológicas, que para
riais complexas, tendo como finalidade a mim foram fáceis, e a terceira e última fase foi
apuração da verdade: tudo isso me pareceu a prova de resistência física: tive que treinar
intrinsecamente ligado à minha graduação e quase três meses, já que muito raramente faço
ao meu mestrado no IFSC – pesquisar! A pe- esportes, relata Érica, sorrindo.
rícia é para mim uma das aplicações diretas Quase no final deste desafio, Érica está
da ciência em prol da sociedade, comenta a entre os primeiros cinquenta classificados
jovem estudante. do concurso, ou seja, está praticamente
Sem qualquer problema em se con- aprovada para assumir seu cargo de Perita
frontar com cerca de 17 mil candidatos para Criminal, com um salário inicial de cerca
apenas 103 vagas, em janeiro deste ano Éri- de R$ 6.000,00, esperando apenas saber
ca prestou o concurso público e conseguiu para que cidade do Estado de São Paulo
chegar no topo: A primeira fase do concurso ela será destacada. Uma pergunta se co-
foi dividida em duas partes: a primeira foi loca a esta jovem: e o Mestrado ficará no
um teste geral, que incluiu português, lógica, meio do caminho? Terá que interrompê-
informática, direito e criminologia: foi difí- -lo? Nada disso! – responde Érica. Seja em
cil, principalmente no que diz respeito a di- que cidade eu ficar, virei para o IFSC nos
reito e criminologia. A outra parte foi uma finais de semana para fazer meus trabalhos
prova específica, com questões relacionadas à no laboratório e escrever minha tese e para
física, química, matemática e biologia, áreas defendê-la em tempo oportuno. O mestra-
que para mim eram familiares graças às par- do poderá ser um diferencial para a minha
ticularidades do meu curso e ao fato de essas profissão, conclui a jovem.

A física a serviço da sociedade | 103


Explorando os fundamentos da Física

Nova técnica óptica permite sondar uma


única molécula
14 agosto 2013

N as últimas décadas, muito da pesqui-


sa científica se voltou para o sonho
expresso por Richard Feynman*, em 1959,
A medição de uma molécula isolada
tem propiciado observar novos efeitos e
medições diretas de flutuações das pro-
de manipular e controlar a matéria em es- priedades moleculares. Os experimentos
cala atômica e molecular. Atingir o limite abrem novos rumos na espectroscopia
máximo na investigação de moléculas e de molecular, óptica quântica, dinâmica
átomos individuais e, posteriormente, mo- molecular no estado sólido e uma gama
dificar seu comportamento, tem sido não crescente de problemas biofísicos que po-
só um sonho, mas o objetivo principal de dem ser entendidos a partir de observa-
muitos investigadores. ções diretas de uma única molécula.
Com o auxílio de um microscópio
óptico confocal, os pesquisadores têm a
possibilidade de analisar o que acontece
num volume extremamente pequeno, de
aproximadamente 1femtolitro (10-15 litro).
Pode-se detectar, por exemplo, o trânsito
de uma única proteína numa célula viva e,
a partir dessa observação, extrair inúmeras
informações. A técnica permite medir di-
retamente moléculas em meio liquido, com
concentrações da ordem de 10-11 mol/L.
Recentemente, o Prof. Francisco Edu-
ardo Gontijo Guimarães, do IFSC, con-
Já o avanço da microscopia óptica nos seguiu algo importante: aproveitando as
últimos anos permitiu detectar moléculas potencialidades do referido microscópio,
isoladas em ambientes complexos da ma- implementou uma técnica para detec-
téria condensada. A técnica óptica permite tar uma única molécula, medir os fótons
desvendar efeitos únicos encobertos pelas emitidos por ela e, a partir da correlação
médias, quando se mede um número gran- desses fótons, obter propriedades dessa
de de moléculas (maior que 1015 moléculas) mesma molécula.
pela microscopia convencional.

104 | A física a serviço da sociedade


Explorando os fundamentos da Física

Na correlação feita por Francisco feiçoamento que permitirá, na terapia foto-


Guimarães foi possível obter informações dinâmica, inserir drogas cujos alvos sejam
sobre quanto tempo essa molécula perma- células cancerígenas. Ao injetar uma droga
neceu no volume microscópico e, a partir numa determinada célula, através deste
dele, obter sua taxa de difusão e inferir sua novo método consegue-se ver nitidamente
geometria molecular: Estudar as proprie- sua introdução na membrana celular, bem
dades de eventos isolados, como o rastrea- como a forma como a droga se difunde, o
mento e a difusão de biomoléculas (proteí- tempo que ela leva a chegar ao alvo e o ca-
nas e enzimas) na membrana e no interior minho que percorre. Poder dominar a emis-
das células, oferece grandes vantagens sobre são de uma única molécula é fantástico, até
medidas macroscópicas que refletem apenas porque conseguiremos obter informações até
uma média de uma propriedade física. Es- agora “escondidas”, e não uma média de um
tas informações são cruciais quando o sis- conjunto muito vasto de moléculas, como
tema é heterogêneo, como os biológicos e os fazíamos até agora, enfatiza o pesquisador.
poliméricos. Acompanhar, em tempo real, Atualmente, Francisco Guimarães cola-
os fenômenos e processos no nível celular bora com a Profa. Ana Paula Ulian de Arau-
e tecidual é relevante para o entendimento jo e sua aluna Heline Hellen Teixeira Morei-
de processos envolvidos em um diagnóstico, ra no estudo da interação e diferenciação de
por exemplo, relata Guimarães. proteínas em células de mamíferos.
Para o pesquisador, esta é a primeira _______________
vez que se consegue isolar uma única mo- *Renomado físico norte-americano do sécu-
lécula emissora de luz para estudo no IFSC. lo XX, um dos pioneiros da eletrodinâmica
A pesquisa vem sendo feita pelo aluno de quântica e Prêmio Nobel da Física em 1965.
doutorado Fernando Tsutae. O cientista nasceu em Nova Iorque, em 11 de
A técnica utilizada (Espectroscopia de maio de 1918 e faleceu em Los Angeles, no
dia 15 de fevereiro de 1988.
Fluorescência de Correlação) já tem dez
anos, mas este novo método trouxe o aper-

A física a serviço da sociedade | 105


5 M ateriais e Nanotecnologia

A
pesquisa em física nos primeiros anos do campus de
São Carlos e depois no então Instituto de Física e Quí-
mica de São Carlos incluiu, desde o início, estudos de
matéria condensada, o que não era muito comum no Brasil nas
décadas de 1950 e 1960. Em São Carlos, entretanto, criou-se
uma tradição com estudos teóricos em física do estado sólido,
semicondutores, mecânica estatística, além de várias áreas ex-
perimentais. Praticamente todos os tipos de matéria condensa-
da são representados hoje na pesquisa do IFSC. Com a evolução
de tecnologias e possibilidade de estudar e manipular materiais
na escala nanoscópica, no que se tornou a área denominada na-
nociência e nanotecnologia, esses diversos grupos passaram a
contribuir com pesquisas em nanotecnologia. De certa manei-
ra, atualmente as pesquisas no IFSC em materiais e nanotecno-
logia são indistinguíveis, pois análises sofisticadas de materiais
acabam quase sempre por envolver a escala nanoscópica.
Neste capítulo, são apresentadas reportagens sobre pesqui-
sas em materiais e nanotecnologia, também incluindo as apli-
cações em biologia e medicina, com a chamada nanomedicina.
A escolha das reportagens foi, em alguns casos, arbitrária, pois
é difícil distinguir nanotecnologia ou nanomedicina de aplica-
ções em saúde ou dos trabalhos em ciências físicas e molecula-
res, tratados em outros capítulos.

107
Materiais e Nanotecnologia

Filmes nanoestruturados
09 janeiro 2010

O Grupo de Crescimento de Cristais


e Materiais Cerâmicos (CCMC) do
IFSC está desenvolvendo, em colaboração
de gás. Testes preliminares mostraram que
os filmes preparados no IFSC apresentam
as qualidades desejadas para este tipo de
com o Institut Matériaux, Microélectroni- aplicação. Além da participação de alunos
que et Nanosciences de Provence, Marselha, de Pós-Graduação do CCMC, este projeto
França, um projeto para construir filmes conta com a colaboração do Prof. Sérgio C.
nanoestruturados de composição SrTi1- Zílio, do Grupo de Fotônica do IFSC.
-x
FexO3, a serem utilizados como sensores

108 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

FETs para Biossensores


16 março 2010

P esquisadores do IFSC desenvolveram


uma nova plataforma sensorial para
utilização em sensores com arquitetura de
substratos de vidro recoberto com óxido
de estanho e índio (ITO), ou ouro. A nova
plataforma será agora utilizada para imo-
transistores de efeito de campo (FETs). A bilização de enzimas para biossensores.
plataforma, inédita na literatura, modifica
a porta do FET, sendo composta por um O trabalho foi publicado na revista
filme nanoestruturado contendo dendrí- Journal of Physical Chemistry C.
meros e ftalocianinas, imobilizados sobre

A física a serviço da sociedade | 109


Materiais e Nanotecnologia

Projeções multidimensionais para aumentar


a sensibilidade de biossensores
02 de agosto de 2010

O uso de técnicas sofisticadas para tra-


tamento de grandes volumes de da-
dos vem sendo estendido ao trabalho de
ácido fítico, em que o trabalho de otimi-
zação envolveu o uso de projeções multi-
dimensionais para visualizar os dados de
biossensores por pesquisadores do IFSC e impedância elétrica. Na figura, é mostrada
do Instituto de Ciências Matemáticas e de uma possível arquitetura para o biossen-
Computação (ICMC-USP). Num trabalho sor, com a enzima fitase adsorvida num
recente, que contou com a colaboração filme nanoestruturado. O trabalho foi pu-
de pesquisadores da UFSCar-Sorocaba e blicado na revista Anal. Chem., 2010, 82,
de universidades portuguesas, foram fa- 3239–3246
bricados biossensores para detecção de

110 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Filmes ultrafinos de polímeros para fotônica


12 de agosto de 2010

O controle molecular de propriedades


de filmes ultrafinos é essencial para
produzir novos materiais para memó-
pesquisadores do IFSC, da Unifesp-Diade-
ma e da Finlândia. A micrografia da figura
mostra uma imagem de microscopia no ân-
rias ópticas e aplicações em fotônica. Esse gulo de Brewster de um filme de Langmuir
controle requer estudos fundamentais das produzido com azopolímeros e um polí-
interações moleculares, o que vem sendo mero semicondutor, relatada em artigo da
explorado em colaboração científica de J. Coll. Interface Sci. 346 (2010) 87.

A física a serviço da sociedade | 111


Materiais e Nanotecnologia

Revisão sobre quitosana em filmes finos


nanoestruturados tem grande visibilidade
em periódico internacional
22 de setembro de 2010

O artigo de revisão intitulado Chitosan


in Nanostructured Thin Films foi o
artigo mais acessado no último mês pelos
da área de biopolímeros. O review foi es-
crito pelo aluno de doutorado do progra-
ma de Ciência e Engenharia de Materiais
leitores do periódico Biomacromolecules, do IFSC, Felippe J. Pavinatto e por seu
um dos veículos de maior importância orientador Osvaldo Novais de Oliveira Jr.

112 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

(Grupo de Polímeros), juntamente com o biomoléculas e como agente bactericida,


professor Luciano Caseli, da UNIFESP- entre outras.
-Campus Diadema. Nele são descritos e O artigo de revisão, que pode ser acessa-
analisados, crítica e comparativamente, do em http://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/
176 artigos que tratam do emprego da qui- bm1004838, foca principalmente na incor-
tosana em filmes finos nanoestruturados. poração da quitosana em filmes layer-by-
A quitosana é um polissacarídeo derivado -layer (LbL) e Langmuir-Blodgett (LB), e no
da quitina, abundante na natureza, que uso dos filmes como modelos de membra-
possui importantes aplicações biológicas, na celular, sensores e dispositivos de diver-
por exemplo, em terapia gênica, entrega sos tipos.
controlada de fármacos, imobilização de

A física a serviço da sociedade | 113


Materiais e Nanotecnologia

Nanomedicina - Células cardíacas


imobilizadas em nanofibras condutoras
respondem a eletroestimulação
24 de setembro de 2010

Effects of electrostimulation on cell gro-


wth after 72h. SC and F are fibrous sca-
ffold and cast HPLys-PANINTs films, res-
pectively. (PANINTs concentration in the
nanofiber was 1.5% w/w).

P esquisadores da Universidade Fede-


ral de Itajubá e do IFSC desenvol-
veram uma plataforma nanoestruturada
dar no implante de células, após infarto.
A primeira figura mostra uma microgra-
fia das nanofibras. O crescimento celular
contendo nanofibras de polímeros con- é intensificado com eletroestímulo, como
dutores. As plataformas foram usadas mostra a comparação das duas curvas na
para ancorar células cardíacas que se de- figura à direita. Publicação: Giuliani, E. et
senvolveram melhor com a aplicação de al., J. Macromolecular Sci.
eletroestimulação. O trabalho pode aju-

114 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Novos sistemas nanoestruturados para


diagnóstico rápido e barato
da Leishmaniose e Chagas

16 de novembro de 2010

E m trabalho coordenado por pesquisa-


dores do IFSC, em colaboração com
pesquisadores do ICMC, FFCLRP, UNI-
gia está sendo patenteada e pode ser aplica-
da a várias outras doenças infecciosas.

FESP e UNIR, foram desenvolvidos siste- Publicação: Perinotto et al., Analytical


mas para detecção rápida e a baixo custo Chemistry,DOI: 10.1021/ac101920t
da Leishmaniose e Chagas. A nova estraté-

A física a serviço da sociedade | 115


Materiais e Nanotecnologia

Pesquisadores inovam no diagnóstico de


doenças infecciosas
23 de novembro de 2010

A s doenças negligenciadas são um gru-


po de doenças tropicais infecciosas
que assolam populações menos favoreci-
anticorpos que o organismo produz para
combatê-la é muito baixa.
A ação do sensor desenvolvido pelo
das da América Latina, Ásia e África. Entre grupo de brasileiros é detectar estes an-
estas doenças estão as conhecidas Esquis- ticorpos específicos que agem no com-
tossomose, Elefantíase, Hanseníase, Leish- bate da infecção. O professor Valtencir
maniose, Malária e Doença de Chagas. Se- Zucolotto, do IFSC, explicou como o
gundo dados da Organização Mundial da sensor funciona. Ao colocar o circuito
Saúde (OMS), juntas essas doenças causam elétrico em contato com a amostra de
quase um milhão de óbitos por ano. Sendo sangue, aplica-se um sinal elétrico so-
doenças que se alastram em áreas remotas, bre este eletrodo: Dependendo do sinal
notoriamente as mais pobres do mundo, de resposta, ou seja, da corrente que se
tanto medidas preventivas quanto o diag- mede no eletrodo, podemos dizer se os
nóstico e tratamento não são difundidos antígenos imobilizados no eletrodo reagi-
com facilidade. É importante para estas ram com anticorpos anti-leishmania. Se
áreas em desenvolvimento que sejam dis- reagiram, é porque havia anticorpos na
ponibilizados métodos baratos, rápidos e amostra e, portanto, o paciente estava in-
fáceis de aplicar na detecção e no tratamen- fectado, explica ele.
to destas doenças. A simplicidade deste funcionamento
Um grupo de pesquisadores brasilei- se estende à produção do biossensor: são
ros desenvolveu um sensor elétrico sim- proteínas antigênicas da Leishmania ama-
ples que pode inovar no diagnóstico da zonensis, incorporadas a nanoesferas imo-
Leishmaniose, uma doença infecciosa cau- bilizadas sobre circuitos elétricos: Com
sada por um parasita chamado Leishama- isso, o sistema está pronto para detectar
nia amazonensis, muito comum no Brasil. anticorpos de material infectado – sangue,
Cerca de 12 milhões de pessoas no mundo plasma, etc, conta Zucolotto. Com este
sofrem desta enfermidade, que causa le- novo desenvolvimento, o tempo estima-
sões na pele e pode ser fatal. Geralmente, o do de diagnóstico é de 10 a 20 minutos.
diagnóstico da Leishmaniose é difícil, pois O custo também será drasticamente redu-
além de custar caro e resultar frequente- zido, já que os eletrodos descartáveis de-
mente em falsos positivos, a quantidade de vem custar menos de um dólar e o sistema

116 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

de medida, que é reutilizável, deve custar Brasil, na área de nanomedicina. Os siste-


algumas centenas de reais. Isso é incrivel- mas nanoestruturados significam grande
mente barato, já que, segundo Zucolotto, avanço no diagnóstico das chamadas do-
os equipamentos convencionais custam enças negligenciadas e podem ser adap-
cerca de 20 mil reais. Ainda não há uma tados para várias outras doenças, como a
previsão exata de quando este método Doença de Chagas, que também pode ser
estará disponível para uso dos profissio- fatal. Estas adaptações já estão sendo tes-
nais da saúde. Os testes foram realizados tadas no Laboratório de Nanomedicina e
apenas em ratos, mas os pesquisadores já Nanotoxicidade do IFSC (http://www.lnn.
estão planejando os testes em humanos: ifsc.usp.br): Essa realização representa as
Já estamos começando os testes neste mês, vantagens de se usar a nanotecnologia em
afirma Zucolotto. medicina, finaliza Zucolotto.
Este trabalho é pioneiro no mundo
e coroa os esforços de pesquisadores do

A física a serviço da sociedade | 117


Materiais e Nanotecnologia

Nanotecnologia Comestível: Pesquisadores


desenvolvem novo material para
embalagens e revestimento de alimentos
usando nanopartículas
08 de dezembro de 2010

E m trabalho coordenado por pesquisa-


dores do IFSC, em colaboração com a
EMBRAPA/CNPDIA, foram desenvolvi-
ser ingeridos, pois são fabricados na base
de celulose e nanopartículas de polímeros
naturais.
dos novos filmes finos para revestimento  Publicação: Moura, M et al., Journal
de alimentos, no conceito Smart Packing. of Food Science
Os novos revestimentos podem proteger
os alimentos por mais tempo e podem até

Filme fino a base de celulose contendo Nanopartículas de Quitosana.

118 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Com parceria francesa, docente do IFSC


desenvolve pesquisa em nanomateriais
14 de Abril de 2011

N o IFSC, o Grupo de Crescimento


de Cristais e Materiais Cerâmicos
(CCMC), coordenado pelo docente Val-
Por exemplo, a síntese do óxido de
titânio (TiO2) em escala nanométrica
propiciou sua utilização como aditivo em
mor Roberto Mastelaro, faz pesquisas re- produtos cosméticos e farmacêuticos, com
lacionadas à nanotecnologia, sendo que destaque para a aplicação em cremes so-
em parceria com o Instituto de Materiais lares na absorção dos    raios ultravioleta:
Eletrônicos e Nanociências de Provence Mais recentemente, descobriu-se também
(Universidade  Paul Cézanne, Marselha, que o óxido de titânio, dependendo da mor-
França), são produzidos nanomateriais que fologia das nanopartículas, tem suas pro-
podem vir a ser utilizados como sensores priedades evidenciadas e assim é possível
de gás e células solares. utilizá-lo de maneira otimizada, explica
No século XX, eram comuns mate- Valmor: Esse mesmo efeito foi observado
riais produzidos na escala micrométrica no estudo de nanotubos de carbono, o que
(10-6m), mas no novo século, o popular ampliou a aplicação deste material, por
é a escala nano: A nanotecnologia seria a exemplo na área biomédica.
aplicação de materiais com tamanho na or-
dem do nanômetro [10-9m], esclarece Val-
Parceria com a França
mor: Mas os nanomateriais não são novos, O grupo de Valmor produz nanoma-
são apenas materiais antigos que agora são teriais e estuda suas propriedades físicas.
produzidos em escala bem menor. Egípcios Os materiais são enviados ao grupo de
e chineses já utilizavam esses materiais na pesquisa francês, para testes, numa cola-
pintura de vasos. Com o estudo mais apro- boração através de um projeto CAPES-
fundado, foi possível melhorar seu uso gra- -COFECUB, do qual também participam
ças ao desenvolvimento de novas técnicas pesquisadores do Grupo de Fotônica do
de síntese, o que alterou ou evidenciou a IFSC: Juntamos a competência dos dois
propriedade dos nanomateriais. Muitas grupos- brasileiro e francês- e a ideia é que
vezes, só de alterar-se a forma de um mate- fabriquemos os materiais, caracterizemos
rial nanoestruturado, ele pode ter suas pro- suas propriedades básicas, enquanto na
priedades melhoradas. França são feitos os testes desses materiais

A física a serviço da sociedade | 119


Materiais e Nanotecnologia

nos sensores de gás e células solares, conta Os sensores de gás são dispositivos
o docente. utilizados para detectar a quantidade de
O projeto, que completa seu segundo gases em um ambiente. No caso de um
ano, é promissor. Em maio deste ano, Val- vazamento de gases tóxicos, esses senso-
mor levará até a França a primeira amos- res poderiam acusar tal vazão, evitando
tra de nanomateriais produzida por seu acidentes. Nos carros mais modernos já
grupo: Agora poderemos ver os primeiros existe um sensor de oxigênio, conhecido
resultados, porque são materiais novos. Os também por  sonda lambda. O sensor faz
primeiros testes serão feitos para os sensores parte do sistema de controle de emissões e
de gás. envia dados para o computador de geren-
ciamento do motor. O objetivo é ajudar o
motor a funcionar da forma mais eficien-
te e produzir o mínimo de emissões: Esse
tipo de sensor já existe e é comercializado
há anos, mas o que se busca são sensores
mais sensíveis e rápidos, que possam detec-
tar, de uma maneira mais eficiente, a pre-
sença destes gases, explica Valmor: O que
desenvolvemos aqui será comparado com o
que já se tem no mercado, para verificar-
Resultado final do nanomaterial, que bus- mos se nosso material atende às melhores
cará trazer melhor eficiência nos sensores
condições de rapidez e sensibilidade exigi-
de gás.
das, conclui o docente.

120 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Docente do IFSC fala sobre nova tecnologia


que tem revolucionado a medicina
09 de Junho de 2011

O Prof. Valtencir Zucolotto, responsável


pelo Laboratório de Nanomedicina e
Nanotoxicologia (LNN) do IFSC, tem suas
fácil - por tomografia ou ressonância mag-
nética - identificar o tumor. Se esses mate-
riais não estão ao redor do tumor, pode não
principais pesquisas dedicadas à Nanome- haver contraste suficiente em imagens pelas
dicina, termo cunhado para definir a área técnicas tradicionais, explica o docente.
que utiliza métodos microscópicos para Nos Laboratórios da Biofísica do IFSC,
fazer diagnóstico e terapia: Nanomedicina é diversas experiências já foram realizadas
uma área da ciência aplicada, relativamente para testar a eficiência dos nanomateriais.
nova no mundo todo. Nosso foco é utilizar Esses materiais ainda não são comerciali-
nanomateriais, como nanopartículas, nano- zados. A ideia principal é que um dia eles
tubos de carbono etc., na detecção e trata- sejam injetados no corpo humano e o gran-
mento de doenças, define o docente. de desafio é que passem pelas células saudá-
A troponina é uma proteína fabricada veis e pelo sistema imunológico sem serem
somente no coração. Quando há grande notados, atingindo somente as células doen-
risco de infarto, sua produção é elevada. tes, afirma o docente.
Com material doado pelo Incor, Zucolotto
e colaboradores produzem sensores para
Medicina regenerativa
identificação da proteína: Coleta-se perio- Um tópico atual na medicina é a
dicamente o sangue de pacientes que este- terapia celular com uso de células-tronco.
jam internados e faz-se o monitoramento Uma dificuldade dessa terapia é que, ao
dos níveis de troponina; através dessa ava- injetar tais células no corpo, estas se espa-
liação constante é possível saber o risco de lham sem controle para quaisquer partes
o paciente ter infarto e, obviamente, evitar do organismo. Por isso, é necessário criar
que isso ocorra, explica. Os nanomateriais plataformas nas quais as células possam
não são fármacos, embora possam atuar se depositar, que é parte do trabalho que
como tal. São nanopartículas funcionali- o grupo de Zucolotto desenvolve: Essas
zadas com biomoléculas que, uma vez in- plataformas não irão espalhar-se pelo cor-
jetadas no corpo humano, podem se alojar po do paciente. Uma vez depositadas nessa
próximo a locais que contenham tumores. estrutura, as células entrarão somente nos
Depois desse procedimento, fica muito mais locais específicos- e necessários- do corpo

A física a serviço da sociedade | 121


Materiais e Nanotecnologia

humano. Os nanomateriais desenhados outra à hipertensão. Nossa linha de estudo é


pelo grupo de pesquisa são direcionados focada na detecção precoce dessas doenças.
a buscar tumores específicos: O material Um diagnóstico em recém-nascidos pode até
identifica especificamente um tumor do mesmo evitar que ele venha a desenvolvê-
colo do útero, de mama, ou um tumor no -las, explica.
fígado e assim por diante, conta Zucolotto. Dentre as matérias-primas para pro-
A nanotecnologia já está em nosso dução de nanomateriais, o grupo de Zu-
cotidiano, inclusive em protetores solares: colotto se concentra em nanopartículas
O mundo todo já produz nanotecnologia, metálicas, de ouro, prata e platina, nano-
mas em nosso laboratório, além da pro- partículas de polímeros naturais, como
dução, analisamos também a toxidade dos quitosana e poliácido lático, nanotubos de
materiais produzidos, uma preocupação carbono e grafeno, este último uma forma
importante. Há vinte anos, ninguém tinha de carbono.
nanopartículas em seu cotidiano: hoje, esse Merecem destaque as nanopartícu-
cenário já é diferente, explica o docente. las de óxido de ferro, que são superpara-
Zucolotto já realiza esse tipo de pesqui- magnéticas.  De acordo com o docente,
sa há três anos e hoje conta com diversos quando tais partículas se alojam ao redor de
colaboradores, desde estudantes de inicia- um tumor e se aplica um campo externo os-
ção científica até pós-doutorandos: Nosso cilante, essas nanopartículas são aquecidas,
laboratório é um dos pioneiros do país a atu- podendo destruir o tumor: Essa técnica é
ar na área, conta. Em princípio focado no chamada ‘hipertermia’- destruição do tumor
diagnóstico de doenças, o professor pesqui- pela elevação local da temperatura. Poucos
sa uma forma de, por um único caminho, graus Celsius já são suficientes para matar a
identificar moléstias no corpo humano e célula doente. Isso não é novo e em princípio
ao mesmo tempo curá-las: Temos resulta- não tem nada a ver com nanotecnologia. A
dos demonstrando que os nanomateriais são novidade é que esses materiais podem ajudar
mais eficientes para combater câncer de fíga- a concentrar o calor somente na região em
do e do colo do útero, do que alguns antitu- que o tumor está alojado, explica.
morais convencionais que temos no mercado, Estudos in vitro e in vivo são realizados
esclarece. Zucolotto conta com a colabora- pelo docente. O primeiro se faz através do
ção de dois alunos que estudam a detecção contato entre os nanomateriais produzidos
de anomalias no DNA: Há doenças que têm pelo grupo e células tumorais ou células
base genética, ou seja, já compõem o DNA saudáveis retiradas de seres humanos: São
dos pacientes. As principais são diabetes, culturas celulares, ou de células tumorais
câncer e hipertensão. Os alunos trabalham do fígado, mama, colo do útero. Colocamos
também com a produção de genossensores, essas células em contato com os materiais
produzidos com nanopartículas: Uma parte produzidos e estudamos como elas sofrem a
da pesquisa é voltada ao estudo da diabetes, ação dos nanomateriais, explica Zucolotto.

122 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

As ftalocianinas são usadas para detectar a No começo de 2011, a Pró-Reitoria de


quantidade de dopamina - um dos neuro- Pesquisa e Extensão da USP aprovou ver-
transmissores responsáveis pelas variações bas para a criação de Núcleos de Pesquisa
de humor em nosso organismo. É a quan- Avançada em Inovação. Junto a pesquisa-
tidade de dopamina que regula, por exem- dores do Instituto do Coração (InCor) e da
plo, os estados depressivos de uma pessoa Faculdade de Medicina da USP, Zucolotto
doente. No laboratório de Zucolotto são e seus colaboradores tiveram aprovado um
produzidos chips capazes de detectar a projeto intitulado Núcleo para Convergências
quantidade de dopamina. De acordo com das Ciências da Vida, Física e Engenharia
o docente, há quatro anos seu laboratório para Inovação em Diagnósticos e Terapias. A
pesquisa o assunto, tendo já publicado ar- criação do novo núcleo permite a aplicação,
tigos sobre o tema. de maneira mais rápida, dos nanomateriais
Para as experiências in vivo, Zucolotto produzidos no LNN em testes in vivo. Possi-
conta com a colaboração de pesquisado- bilitará, inclusive, a realização de testes clíni-
res da Universidade Federal de São Carlos cos em pacientes, no futuro. Isso abre ótimas
(UFSCar) e da Faculdade de Medicina da perspectivas para que tudo o que vem sendo
USP, campus São Paulo. Em São Paulo, eles feito em laboratório seja finalmente aplicado,
possuem grandes biotérios e fazem experi- comemora o docente.
ências utilizando-se até mesmo de animais
de médio porte, como porcos, conta.

A física a serviço da sociedade | 123


Materiais e Nanotecnologia

Docente do IFSC fala sobre seus estudos e


adverte para os cuidados
com novidades científicas
17 de Junho de 2011

P erto de completar oitenta anos de idade,


docente desenvolve pesquisas ativamen-
te e aconselha sobre nova tecnologia, enume-
Ou seja, no caso de um semicondutor,
como um material fotovoltaico, por exem-
plo, pode-se aumentar o rendimento de
rando vantagens, desvantagens e os cuidados como a luz é transformada em eletricidade:
que devemos tomar para fazer bom uso da Conhecendo a estrutura de um medicamen-
novidade científica. to, você pode modificá-la para evitar efeitos
A docente do IFSC, Yvonne Primera- colaterais indesejáveis, explica a docente.
no Mascarenhas, embora já aposentada, Yvonne conta que na Nanobiomed
mantém suas pesquisas em pleno vapor! ela responde por duas tarefas principais:
Com seus estudos direcionados especial- pesquisas de estruturas moleculares e in-
mente à análise da estrutura de materiais, teração de polímeros sintéticos com na-
atualmente coordena o projeto em rede nopartículas, e seu comportamento em
Avanços, benefícios e riscos da nanobiotec- diferentes situações: Em um futuro próxi-
nologia aplicada à saúde, também chama- mo, estaremos trabalhando também com
do Nanobiomed, financiado pela CAPES. membranas sintéticas que imitam a mem-
O projeto faz parte da Rede Nacional de brana celular- e através delas poderemos
Nanobiotecnologia e envolve pesquisado- produzir um lipossomo e observar o efeito
res de diversas instituições, como UFSCar, dos nanomateriais sobre ele, explica. O li-
Unesp, UFPI, UFRN, entre outras, num possomo, glóbulo de lipídios, é conside-
total de 20 grupos de pesquisa. rado excelente para liberação controlada
A contribuição de Yvonne no proje- de medicamentos. Através da pesquisa da
to relaciona-se ao estudo da estrutura de docente será possível testar a interação do
materiais: Não importa o material, você lipossomo com materiais que possam ser
deve saber seu nível de estrutura atômica aplicados nos tratamentos de muitas do-
para poder entender as propriedades. Mui- enças: A interação de físicos com biólogos
tas vezes, o material pode ter sua estrutu- é muito importante nesse momento, conta.
ra conhecida, mas cabe ao físico, químico, De acordo com Yvonne, as nanopartí-
etc., modificar essa estrutura para novas culas têm uma característica paradoxal: ao
aplicações. mesmo tempo em que têm tamanho redu-

124 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

zido, possuem variação estrutural grande. incorreto pode causar danos, inclusive à
Um exemplo são as moléculas de sal (clo- saúde: Imagine que você respira uma na-
reto de sódio): As ligações entre sódio (Na) nopartícula e ela vai parar no seu pulmão.
e cloro (Cl) são satisfeitas, internamente, Se ela começa a interagir com as membra-
mas as moléculas da superfície não se ligam nas do pulmão isso pode gerar problemas,
a nada, o que causa um estado de muita pois o agitamento dessas partículas é muito
agitação e maior energia em toda nanopar- alto! A nanopartícula é mais ativa, ela tem
tícula, esclarece. capacidade de interagir com qualquer sis-
tema que se junte, explica: É preciso fazer
O boom do mundo nano
uso responsável das nanopartículas. Um
e a ética no uso levantamento de dados, para saber onde se
O assunto parece recente, mas estu- encontra a nanotoxicidade dos materiais, é
dos nessa área já são realizados há algum muito importante! adverte Yvonne.
tempo: Desde a descoberta dos Raios X, Com bom uso, os benefícios são in-
medimos a distância entre as moléculas por contáveis. Segundo a professora, a genéti-
escala nanométrica. O que faltava era ma- ca terá grande salto com estudos em escala
nipular  em escala nanométrica. Essa é a nano: A área de manipulação genética é a
novidade! Hoje em dia, temos recursos para grande aposta! Por exemplo, se uma crian-
esse manuseio e ao chegar nesse ponto cria- ça foi gerada com defeito genético, pode-se
-se uma imensa área de pesquisa, explica fazer o conserto desse gene, diz: No âmbi-
Yvonne. Ela conta que máquinas biológi- to de bactérias, essas intervenções já são
cas- onde se inclui o corpo humano - fun- muito bem feitas. Ela finaliza com a ideia
cionam em escala nanométrica: A parede de que todo conhecimento pode ser usado
celular, que permite a entrada e saída de nu- para o bem ou mal. É preciso que ao longo
trientes na célula, é nanométrica, esclarece. do desenvolvimento tecnológico cresça uma
Por outro lado, a nanotecnologia deve ser população crítica e ética para que se faça a
usada com responsabilidade, pois seu uso utilização responsável dessa novidade.

A física a serviço da sociedade | 125


Materiais e Nanotecnologia

Docente comenta como pesquisas


básicas podem auxiliar
no desenvolvimento brasileiro
30 de Agosto de 2011

O termo nano está no auge. Porém,


muito antes de o termo e da própria
tecnologia tornarem-se parte de nosso coti-
seu nível de condutividade, têm suas pro-
priedades físicas afetadas pela variação de
temperatura, exposição à luz e acréscimos
diano, estão sendo desenvolvidas pesquisas de impurezas. O semicondutor silício é a
básicas para aprimorar materiais e proces- matéria-prima de chips de computadores
sos já empregados. Euclydes Marega Júnior, e dos atuais aparelhos de televisão. Um
docente do IFSC e estudioso do assunto há material semicondutor tem propriedades
vinte anos, diferencia a nanociência das ou- intermediárias entre condutores e isolan-
tras ciências básicas: Física atômica estuda tes, com a vantagem de suas propriedades
os átomos, física dos materiais estuda os ma- de condução poderem ser modificadas,
teriais macroscópicos, aqueles que consegui- tornando-o quase um metal ou mesmo
mos tocar, enxergar. No que se refere à gran- um isolante: Logo que iniciei minhas pes-
deza e propriedades, os nanomateriais ficam quisas, existia uma corrente que argumen-
entre o atômico e o macroscópico, elucida. A tava que a tecnologia do silício estava che-
escala atômica é da ordem de 10-10m, escala gando ao seu final e que novos materiais
nanométrica 10-9m e a micrométrica, que se deveriam substituí-lo. A história não foi
refere também a pequenos materiais, mas já bem essa. A tecnologia de nanofabricação
com propriedades volumétricas, são da es- teve papel fundamental e hoje quase que
cala de 10-6m: Todos eles possuem proprieda- 100% dos equipamentos eletrônicos são
des eletrônicas diferentes. A cor emitida por baseados na tecnologia desse material. Na
um grupo de átomos será diferente daquela indústria optoeletrônica, os semicondutores
emitida por um cristal, explica o docente: do grupo III-V, onde se incluem os LEDs
Assim, torna-se possível construir materiais brancos, estão se tornando a solução para a
que não existem na natureza. iluminação num futuro próximo. O docen-
A produção de elementos artificiais te traz mais argumentos: Um exemplo cla-
inclui os nanomateriais, que podem car- ro de como a nanofabricação mudou nossa
regar propriedades de semicondutores ou forma de viver são os dispositivos portáteis,
metálicos. Os semicondutores, extrema- como celulares, tablets, vídeo-games etc.
mente úteis para a eletrônica, em razão de Hoje pode-se ter um iPod com 64Gb de

126 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

memória, que pesa 100 g. Há trinta anos, ramo de microeletrônica e nanofabricação,


os computadores com muito menos capaci- caso indústrias desse tipo se estabeleçam no
dade de processamento pesavam na ordem país, e produzir a tecnologia da qual neces-
de 1 tonelada e estavam restritos somente sitamos para não termos mais que importar
a pesquisadores em universidades e centros peças de celular, computadores e televisões.
de pesquisa. Embora não ganhem atenção devida, as
Os estudos de Euclydes estão especial- pesquisas básicas podem solucionar dois
mente relacionados às técnicas de fabrica- problemas brasileiros: desenvolvimento
ção de materiais nanométricos semicon- de produtos e qualificação de mão-de-
dutores. Um artigo científico publicado -obra: Hoje, o principal problema na área
pelo pesquisador, em 1996, teve grande de nanoestruturas semicondutoras ou na-
impacto na área, com 215 citações no Ins- nofabricação, no Brasil, é exatamente esse.
titute for Scientific Information (ISI): Este A Foxconn, empresa chinesa que vem para
trabalho foi sem dúvida um marco na área, o Brasil para produzir tablets, em princípio
sendo totalmente realizado no IFSC, desde não poderá contar com a mão-de-obra bra-
a concepção e amostras até aos resultados e sileira, exemplifica o docente.
análises. No momento, seu grupo de pes- Sobre o papel do IFSC e de seu grupo
quisa não faz estudos voltados para tecno- para a solução dos problemas menciona-
logia, mas para pesquisa básica, que ser- dos, Euclydes aponta o estudo pioneiro de
vem de alicerce para novas tecnologias: No pontos quânticos semicondutores: Muitos
mundo, as pesquisas tecnológicas para na- trabalhos que desenvolvemos aqui têm alto
nomateriais já são bem desenvolvidas, mas impacto na ciência nessa área de pesqui-
no Brasil, infelizmente, ainda não temos sa e são reconhecidos internacionalmente.
indústrias que consigam transformar ciên- Sobre a aplicação dos estudos, Euclydes
cia em tecnologia, conta. Ele dá o exemplo afirma que num primeiro momento a in-
dos telefones celulares que, embora sejam tenção principal é formar pessoas capaci-
montados no Brasil, têm todos os seus tadas a trabalhar em grandes empresas de
componentes importados: A pesquisa tec- tecnologia: No momento, o Brasil não tem
nológica consiste na busca pela produção condições de montar uma grande empresa
de certos dispositivos que agreguem pro- tecnológica. Portanto, o primeiro passo é
priedades dos materiais, úteis para alguma formar pessoas qualificadas. Essas pessoas
coisa. O LED é um exemplo, esclarece: Se terão um papel fundamental para merca-
conseguirmos formar bons estudantes em dos tecnológicos que venham a surgir no
pesquisas básicas, eles poderão se inserir no Brasil, finaliza.

A física a serviço da sociedade | 127


Materiais e Nanotecnologia

O plástico do futuro
13 de Dezembro de 2011

O avanço tecnológico é cada vez mais


acelerado com o desenvolvimento
de novos materiais. Através da manipula-
a um polímero comum, justamente por
possuírem propriedades distintas.
Para modificar as propriedades dos
ção de certos elementos da natureza, pes- materiais, visando a um melhor aproveita-
quisadores têm criado produtos com alto mento, é preciso conhecê-las, afirma Osval-
desempenho, entre os quais os polímeros do Novais de Oliveira Jr., docente do IFSC
- matéria-prima das sacolas plásticas e da e um dos pesquisadores do Grupo. Há
borracha. Esses materiais têm sido deta- cerca de quatro anos, Osvaldo e colabo-
lhadamente estudados e manipulados no radores - incluindo colegas do Grupo de
Grupo de Polímeros Prof. Bernhard Gross, Fotônica do IFSC- chegaram a um resulta-
do IFSC, com o intuito de torná-los super- do que lhes rendeu publicações científicas
-polímeros: mais resistentes, capazes de e uma patente: a construção de uma me-
armazenar informações e em futuro breve mória em 3D, através de uma técnica de
trazer mais segurança a cartões de crédi- armazenamento óptico por fotoisomeri-
tos, cédulas de dinheiro e mesmo em dis- zação, processo no qual se incide luz num
positivos de carros. material alterando a orientação de suas
Polímeros são macromoléculas com moléculas e permitindo o armazenamen-
propriedades interessantes, das quais em to de informações: É como se estivéssemos
geral somente as mecânicas são explora- escrevendo com luz, explica Osvaldo. Para
das, ou seja, o potencial dos polímeros é que seja gerado um produto em larga es-
aproveitado na maior parte das vezes para cala, com um preço acessível, é preciso
produção de embalagens, sacolas plásticas, descobrir novos materiais sensíveis à luz
molduras, etc. O mero, unidade química e que permitam a inscrição e leitura com
que se repete para formar a cadeia do po- eficiência e baixo custo.
límero, possui propriedades que conferem
características específicas ao polímero: um
tipo de mero pode gerar um polímero com
grande resistência mecânica, já outro mero
pode permitir armazenamento de infor-
mação óptica. Quando o polímero possui
meros diferentes, estes são chamados copo-
límeros e podem ser vantajosos em relação

128 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

deposição das macromoléculas do polí-


mero em filmes nanoestruturados.
É nesses dois pontos que Osvaldo e
seus colaboradores trabalham: tanto na
modificação de propriedades, quanto na
formação de filmes finos: Nesse projeto, es-
tamos juntando competências dos diversos
grupos do IFSC, além de um grupo de pes-
Escrito com a luz: teste realizado pelo Grupo quisa argentino que se incumbiu da produ-
de Polímeros “Prof. Bernhard Gross”. ção de novas moléculas poliméricas, conta
Osvaldo.
Apesar de grande parte da tecnologia A parceria entre Brasil e Argentina ren-
baseada em leitura óptica, através de la- deu financiamento da FAPESP e do Conse-
sers, já estar bem estabelecida- prova disso jo Nacional de Investigaciones Científicas y
é o bom funcionamento de CD’s e DVD’s- Técnicas (Conicet). O financiamento per-
ainda se buscam novas possibilidades de mitirá intercâmbio de pesquisadores e es-
armazenamento óptico de informações: A tudantes entre os dois países, com vistas ao
capacidade de memória de novos materiais aprimoramento contínuo da pesquisa para
já tem sido aprimorada ao longo do tempo, produção do novo material: Nosso objetivo
especialmente nos últimos anos. O objetivo nessa parceria é formar pessoal de alto nível.
final dos estudos com polímeros é obter me- Esse intercâmbio científico é importante não
mórias com características especiais. Uma só para essa formação, mas para o fortaleci-
das possibilidades é o armazenamento em mento da interação entre países da América
três dimensões, em que a informação não Latina, inclusive no que se refere à geopolíti-
será armazenada em um único plano, como ca, geração de riquezas e bem-estar para os
funciona nos discos que temos hoje. Ela po- nossos povos, diz Osvaldo.
derá ser armazenada em vários. A grande evolução tecnológica que
O Grupo de Polímeros tem utilizado experimentamos hoje depende de pes-
plásticos para atingir esse objetivo, mas quisas básicas, como as do Grupo de Po-
não na forma como os conhecemos. Esses límeros Bernhard Gross: Estamos produ-
polímeros tiveram suas propriedades alte- zindo materiais que não são encontrados
radas para que o material ofereça melhor na natureza, obtidos a partir de modifi-
desempenho. Isso significa que se atribui cações e manipulações de matéria-prima.
nova funcionalidade ao material a partir A aplicação em qualquer produto com
da modificação de suas propriedades, o novos materiais requer compreensão de
que se pode atingir de várias formas. Duas suas propriedades e como estas podem ser
delas são a alteração das moléculas do ma- modificadas. E isso só pode ser alcançado
terial, utilizando-se meros diferentes, e a com pesquisa básica, explica o docente:

A física a serviço da sociedade | 129


Materiais e Nanotecnologia

Grande parte do desenvolvimento tecno- bem em temperaturas mais altas, por exem-
lógico depende do acúmulo de conheci- plo, pois o material será mais resistente, ex-
mentos. plica Osvaldo.
A pesquisa prevista na parceria com a O Grupo preocupa-se com a aplicação
Argentina busca várias vantagens: políme- das técnicas desenvolvidas. Mas o foco ini-
ros para armazenamento óptico em sua for- cial é provar as possibilidades de melhora
ma original não são flexíveis nem resistentes. das propriedades do polímero e explicar
Quando se fabricam os filmes finos com o os fenômenos envolvidos em sua aplica-
copolímero, combinando propriedades ção: O desenvolvimento de produtos muitas
mecânicas e ópticas no mesmo material, vezes só é possível a partir de pesquisas bá-
aumenta-se a possibilidade de aplicação: sicas, geradas, em princípio, sem preocupa-
Poderemos ter materiais que funcionem ção com a aplicação.

130 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Técnica para rastrear células-tronco


06 de Fevereiro de 2012

R evolucionária, eficaz, mas de alguma


forma polêmica. Essas são algumas
das características que um conjunto de
corpo humano, já estão bem estabelecidas,
afirma o docente.

críticos já escolheu para definir a terapia


envolvendo células-tronco. Com efeito,
embora esteja se mostrando eficiente, o
tratamento com células-tronco apresenta
seus riscos: alojadas em regiões impró-
prias, as células podem causar tumores -
benignos ou malignos.
A solução para isso já vem sendo es-
tudada por pesquisadores da Faculdade de
Medicina (FM-USP), Instituto de Física
(IF-USP) e IFSC: A medicina traz o pro-
Imagem de células-tronco embrionárias
blema, que é o monitoramento de células-
-tronco depois do implante. A física traz a As referidas técnicas já são de uso fre-
técnica de visualização, com a ressonância quente, mas há um grande desafio: embo-
magnética, e a nanotecnologia produz o ra tenham destino certo quando injetadas
material que possibilita essa visualização, no corpo, as células-tronco podem seguir
que são as nanopartículas superparamag- qualquer direção gerando problemas, in-
néticas, explica o responsável pelo Labora- cluindo tumores. A equipe citada no co-
tório de Nanomedicina e Nanotoxicologia meço da matéria é responsável por desen-
do IFSC, Valtencir Zucolotto. volver técnicas capazes de monitorar as
A pesquisa é típica da nanomedicina células depois do implante – se estão per-
que, junto à terapia com células-tronco, correndo o caminho que deveriam e como
tem revolucionado a medicina. No que se se estão transformando no tecido para o
refere à parte médica, a terapia celular já qual foram designadas. A tarefa não é fácil
teve grandes avanços: Muitas coisas já são devido ao tamanho da célula, o que exige
compreendidas hoje. A parte de bioquímica uso de nanomateriais, como as nanopar-
das células, por exemplo, que possibilita que tículas superparamagnéticas produzidas
uma célula-tronco se transforme em uma no laboratório de Zucolotto. Depois disso,
célula de outro tecido, ou a biotecnologia, o imageamento por ressonância magnéti-
que possibilita o implante dessas células no ca será capaz de rastreá-las. Nesse estudo

A física a serviço da sociedade | 131


Materiais e Nanotecnologia

específico, em parceria com o Instituto do aplicado em humanos: Só injetaremos es-


Coração, ligado ao Hospital das Clínicas sas nanopartículas nos humanos quando
da Faculdade de Medicina da USP (FM- soubermos muito bem para onde elas vão,
USP), o monitoramento será feito nas afirma Zucolotto. Sabendo o caminho que
células-tronco implantadas no coração: elas percorrem, as nanopartículas podem
Quando uma pessoa tem um infarto, parte ser induzidas no futuro. Elas serão revesti-
das células coronarianas morre. A ideia é das com uma molécula específica, para ser
que as células-tronco injetadas ali possam ligada a um órgão específico: Já estamos
criar novos tecidos coronarianos saudáveis. desenhando uma cobertura para a nano-
O problema, em princípio, é como monito- partícula. Pode ser um receptor, um anti-
rar se essas células estão desenvolvendo no- corpo, que se ligue a uma proteína que só
vos tecidos do coração, explica Zucolotto. existe no coração, por exemplo, explica.
As nanopartículas produzidas e ca- Embora a pesquisa esteja caminhan-
racterizadas pela equipe de Zucolotto são do com rapidez, os passos são cautelosos.
enviadas ao Incor, onde o docente José Supondo que uma nanopartícula seja uti-
Eduardo Krieger, responsável pela pesqui- lizada para levar uma droga para o interior
sa na FM-USP, injeta-as em células-tronco de um tumor, mesmo que ela não fique
in vitro. A próxima etapa é o envio ao IF- totalmente alojada naquela região não há
-USP, onde o docente responsável por essa grandes riscos ao paciente, pois a droga
parte, Said Rabbani, tenta encontrar as na- será eliminada: Atualmente, o problema da
nopartículas por ressonância magnética: O quimioterapia é que o remédio vai para o
grande problema é que as células são muito corpo todo e daí as quedas de cabelo, baixa
pequenas - com 10-6m. Não era possível vê- imunidade e ânsias de vômito naqueles que
-las sozinhas pela ressonância, mas o sinal recebem o tratamento. O remédio é muito
emitido pelas nanopartículas, sim, conta tóxico. No caso da célula-tronco, o cuida-
Zucolotto. do deve ser redobrado pois se não houver
Depois dos bem-sucedidos testes in garantias de que ela está no local correto,
vitro, o próximo passo é injetar células- ela não será eliminada pelo corpo, como um
-tronco com nanopartículas no coração de remédio, e ainda pode causar mais tumores,
um porco isquêmico. O animal será então reforça Zucolotto.
levado ao equipamento de ressonância O trabalho em conjunto já trouxe
para que se tente visualizar as nanopar- diversos experimentos bem-sucedidos.
tículas. Com o monitoramento sendo A parceria entre medicina e física, neste
bem-sucedido em porcos, o próximo tes- caso, teve início em 2011. O próximo pas-
te será feito em ratos. Tendo sucesso nas so, que é o teste com porcos, está previsto
duas cobaias, o experimento já poderá ser para este ano.

132 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Nanopartículas - beleza turbinada


15 de Fevereiro de 2013

A maneira tradicional de produzir


cosméticos pode estar com os dias
contados, se depender da pesquisa da
livre, não é incorporado em formulações
cosméticas; já quando nanoencapsulado
é utilizado em concentrações elevadas, de
pós-doutoranda do Grupo de Biofísica aproximadamente 30%. Além disso, não
Molecular do IFSC, Amanda Luizetto são necessários conservantes, já que os
dos Santos. Sob supervisão do docente do óleos têm propriedade antimicrobiana, di-
IFSC, Valtencir Zucolotto, Amanda criou minuindo o custo da formulação.
nanopartículas de polímeros e lipídios. A
nanopartícula protege o material envolvi- Próximos da comercialização
do e mantém suas propriedades intactas,
Há um ano, Amanda e outra pesquisa-
diminuindo os riscos de degradação e per-
dora - Paula Barbugli -, abriram a empresa
da de eficiência, causados pela exposição
Nanomed para extração dos óleos naturais
ao Sol e/ou ao calor.
e testes de eficiência das nanopartículas
Com a técnica de hidrodestilação,
produzidas. Amanda conta que há seis
Amanda usa apenas água para extrair o
meses a estabilidade da nanopartícula foi
óleo de diversas plantas - como cravo,
atingida, ou seja, ela foi capaz de proteger
pimenta-rosa, gengibre e manjericão. Tal
o óleo puro, evitando evaporação, degra-
processo de extração, 100% natural, dimi-
dação e oxidação. Através desse sistema, os
nui ou anula reações alérgicas ou a con-
óleos duram mais tempo, além de oferece-
taminação da pele. Quisemos estudar óle-
rem uma atividade mais eficiente, inclusive
os de diversas plantas, pois cada um deles
numa concentração menor do que o tradi-
possui propriedades biológicas diferentes,
cional, explica Amanda.
explica a pesquisadora.
Ainda de acordo com Amanda, o tem-
po de extração do óleo é longo, o que torna
seu custo elevado. No entanto, como tem
havido preferência pelos produtos natu-
rais, esse é um mercado em ascensão e de
futuro promissor.
Durante a pesquisa, Amanda fez com-
parações entre o óleo nanoencapsulado e o
livre (sem revestimento), tendo chegado a
números interessantes: o óleo, na sua forma

A física a serviço da sociedade | 133


Materiais e Nanotecnologia

mas Amanda não descarta a possibili-


dade de no futuro tirar proveito das pro-
priedades biológicas dos óleos para uso
farmacêutico. Propriedades anestésicas e
antifúngicas do cravo já são utilizadas há
muito tempo na medicina, assim como al-
gumas pesquisas apontam que a pimenta-
-rosa incita a produção de dopamina** no
organismo e seu uso pode ter efeitos tera-
pêuticos: Já realizamos alguns testes farma-
cêuticos em animais e chegamos a resultados
promissores.Portanto, independentemente
dos estudos que ainda precisam ser con-
À esquerda, óleo de cravo-da-índia em água; cluídos, Amanda reafirma a eficiência dos
à direita, nanopartículas poliméricas de eu- óleos essenciais nanoencapsulados e o fato
genol (óleo extraído de cravo-da-índia). de estes já estarem prontos para fabricação
de cosméticos. Mais do que a disposição
Depois de terem conseguido manter de uma empresa para arcar com os custos
o sistema estável e de nanoencapsular os de tal fabricação, é preciso saber quanto os
óleos essenciais, as pesquisadoras da Na- usuários estarão dispostos a pagar por ele.
nomed já têm novos planos: a busca por _____________
parceiros que queiram utilizá-los para a ** neurotransmissor que atua no cérebro
produção de quaisquer produtos. Os efei- promovendo a sensação de prazer e moti-
tos estéticos ainda são o foco principal, vação.

134 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Língua eletrônica brasileira é mais sensível


que outras tecnologias ou humanos
12 de Março de 2012

A língua eletrônica, um projeto que


vem sendo desenvolvido por uma
equipe brasileira de pesquisadores há mais
de dez anos, utiliza inteligência artificial,
sensores super sensíveis e capacidade de
reconhecimento molecular para aplica-
ções industriais e até médicas, tornando o
projeto brasileiro o mais inovador da área
na última década.
O projeto surgiu da demanda indus-
trial, por exemplo, de fármacos ou de ali-
mentos não facilmente palatáveis, casos
em que é inviável fazer testes de paladar
com humanos. Além disso, para controle entre eles para o cérebro. Com o objetivo
rotineiro de qualidade, ter um painel de de combinar as respostas do equipamen-
humanos costuma ter custo muito eleva- to desta mesma forma, ao invés de utilizar
do: Claro que o trabalho de degustadores apenas um material como sensor, usam-se
não será eliminado, pelo contrário, será diversos materiais diferentes. Essa designa-
muito mais valorizado, comenta o profes- da seletividade global, o princípio segundo
sor Osvaldo Novais de Oliveira Junior, do o qual o sabor é decomposto em alguns sa-
IFSC, um dos colaboradores do projeto. bores básicos, distingue-se da seletividade
Com a língua eletrônica, os resultados po- específica, que é a detecção de substância
dem ser muito mais rápidos, menos subje- química. No paladar humano isso não
tivos, e mais viáveis financeiramente. ocorre. Por exemplo, no café existem cen-
A língua eletrônica é, na verdade, um tenas de substâncias químicas, mas não é
conjunto de sensores que tenta mimeti- necessário que saibamos quais são essas
zar o funcionamento da língua humana. substâncias para sabermos que estamos
Sabe-se que os sensores na língua huma- bebendo café. O odor também tem este
na são capazes de identificar cinco sabo- tipo de característica: não é necessário
res básicos (salgado, doce, azedo, amargo identificar moléculas para saber o cheiro.
e umami) e enviar sinais de combinações O princípio da seletividade global postula

A física a serviço da sociedade | 135


Materiais e Nanotecnologia

que se distinga nuances destes sabores bá- análise de alguns tipos de materiais. Contu-
sicos, por isso a importância de ter vários do, é possível que a sensibilidade do sensor
sensores. seja menor: Para aplicações comerciais, se-
Os sensores são fabricados a partir de ria a melhor saída, vislumbra o pesquisador
filmes poliméricos ou filmes de biomolé- do IFSC.
culas, e em nenhum destes casos é possí-
vel conseguir uma reprodutibilidade alta,
Dez anos de pesquisa
ou seja, duas unidades sensoriais nomi- O primeiro trabalho da equipe brasi-
nalmente idênticas – produzidas com os leira foi publicado em 2002, relatando os
mesmos materiais e nas mesmas condições sucessos do dispositivo com base na técni-
– não apresentam propriedades iguais. Su- ca de espectroscopia de impedância. Esta
ponhamos que seja necessário comparar é uma inovação que se mostrou superior
dois sabores em que apenas a acidez va- às técnicas utilizadas em outros projetos
ria muito pouco. O ideal seria um sensor internacionais e gerou grande repercussão
com material cujas propriedades elétricas na imprensa global, como a primeira língua
dependessem muito da acidez, ou seja, do eletrônica de grande capacidade, que podia
pH. Alguns polímeros condutores são ex- distinguir todos os sabores básicos, além
tremamente sensíveis a mudanças de pH, de águas de coco e amostras de água com
então estes materiais são ideais para detec- pequenas quantidades de poluentes. Des-
tar sabores ácidos. Entretanto, no caso de de essa época, muitos avanços têm sido
duas substâncias com pequenas variações alcançados através do esforço conjunto
nos sabores doce ou amargo, não haverá de pesquisadores brasileiros, que hoje in-
grandes mudanças no pH ou na quantidade clui a Escola Politécnica da USP, Embrapa
de íons da amostra e portanto o uso de po- Instrumentação, Unesp de Presidente Pru-
límeros condutores pode não ser eficiente. dente, UFSCar de Sorocaba, Faculdade de
Não há um estudo que pré-determine o Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
número de sensores necessários para se ob- Preto, Universidade Federal de Rondônia,
ter a variedade de resposta desejável e gerar ICMC e o IFSC. Em 2004, um artigo foi
algo como uma impressão digital de cada publicado apresentando a capacidade da
amostra de alimento estudado, reprodu- língua eletrônica brasileira de distinguir
zindo a combinação de sabores da maneira complexas amostras de safras de vinhos:
como o cérebro a capta: Podemos utilizar o Conseguimos descobrir se o vinho, que era
mesmo material, com sensores de caracterís- feito da mesma uva e pelo mesmo produtor,
ticas diferentes, como a espessura e a técnica provinha de uma safra diferente, explica o
de fabricação do filme, explica Osvaldo. Os professor. Para atingir uma precisão tão
sensores de materiais inorgânicos, uma op- grande com uma amostra tão complica-
ção a ser explorada pela equipe, pode apre- da, como é o vinho, é necessário tratar os
sentar maior reprodutibilidade e otimizar a dados com métodos especiais: neste caso,

136 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

Língua eletrônica na análise de uma amostra de café

foi utilizado um método baseado em redes Aplicações médicas


neurais artificiais.
Depois disso, uma grande contribui- O conceito de língua eletrônica foi
ção foi ensinar a língua eletrônica a dis- também estendido para biossensores: Nas
tinguir sabores bons de sabores ruins, ou línguas eletrônicas originais não tínhamos
seja, decodificar, a partir da perspectiva materiais nas unidades sensoriais que reco-
humana, os sabores agradáveis e os sabo- nhecessem especificamente uma molécula,
res desagradáveis. Uma perspectiva mais mas logo percebemos que não há motivo
subjetiva para um equipamento eletrôni- para essa limitação, observa Osvaldo. Os
co: Mostramos que era possível, através de pesquisadores poderiam selecionar várias
inteligência artificial e do aprendizado de unidades que têm a capacidade que cha-
máquina, correlacionar as medidas da lín- mam de reconhecimento molecular. Um
gua eletrônica às notas atribuídas por de- exemplo dado pelo colaborador do IFSC
gustadores da Associação Brasileira da In- é um par antígeno-anticorpo: os antígenos
dústria de Café (ABIC) a amostras de café, são moléculas específicas que reconhecem
comenta o pesquisador: É possível ensinar apenas o anticorpo característico daquele
ao equipamento o que é gostoso, inclusive antígeno. Este é o princípio empregado nos
atribuir notas para o que está sendo degus- biossensores para análises clínicas, no diag-
tado, completa. nóstico de doenças: O antígeno reconhece
um anticorpo específico e, se isso der um
resultado positivo, significa que o indivíduo
está doente, explica ele.

A física a serviço da sociedade | 137


Materiais e Nanotecnologia

Em 2007, o equipamento foi utilizado partir de técnicas de nanotecnologia; a bio-


com sucesso neste conceito estendido, ou tecnologia envolvida no trato dos materiais
seja, algumas das unidades sensoriais ti- biológicos que compõem estes filmes e o
nham a capacidade de reconhecer molécu- processamento de dados através da visuali-
las específicas e, portanto, detectar diversas zação de informação: Isso, obviamente, ain-
doenças: Esse é o diferencial que torna nosso da pode ser aplicado a outras doenças, co-
projeto pioneiro no mundo, aponta Osval- menta Osvaldo. Neste artigo, de janeiro de
do. Dentre os resultados obtidos no âmbito 2012, os resultados vão além do uso de téc-
desta aplicação, os pesquisadores foram ca- nicas computacionais: É muito importante
pazes de fabricar um biossensor que distin- descobrir a melhor combinação de sensores
gue a Leishmaniose da Doença de Chagas, ou de características de sensores para uma
doenças muito similares e que, mesmo com determinada aplicação, observa o pesqui-
os imunossensores mais sofisticados, ainda sador. Não existe um modelo e teoria para
ocasionavam falsos positivos.  fazer tal previsão, o que significa que o tra-
Em suma, em dez anos de pesquisa, balho precisa ser feito empiricamente. O
o grupo pôde mostrar amplas aplicações desafio é que as variáveis, ou seja, o número
em diversos tipos de alimentos - em geral de possibilidades de combinação é muito
líquidos, que torna a obtenção das medi- grande e por isso é necessário empregar um
das elétricas mais fáceis por serem amos- método de otimização: A área de pesquisa
tras homogêneas -, além da capacidade do em otimização tem sido bastante explorada,
equipamento de distinguir sabores agra- funcionando como atalho para obter bom
dáveis dos desagradáveis ao humano e a desempenho do dispositivo sem que se façam
possibilidade de formar um arranjo de muitos experimentos, explica ele. Assim, os
unidades sensoriais capazes de reconheci- pesquisadores procuraram verificar a cor-
mento molecular específico para análises relação das propriedades dos filmes com a
clínicas. Neste ano, um artigo divulgou capacidade de sensoriamento.
novos resultados de experimentos reali- Um desafio importante é explicar a
zados nos últimos três anos, baseados em altíssima sensibilidade dos sensores. Em
uma área de pesquisa relativamente recen- geral, quando se tem um líquido em con-
te, chamada visualização de informação. tato com uma superfície, qualquer altera-
Utilizada principalmente por cientistas da ção da superfície ou das propriedades do
computação, as técnicas de tratamento de líquido acaba modificando as propriedades
dados, oriundas desta área, são muito úteis elétricas da amostra, o que logo é trans-
na análise de grandes quantidades de infor- mitido ao sensor, por isso a sensibilidade
mação. A chave para o sucesso do trabalho é tão alta, conta o pesquisador do IFSC.
foi a união de diversas metodologias: os fil- Entretanto, o que os pesquisadores não
mes são nanoestruturados, o que significa sabem é como se dão as interações no
que as unidades sensoriais são fabricadas a nível molecular, ou seja, ninguém sabe

138 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

por que a sensibilidade é tão alta. Para Segundo, porque a aplicação ainda não está
isso, o grupo tem aplicado metodologias disponível e difundida no mercado. Nas
teóricas e experimentais para desvendar aplicações mais nobres, a alta sensibilidade
o mistério da alta sensibilidade. Dentre as dos sensores é o próprio calcanhar de Aqui-
técnicas experimentais, eles têm utilizado, les do projeto, porque qualquer mudança
em parceria com a Unesp de Presidente do material significa mudança nas proprie-
Prudente, a espectroscopia Raman, que dades, o que exige a substituição de alguma
serve para sensoriamento de moléculas unidade sensorial. Então, para obter dados
isoladas entre um grande conjunto de de uma série de amostras, seria necessário
outras moléculas. Pôde-se verificar como recalibrar todo o sistema, ou a língua ele-
esta técnica poderia auxiliar no entendi- trônica forneceria resultados diferentes:
mento das alterações das propriedades Ainda precisamos resolver este problema
elétricas das amostras de interesse bioló- para colocar uma língua eletrônica de alto
gico do projeto. nível no mercado, conta Osvaldo. Como
Além da possibilidade de aplicação, é impossível ter dados idênticos, devido
neste último trabalho tentamos explicar a à variabilidade intrínseca aos sistemas, é
sensibilidade para mais bem manipulá-la, preciso lidar tanto com as amostras quan-
mas não esperávamos respostas definitivas to com os materiais através de métodos
porque não há instrumentos disponíveis computacionais. Isso ressalta a importância
para isso, reflete Osvaldo. No entanto, o da parceria com o ICMC, já que uma das
trabalho já aponta para uma adsorção das possibilidades mais fortes de solução deste
moléculas nos filmes, responsável por parte problema é fazer o mapeamento de dados
das alterações das propriedades elétricas e de amostras, que são semelhantes, mas não
pela detecção dos sensores. Não resolvemos idênticas, através de software, para não ter
todos os problemas, de origem na Física e na que refazer todas as medidas. Segundo Os-
Química básica, mas é um passo, completa. valdo, sua maior colaboração no projeto
Mesmo depois de dez anos de pesquisa, é trazer uma perspectiva interdisciplinar:
o assunto permanece atual. Primeiro, devi- Acho que é essencial combinar diferentes tec-
do à dificuldade de predeterminar os ma- nologias, para obter resultados mais signifi-
teriais que devem ser usados nos sensores. cativos, finaliza ele.

A física a serviço da sociedade | 139


Materiais e Nanotecnologia

Beleza - O cosmético do futuro


19 de Março de 2012

M ulheres (e homens) que zelam pela


integridade de sua pele não se
importam em investir dinheiro em pro-
obtenção dos óleos vegetais, conta Paula
Barbugli, pesquisadora do LNN. O inte-
resse maior em nanoencapsular moléculas
dutos que adiem as marcas do tempo no é dar estabilidade aos produtos finais: Al-
corpo e na pele. O que muitos não sabem guns princípios ativos nos veículos farma-
é que nem sempre a eficácia desses produ- cêuticos onde são utilizados são os mesmos
tos é de fato comprovada, já que os princí- no produto final. Inseridos diretamente nas
pios ativos que os compõem perdem seu fórmulas, sejam de medicamentos ou de
poder em pouco tempo. Essa realidade cosméticos, alguns ativos se tornam muito
poderá estar prestes a ser mudada. Uma instáveis, em suma, degradam-se muito rá-
nova empresa spin off* tem como foco pido, conta a pesquisadora.
desenvolver cosméticos turbinados, mas Já nas nanocápsulas, a estabilidade é
nem um pouco invasivos ou prejudiciais à maior. No caso de um creme hidratante, a
saúde da pele. A Nanomed, originada do penetração será mais rápida e profunda na
Laboratório de Nanomedicina e Nanoto- pele e os efeitos serão visíveis em menos
xicologia (LNN) do IFSC, somará duas tempo: Poderemos disponibilizar cápsulas
técnicas para produzir cosméticos otimi- com princípios ativos mais estáveis e com
zados: extração de óleos vegetais (como o maior poder de permeação, afirma Paula.
cravo, pimenta-rosa etc.) com nanoencap- Algumas empresas gigantes do setor de
sulamento. A técnica de nanoencapsula- cosméticos- Lancôme, Boticário, Given-
mento tem revolucionado áreas da saúde e chy- já aplicam nanoencapsulamento. No
consiste no aprisionamento de moléculas Brasil, o protetor solar Photoprot (Biolab)
de uma substância em partículas de outra com FPS 100 usa sistema nanométrico
substância, resultando em cápsulas biode- biodegradável: Em nosso projeto, desenvol-
gradáveis de tamanho nanométrico. veremos sistemas que poderão ser adiciona-
A Nanomed terá a tarefa de produzir dos em fórmulas para creme ou em gel, ex-
nanopartículas para encapsular moléculas plica Paula: Trabalharemos, em princípio,
diversas, sobretudo na área de cosmetolo- com óleos essenciais, algumas vitaminas
gia**, de acordo com a demanda das em- e aminoácidos nanoencapsulados. A Na-
presas interessadas: Iniciamos nosso tra- nomed produzirá determinados tipos de
balho com a colaboração de produtores do cápsulas farmacêuticas e/ou cosméticas:
nordeste, de onde vêm plantas de extração Tudo dependerá da demanda das empresas
verde, sem uso de solventes orgânicos, para clientes. Disponibilizaremos dois sistemas

140 | A física a serviço da sociedade


Materiais e Nanotecnologia

básicos: um com nanopartículas sólidas po- preços menores, gerando um produto final
liméricas e outro com nanopartículas lipídi- mais barato aos consumidores, afirma. O
cas sólidas, adianta a pesquisadora. Photoprop (embalagem de 40 ml), por
O projeto financiado pela FAPESP no exemplo, tem custo médio de R$72,00.
programa Pesquisa Inovativa em Pequenas O Active Dermato Sistema (O Boticário),
Empresas (PIPE) deve apresentar resulta- R$52,00. As nanocápsulas do LNN serão
dos concretos até o final do ano, incluindo vendidas às empresas interessadas, que
a comercialização das nanocápsulas. Em poderão baratear seus produtos.
relação ao custo do produto, Paula não _______________
arrisca valores: Hoje, no Brasil esse tipo de * empresa nascida a partir de um grupo de
insumo é em sua maioria importado. Pre- pesquisa.
tendemos, como empresa nacional, produ- ** área da ciência farmacêutica que pesqui-
zir tais insumos com a mesma qualidade sa, desenvolve, elabora, produz, comerciali-
e segurança que as estrangeiras, mas com za e aplica produtos cosméticos.

A física a serviço da sociedade | 141


6 E nergia e Meio Ambiente

O estudo dos diferentes tipos de materiais, que se tor-


nou uma marca do IFSC ao longo dos anos, como
se pode observar pelas reportagens no Capítulo V,
trouxe uma diversificação adicional com contribuições de inte-
resse para o tópico de energia e meio ambiente. Podem ser des-
tacadas, neste contexto, as pesquisas em biomassa para geração
de biocombustíveis e em energias alternativas, além daquelas
relacionadas a monitoramento do meio ambiente. Como se po-
derá perceber, há intersecção e mesmo sinergia com pesquisas
mencionadas em outros capítulos, pois muito do conteúdo das
reportagens neste capítulo advém de iniciativas de docentes que
também contribuem com pesquisas em outras áreas.

143
Energia e meio ambiente

Microscopia aplicada a bioetanol


17 fevereiro 2010

M etodologias ópticas avançadas de


altíssima sensibilidade e resolução
espacial/temporal, que vão muito além do
cana de açúcar em bioetanol. O objetivo é
caracterizar o maior número de etapas da
bioconversão. Mais especificamente, será
limite de difração, foram desenvolvidas estudado o efeito da estrutura da celulose
nas últimas décadas. No entanto, compe- na eficiência da hidrólise biocatalítica do
tências ou profissionais capacitados em es- bagaço de cana-de-açúcar, por meio de
pectroscopia e microscopia óptica de alta espectroscopia e microscopia de fluores-
resolução ainda não foram incorporados cência.
de forma efetiva nas áreas de desenvolvi- A microscopia por fluorescência é apro-
mento e inovação na cadeia produtiva do priada para a caracterização da hidrólise da
etanol, principalmente no Brasil. lignocelulose por enzimas específicas em
Pesquisadores do IFSC pretendem de- um sistema heterogêneo, como a biomassa
senvolver e aplicar estas novas metodolo- de cana-de-açúcar. A lignina, que compõe
gias ópticas com resolução microscópica esse material, apresenta propriedades lumi-
à cadeia de bioconversão da biomassa da nescentes quando excitada no ultravioleta,

144 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

Celulose sem PTHT Celulose com PTHT

Imagens de microscopia de fluorescência em 3D de fibras de celulose com e sem


polímero luminescente.

o que permitirá um estudo mais detalhado da estrutura do substrato fibroso. Segundo os


pesquisadores Francisco E. G. Guimarães e Igor Polikarpov, estão sendo desenvolvidas novas
metodologias, como a introdução de polímeros luminescentes às fibras, permitindo ampliar
a faixa de utilização das técnicas de luminescência para a determinação da estrutura das fibras
após os vários tratamentos enzimáticos.

A física a serviço da sociedade | 145


Energia e meio ambiente

Biocombustível: Pesquisador do IFSC estuda


produção de combustíveis através de
diferentes matérias-primas
14 de Março de 2011

O Brasil é destaque mundial no que


concerne à produção de energia
limpa. É um dos maiores produtores de
tão prejudiciais ao meio-ambiente. Por esse
novo processo, pode-se aumentar em pelo
menos 150% a produção de etanol, explica
etanol, ao lado dos Estados Unidos, que o pesquisador.
juntos são responsáveis pela produção de As pesquisas do docente vão além do
75% do combustível. Por ser limpo e de bom emprego do bagaço de cana. O apro-
baixo custo, o etanol tem sido cada vez veitamento de biomassa geral é o grande
mais requisitado: Utilizamos atualmente objetivo de Igor, onde se incluem como
apenas 3% de nossas terras aráveis para a matérias-primas gramíneas e partes de
produção de etanol. Para atender à deman- florestas, como galhos e folhas que, se-
da mundial, esse número precisaria aumen- gundo ele, podem ser aproveitados para
tar 10 vezes, o que é inviável, explica Igor produzir energia: É claro que precisamos
Polikarpov, professor IFSC e especialista conservar as florestas, mas também é
no assunto. preciso pensar uma maneira de aproveitar
O suprimento das necessidades mun- aquilo que está jogado na natureza, em
diais do etanol é a alma da pesquisa que o princípio sem utilidade nenhuma. Em
professor desenvolve no IFSC: o aumento florestas de eucalipto, por exemplo, muitos
significativo do aproveitamento da cana- galhos e folhas são cortados e deixados na
-de-açúcar. O processo de produção do eta- terra. Uma parte da biomassa deve ser
nol inclui várias etapas, iniciando-se com o reposta, mas acredito que nem tudo o que é
corte do caule da cana para posterior trans- jogado deva ser simplesmente descartado,
porte à usina, onde ele é esmagado. Apro- pontua Igor.
veita-se o líquido para a produção de açú- A geração de bioetanol (etanol obtido
car e o resto é queimado: Quanta energia é de biomassa) ainda é difícil e onerosa. O pro-
deixada no campo, nesse processo? Um terço blema é que compostos de plantas são muito
é jogado no campo, um terço é transportado resistentes: Para poder polimerizar a glicose,
para a usina e o último terço é a queima do por exemplo, é preciso quebrar suas moléculas
bagaço. É possível utilizar esse bagaço para a para a fermentação e posterior transformação
produção de etanol, o que pode vir a suprir a em etanol, explica Igor. Ele diz que o aprovei-
enorme demanda e diminuir as queimadas, tamento de biomassa requer tecnologias que

146 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

ainda precisam ser desenvolvidas, especial- dar viabilidade à produção de energia em


mente em escala industrial. quaisquer produtos da biomassa. Há co-
Os estudos no IFSC são principalmen- quetéis enzimáticos específicos para cada
te dedicados à produção do chamado co- tipo de biomassa. Queremos entender, em
quetel enzimático, em que fungos têm sido nível molecular, o que acontece em cada uma
cultivados para produzir enzimas que, uma dessas etapas de produção, salienta Polikarpov.
vez incorporadas em biomassas específicas, Há interesse de vários países europeus
podem torná-las mais maleáveis através do na pesquisa, pois querem encontrar alter-
aumento da eficiência hidrolítica (produção nativas para a produção de energia limpa
de açúcar): Trabalhamos no isolamento, ca- que não utilize apenas a cana-de-açúcar
racterização e cristalização das enzimas que ou milho para produção – matérias-pri-
compõem o coquetel enzimático, produzidas mas ausentes nesses países. Por esse moti-
pelos fungos que cultivamos. Há empenho nos vo, parcerias têm sido firmadas entre pes-
estudos para otimização dos processos que quisadores brasileiros e europeus: Mais de
buscam resultados mais eficientes e custos cinquenta instituições de pesquisa, além de
baixos, menciona o pesquisador. empresas, estão envolvidas. Fazemos análi-
O principal desafio é descobrir como ses conjuntas, afirma o docente: Nossos ob-
transformar uma biomassa maleável, es- jetos de pesquisa são distintos, mas a troca
tudando-se as formas de processar e se- de informações é essencial. Essa parceria é
parar compostos da biomassa, hidrólise algo importante, não somente pelo conhe-
e fermentação: Entender o que acontece cimento que será absorvido, mas também
com a biomassa em cada uma das etapas pelo fato de estar inserindo a pesquisa bra-
de produção de etanol é o princípio para sileira no mundo, conclui Igor.

A física a serviço da sociedade | 147


Energia e meio ambiente

Do norte ao sudeste - Pesquisa busca


aproveitamento sustentável de micro-organismos
12 de Setembro de 2011

A pesquisadora da Universidade Esta-


dual do Amazonas (UEA), Maria An-
tonia Souza, encarou fazer o longo trajeto
a construção de um protocolo com vistas à
produção de metabólicos secundários bio-
ativos*, a partir de micro-organismos: Esse
até São Carlos para enriquecer sua pesqui- protocolo foi construído a partir de minha
sa. Desde dezembro de 2010, conta com a dissertação de mestrado e durante dois anos
colaboração do docente do IFSC, Igor Poli- foi o artigo mais consultado da América La-
karpov, para estudar a prospecção de cepas tina sobre o assunto, enfatiza.
fúngicas da Amazônia que produzem enzi- Com um novo tópico em seus estudos,
mas hidrolíticas. agora ela também trabalha com o meta-
Fungos e bactérias produzem esse bolismo primário dos organismos, que
tipo de enzimas que podem ser usadas envolve a produção de enzimas. Sobre a
para biorremediação (aplicação de pro- conservação da Amazônia e dos micro-or-
cessos biodegradáveis no tratamento de ganismos que lá vivem e podem ser objeto
resíduos para recuperação e regeneração de estudos para novas pesquisas, ela afirma
de ambientes) e produção de bioetanol de que embora muito já tenha sido devastado,
segunda geração (menos poluente do que alguns estados estão melhores que outros:
o de primeira geração). O Estado do Amazonas ainda tem a maior
Maria Antonia, que na UEA trabalha área de floresta natural preservada. Quando
com genética humana e de micro-organis- pensamos na salvação da natureza, não po-
mos, atualmente orienta alunos da mesma demos deixar de pensar também na salvação
universidade para utilização sustentável dos do homem e na preservação das pessoas que
micro-organismos: Eu e Igor já seleciona- sobrevivem nessas regiões, finaliza.
mos cepas fúngicas que produzem celuloses _________________
e outras enzimas de interesse para produção *Produto do metabolismo de substâncias
do bioetanol e, no momento, estamos traba- de organismos vivos. Os secundários são
encontrados somente em grupos de orga-
lhando para elucidar as estruturas dessas
nismos restritos, como plantas, micro-or-
enzimas, conta a pesquisadora. Ela destaca ganismos e insetos.

148 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

CCMC: Nanomateriais para produção de


hidrogênio
01 de outubro de 2011

quisadores que procura contribuir para a so-


lução desse problema.
A pesquisa tem em vista investigar se
nanomateriais óxidos, na forma de pós de
dimensões nanométricas, poderão ser uti-
lizados como catalisadores, especialmente
para a reação que envolve o etanol. Segun-
do Dantas de Araújo, o produto final da
catálise pode ser gases, como o hidrogênio.
O trabalho é desenvolvido sob orientação
da doutora Maria Inês Basso Bernardi, in-

E ntre os problemas de poluição do ar


nas grandes cidades, um dos princi-
pais é o enorme índice de veículos motori-
tegrante do CCMC e do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia dos Materiais em
Nanotecnologia (INCTMN). O estudo está
zados nas ruas, devido à queima de com- focado na síntese de nanopós à base de óxi-
bustíveis fósseis. Existem leis que limitam dos de cério.
a quantidade de poluentes que os veículos A pesquisa tem perfil acadêmico bá-
podem emitir e novas tecnologias têm sico, mas possui perspectivas de aplicação
sido usadas para contribuir na melhoria tecnológica desde que se domine o proces-
da qualidade do ar.  Os automóveis utili- so de fabricação e que seja possível produ-
zam um catalisador que trata os gases de zir hidrogênio. Como no futuro se acredita
escapamento antes que sejam emitidos na na grande demanda por hidrogênio para os
atmosfera. carros, o trabalho realizado por Dantas de
A indústria automobilística busca en- Araújo tem também como meta determinar
contrar catalisadores mais eficientes e de as características necessárias para tal.
custo mais baixo para atender a demanda Vinícius ressalta as vantagens e apli-
com diferentes combustíveis, sejam eles cações de sua pesquisa: No primeiro caso,
fósseis, etanol ou biodiesel. O doutorando você tem a produção de hidrogênio a partir
Vinícius Dantas de Araújo, do Grupo de do etanol, que é um combustível limpo e que
Pesquisa Crescimento de Cristais e Materiais o Brasil produz em grandes quantidades.
Cerâmicos (CCMC) do IFSC, é um dos pes- Vamos supor que já exista o combustível

A física a serviço da sociedade | 149


Energia e meio ambiente

de hidrogênio e que os carros já tenham em minimizando o problema de destruir a cé-


seus cilindros este gás; quando ele vai passar lula, ressalta.
pelo motor que faz a conversão de hidrogê- O doutorando produz nanopós a partir
nio para eletricidade, o material que faz essa de dois métodos de síntese: o método Pechi-
conversão tem um problema: se no gás de ni e do hidrotermal assistido por microon-
hidrogênio existir um pouco de monóxido das. O objetivo é analisar a partir das mor-
de carbono misturado, esse seu dispositi- fologias dos nanocristais quais poderão se
vo vai parar de funcionar com o tempo, mostrar mais eficientes na reação catalítica.
pois o monóxido de carbono  prejudica o Vinícius finaliza: Por exemplo, se eu te-
motor do carro. Então, além da produção nho um cubo, um bastão, uma esfera e uma
do hidrogênio, o pó que estamos tentando fita, qual dessas morfologias vai ter a maior
produzir também poderá remover o monó- eficiência na produção de hidrogênio ou
xido de carbono do motor, capturando-o e na remoção de monóxido de carbono? Esse
transformando-o em dióxido de carbono, também é um dos focos do nosso trabalho.

150 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

Meio ambiente - Como a física pode salvar


nosso planeta
08 de Novembro de 2011

S e o homem teve o poder para transfor-


mar o meio ambiente num lugar menos
aprazível, ele também pode, com as ferra-
do consumo e consequente emissão de
gases poluentes na atmosfera. Isso tem
motivado pesquisadores a buscar com-
mentas certas e com estudos bem direcio- bustíveis mais limpos, principalmente
nados, encontrar alternativas que melho- para veículos motorizados.
rem o cenário que ao longo dos anos ele Atualmente, entre 12 e 13% dos com-
próprio tem destruído. Através da biologia, bustíveis produzidos no mundo são de fon-
química, engenharia e física, ferramentas tes alternativas de energia. Os destaques
têm sido aperfeiçoadas em busca de alter- vão para energia solar, eólica e de biomas-
nativas inteligentes para melhorar o am- sa e todas podem ser aproveitadas e repos-
biente. tas no meio ambiente, conta Igor Polikar-
pov, docente do IFSC e pesquisador de
O físico e as energias alternativas
combustíveis alternativos.
Para a produção desse tipo de ener-
gia, diversos processos físicos estão en-
volvidos. Transformar a biomassa em
combustível requer hidrólise enzimática;
transformação de fótons de luz solar em
energia elétrica envolve materiais semi-
condutores e transistores; produção de
energia eólica passa por processos de
engenharia, com forte embasamento em
processos físicos: Atualmente, estuda-se
o movimento mecânico das ondas do mar
acoplado a geradores de eletricidade, como
nova forma de produzir energia elétrica,
Alguns fenômenos e processos têm conta Igor.
contribuído para o aquecimento global. A mais nova e uma das mais promisso-
Entre eles o grande crescimento popu- ras fontes de energia alternativa é a biomassa,
lacional, especialmente nos países de área em que os projetos de Igor se inserem.
baixa renda, acompanhado do aumento Nela se utilizam bagaço da cana e cascas de

A física a serviço da sociedade | 151


Energia e meio ambiente

eucalipto como matéria-prima para produ- O físico e o saneamento básico


zir biocombustíveis: O conhecimento sobre
processos de pré-tratamento de biomassa, o A degradação do meio ambiente é
desenvolvimento de catalisadores para deses- acelerada devido à falta de saneamento
truturá-la e a extração de combustível da pró- básico no Brasil e no mundo. A poluição
pria biomassa só serão atingidos utilizando gerada pelo lixo mal direcionado, ou sim-
ferramentas de física, menciona Igor. plesmente pela precária infraestrutura, é
Para o pesquisador, não só desenvol- um problema: Não temos plataformas bem
ver novos combustíveis, mas sobretudo desenvolvidas para o tratamento de esgotos.
utilizá-los de maneira racional, é uma pre- Países desenvolvidos não têm esse proble-
missa para que o aproveitamento seja efe- ma, ao contrário daqueles em desenvolvi-
tivo: De nada adianta produzirmos energia mento, como Índia e China. Isso de certa
alternativa, se a desperdiçarmos. No mun- maneira reforça a necessidade dos estudos
do afora, físicos já trabalham também nesse de tecnologias para resolver problemas des-
quesito: desenvolver energia elétrica e usá- se tipo, como o tratamento de água poluída,
-la de maneira inteligente, pontua o pes- explica Igor: Nisso, o físico pode contribuir
quisador. no estudo das propriedades de materiais
Ele exemplifica com a atual produção nanoestruturados, por exemplo.
de carros híbridos- que funcionam com O estudo de materiais e processos físi-
gasolina e energia elétrica: Tenho certeza cos serve como alicerce para solucionar os
que para a preservação do meio ambiente, a diversos problemas do meio ambiente, o
solução se encontra nos estudos de conceitos que requer atuação de profissionais de di-
básicos de física, com a aplicação de energia versas áreas: É importante frisar que, além
renovável e seu uso otimizado, afirma Igor. de estudos fundamentais relacionados à
física, outros que transcendam uma única
disciplina são essenciais. Meio ambiente
envolve, necessariamente, química, biologia,
física, engenharia etc. A maioria dos estudos
é tipicamente interdisciplinar e supra depar-
tamental, esclarece Igor.

152 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

Energias Renováveis: Novas enzimas que


degradam biomassa podem revolucionar
biorrefinarias nacionais
21 de Novembro de 2011

A FAPESP aprovou neste último mês


um importante investimento numa
pesquisa brasileira para otimizar o proces-
em 2009, mostram que os biocombustíveis
responderam por mais de 30% da oferta
total na matriz energética estadual e a par-
so de produção de bioenergia, com novos ticipação de insumos primários renováveis,
tipos de enzimas capazes de degradar bio- como a cana-de-açúcar, o melaço e o ba-
massa. O projeto envolve pesquisadores de gaço, ampliou em 95% a produção energé-
São Carlos em colaboração com a Univer- tica estadual.
sidade de York (Reino Unido), e já recebe Em 2009, a FAPESP estabeleceu por
recursos europeus. Com esse investimen- três anos um acordo de cooperação com
to, poder-se-á ampliar o reconhecimento os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido
que São Paulo e o Brasil já têm no que diz (RCUK, na sigla em inglês para Research
respeito às energias renováveis. Councils UK), tendo em vista apoiar pro-
jetos de pesquisa cooperativos entre pes-
quisadores britânicos e brasileiros. As pro-
postas elaboradas no âmbito deste acordo
são submetidas diretamente aos RCUK,
aos cuidados do Conselho de Pesquisa da
área em questão, ou seja, os projetos são
julgados pelos britânicos.
Foi por essa razão que os pesquisadores
brasileiros Igor Polikarpov e Eduardo Ri-
beiro de Azevedo, do IFSC, Sandro José de
Souza (Ludwig Institute for Cancer Research)
e Wanius José Garcia da Silva (UFABC),
encararam a aprovação de sua proposta
na Europa em abril deste ano como uma
honra: O Reino Unido tem uma taxa mui-
Dados da Agência Paulista de Promo- to pequena de aprovação de projetos - ape-
ção de Investimentos e Competitividade, nas 10% das propostas -, enquanto o Brasil

A física a serviço da sociedade | 153


Energia e meio ambiente

aprova quase metade. Ter sido aprovado em do que estas biomoléculas. As enzimas são
segundo lugar foi uma grande satisfação, co- especializadas na catálise de reações bio-
menta Polikarpov, coordenador do projeto lógicas, com desempenho muito superior
de pesquisa. a qualquer catalisador já produzido pelo
A proposta brasileira, enviada ao homem.
BBSRC (Biotechnology and Biological O fator que mais impede o aprovei-
Sciences Research Council) em outubro tamento pleno desta capacidade das en-
do ano passado, pode ser resumida como zimas é o procedimento normalmente
uma nova abordagem para investigar enzi- aplicado na distinção, caracterização e
mas na degradação do bagaço da cana-de- posterior cultivo da enorme quantidade
-açúcar, pesquisa que complementa uma de micro-organismos para degradar qual-
proposta inglesa liderada pelo professor quer matéria. Segundo Polikarpov: Os mi-
Neil Bruce, da Universidade de York, cujo cro-organismos não conseguem transferir
objeto de pesquisa é um produto parecido biomassa para dentro das células, mas eles
com o feno. A ideia central deste projeto convertem-na em açúcar para energizar a
de pesquisa é encontrar enzimas capazes célula; então, essas proteínas que investi-
de degradar biomassa para a produção de gamos são excretadas para fora da célula.
combustível e energia elétrica, em substi- Assim, no genoma das células existem
tuição às formas convencionais derivadas apenas aproximadamente 5% de enzimas
do petróleo. que de fato interessam aos pesquisadores.
Segundo Polikarpov, os cientistas A novidade do projeto é que tendo
atualmente conseguem cultivar em labo- conhecimento da potencialidade destas
ratório apenas 1% dos micro-organismos enzimas e compreendendo seu funciona-
presentes no Universo, o que significa di- mento, os pesquisadores desenvolveram
zer que 99% destes micro-organismos não uma tecnologia que permite uma marca-
podem ser apreendidos: são perdidos e ção mais exata de enzimas extracelulares.
morrem. Por essa razão, o procedimento O segredo é a exploração de um mecanis-
mais comum é selecionar um conjunto mo de afinidade proteica que não atravessa
destes micro-organismos, sem distingui- membranas biológicas e, por isso, apenas
-los ou caracterizá-los, e sequenciar seu acessa e marca proteínas extracelulares:
DNA – a chamada atitude metagenômica. Com essa marcação podemos ‘purificar’
No entanto, esta técnica revela-se pouco parcialmente enzimas, ou seja, enriquecer a
eficiente quando o objetivo não é estudar concentração das enzimas naquilo que você
todos os genes, mas sim enzimas específi- está extraindo da biomassa, neste caso a lig-
cas e, como é o caso desta pesquisa espe- nocelulose (princípio do bioetanol) e a cul-
cífica, enzimas que os micro-organismos tura microbiana, sequenciando pequenos
secretam. No que diz respeito à produção pedaços destas proteínas – a que chama-
de energia, nada pode ser mais eficiente mos de procedimento proteômico, explica

154 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

Polikarpov. Desta forma, comparando as de ácido e de explosões de vapor para tra-


informações genômicas com as informa- tar a lignocelulose, o que é pouco eficiente e
ções proteômicas - uma junção chamada depende de energia elétrica, além de custar
de análise secretômica -, é possível carac- caro. Isso ocorre porque o processo de de-
terizar cada enzima de acordo com suas gradação da lignocelulose depende justa-
funções e encontrar aquelas que se procura mente daquela pequena porcentagem de mi-
para sequenciar sem precisar analisar um cro-organismos que os cientistas conseguem
enorme conjunto de micro-organismos, dos caracterizar, o que acaba por encarecer todo
quais 95% serão inúteis. Com estes procedi- o processo: Hoje, cerca de 25% do custo do
mentos é possível analisar as enzimas secre- biocombustível são para o cultivo desta pe-
tadas durante a degradação da biomassa que quena quantidade de enzimas, conta Polikar-
ocorre na hidrólise deste bagaço – quebra pov. Daí a grande importância de descobrir
de uma molécula através da água. Essas e identificar enzimas que degradem biomas-
biorrefinarias têm grande potencial para sa - mais termoestáveis, mais abundantes no
substituir o petróleo na produção de com- Universo, mais eficientes.
bustível e energia elétrica. O apoio a pesquisas deste porte indica
Espera-se com a pesquisa conceber que a bioenergia é uma realidade consolida-
biorrefinarias com menor custo. A confi- da no Brasil e revela uma meta nacional am-
guração atual das biorrefinarias requer uso biciosa para o desenvolvimento sustentável.

A física a serviço da sociedade | 155


Energia e meio ambiente

Meio ambiente – Cuidados a tomar com os


vários tipos de lixo
29 de Novembro de 2011

V ivendo num mundo em que os ape-


los à preservação ambiental e aos
cuidados com a saúde são prioridades,
pendente: qual o destino dos resíduos
provenientes dos processos nucleares?

vemo-nos constantemente em contato


com campanhas de conscientização sobre
O que há no lixo nuclear?
como lidar com o lixo que produzimos.
Reduzir, Reutilizar, Reciclar: estes ver- Os rejeitos nucleares são materiais já ir-
bos parecem resumir as ações para a pre- radiados, que pode ainda emitir radia-
servação. Além do lixo doméstico, outros ção através de elementos como urânio,
rádio, potássio, tório, carbono, césio e
tipos de lixo necessitam de cuidados es-
iodo. São classificados em três tipos:
peciais, por poderem causar danos seve-
Lixo de baixo nível de radiação: um
ros ao meio ambiente e ao ser humano – lixo de vida curta, com baixa radioa-
lixo hospitalar, lixo químico, lixo nuclear. tividade, inclui a roupa protetora con-
taminada e alguns equipamentos de
O lixo nuclear hospitais, fábricas, universidades e in-
dústrias de energia nuclear.
Os resíduos provenientes de proces-
Lixo de nível de nível intermediário
sos nucleares - materiais radioativos pro-
de radiação: o lixo sólido de maior
duzidos por usinas nucleares e laborató- volume, como equipamentos usados,
rios de exames clínicos - têm alarmado frascos de transporte e lama radioativa
populações por todo o mundo. Em 2011 de usinas nucleares, de fábricas de pro-
o acidente na usina nuclear de Chernobyl cessamento de combustível e unidades
completou vinte e cinco anos, reacenden- de fabricação de armas nucleares.
do discussões sobre a viabilidade da ener- Lixo de alto nível de radiação: com-
gia nuclear, ao lado das explosões ocorri- bustíveis sólidos e líquidos usados em
das no complexo nuclear de Fukushima, indústrias de energia nuclear.
no Japão, após o tsunami que devastou o
país em abril deste ano. Além dos supos-
tos perigos que a população teme devido O combustível utilizado para fazer
ao funcionamento de usinas de produção funcionar os reatores nucleares contém
energética deste tipo, há uma questão basicamente urânio 235 e 3% de urânio

156 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

238 (urânio enriquecido). No processo de alta precisão. A estrutura das piscinas é


fissão, o urânio 238 é transformado em construída de maneira muito especial, com
uma série de materiais, em sua maioria um tipo de concreto reforçado e extrema-
inofensivos. Alguns deles, entretanto, são mente resistente às ações do tempo, afirma
perigosos, como o césio 137, o selênio e o Hornos.
plutônio, que constituem o que se chama Ainda segundo o pesquisador, as usi-
de rejeito radioativo. Estes são os ele- nas nucleares são o único tipo de empre-
mentos de longa vida: enquanto os outros endimento que trabalha com o conceito
materiais decaem rapidamente, estes con- de descomissionamento, ou seja, com a
tinuam irradiando por longo tempo. Esta inclusão em seu projeto inicial dos pro-
pequena parte do combustível nuclear cedimentos a serem adotados quando da
deve ser armazenada cuidadosamente até desinstalação da mesma. Assim, os rejei-
que cesse de irradiar. tos têm um destino certo antes mesmo de
Atualmente, o método para impedir existirem. O que será feito, então, com es-
que este rejeito afete o meio ambiente é tes resíduos após o desmonte das usinas?
inseri-lo em uma espécie de piscina com No Brasil, como em vários outros pa-
água. O material fica totalmente coberto, íses, como China e França, será constru-
com um mecanismo de filtragem para ído um repositório com barreiras de en-
subtrair os elementos radioativos, que genharia e geológicas projetadas para um
são átomos pesados e, por essa razão, são período de aproximadamente quinhentos
filtrados com facilidade: A água é um ex- anos, o que é ainda um período relativa-
celente obstáculo para a radiação, perden- mente curto para a segurança destes ma-
do apenas para o chumbo ou para o con- teriais. Estes repositórios serão constru-
creto em capacidade de blindagem, com a ídos a uma grande profundidade de um
vantagem de resfriar o combustível, afirma local deserto, de forma que a propagação
o pesquisador José Eduardo Martinho através da água não seja um risco: os ma-
Hornos, docente do IFSC e especialista teriais serão ali depositados após serem
em energia nuclear. revestidos de uma cobertura especial que
Segundo o pesquisador, este ambien- bloqueie a emissão de radioatividade.
te é monitorado por tecnologias de alta Por que então não construir locais
precisão e por uma cabine supervisiona- resistentes a maiores períodos de tempo?
da dentro da própria usina. Como a ra- Hornos explica que os materiais emis-
diação é onda eletromagnética, o único sores de radioatividade são elementos
risco que decorreria deste método seria nobres, exóticos. Eles são temidos atual-
a contaminação do solo ou a evaporação mente, mas podem ter grande potencial
da água: Estes dois riscos são facilmente de aplicações benéficas à sociedade, se
detectados com a precisão dos equipa- um dia dominados, diferentemente do
mentos na usina, baseados em lasers de lixo químico ou hospitalar: Não sabemos

A física a serviço da sociedade | 157


Energia e meio ambiente

ainda como as propriedades destes mate- que não podemos manipular com faci-
riais podem ser utilizadas, então pode não lidade: A relação sensitiva se dá através
ser uma boa ideia fazer um grande investi- de um equipamento tecnológico, de um
mento para esconder elementos preciosos, ponteiro, e nós tememos muito aquilo so-
estima o docente. bre o qual não temos um controle natural,
Os medos decorrentes dos perigos do reflete o pesquisador. Mas a defesa con-
lixo não são meros frutos da imaginação tra estas ameaças não é impossível; pelo
do ser humano. Na modernidade, aquilo contrário, pode ser bastante eficaz quan-
que mais tememos é o inimigo invisível, do encarada com a gravidade que lhe é
silencioso, aquele que não podemos ver, devida, com seriedade e profissionalismo.

158 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

Trabalho de aluno do IFSC objetiva carro


elétrico 100% limpo
09 de Março de 2012

Mesmo com motor elétrico, este tipo de


carro possui um pequeno motor a gasoli-
na, necessário para ligar um gerador para
produzir energia elétrica.
Um pesquisador brasileiro, que atu-
almente realiza seu doutorado sanduíche
na Universidade de Valência (Espanha),
poderá ser um dos responsáveis por
mudar essa realidade. Físico de forma-

F az algum tempo que os carros elétri-


cos estão fazendo sucesso em feiras
automobilísticas internacionais. Embora
ção pela Universidade Estadual Paulis-
ta (Unesp),Vinícius Dantas de Araújo é
aluno de doutorado na Pós-Graduação In-
tenham alcançado notoriedade pela pro- terunidades em Ciência e Engenharia de
paganda de seus fabricantes sobre o fato Materiais, promovida pelas Unidades do
de serem sustentáveis, é de salientar que o campus da USP de São Carlos.
carro elétrico ainda não é totalmente lim- Depois de iniciar seu doutorado, sob
po. Diferentemente dos automóveis con- orientação da Dra. Maria Inês Basso Ber-
vencionais com motor movido a gasolina, nardi, pesquisadora do Grupo Crescimen-
o carro elétrico funciona através de um to de Cristais e Materiais Cerâmicos do
motor elétrico, com as chamadas células IFSC, Vinícius optou por continuar seus
a combustível, onde o hidrogênio, em sua estudos com materiais óxidos, mas dessa
forma gasosa, serve de matéria-prima. vez com óxido de cério (CeO2) dopado
As barreiras a serem vencidas para com cobre (Cu). Um átomo de cério na
aumentar a quantidade de carros elétricos molécula CeO2 é substituído por um áto-
nas ruas incluem o preço. Especialmente mo de cobre (Cu), material que pode ser
no Brasil, onde esses carros ainda não são utilizado como catalisador (dispositivo
fabricados, os modelos disponíveis são que trata gases emitidos pelo escapamento
caros devido aos impostos (por exemplo, de carros) para fazer a oxidação do monó-
um Mitsubishi MiEV custa mais de R$100 xido de carbono (CO).
mil). A segunda questão diz respeito ao Em termos práticos, fazer a oxida-
conceito de uso ecologicamente correto. ção do CO é transformá-lo em CO2. Essa

A física a serviço da sociedade | 159


Energia e meio ambiente

transformação justifica-se porque carros purificação. Vinícius já chegou a resulta-


elétricos têm seu funcionamento basea- dos animadores: Já fizemos testes de catá-
do na chamada tecnologia do hidrogênio lise e os resultados mostraram que o óxido
(utilização do hidrogênio como combus- de cério dopado com 3% de cobre consegue
tível). Transformá-lo em combustível, no fazer 100% de oxidação do monóxido em
entanto, exige algumas especificidades: Os dióxido. Outro material estudado, o óxido
eletrodos responsáveis por transformar hi- de cério dopado com cobalto, já conseguiu
drogênio gasoso em eletricidade param de transformar o etanol em hidrogênio, come-
funcionar muito rapidamente, caso haja mora o aluno. Diante de tais resultados,
monóxido de carbono. A ideia é utilizar- um carro totalmente elétrico poderá ser
mos o catalisador [CeO2] para transformar produzido no futuro. Ou seja, o pequeno
o monóxido em dióxido, já que este último motor a gasolina, que compõe esses auto-
não inviabiliza o processo, como o CO, ex- móveis atualmente, poderá ser substituído
plica o doutorando. dentro de algum tempo.
Noutra parte da pesquisa, Vinicius uti- Durante o ano em que ficará na Es-
liza como dopante o cobalto (Co), ao invés panha, Vinícius pretende aprimorar suas
do cobre (Cu). O intuito é que o óxido de pesquisas através de caracterizações ópticas
cério dopado com cobalto seja eficiente na e correlacionar as propriedades ópticas e
produção de hidrogênio gasoso, a partir estruturais do material (óxido de cério do-
da reforma do vapor do etanol: As molécu- pado com cobre ou cobalto) com sua efici-
las de etanol passam pelo catalisador e tudo ência como catalisador. Pretende produzir
será transformado em hidrogênio e dióxido células a combustível completamente lim-
de carbono, menciona o aluno. pas e sobretudo mais baratas: No momento,
As metas nos dois estudos diferentes esses materiais não são economicamente viá-
de Vinícius incluem, no primeiro caso, a veis para produção em larga escala. Mas em
produção de hidrogênio; no segundo, sua futuro breve isso mudará, finaliza Vinicius.

160 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

O dispositivo limpo para


monitorar o meio ambiente
14 de Março de 2012

S ensores são dispositivos capazes de de-


tectar substâncias específicas, medir
taxas de glicose no sangue ou detectar
consiste no preparo e caracterização de
sensores enzimáticos eletroquímicos.
Para construção destes biossensores são
movimento, como nos alarmes instalados utilizadas enzimas extraídas de fontes
em residências que funcionam a partir de naturais, como vegetais e frutos.
luz infravermelha. Um biossensor funcio- Uma das enzimas estudadas por Dé-
na da mesma forma e recebe o prefixo bio bora, a polifenol oxidase, catalisa reações
por conter uma biomolécula cuja respos- de oxidação de compostos tóxicos, como
ta química é transformada em sinal a ser fenol, catecol, atrazina, carbamatos, clo-
medido. Os mais comuns são os ópticos, rofenóis e outras classes de pesticidas. O
eletroquímicos, de variação de massa e de Grupo tem investigado métodos de imo-
capacitância. bilização de enzimas, essencial para pro-
duzir biossensores. O biossensor que o
Grupo produz é formado por enzima e
Biomoléculas são compostos quí-
polímero. Depois da escolha da enzima
micos sintetizados por seres vivos, e
específica, é possível definir para qual pro-
que participam da estrutura e do fun- pósito será direcionado o biossensor.
cionamento da matéria viva. São, na sua
maioria, compostos orgânicos, cujas
massas são formadas em 97% de C, H,
O e N (Carbono, Hidrogênio, Oxigênio
e Azoto e Nitrogênio). Ou seja, são as
proteínas, glicídios, lipídios, DNA etc.
O elemento principal é o carbono pois
é capaz de formar quatro ligações.
Fonte: Wikipidia.

No Grupo de Polímeros Prof. Bernhard


Gross, do IFSC, uma das linhas de
pesquisa da docente Débora Gonçalves

A física a serviço da sociedade | 161


Energia e meio ambiente

O monitoramento ambiental diversos aspectos. Tamanhos menores


e custos expressivamente inferiores são
duas das vantagens que podem apresen-
tar: Hoje faz-se monitoramento ambien-
tal através de cromatografia [técnica de
separação de misturas e de seus compo-
nentes] com equipamentos muito caros.
Se tivermos um sensor descartável que
possa ser utilizado localmente, será mui-
to melhor. Nós trabalhamos pensando na
miniaturização, aperfeiçoamento e custo
mais baixo do dispositivo, afirma.

As enzimas são “produtos” naturais


biológicos. Têm a função de viabilizar a
atividade das células, quebrando molé-
culas ou juntando-as para formar novos
compostos. Fazer a inibição enzimática
Biossensor miniaturizado. significa reduzir a velocidade de sua re-
Foto: Maurício Foschini. ação. Uma vez imobilizada, uma enzima
pode ser útil à indústria de alimentos,
produzindo açúcares solúveis, e à in-
No Grupo de Polímeros estão sendo
dústria farmacêutica, servindo de fonte
construídos biossensores com enzimas ex-
à produção de penicilina sintética.
traídas de extrato de abacate imobilizadas
em matrizes poliméricas, capazes de fazer
o chamado monitoramento ambiental. Para Por se tratar de pesquisa básica, o in-
tanto, realiza-se um conjunto de observa- tuito principal é fazer diversos testes com
ções e medições de parâmetros ambientais enzimas e matrizes diferentes. Busca-se o
contínuos, servindo como controle ou alar- biossensor mais eficiente, barato e não no-
me para eventuais desequilíbrios: emissões civo ao meio ambiente- tanto no que diz
gasosas de uma fábrica, umidade de um respeito à maneira de ser produzido, como
solo ou poluentes na água de lagos, são na função a que será direcionado. No Brasil
exemplos de monitoramentos ambientais. há diversos grupos de pesquisa em biossen-
Comparados ao que se tem hoje sores e isso pode facilitar a transferência do
no mercado, os dispositivos que Débo- conhecimento para aplicações no mercado.
ra almeja produzir serão superiores em

162 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

A óptica na produção de biocombustíveis


20 de Março de 2013

O termo sustentabilidade é recorrente


nos meios científicos e na sociedade,
pressupondo o desenvolvimento de
acesso à celulose pura, com perspectivas
de produzir biocombustíveis com 30%
mais de eficiência.
tecnologias inovadoras, como para gerar
energia limpa. Isso pode ser atingido com
biomassa, que significa a quantidade total
de matéria orgânica na população animal
ou vegetal. Para produzir biocombustíveis,
em particular, o constituinte importante
na biomassa é a celulose, pois outro com-
ponente importante - a lignina - não tem
papel relevante nessa produção.
Mesmo que não possa ser transforma-
da em etanol, a lignina funciona como a liga
que mantém as fibras de celulose unidas e
sustentadas. Retirá-la da fibra de celulose
significa desestabilizar a celulose e permitir
que esta fique no estado ideal para produção
de combustível.
No IFSC, o docente Igor Polikarpov,
do Grupo de Cristalografia, coordena uma
pesquisa no âmbito do Programa EMU da
FAPESP* que visa à transformação da bio- Relação entre fração de lignina no bagaço de
massa do bagaço da cana-de-açúcar em cana de açúcar e seu tempo de decaimento
etanol. Em parceria com Igor, o docente da fluorescência.
Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, do Usando microscopia confocal de fluo-
Grupo de Semicondutores, com a colabo- rescência, Francisco vem medindo peque-
ração do mestrando Vitor Carlos Colleta nas frações de lignina de fibras de bagaço de
e da pesquisadora da Unicamp, Camila cana-de-açúcar, após estas sofrerem trata-
Alves Rezende, coordena outro projeto mentos químicos específicos: A maioria dos
que criou nova metodologia óptica para métodos existentes só conseguiu medir con-
separar as três componentes da biomassa centrações de lignina de até 9%. Já chegamos
da cana-de-açúcar. Com isso, pode-se ter a 1%, porque através das técnicas específicas

A física a serviço da sociedade | 163


Energia e meio ambiente

que utilizamos conseguimos enxergar coisas


que as outras técnicas não conseguem, afirma
o docente.
Essa descoberta e a nova metodologia
desenvolvida por Francisco podem in-
fluenciar a produção de biocombustíveis.
O docente afirma que nos experimentos
verificou uma relação direta entre concen-
tração de lignina e propriedades ópticas: Esquema de microscopia confocal de uma fi-
Pelo decaimento da fluorescência da lignina bra isolada de bagaço de cana de açúcar
conseguimos identificar sua concentração
na fibra e mapear sua presença ao longo da Tantas novidades e inovações da pes-
parede da fibra de cana de açúcar. quisa em questão chamaram a atenção
Outra novidade é a medição individu- dos editores da revista inglesa Biotechno-
al de fibras de celulose. As técnicas já utili- logy for Biofuels, que em fevereiro passado
zadas com esse propósito só eram capazes aceitaram o artigo científico de Francisco
de medir um conjunto de fibras: Quando sobre essa pesquisa: Essa é uma revista de
se analisam diversas fibras de celulose jun- alto impacto e todos os árbitros da revista
tas não se observam muitos detalhes, o que que avaliaram o artigo gostaram, pontua o
conseguimos com microscopia confocal, pesquisador.
afirma Guimarães. Sobre perspectivas futuras, Francisco
Com uma visualização muito mais afirma que um dos objetivos é desenvolver
detalhada, Francisco notou que o arran- metodologias para deixar frações ainda
jo de ligninas em fibras de celulose é ex- menores de lignina nas fibras, indo do 1%
tremamente organizado em qualquer ser (já alcançado) ao 0%.
vivo e que quando rompido esse ordena- _________________
mento através dos pré-tratamentos quí- *O Programa Equipamento Multiusuários
micos, a lignina aglomera-se na parede (EMU) tem por objetivo apoiar a aquisição de
externa das fibras. Equipamentos para Pesquisa que não podem,
ordinariamente, ser adquiridos em Auxílios
à Pesquisa Regulares ou Projetos Temáticos
(fonte: site FAPESP).

164 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

Energia elétrica acessível e barata


13 de Agosto de 2013

H á alguns meses, muitos receberam


com ceticismo a notícia de que as
tarifas de energia elétrica poderão ficar
baseados em matrizes de silicatos e/ou
organo-silicatos, incorporando comple-
xos de terras raras e corantes, como a
mais baratas a partir de 2014. Aqueles rodamina. Através da colaboração com o
que conseguirem manter desligados os IQSC e Portugal, busca-se utilizar como
chuveiros e aparelhos de televisão entre matrizes hospedeiras biopolímeros natu-
as 18 e 21 horas, período em que o preço rais, como celulose, DNA e pectina. Além
da energia custará mais, poderão usufruir de abundantes na natureza, de baixo cus-
tarifas mais baratas em outros horários. to, de fácil extração e biocompatíveis, os
De acordo com especialistas, uma eco- polímeros naturais, abrigando moléculas
nomia de até 45% poderá ser gerada na luminescentes, podem ser facilmente pro-
conta de energia elétrica. cessados na forma de filmes. São assim
A medida, necessária em razão da difi- criadas possibilidades de aplicações em
culdade de se produzir energia elétrica sufi- células solares, células eletroluminescen-
ciente para suprir a demanda atual, poderá tes (LEECs) e diodos orgânicos (OLEDs),
ser obsoleta em alguns anos se depender além de sensores e marcadores biológicos.
do esforço de pesquisadores do Laborató- Nas células solares, materiais conten-
rio de Espectroscopia de Materiais Funcio- do corantes orgânicos permitem aumentar
nais (LEMAF) do IFSC. Em parceria com a eficiência de absorção de luz, o que resul-
pesquisadores da Universidade do Minho ta em maior eficiência de conversão elétri-
(Portugal) e do IQSC*, um estudo coorde- ca. Para as LEECs e OLEDs, é necessário
nado pela docente do IFSC, Andréa S. Stuc- que os materiais, além de luminescentes,
chi de Camargo, visa ao aproveitamento da sejam bons condutores de carga. Para al-
energia solar usando-se materiais híbridos cançar esta multifuncionalidade, várias
capazes de captar luz solar de maneira ba- composições de biopolímeros contendo
rata, sustentável e abundante. sais de lítio e outros aditivos estão sendo
Na pesquisa de novos materiais lumi- estudados. O grupo da docente Agnieszka
nescentes, o grupo de Andrea tem se de- Maule (IQSC) tem vasta experiência no as-
dicado a matrizes inorgânicas ou híbridas sunto, com pesquisas que agora se expan-
inorgânico-orgânicas, mesoporosas, que dem através da colaboração com Andrea.
possam abrigar moléculas luminescen-
tes, como complexos metálicos e coran-
tes. Vários trabalhos já foram publicados

A física a serviço da sociedade | 165


Energia e meio ambiente

qualidade óptica e propriedades fotofísicas


promissoras, informa a pesquisadora.
Ainda que seja primordialmente pes-
quisa básica, Andrea ressalta a impor-
tância dos estudos para contribuir com
o desenvolvimento tecnológico do Brasil
em áreas onde não somos competitivos
com outros países. Além disso, o caráter
multidisciplinar da pesquisa, com grande
enfoque nas correlações de propriedades
estruturais e fotofísicas, através do uso de
várias técnicas espectroscópicas, constitui
terreno fértil para formar profissionais inte-
Andréa conta que vários testes em
ressados em trabalhar na interface da física,
materiais luminescentes baseados nos bio-
química e ciências dos materiais.
polímeros estão sendo feitos. Por se tratar
_______________
de pesquisa recente, poucos foram os re-
* O projeto em questão está inserido no Cen-
sultados colhidos, mas em contrapartida
tro de Educação e Inovação em Vidros, cujo
são promissores: Nosso objetivo é utilizar
coordenador é docente da UFSCar, Edgar
a matriz sólida para dispersar moléculas
Zanotto, e o vice-coordenador é o docente do
luminescentes, conferindo aos materiais
IFSC, Hellmut Eckert.
estabilidade mecânica, aprimoramento de
No presente projeto também são colabora-
eficiências quânticas e estabilidade quími-
dores os docentes Cláudio Magon (IFSC),
ca às espécies luminescentes, além de maior
Pedro Donoso (IFSC), Agnieszka Maule
flexibilidade de aplicações em estado sólido.
(IQSC) e Maria Manuela da Silva (Univer-
Já fizemos testes com pectina dopada com
sidade do Minho).
moléculas de complexos de irídio [Ir3+],que
resultaram em materiais com excelente

166 | A física a serviço da sociedade


Energia e meio ambiente

Pesquisadores de São Carlos fazem alerta


sobre possíveis malefícios de cinzas
vulcânicas
18 de Novembro de 2013

E m maio de 2010, o Prof. Sérgio Mas-


carenhas, do IFSC, e o Dr. Luiz Hen-
rique C. Mattoso, chefe geral da Embrapa
minuciosa cujos objetivos principais são
identificar os elementos que constituem a
cinza, fazer análise das partículas em esca-
Instrumentação (CNPDIA) em São Car- la nanométrica e avaliar seu impacto am-
los, publicaram uma nota na revista Na- biental. Empregando cinzas de um vulcão
ture, em que alertavam autoridades para que entrou em erupção na Islândia, esse
os possíveis perigos das cinzas vulcânicas grupo de pesquisadores testou efeitos de
para a saúde humana. Essa preocupação nanopartículas com dimensões de 80 nm,
veio na esteira de recente atividade de dispersas em água, em ratos.
alguns vulcões, que inclusive afetaram o Os resultados, que ainda estão sendo
transporte aéreo. Na nota à Nature, Mas- organizados na forma de artigo científico,
carenhas e Mattoso enfatizaram que as indicaram que os órgãos dos ratos e a con-
mudanças climáticas têm sido bem do- centração de algumas enzimas não foram
cumentadas, mas que o mesmo pode não afetados pela administração das soluções
estar ocorrendo com os possíveis efeitos aquosas de cinzas. Entretanto, as concen-
de longo prazo para a saúde humana, uma trações de ácido úrico, triglicérides e ferro
vez que as partículas das cinzas – de di- sérico foram alteradas de maneira signifi-
mensões micro- e nanométricas – podem cativa. Isso reforça a percepção inicial do
contaminar comida, plantações e a água. Prof. Sérgio Mascarenhas e do Dr. Matto-
Terminaram a nota afirmando que não se so sobre os possíveis perigos para a saúde
pode presumir que as cinzas vulcânicas pública, e esperamos possa guiar políticas
não terão efeitos maléficos para a saúde públicas.
humana, e que seria uma obrigação das
autoridades investigarem tais efeitos e in- Referências
formarem a população. MASCAREANHAS, S.; MATTOSO,
Passados três anos, Mascarenhas e L.H.C.Volcanic ash should not be presu-
Mattoso se juntaram a uma equipe de med harmless in long term. Nature, v.464,
pesquisadores para realizar uma pesquisa p.1253, 2010. doi:10.1038/465157b.

A física a serviço da sociedade | 167


7 F ísica Computacional

O
pioneirismo do IFSC deixou sua marca também na
computação do Brasil. Com a motivação na década
de 1970 de prover infraestrutura computacional para
algumas das pesquisas em física no então IFQSC, professores
do IFSC acabaram por contribuir de maneira decisiva para a
consolidação de um polo de computação em São Carlos. Ape-
nas a título de ilustração, muitos docentes do atual ICMC de-
senvolveram seus projetos de mestrado e doutorado no IFSC,
criando uma parceria que cresceu com o tempo e hoje permite
a realização de pesquisas inovadoras e multidisciplinares. São
também produtos desse trabalho a modalidade de física com-
putacional na pós-graduação em física aplicada e o bacharelado
em física computacional.
Este capítulo traz uma amostra das pesquisas em física
computacional, iniciando-se com um depoimento do Prof. Jan
Slaets, pioneiro da computação em São Carlos.

169
Física Computacional

Computação e Informática
em São Carlos
Prof. Dr. Jan Slaets – IFSC/USP

D
esde sua criação em 1971, os dirigentes do en-
tão Instituto de Física e Química de São Carlos
(IFQSC) se dedicaram em criar uma ampla infra-
estrutura para viabilizar a realização de pesquisas. Assim,
foram criadas oficinas com equipamentos e funcionários es-
pecializados nas áreas de mecânica, criogenia, vidros, eletrô-
nica, além da biblioteca. Esta infraestrutura foi fundamental
para que o IFQSC desenvolvesse pesquisas, criando e man-
tendo equipamentos experimentais em funcionamento.
Com esta visão, os fundadores do Instituto plantaram
também as primeiras sementes para realizar pesquisas in-
terdisciplinares, construir equipamentos próprios para pes-
quisa e formar recursos humanos com bons conhecimentos,
não somente em física, mas também em áreas aplicadas e
interdisciplinares. Com a aquisição do computador Digital
PDP11/45, em 1974, adquirido para realizar cálculos para
determinar estruturas moleculares a partir de dados obti-
dos por difração de Raios X, o Instituto iniciou sua própria
infraestrutura de computação. Tratando-se de um sistema
interativo e permitindo acesso via terminais, foi possível
utilizá-lo para efetuar outros cálculos e simulações. Assim
iniciou-se a utilização de softwares - principalmente a lin-
guagem FORTRAN - em várias pesquisas.
O surgimento dos microprocessadores no final da déca-
da de 1970 permitiu o desenvolvimento de projetos de har-
dware baseados em microprocessadores, tornando possível
controlar e adquirir dados experimentais de modo digital,

170 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

automatizando experimentos e tornando os dados coletados


mais precisos. Com a disponibilidade desta nova tecnologia
e a demanda local em automatizar experimentos nos labora-
tórios de física, foi criado o Laboratório de Instrumentação
Eletrônica, em 1982. Neste ambiente foram desenvolvidos
vários projetos dedicados ao controle, aquisição e processa-
mento de dados, dos quais vários resultaram na obtenção de
títulos de mestrado e doutorado na área de Física Aplicada
da pós-graduação do IFQSC.
Um resultado importante destas atividades foi a obten-
ção da primeira imagem por Ressonância Magnética de
um quiabo, em maio de 1984, viabilizada pelo uso de um
terminal gráfico e um gerador de pulso desenvolvidos em
projetos de mestrado em Física Aplicada no Laboratório de
Instrumentação Eletrônica do IFSC com financiamento da
FINEP. A grande experiência prática no desenvolvimen-
to de hardwares e softwares, única até então no campus de
São Carlos, e a crescente importância da informática para
praticamente todas as áreas de pesquisas em Física e Física
Aplicada, resultaram em 1983 na criação da Habilitação em
Física Computacional no Bacharelado de Física.
Em 1988, juntamente ao Instituto de Física da USP de
São Paulo (IF/USP), foi estabelecida a primeira conexão in-
terligando nosso PDP11/45 (via FAPESP) ao Fermilab, em
Chicago (EUA). Esta ligação permitiu as primeiras trocas
de e-mails e dados com o exterior, utilizando-se o protoco-
lo proprietário da Digital DECNET através de um modem
analógico síncrono de 4.800 bps, fornecido pela Embratel.
Em 1991, a utilização do software Multinet nos com-
putadores digitais do IFQSC viabilizou a conexão, via FA-
PESP, à internet, utilizando-se o protocolo TCP/IP. Com a
consolidação destes conhecimentos em hardwares, softwa-
res e redes, e os amplos recursos de computação adquiridos

A física a serviço da sociedade | 171


Física Computacional

pelos pesquisadores do IFQSC, incluindo-se os computa-


dores VAX, e estações de trabalho SUN, Interpro e Silicon
Graphics, a computação se tornou ferramenta quase onipre-
sente nos grupos de pesquisa.
A partir de 2008, com a introdução dos computadores
pessoais (PCs) possuindo megabyte de memória, monito-
res com megapixels e processamentos com velocidades de
megaFLOPS (Mega Floating Point Operations Per Second),
o acesso à informática ficou à disposição em qualquer labo-
ratório de pesquisa. O grande impacto que esta nova ferra-
menta representava para a formação de físicos e o fato de o
IFSC possuir docentes com amplos conhecimentos e experi-
ência em informática foi decisiva para criação, em 2006, do
curso de Física Computacional.

172 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

Pesquisadores da USP criam novo sistema de


criptografia para proteger
transações na internet
29 de junho de 2010

P esquisadores do IFSC e da USP Ri-


beirão Preto desenvolveram um novo
sistema de criptografia que promete maior
O projeto iniciou-se há cerca de três
anos e possibilitou a criação do Grupo
de Criptografia. Além do Prof. Odemir
segurança nas transações bancárias e no Martinez Bruno, integram o grupo o
comércio via internet: O sistema é inova- Prof. Alexandre Souto Martinez, do De-
dor porque combina o método tradicional partamento de Física e Matemática da
de criptografia com uma parametrização Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
dinâmica obtida de sistemas caóticos. Até de Ribeirão Preto (FFLCRP) da USP, e o
onde sabemos, é a primeira vez que esta bolsista de Iniciação Científica do CNPq,
abordagem é feita e com isso conseguimos Anderson Gonçalves Marco: Um dos as-
produzir um algoritmo computacional com pectos inovadores do novo sistema é a
melhorias na segurança e também na velo- integração entre os conceitos da física e
cidade, afirma o professor Odemir Marti- matemática à computação, afirma Bruno,
nez Bruno, pesquisador do IFSC. lembrando que o novo método está em
A iniciativa dificultará a ação de ha- processo de obtenção de patente. A pes-
ckers e espiões em suas tentativas de que- quisa está em fase final e a Agência USP
brar códigos de segurança na internet. A de Inovação está buscando empresas in-
criptografia também é importante na co- teressadas em licenciar o produto.
dificação de arquivos em notebooks que
podem ser perdidos ou roubados.

A física a serviço da sociedade | 173


Física Computacional

Pesquisa do IFSC sobre decodificação neural


é destaque em periódico internacional
08 de novembro de 2010

O s animais precisam reconstruir uma


representação do mundo externo a
partir dos dados obtidos dos seus sistemas
sensoriais, a fim de reagir corretamente às
demandas das rápidas variações do am-
biente. Em muitos casos, esse sinal sensorial
é codificado em uma sequência de pulsos
elétricos idênticos, chamados potenciais de
ação, ou spikes. Se representarmos o mun-
do externo através de uma função estímulo
dependente do tempo s(t), o animal tem
Sistema visual da mosca. Corte horizontal da ca- de reconstruir s(t) a partir de um conjunto
beça da mosca indicando os vários estágios de pro- de spikes. Esse processo decodificador atua
cessamento do sistema visual: Omatídeo, Lâmina, como conversor digital-analógico, gerando
Medula, Placa Lobular e Lóbula. A informação do
uma estimativa se(t) do estímulo.
cenário sensorial percorre este caminho até o centro
neuromotor da mosca. Imagem adaptada de (58). Neste artigo, a representação da re-
construção do estímulo visual a partir da
sequência de spikes utiliza séries de Vol-
terra de até segunda ordem. Este proce-
dimento consiste no registro simultâneo
dos disparos dos dois neurônios H1, loca-
lizados na região chamada lobulaplate da
mosca Chrysomy amega cephala, quando
estimulados visualmente por estímulos
representando deslocamentos rotacionais
Codificação neural. Ao apresentarmos um estímu-
lo em função do tempo S(t) (azul) e registrarmos a ou translacionais.
atividade R(t) do neurônio H1 (preto), observamos Reconstruções de segunda ordem ne-
uma sequência de pulsos praticamente idênticos cessitam, potencialmente, de manipulação
(spikes). Devido a esta semelhança entre os pulsos,
de matrizes muito grandes, dificultando
podemos caracterizar R(t) apenas pelos tempos (ti)
de ocorrência dos disparos. o uso da técnica para vários neurônios.
A computação e inversão destas matrizes

174 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

podem ser evitadas utilizando um conjunto esquema perturbativo que facilita a aplica-
de funções básicas. Isso requer que se apro- ção do método para neurônios fracamente
xime a sequência de disparos de funções de correlacionados.
quatro pontos em combinações de funções O artigo foi publicado no periódico
de dois pontos, o que seria verdadeiro para  Neural Computation, do MIT Press Jour-
processos estocásticos gaussianos. No caso nals.
presente, a aplicação desta aproximação
não diminuiu a qualidade da reconstru- Referência:
ção. A contribuição dos kernels de segun- FERNANDES,N.M.;PINTO, B. D.
da ordem na reconstrução do estímulo é L.;ALMEIDA, L.O.B.; SLAETS,J.F.W.;
de apenas 5%,  quando comparado com a KÖBERLE,R. Recording from two neurons:
contribuição de primeira ordem. No en- second- order stimulus reconstruction from
tanto, representando um estímulo visual spike trains and population coding.Neural
rotacional, a adição dos kernels de segunda Computation,v.22, n.10, p.2537-2557, Oct.
ordem pode representar uma melhora de 2010.
até 100%. No artigo, foi apresentado um

A física a serviço da sociedade | 175


Física Computacional

Visão cibernética: benefícios


da medicina à filosofia
26 de Janeiro de 2011

A automação da maior parte das habi-


lidades humanas exige a capacida-
de da visão. Para aprimorar a exploração
mente, à maneira com que a forma dos
neurônios auxilia na conexão entre eles e o
sistema nervoso, e define sua função: Isso
submarina ou a exploração espacial, por quer dizer que se o neurônio é mais simples,
exemplo, a visão artificial é essencial. Por ele vai se ligar menos; se é comprido, vai se
essa razão, muitos pesquisadores no mun- ligar a certos alvos mais específicos. Perce-
do se dedicam à área de Visão Cibernética, bendo isso, procuramos entender como a
estando locado no IFSC o único grupo do forma influencia o funcionamento dos neu-
Brasil empenhado nesse tipo de pesquisa. rônios e vice-versa, pois o oposto também é
A visão cibernética contempla uma possível, explica Fontoura.
fusão entre a visão biológica e a visão ar- Este estudo, conduzido há bastante
tificial. Segundo o Professor Luciano da tempo por Fontoura, também se estende
Fontoura Costa, membro do Grupo de à pesquisa sobre raízes de plantas e suas
Computação Interdisciplinar e fundador interações. A relação está no fato de que
do Grupo de Visão Cibernética do IFSC, as raízes, sendo transmissoras de fun-
muitos dos mecanismos e técnicas para vi- gos e doenças, dependem de sua forma
são computacional têm forte ligação com e da distância entre outras raízes para
o funcionamento da visão natural. propagar epidemias. Em colaboração
Sendo pesquisa multidisciplinar, in- com a Universidade de Cambridge, na
cluindo Física, Matemática e Biologia, é Inglaterra, verificou-se que raízes mais
possível trabalhar com conceitos e méto- uniformes, com forma mais regular, são
dos bem versáteis. Isso permite atuação mais suscetíveis à transmissão de doen-
em várias áreas, desde o aspecto teórico, ças: Isso também vale para neurônios: a
mais básico, até o mais aplicado. Segun- transmissão de doenças em sistemas neu-
do Fontoura, as pesquisas já beneficiaram ronais é facilitada quando as células têm
desde a Medicina até a Filosofia: Por se tra- formas mais regulares, explica o pesqui-
tarem de conceitos e metodologias bastante sador.
gerais, podem ter vasta aplicação em dife- Este é apenas um exemplo da interação
rentes campos de pesquisa, explica. da Computação e da Física com a área mé-
O grupo tem se dedicado aos estudos dica. Além disso, o grupo também estuda
da forma dos neurônios, mais especifica-

176 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

a forma das mitocôndrias e usa conceitos utilizamos são da Análise de Imagem, que é
de redes complexas, que é uma versão mo- uma parte do estudo da visão, explica Fon-
dernizada da teoria dos grafos. Um grafo toura.
é uma estrutura importante, pois pode re- Apesar de todos os avanços, ainda há
presentar quase qualquer tipo de sistema. É muitos desafios para a visão cibernética. O
composto por nós que se conectam através maior deles é o reconhecimento automáti-
de ligações, arestas. Uma rede social, por co de padrões - a identificação de catego-
exemplo, pode ser representada por um rias de objetos: Se os objetos são bastante
grafo, em que cada indivíduo é um nó que diferentes, é fácil distingui-los. Mas isso não
estabelece ligações através de suas relações ocorre para objetos com características se-
com outros indivíduos. Esse tipo de estudo melhantes, conta o pesquisador. Este tipo
pode ser aplicado, novamente, à transmis- de procedimento é base de, por exemplo,
são de doenças: é possível verificar de que diagnóstico automático de exames médi-
maneira as doenças se propagam em tipos cos, nos quais é preciso procurar por do-
diferentes de estruturas. enças nos padrões e muitas vezes não há
Estas pesquisas visam ao estudo da uma diferença óbvia.
forma, que é fundamental para a visão: Isso Já a área de redes tem revolucionado
tudo se refere à caracterização automática as ciências e pode ser aplicada em quase
das formas: dimensão fractal, alongamen- todas as áreas. É o caso de uma tese de
to, complexidade, ou seja, as características doutorado que desenvolveu um trabalho
geométricas dos objetos. Estes conceitos que relacionado à leucemia.

A física a serviço da sociedade | 177


Física Computacional

Pesquisador do IFSC estuda cérebros de siris


para poder compreender cérebro humano
23 de Março de 2011

C rustáceos vêm sendo usados há al-


gum tempo como modelos para des-
vendar como as informações se processam
Para a linha de pesquisa com organis-
mos com menos neurônios, o professor
tenta descobrir como um neurônio se co-
no cérebro humano: Estudamos o processo munica com o outro. A expectativa é que
de codificação e transmissão entre neurô- o conhecimento adquirido com siris possa
nios em vários sistemas e usamos, para isso, ser correlacionado com o que ocorre nos
siris, moscas e um peixe elétrico de campo neurônios humanos: Os siris existem há
fraco, chamado tuvira, explica Reynaldo muito mais tempo que nós. Muitas vezes, a
Daniel Pinto, docente do IFSC. natureza escolhe resoluções similares para
O interesse no assunto iniciou-se no iguais problemas, ou seja, o sistema nervoso
decurso do seu pós-doutorado na Univer- evoluiu de maneiras diferentes nos organis-
sidade de San Diego (EUA), sendo o ob- mos, mas as soluções para certos problemas
jetivo final compreender o funcionamento são muito semelhantes.
do cérebro humano: O cérebro de mamífe- O peixe elétrico
ros é muito complicado! É mais fácil estudar A tuvira é um peixe com um ór-
circuitos menores, com menos neurônios gão que produz pulsos elétricos den-
para, a partir do estudo de bichos diferen- tro da água, como uma enguia. Porém,
tes, entender o que existe em comum com diferentemente da enguia, que emite sinais
outros animais, nesse caso o ser humano, de até 800 Volts, a tuvira gera um pulso de
esclarece Reynaldo. dois a três volts de amplitude, equivalente
A utilização de um siri para estudos a duas pilhas em série: A tuvira tem senso-
do cérebro humano parece uma grande res elétricos ao redor da cabeça e gera um
novidade, mas Reynaldo afirma que desde pulso na água parecido com um sinal de
a década de 1970 lagostas já vinham sendo neurônio. O campo elétrico gerado sai de
utilizadas nos EUA com o mesmo propó- seu órgão elétrico, passa pela água, interage
sito: Os experimentos realizados na Uni- com os objetos ao redor e volta em direção
versity of California – San Diego, durante à cabeça: no final desse processo, ele forma
o pós-doutorado, constituíram o primeiro uma imagem elétrica em seus sensores, que
contato com esse tipo de pesquisa. Lá, eles será decodificada pelo cérebro do animal,
usavam lagostas para seus estudos, conta. explica o pesquisador.

178 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

O professor afirma que artigos estão


prestes a ser publicados. No laboratório do
docente, vários alunos de pós-graduação
dedicam-se aos estudos: Colocamos ele-
trodos em volta de um aquário que abri-
“Traduzir” a linguagem de tuviras pode au-
ga uma tuvira e ligamos esses eletrodos no
xiliar na prevenção de catástrofes.
computador. Assim, já podemos captar os
sinais da tuvira e começar a ‘traduzir’ sua
Além de enxergar através desse proces- linguagem.
so, a tuvira é capaz de saber de que tipo de O objetivo global da pesquisa é en-
material um objeto é feito (plástico, ferro, tender o processamento de informações
metal,...), identificar o sexo de outras tuvi- no cérebro: Procuramos interagir o sistema
ras e comunicar-se, entre outras coisas. Ela nervoso vivo desses organismos com o com-
pode, inclusive, detectar a qualidade da água putador e tentar decifrá-los. Embora seja
do ambiente em que vive, uma espécie de um organismo simples, a comunicação, em
sensor biológico: A ideia é aprender como as si, é complexa. Se conseguirmos fazer essa
tuviras conversam. Pode-se colocar um robô interação entre sistema nervoso e computa-
na água para ‘traduzir’ o que as tuviras es- dor, poderemos um dia substituir circuitos
tão dizendo e ter acesso a informações, como biológicos por eletrônicos, caso o primeiro
contaminação da água por vazamento de pe- esteja danificado, por exemplo, finaliza o
tróleo em regiões de difícil acesso, podendo-se docente.
evitar uma catástrofe, exemplifica Reynaldo.

A física a serviço da sociedade | 179


Física Computacional

Visão computacional e inteligência artificial


possibilitam detecção de deficiência
nutricional em plantas
11 de Maio de 2011

N um projeto da autoria de pesqui-


sadores do IFSC e da Faculdade de
Zootecnia e Engenharia de Alimentos
planta em relação aos macronutrientes e
aos micronutrientes.
Os pesquisadores conseguiram, atra-
(FZEA) da USP, desenvolveu-se um siste- vés de técnicas de reconhecimento de pa-
ma que permite verificar as informações drões de inteligência artificial, estabelecer
nutricionais da planta do milho antes de um modelo matemático da planta ideal,
sua produção. O sistema utiliza uma tec- com quantidades pré-determinadas de
nologia que combina visão computacional todos os nutrientes minerais necessários.
e inteligência artificial e pode prevenir Assim, o modelo matemático obtido do
uma série de prejuízos nas safras de milho. escaneamento das folhas é comparado a
O projeto teve início há cerca de três este primeiro modelo para identificar a
anos e a equipe de pesquisadores, formada falta dos nutrientes.
pelos docentes Odemir Martinez Bruno A utilização do sistema será bastante
(IFSC), Pedro Henrique de Cerqueira Luz simples, bastando que o agricultor vá à
(FZEA), Valdo Rodrigues Herling (FZEA) plantação com um scanner de mão, ob-
e os pós-graduandos Liliane Maria Romu- tenha a imagem da folha e com um com-
aldo (FZEA), Fernanda de Fátima da Silva putador realize a operação de reconheci-
(FZEA), Mário Antonio Marin (FZEA) e mento. Em alguns minutos, o agricultor
Álvaro Gómez Zúñiga (ICMC), desenvol- poderá acessar um relatório nutricional da
veu um mecanismo inovador que se baseia planta através de seu computador.
em examinar, com um scanner, a folha em Nesta primeira fase do projeto, os tes-
estágios iniciais da fase vegetativa: A ima- tes são realizados em casa de vegetação no
gem da folha digitalizada é transformada campus da USP de Pirassununga, onde o
num modelo matemático que é comparado cultivo das plantas pode ser controlado.
com outros já estabelecidos. A inteligência Segundo Bruno, os resultados foram bas-
artificial verifica a qual padrão o modelo se tante positivos e o sistema demonstrou
ajusta, explica o professor Odemir Marti- grande eficiência.
nez Bruno. O processo, que dura poucos
minutos, detecta todas as deficiências da

180 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

tudo com outros híbridos como soja, café


e feijão.
O projeto gerou uma patente e uma
página online chamada Projeto Visão Ar-
tificial do Milho, que disponibiliza alguns
resultados da pesquisa. A identificação do
estado nutricional do milho ocorre já na
fase reprodutiva da planta. O pesquisador
explica o processo: Analisa-se quimicamen-
te o tecido vegetal (as folhas) das plantas.
Escaneamento das folhas de milho permite Para tanto, o produtor recolhe amostras das
comparação entre modelos matemáticos da folhas e as encaminha para laboratórios ou
planta. órgãos específicos, o que demanda certo tem-
po e custo.
Outros testes já estão sendo executa- Essa análise servirá de parâmetros
dos no campo para tentar prever o com- para correções na próxima safra. Assim, o
portamento do sistema em escala comer- novo método será uma ferramenta eficaz
cial. O pesquisador contou que os testes no diagnóstico precoce de deficiências nu-
foram aplicados em híbridos comerciais tricionais, possibilitando que a deficiência
de milho, mas ampliará seu objeto de es- seja remediada, evitando perdas de safras.

A física a serviço da sociedade | 181


Física Computacional

Estudo do cérebro da mosca para


compreensão do cérebro humano
29 de Julho de 2011

R apidez, equilíbrio, robustez e extensa


literatura. Esses são os principais mo-
tivos pelos quais a espécie Chrysomy ame-
por seu colega Reynaldo Daniel Pinto, é
pioneira na América do Sul e no mun-
do todo, sendo que poucos laboratórios
ga cephala se tornou o principal objeto de fazem pesquisas semelhantes: No hemis-
estudos dos laboratórios de Física Com- fério sul, apenas na Austrália se utilizam
putacional e Instrumentação Eletrônica, invertebrados, como gafanhotos e abelhas
Neurofísica, Dipterlab e Neurodinâmica - que têm detecção de movimento mais
do IFSC: A marinha americana adoraria lento do que as moscas -, para esse tipo de
fazer um F-16 com a capacidade performá- pesquisa, conta Lírio.
tica de uma mosca, brinca Lírio Onofre B.
de Almeida, especialista no Laboratório No princípio, onde a neurociência
do Grupo de Física Computacional e Ins- era ligada diretamente à medicina,
trumentação Aplicada do IFSC. acreditava-se que a quantidade de
A pesquisa, já desenvolvida há uma pulsos emitidos por um neurônio é que
década, inicialmente coordenada pelo determinava a intensidade do estímulo
docente Roland Köberle e atualmente recebido. Mais tarde, descobriu-se que

182 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

grande parte da informação codificada Além de pesquisa acadêmica, esse


está no intervalo entre os pulsos. tipo de análise de sinais pode ser esten-
dido para aplicações importantes, como
Todas as informações e sensações nos fazer um paraplégico andar. Para a Físi-
organismos são transmitidas da mesma ca é simplesmente compreender a codi-
maneira: neurônios com sinais elétricos ficação e decodificação das informações:
e químicos. Isso vale para animais verte- Estaríamos dando um passo muito grande
brados ou invertebrados e algumas vezes em termos de eficiência, diz Lírio.
plantas. A análise de como a informação
é processada em seres vivos mais simples, Por que as moscas se tornaram
como moscas, pode auxiliar no entendi- objeto principal de estudos
mento de estruturas mais complexas: Um
único neurônio já pode ser considerado um Há quase cem anos, as partes neuroló-
sistema complexo. Partimos do pressuposto gicas e anatômicas desses insetos já são es-
de que, uma vez compreendidos mecanis- tudadas por biólogos. Além da visão bem
mos mais simples, pela similaridade entre desenvolvida, seu sistema de voo é extre-
organismos poderemos decodificar como o mamente eficiente e habilidoso: No início
processamento de informações ocorre no cé- de sua espécie, a mosca possuía quatro asas,
rebro humano, explica Lírio. mas com sua evolução, duas delas se trans-
São duas as maneiras pelas quais as formaram em ‘giroscópios’, possibilitando
informações são transmitidas pelo sistema um domínio ainda maior sobre o voo, con-
nervoso em organismos: pulsos elétricos, ta Lírio.
que fazem isso de maneira muito rápida, e
neurotransmissores, que o fazem de forma A mosca percebe movimentos de
mais lenta: A reação de uma mosca é ex- forma muito rápida. Por comparação,
tremamente rápida, por isso o interesse em enquanto um ser humano tem a
estudá-la. sensação de continuidade em uma
O tempo de processamento do siste- imagem apresentada de 25, 30 quadros
ma visual da mosca é da ordem de 30 mi- por segundo (Hz), dependendo da
lissegundos (30x10-3s) e o neurônio desse temperatura ambiente, uma mosca é
sistema tem um tempo de recuperação capaz de detectar até 500 Hz.
(descanso entre um pulso e outro) da or-
dem de 2 milissegundos (2x10-3s): Poucos Além das razões citadas, a mosca
pulsos são suficientes para codificar e pro- oferece outra vantagem: É difícil realizar
cessar o estímulo visual apresentado para a experiências com animais in vivo. Por
mosca. Através de ferramentas matemáti- ser um inseto muito robusto, a mosca é
cas e computacionais, estes dados são anali- capaz de permanecer viva durante uma
sados, explica Lírio. microcirurgia, implante de microeletrodos

A física a serviço da sociedade | 183


Física Computacional

e aquisição dos sinais enviados por seus estímulos e a aquisição de dados dos sinais
neurônios durante experimentos, explica o neurológicos exigem equipamentos espe-
pesquisador. ciais, não disponíveis no mercado. Nesse
Diversos grupos se uniram para desen- aspecto, métodos computacionais são fun-
volver pesquisas semelhantes à citada. No damentais, conta Lírio.
caso do estudo do cérebro da mosca, no Essa área fascinante de pesquisa foi
IFSC, além dos próprios físicos, grande motivada por um período sabático de dois
parte dos pós-graduandos veio do curso anos do Prof. Roland no Centro de Pesqui-
de Ciências Físicas e Biomoleculares, mas sas NEC Worldwide, em Princeton (EUA),
engenheiros eletrônicos e físicos compu- onde trabalhou com Rob de Ruyter van
tacionais do Instituto também participam Steveninck, um dos grandes estudiosos do
do projeto: A precisão para geração dos assunto.

184 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

TIDIA: A alta tecnologia na Universidade


12 de Janeiro de 2012

H á mais de setenta anos, quando nem


se sonhava com a internet, o físico
indiano Narinder Singh Kanpany traba-
cipal era transformar a internet em objeto
de pesquisa.
Carlos Antonio Ruggiero, docente do
lhava com uma tecnologia que viria a re- IFSC, é um dos pesquisadores que parti-
volucionar a maneira como as informa- cipa do Kyatera - um dos subprojetos con-
ções são transmitidas pela rede. Narinder templados pelo TIDIA: A FAPESP tem um
foi o inventor da fibra óptica (1930), tec- papel importante em relação à internet, pois
nologia hoje amplamente utilizada para foi graças à sua atuação que houve a primeira
transmissão de informações digitais. conexão da internet do Brasil com os Estados
A comunidade científica sempre bus- Unidos, em 1991, relembra Ruggiero. Nessa
cou maneiras eficientes não só de transmi- época, eu estava licenciado do IFSC para co-
tir a informação, como torná-la acessível ordenar o CCE - Centro de Computação Ele-
ao maior número de pessoas. Em 2001, a trônica da USP, e ligamos a Universidade à
FAPESP criou o programa Tecnologia da internet duas semanas após a FAPESP ter
Informação no Desenvolvimento da Inter- feito o mesmo: a USP foi a segunda institui-
net Avançada (TIDIA), cujo objetivo prin- ção do Brasil a se conectar na internet.

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Física Computacional

Dois anos após o lançamento do TI- redes de fibra óptica, tanto no campus da
DIA, vários projetos de pesquisa (incluindo USP quanto na cidade de São Carlos, onde
o Kyatera) receberam as verbas para serem qualquer usuário interessado em trabalhar
concretizados: A FAPESP financiou nosso com redes pode usufruir: Essa rede liga pro-
projeto com R$1 milhão, mas o total de in- fissionais da Física, Engenharia Elétrica e
vestimentos foi muito maior, no valor de R$8 Computação da USP, além do Departamen-
milhões, conta o docente. to de Computação da UFSCar, acrescenta
Através do Kyatera, uma rede de fibra Ruggiero.
óptica foi disponibilizada para ser instala- Assim, o número de fibras ópticas no
da em todo o Estado de São Paulo. Foram campus foi significativamente ampliado:
definidos três polos principais, para serem Temos aqui no campus cabos passando com
as espinhas dorsais da rede: São Paulo, cento e quarenta e quatro fibras e o Cen-
Campinas e São Carlos foram as cidades tro de Informática da USP de São Carlos é
escolhidas por concentrarem maior volu- responsável por algumas dessas fibras, com-
me de tráfego: Pelo fato de os cursos de ci- plementa o docente.
ências exatas da USP, fora de São Paulo, es- De acordo com Carlos Antonio, desde
tarem em São Carlos, o tráfego aqui sempre seu projeto inicial, o TIDIA objetiva chegar
foi muito alto, quase igual ao de Campinas, a toda comunidade - embora até o momen-
explica Carlos Antonio. to seja somente utilizado por pesquisadores:
Com essa rede a velocidade da inter- Inicialmente, o TIDIA foi projetado para o
net nas três cidades chegava a 10 Gigabi- uso daqueles que trabalham com redes e é ób-
tes por segundo, com o adicional de 10 vio que isso será repassado a todos, mas esse
Gigabites (previstos pela redundância), processo atrasou, conta.
somando uma velocidade de conexão im- Ele afirma que em 2012 há grandes
pensável para grande parte dos usuários chances de o projeto poder ter um rápido
comuns: Essa é uma rede voltada a pesqui- progresso e todos possam usufruir da velo-
sadores, especialmente aqueles ligados com cidade de transmissão de informações atra-
pesquisa em rede de computadores, conta vés das fibras ópticas: A infraestrutura está
Ruggiero. pronta, mas para fazer essa transferência à
A consequência disso, especificamen- comunidade é preciso que ela esteja funcio-
te para São Carlos, foi a construção de três nando perfeitamente, conclui o docente.

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Física Computacional

IMAGECLEF: IFSC é referência em


reconhecimento de padrões em plantas
25 de Janeiro de 2012

P esquisadores do IFSC ocupam o pri-


meiro lugar em desafio francês promo-
vido pela Sociedade Francesa de Botânica,
relacionado à análise e reconhecimento
de padrões, mais especificamente na ca-
tegoria identificação de plantas. A ideia é
aplicar o princípio em um levantamento
da flora brasileira
O Imageclef é um evento internacional
criado em 2003, que lança anualmente de-
safios para a comunidade mundial da área
de reconhecimento de padrões. Dois tipos
de desafios são lançados a cada edição: um
é relacionado à identificação de imagens Em 2010, uma nova categoria do de-
médicas, ou seja, localização de tumores safio foi inaugurada: o reconhecimento de
ou análise de patologias, enquanto o outro plantas, algo difícil devido à variabilidade
é relacionado a imagens em geral. de sua forma, muito maior do que a biolo-
Imaginemos como seria se o Google gia animal, por exemplo. O professor Ode-
conseguisse fazer buscas de imagens a mir Bruno e seus orientandos Dalcimar
partir de outras imagens: por exemplo, in- Casanova e João Florindo, que integraram
serindo a foto de um carro e o Google re- a equipe do Imageclef 2011, se pergunta-
tornar imagens de carros muito similares. ram: Será que podemos desenvolver um
Este sistema ainda não existe, mas o traba- sistema computacional que reconheça todas
lho dos pesquisadores do IFSC é identifi- as espécies de plantas da Europa?
car características únicas de determinados O banco de dados disponibilizado pelo
objetos, de modo que com uma fotografia Imageclef, na internet, continha diversas
se consiga acessar suas informações – o fotografias de inúmeras espécies nativas da
mesmo princípio que faria funcionar um Europa. Segundo Odemir, este é um tema
sistema de buscas. que seus colaboradores vêm tentando in-
vestigar há mais de dez anos: A ideia é unir
Física, Matemática e Computação para

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Física Computacional

analisar a biodiversidade através de ima- de São Paulo não há um levantamento


gens; talvez por este motivo tenhamos saído das espécies: A Mata Atlântica do Estado
com vantagem. Em uma parceria com o é desconhecida para nós, então imagine a
Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Amazônia, compara ele: Estamos destruin-
com a Escola Superior de Agricultura Luiz do sem nem saber o que pode existir lá; não
de Queiroz (Esalq – USP) e UNESP, de sabemos se pode haver uma potencial cura
Assis, os pesquisadores se preocuparam, para o câncer, para citar um exemplo. Por
principalmente, com a forma, a enervação essa razão, a ideia é descobrir uma manei-
e a textura (padrão dos pigmentos da fo- ra de fazer um levantamento florestal rápi-
lha) das plantas para estabelecer um ban- do, além de catalogar características fisio-
co de dados que servisse como pontos de lógicas e fenômenos evolutivos que podem
reconhecimento na imagem. Com isso, a ditar o melhor clima, melhor solo, melhor
equipe conseguiu uma taxa de acertos de ambiente para o crescimento da espécie: A
quase cinquenta por cento, muito acima modelagem matemática das plantas pode
das outras instituições competidoras. fazer com que possamos entendê-las de ma-
A flora europeia é simples quando neira muito mais desenvolvida, explica. Um
comparada à flora brasileira, uma das mais exemplo disso é um sistema desenvolvido
ricas do mundo: O nosso objetivo é identifi- por Odemir e colaboradores que verifica as
car a biodiversidade brasileira, o que é mui- deficiências nutricionais do milho, intitula-
to mais desafiador do que a biodiversidade do Visão Artificial do Milho: com um scan-
europeia, menciona o docente. No Estado ner de mão e um computador, o agricultor

À esquerda, planta da espécie Passiflora Caerulea, ao lado de imagem gerada a partir de seu
escaneamento pela equipe do IFSC.

188 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

pode acessar todas as informações do pro- uma foto e enviar para um software, ou
duto que está cultivando. um endereço online, o biólogo pode obter
informações sobre as prováveis espécies às
quais pode pertencer a folha, de maneira
muito mais prática e rápida. Para identifi-
car uma espécie de planta encontrada em
campo, atualmente um biólogo tem que
consultar um herbário, onde plantas são
catalogadas secas por muitos anos – um
processo que pode levar muitos dias.
Contudo, Odemir afirma que o pro-
blema encontrado na Biologia é extrema-
mente difícil e sofisticado: Estamos traba-
lhando nisso há dez anos, mas é possível
que daqui a mais dez anos ainda estejamos
Projeto Visão Artificial do Milho: escanea- aprimorando nossa solução para esta pro-
mento das folhas de milho permite a identifi- blemática, porque atualmente, nem a Ma-
cação das deficiências nutricionais da planta. temática, Física ou Computação têm ferra-
mentas prontas para solucioná-la. Por isso,
O docente conta que uma versão a equipe usa este problema para tentar de-
mais sofisticada do dispositivo pode ser senvolver algoritmos que possam fornecer
integrada a um telefone celular. Ao obter a solução em futuro próximo.

A física a serviço da sociedade | 189


Física Computacional

A (r)evolução da informática
30 de Janeiro de 2012

O computador atual nada tem a ver


com o primeiro, criado há quase dois
séculos. Em 1837 o cientista e matemático
semicondutores para, finalmente, chegar
aos circuitos integrados - no modelo que
conhecemos hoje.
Charles Babbage inventou uma máquina Se no começo os estímulos para a
de funcionamento mecânico, que realiza- criação de computadores eram as guerras,
va as quatro operações fundamentais (adi- atualmente a realidade é outra. Há outras
ção, subtração, multiplicação e divisão) prioridades, como o entretenimento, com
com rapidez, sendo considerado o primei- a criação de jogos de computador: Há vin-
ro computador da história. te anos, o cenário não era esse. Hoje, quase
Passados cento e oito anos, o esforço tudo é voltado para a produção de games.
de guerra aliado na 2º Guerra Mundial, Pela primeira vez, o foco é o próprio consu-
que buscava quebrar a criptografia nazis- midor e não mais as universidades ou o go-
ta e fazer cálculos balísticos sofisticados, verno, como no começo, explica Guilherme.
deu origem aos computadores eletrônicos: Ainda no mundo do entretenimento,
O primeiro deles - o americano ENIAC -, nas décadas de 1950 e 1960, os computa-
que era uma grande calculadora, come- dores tornaram-se personagens principais
çou a operar logo após o final da Guerra, na ficção científica. Muitos filmes dessa
em 1946, conta Guilherme Matos Sipahi, época tinham como tema principal o com-
coordenador do curso de Física Computa- putador, até com certo sensacionalismo:
cional do IFSC. um exemplo é o filme 2001 - Uma odisseia
No entanto, o real marco foi o compu- no espaço: Dos seriados da década de 1960,
tador proposto por von Neumann. Na dé- muitos mostravam máquinas do tempo ou
cada de 1950, somente governos e grandes submarinos sendo operados por computa-
empresas utilizavam computadores: Desde dores do tamanho de uma sala, elucida o
o surgimento das primeiras máquinas, as docente.
universidades já tinham acesso, pois eram Na década de 1970, os primeiros
criadas lá. E, como resultado do esforço de computadores pessoais começaram a ser
guerra, a máquina de von Neumann foi comercializados: Era, em princípio, um
construída na Princeton University, tendo brinquedo. Os componentes vinham soltos
entrado em operação em 1951, explica o e o próprio comprador tinha que montar a
docente. Pouco tempo depois, a segun- máquina, conta Guilherme. No início da
da geração de computadores apresentava década de 1980, apareceram computadores
máquinas que funcionavam com materiais como o ZX Sinclair, com CPU integrada a

190 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

um teclado, usando TV como monitor e a computação teve papel relevante. Quan-


aparelhos cassete como discos. No final da do George Lucas produziu os gráficos que
década de 1980, a IBM lançou o PC (per- dariam vida à notória produção Guerra
sonal computer), mas somente no início da nas Estrelas, começou-se a conceber efei-
década de 1990 é que os computadores pas- tos visuais construídos nos computado-
saram a ser amplamente comercializados. res: Todos os grandes efeitos de Titanic fo-
Criada pelo governo americano nos ram realizados em máquinas Linux e Alfa.
tempos incertos da Guerra Fria, a internet, Eram clusters** gigantescos, fazendo mui-
considerada o grande advento da informá- tas imagens em máquinas diferentes, conta
tica, foi precedida por sistemas semelhan- o docente.
tes. Guilherme conta que, na década de Steve Jobs fundou a Pixar (hoje per-
1980, precursores da internet já se faziam tencente à Walt Disney Company), estúdio
presentes. Na França havia um sistema de animação que produziu Toy Story, Vida
funcionando como um computador, onde de Inseto, entre outras famosas animações,
as pessoas podiam consultar telefones e tendo-se tornado um dos melhores exem-
endereços. A primeira manifestação do plos do relacionamento bem-sucedido en-
que seria a rede começou desta forma: A tre computação e entretenimento.
internet surgiu para ser um instrumento de Um caminho para que países emer-
troca de dados e não de comunicação. De- gentes obtenham avanço efetivo em infor-
pois, foi sendo aprimorada e chegou comer- mática é o desenvolvimento de softwares:
cialmente ao Brasil só em 1995. Antes disso, Temos que aprender a fazer programas de
ela era puramente acadêmica. computador, pois gastamos muito dinheiro
Seja nas empresas, na indústria do en- pagando licenças de uso, lamenta Guilher-
tretenimento ou na educação, os compu- me: Perdemos a corrida da tecnologia do
tadores trouxeram mudanças que afetam silício e replicamos tecnologia, não temos
a vida das pessoas - inclusive daquelas que um número expressivo de patentes ou tec-
não têm acesso às máquinas. Nas empre- nologia exclusivamente brasileira na área
sas, a facilidade para troca de documentos de chips ou de dispositivos eletrônicos no
e a comunicação entre funcionários, for- Brasil.
necedores e clientes foram modificadas e Biossensores e computadores orgâni-
aprimoradas. Os editores de texto e plani- cos, de acordo com o docente, podem ser
lhas também passaram a ter papel funda- a nova aposta nessa corrida tecnológica,
mental: Tudo isso facilitou o trabalho. Esses da qual o Brasil pode - e deve - partici-
softwares relativamente simples trouxeram par. Outra aposta em que o Brasil deve se
uma melhora significativa no cotidiano de envolver é no desenvolvimento de jogos e
todos, afirma o docente. aplicativos para computador: Atualmente,
Dos estúdios de animação às grandes a Índia faz isso muito bem e já participa
produções cinematográficas, como Titanic, ativamente do mercado dos EUA: o Brasil

A física a serviço da sociedade | 191


Física Computacional

poderia estar nesse patamar, afirma o do- uma velocidade de transmissão de dados
cente: Sempre se teve pouco desenvolvimen- muito maior do que atualmente. Quanto
to de tecnologia no Brasil. Mesmo sendo ao tamanho dos computadores, se cami-
país em desenvolvimento, a indústria bra- nharmos do desktop ao iPad, poderemos
sileira sempre foi de montagem e raramente perceber que a tendência é que encolham
desenvolveu produtos, lamenta. cada vez mais.
A escolha com a qual o Brasil pode se A computação em nuvem, de acordo
deparar, nesse sentido, é caminhar para o com Guilherme, já é uma realidade. Fun-
desenvolvimento de softwares livres (que ciona da seguinte forma: qualquer docu-
não exigem o pagamento de licença de mento, dado ou informação armazenada
uso, por parte dos usuários) ou na direção em uma máquina, poderá ser acessado de
capitalista, desenvolvendo programas cuja qualquer outra, em qualquer lugar do pla-
licença de uso é paga: Com softwares livres, neta: ou seja, qualquer suporte físico terá
as pessoas aprendem mais e, no caso bra- acesso à informação virtual.
sileiro, talvez fosse melhor caminhar nessa As evoluções e facilidades que teremos
direção e dar liberdade aos programadores. em áreas como saúde e educação também
Quando as pessoas se veem obrigadas a são significativas: A Google comprou uma
aprender por conta própria, podem apren- empresa de DNA e utilizará as técnicas de
der mais e os brasileiros são muito criativos, banco de dados para sequenciar o DNA,
diz Guilherme. conta Guilherme: Por trás disso está o de-
Grandes empresas, como Google ou senvolvimento de bons softwares, diz.
Yahoo, trabalham no desenvolvimento de _____________
novas tecnologias. Em um futuro próxi- ** Traduz-se “aglomerado” e, na prática,
mo, teremos diversas máquinas em uma significa o trabalho de vários computadores
só, fazendo a computação nas nuvens, com juntos.

192 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

Criptografia baseada no caos é promessa de


segurança online
03 de Fevereiro de 2012

U ma equipe de pesquisadores do IFSC


desenvolve e aprimora um novo sis-
tema de criptografia baseado na teoria do
caos, mais eficiente que os métodos con-
vencionais e que pode oferecer maior se-
gurança em transações financeiras online.
Tem a vantagem, também, de operar em
alta velocidade, até mesmo em aparelhos
com hardwares limitados e pouca capaci-
dade de processamento.
Alan Turing, um matemático inglês e
cientista da computação, considerado um Universo possam ser gerados pelos autôma-
dos pais da computação moderna, apre- tos celulares. A geração de números aleató-
sentou concepções que foram essenciais rios, por exemplo, tem inúmeras aplicações,
para sistemas de criptografia e inteligência desde soluções para experimentos em Física
artificial. Pioneiro na exploração de siste- até a segurança tecnológica – a criptografia.
mas de dinâmica não-linear nas primeiras A proposta do projeto de pesquisa do
décadas do século XX, Turing concebeu Prof. Odemir Bruno, do IFSC, é uma nova
uma metodologia matemática chamada utilização dos autômatos celulares, que
autômato celular – um conjunto de enti- serviriam para gerar números pseudo-ale-
dades isoladas que, interagindo entre si, atórios e, assim, uma criptografia forte. A
realiza alguma tarefa específica. Este mé- vantagem deste sistema de criptografia é a
todo é inspirado na natureza, mas também velocidade em que opera, além da facilida-
pode ser abordado do ponto de vista da de de ser implantado em celulares ou equi-
matemática pura (conforme as duas abor- pamentos que não possuem hardware de
dagens propostas por Turing). grande capacidade: Temos um sistema que
Na década de 1980, o renomado mate- pode ser implantado por hardware, porque
mático Stephen Wolfram, empresário que não é um algoritmo pesado, conta Odemir.
atua no desenvolvimento de softwares, su-
geriu que todos os processos aleatórios do

A física a serviço da sociedade | 193


Física Computacional

A teoria do caos, ou a ciência não linear, está mais presente em nossas vidas e em nossos
arredores do que podemos imaginar. Segundo o professor Odemir, a própria natureza pode
ser modelada como um autômato celular, pois o funcionamento biológico dos seres vivos se
dá através da interação de células que podem ser vistas como indivíduos que, quando em
conjunto, dão origem a uma folha ou a algum órgão do corpo humano, por exemplo. Os
fractais, objetos geométricos que podem ser divididos em partes idênticas ou similares ao objeto
original, compõem uma parte importante na investigação dos pesquisadores e podem ser
encontrados na natureza de diversas formas, desde a cauda de um pavão até a forma de uma
couve-flor e a costa fragmentada de países como a Inglaterra.

“A natureza se utiliza de métodos matemáticos que nós, cientistas, só conseguimos desenvolver


perto da década de setenta. Muitos fenômenos naturais encontram uma explicação mais exata
através da teoria do caos, desde o funcionamento dos seres vivos até a maneira como a natureza
gera certos fenômenos aleatórios”, explica Odemir. A equipe de pesquisadores do IFSC utiliza
esta teoria em ambos os sentidos: no que diz respeito à composição das estruturas complexas dos
seres vivos, é desenvolvido um software para reconhecimento de plantas (que você pode entender
melhor abaixo) e, no caso dos fenômenos aleatórios, esta maneira inovadora de codificar dados.

O principal benefício deste desenvol- Mas os hackers e espiões virtuais te-


vimento é a promessa de maior segurança rão menos chances contra o dispositivo de
em transações bancárias e comércio via in- segurança. De acordo com o pesquisador,
ternet, o que nos traz à memória um pro- para decodificar a mensagem gerada pelo
jeto semelhante assinado pelos mesmos dispositivo seria necessário utilizar um
pesquisadores, divulgado em 2010, que sistema caótico idêntico àquele usado no
ganhou notoriedade por aliar, de maneira dispositivo para codificá-la: A chance de
inovadora, o método tradicional de crip- este sistema ser quebrado é infinitamente
tografia à teoria do caos: De alguma forma menor do que a chance de quebrar senhas
vemos uma contínua batalha entre pessoas convencionais que utilizamos hoje na in-
que geram criptografia e pessoas que que- ternet, porque o número de combinações
bram essa criptografia: por isso, precisamos utilizadas para gerar aquele padrão especí-
estar à frente no desenvolvimento constante fico de codificação é muito maior do que as
de novos métodos, explica Odemir. combinações possíveis nos métodos atuais,

194 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

baseados em aritmética e em matemática vel qualquer tipo de dado na computação:


mais elementar, comenta o pesquisador. Podemos criptografar uma fotografia, um
O método desenvolvido pela equipe filme, um texto, um HD, qualquer coisa,
do IFSC tem potencial para tornar ilegí- conclui Odemir.

À esquerda, fotografia original e, à direita, resultado da aplicação do


método de criptografia sobre a mesma imagem.

A física a serviço da sociedade | 195


Física Computacional

Medida de Complexidade de Imagens: Áreas


da matemática solucionam questão
01 de Agosto de 2012

U ma pesquisa do docente da Univer-


sidade Federal de Uberlândia (UFU)
e aluno do ICMC, Prof. André Ricardo
gem. A noção de complexidade é abstrata,
pois é difícil decidir se a imagem da cida-
de de São Paulo é mais complexa do que
Backes, intitulada Estudos de métodos de uma imagem da floresta Amazônica. Para
análise de complexidade em imagens, foi diminuir o grau de subjetividade, cria-se
premiada com uma Menção Honrosa no uma metodologia matemática para extrair
Prêmio CAPES de Teses – 2011. medidas da imagem: A forma clássica de
medir complexidade de imagens se utiliza
de fractais, e isso já é conhecido na litera-
tura. Além de estudar os fractais e propor
alguns métodos novos, Backes empregou
conceitos de redes complexas e autômatos.
Conseguiu demonstrar um link entre os
três, e que funciona para resolver a questão
da medida de complexidade de imagens.
Esta descoberta não apareceu por acaso, já
que Backes previa esse resultado ao propor
seu trabalho. Fiquei impressionado com sua
visão – ressalta Odemir.
Para o orientador de André Backes,
Prof. Odemir Bruno, docente do IFSC, a
pesquisa é extraordinária. André estabele-
ceu um elo entre três áreas da matemática
para resolver o problema da complexidade
de imagens. Combinou autômatos, redes
complexas e fractais (objetos geométricos
que podem ser divididos em partes, cada
uma delas semelhante ao objeto original),
para criar uma medida de complexidade.
Essa medida serve para quantificar Backes trabalhou em três frentes: reco-
quão complexo é um objeto, uma ima- nhecimento e mapeamento de plantas, um

196 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

projeto já em desenvolvimento pela equipe de uma floresta. Aí sim, ela é melhor que um
de Odemir Bruno, imagens médicas e mo- ser humano – sublinha Odemir Bruno.
nitoramento de imagens urbanas via satéli- No monitoramento de imagens ur-
te. Na saúde, o trabalho de Backes poderá banas via satélite, a ferramenta é capaz de
auxiliar a diagnosticar precocemente a for- fazer uma análise do grau de desenvolvi-
mação de tumores: repare que refere-se à mento de uma cidade – de qualidade de
formação de tumores, ou seja, tumores que vida, assimetrias arquitetônicas, déficits de
ainda não existem: Essa ferramenta propicia espaços verdes e de lazer, amplitude e qua-
que a máquina veja coisas que o homem não lidade de vias de comunicação, dimensão
consegue enxergar. Por exemplo, se houver e aproveitamento de quadras e praças pú-
alguma combinação celular numa imagem blicas. Esses dados podem ser comparados
de formação de um tumor, que aos olhos hu- com os de outras fontes (por exemplo, do
manos passa completamente despercebida, IBGE) para auxiliar órgãos públicos a rea-
a máquina detecta e informa. Nessa linha lizarem correções: Eu diria que é um olhar
de visão computacional com a qual traba- matemático sobre a urbe. Resumidamente,
lhamos, mais do que fazer o computador neste momento esta nova ferramenta está
enxergar o mundo como um ser humano, apta a fazer identificação, mapeamento e
do ponto de vista da versatilidade – obser- reconhecimento de plantas nas florestas e
var uma obra de arte, dirigir um carro, jo- em imagens médicas: quanto às imagens
gar futebol ou ver um filme, por exemplo -, urbanas, ainda vai demorar algum tempo
o ponto fulcral é poder criar nas máquinas – conclui Odemir Bruno.
uma visão específica: daí que a ferramenta é O trabalho de André Backes já foi
capaz de diagnosticar a futura existência de mencionado em dez das mais importantes
um tumor, ou reconhecer e mapear plantas revistas científicas de sua área de pesquisa.

A física a serviço da sociedade | 197


Física Computacional

A solidariedade da levedura
14 de Dezembro de 2012

H istórias de mães que sacrificam a


própria vida em prol dos filhos não
é novidade no mundo animal. Mas pare-
Os pesquisadores da UCSF observaram,
entretanto, que a quantidade transmitida é
extrapolada. Tendo-se em mente que para
ce que no mundo microscópico esse é um cada geração do fungo mais mitocôndrias
feito inédito. são transferidas de mãe para filha, chega-
-se a um determinado ponto em que a
célula mãe fica sem nenhuma mitocôn-
dria, não conseguindo, portanto, produzir
energia, morrendo em seguida.
Tal observação não poderia ter sido
feita com tanta precisão pelos pesquisa-
dores da UCSF sem o auxílio do Grupo
de Computação Interdisciplinar (GCI) do
IFSC, graças a uma parceria de cinco anos
entre a UCSF e o IFSC, através do docente
Luciano da Fontoura Costa.
Utilizando-se dos conhecimentos das
três frentes de pesquisa com as quais o
Uma descoberta de pesquisadores da GCI trabalha*, Luciano e seus colaborado-
University of California (UCSF), que ren- res - entre eles o pós-doutorando da UCSF,
deu publicação na famosa revista cien- Matheus Palhares Viana - analisaram ima-
tífica Science, mostrou que o fungo Sac- gens de uma estrutura reticulada que fica
charomyces cerevisiae, levedura utilizada em volta da mitocôndria da Saccharomyces
na produção de pães, cervejas e etanol, cerevisiae. Obtiveram medidas geométri-
ao dividir suas células passa um número cas (comprimento dos ramos da retícula,
acima do necessário de mitocôndrias (ór- ângulos que formam umas com as outras,
gão celular responsável pela produção volume etc.) e topológicas (quantidades
de energia) à célula filha, para garan- de pontos de ligação entre as retículas) de
tir sua sobrevivência. Normalmente, a tal estrutura, com um objetivo principal:
quantidade necessária de mitocôndrias fazer comparações entre células mães e
para sobrevivência de células filhas des- filhas, células de diferentes linhagens ou
se fungo é proporcional ao seu volume. ainda entre células mutantes: Nós fazemos

198 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

no computador a reconstrução das imagens Para fazer tais medidas, Luciano e


enviadas pelos pesquisadores da UCSF, com seus colaboradores utilizaram softwares
o objetivo de caracterizá-las e compará-las. criados por eles próprios. Com esses da-
Demoramos em torno de uma hora para dos, os pesquisadores norte-americanos
análise completa de cada imagem, conta o puderam retirar informações preciosas,
docente. inclusive o motivo pelo qual as células
mães da Saccharomyces cerevisiae repas-
sam mais mitocôndrias do que o necessá-
rio para suas filhas.
A colaboração da UCSF com o grupo
de Luciano continua, mas no momento
todas as análises de imagens solicitadas já
foram concluídas: Para nós foi muito im-
portante trabalhar com esses pesquisadores,
pois eles têm acesso a experimentos sofisti-
cados para testar diversas hipóteses, afirma
Luciano.
A imagem acima foi extraída da tese
do ex-aluno do IFSC, Matheus Palhares
Representação tridimensional da Viana.
mitocôndria e seu esqueleto __________________
*Análise de imagens e visão, reconhecimento
de padrões e redes complexas.

A física a serviço da sociedade | 199


Física Computacional

Computação quântica adiabática - A terceira


tecnologia computacional
18 de Março de 2013

A Computação Quântica é considerada


com potencial para dominar a tec-
nologia num futuro não muito distante,
a clássica tem dificuldades em cumprir. Tal
reflexão foi feita quando físicos tentavam
simular a matéria e perceberam que simu-
com capacidade de processamento muito lar matéria quântica, utilizando-se de um
maior do que a computação clássica que se computador clássico, era inviável: Os físicos
emprega hoje. perceberam que era preciso simular a mecâ-
nica quântica nos computadores. Nesse mo-
mento, eles seguiram a mesma analogia do
caso clássico, criando o ‘alfabeto’ da comuni-
cação quântica e um novo sistema para pro-
cessar, manipular e armazenar informações,
conta Frederico Borges de Brito, docente
do Grupo de Física Teórica do IFSC. Uma
nova codificação para computação quânti-
ca e uma nova linguagem (Qubits) nascia,
seguindo as ideias análogas à computação
clássica.

Mundo quântico, mundo quântico


adiabático
Depois de criar uma nova linguagem
para computação quântica na década de
1990, os estudiosos notaram que ela era
muito mais rápida e segura do que o tra-
As propostas iniciais da computação dicional modelo clássico para algumas
quântica foram baseadas na analogia com o tarefas importantes, como problemas re-
que já existe, ou seja, a linguagem da com- lacionados à busca de informação em um
putação clássica, que tem como idioma a banco de dados que não esteja estrutura-
linguagem binária, baseada em zeros e uns. do. Outro exemplo prático diz respeito
Na década de 1980 surgiu a ideia de usar às senhas de e-mails e cartões de crédito:
a lógica quântica para realizar tarefas que A criptografia é responsável por proteger

200 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

nossos dados on-line, tanto na transmissão ao manipular o sistema físico sem permitir
como no armazenamento. Hoje, o princi- que ocorram transições entre seus estados
pal protocolo utilizado para criptografar a quânticos, explica Frederico.
informação utiliza-se de uma codificação De acordo com Frederico, a maior
baseada em números primos. Até agora, parte da comunidade científica continua
ninguém mostrou algum algoritmo clássico trabalhando com computação quântica
capaz de quebrar essa criptografia de ma- utilizando somente o modelo de circuito.
neira eficiente, explica o docente. A base de dados e descobertas são muito
Em 1994, o matemático do Massachu- maiores e há elementos que indicam ser
setts Institute of Technology (MIT), Peter possível implementar computação quân-
Shor, demonstrou que se um dia con- tica através do modelo existente. No en-
seguíssemos construir um computador tanto, uma parcela crescente considera
quântico, ele seria capaz de implementar a computação adiabática tão interessante
um algoritmo que poderia quebrar facil- (e promissora) quanto a quântica usual. A
mente a criptografia atual, de maneira efi- chave para o sucesso da computação adia-
ciente. Na prática, isso significa que, caso bática é conseguir manter o sistema no seu
a criptografia se mantenha da forma como estado fundamental durante a implementa-
está, um computador quântico poderá ção do algoritmo e, para que isso seja possí-
muito facilmente desvendar os códigos vel, os desafios são grandes. Primeiramen-
já existentes. No entanto, se a tecnologia te, é preciso evitar transições entre os níveis
quântica for dominante, consequente- de energia quânticos: Todo sistema físico
mente a criptografia quântica é que toma- interage com seu ambiente. Portanto, não
rá conta, tornando os códigos muito mais há controle sobre essa interação e ela pode
seguros. gerar erros e induzir transições no sistema,
Uma variação da computação quân- exemplifica Frederico: Mas, pressupondo-se
tica, menos conhecida, é a computação que o sistema seja isolado, o que vai determi-
quântica adiabática. Enquanto o modelo nar a rapidez com que virá a resposta será a
de circuito se utiliza de portas lógicas para distância entre os níveis de energia do siste-
realizar suas tarefas, a adiabática força uma ma, chamada de ‘gap’: quanto maior o gap,
evolução contínua do sistema. Numa defi- menor a chance de se cometer um erro na
nição mais simples, a computação quântica computação.
adiabática faz com que o sistema trabalhe Outro problema é que quanto maior
no menor nível de energia possível: Trata- o tamanho do sistema menor o gap. Isso
-se de um paradigma diferente para a rea- é ruim, pois quanto maior a quantidade
lização da computação. Deixamos de proce- de dados inserida no sistema, menor será
der à computação através de uma sucessão seu gap e, portanto, o tempo de resposta
de várias operações, para uma situação na será longo e a eficiência baixa: Com isso,
qual obtemos a resposta do nosso problema o tempo de resposta é muito longo! Essa é a

A física a serviço da sociedade | 201


Física Computacional

principal crítica à implantação da compu- A computação adiabática ainda está na


tação adiabática. infância e não há provas de que possa ser
Diante dessas desvantagens, poder-se- utilizada em todo e qualquer sistema físico.
-ia perguntar por que a computação adia- Há evidências de que, conforme se aumen-
bática continua sendo atraente. A grande tar a quantidade de dados, o gap tenderá a
vantagem da computação adiabática é que cair rapidamente. Pode ser que em outros
ela não exige a preservação da identidade sistemas o gap não diminua tão rapidamen-
quântica do sistema entre estados macros- te, tornando a computação adiabática mais
copicamente distinguíveis. O mundo ma- eficaz em casos específicos.
croscópico tende a interagir muito mais Além de um desafio aos pesquisado-
com o ambiente e a única obrigação da res, a computação adiabática pode abrir
computação adiabática, nesse momento, é novas portas, como aconteceu com os
manter seu sistema no estado fundamen- dispositivos supercondutores mais bem
tal, para trazer as respostas dos problemas explorados durante os estudos da com-
mapeados com eficiência e rapidez: Mes- putação quântica: Verificou-se que esses
mo assim, a computação quântica usual dispositivos podem constituir um rico la-
tem melhores condições de ser implementa- boratório de testes de hipóteses quânticas,
da, ressalva o docente. relembra Frederico.

202 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

Quantificação da interdisciplinaridade em
revistas científicas e campos de pesquisa
29 de Julho de 2013

ciência, usando uma medida de entropia


baseada na diversidade dos temas de revis-
tas que citam uma revista específica.
A metodologia consistiu na construção
de redes de citações, utilizando o banco de
dados do Journal of Citation Reports, em que
as revistas foram assinaladas como pontos -
ou nós -, enquanto as arestas (links) foram
estabelecidas com base nas citações entre
periódicos. O estudo confirmou quantitati-
vamente que os campos da ciência estão se

E mbora exista uma percepção geral so-


bre o aumento da interdisciplinaridade
na ciência, isso é difícil confirmar quanti-
tornando cada vez mais abrangentes, com
o grau de interdisciplinaridade (entropia)
intimamente ligado ao fator de impacto.
tativamente, principalmente devido à falta A respeito deste trabalho, um de seus
de métodos adequados para avaliar os fe- autores, o Prof. Osvaldo Novais, afirmou
nômenos subjetivos, da mesma forma que que isso vai servir, em primeira instância,
existem dificuldades em estabelecer rela- para a criação de um mapa do conheci-
ções quantitativas nas áreas de ciências hu- mento que, através de gráficos e projeções
manas e sociais. em duas e três dimensões, verifica os cam-
Num trabalho de pesquisa assinado pos de conhecimento conectados entre si.
pelos Professores Francisco Aparecido Cada revista tem a ela associadas catego-
Rodrigues (ICMC), Osvaldo Novais de rias (subject categories), tópicos que defi-
Oliveira Jr. e Luciano da Fontoura Cos- nem a área a que pertence.
ta (IFSC) e por Filipi Nascimento Silva As informações são retiradas das ci-
(aluno de doutorado do IFSC), intitulado tações contidas na base de dados Web of
Quantifying the interdisciplinarity of scien- Science, que dão um panorama da ciência
tific journals and fields, publicado em abril que se faz no mundo, por conter a maioria
deste ano no Journal of Informetrics, os das revistas científicas. A metodologia apli-
autores quantificaram a interdisciplinari- cada nesse trabalho serve para medir a en-
dade das revistas científicas e campos da tropia - a métrica de interdisciplinaridade.

A física a serviço da sociedade | 203


Física Computacional

Descobre-se de onde vêm as citações para podem ser importantes até para mostrar
uma determinada revista ou campo do seu perfil. Se esse perfil não está adequa-
conhecimento: se elas vierem de campos do, o comitê editorial pode fazer ajustes. A
muito distantes, muito diferentes, isso dará ciência de computação, central nos nossos
uma entropia alta, ou seja, aquela revista ou dias para o desenvolvimento tecnológico,
campo tem alta interdisciplinaridade. tem revistas com baixa multidisciplinari-
Osvaldo dá alguns exemplos: É dade. Isso é surpreendente porque a com-
óbvio que temos uma ideia do mapa putação está inserida em todas as áreas do
do conhecimento, só que neste trabalho conhecimento. Na opinião do pesquisa-
podemos quantificar como as áreas são dor, as revistas apresentam entropia baixa
conectadas. O mais importante é que a (baixa interdisciplinaridade) devido a suas
partir da entropia podemos saber quão políticas editoriais que privilegiam con-
diversificada é uma área, qual a natureza tribuições mais dedicadas à computação
interdisciplinar de uma área científica ou propriamente dita, não dando destaque às
de uma revista: isso pode servir para o es- aplicações de computação em outras áre-
tabelecimento de políticas editoriais para as. Ou seja, essas revistas privilegiam tra-
revistas ou para áreas de pesquisa, ou para balhos que não são multidisciplinares:  A
agências de fomento, a partir das intercone- impressão que tenho é que as revistas de
xões identificadas. computação são extremamente herméticas:
O grupo responsável pelo trabalho ob- se os corpos editoriais dessas publicações
servou a evolução da rede num período de acreditarem que elas podem e devem ser
onze anos. A partir da linha do tempo da mais multidisciplinares, serão obrigados a
interdisciplinaridade, percebeu-se que essa mudar a política editorial para atingir esse
é uma medida crescente, ou seja, as áreas fim, pontua o autor.
estão se tornando ainda mais interdiscipli- As sociedades científicas e editoras
nares: Neste trabalho, mostramos em gráfi- podem pressionar os corpos editoriais
cos uma análise quantitativa da interdisci- para que a política seja alterada, embora
plinaridade. Além de ser útil para subsidiar isso exija uma mudança de cultura nas
políticas, esta quantificação de interdiscipli- próprias áreas: em geral, isso também de-
naridade pode servir para futuros projetos. pende dos árbitros, que são independen-
Por exemplo, com o mapa do conhecimento tes. Aparentemente, os árbitros das prin-
descobrem-se as conexões em determinadas cipais revistas da área de computação não
áreas e naqueles casos em que houver intui- são favoráveis a trabalhos muito multidis-
ção de que as conexões deveriam ser feitas, ciplinares.
mas ainda não o foram, podem-se induzir Além das revistas da área de compu-
políticas para fazê-las, explica Osvaldo. tação, as dedicadas à matemática também
Para uma revista em particular, ou possuem baixa interdisciplinaridade. Os-
para um conjunto de revistas, as métricas valdo Novais afirma que este resultado é

204 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

compreensível, já que o rigor que se exige que na rede tridimensional das revistas no
no tipo de contribuição que se espera dos nosso artigo, quando se observa a posição
pesquisadores dessa área é diferente do e as características do conjunto, a Nature
que em uma aplicação da matemática em e a Science se confundem em um só ponto.
qualquer área do conhecimento. Isso significa que as duas revistas têm ca-
Outro dado importante é que o im- racterísticas muito similares, o que sabemos
pacto de uma revista tem correlação po- ocorrer, explica Osvaldo.
sitiva com a interdisciplinaridade, ou seja, Este trabalho de quantificação tam-
as revistas mais multidisciplinares são as bém pode influenciar a qualidade dos
que têm maior impacto - embora existam artigos que os pesquisadores enviam
exceções. Exemplos marcantes da correla- para publicação nas revistas, principal-
ção com o fator de impacto são as revistas mente aquelas que têm grande impacto,
mais genéricas, como a Nature, que tem até porque as grandes revistas já têm
a maior entropia, seguida da Science e da nas suas instruções para submissão de
Proceedings of the National Academy of trabalho, instruções de como elas espe-
Sciences: Nesse caso, é interessante verificar ram que os trabalhos sejam redigidos. A
que se você fizer a pergunta para qualquer escrita científica está sendo muito valo-
grupo de cientistas sobre quais são as revis- rizada porque se espera que os autores
tas que têm mais entropia - depois de lhes sejam capazes de transmitir suas contri-
explicar os conceitos -, todos irão apontar buições para uma audiência mais geral,
estas três. Também é interessante verificar mais abrangente.

A física a serviço da sociedade | 205


Física Computacional

Inteligência artificial
30 de agosto de 2013

ele sempre menciona as duas abordagens


de processamento automático de línguas
naturais (PLN), a simbólica e a estatística
(ou conexionista e agora também chamada
de baseada em corpus ou em aprendizado
de máquina).
Para uma audiência de não-especia-
listas, é fácil explicar os requisitos de um
sistema de processamento no paradigma
simbólico, o que inclui dicionários, analisa-

P or mais de uma década, o Prof. Osval-


do Novais de Oliveira Jr. do IFSC, tem
dado palestras tentando explicar o porquê
dores sintáticos e semânticos: Minha ênfase
– até porque é fácil de a audiência perceber –
é sempre voltada para a dificuldade de resol-
de autores de ficção científica terem errado ver ambiguidades, principalmente nos casos
tão grosseiramente nas previsões de comu- em que conhecimento de mundo é necessá-
nicação do homem com a máquina. rio. Dou exemplo de sentenças que mesmo
De fato, em filmes e livros de ficção dos humanos não conseguem decifrar, a menos
anos 1960-1970 era comum haver robôs que tenham experiência de uma cultura
que se comunicavam sem dificuldade com local, e para tanto uso sentenças em inglês
os humanos e, como sabemos, isso está cuja compreensão requer conhecimento da
muito longe de ocorrer. cultura britânica. Se houver membros na
Segundo o cientista, são várias as ra- audiência com tal experiência, as sentenças
zões para que esses erros de previsão te- são facilmente decifráveis e, não havendo,
nham ocorrido, mas talvez a mais impor- preciso dar pistas para que a audiência
tante tenha sido o não reconhecimento da adivinhe o significado. Em ambos os ca-
complexidade da linguagem humana, e a sos, a dificuldade de interpretação por um
necessidade do chamado conhecimento de computador fica claramente demonstra-
mundo para uma comunicação eficaz. Mes- da, menciona o pesquisador.
mo crianças, em fase de aprendizado da lín- Contudo, na opinião de Osvaldo, che-
gua, já detêm um volume gigantesco de in- gou a hora de reconhecer que ele próprio
formações e estratégias, que hoje parecem estava enganado. Segundo suas próprias
impossíveis de processar por um computa- palavras, infelizmente não informou suas
dor. Nas palestras proferidas por Osvaldo, audiências corretamente por todos esses

206 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

anos, ao se fixar nas dificuldades de pro- conhecimento a partir de grandes corpo-


cessamento, dando a entender que difi- ra, ou seja, a partir de exemplos. A eficiên-
cilmente o homem se comunicaria com a cia do paradigma ficou clara nos últimos
máquina de forma natural:  Meu  primeiro anos, à medida que o armazenamento de
erro foi não ter a percepção de que o ou- grandes volumes de informação linguís-
tro paradigma de PLN, que hoje se apoia tica passou a ser praticamente ilimitado,
nos métodos de aprendizado de máquina, com todo o material hoje disponível em
pode dar resultados muito superiores aos do meio eletrônico. Para tradução automáti-
paradigma simbólico, o que já acontece nos ca, por exemplo, foram necessários corpo-
tradutores automáticos. Mas o erro crucial ra volumosos de textos alinhados para as
foi não compreender que o aprendizado de línguas em questão. Na competição Jeo-
máquina mimetiza – ainda que de manei- pardy mencionada acima, o supercompu-
ra rudimentar – o aprendizado humano. tador Watson foi projetado especificamen-
Portanto, quando a capacidade de proces- te para a tarefa de perguntas e respostas,
samento da máquina se equiparar à dos com capacidade de processar cerca de um
humanos, os sistemas computacionais de- milhão de livros por segundo e com aces-
vem apresentar habilidades semelhantes na so a grande parte do material disponível em
produção e recepção de uma língua, talvez meio eletrônico, em língua inglesa.
com menor eficiência (será?). Minha opi- Pode-se agora antever novos desdo-
nião sobre os limites do PLN mudou dras- bramentos que revolucionarão os sistemas
ticamente em 2011, quando o computador de busca na Internet e aplicativos simila-
Watson, da IBM, venceu campeões huma- res. Para dar um exemplo simples, imagi-
nos na competição Jeopardy - um programa ne que todos os objetos de certo domínio
de perguntas e respostas de conhecimentos sejam definidos numa enciclopédia. Para
gerais da TV americana. Agora, prevejo o sistema computacional será fácil respon-
um progresso tão espetacular, que permitirá der a qualquer pergunta do tipo O que é
comunicação com computadores num futuro ....? Exemplo semelhante, talvez um pouco
não muito distante, desde que a capacidade mais difícil, será responder a perguntas do
de processamento de um computador conti- tipo Quem fez ....? ou Quem foi ...?, a partir
nue aumentando com taxas semelhantes às de bases de dados.
atuais (no que é chamado de Lei de Moore),
adianta o pesquisador. Computador ou máquina
PLN baseado em aprendizado de personalizada
máquina Para justificar algumas das previsões
Neste paradigma de PLN, métodos e seu otimismo com o PLN baseado em
computacionais de aprendizado de má- aprendizado de máquina, o cientista discu-
quina são empregados para aquisição de te como as máquinas, no futuro, poderão

A física a serviço da sociedade | 207


Física Computacional

ser diferentes das de hoje: Quando com- possível, atualmente, com hardware espe-
pramos um computador, o hardware vem cífico e mobilidade da máquina, como um
acompanhado de uma série de softwares, robô. Podemos imaginar a máquina fun-
sendo o principal o sistema operacional. cionando com bateria recarregável, que
Além disso, muitos programas já vêm ins- buscará fonte de energia quando necessá-
talados, de maneira que cada máquina já rio. Imagina-se, também, um robô dotado
tenha dezenas ou centenas de programas. de visão e uma série de sensores que per-
Uma característica interessante é que as mitam sentir e avaliar o ambiente.
máquinas são quase iguais para todos. Há, A decisão, ou desejo, de adquirir no-
obviamente, uma particularização da lín- vos conhecimentos – da Internet, de al-
gua natural para comunicação com o usu- gum repositório ou de outras máquinas
ário, há diferentes sistemas operacionais e – será dada pelo programa que gerencia
algumas outras especificidades. Mas só. Pre- as ações da máquina. Como, obviamente,
vejo que, em décadas, os usuários acharão o programa foi escrito por um humano,
bizarro que todos tenhamos computadores aparentemente a máquina não tem inde-
quase iguais, “sem personalidade”, e com pendência. Mas a dependência pode ficar
um número pequeno de programas. Para invisível quando não mais for possível des-
esses usuários do futuro, que receberão um cobrir qual dos milhões de programas que
computador com milhões ou bilhões de pro- vieram com o computador é responsável
gramas, será difícil imaginar o nosso tempo, pelo gerenciamento geral. Ou mesmo se
assim como os jovens agora se divertem em tal programa não foi – ele próprio – pro-
saber que já usamos computador sem disco duzido por outra máquina, a partir de mo-
rígido, pontua Osvaldo. dificações de um programa originalmente
Em suma, o computador no futuro já escrito por humanos.
terá muito mais conhecimento embutido
A educação de uma máquina
e provavelmente contará com estratégias
que permitam aumentar esse conheci- Este é um ponto interessante, devi-
mento automaticamente com aprendizado do à analogia com educação de crianças
de máquina. Hoje, o acréscimo é muito tí- numa sociedade. Mesmo considerando
mido a partir da instalação, pelo usuário, que cada máquina já poderá vir persona-
de programas, bibliotecas e funcionalida- lizada a partir das escolhas do comprador,
des. Tudo em pequena escala e de forma o que ela aprenderá vai depender das ins-
manual. truções do dono e do ambiente. Se o dono
A possibilidade de aprendizado contí- usar duas ou mais línguas, por exemplo, a
nuo do computador suscita a necessidade máquina adquirirá conhecimento nessas
de independência, para que a aquisição de línguas.
informação (ou conhecimento?) se dê sem Para um dono que trabalha no merca-
intervenção de um humano. Isso já seria do financeiro, a máquina deverá se tornar

208 | A física a serviço da sociedade


Física Computacional

especialista em estatística, ações, câmbio - será muito mais complicado, pois o ce-
e acompanhar todo o noticiário de negó- nário é completamente distinto do atual,
cios: Imagino que a máquina possa ser au- em que um humano especialista localiza o
xiliar, cuidando dos diversos assuntos que problema, conserta ou substitui um com-
o dono definir. Pode fazer gerenciamento ponente (programa ou elemento de har-
de contas bancárias, cuidar da agenda do dware).
dono, preparar material de suporte para o Aqui surge uma possibilidade interes-
trabalho do dono, etc. Por exemplo, fazer sante: Suponhamos um casal recém-casado,
pesquisa na literatura e preparar material cada qual com seu agente (robô ou só agente
didático para um dono que exerça a ativi- de software). Esses agentes terão sido treina-
dade de professor. Obviamente, para reali- dos de acordo com os gostos e necessidades
zar a maioria das tarefas estou supondo que dos donos. Ao iniciar a nova vida juntos, o
a Internet será acessível para as máquinas, casal percebe que seria mais eficiente conci-
o que ainda não é possível. Mas, há propos- liar agendas e aplicativos, e decide adquirir
tas nesse sentido, como a Web Semântica, uma nova máquina (novo agente). Para se-
comenta Osvaldo. lecionar a especificação inicial, como men-
cionado acima, e posteriormente treinar a
Gestação de uma máquina nova máquina, será necessária a atuação
Para o pesquisador do IFSC, a aqui- conjunta das máquinas do casal. Ou seja,
sição de uma máquina será um processo a nova máquina herdará características da
muito mais complicado do que comprar máquina do marido – chamemos máquina-
um computador hoje. Para personalizar -pai – e da esposa, a máquina-mãe. Seria
a máquina (robô) há que se decidir como como receber o código genético dos pais
selecionar os milhões ou bilhões de pro- (máquinas neste caso); a propósito, a me-
gramas e aplicativos, o que deverá levar táfora que deu origem aos algoritmos gené-
muito mais tempo e, provavelmente, terá ticos provavelmente já estará sendo usada
que ser feito com apoio de uma (outra) para a herança de características. Incompa-
máquina. Não se pode esperar que um tibilidades poderão aparecer na junção des-
humano vá saber em detalhe o que sele- sas características e imagino que devamos
cionar. É esta dificuldade de identificar a esperar que a máquina-filha seja diferente
origem das decisões que dá o aspecto de das que lhe deram origem, apesar da he-
independência para as máquinas. Elas pa- rança. Fenômenos, como mutações, pode-
recerão ter vontade própria, simplesmente rão ocorrer, de maneira muito semelhante
porque não saberemos explicar como as ao que acontece em biologia. E o que é mais
decisões são tomadas. relevante: quando quisermos descobrir
Neste contexto, reparar uma máqui- a razão para certos comportamentos da
na avariada – ou que simplesmente esteja máquina, como abordagens para resolver
se comportando de maneira inesperada problemas ou como decisões são tomadas

A física a serviço da sociedade | 209


Física Computacional

pode não ser fácil determinar a origem. O nossa percepção de uma reação da pessoa,
comportamento pode ter sido adquirido das o pesquisador do IFSC acredita que as má-
máquinas-pais ou aprendido no processo de quinas podem ter sentimento. As reações
aquisição de conhecimento da nova máqui- das máquinas atuais são muito artificiais e
na, esclarece o pesquisador. facilmente descobrimos que elas se devem
a estímulos previamente programados por
Máquina pode ter sentimento? humanos. Mas, e quando não for possível
determinar a origem das decisões das má-
Um argumento comum daqueles que quinas? E se estas usarem uma lógica fu-
não acreditam que o computador pode su- zzy para alguns tipos de decisão, dando a
perar o humano é de que uma máquina ja- impressão de serem irascíveis? Quando as
mais terá sentimento. Parece verdade. Mas reações das máquinas puderem ser muito
o que é sentimento? Como se sabe que as variadas e não formos capazes de compre-
pessoas têm sentimento? Ora, sabemos que ender sua origem, atribuiremos a elas senti-
elas têm sentimento, por sua reação ao in- mentos! A máquina então passará no teste
teragir conosco. Usando essa definição de de Turing, sem que consigamos distinguir
sentimento, ou seja, o que é inferido por sua reação da de um humano.

210 | A física a serviço da sociedade


8 C iências Físicas e Biomoleculares

A
pesquisa em biofísica, que data dos primórdios do
IFQSC, e o interesse pela cristalografia de proteínas
nos anos 1980, culminaram na formação de um centro
de pesquisas em diversas áreas das ciências biológicas, da vida e
da saúde, que talvez seja único no Brasil. Esta conquista se ma-
terializou em um CEPID da FAPESP, num INCT, e fizeram do
IFSC um centro de excelência em biologia estrutural, em do-
enças tropicais e nanomedicina, para mencionar algumas das
áreas de atuação. Tais iniciativas foram também acompanhadas
da criação do bacharelado em Ciências Físicas e Biomolecula-
res e da modalidade de Física Biomolecular no programa de
pós-graduação de Física Aplicada. A imensa variedade das pes-
quisas nessas áreas está retratada nas reportagens deste Capí-
tulo, sendo que essas pesquisas também foram relevantes para
as aplicações em saúde no Capítulo IX e em muitas inovações
mencionadas no Capítulo X. Este capítulo se inicia com uma
reportagem que traz a opinião do Prof. Richard Garratt sobre a
importância da física para a biologia, nos mesmos moldes dos
textos sobre a física no Século XXI do Capítulo II.

211
Ciências Físicas e Biomoleculares

O biólogo do futuro
07 outubro 2013

U m dos grandes desafios de nosso


tempo é descobrir novas fontes de
energia para sustentar a crescente popula-
um paquiderme’ etc. Um geneticista do
século XX responderia à mesma pergunta
da seguinte maneira: ‘o elefante é uma
ção mundial. Essa também é a opinião do máquina produzida por genes de elefantes
docente do IFSC, Richard Charles Garratt, para produzir mais genes de elefantes’.
bioquímico de formação no IFSC há mui- No entanto, se essa mesma pergunta for
tos anos, fazendo pesquisas relacionadas feita hoje, a descrição do biólogo será: ‘um
à biologia molecular e cristalografia de elefante é uma determinada sequência de
proteínas: Obviamente, a física tem uma nucleotídeos. Esta sequência é diferente
grande contribuição a fazer, através de des- para cada espécie e pode ser escrita com
cobertas de métodos e meios mais eficazes exatidão’, elucida o docente.
de transformar a energia para produzir, Nesse sentido, os biólogos alteram sua
principalmente, eletricidade e combustíveis, maneira de enxergar e descrever as coisas,
duas coisas das quais mais necessitamos o que os aproxima das ciências exatas e,
hoje em dia. consequentemente, dá espaço maior aos
No que concerne aos desafios da fí- físicos para se tornarem, também, cola-
sica para o século XXI, Richard ressalta boradores protagonistas nessa área: Os
que especificamente em sua área de atua- biólogos do futuro terão que dominar a ma-
ção haverá impacto com a interação entre temática tão bem quanto os físicos de hoje,
áreas de conhecimento: a física mudará a o que não é uma grande novidade. Na área
maneira como fazemos biologia, enfatizou de biologia estrutural, por exemplo, os físi-
Richard. Segundo ele, a biologia tem se cos sempre tiveram um papel importante.
tornado uma ciência mais quantitativa se O próprio Francis Crick, que codescobriu a
comparada ao seu antigo modelo. Na bio- estrutura do DNA, era físico de formação,
logia é possível quantificar e descrever fe- relata Richard.
nômenos e sistemas de uma maneira menos Físicos e biólogos já são grandes par-
descritiva do que no passado, o que a tem ceiros, mas desafios antigos ainda precisam
transformado numa disciplina mais exata: ser desvendados. Um dos mais importan-
Se perguntássemos a um biólogo do século tes, na opinião de Richard, é o do enove-
XVIII o que é um elefante, ele daria uma lamento de proteínas, em que a grande
descrição anatômica, uma classificação clás- pergunta é: a partir de uma sequência de
sica das espécies. Por exemplo, ‘é um animal aminoácidos, como é possível prever a es-
que possui uma tromba, orelhas grandes, trutura tridimensional de uma proteína?

212 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Responder adequadamente essa per- da transmissão de impulsos nervosos ou


gunta significa possibilitar o planejamento calculando a velocidade de disseminação
de moléculas com novas atividades que, de uma doença em uma comunidade.
num futuro, poderão ser usadas em vaci- Porém, ainda que a física desempenhe
nas e remédios para a cura das mais va- papel protagonista em diversos estudos
riadas doenças, como câncer, Alzheimer e biológicos, Richard afirma que a biologia
AIDS, só para citar alguns exemplos: Esse continua mantendo seu posto de ciência do
é um desafio que provavelmente não será século XXI: Por sua complexidade, o avan-
descoberto pelos biólogos tradicionais. Pen- ço da biologia de uma forma exata é muito
so que um físico é que acabará resolvendo mais difícil do que em outras áreas da ciência
esse problema, opina Richard. e por isso ela está atrasada e representa, nesse
De acordo com Richard, muitos físi- momento, um grande desafio aos estudiosos,
cos já estão tentando resolver essa questão, afirma.
mais uma prova de que a parceria física/ A parceria entre física e biologia cer-
biologia é promissora. É comum, inclusive tamente continuará a gerar muitos frutos,
no IFSC, encontrar físicos experimentais como a possibilidade de sequenciar geno-
estudando seres vivos através de técnicas mas para diversas finalidades e permitir
de ressonância magnética nuclear, físicos melhorias para a qualidade de vida da so-
teóricos aplicando a física na compreensão ciedade.

A física a serviço da sociedade | 213


Ciências Físicas e Biomoleculares

Evolução de elementos de transposição


no genoma de organismos do gênero
Schistosoma
24 de maio 2010

P esquisadores do IFSC, com a colabora-


ção de grupos do Instituto de Química
da USP e da University of York, descreveram
indicam que o Schistosoma mansoni se
originou de ancestrais asiáticos que mi-
graram para a África. A abundância de
eventos de expansão do número de cópias eventos de transposição pode ser um re-
de transposon no genoma do parasita hu- flexo da adaptação do parasita ancestral,
mano Schistosoma mansoni, predominante quando da sua migração da Ásia para a
na África e Américas, que não tem paralelo África. O trabalho foi publicado na revista
no genoma do Schistosoma japonicum, que International Journal for Parasitology v. 40,
é predominante na Ásia. Hipóteses recentes p. 743-749.

214 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Pesquisa pode auxiliar na produção de fármacos


para controle de obesidade e colesterol
30 abril 2010

O estudo foi conduzido no IFSC, em


parceria com o Instituto de Química
da Unicamp, com a Faculdade de Ciên-
lizado na indústria farmacêutica, por
acarretar menos efeitos colaterais que o
hormônio tireoidiano principal (que pode
cias da Saúde da Universidade de Brasília causar arritmia e até ataque cardíaco). A
e com o Hospital Metodista de Houston, pergunta que os pesquisadores se faziam
Texas (USA) e é coordenado pelo profes- era de que maneira este ligante se associa-
sor Igor Polikarpov, do IFSC. A relevância va às proteínas alfa e beta. Para esse fim,
do projeto vem da investigação do motivo foi determinada a estrutura cristalográfica
pelo qual o Triac (um hormônio da tireoi- das proteínas, sem resultados positivos, e
de) se liga a uma proteína do fígado rela- em seguida um trabalho computacional
cionada ao controle do metabolismo de que possibilitou a interação das proteí-
gorduras e colesterol. nas com água, mas o resultado concordou
Conduzido desde 2002, o projeto visa- com o primeiro procedimento.
va a estudar as proteínas receptoras de hor- Porém, este segundo teste revelou-se
mônios, mais especialmente duas varieda- fundamental devido à importância da atu-
des dessas proteínas: os receptores alfa e ação do solvente, pois o cálculo do ligan-
beta do hormônio tireoidiano. A primeira te com todo o ambiente (proteína, água,
é encontrada abundantemente nos tecidos íons), nas formas alfa e beta, revelou que a
cardíacos e está associada à regulação da diferença de interação desaparecia. A água
freqüência cardíaca, enquanto a proteína em volta da proteína compensava a dife-
beta é encontrada no fígado, sendo impor- rença que aparecia na estrutura cristalo-
tante para o metabolismo de gorduras e gráfica, que mostrou o Triac se ancorando
colesterol. A variedade beta é também um mais na forma alfa. Neste trabalho compu-
ligante beta-seletivo, o que desperta inte- tacional, pôde-se observar que a estrutura
resse da indústria farmacêutica por ser útil alfa tinha o ligante fortemente associado à
na redução de colesterol e obesidade. O proteína alfa. Na estrutura beta, o ligante
objetivo era, então, desenvolver um ligan- não se associava tão fortemente, mas den-
te capaz de ativar com maior intensidade tro do sítio de ligação estava a água que in-
essa variedade específica da proteína. teragia com o ligante, funcionando como
Daí o interesse pelo Triac, que é um uma espécie de lubrificante. Assim, a inte-
ligante natural pouco abundante e já uti- ração com a estrutura beta revelou-se mais

A física a serviço da sociedade | 215


Ciências Físicas e Biomoleculares

favorável devido à entropia, fundamental Unicamp, o colaborador Munir S. Skaf


para determinar a afinidade da proteína disse que a pesquisa consegue mostrar,
do ligante. no caso de uma proteína específica um
A pesquisa foi publicada em uma im- fenômeno que (...) sugere toda uma nova
portante revista norte-americana - Proce- maneira de pensar o desenvolvimento de
edings of the National Academy of Sciences novas moléculas, não só para essa proteí-
(PNAS) -, com a finalidade de atingir um na em particular, e uma nova maneira de
público maior. O aspecto inovador do olhar para a estrutura cristalográfica. Por-
trabalho é de interesse geral, pois segun- tanto, sugere também uma nova maneira
do o coordenador do projeto é inserido de pensar o desenvolvimento de novos fár-
nas ciências um novo modo de investigar macos a partir de uma estrutura cristalo-
a estrutura cristalográfica. Ao jornal da gráfica (...).

216 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Estudos bioquímicos e estruturais revelam


importantes requisitos para afinidade e
seletividade enzimática
27 de maio de 2010

A seletividade tem papel crucial no de-


senvolvimento de inibidores enzimá-
ticos candidatos a novos agentes antipara-
ças estruturais consistentes no modo de
ligação de uma série de deazaguaninas (e
de outras bases purinas modificadas) no
sitários, particularmente nos casos em que sítio ativo das enzimas PNP do parasita
a enzima alvo está presente também no e humana. A integração de estudos es-
hospedeiro humano. Estudos cristalográ- truturais e bioquímicos proporcionou o
ficos e de cinética enzimática forneceram entendimento de importantes requisitos
importantes informações para o planeja- moleculares para a afinidade de ligação e
mento racional de inibidores da enzima seletividade. Os resultados foram publi-
purina nucleosídeofosforilase (PNP) de cados na revista Bioorganic & Medicinal
Schistosoma mansoni, revelando diferen- Chemistry, v.18, p.1421-1427, 2010.

A física a serviço da sociedade | 217


Ciências Físicas e Biomoleculares

Integração de fragmentos moleculares


especializados no planejamento
de novos fármacos
16 de junho de 2010

F ragmentos moleculares especializa-


dos têm sido usados na identificação
de novas moléculas bioativas e no desen-
envolvendo a integração de fragmentos
moleculares com outros métodos de pla-
nejamento, têm possibilitado novas opor-
volvimento de novas entidades químicas tunidades para o estudo e otimização de
(NCE’s) candidatas a fármacos. Estra- propriedades farmacodinâmicas e farma-
tégias modernas de química medicinal, cocinéticas.

Estes estudos foram publicados na revista Expert Opinion on Drug Discovery,


v.5, p.405-412, 2010.

218 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Receptor de TNF-alfa no parasita humano


Schistosoma mansoni
29 de junho de 2010

P esquisadores do IFSC, em colabora-


ção com um grupo do Instituto de
Química da USP, descreveram um recep-
indicar uma possível utilização, por parte
do parasita, de sinais endógenos do hos-
pedeiro humano para sua adaptação.
tor da família do TNF (Tumor Necrosis O trabalho foi publicado na revista
Factor) no parasita humano Schistosoma PLoS Neglected Tropical Diseases, v.3,
mansoni, além de efeitos da citocina TNF- n.12, p.556, 2010.
-alfa humana sobre o parasita. Isso parece

A física a serviço da sociedade | 219


Ciências Físicas e Biomoleculares

Desvendando estruturas de nucleosídeos:


Dupla Hélice de Lamivudina
08 de julho de 2010

P esquisadores do IFSC, em conjunto


com um colaborador da Universidade
Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), deter-
dalmente, mimetizando uma estrutura de
DNA. Tal arquitetura revela que o esque-
leto molecular de um nucleosídeo tem a
minaram a estrutura de uma nova modi- informação necessária para estruturar
ficação cristalina de lamivudina, fármaco duplas hélices como no DNA.
anti-HIV utilizado para o tratamento da Referência: MARTINS, F. T. et
AIDS. Nesta modificação, moléculas do al.From rational design of drug crystals
fármaco são capazes de se organizar em to un- derstanding of nucleic acid
uma estrutura onde seus fragmentos de structures: lamivudine duplex. Crystal
citosina são pareados através de três liga- Growth & Design, v.10, p.676–684, 2010
ções de hidrogênio e sobrepostos helicoi- .

220 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Efeitos do fármaco antimalárico primaquina


na estrutura dinâmica de modelos de
membranas
30 de agosto de 2010

A pesar de o fármaco primaquina (PQ)


ser amplamente utilizado no comba-
te e controle da malária, seu mecanismo
recente estudo, pesquisadores do IFSC
levantaram a hipótese de que interações
com membranas possam representar um
de ação ainda carece de entendimento de- rota alternativa adicional no mecanismo
talhado, em nível molecular. Não obstante de ação deste fármaco contra os parasitos
sua ampla gama de efeitos biológicos, os da malária. Os resultados foram publica-
alvos moleculares da PQ, se lipídios e/ou dos na revista Biochimica et Biophysica
proteínas, ainda são desconhecidos. Em Acta – Biomembranes.

A física a serviço da sociedade | 221


Ciências Físicas e Biomoleculares

Genes de micro-exons produzem proteínas


secretadas com alta variação no parasita
humano Schistosoma Mansoni
13 de setembro de 2010

P esquisadores do IFSC, em colaboração


com grupos de pesquisa do IQ-USP e
da University of York, descreveram um
permite a produção de proteínas secreta-
das pelo parasita, que possuem alto grau
de variação. Ele pode ser a base para um
grupo de genes que possuem exons mui- mecanismo de escape do parasita a respos-
to pequenos, denominados micro-exons. tas do sistema imunológico humano. O
Este sistema genético complexo não ha- trabalho foi publicado na revista Genome
via sido descrito em nenhum organismo e Research, v.20, n.8, p.1112-21, 2010.

222 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Multidisciplinaridade - Cristalografia Robotizada


25 de Fevereiro de 2011

O Brasil tem condições para contribuir


com os avanços tecnológicos no cam-
po da automação que estão revolucionando
há gargalos em algumas delas. As tecnologias
de automação, no entanto, estão avançando
rapidamente e deverão tornar o ciclo inteiro
as pesquisas para a descoberta de fármacos muito mais ágil, disse Thiemann em entre-
a partir da síntese de novas moléculas, se- vista publicada pela Agência FAPESP.
gundo opinião do Prof. Otávio Thiemann, Conforme evolui a robotização de de-
do IFSC. Thiemann participou no dia 24 terminadas fases do processo, segundo o
de fevereiro, em São Paulo, do Workshop on pesquisador, a ciência avança na direção de
Synthetic Biology and Robotics, cujo objetivo cristalizar um grande número de proteínas,
foi divulgar a nova área multidisciplinar que simultaneamente, em vez de estudar a estru-
envolve robótica e a biologia sintética. tura de cada uma delas separadamente. Isso
O evento, organizado pela FAPESP e vai encurtar enormemente o caminho para a
pelo Consulado Britânico em São Paulo, descoberta e melhoria de drogas, explicou.
integra a Parceria Brasil–Reino Unido em De acordo com o cientista, o processo
Ciência e Inovação. Durante o evento, o para cristalizar as moléculas – desvendando
pesquisador fez uma avaliação dos avanços sua estrutura, sua dinâmica e atividade – não
e perspectivas das aplicações da robótica à é trivial. Suas diversas etapas podem ser clas-
cristalografia de proteínas – uma técnica que sificadas em dois tipos: o da produção da pro-
permite enxergar as moléculas de proteína teína e o da cristalização propriamente dita:
em nível atômico. As estruturas das molécu- Na produção da proteína, embora a automa-
las, entretanto, não podem ser propriamente ção ainda não esteja tão bem estabelecida, já
vistas porque sua escala é menor que o com- há vários robôs que podem ajudar em várias
primento de onda da luz visível. Por conta etapas. É ao fim da parte da cristalização que
disso, os cientistas utilizam Raios X de alta temos gargalos fundamentais, cuja superação
energia, produzidos por linhas de luz síncro- deverá revolucionar todo o processo, afirmou
tron, que permitem distinguir distâncias da o pesquisador do IFSC.
ordem de poucos ângstrons. Thiemann usa A automação da montagem da proteína
a técnica para elucidar a estrutura molecular no difratômetro – equipamento utilizado
e a função de proteínas-alvo na fisiologia de para a análise da estrutura da molécula – é
parasitas, como as Leishmanias e os Trypano- crucial para mudar a escala do processo, se-
somas, avaliando o potencial dessas molécu- gundo o cientista: Temos que montar a gota
las para o desenvolvimento de novas drogas: de cristalização, selecionar o cristal, obter os
Várias etapas do processo de cristalografia de dados de difração e resolver a estrutura. Uma
proteínas já foram automatizadas, mas ainda vez que temos o cristal, o principal gargalo

A física a serviço da sociedade | 223


Ciências Físicas e Biomoleculares

consiste em colocá-lo dentro do difratômetro, composto, voltar atrás, cocristalizar o compos-


explicou Thiemann. to, aprender, voltar atrás mais uma vez, sinte-
Uma vez que isso é feito, o robô se en- tizar o novo composto e assim por diante. Esse
carrega do resto, alinhando o cristal cor- ciclo poderá se tornar muito mais ágil com a
retamente diante do feixe de Raios X: No automação.
meu entender, esse é o ponto que ainda está Com mais agilidade, seria possível cris-
suscetível a enormes avanços. Se o robô puder talizar as moléculas simultaneamente em
‘pescar’ o cristal para introduzi-lo no difratô- larga escala: Cristalizar a proteína é diferente
metro, todo o processo ganhará outra escala, de cocristalizar a proteína com um inibidor
explicou o docente do IFSC. dentro dela. As condições podem ser bastan-
Uma das alternativas consiste em te diferentes, dependendo do composto e o
diminuir as chances para que o cristal número de combinações possíveis é enorme.
cresça livremente dentro da gota de cris- Geralmente, conseguimos cocristalizar uma
talização, imobilizando-o dentro de um proteína com um ou dois inibidores – o que
capilar: São iniciativas que estão em estágio já dá muito trabalho aos alunos. Com o robô,
inicial. Quando o cristal cresce, geralmente poderíamos fazer isso em massa, disse.
a intervenção humana se faz necessária. Para o professor do IFSC, a tecnologia da
É preciso ter discernimento para saber robótica avança em ritmo forte, assim como
se o cristal é bom ou não, se inclui outros a informática, que permite a análise e dis-
precipitados ou se possui outras características tinção de padrões de imagem: Além disso, a
em seu entorno que precisem ser retiradas, inteligência artificial possibilita que os progra-
destacou o cientista. mas aprendam com o que acabaram de fazer,
realimentando o software para que ele consiga
Mais ágil executar a próxima rodada com maior taxa de
acerto, mencionou Thiemann.
Como essa parte ainda exige intervenção Segundo ele, há perspectivas de desen-
humana, o processo sofre interrupções contí- volvimento desse tipo de tecnologia em vá-
nuas. A automação aumentaria a velocidade, rios centros no Brasil: Há alguns cursos de
dispensaria diversos cuidados específicos e graduação – como mecatrônica e robótica –
permitiria um trabalho de 24 horas por dia: formando pessoal nessa área. Mas trata-se de
Se quisermos cocristalizar uma enzima com um segmento essencialmente multidisciplinar.
quinhentos ou mil compostos possíveis para Não precisamos apenas de alguém que saiba
avaliar as características da molécula e, a par- montar um robô, mas alguém que saiba fazê-
tir daí, melhorar sua ação, teremos que criar -lo com essa finalidade específica. Precisamos
condições de cristalização para todas essas co- de pessoal com várias formações diferentes e
cristalizações, apontou Thiemann, que acres- certamente é possível desenvolver isso no Bra-
centou: Nesse processo, é preciso encontrar um sil, concluiu o cientista.

224 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Docente do IFSC conta sobre o que o levou


a desistir da medicina para mergulhar no
complexo mundo das proteínas
1 de Junho de 2011

M ovido pela paixão em desvendar a


estrutura de proteínas, professor fala
sobre sua colaboração em importantes pes-
iniciar minha graduação em Ciências Mé-
dicas Básicas e Bioquímica, pela University
of London.
quisas brasileiras e sobre a nova proteína que Em 1989, depois de ter concluído o
tem protagonizado seus estudos, que pode mestrado e iniciar seu doutorado, ambos
ocupar importante papel contra doenças de- em Cristalografia, também na  University
generativas. of London, teve o primeiro contato com o
Eu poderia me classificar um apai- atual presidente do CNPq, Glaucius Oliva,
xonado pelas estruturas de proteínas - se que na época também cursava o doutora-
autodefine o pesquisador e professor do do: Glaucius foi fazer o doutorado justa-
IFSC, Richard Charles Garratt. Desde o mente quando terminei meu mestrado. Co-
ensino médio, ele se questionava sobre as meçamos nosso doutorado no mesmo dia.
possibilidades e os porquês da complexa Naquele momento a cristalografia de pro-
estrutura de proteínas: Todo sábado, du- teínas estava no auge! Na época, era algo
rante o colegial, eu ia até a biblioteca mu- muito difícil de ser feito. Quando concluí
nicipal de minha cidade e em um dos livros meu doutorado, por alguma razão não me
que eu costumava ler, intitulado ‘Life on senti atraído em ir para algum laboratório
Earth’, havia muitas figuras de estruturas bem instituído, com tudo montado e caras
protéicas. Para mim, naquela época, era in- famosos. Eu achava que ir para um lugar no
compreensível e parecia algo impossível de qual ainda não havia nada estabelecido, em
se mapear! conta o docente. termos de cristalografia, seria o verdadeiro
Terminado o colegial, Garratt aventu- desafio! E decidi vir para o Brasil. No final
rou-se por dois anos na famosa Escola de da história, nosso grupo de cristalografia foi
Medicina do Guy’s Hospital, em Londres, o primeiro a se estabelecer na América Lati-
na Inglaterra, seu país de origem. Perce- na, conta o pesquisador.
beu que medicina não era sua vocação:
Descobri que gostava realmente de ciência
básica e não da prática cotidiana da me-
dicina. Então, desisti de ser médico para

A física a serviço da sociedade | 225


Ciências Físicas e Biomoleculares

As várias aplicações últimos anos, que hoje se encontra em novo


patamar, inclusive já com testes clínicos,
Os estudos de Richard e seu grupo não no início desse projeto nosso conhecimento
se limitam à pesquisa básica, mas visam sobre a estrutura da molécula antigênica,
também a resolver problemas com impac- Sm14, foi essencial. Isso levou a publicações
to para a sociedade: De nossos estudos, os importantes, geração de patentes e interesse
mais citados estão na área de biotecnolo- de indústrias, que hoje estão coordenando
gia em indústrias farmacêuticas. Conhecer testes em humanos para o lançamento da
a estrutura de moléculas-alvo é de grande primeira vacina contra esquistossomose,
importância para o desenvolvimento de no- conta Garratt.
vos fármacos. Através de pesquisas básicas, Ainda ao que se refere à parte experi-
descobrimos como uma proteína funciona mental, Richard tem-se dedicado aos estu-
para, posteriormente, estudar suas aplica- dos de um grupo de proteínas, chamadas
ções, conta o docente. septinas, moléculas importantes para uma
Atualmente, Richard é coordenador série de processos celulares fundamen-
do Instituto Nacional de Biotecnologia Es- tais à vida: As septinas são moléculas que
trutural e Química Medicinal em Doenças formam filamentos que, por sua vez, são
Infecciosas (INBEQMeDI), programa do essenciais para a interação com a mem-
qual fazem parte diversos pesquisadores brana das células para exercer suas funções
do Brasil, inclusive do IFSC: Os estudos do vitais, como divisão celular, transporte de
INBEQMeDI têm um viés mais direciona- vesículas, entrada e saída de material nas
do ao desenvolvimento de fármacos e vaci- células. Tentamos compreender como essas
nas, terapias e diagnósticos. A maioria das moléculas formam filamentos e como estão
doenças infecciosas que tem a ver com os relacionadas à atividade biológica. Não
fármacos e vacinas que estudamos é tipica- estudamos essas moléculas com vistas à
mente brasileira, como a doença de Chagas, aplicação, mas nada impede que no futuro
esquistossomose e  leishmaniose, que estão elas sirvam de base para o desenvolvimento
enumeradas como as mais graves, matan- de novas terapias, uma vez que septinas já
do milhões de pessoas ao ano, menciona foram associadas a diversas enfermidades,
Richard. afirma Richard.
Um destaque em sua pesquisa é a co-
laboração com a Fundação Osvaldo Cruz: Sobre algumas técnicas
Há mais de uma década colaboro com o
grupo coordenado pela médica e pesquisa- Descobrir a estrutura e função de uma
dora, Miriam Tendler, para o desenvolvi- proteína requer uso de diversas técnicas,
mento de uma vacina contra a esquistosso- sendo uma das principais a difração de
mose. Embora eu não tenha me envolvido Raios X: Enquanto estudante no colégio, des-
diretamente com essa pesquisa ao longo dos cobri que a maneira de desvendar o problema

226 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

da complexidade de uma proteína era pela Das parcerias existentes, Richard


difração de Raios X, usando cristais.  Porém, ressalta que a colaboração de outros gru-
nunca imaginei que eu mesmo teria oportu- pos foi fundamental ao longo dos anos:
nidade de desenvolver este tipo de trabalho, ele conta com a intensa participação do
comentou o pesquisador. Grupo de Biofísica do IFSC, através da
Além das técnicas em cristalografia, docente Ana Paula Ulian Araújo, além
são utilizadas outras complementares de um grupo de pesquisadores de Cam-
para auxiliar na identificação e mapea- pinas, liderado por Jorg Kobarg, que tra-
mento das proteínas: Junto à técnica de di- balha no Laboratório Nacional de Luz
fração de Raios X, utilizamos ressonância Síncrotron (LNLS): Conseguimos com-
magnética nuclear, microscopia eletrônica plementar as pesquisas entre esses grupos
e outras. É necessário utilizar mais de uma e atingimos resultados mais importantes,
técnica para um problema biológico mais afirma.
complexo, pois cada uma aborda o proble- Já em relação a aplicações com septi-
ma de maneira diferente e apresenta infor- nas, o docente diz que ainda não é possí-
mações distintas. Essa soma é que traz um vel prever: Algumas septinas foram asso-
bom entendimento do problema, esclarece ciadas a doenças degenerativas, como Mal
Richard. de Parkinson e Mal de Alzheimer. Já foram
Em março deste ano, Richard par- observados em exames  ‘post mortem’ de
ticipou de um congresso na Alemanha cérebros de pacientes com Alzheimer depó-
onde apresentou resultados e conclusões sitos de septinas junto a proteínas direta-
referentes à pesquisa com septinas: Em mente associadas à doença. Ainda não se
função dos resultados apresentados no sabe o que significa: se foram importantes
congresso, grupos de pesquisa dos Estados para desencadear o processo ou se foram
Unidos e Israel já demonstraram interesse meramente agregadas, finaliza Garratt.
em firmar parcerias, conta.

A física a serviço da sociedade | 227


Ciências Físicas e Biomoleculares

Biofísica: o bom relacionamento entre física


e biologia
05 de Dezembro de 2011

A biofísica, como o próprio nome in-


dica, é a mistura de biologia e física,
embora nem tudo o que envolve a biologia,
com a pesquisa básica, que pode florescer
em aplicações nos mais variados campos.
É possível, por exemplo, estudar efeitos de
na física, seja considerado biofísica. Sua radiação emitidos por aparelhos celulares,
definição também depende da perspectiva produzir camundongos transgênicos e en-
do profissional que nela atua: Para o biólo- contrar plantas com potenciais terapêuti-
go, ela está muito relacionada à fisiologia. cos:
É estudar como as coisas funcionam dentro Os biofísicos geralmente trabalham
do organismo, seja ele uma planta ou ani- com pesquisas acadêmicas, mas há opor-
mal. Já o físico utiliza-se de ferramentas e tunidades nas indústrias farmacêuticas e
métodos físicos para ‘observar’ e entender a de biotecnologia. Para garantir acesso de
biologia em nível molecular, explica a do- um medicamento a uma célula específica,
cente do Grupo de Biofísica Molecular, do é importante compreender a estrutura de
IFSC, Ana Paula Ulian de Araújo. proteínas e como interagem com lipídios,
A ligação entre física e biologia já é re- o que se obtém de estudos que são rotina
alidade há longo tempo. Medidas de absor- para pesquisadores dessa área.
ção óptica para dosagem de proteínas, ou Ana Paula, que é bióloga, vem atuando
a técnica de eletroforese, que separa proteí- em pesquisas básicas relacionadas à biofí-
nas em um gel com aplicação de uma dife- sica. No momento, destaca dois projetos
com os quais colabora: o primeiro trata de
rença de potencial, são alguns exemplos do
uma proteína inativadora de ribossomos,
uso de técnicas simples utilizadas por biofí-
produzida em determinadas plantas, que é
sicos (e bioquímicos): A Biofísica estuda os
tóxica em baixíssimas concentrações: Fize-
fenômenos biológicos não só com uma visão
mos um trabalho inicial de caracterização
mais física, mas usando instrumentos e mé- dessa proteína. A segunda vertente desses
todos da física, permitindo observar detalhes estudos refere-se ao trânsito da proteína
que não seriam possíveis de outra maneira, na célula. A proteína produzida na célula
afirma a docente. de uma planta pode ser tóxica à célula de
Ao utilizar sofisticados instrumentos, a um mamífero que a tenha ingerido. Como
maior parte deles trazendo informações em essa toxina entra na célula e em termos de
nível molecular, os biofísicos colaboram toxidade, qual será seu destino final? Essas

228 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

são algumas das perguntas que as pesqui- organismos, desde leveduras até animais,
sas de Ana Paula buscam responder. De- incluindo seres humanos. Sua função é
pois de estudar a toxidade da proteína, ela desconhecida, embora se saiba que ela
poderá ser usada no combate de células possui um papel na divisão celular: As sep-
tumorais, por exemplo: Com a Nanocore, tinas já foram encontradas no cérebro de
uma empresa de biotecnologia brasileira, pessoas que sofrem da doença de Alzheimer.
temos trabalhado com essa proteína em for- Nossas pesquisas, que trabalham com essa
mulações farmacêuticas para aplicação em proteína in vitro, buscam entender o papel
certos tipos de câncer superficial, como o de das septinas, começando pelos seres mais
pele, menciona a pesquisadora. primitivos, explica Ana Paula que, atual-
mente, tem estudado uma septina encon-
trada em algas, além das humanas.

A biofísica na física
No IFSC, o corpo docente inter e mul-
tidisciplinar trabalha com diversas ver-
tentes: Temos um grupo muito heterogêneo
de professores, como químicos, cientistas
moleculares, biólogos, engenheiros e, obvia-
mente, físicos. Todos têm um tema comum
Estudos de organismos menos complexos, de trabalho, que envolve proteínas e outras
como algas, podem ajudar no entendimento macromoléculas biológicas. Trabalhamos
sobre a relação do septinas com doenças gra- com proteínas de interesse biotecnológico,
ves como a de Alzheimer. ou como fármacos, fazendo a sua produ-
ção, caracterização, estudos estruturais e de
O segundo estudo, envolvendo ou- aplicação, em geral, conta Ana Paula. Essa
tros docentes do IFSC - Richard Charles multidisciplinaridade permite que novas
Garratt e Ricardo De Marco -, é direcio- técnicas sejam trazidas e as antigas sejam
nado ao estudo de uma proteína humana, continuamente aprimoradas.
chamada septina. Ela aparece em diversos

A física a serviço da sociedade | 229


Ciências Físicas e Biomoleculares

O encontro entre física e fármacos


05 de Fevereiro de 2013

A física tem participação importante na


produção de medicamentos, em vir-
tude da necessidade de se compreender os
desenvolvida pela pesquisadora da Fun-
dação Oswaldo Cruz, Miriam Tendler, o
auxílio do docente do IFSC Richard Char-
mecanismos de ação dos fármacos. Para que les Garratt, e de sua equipe do Grupo de
um remédio cumpra sua função, é necessário Cristalografia, foi essencial para estudar
que entre no corpo e interaja com molécu- a modelagem da proteína SM14, uma das
las receptoras do nosso organismo (proteí- moléculas encontradas no organismo do
nas, DNA, etc.). Modelos físicos são usados Schistosoma mansoni (causador da doen-
para compreender essa interação: Já temos ça) e que no corpo humano é responsável
bancos de dados nos quais é possível, através pela produção de anticorpos contra o pró-
de simulação computacional, testar diversas prio parasita.
moléculas em receptores diferentes antes de
realizar experimentos práticos, exemplifica o
docente do Grupo de Biotecnologia Molecu-
lar do IFSC, Alessandro Silva Nascimento.
A biologia vem se beneficiando dos
avanços na física, principalmente em algu-
mas técnicas descobertas há mais de meio
século: Até a década de 1960, tinha-se co-
nhecimento de como era a constituição das
proteínas, mas não era possível determinar
sua estrutura. Isso se tornou possível com o
aprimoramento da técnica de difração de Estrutura cristalográfica, determinada no
Raios X e de cristalografia, além de gran- IFSC, de receptor biológico envolvido no
diabetes melito do tipo 2 (PPAR gama)
de avanço na física computacional, afirma
Alessandro: Os modelos de mais ou menos
90% de proteínas que temos até hoje só fo- Remédios tecnológicos
ram possíveis pela técnica de difração de
Raios X. Como especialista em biotecnologia
Exemplo recente de um fármaco molecular, Alessandro arrisca palpites para o
produzido graças a técnicas cristalográ- futuro dessas modelagens e para o desenvol-
ficas foi a vacina contra esquistossomo- vimento mais acelerado de fármacos: No fu-
se, concluída em junho de 2012. Embora turo, a ideia é que sejamos capazes de propor

230 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

moléculas ativas capazes de combater quais-


quer tipos de doenças, declara. De acordo
com o docente, algumas estimativas recentes
apontam que todos os fármacos que conhe-
cemos atuam apenas em cerca de 10% das
proteínas humanas que podem ser reguladas
por fármacos. Isto significa que a maior par-
te de alvos terapêuticos ainda não foi desco-
berta ou explorada, abrindo um mundo de
possibilidades para produzir medicamentos
cada vez mais eficientes. Detalhes da interação entre um fármaco
conhecido (rosiglitazona, em amarelo) e o
receptor PRAR gama (em laranja) e resultados
de simulações realizadas com moléculas de
potencial terapêutico (em branco)

A física a serviço da sociedade | 231


Ciências Físicas e Biomoleculares

Câncer - No caminho contra o mal


23 de Março de 2012

U m trabalho de pesquisa básica dire-


cionado à busca de inibidores capa-
zes de combater células tumorais foi publi-
variantes da glutaminase e nosso trabalho
mostrou que a GAC é a enzima mais ativa,
conta o pesquisador.
cado na prestigiosa revista Proceedings of O estudo do metabolismo tumoral ali-
The National Academy of Sciences (PNAS), cerça-se em descobertas do início do sé-
de autoria de um grupo que inclui os pes- culo XX, tendo voltado à tona nos últimos
quisadores do Laboratório Nacional de anos: Um desses estudos aponta um fenô-
Biociências (LNBio), André Ambrósio e meno - o ‘efeito Warburg’ – segundo o qual
Sandra Gomes Dias, doutores pelo progra- as células tumorais têm alta dependência
ma de pós-graduação do IFSC, e o profes- de glicose para se proliferar. Outros estudos
sor Richard Charles Garratt. afirmam que a glutamina, juntamente com
A repercussão do artigo justifica-se a glicose, é um importante componente para
pela abordagem ampla e aprofundada de propagação dessas células, explica Sandra.
uma linha de pesquisa que nos últimos Com essas informações, os dois pes-
dez anos tem sido desenvolvida para en- quisadores passaram a estudar a glutami-
contrar inibidores de células tumorais, ba- nase e suas variantes, até chegarem à GAC:
seados no vício dessas células por glicose e As células tumorais consomem alta quanti-
glutamina, sem prejudicar as células sau- dade de glutamina, isso é fato. Grande par-
dáveis: Essa pesquisa começou quando eu e te dessa glutamina vem de fontes externas
a Sandra estávamos fazendo pós-doutorado através da alimentação, ou de proteínas
nos Estados Unidos. Quando voltamos ao que ficam armazenadas nos músculos do
Brasil, decidimos unir esforços para estudar corpo. Normalmente, o nível de glutamina
proteínas de maneira mais multidiscipli- no sangue já é alto, sendo importante para
nar, relembra André. alimentação de células saudáveis. Ao mes-
Com o financiamento da FAPESP, os mo tempo, servem de combustível para as
pesquisadores utilizaram diversas técni- células tumorais e consequentemente para
cas para estudar proteínas relevantes no seu crescimento, conta a pesquisadora.
desencadeamento de câncer, e não por A importância da glutaminase já era
acaso se depararam com a Glutaminase C conhecida por alguns cientistas, mas os
(GAC), que a comunidade científica con- dois pesquisadores em questão fizeram al-
sidera um combustível essencial para man- gumas descobertas importantes: primeiro,
ter a proliferação exagerada das células conseguiram encontrar um composto - o
tumorais: Já se sabia da existência de três 968 - que inibe a ação da glutaminase:

232 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

Participamos de uma publicação elabora- qualquer estudioso da área sabe que a


da na Cornell University, onde realizamos glutaminase é uma proteína ‘chave’ para
o nosso pós-doutoramento, sobre esse inibi- o desencadeamento das células tumorais,
dor, conta Sandra. explica.
A relação da glutaminase com tumores Richard frisa que a capacidade intelec-
celulares não era bem estabelecida. André tual dos brasileiros para desenvolver pes-
e Sandra separaram as três variantes da quisas de qualidade equipara-se a de pes-
enzima e encontraram na GAC um des- quisadores de qualquer parte de mundo e
taque maior: As outras duas variantes não que é preciso ousadia para se conseguir os
se mostraram como ‘chave’ para o desenca- melhores resultados. Embora se trate de
deamento de tumores. A GAC seria a va- pesquisa básica, é importante ressaltar que
riante mais presente na mitocôndria, local tal descoberta abre muitas portas: Nossa
da célula onde acontece o processamento da descoberta aumenta as chances de encon-
glutamina, detalhou Sandra. trarmos mais e melhores inibidores para o
O artigo publicado no PNAS também controle e até mesmo cura para alguns tipos
inclui a estrutura cristalográfica da GAC, de câncer, afirma Sandra.
considerada diferencial da publicação: Uma vez descoberta a estrutura da
Essa informação é essencial para a busca GAC, tem início uma nova etapa no pro-
de inibidores da GAC, o que vários grupos jeto com o estudo do BPTES, outro inibi-
de pesquisa já estão tentando encontrar, dor em estudo no laboratório de Sandra
conta Sandra. e André: Já temos a estrutura do inibidor
Richard faz questão de se pronunciar em complexo com a proteína e estamos
sobre a qualidade da pesquisa desenvol- tentando entender seu mecanismo de ini-
vida: O IFSC está formando alunos que se bição. Acreditamos que no meio do ano
preocupam com pesquisas de qualidade. estaremos submetendo esse novo trabalho,
Há hoje uma grande ‘febre’ para publicação finaliza Sandra.
de muitos trabalhos e a essência da ciência
está se perdendo um pouco, porque está se
tornando uma máquina de produzir coisas,
sem a devida preocupação com o impacto
que elas podem causar. Não precisa existir
aplicação em uma pesquisa, desde que seja
feito um trabalho completo e que avance o
conhecimento de alguma forma.
O docente acredita que o trabalho ga-
nhou notoriedade devido às várias abor-
dagens diferentes para um mesmo proble- A glutaminase, ao mesmo tempo que é
ma: A PNAS aceitou essa publicação, pois importante para células saudáveis, serve de
combustível às tumorais.

A física a serviço da sociedade | 233


Ciências Físicas e Biomoleculares

Malária: a meio caminho da cura


01 de Julho de 2013

A via glicolítica também está presente em


nosso organismo, contudo no plasmodium
ela é de vital importância para sua manu-
tenção e sobrevivência, pois é a principal
via responsável pela produção de ATP (nu-
cleotídeo para armazenamento de energia
para consumo imediato). Nos seres huma-
nos, a principal via para produzir energia
é o chamado Ciclo de Krebs, que produz

E mbora sua incidência tenha sido re-


duzida, a malária ainda faz muitas ví-
timas pelo mundo*, principalmente crian-
36 ATPs, enquanto a via glicolítica produz
apenas dois.

ças. Os tratamentos desenvolvidos estão Para que essa inibição seja possível,
ficando obsoletos porque o parasita cau- é necessário produzir uma molécula com
sador da doença já aprendeu a driblar os grande afinidade para se ligar à enolase do
medicamentos capazes de exterminá-lo. Plasmodium, impedindo que esta realize
Para resolver esse problema, pesquisa- sua principal função - a produção de ener-
dores do Grupo de Cristalografia do IFSC gia no parasita. Ainda não existem fárma-
realizam há alguns anos pesquisa sobre cos que atuem pela inibição da enolase.
alternativas para o tratamento da malária. No entanto, Rafael e seus colaboradores
Dos conhecimentos já adquiridos no estu- conseguiram determinar a estrutura tri-
do, sabe-se que o Plasmodium falciparum dimensional em alta resolução da enolase
(agente causador da forma mais severa de (algo inédito no mundo**), uma etapa im-
malária) possui diversas proteínas-chave, portante para desenvolver novos medica-
com destaque para enolase, vital para o mentos.
organismo do parasita. A proteína, per-
tencente à via glicolítica, é uma das res-
ponsáveis pela produção de energia: Se
inibirmos enzimas relevantes da via glico-
lítica do Plasmodium, ele fica sem energia e
morre, explica o docente e coordenador do
Projeto, Rafael V. C. Guido.

234 | A física a serviço da sociedade


Ciências Físicas e Biomoleculares

não há previsão, muito menos para produ-


ção de um novo medicamento.

_______________________
*No relatório Derrotando a malária na
Ásia, no Pacífico, nas Américas, Oriente
Médio e Europa, produzido pela ONU em
2010, foram registrados 34 milhões de casos
da doença no continente africano.
** Por esse trabalho, intitulado Estudos es-
truturais da enzima enolase de P. falcipa-
rum: alvo molecular para desenvolvimento
de novos agentes antimaláricos, de autoria
de Fernando V. Maluf; Evandro J. Mulina-
ri; Eduardo A. Santos; Glaucius Oliva; Celia
R. S. Garcia e Rafael V. C. Guido, a equipe
coordenada por Rafael foi premiada na 36ª
Reunião da Sociedade Brasileira de Quími-
ca, ocorrida entre 25 e 28 de maio deste ano
A ilustração da figura mostra o longo
*** O docente Adriano Andricopulo, o
caminho que se percorre para obter um
doutorando do GC, Ricardo N. Santos, e a
fármaco. Após determinada a estrutura da
docente do Instituto de Química da Unesp,
enolase, o próximo passo será identificar
Vanderlan Bolzani, criaram uma base de
moléculas capazes de inibi-la. Isso implica
dados on-line sobre 640 compostos quími-
encontrar uma molécula que ocupe o sítio
cos extraídos da biodiversidade brasileira, e
ativo da proteína, bloqueando sua ação e
que será utilizada nessa etapa de pesquisa
impedindo que ela produza energia para
do Projeto discutido no texto.
sobrevivência do Plasmodium falciparum:
Começaremos a trabalhar agora com o
‘processo de triagem’, para encontrar essas
moléculas. Precisamos explorar a diversi-
dade química, investigando moléculas de
origem natural, como as de plantas***, ou
sintéticas que possuam atividade biológica
frente à enolase, conta Rafael.
Para determinar a estrutura da enolase,
gastaram-se dois anos de pesquisa. Para en-
contrar moléculas promissoras candidatas
a novos fármacos contra a malária, ainda

A física a serviço da sociedade | 235


9 S aúde

P
esquisas dedicadas a aplicações de técnicas da física em
medicina e odontologia, aliadas à pesquisa básica em
ciências físicas e biomoleculares, fizeram do IFSC um
importante centro na geração de inovações para a saúde. Isso
se reflete na longa série de reportagens deste capítulo, numa
clara demonstração da qualidade da pesquisa multidisciplinar
que aqui se faz. Mencione-se a conexão com muitas inovações
abordadas no Capítulo X.

237
Saúde

Pesquisa estuda a distribuição das moléculas


dos remédios e influência na eficácia do
tratamento médico
 25 de novembro de 2010

A eficácia de um medicamento depen-


de não só das moléculas do princípio
ativo, mas também de seu arranjo estru-
tria, difração de Raios X e espectroscopia
no infravermelho.
O trabalho tem como meta uma es-
tural: Três comprimidos diferentes, mas pécie de controle de qualidade, no qual os
compostos pelas mesmas substâncias, po- medicamentos são observados para que se
dem gerar efeitos distintos no corpo huma- verifique a composição dos microcristais e
no. Um pode ter o resultado correto, o que como isso gera características do produto.
se espera de um medicamento; outro pode O Laboratório de Cristalografia do IFSC
simplesmente não causar nada; e o terceiro pesquisa o tema há cerca de dez anos. Na
pode gerar uma overdose. A diferença entre avaliação do professor Javier Ellena, o que
os efeitos pode ser explicada pela maneira se faz ali é apenas uma fração do que deve
como as moléculas do medicamento estão ser pensado quanto à eficácia dos medica-
dispostas, explica o professor Javier Ellena, mentos. O trabalho com fármacos é essen-
do Laboratório de Cristalografia do IFSC, cialmente multidisciplinar. Nós damos uma
que trabalha em uma linha de pesquisa contribuição ligada à nossa área do conheci-
denominada Polimorfismo em Sólidos mento, aponta. Para Javier, o estudante que
Farmacêuticos. busca se especializar no tema ingressará em
Essa área de pesquisa é relativamente área promissora. Pois as companhias far-
nova, e passou a ter prioridade na indústria macêuticas estão percebendo que podem
farmacêutica em meados de 1990, quan- ter ganhos significativos se trabalharem
do pesquisadores começaram a perceber a corretamente as propriedades microscópi-
interferência do posicionamento das mo- cas de seus remédios.
léculas na eficácia dos medicamentos: Os O laboratório foi um dos responsáveis
medicamentos são formados por um conglo- pela organização do Simpósio Latino-Ame-
merado de microcristais, explica o professor. ricano de Polimorfismo e Cristalização em
E é a forma de empilhamento dentro destes Fármacos e Medicamentos (Lapolc), reali-
microcristais que determinará uma série de zado em 2007 e 2009, já programado para
propriedades do produto – desde a sua cor ocorrer também em 2011: Encontrar todos
até o modo como é absorvido pelo organis- os pesquisadores do tema é algo essencial. É
mo. Nas análises em laboratório, os pesqui- uma discussão que contribui para o fortale-
sadores usam ferramentas como calorime- cimento dos estudos, completa Javier Ellena.

238 | A física a serviço da sociedade


Saúde

Pesquisadores desenvolvem novas


moléculas com potente atividade anticâncer
a partir de um produto natural
14 de dezembro de 2010

P esquisadores do IFSC e da
UNICAMP descobriram
uma série inédita de macrolac-
tonas sintéticas com potente ati-
vidade anticâncer, mostradas na
Figura 1.
Esses compostos são eficazes
na inibição da migração celular,
como mostrado na Figura 2A.
Um dos compostos possui ativi-
dade biológica mil vezes maior
do que a migrastatina, compos-
to de origem natural. O efeito
promissor dos compostos foi
confirmado em ensaios de inva-
são celular in vitro, que simula o
processo in vivo, como mostra a
Figura 2B.

Referencia: DIAS, Luis et al.Synthesis Figura 2. Efeito das macrolactonas sobre o ensaio de
of the macrolactone of migrastatin migração celular (A) e de invasão celular (B), utilizando
and analogues with potent cell- linhagem celular MDA-MB-231, de carcinoma de
migration inhibitory activity. mama humana.
European Journal of Organic
Chemistr, v.35, p.6748–6759, 2010.

A física a serviço da sociedade | 239


Saúde

Docente do IFSC pesquisa desenvolvimento


de novo medicamento para cura da malária
01 de Fevereiro de 2011

A malária faz dois milhões de vítimas


no mundo por ano. É causada por
parasitas do gênero  Plasmodium, que ne-
os sintomas aparecem mais evidentes, a pes-
soa acaba morrendo, conta Rafael: O subde-
senvolvimento é um obstáculo para a cura
cessitam de um organismo para sobreviver da doença, pois sem dinheiro não é possível
e nele penetram através da picada de mos- comprar medicamentos. E as crianças são as
quitos do gênero Anopheles, popularmente maiores vítimas. Por esse principal motivo,
conhecidos como muriçoca, sovela, mos- a Organização Mundial da Saúde (OMS) e
quito-prego ou bicuda. A transmissão da outras organizações não-governamentais
doença ocorre quando o mosquito pica um passaram a investir em pesquisas para de-
indivíduo contaminado - pessoa ou ani- senvolver novos medicamentos para curar
mal - e assim ingere o parasita. Posterior- a doença.
mente, esse mosquito pica outra pessoa e De acordo com o docente, já há medi-
dessa forma transmitirá a doença. A maior camentos para a cura, mas alguns parasitas
incidência da doença se dá na África e na podem se tornar resistentes a esses medi-
Amazônia, principalmente porque a vege- camentos: A população humana demorou
tação nesses locais é o habitat natural dos aproximadamente cinquenta anos para do-
mosquitos transmissores. brar. Éramos 2,5 bilhões em 1950 e 6 bilhões
No IFSC, o pesquisador Rafael Victório em 2000. Já o parasita faz a mesma coisa em
Carvalho Guido busca criar um fármaco questão de dias, o que possibilita sua mais
que possa curar a doença: Sendo o Anophe- rápida adaptação ao meio, dificultando o
les um dos elementos do ciclo, são utilizadas controle da doença. Essa é a maneira que
formas de erradicação do inseto para con- esses parasitas encontraram para sobreviver.
trolar a transmissão da doença. Essa é uma Nos últimos anos, mais de 50% dos fárma-
das estratégias para se diminuir a incidência cos liberados para tratamento de doenças
da malária, explica Guido: Muitas vezes, as parasitárias são medicamentos para a ma-
pessoas contaminadas não têm consciência lária: O impacto causado pela malária é que
de que podem ser infectadas. Quando come- justifica esse fato, diz Guido: Há um interva-
çam a sentir mal-estar, febre alta, calafrios, lo grande no lançamento de novos fármacos.
suor excessivo e dor de cabeça, confundem O processo, por si só, já consome um tempo
com uma gripe ou resfriado, não imagi- significativo, de quinze a vinte anos, desde a
nando que podem estar contaminadas por descoberta do princípio ativo até a comercia-
uma doença que pode ser mortal. Quando lização do medicamento. No caso de doenças

240 | A física a serviço da sociedade


Saúde

parasitárias, como a malária, esse processo é A pesquisa do professor é uma parce-


agravado, pois além de ser eficiente, o novo ria com diversos pesquisadores da Univer-
medicamento deve ser necessariamente de sidade de São Paulo, inserida no Instituto
baixo custo, pois os que precisam do trata- Nacional de Biotecnologia e Química Me-
mento são normalmente pessoas carentes. dicinal em Doenças Infecciosas (INBEQ-
Uma das estratégias para desenvolver MeDI). Consiste em controlar a produção
fármacos é saber como e onde eles atuam: da molécula Heme, que é tóxica ao parasita
Procuramos alvos no parasita, proteínas es- quando em altas concentrações.
pecíficas que são essenciais para a sua sobre- O parasita causador da malária neces-
vivência. Uma vez identificados esses alvos sita de aminoácidos para sobreviver e esses
procuramos desenvolver pequenas moléculas aminoácidos são encontrados na hemoglo-
que se ligam a ele alterando sua função natu- bina, molécula do nosso corpo responsável
ral. Estamos tentando identificar esses alvos pelo transporte de oxigênio. No entanto,
e desenvolver essas pequenas moléculas para para conseguir os aminoácidos, o parasita
que se liguem com alta eficiência nos alvos precisa primeiro digerir a hemoglobina e
do parasita, para que ele não sobreviva no quando isso acontece a hemoglobina li-
nosso organismo, explica Guido. bera não só aminoácidos, mas também a

Etapas de pesquisa básica, envolvidas no planejamento de novos fármacos.

A física a serviço da sociedade | 241


Saúde

molécula Heme. Ao longo de sua evolução, grandes quantidades da HO, passíveis de


o parasita desenvolveu estratégias bioló- serem estudadas. Ao final, a proteína é ex-
gicas para reduzir a quantidade de Heme traída da bactéria e isolada, para tê-la com
produzida, sendo que uma delas é através alta pureza: Conhecendo-se a estrutura 3D
da proteína Heme oxigenase (HO), muito do alvo poderemos planejar pequenas molé-
importante para sua sobrevivência. Na pes- culas que se encaixem no sítio ativo da HO e
quisa, pretende-se inibir essa via que reduz assim inibir a sua função bioquímica, escla-
a quantidade de Heme. A inibição da HO rece Guido.
manteria elevada a concentração de Heme O docente tem boas expectativas: Em
em níveis suficientemente tóxicos para eli- 2010, avançamos bastante e conseguimos
minar o parasita. uma produção significativa de proteína:
A pesquisa de Guido pode ser conside- então já temos substância para trabalhar e
rada como básica: É preciso, primeiramente, desenvolver os estudos estruturais e de quí-
conhecer o ‘inimigo’ e descobrir seus pontos mica medicinal. Embora estejamos distan-
fracos para, posteriormente, atacá-lo, expli- tes do objetivo final, que é desenvolver um
ca. Para tanto, isola-se o gene que codifica fármaco para o tratamento da malária, os
a HO do Plasmodium para posteriormente avanços que tivemos são bastante animado-
colocá-lo em bactérias que possam produzir res, conclui.

242 | A física a serviço da sociedade


Saúde

Docente do IFSC estuda solução contra


infecção hospitalar
13 de Maio de 2011

P rofessora apresenta um panorama de


suas pesquisas e do novo laboratório
no IFSC dedicado ao estudo de proteínas
uma pessoa e não causar infecção. Já se um
paciente debilitado, portanto mais vulne-
rável, entrar em contato com esta bactéria,
de bactérias multirresistentes. Esse tópico poderão ocorrer infecções. Se o paciente
é crucial para combater a infecção hospi- passou por uma cirurgia e tem alguma feri-
talar, que infelizmente atinge altos índices da, essa pode ser a porta de entrada para o
e pode afetar pacientes, profissionais da micro-organismo iniciar uma infecção na-
saúde e mesmo visitantes em hospitais. quele local e, posteriormente, se disseminar
Os estudos coordenados pela Profa. pelo sangue e coração do paciente, esclare-
Ilana L. B. C. Camargo, do IFSC, envol- ce a pesquisadora. O grande problema é a
vem proteínas relevantes na resistência de presença de bactérias multirresistentes no
bactérias: Recolhemos amostras de hospi- ambiente hospitalar, por falta de alterna-
tais com interesse em participar de nossa tivas de tratamento: Nas UTI’s, o simples
pesquisa. Os profissionais do laboratório fato de um profissional não lavar as mãos
clínico isolam as bactérias dos pacientes adequadamente, depois de atender um pa-
infectados, identificam e fazem o antibio- ciente infectado, pode causar a infecção do
grama - teste de sensibilidade - do micro- próximo. Esse é o momento em que deve
-organismo. Ao perceber que pacientes estão se iniciar a chamada vigilância epidemio-
contaminados pela mesma espécie de bac- lógica, sendo que o ideal seria separar os
téria, com o mesmo padrão de resistência, indivíduos colonizados por bactérias da-
isso já é sugestivo de que possa haver uma queles não colonizados, evitando a disse-
disseminação da bactéria no hospital. O minação nos hospitais.
primeiro indício de um surto hospitalar é Desde seu mestrado, Ilana estuda mi-
justamente isso: vários pacientes infectados crobiologia molecular de bactérias multir-
pela mesma bactéria, explica Ilana. resistentes: Nos hospitais é possível identifi-
Existem bactérias comuns em nosso car se bactérias são da mesma espécie, mas
organismo que podem nos colonizar, ou elas podem ser de diferentes  linhagens, o
seja, elas podem viver no nosso corpo sem que só pode ser descoberto através do per-
causar maiores problemas. O  Staphylo- fil genético dessas bactérias. Isso abre as
coccus aureus, por exemplo, é uma bacté- seguintes possibilidades: ou uma linhagem
ria que pode colonizar a cavidade nasal de está se disseminando no hospital ou cada

A física a serviço da sociedade | 243


Saúde

paciente que entra nesse hospital pode estar pendências do campus I do IFSC: Com esse
trazendo uma linhagem diferente, mesmo financiamento, estamos comprando diversos
que, aparentemente, pareça a mesma, por equipamentos. Essa é uma grande oportuni-
ser da mesma espécie, conta Ilana: A disse- dade, pois nosso grupo terá um laboratório
minação de uma ou mais linhagens multir- de nível II de biossegurança, o que permitirá
resistentes no ambiente hospitalar pode ser a expansão dos estudos, conta Ilana.
responsável pelos surtos de infecções hospi- No LEMiMo, o grupo coordenado
talares, tão noticiados na mídia. Em geral, pela docente estuda o Staphylococcus au-
este tipo de pesquisa só é realizado em la- reus, resistente à    meticilina (MRSA) e  o
boratórios de referência, com profissionais e Enterococcus resistente à vancomicina
equipamentos especializados. (VRE). A parte de epidemiologia visa a
Outro agravante é a alta mobilidade de descrever a linhagem das bactérias encon-
indivíduos pelo mundo. Um exemplo é o tradas nos hospitais e pesquisar seu perfil de
de indivíduos que viajam de um país para resistência aos medicamentos. Outra linha
outro após um período de convalescência, de pesquisa no Grupo de Cristalografia
pois podem trazer bactérias multirresis- consiste em elucidar os mecanismos de re-
tentes adquiridas durante a internação: sistência e virulência de bactérias, a partir
Durante meu mestrado, um paciente que da determinação de estruturas de proteí-
tinha feito tratamento de uma doença nos nas relevantes para a resistência aos medi-
Estados Unidos veio infectado por uma camentos: A partir da descrição da estru-
bactéria daquele país. Existem perfis bac- tura destas proteínas, verificaremos de que
terianos que já são de nosso conhecimento; forma se pode intervir, o que abre espaço
no entanto, a linhagem encontrada naquele para desenvolvimento de novas alternativas
paciente era totalmente diferente das linha- de tratamento, explica Ilana. Pretende-se
gens estudadas nos hospitais brasileiros da- também identificar o papel biológico de
quela época, esclarece Ilana. Outro grave algumas proteínas nas bactérias.
problema brasileiro é a automedicação: A pesquisadora se integrou ao Insti-
Ainda é fácil conseguir antibióticos sem tuto Nacional de Biotecnologia Estrutural
receita médica e ao ingerir o medicamento e Química Medicinal em Doenças Infec-
incorreto as pessoas podem ajudar a sele- ciosas (INBEQMeDI), que congrega pes-
cionar bactérias resistentes, problema que quisadores de várias universidades brasi-
seria menor se só ingerissem remédios re- leiras: A aliança do LEMiMo com o Grupo
ceitados pelos médicos, afirma a docente. de Cristalografia do IFSC permite interação
No início de 2011, a FAPESP concedeu entre a microbiologia molecular de patóge-
financiamento para a implantação do Labo- nos - agentes que podem causar doenças -
ratório de Epidemiologia e Microbiologia bacterianos e as técnicas da física, que nos
Molecular (LEMiMo), no Grupo de Crista- auxiliam a resolver os problemas levanta-
lografia instalado provisoriamente nas de- dos. Esta aliança não poderia ser melhor.

244 | A física a serviço da sociedade


Saúde

Diversas proteínas vêm sendo estuda- Giard, da Université de Caen e Pascale Ser-
das por Ilana e colaboradores, com desta- ror, do INRA, Jouyen Josas, ambos da Fran-
que para GraR, uma proteína de Staphylo- ça, além de Nathan Shankar, da University
coccus aureus: Queremos ver até que ponto of Oklahoma Health Sciences Center (UO-
esta proteína está envolvida na resistência HSC), de Oklahoma, e Michael S. Gilmo-
da bactéria, conta. Em âmbito nacional, re, da Harvard Medical School, de Boston,
além dos colaboradores do Grupo de Cris- ambos dos Estados Unidos: Estas colabora-
talografia, Ilana tem colaboração com a ções visam ao estudo de diversas proteínas
docente Ana Lúcia da Costa Darini, da envolvidas nos mecanismos de virulência
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de em Enterococcus faecalis, bem como a troca
Ribeirão Preto (FCFRP), enquanto outra de informações pertinentes à pesquisa.
parceria vem de Belo Horizonte (MG), Sobre projeções futuras, Ilana adianta
com amostras enviadas pelo Laboratório que: Quando mudarmos para o campus II,
Geraldo Lustosa: Já entramos em contato que será o novo local do LEMiMo, podere-
com hospitais da nossa região para o envio mos ampliar a parte de epidemiologia mole-
de amostras, mas isso ainda está em anda- cular e a diversidade das bactérias estudadas
mento, conta Ilana. será maior. Queremos fazer do LEMiMo um
Em âmbito internacional, a docente laboratório de referência no Estado de São
conta com a colaboração de Jean-Cristophe Paulo, finaliza a docente.

A física a serviço da sociedade | 245


Saúde

A Física e as doenças negligenciadas: o


exemplo da esquistossomose
11 de Novembro de 2011

A s doenças negligenciadas são doenças


tropicais, endêmicas – concentradas
em um determinado espaço – que se ma-
há aproximadamente um milhão de víti-
mas fatais por ano. Isso ocorre porque as
medidas preventivas e o tratamento para
nifestam especialmente entre as populações algumas dessas doenças não estão disponí-
mais pobres da África, Ásia e América Lati- veis nas áreas mais pobres do mundo.
na. As mais conhecidas são a leishmaniose, Dentre estas doenças, destaca-se a es-
a doença de Chagas, hanseníase, raiva, es- quistossomose por ser a forma de parasitose
quistossomose, dengue e a doença do sono. mais grave, matando milhares de pessoas
Apesar de algumas das doenças negligen- por ano. Diferentemente dos parasitas cau-
ciadas serem consideradas prioritárias para sadores da maioria das doenças negligen-
a Organização Mundial da Saúde (OMS), ciadas, como a doença de Chagas, a raiva ou

246 | A física a serviço da sociedade


Saúde

a leishmaniose, que são causadas por vírus dos grandes desafios é desenvolver um tra-
ou por organismos unicelulares, o Schistoso- tamento e sobretudo uma prevenção contra
ma mansoni é um parasita multicelular visí- a doença. Isso tem inspirado projetos espe-
vel a olho nu, que circula na corrente san- cíficos para doenças negligenciadas, como
guínea. Por essa razão, o Schistosoma está é o caso de pesquisas no IFSC relativas à
constantemente exposto à ação do sistema doença de Chagas, leishmaniose e esquis-
imunológico de seu hospedeiro, mas ain- tossomose.
da assim resiste. A esquistossomose pode O docente Ricardo de Marco, do grupo
ser infecção crônica, existindo relatos de de Biofísica Molecular Sérgio Mascarenhas,
pessoas que padeceram desta enfermidade dedica-se aos estudos do genoma e do trans-
durante décadas. criptoma do parasita, além de proteínas im-
Há um medicamento para o tratamento portantes na sua relação com o hospedeiro.
da esquistossomose, considerado bastante
eficaz e barato, custando apenas US$ 0,20
Duas facetas da pesquisa
por pessoa por ano. Então, por que a doença Na primeira linha de pesquisa, De
não é erradicada? O problema fundamental Marco desenvolve um estudo bioinformá-
é que a droga apenas elimina a forma adul- tico do genoma e do scriptoma deste para-
ta do parasita, mas o meio ambiente ainda sita. Um dos principais objetivos é enten-
continua contaminado, principalmente as der a organização do genoma do parasita
águas. Sem modificar este ambiente, o ser para identificar elementos de transição,
humano voltará a ser infectado. elementos autônomos que vão criando
Além disso, como existe apenas um várias cópias de si dentro do genoma: É
medicamento, é grande a possibilidade de quase como se fosse um parasita dentro do
que o organismo causador adquira imuni- genoma, compara o pesquisador.
dade contra esse medicamento, principal- Segundo De Marco, quando a ciência
mente se empregado constantemente. Um descobriu estes elementos no genoma, os
pesquisadores acreditaram tratar-se de um
parasita dentro do genoma. Entretanto,
ao comparar com outros organismos,
perceberam que todos os eucariontes têm
estes elementos e que eles têm um caráter
parasitário, mas ao mesmo tempo existe a
hipótese de que eles gerem uma dinâmica
dentro do genoma.
No caso específico do Schistosoma,
analisando a evolução de seu genoma, De
Reação inicial à penetração de várias larvas Marco observou que a atividade destes ele-
na pele do braço. mentos é grande em termos de transcrição.

A física a serviço da sociedade | 247


Saúde

Daí decorre a hipótese de que seu funcio- dados. No nível molecular, para entender
namento oferece certa flexibilidade evolu- o organismo do parasita, deve-se primei-
cionária ao parasita, até porque sobrevive ro caracterizar os genes. Nisso, já houve
em ambiente com alta pressão evolutiva, grandes avanços com relevantes projetos,
exposto ao sistema imune do ser huma- contando com importante participação
no: Para o Schistosoma, é necessário ter um brasileira: hoje, os transcritos do parasita
genoma que se modifique com o passar do são descritos muito mais facilmente. No
tempo, explicou o pesquisador. E completa: entanto, ainda existe uma lacuna que o es-
Isto é negativo, por um lado, já que é maior forço de sequenciamento do grupo de De
a probabilidade de ter indivíduos morrendo Marco tenta suprir.
por causa de defeitos nos genomas, enquan- Pesquisam-se, também, proteínas en-
to do outro lado tem-se a facilidade para se volvidas na relação entre parasita e hospe-
adaptar a desafios do ambiente em que vive, deiro. Ricardo de Marco, com a colabora-
o que significa uma vantagem em termos de ção de grupos do IQ-USP e da University
população do parasita. of York (Inglaterra), descreveu um grupo
Do ponto de vista da ciência aplica- de genes que possuem exons (regiões co-
da, a heterogeneidade descoberta pode dificantes do RNA mensageiro, que com-
vir a prejudicar a tentativa de erradica- põem o gene com os intros, as regiões não
ção do parasita e consequentemente da codificantes do RNA) muito pequenos,
doença, já que a população dos parasi- denominados micro-exons. Este sistema
tas terá indivíduos diferenciados em seu genético complexo não havia sido des-
genoma: Mesmo havendo um tratamento crito em nenhum organismo e permite
mais eficaz, existe alguma probabilidade a produção de proteínas secretadas pelo
de que uma parcela da população sobre- parasita que possuem alto grau de varia-
viva aos efeitos do medicamento, devido ção. O Schistosoma é o único organismo
às características diferenciadas, e poste- que teve esta classe de genes descrita. O
riormente se reproduza novamente, ex- interessante deste sistema é que o parasita
plica De Marco. pode retirar qualquer um dos exons ali
Uma segunda etapa da pesquisa com presentes, formando uma nova proteína
Schistosoma mansoni é a análise informá- sem afetar o resto da proteína, que
tica de transcritos de genoma. Em uma permanece idêntica: Isso é um mecanismo
colaboração com o Instituto de Quí- de variação proteica, explica De Marco:
mica da USP, em São Paulo, sequencia- Outros parasitas, como o tripanosoma,
-se o RNA – o ácido ribonucleico, uma também possuem mecanismos de variação
molécula em cadeia simples com estru- antigênica, mas utilizando mecanismos
tura semelhante ao DNA – utilizando completamente diferentes – mecanismos
sequenciadores de última geração que clonais, com várias cópias do mesmo gene,
oferecem uma quantidade enorme de mas nada igual ao schistosoma, completa.

248 | A física a serviço da sociedade


Saúde

A hipótese a partir destas constatações certas propriedades: A Física é uma fer-


é de que esse mecanismo de variação de ramenta importante até para mim, que
proteínas esteja relacionado com mecanis- não sou físico de formação, para perceber
mos de variação antigênica, uma forma de dados específicos em sistemas biológicos,
fugir do sistema imunológico do hospe- explica De Marco.
deiro. É uma hipótese viável, pois uma das
formas do sistema imunológico combater
Pesquisa básica
os ataques ao corpo humano é mobilizar O Professor De Marco ressalta a im-
anticorpos, e esses anticorpos são produ- portância de realizar pesquisa básica, mes-
zidos através do reconhecimento de algu- mo numa área em que há claros objetivos
mas partes de proteínas. Se a proteína está aplicados, como é o caso de tentativas
sempre variando, o sistema imunológico para encontrar curas para doenças tropi-
não sabe quais anticorpos produzir e o pa- cais. A pesquisa com o parasita causador
rasita vai dominando o corpo. da esquistossomose não visa a desenvol-
O pesquisador explica: Queremos saber ver uma droga ou tratamento: Ninguém
como é a estrutura destas proteínas; tenta- cria um medicamento contra um organis-
mos reproduzi-las, investigar se interagem mo sem entender esse organismo, afirma
com proteínas humanas e assim desvendar o pesquisador. Entender a atuação de um
seu papel na relação parasita/hospedeiro. parasita pode ampliar o conhecimento
do ser humano sobre seu próprio sistema
E a Física?
imunológico, já que o Schistosoma domi-
A Física está presente nestas pesqui- na e controla facilmente as investidas do
sas com uma série de princípios que re- corpo do hospedeiro contra si: Se algum
gem o funcionamento dos equipamentos dia a medicina conseguir controlar o siste-
para sequenciar os genes. Por exemplo, ma imunológico do ser humano da mesma
em alguns estudos é necessário emitir al- maneira que este organismo o faz, podería-
gum tipo de radiação para interagir com mos resolver problemas como a rejeição de
a proteína, ou verificar como fica carre- órgãos transplantados ou de qualquer tipo
gada, ou como faz um percurso ao passar de implantes, só para citar alguns exemplos,
por um campo magnético, para medir comenta De Marco.

A física a serviço da sociedade | 249


Saúde

A ciência que faz bem ao corpo


09 de Dezembro de 2011

O s maiores avanços para a melhora


na saúde da mente e do corpo foram
conseguidos graças às pesquisas em ciên-
da emissão de radiações em comprimentos
de onda diferentes, é possível ‘enxergar’,
porque há um detector para aquele com-
cias básicas, como a física. Tecnologias de primento de onda específico, explica Gui-
diagnóstico, terapias e desenvolvimento do. Ainda para a produção de fármacos,
de novos fármacos dependem de conhe- as propriedades de pequenas moléculas
cimento gerado em pesquisas básicas. O e sua interação com proteínas podem ser
docente do IFSC, Rafael V. C. Guido, espe- esclarecidas com radiação de Raios X, in-
cialista em fármacos, exemplifica: Os Raios clusive identificando potenciais candida-
X foram considerados uma das sete maiores tos a fármacos: A combinação dos métodos
descobertas científicas da história. Foram de biologia e física permite a descoberta da
utilizados, inclusive, para que dois cientis- estrutura tridimensional e da função bioló-
tas - um físico e outro biólogo - pudessem gica da proteína em estudo. Com base nesse
descobrir a estrutura do DNA, através da conhecimento, podemos planejar candida-
técnica de difração de Raios X que utiliza- tos a fármacos que se encaixem nessas pro-
mos aqui no IFSC. teínas e alterem sua função. Dessa forma,
Outro destaque vai para a ressonância minimizamos os sintomas ou curamos a
magnética: Com técnicas de ressonância doença, explica o docente: Para isso tudo,
magnética pudemos diagnosticar precoce- precisamos da cristalografia de proteínas.
mente doenças e fazer tratamentos adequa- Rafael assumiu uma nova linha de
dos, explica Guido. As terapias fotodinâ- pesquisa para otimizar a produção de
micas desenvolvidas no Grupo de Óptica alimentos. Pelas mesmas técnicas de cris-
do IFSC já beneficiam vítimas de câncer talografia, ele pretende curar doenças de
de pele, gengiva e boca: O principal instru- plantas: Precisamos produzir cada vez
mento para a realização desse tipo de tera- mais alimentos, tanto para a população
pia é o laser. Tais pesquisas são pioneiras, quanto para produção de energia. Há do-
inclusive no que se refere a novas formas de enças que afetam a cana-de-açúcar, por
tratamento, conta Guido. exemplo, e as ferramentas que utilizo para
O trabalho com proteínas para o pla- desenvolver novos fármacos são as mesmas
nejamento de novos fármacos também para curar as ‘doenças’ da cana, tornando
tem a física como um de seus principais possível o aumento de sua produção, conta
suportes. A técnica de fluorescência para o pesquisador.
visualizar proteínas é um exemplo: Através

250 | A física a serviço da sociedade


Saúde

De acordo com o docente, o mercado de Crohn (doença inflamatória intestinal)


de biotecnologia precisará de profissio- e psoríase (doença inflamatória da pele) e
nais multidisciplinares. Até há pouco tem- o que existe hoje foi conseguido graças aos
po não existia tratamento para algumas esforços e pesquisas realizadas por equipes
doenças, principalmente as doenças autoi- multidisciplinares em empresas e universi-
munes, como artrite reumatoide, doença dades, afirma Guido.

A física a serviço da sociedade | 251


Saúde

Diabetes - Pesquisadores do IFSC formam


Rede para combater epidemia mundial
16 de março 2012

o objetivo é estimar a quantidade de adipo-


nectina produzida no organismo.
De acordo com Valtencir Zucolotto,
docente do IFSC e coordenador da Rede
de Diabetes, estudos anteriores já indica-
vam a relação entre variação dos níveis de
adiponectinas e a incidência de resistência
à insulina, ou de diabetes tipo 2: Antes de
contrair a diabetes tipo 2, o paciente pode já

D e acordo com a Federação Inter-


nacional de Diabetes, a cada oito
segundos a diabetes mata uma pessoa
ter apresentado níveis de adiponectina al-
terados, conta Zucolotto. Essa observação
levou os pesquisadores a propor a deter-
no mundo. No Brasil, a situação não é minação de adiponectina para detecção
menos grave. A Sociedade Brasileira precoce da doença.
de Diabetes chegou ao número de sete
milhões de brasileiros com a doença no ADIPONECTINA É UM HORMÔNIO
PROTEICO, RESPONSÁVEL
ano passado, sendo que 90% sofrem de
POR VÁRIOS PROCESSOS
diabetes tipo 2, causada principalmente METABÓLICOS DO CORPO,
por obesidade e sedentarismo. A diabe- ENTRE ELES A REGULAÇÃO DA
tes é considerada como epidemia mun- GLICEMIA. ELA É SECRETADA NA
CORRENTE SANGUÍNEA E AFETA
dial pela OMS, o que motiva a busca por
A SENSIBILIDADE À INSULINA
prevenção e cura da doença. (TAMBÉM UM HORMÔNIO,
O Ministério da Saúde brasileiro, atra- RESPONSÁVEL PELA REDUÇÃO DA
vés do CNPq, lançou no início de 2010 uma TAXA DE GLICOSE NO SANGUE).
chamada para grupos de pesquisa interessa-
dos em estudar diagnóstico, prevenção ou Na Rede coordenada por Zucolotto se-
tratamento da diabetes. Uma das propostas rão desenvolvidos sistemas integrados de
vencedoras foi apresentada por pesquisa- diagnóstico para monitorar a quantidade
dores do Laboratório de Nanomedicina de adiponectina produzida no organismo:
e Nanotoxicologia do grupo de Biofísica O objetivo dessa ‘Rede’ é produzir pela pri-
do IFSC. Na chamada Rede de Diabetes, meira vez um dispositivo que monitore a

252 | A física a serviço da sociedade


Saúde

adiponectina e relacionar essa quantidade Zucolotto conta que essa é a primei-


com a obesidade e aparecimento de resis- ra vez que um aparelho é desenvolvido
tência à insulina e diabetes tipo 2, explica para fazer tal medição. Os testes, que se
o docente. iniciam até o meio do ano, serão feitos
Na pesquisa, serão coletadas amostras diretamente em humanos. A parceria é
de grupos de pacientes obesos, hiperten- feita com pesquisadores da Faculdade de
sos e normais, medindo-se a quantidade Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto
de adiponectina. O passo seguinte é veri- (FCFRP-USP), que coletarão as amostras
ficar a viabilidade do uso dos chips para de pacientes, enviando-as posteriormente
monitorar o hormônio em questão: No ao IFSC para análise.
momento dos testes, verificando-se a varia- A Rede de Diabetes deve vigorar por
ção dos níveis de adiponectina, será possível três anos e acaba de ser aprovada pelo
fazer associações dessa quantidade com a CNPq. Para fazer a chamada de pacientes,
incidência de diabetes tipo 2. Um paciente coletar amostras e analisá-las, esse é o tempo
com níveis baixos do hormônio pode ter mínimo que uma ‘Rede’ deve ter para trazer
tendência em desenvolver a diabetes tipo 2, resultados mais concretos, conta Zucolotto.
no futuro. Aí entra a prevenção, explica.

A física a serviço da sociedade | 253


Saúde

Leishmaniose - Nova vacina mais eficiente e


indolor dá primeiros passos
27 de Abril de 2012

A descoberta de tratamentos para a


leishmaniose, doença crônica causa-
da por protozoários, que atinge mais de 2
Com a metagenômica, tenta-se obter
substâncias produzidas por bactérias do
ambiente, não cultiváveis em laboratório.
milhões de pessoas anualmente em todo É análogo ao que ocorreu na descoberta
o mundo, exige grande esforço de pesqui- da penicilina, em que a substância de um
sadores. No Grupo de Cristalografia (GC) fungo tornou-se um princípio ativo que
do IFSC emprega-se hoje a chamada me- revolucionou a medicina.
tagenômica, com o intuito de produzir um A busca por tais substâncias começa
fármaco mais eficiente e com menos efei- com a coleta de amostras de solo, que con-
tos colaterais às vítimas da doença: têm inúmeros tipos de micro-organismos
que não podem ser cultivados em labora-
tório. O DNA dos micro-organismos - que
podem ser bactérias, fungos, etc. - é extra-
ído e fragmentado para então ser ligado a
um vetor (cosmídeo), formando um plas-
mídeo recombinante. Esse recombinante é
colocado em outra bactéria (E. Coli) que
pode ser cultivada em laboratório. Repe-
tindo-se esse procedimento com diversos
Muitos pesquisadores utilizam deriva-
micro-organismos da amostra recolhida,
dos de plantas e animais na busca de novos
constrói-se uma Biblioteca Metagenômica:
princípios ativos para desenvolver fárma-
Uma das bibliotecas que eu testei contém
cos contra a doença. Mas os medicamentos
trezentos mil fragmentos de DNA diferen-
usados exigem um tratamento muito longo,
tes, e outra, que começaremos a testar ago-
são injetados no músculo ou na veia dos pa-
ra, tem quinhentos mil fragmentos de DNA
cientes, dependendo do medicamento, e são
dos micro-organismos encontrados em uma
muito doloridos, além de apresentarem for-
amostra, conta Izaltina.
te efeito colateral, explica Izaltina Silva Jar-
Após receber o plasmídeo recombi-
dim, pós-doutoranda do GC. Outro pro-
nante, uma cultura de E. Coli é formada
blema é que alguns casos são recidivos, ou
numa placa de Petri, na qual são colocados
seja, o paciente fica curado por um tempo,
os parasitas causadores da leishmaniose,
mas a doença volta.

254 | A física a serviço da sociedade


Saúde

gerando uma co-cultura de bactérias e pa- clones em meio líquido. Durante seu cres-
rasitas. Os pesquisadores observam os lo- cimento, a bactéria produz substâncias e as
cais onde a bactéria tiver produzido uma joga no meio. Esperamos cinco dias e depois
substância que mata a leishmania, pois es- separamos o líquido das bactérias e o colo-
ses locais conterão um candidato à produ- camos na cultura de leishmania.
ção de fármaco: Ao redor da bactéria que O resultado foi muito mais animador.
matou a leishmania podemos observar uma Dos cento e noventa e dois clones, treze
região mais translúcida, explica Izaltina. deram ótima atividade, ou seja, depois
de testado e re-testado, cerca de 50% das
A difícil busca por candidatos a leishmanias foram mortas pelas substân-
fármaco cias produzidas pelas bactérias e mistura-
das ao líquido.
Um ano é o tempo médio para formar
O próximo passo é isolar todas as
a Biblioteca Metagenômica, mas a colabo-
substâncias encontradas no líquido para
ração entre pesquisadores pode acelerar
descobrir a responsável pela morte da
o processo. Na biblioteca de trezentos
leishmania: Quando isolamos essas subs-
mil clones (fragmentos de DNA) analisa-
tâncias, temos que isolar suas estruturas
da por Izaltina e construída pela docente
químicas e aí poderemos saber de ‘quem’ se
Mônica Tallarico Pupo, da Faculdade de
trata, afirma Izaltina.
Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto
O DNA dos treze clones positivos
(FCFRP/USP), trinta e cinco clones foram
também será sequenciado: Nesse sequen-
capazes de matar a leishmania. No entan-
ciamento, podemos por vezes identificar de
to, devido a algumas interferências (como
qual tipo de bactéria veio a substância, para
a bactéria ter crescido sob estresse), pode
chegarmos a um produto único que poderá
ser que ocorram equívocos em relação a
ser usado como remédio.
sua eficiência em matar o parasita.
Em outro trabalho de colaboração
com pesquisadores da UFPR, em Curitiba,
Izaltina teve acesso à Biblioteca metagenô-
mica cedida pelo Dr. Emanuel Maltempi
de Souza, onde encontrou cento e noven-
ta e dois clones de amostras de micro-
-organismos de solo da Mata Atlântica e
outras regiões, já isolados, mas dessa vez
em meio líquido: Mudamos nossa técnica.
À esquerda, clone positivo (halo de inibição
Em vez de formar a cultura de bactérias e
bem visível ao redor da colônia) e à direita,
esperá-las crescer para incluir a leishmania, clones negativos.
fizemos diferente. Deixamos crescerem os

A física a serviço da sociedade | 255


Saúde

A produção de um fármaco pode não houve efeitos colaterais nem reações


demorar alguns anos: A substância can- negativas, passa-se aos pacientes infecta-
didata a fármaco deve matar a leishma- dos: primeiro, grupos pequenos, depois,
nia, sem afetar as células humanas, ex- grupos maiores. Tudo isso leva, em média,
plica Izaltina. Portanto, ainda in vitro dez anos, conta.
são feitos testes com células saudáveis e Se parece desanimador esperar tan-
infectadas de camundongos, depois com to tempo pela fabricação de um fármaco
células humanas saudáveis e infectadas. para cura mais rápida, indolor e confortá-
Considerando que todas as etapas vel da leishmaniose, convém recordar que
tenham sido bem-sucedidas e contando a penicilina só passou a ser fabricada doze
com aprovação de comitês de ética e anos após a descoberta do fungo que a
agências de vigilância sanitária, iniciam- produziu: Até o final deste ano, nosso plano
se os testes com humanos: Começando por é chegar até, pelo menos, a fase dos testes in
pacientes saudáveis e tendo observado que vitro, conclui Izaltina.

256 | A física a serviço da sociedade


Saúde

A ameba fatal
11 de Maio de 2012

E ssa doença leva entre dez e doze dias


para matar uma pessoa, com uma
infecção tão grave que não há tempo se-
tor Caldas (IFSC), dedica seu tempo para
estudar a ameba. Devido à periculosidade,
esses pesquisadores decidiram analisar a
quer para fazer um diagnóstico. Trata-se sua parente - Naegleriagruberi - que não é
da Meningoencefalite Amebiana Primária patogênica, não transmite a doença fatal
(MAP), causada por um ser unicelular que para humanos.
já existe há 1,2 bilhão de anos - a Naegle- A Naegleria, no ambiente, é uma pre-
riafowleri. Essa poderosa ameba vive em dadora que se alimenta de bactérias. Já em
locais frequentados regularmente, como laboratório, a Neagleriagruberi cresce em
águas mornas de piscinas não cloradas ou meio axênico, onde todos os nutrientes
pouco cloradas, rios, lagos, represas e cai- são colocados para que a ameba cresça so-
xas de água. A Naegleria entra no organis- zinha: Se colocarmos bactérias nesse meio,
mo através da mucosa nasal, dirigindo-se ele não será mais axênico, pois ela terá ou-
para o sistema nervoso central e matando tro organismo para ajudá-la a crescer, ex-
o hospedeiro. plica Marco Túlio. A vantagem do meio
Não há dados seguros sobre a doen- axênico é que não há interferência de ou-
ça no Brasil. O número de infectados nos tros organismos vivos: Na ausência de ou-
EUA, por exemplo, não chega a oito por tros organismos, não existirá a interferência
ano. Mesmo fazendo um pequeno número do metabolismo de um no metabolismo do
de vítimas, a incidência de MAP tem outro, conta Túlio.
aumentado em virtude do aquecimento O principal objetivo dessa pesquisa é
global. Com sete vítimas da MAP nos entender como um aminoácido raro, cha-
EUA, antes mesmo do término do primeiro mado selenocisteína, é incorporado em
semestre de 2012, o assunto ganhou proteínas específicas de Naegleria, as sele-
notoriedade, assim como tem crescido o noproteínas. Há três anos não se conhecia o
número de pesquisadores interessados em genoma da Neagleria. Consequentemente,
estudá-la. não se sabia se havia selenocisteína nesse
No Grupo de Cristalografia (GC) do organismo. Sabia-se que esse aminoácido
IFSC, o pesquisador Marco Túlio Alves no organismo pode auxiliá-lo na sobre-
da Silva, com o auxílio do docente Otavio vivência em circunstâncias específicas: A
Thiemann e dos pesquisadores Fernanda Naegleria está submetida a diferentes condi-
Cristina Costa (IFSC), Daniel Silvestre ções e de vez em quando há alterações muito
(Faculdade de Medicina- FM/USP) e Vic- bruscas no meio onde vive. Isso possibilita

A física a serviço da sociedade | 257


Saúde

que ela use selenoproteínas para se defender independentemente. Tais domínios foram
desse ambiente estressante, elucida Tulio. separados usando-se técnicas de biologia
Os pesquisadores do GC isolaram o molecular e estão sendo estudados sepa-
gene da Naegleriagruberi, que sofreu uma radamente. Agora tentaremos entender a
provável fusão de dois genes. Como pro- estrutura desses domínios isoladamente e
duto observou-se uma proteína com dois em conjunto, explica Túlio. Esse tipo de
domínios (diferentes regiões da proteína), estudo, que possibilita a visualização de
cada um com uma função específica. Um regiões diferentes da proteína, permite
deles estava envolvido na produção de se- inferir inibidores à doença: Embora este-
lenocisteína e o outro auxiliaria na retirada jamos em uma etapa preliminar, podemos
do selênio da célula: Organismos de vida desenhar inibidores que não interfiram na
livre podem passar, em algum momento, a célula humana.
viver numa região rica em metal pesado, e Pesquisas anteriores já trazem dados
o selênio em excesso, mesmo sendo muito interessantes sobre a Neagleria: 60% da
importante para o organismo, pode causar poeira doméstica têm cistos de amebas de
danos grandes. vida livre, só não se sabe se são da Neagle-
riafowleri, sua versão mortal.
Próximos passos
As infecções causadas por amebas de
A pesquisa visa à identificação da es- vida livre - caso da Naegleria - não deve-
trutura da proteína e de seus domínios, riam ocorrer no organismo humano. Por

258 | A física a serviço da sociedade


Saúde

esse motivo, sua evolução no organismo é informação também atrapalha a pesquisa


extremamente rápida e geralmente acome- e aplicação de seus resultados: Não tenho
te o sistema nervoso central. Existe trata- o número de casos de MAP no Brasil, nas
mento, mas pela rapidez com que se dis- regiões mais expostas; não temos dados de
semina não há tempo para cura ou para o como a atividade industrial pode alterar o
diagnóstico: A maioria dos diagnósticos de número de formas de Neagleria, afirma o
Neagleria é feito ‘post mortem’, explica Túlio. pesquisador. Embora se trate de doença
Túlio conta que sente falta de dados rara, a fatalidade da MAP é motivo sufi-
no Brasil sobre a doença. A escassez de ciente para estudos dedicados.

A física a serviço da sociedade | 259


Saúde

Bloqueio total à esquistossomose


28 de Setembro de 2012

N a década de 1970, o pesquisador Al-


fred W. Senft e seus colaboradores se
dedicavam a investigar o parasita Schisto-
energia e DNA. Essa descoberta há mais
de quarenta anos foi o ponto de partida
dos estudos do pesquisador do Grupo de
soma mansoni, causador da esquistosso- Cristalografia (GC) do IFSC, Humberto
mose. Essa doença infecta 230 milhões de D´Muniz Pereira. A doutoranda Juliana
pessoas por ano, segundo a OMS. Eles des- Roberta Torini de Souza realizou uma
cobriram que o Schistosoma mansoni, uma triagem de proteínas candidatas a fazer a
das espécies do platelminto causador da conversão de adenosina à adenina em S.
doença, era incapaz de produzir purinas, mansoni, uma vez que na via de salvação
base nitrogenada responsável pela produ- em humanos não é encontrada uma pro-
ção de moléculas energéticas e formação teína capaz de realizar tal conversão de
do DNA, dependendo assim da chamada forma direta.
via de salvação de purinas. Alguns anos de estudo depois, Juliana
encontrou duas fortes candidatas: purina-
-nucleosídeofosforilase (PNP2) e a metil-
tioadenosinafosforilase (MTAP): No início
da pesquisa do mestrado não sabíamos se
existia uma proteína capaz de converter
adenosina em adenina de forma direta na
via de salvação de purinas em S. manso-
ni. Então, começamos a trabalhar com a
MTAP, uma proteína da via de síntese de
poliaminas*, que em alguns organismos já
Não conseguir sintetizar purinas, mo- havia demonstrado capacidade de fazer tal
léculas precursoras na formação do DNA, conversão, apesar de ter como substrato na-
era uma ótima notícia, exceto para o Schis- tural a metiltioadenosina (MTA).
tosoma, que produz uma média de trezen-
tos ovos por dia e precisa de muito DNA.
Para resolver essa limitação, o parasita
encontrou uma maneira simples: alojar-
-se num hospedeiro capaz de lhe conceder
moléculas precursoras para suprir a defi-
ciência de purinas e por sua vez produzir

260 | A física a serviço da sociedade


Saúde

Source, um síncrotron situado em Harwell


na Inglaterra.
O trabalho de Juliana insere-se no
Projeto Purinoma, que visa a determinar
a estrutura de diversas proteínas chaves da
via de salvação de purinas em S. mansoni e
entender como cada uma das reações quí-
micas é catalisada: Se conseguirmos enten-
der a função de todas as proteínas presentes
na via de salvação, poderemos elaborar pla-
nos para bloqueá-las, impedindo o acesso
do Schistosoma mansoni às moléculas pre-
cursoras, explica a pesquisadora. Na via de
salvação de purinas, o Schistosoma pode
usar vários caminhos para conseguir fer-
A MTAP é uma proteína comum ao ramentas para sintetizar DNA e moléculas
Schistosoma mansoni e ao ser humano. energéticas. Se for desenvolvido um me-
Sua afinidade por seu substrato alternati- dicamento capaz de bloquear apenas um
vo no Schistosoma foi uma das surpresas desses caminhos, o parasita poderá utilizar
que Juliana encontrou. Nos chamados os demais e o bloqueio não será efetivo.
ensaios cinéticos com a MTAP, em que se Portanto, estudando proteínas e determi-
verifica o nível de atividade no Schistoso- nando suas estruturas será possível blo-
ma mansoni, ela observou que a afinidade quear os possíveis caminhos - ou os mais
da proteína do parasita por adenosina era importantes. Assim, poder-se-á bloquear
cem vezes o valor da proteína no orga- a via como um todo, diminuindo a forma-
nismo humano. O GC então determinou ção dos ovos e até causar a eliminação do
a estrutura da MTAP e no seu sítio ativo Schistosoma do organismo humano.
foram encontradas duas mutações cruciais O objetivo final é criar um medica-
que Juliana acredita serem responsáveis mento mais eficaz contra o Schistosoma
por aumentar a afinidade por adenosina: mansoni, pelo que as perspectivas de Ju-
Acreditamos que essas duas mutações dão liana são boas. Com a colaboração do la-
estas características à proteína do Schis- boratório britânico Diamond Light Source,
tosoma. Para confirmar essa informação, o GC poderá, em um ano, determinar as
alguns ensaios ainda precisam ser feitos. estruturas de todas as proteínas da via de
No momento, Juliana considera quatro es- salvação: Depois disso, faremos mais ensaios
truturas da MTAP: duas determinadas no cinéticos para compreender o mecanismo de
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron funcionamento das proteínas. A maneira
(Campinas-SP) e duas no Diamond Light mais efetiva de bloquear o parasita seria o

A física a serviço da sociedade | 261


Saúde

investimento em saneamento básico, uma


vez que o contágio se dá através do contato
humano com a forma imatura do adulto
(os ovos são eliminados pelas fezes do pa-
ciente contaminado). Como a melhora do
saneamento parece mais difícil, deposita-
-se esperança na ciência para acabar com
este mal.

___________
*moléculas presentes em plantas, animais e
micro-organismos.

262 | A física a serviço da sociedade


Saúde

Último suspiro da Doença do Sono?


25 de Março de 2013

O Trypanosoma brucei é um protozoá-


rio flagelado causador da Doença do
Sono em humanos e Nagana em animais.
ção das três selenoproteínas encontradas,
a única que apresentou um resultado que
permitiria a continuidade do trabalho foi
Em seres humanos, a enfermidade atin- a do tipo Sel-T, conta a doutoranda. Por
ge principalmente a população da África ser uma proteína de membrana, a Sel-T
subsaariana, onde mais de sessenta mi- requeria uma análise diferenciada de ou-
lhões de pessoas vivem em áreas de risco. tras proteínas. Primeiramente, Jaqueline
Estima-se que setenta mil já estejam infec- isolou a Sel-T (proteína), encontrando um
tadas pela doença*, que pode ser fatal. detergente específico para isso: Testei todos
Estudiosos dessa doença identificaram os detergentes que tínhamos aqui no IFSC e
há alguns anos, no Trypanosoma brucei, um deles respondeu bem, conta.
três proteínas que possuem em sua cadeia Para continuar o estudo, ela necessita-
polipeptídica o 21º aminoácido**, deno- va de instrumentos específicos, não dispo-
minado de selenocisteína (Sec ou U) e per- níveis no IFSC, o que a levou a realizar um
ceberam a oportunidade de produzir um estágio de vinte e dois dias no Membrane
fármaco para combater a Doença do Sono. Protein Laboratory (MPL), em Harwell
Dedicando-se a esse tema, a doutoranda (Inglaterra): Já tinha chegado até a etapa
do Grupo de Cristalografia (GC) do IFSC, de purificação, mas não conseguia carac-
Jaqueline Pesciutti Evangelista, sob orien- terizar a proteína, analisar seu formato e
tação do docente Otavio Henrique Thie- tamanho, pois nada disso se encontra des-
mann, iniciou sua pesquisa para identificar crito na literatura e não era possível obter
o papel da proteína no organismo do pro- tais informações com os instrumentos que
tozoário: Por possuírem esse aminoácido a tínhamos em mãos, relembra. Soube que
mais, as selenoproteínas têm vantagens úni- a pesquisadora Isabel de Moraes, do MPL,
cas em relação às homologas, que possuem vinha para Campinas ministrar um curso
cistenínas***, como a atuação em reações de de técnicas em proteínas de membranas.
oxidorredução, uma das principais funções Entrei em contato com ela e combinamos o
das selenoproteínas, explica Jaqueline. meu estágio****.
A doutoranda já percorreu algumas No MPL, Jaqueline utilizou-se de ou-
etapas importantes: clonou as selenopro- tra linhagem da bactéria Escherichia coli,
teínas e inseriu seus genes na bactéria denominada C43, cujas modificações ge-
Escherichia coli para produção da proteí- néticas a tornam mais apta a expressar
na recombinante: Na expressão e purifica- proteínas de membrana. Dessa forma,

A física a serviço da sociedade | 263


Saúde

ela obteve bom rendimento na produção contato direto com o inglês foi muito im-
da proteína Sel-T. Além de ter consegui- portante. Finaliza, dizendo que o melhor
do descobrir o melhor detergente para resultado dessa experiência foi a parceria
isolamento e purificação de proteínas de surgida entre os pesquisadores: A parceria
membrana, Jaqueline pôde observar a es- está feita e a porta aberta. Esta é a maior
tabilidade da Sel-T, o que permitiu que ela conquista que eu trouxe, finaliza.
seguisse à etapa de caracterização: Agora,
tentaremos produzir e cristalizar a proteína ________________
para resolução de sua estrutura tridimen- *Informação retirada do site Médicos sem
sional. Assim, poderemos visualizar seu sí- Fronteiras.
tio ativo, como ela se aloja na membrana, e ** Essa nova cadeia é o resultado da expan-
deduzir a sua função no Trypanosoma. são do código genético de 20 para 22 ami-
Sobre seu contato com um labora- noácidos.
tório de pesquisa no exterior, ela destaca *** Um dos aminoácidos codificados pelos
que alguns procedimentos futuros talvez genes e parte das proteínas dos seres vivos.
tenham que ser feitos em Harwell, mas **** O estágio de Jaqueline foi financiado
que uma colaboração já foi firmada entre pelo financiado pelo Grupo de Cristalogra-
o IFSC e o MPL para dar continuidade à fia (CG), pela Pró-reitoria de Pós-gradua-
pesquisa. Já sobre o retorno individual, ção (PRPG/USP) e pela Comissão de Rela-
ela conta que a oportunidade de poder ções Internacionais do IFSC (CRInt).
visitar o exterior pela primeira vez e ter

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Saúde

M3ND- Molecules, Materials and Medicines


for Neglected Diseases
24 de Junho de 2013

A participação de nosso país está sendo


feita através dos pesquisadores Alejandro
Ayala (Universidade Federal do Ceará),
Chung Man Chin (UNESP – Araraquara)
e Javier Ellena do IFSC.
As doenças negligenciadas conti-
nuam a ocupar um lugar contraditório
num mundo onde a evolução científica
e tecnológica desbrava caminhos nunca

U ma iniciativa mundial nascida de antes imaginados, em que a esperança de


uma parceria internacional com um vida aumenta enormemente. Novas des-
grupo lato de renomados pesquisadores da cobertas científicas abrem portas para a
academia, indústria e representantes go- eminente cura de inúmeras de doenças,
vernamentais, iniciou há cerca de um ano menos para aquelas chamadas de doenças
e meio um trabalho que tem o objetivo de negligenciadas – ou doenças dos pobres -,
criar uma nova metodologia que melhore que são pouco interessantes para as indús-
a eficácia dos medicamentos dedicados às trias farmacêuticas, já que praticamente
designadas doenças negligenciadas. Atra- não dão lucro.
vés da química do estado sólido, o objeti- A ação do M3ND traduz-se num tra-
vo é desenvolver novas formulações orais balho com aplicabilidade concreta para a
e combinações que aumentem a eficácia indústria, incluindo engenharia de novas
de medicamentos, com o intuito de anu- fórmulas sólidas de fármacos. Embora
lar seus efeitos colaterais, promovendo seja um trabalho complexo do ponto de
principalmente o aumento da solubilidade vista laboratorial, a ideia primária é sim-
desses remédios. ples. Para combater qualquer doença, o
O grupo, designado de M3ND – Mole- primeiro passo é desenhar um fármaco
cules, Materials and Medicines for Neglected eficaz no combate a esse alvo, ao que se
Diseases, conta com o trabalho de treze segue outro passo importante, que é trans-
pesquisadores e de responsáveis por labo- formar esse desenho num fármaco. Princi-
ratórios de várias partes do mundo, como palmente no caso das doenças negligen-
Índia, África do Sul, Argentina, Irlanda, ciadas (Malária, doença de Chagas, etc.),
Estados Unidos, México, Canadá e Brasil. o remédio é majoritariamente apresentado

A física a serviço da sociedade | 265


Saúde

na forma de um sólido farmacêutico – um organismo e neutralizar os efeitos colaterais.


simples comprimido - até porque se fos- Estamos fazendo a aplicação da tecnologia
se injetável haveria questões relacionadas do estado sólido às indústrias farmacêuti-
com armazenamento, aplicabilidade e se- cas, explica Ellena.
gurança. Ao contrário do que se possa pensar, a
ação do grupo de pesquisadores não é fa-
zer um novo medicamento, até porque isso
levaria mais de uma década. O objetivo do
grupo M3ND é transformar medicamentos
que já existem no mercado, para combater
doenças negligenciadas, em versões com
propriedades farmacocinéticas melhora-
das.
Esta equipe é composta por pesqui-
sadores internacionais, não só ligados a
universidades de renome mundial, especia-
listas em áreas tão diversas, como química,
Um dos grandes problemas desse tipo medicina, biologia, farmácia, física, etc.,
de comprimidos - desses fármacos sólidos mas também por pesquisadores e outros
- é não se dissolverem no corpo dos pacien- profissionais ligados à indústria farmacêu-
tes. São exemplos os retrovirais para o con- tica internacional e a órgãos vocacionados
trole da AIDS, como explica o Prof. Javier a patentes de produtos.
Ellena, pesquisador do IFSC e membro do O grande intuito é melhorar medica-
M3ND.  De fato, esses pacientes tomam du- mentos que estejam exclusivamente dedi-
rante muito tempo um coquetel composto por cados a doenças negligenciadas, ou mesmo
vinte produtos, sendo que todos apresentam para a AIDS. Na perspectiva do continente
problemas de solubilidade. Ao interagirem africano a AIDS pode ser considerada do-
entre si e o organismo, esses medicamentos ença negligenciada, pois pouca gente tem
do coquetel têm eficácia reduzida, acrescida acesso aos medicamentos. No Brasil, a AIDS
de inúmeros efeitos colaterais. Por exemplo, está de alguma forma controlada devido aos
com esse tipo de medicamento, um pacien- investimentos dos governos e às políticas de
te com AIDS poderá estabilizar a doença, saúde pública, o que não acontece na maior
porém também irá sofrer fortes efeitos cola- parte dos países africanos.
terais, como problemas hepáticos, diarreia,
Patente em tramitação
vômitos, enfraquecimento do sistema imu-
nológico, etc. O que estamos fazendo é traba- O desenvolvimento do trabalho do
lhar para minimizar ou anular as dificulda- grupo M3ND tem sido rápido e eficaz, sen-
des de solubilidade desses medicamentos no do prova disso a tramitação de uma patente

266 | A física a serviço da sociedade


Saúde

no Brasil: Neste momento, temos um medi- em comprimidos, prejudicando o estômago


camento contra a AIDS, completamente de- e o fígado, só para dar dois exemplos de re-
senvolvido por nós, cuja patente está sendo ações adversas. Mas por que isso acontece?
tramitada no Instituto Nacional de Patentes. Porque o pó branco custa R$ 100,00/grama e
É um medicamento cinco vezes mais eficaz o pó amarelo custa R$0,10/grama. 90% dos
do que aquele que está no mercado. O resul- medicamentos dedicados a doenças negligen-
tado é que consegue-se produzir o mesmo ciadas têm esse defeito – ou particularidade.
comprimido com cinco vezes menos maté- Este nosso medicamento, que está esperando
ria-prima e com maior eficácia, com melhor ser patenteado, foi feito com as quantidades
absorção pelo organismo, neutralizando efei- certas de determinado ingrediente, mesmo
tos colaterais e fazendo com que o paciente que esse ingrediente tenha sido aquele que
ingira menos quantidades de químicos fár- eu exemplifiquei como sendo o mais barato
macos. Menciono também que essa é uma – o pó amarelo -, só que ele fica cinco vezes
patente brasileira. Se começarmos a fazer mais eficaz, explica Javier Ellena.
este trabalho em muitos outros medicamen- Este grupo internacional está traba-
tos utilizados em países em desenvolvimento, lhando em diversas frentes, em diversos al-
os resultados serão significativos em termos vos, como no combate à doença de Chagas.
de gastos públicos e de saúde pública, explica O grupo começou sua atividade há cerca
Javier Ellena. de um ano e dois meses e nele trabalham
Outro exemplo dado por Javier Elle- nomes importantes da ciência mundial,
na é o Mebendazol, medicamento bastante incluindo Gautam Desiraju, pesquisador
usado para o controle de parasitas no or- do Indian Institute of Science (Índia), espe-
ganismo humano, consumido principal- cialista em engenharia de cristais aplicada
mente em zonas pobres onde os índices à farmácia, ou Marcelo Sarkis, pesquisador
de higiene e de salubridade pública são do Heenan Blaikie do Canadá, especialista
baixos.  Esse medicamento tem grandes em patentes.
problemas na sua versão de estado sóli- Este é um trabalho que precisa ser co-
do, conforme explica o pesquisador: Para nhecido, principalmente pelas indústrias
fazer esse comprimido são utilizadas doses farmacêuticas nacionais e pelo próprio
certas de, por exemplo, dois pós: o branco e governo brasileiro, já que está em causa a
o amarelo. O pó branco é aquele que funcio- resolução de inúmeros problemas de solu-
na bem para combater a doença, enquanto bilidade de qualquer medicamento. Uma
o pó amarelo faz muito menos efeito. En- das iniciativas do grupo é promover ainda
tão, se formos analisar esse comprimido, este ano, entre os meses de Novembro e
ele tem 90% de pó amarelo e 10% de pó Dezembro, um workshop com as indús-
branco. Logo, o comprimido não faz efei- trias farmacêuticas nacionais, explicando
to: para esta fórmula fazer qualquer efeito o trabalho e seus resultados. Ênfase será
benigno, o paciente terá que se encharcar dada à questão de segurança nacional,

A física a serviço da sociedade | 267


Saúde

pois as matérias-primas e a maioria dos nos que já existem, se transformem


medicamentos comercializados no Brasil em novos medicamentos que resolvam
vêm do exterior, com graves problemas na os graves problemas de saúde pública,
área do controle de qualidade. quer em termos nacionais, quer inter-
Em suma, o foco do gru- nacionalmente, principalmente para as
po M3ND traduz-se nas seguintes medidas: doenças negligenciadas.
1. Utilizar tecnologia do estado sólido
aplicada a produtos farmacêuticos; O M3ND conta com os apoios do CNPq
2. Obter melhores preços; (Ciência sem Fronteiras), CAPES e FAPESP,
3. Fazer patentes incrementais que pos- bem como as colaborações do IFSC,
sam num curto espaço de tempo (um FUNCAP, Ministério da Saúde, University of
ou dois anos) promover medicamentos South Florida (EUA) e Universidade Federal
completamente novos que, com base do Ceará.

268 | A física a serviço da sociedade


Saúde

Novas pistas sobre o Mal de Alzheimer


05 de Agosto de 2013

N o processo de divisão celular em


organismos vivos, no qual uma cé-
lula mãe se divide em duas células filhas,
foco dos estudos de Ana Paula e de seus
colaboradores.
A septina2 (SEPT2) já foi detectada
uma proteína chamada septina tem papel nos chamados depósitos amiloides, estru-
fundamental: atuar no estágio final da di- turas encontradas no cérebro de pacientes
visão celular, conhecido como citocinese. que tiveram a doença de Alzheimer: Tais
No entanto, mesmo em células nervosas depósitos são um emaranhado de prote-
que não sofrem divisão celular, as septinas ínas e entre elas a SEPT2 é uma presença
são encontradas, o que cria a dúvida so- constante, explica Ana Paula. Num traba-
bre qual seria o papel das septinas nessas lho com vários colaboradores, incluindo
células. o Prof. Richard C. Garratt, descobriu-se
Em cima desse e de outros questiona- no IFSC que a SEPT2, in vitro, é capaz de
mentos referentes às septinas se assenta formar fibras amiloides sem ter contato
uma das linhas de pesquisa do Grupo de com nenhuma outra proteína. Notou-se
Biofísica (BIO) do IFSC, coordenado pela que essa autoassociação da SEPT2 ocorre
docente Ana Paula Ulian Araújo: Nós, hu- em temperatura ambiente, sendo um pro-
manos, possuímos treze tipos diferentes de cesso irreversível e contínuo, ou seja, uma
septinas, algumas produzidas em células vez iniciada a fibrilação da SEPT2, ela não
muito específicas - como as células nervosas para mais.
- e outras produzidas em todas as células do Como depósitos amiloides são en-
organismo, as quais julgamos ter um papel contrados no cérebro de pacientes que
realmente importante na divisão celular, tiveram Alzheimer, indaga-se se essa re-
explica a docente. lação entre Alzheimer e SEPT2 existe de
De acordo com Ana Paula, as treze fato: As septinas aparecem normalmente
septinas identificadas em nosso organismo associadas a outras septinas, como SEPT2,
têm algo em comum: qualquer uma delas SEPT6 e SEPT7, e se juntam para formar
é capaz de ligar-se a GTP (um nucleotídeo um filamento em determinas células. Mas
trifosfatado) e a maioria pode hidrolisá-lo, acreditamos que numa situação patológica,
ou seja, quebrá-lo em pedaços com uma a SEPT2 pode associar-se a si mesma e for-
molécula de água. No entanto, essas septi- mar os filamentos amiloides que já observa-
nas são divididas em quatro grupos, sendo mos in vitro, elucida Ana Paula.
que o grupo composto pelas septinas de No entanto, ela frisa que alguns com-
número 1, 2, 4 e 5 acabou tornando-se o portamentos in vitro podem ser diferentes in

A física a serviço da sociedade | 269


Saúde

vivo. Em outras palavras, embora a SEPT2 de PI, a SEPT2 interagiu, mas não manteve
tenha se comportado da maneira descrita sua estrutura, iniciando a formação de fila-
acima, não significa que no corpo huma- mentos amiloides, descreve a docente: Isso
no tal processo ocorra da mesma forma: acabou se tornando mais um elemento que
Temos uma proteína isolada em condições aproxima a formação de filamentos amiloi-
muito particulares. Nas células, será que des in vitro de SEPT2 ao que pode ocorrer
isso pode acontecer? questiona a docente. numa célula.
Até o momento, técnicas de biofísica
Uma primeira resposta e bioquímica foram utilizadas para fazer
Para descobrir o que pode disparar a a maioria das análises descritas acima. O
formação de filamentos amiloides na au- próximo passo é investigar a interação da
toassociação da SEPT2, Ana Paula, com SEPT2 usando microscopia eletrônica, o
a colaboração do Grupo de Polímeros do que permitirá a visualização do desenho
IFSC, iniciou experimentos usando um completo dessas interações.
sistema que imita parte de uma membra- Esses trabalhos estão disponíveis via
na, incluindo uma molécula de fosfatidi- SIBI:
linositol (PI), um dos componentes da DAMALIO, J. C. et al. Lipid interaction
membrana celular com o qual a SEPT2 triggering Septin2 to assembly into street
interage: Ao entrar em contato com essa structures invetigated by Langmuir
membrana mimética, a SEPT2 interagiu monolayers and PM-IRRAS. Disponivel
com o PI e manteve sua estrutura normal. em:<http://www.sciencedirect.com/
Porém, ao colocar a SEPT2 em contato com science/article/pii/S0005273613000394.
uma membrana mimética sem a presença Acesso em: jan.2014.

270 | A física a serviço da sociedade


Saúde

Dengue- A poderosa técnica


para exterminar o mosquito
26 de Agosto de 2013

Souza, sob orientação dos pesquisadores


do Grupo de Óptica (GO) do IFSC, Na-
tália Mayumi Inada e Vanderlei Salvador
Bagnato, é vinculado a vetores urbanos,
especificamente ao Aedes aegypti. Em um
de seus experimentos, Larissa mergulhou
larvas de diferentes estágios** do mosqui-
to da dengue em solução na qual se en-
contrava dissolvida uma droga fotossensi-
bilizadora*** (Photogem®). Depois, expôs
a solução com as larvas a diferentes fon-
tes de luz (solar, lâmpadas fluorescentes e
LEDs) e verificou significativa mortalidade
das larvas: acima de 90% quando expostas à

A dengue continua sendo um problema


de saúde pública no Brasil e em ou-
tros países. Segundo dados da OMS, oiten-
luz solar e a lâmpadas fluorescentes, e entre
70% e 80% quando expostas aos LEDs.
A Terapia Fotodinâmica é resultado
ta milhões de novos casos de dengue são da interação do fotossensibilizador com a
registrados anualmente e suas manifesta- luz e com o oxigênio, sendo amplamente
ções clínicas podem ir desde uma simples usada no Grupo de Óptica para tratar le-
síndrome viral até quadros graves de he- sões malignas e no controle microbiológi-
morragias e choques, levando à morte do co: Agora, é usada no controle das larvas
infectado. do Aedes aegypti: Estamos também testan-
Para conter essa epidemia, pesqui- do outras substâncias químicas fotossensi-
sadores do IFSC, em parceria com o De- bilizadoras: a clorina, que mata fungos e
partamento de Hidráulica da USP e com o bactérias com uma eficiência muito grande,
Departamento de Hidrobiologia da UFS- e a curcumina produzida a partir das raízes
Car*, têm utilizado a terapia fotodinâmica do açafrão, explica Natália.
para eliminar o mosquito. Os bons resultados não param por aí:
O projeto da mestranda em biotec- além dos testes com larvas, Larissa reali-
nologia da UFSCar, Larissa Marila de zou experimentos com mosquitos adultos

A física a serviço da sociedade | 271


Saúde

da dengue. Ela dissolveu o Photogem® em conseguir, além da morte de larvas e mos-


sangue de carneiro e açúcar e alimentou quitos causadores da dengue, oferecer uma
fêmeas e machos do Aedes aegypti criados nova terapia ecologicamente correta, para
em laboratório: Os mosquitos são atraídos que a água ou solo nos quais será dissolvida
para ambientes mais quentes e então aqueci a substância química não sejam contami-
o sangue, mas não adiantou. Depois, adi- nados, explica Natália.
cionei o açúcar e deu certo, conta a mes- Mesmo em seu início, o trabalho já
tranda. oferece resultados animadores, tendo
Através de microscopia óptica confo- sido premiado como melhor pôster no 14
cal de fluorescência, Larissa pôde observar World Congress of the International Photo-
a presença do Photogem® no trato digestivo dynamic Association.
e glândulas salivares das larvas. Além disso,
os ovos resultantes do acasalamento dos ____________________
mosquitos com Photogem® no organismo *estão envolvidos na pesquisa: Suzana Tri-
não eclodiram: Ainda precisamos fazer mais vinho Strixino (UFSCar), Cristina Kurachi
experimentos para confirmar se a não eclo- (IFSC), Juliano José Corbi (EESC), Vanderlei
são dos ovos está relacionada à presença do Salvador Bagnato (IFSC), Natália Mayumi
fotossensibilizador no organismo dos veto- Inada (IFSC), Sebastião Pratavieira (IFSC)
res, ressalta Larissa. e Francisco Guimarães (IFSC).
O principal objetivo da pesquisa é ** a larva do Aedes aegypti passa por quatro
produzir um composto para eliminar o estágios antes de se tornar pupa e transfor-
mosquito da dengue, mas estudos de im- mar-se no mosquito.
pacto ambiental também serão realizados, *** moléculas capazes de interagir com a
já que os larvicidas para exterminar o Ae- luz gerando espécies altamente reativas, tais
des aegypti contaminam o ambiente: Uma como o oxigênio singleto.
das grandes preocupações deste projeto é

272 | A física a serviço da sociedade


10 I novação

A
o longo de décadas, os professores e pesquisadores do
IFSC têm feito questão de valorizar a pesquisa aplica-
da, desenvolvida em sinergia com os vários projetos de
pesquisa básica. O objetivo primordial é gerar conhecimento,
soluções e tecnologias que sejam passíveis de transferência para
a indústria e empresas, com isso servindo a sociedade. Como
resultado dessa filosofia e dos inúmeros projetos de inovação
desenvolvidos no IFSC, pode-se afirmar que nosso Instituto
contribui decisivamente para a criação de várias empresas de
alta tecnologia em São Carlos, transformando nosso município
num centro de inovação e tecnologia no Brasil.

273
Inovação

Os desafios da Inovação Tecnológica


07 outubro 2013

O que é capaz de tornar um país eco-


nomicamente atraente e de que ma-
neira esse objetivo pode ser alcançado?
to para que isso alcance um patamar ide-
al. Devíamos ter como inspiração os países
que estão dando certo nesse sentido e imitar
A inovação tecnológica e produção de suas iniciativas.
conhecimento são os caminhos mais cer- Ainda no Brasil, no que diz respeito
teiros, segundo a opinião do docente do à inovação, Jarbas elenca algumas críticas
IFSC, Jarbas Caiado de Castro Neto. e afirma que o país está na direção erra-
Professor titular do IFSC e sócio- da, uma vez que concentra sua geração de
-proprietário da empresa Opto Eletrônica, riquezas na extração de commodities para
Jarbas diz que: A inovação está diretamente exportação: Esse não é o caminho, pois é o
relacionada à formação de riqueza e afirma tipo de atividade que concentra renda em
que para o Brasil alcançar o patamar de vez de distribuí-la. Poucos são aqueles que
país desenvolvido, a distribuição de renda se beneficiam das explorações naturais fei-
não é a saída: Os países ricos não se preocu- tas por empresas como a Petrobras ou Vale
pam em distribuir riquezas, mas sim em ge- do Rio Doce e quando temos empresas que
rá-las; e nessa geração, a universidade tem buscam inovação muito mais pessoas são
papel fundamental, pois é responsável pelo beneficiadas, justifica.
estímulo à inovação que, por sua vez, traz a
riqueza objetivada. E acrescenta que a uni-
O caminho para a mudança
versidade não tem o papel direto de gerar Embora para Jarbas o país não este-
riquezas, mas de formar pessoas com essa ja no caminho correto, ele cita uma ação
preocupação em mente. pontual implantada pela própria admi-
Sobre países que seguem um mode- nistração pública, que já trouxe bons re-
lo exemplar de inovação, Jarbas cita os sultados. A FINEP tem dado bastante
Estados Unidos e justifica sua escolha de atenção ao aspecto inovador e esse é um
maneira muito específica: Nas universi- ponto positivo. Jarbas ressalva que o foco
dades americanas existem competições da FINEP é na inovação social, enquanto
que estimulam a criatividade dos alunos, deveria ser na tecnológica. Outra sugestão
enquanto no Brasil parece que é proibido para a atuação da FINEP é sobre avaliação
pensar diferente. Eu acho que está cada vez de projetos: Na FINEP, são burocratas que
mais inserido no espírito das universidades julgam os projetos enviados, o que acaba
incitar seus alunos a pensar diferente, mas por atrasar o processo de desenvolvimento
no Brasil ainda precisamos caminhar mui-

274 | A física a serviço da sociedade


Inovação

de um produto. Para Jarbas, a produção de Jarbas faz questão de novamente re-


patentes deveria ser valorizada no país, es- forçar o papel da universidade, não como a
pecialmente pelas financiadoras de proje- responsável pela inovação, mas sim como
tos, como FINEP, FAPESP e CNPq. incentivadora de pesquisadores e cientis-
O docente, no entanto, destaca que o tas para produzi-la: Não é função da uni-
governo brasileiro tem falado e se preocu- versidade gerar produtos, mas sim formar
pado mais com a inovação, algo que não pessoas criativas e criadoras; pessoas que
acontecia no passado. E, nesse contexto, ele abram empresas e que dentro delas criem
cita a Coreia do Sul como um dos exemplos novos produtos e tecnologias que, cedo ou
de país de mentalidade inovadora, que nos tarde, estarão à disposição da sociedade.
últimos anos tem ganhado destaque: A Co-
reia do Sul, um país pequeno, registrou quase
O papel da inovação para projeção
dez vezes mais patentes que o Brasil. As pu-
internacional
blicações científicas brasileiras correspondem Sobre a importância da inovação no
a 2,5% das mundiais, o que está de acordo Brasil para seu reconhecimento interna-
com a população do país. Já as patentes não cional, Jarbas faz uma comparação com o
acompanham esses números. Para que essa Japão: Os produtos fabricados no Japão são
situação seja revertida é preciso incentivo vendidos no mundo inteiro e isso é o que fez
aos pesquisadores, afirma. - e faz –o país ser conhecido mundialmente,
Segundo Jarbas, o número insigni- afirma.
ficante de registros de patentes no país Na opinião do docente, o Brasil não é
resulta de uma cultura na qual se incen- o país mais barato para se produzir merca-
tiva que alunos apenas publiquem artigos dorias no mundo. No entanto, para desen-
científicos: Esse é um parâmetro utilizado volver bons produtos, a inovação é essen-
para progressão na carreira, mas o registro cial: A empresa Havaianas é um caso muito
de patentes, não. As patentes deveriam es- interessante, pois é a marca mais conhecida
tar inseridas nesse parâmetro e aquelas que do Brasil, internacionalmente, não dei-
estão no mercado deveriam ter um valor, no xando de ser uma empresa inovadora. São
mínimo, dez vezes maior. produtos, como os da Havaianas, que pode-
Ainda nesse contexto, Jarbas diz que rão divulgar a ‘marca’ Brasil mundo afora,
uma das soluções para que a cultura do exemplifica. A Embraer é outro exemplo.
registro de patentes ganhe mais força é o Ela encontrou um nicho de mercado de
reconhecimento daqueles que já registra- aviação regional e hoje existem aviões no
ram patentes, e que posteriormente conse- mundo inteiro produzidos pela empresa.
guiram transformá-las em produtos. Não Segundo Jarbas, outro exemplo que
podemos nos esquecer de que com o registro contribui para projeção internacional do
de uma patente é possível produzir riqueza, Brasil é o Programa Ciência sem Frontei-
também. ras. Embora o programa já tenha recebido

A física a serviço da sociedade | 275


Inovação

diversas críticas, ele ressalta sua impor- Para essa mudança de cenário, várias
tância para a internacionalização do ações foram implantadas no IFSC e Jarbas
país. Não sei o custo exato do programa destaca a criação dos CEPIDs da FAPESP,
aos cofres públicos, mas acredito que ele dois dos quais estão sediados no IFSC: Os
terá um impacto de longo prazo nos bra- CEPIDs têm enfoque científico de divulgação
sileiros. Afinal, para ter uma ciência in- e inovação. Há vinte anos, o foco seria
ternacional é preciso ter uma experiência somente na publicação de artigos científicos,
internacional. afirma.
Ainda sobre o IFSC, Jarbas faz uma
A inovação no IFSC última consideração no que se refere à
Docente no Instituto há trinta e sete inovação tecnológica: embora afirme que
anos, Jarbas afirma que durante esse o IFSC tenha evoluído significativamente,
tempo acompanhou grandes evoluções ele diz que ainda há muito a ser feito. Mas
no IFSC: Duas ou três décadas atrás, o os passos estão sendo dados na direção
Instituto era fechado internacionalmente. correta, o que é um ponto positivo: O se-
No começo, a resposta que se preocupava gredo é não ter medo de dizer que inovação
em dar à sociedade com as pesquisas fei- é riqueza e incentivar as pessoas a buscarem
tas aqui era, somente, através da explica- isso. No Instituto, ainda que timidamente,
ção dos impactos sociais da ciência para o isso está sendo feito e em alguns anos estará
país, relembra: Agora, o cenário é diferente. consolidado, conclui.

276 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Projeto de pesquisadores do IFSC pode expandir


o tratamento de câncer de pele em todo o país
20 fevereiro 2010

U m projeto pioneiro desenvolvido por


pesquisadores do IFSC para o trata-
mento de câncer de pele vai beneficiar mais
facilmente tratadas, e o tratamento deixa
cicatrizes quase imperceptíveis. 
A terapia fotodinâmica já vinha sendo
de oito mil pessoas em apenas um ano. A utilizada há mais de dez anos no país. O tra-
distribuição do equipamento para mais de balho dos pesquisadores foi direcionado à
cem municípios do país, a partir de feverei- adequação do método à realidade do país,
ro, representa o desenvolvimento da ciên- que sofre com grande índice de casos de
cia com responsabilidade social. O projeto câncer de pele, de maior incidência no Bra-
recebeu investimento de R$3,2 milhões do sil. Com o aumento da expectativa de vida,
Banco Nacional de Desenvolvimento Eco- os números podem crescer ainda mais.
nômico e Social (BNDES) para a produção O projeto tem como objetivo ultra-
dos kits de tratamento, compra de medica- passar obstáculos econômicos, sociais e
mentos e treinamento de pessoal. logísticos do tratamento do câncer de pele,
O tratamento será gratuito, devendo levando a tecnologia a toda a sociedade,
ser eficaz contra o câncer de pele em es- com baixo custo e bons índices de eficácia.
tágio inicial. A distribuição dos centros A ideia já chamou atenção de autoridades
de tratamento terá como critério áreas de médicas internacionais de países como Ve-
maior incidência da enfermidade, segundo nezuela, Argentina e Paquistão.
o coordenador do projeto, Prof. Vanderlei Quarenta pesquisadores (entre técni-
Salvador Bagnato. Cada centro deverá cus- cos, estudantes e professores) e empresas de
tar no máximo R$ 7 mil. São Carlos trabalham no projeto, que con-
O tratamento baseia-se em terapia fo- ta com o apoio financeiro da FAPESP e é
todinâmica: uma pomada é aplicada no realizado no âmbito do Centro de Pesquisa
local da lesão para que uma luz especial, em Óptica e Fotônica (CePOF), com apoio
com comprimento de onda específico, ati- do Instituto Nacional de Óptica e Fotônica
ve uma substância chamada porfirina, que (INOF).
age matando as células cancerosas. Segun-
do Bagnato, mais de 70% das lesões são

A física a serviço da sociedade | 277


Inovação

Semáforo utiliza inovador sistema óptico


para amenizar problemas de trânsito
15 de Fevereiro de 2011

PESP que o gasto de energia desses novos


modelos de semáforos pode ser reduzido
em até 90%, em comparação com o gasto
dos semáforos convencionais: Um semá-
foro convencional utiliza lâmpadas incan-
descentes de 100W, que consomem 400W
em apenas um cruzamento de quatro vias,
enquanto os LEDs do sinalizador de trânsi-
to que projetamos consomem apenas 40W,
explicou.

A cidade de São Carlos está vivencian- Outra notável vantagem é a vida útil
do, desde o mês de janeiro, uma nova do emissor LED, que pode funcionar por
experiência na área de trânsito: um novo até cinquenta mil horas, enquanto as lâm-
modelo de semáforo construído a partir padas incandescentes funcionam por, no
de um conjunto de diodos emissores de luz máximo, quatro mil horas. Ainda segundo
(LEDs) de alta potência e com grande efi- Galli, depois de seis anos de funcionamen-
cácia óptica. to, o LED perderá apenas 25% da sua ca-
O equipamento, construído pela em- pacidade inicial.
presa DirectLight em parceria com o Cen- Outros países também utilizam o se-
tro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CE- máforo à base de LED, mas a vantagem do
POF) do IFSC, é forte candidato a resolver sistema brasileiro está no inovador sistema
problemas dos semáforos convencionais. óptico. O modelo brasileiro utiliza apenas
Estes incluem o chamado efeito fantasma sete diodos emissores de luz, enquanto os
(reflexo de raios solares,  dando a impres- antigos, desenvolvidos na década de 1960,
são de falso aceso das luzes), além de pa- utilizam uma centena de LEDs. Os diodos
nes devido à falta de energia e diminuir do novo semáforo são mais modernos,
o gasto de energia. Os novos semáforos mais confiáveis e têm maior potência,
podem, também, evitar a necessidade de além de consumirem menos energia.
descarte de lâmpadas incandescentes no Para conseguirem chegar a este nível,
meio ambiente. os pesquisadores empenharam-se nos úl-
O coordenador do projeto, Luís Fer- timos dois anos para desenvolver um con-
nando Bettio Galli, contou à Agência FA- junto de três tipos de lentes que, disposto

278 | A física a serviço da sociedade


Inovação

próximo aos LEDs, ocasiona melhor apro- de baterias, que deve funcionar por 40 mi-
veitamento e distribuição da luz emitida nutos, tempo suficiente para que guardas
pelos diodos, além de melhor direciona- de trânsito passem a controlar a situação.
mento. Isso reduz significativamente a Segundo Galli, já existem em outros países
quantidade necessária de LEDs e dispensa semáforos alimentados por energia solar e
refletores – o que elimina o efeito fantasma que funcionam mesmo com blecaute, mas
que tanto engana os motoristas. nenhum conseguiu integrar as três formas
Outra inovação é o sistema eletrônico de alimentação empregadas pelo equipa-
embarcado, que permite alimentar o se- mento brasileiro.
máforo tanto pela rede de energia conven- Os semáforos testados em três lu-
cional como por energia solar ou por um gares de São Carlos estão operando ini-
conjunto de baterias, em caso de emergên- cialmente apenas com energia elétrica. O
cia. A cada milissegundo, um sistema de equipamento está em fase de avaliação,
gerenciamento inteligente faz uma ava- mas os testes indicam um funcionamen-
liação e decide a melhor maneira de ali- to próximo do esperado. Mesmo nesta
mentar o semáforo, naquele momento. A fase, anterior à obtenção de certificados e
prioridade do equipamento é o trabalho distribuição para comércio, os semáforos
com energia solar, mas caso isso não seja já despertam interesse de prefeituras de
possível ele é programado para receber outros municípios: Os resultados dos tes-
energia elétrica. Se acontecer um blecaute, tes em campo estão sendo muito positivos,
ele começará a operar a partir do sistema completa Galli.

A física a serviço da sociedade | 279


Inovação

Físico da USP e Químico da UFSCar


desenvolvem reator fotoquímico com base
na tecnologia LED
03 de Março de 2011

O IFSC conta com enorme corpo de


pesquisadores em seus laboratórios.
Além dos docentes, alunos de pós-gradu-
Exatas pela USP, Possatto aproveitou seus
conhecimentos e interesses em Instru-
mentação Óptico-Eletrônica, em constru-
ação e graduandos engajados em Iniciação ção de equipamentos analíticos e desen-
Científica, um grande número de técnicos volvimento de software, para engrenar um
especializados é vinculado aos grupos de mestrado profissional pelo Programa de
pesquisa. Dentre as funções executadas Pós-Graduação em Química na UFSCar,
por esses técnicos estão o planejamento, com um projeto inovador.
coordenação e avaliação de experimen- Sob a orientação do Prof. Dr. Alzir
tos nos laboratórios, projeto, construção Azevedo Batista, do Departamento de
e manutenção de equipamentos, produ- Química da UFSCar, Possatto trabalhou
ção didático-científica e envolvimento durante três anos no desenvolvimento de
em trabalhos de ensino e extensão, além um reator fotoquímico que supera, em
de colaboração e assessoria em teses e re- larga escala, as características do reator
latórios de alunos da instituição. Como convencional, fabricado na Inglaterra e
profissionais especializados em constante comercializado sob o custo aproximado
formação, os técnicos se mantêm atua- de US$ 5.000,00.
lizados com o frequente contato com as Esse equipamento é empregado na
novas gerações de pesquisadores e com a Química para investigar reações fotoquí-
experiência dos seus coordenadores. Um micas e fotossíntese artificial, bem como
ambiente rico em informações e possibi- em terapia fotodinâmica no tratamento
lidades motiva profissionais de qualquer do câncer. Como não havia um modelo
área de trabalho, mas isso é especialmente de produção nacional, João Possatto e seu
evidente no meio acadêmico. orientador decidiram por produzir o equi-
Um exemplo de experiência profissio- pamento, já incorporando melhorias para
nal bem sucedida é o físico João Fernando torná-lo mais versátil e atender as deman-
Possatto, vinculado ao grupo de Biofísica das do mercado atual.
Molecular Sérgio Mascarenhas desde 2001. A maior inovação do novo reator é a
Graduado em Licenciatura em Ciências substituição das lâmpadas fluorescentes

280 | A física a serviço da sociedade


Inovação

por LEDs – Diodos Emissores de Luz -, comprovada, substituem lâmpadas incan-


uma nova tendência em tecnologia que descentes ou fluorescentes. O aparelho in-
aumenta consideravelmente a eficácia lu- glês que está no mercado é composto por
minosa do aparelho: As vantagens ofere- um conjunto de lâmpadas fluorescentes,
cidas pelos LEDs são inúmeras, incluindo que por conterem mercúrio podem con-
menor consumo de energia elétrica e maior taminar o meio ambiente no processo de
durabilidade, pois são até mil vezes mais descarte: Os LEDs são considerados uma
duráveis do que as lâmpadas fluorescentes. tecnologia limpa, reciclável e por isso mais
Geram menos calor e permitem selecionar seguros e compatíveis com o projeto Quími-
eletronicamente o pico de emissão luminosa ca Verde, que é uma tentativa de reduzir
ideal para a reação fotoquímica que se de- os contaminantes e trabalhar por uma quí-
seja irradiar, afirma Possatto. mica mais sustentável, explica o professor
O reator convencional exigia que o Alzir.
controle destes fatores fosse mecânico, João  Possatto defendeu sua disserta-
manual. Para variar a intensidade da luz ção no Mestrado Profissional do Depar-
era necessário reduzir ou aumentar o nú-
mero de lâmpadas no reator. O tempo de
funcionamento do aparelho também era
controlado por ação humana, ou seja, ao
fim da reação o equipamento precisava ser
desligado manualmente: Para uma reação
simples de duas ou três horas não há gran-
des transtornos, mas há reações que duram
doze horas ou mais, explica o Físico.
Os dois pesquisadores conceberam
um reator inteligente, controlado eletroni-
camente. Já que LEDs podem ter seu fun-
cionamento controlado, Possatto desen-
volveu um sistema embarcado no reator,
microcontrolado, com uma interface grá-
fica de fácil utilização para o usuário. Esse
sistema permite a programação eletrônica
da intensidade da emissão de luz, a seleção
da energia, o tempo de excitação luminosa
e monitoramento da temperatura.
Outra vantagem dessa tecnologia é Novo reator fotoquímico, desenvolvido
o menor impacto ao meio ambiente, na por Físico da USP e Químico da UFSCar,
apresenta design mais moderno e utiliza
medida em que os LEDs, cuja eficiência é
sistema eletrônico de regulagem.

A física a serviço da sociedade | 281


Inovação

tamento de Química da UFSCar, tendo Segundo Possatto, seu trabalho com


sido bastante elogiado pela banca exami- instrumentação no IFSC foi de grande valia
nadora. O projeto está agora em fase de no desenvolvimento do projeto, principal-
patenteamento e o próximo passo será a mente por ser desenvolvido em ambiente
fabricação e comercialização do reator altamente multidisciplinar: Ali temos espe-
fotoquímico. Os pesquisadores já foram cialistas em diversas áreas e a todo o momen-
procurados por interessados que pediam to estamos trocando informações e experiên-
por especificidades na fabricação do equi- cias, possibilitando assim reduzir o tempo de
pamento: Estaremos prontos para começar desenvolvimento de um projeto e as chances
a produção em cerca de seis meses e estamos de obtermos êxito são muito maiores, conta
iniciando a etapa de procura por parceiros ele: Para Alzir: é um ambiente que facilita o
para essa produção, conta Alzir. desenvolvimento de novos projetos.

282 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Ressonância magnética: saiba mais sobre a


técnica e o laboratório do IFSC
22 de Junho de 2011

O IFSC conta com espaços físicos que


abrigam laboratórios de reconheci-
mento nacional e internacional. Um deles
do câmbio e isso atrasou os planos. Final-
mente em 2005 a FAPESP transformou
nossa proposta de ‘Projeto Especial’ em um
é o Centro de Imagens e Espectroscopia in programa. A partir de 2007, esse projeto foi
vivo por Ressonância Magnética (CIER- concretizado, o que nos deu o título de Cen-
Mag), coordenado pelo docente Alberto tro de Pesquisa Principal do referido pro-
Tannús e classificado como um dos Cen- grama, conta.
tros Principais de Pesquisa do Programa A partir desse marco inicial, as aplica-
CInAPCe da FAPESP, desenvolvendo es- ções de Ressonância Magnética em Ima-
tudos em parceria com diversos órgãos gens e Espectroscopia no IFSC ganharam
governamentais e particulares. força: Tínhamos um sistema de ultrabaixo
Tudo começou a se concretizar em campo que funcionou durante algum tem-
1994, por iniciativa do professor Horácio po no IFSC, mas era uma infraestrutu-
Panepucci com espaço físico específico ra inadequada para atender pacientes. A
para o Laboratório. Até então, o gru- operação do sistema acontecia às quintas e
po já desenvolvia atividades de pesquisa sextas-feiras à tarde, mas teve mesmo um
em Imagens por RMN (isto desde 1982, caráter de utilização experimental em vo-
quando Tannús iniciou suas atividades de luntários e pacientes. Tínhamos um médico
Doutorado no IFSC). Após atuar como lotado aqui no IFSC, por meio da Secreta-
professor visitante da  University of Min- ria Estadual da Saúde, que trabalhou co-
nesota, no Center for Magnetic Ressonance nosco durante quatro anos, fazendo análise
Research, Tannús retornou ao Brasil para dos resultados, além de expedir laudos.
consolidar o Laboratório de Imagens: De Nessa época, a capacidade do siste-
meu retorno, em 1997, começamos a fazer ma ainda era muito limitada. Segundo o
mudanças físicas no Laboratório e estabele- professor, o laboratório usava apenas par-
cê-lo da forma como está, conta o docente. te das metodologias utilizadas em RMN:
Em 2000, a FAPESP lançou o progra- Estávamos limitados pelo que tínhamos
ma de Cooperação Interinstitucional de desenvolvido até aquele momento e não
Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAP- havia possibilidade de muita expansão nas
Ce), com vistas ao estudo da Plasticidade metodologias devido à necessidade de aten-
Cerebral: Foi na época da variação brusca dimento aos pacientes.

A física a serviço da sociedade | 283


Inovação

Para conciliar pesquisa e atendimento programas como esse, todos saem ganhan-
a pacientes, em 2000 o Grupo optou por do: as empresas, que têm oportunidade de
uma nova diretriz. Com o CInAPCe, di- realizar consultoria para desenvolvimen-
recionou a pesquisa para imagens e espec- to de um novo produto, contribuindo com
troscopia  in vivo em sistemas biológicos, apenas uma contrapartida proporcional ao
particularmente em modelos animais. Já o seu faturamento; as Instituições, que ga-
desenvolvimento tecnológico ficou a car- nham recursos, inclusive na forma de equi-
go do Centro de Ciência, Inovação e Tec- pamentos e consultoria; e a sociedade, com
nologia em Saúde de São Carlos (Citesc), o novo produto lançado.
esforço regional convertido em modelo Tal projeto se inclui na onda empreen-
nacional por recomendação do Ministé- dedora que tem crescido vertiginosamen-
rio da Ciência e Tecnologia (MCT), jun- te no Brasil. Como no exemplo citado, os
to ao Ministério da Saúde: Esse projeto pesquisadores não terão seu espaço físico
vem criando uma infraestrutura em São ou intelectual limitado aos muros das uni-
Carlos para atender à região e também versidades e laboratórios de pesquisa: Para
possui abrangência nacional. O Citesc é os estudantes do IFSC, é uma oportunidade
consequência das pesquisas tecnológicas de serem expostos a esse ambiente de inte-
desenvolvidas nos Institutos de Ciência e ração entre centros de desenvolvimento e
Tecnologia que possuem características de empresas, além de uma oportunidade de
extensão e inovação. Ele abriga diversos emprego, uma opção além da academia,
projetos, além de ter espaço físico e recur- afirma o docente: Esta é uma aposta para
sos, esclarece Tannús. tornar os cursos do IFSC mais atraentes
Outro órgão que tem apoiado pesqui- para bons estudantes e aumentar a com-
sas relacionadas à RMN é a FINEP, através petitividade, criando uma alternativa de
do Sistema Brasileiro de Tecnologia (Si- mercado de trabalho para os egressos destes
bratec), programa do MCT que compre- cursos, complementa.
ende três modalidades de redes: uma de
serviços, outra de extensão e a de centros
Mas, afinal, o que é a Ressonância
de inovação, esta última ligada diretamen-
Magnética?
te aos interesses do Grupo de RM do IFSC: Primeiramente, define-se o objeto de
Essas redes têm orientação para diversas te- estudo. No caso do Laboratório de RM do
máticas, entre elas a que nos concerne dire- IFSC, o núcleo do átomo seria esse obje-
tamente, que é a de Equipamentos, Insumos to: A energia usada não inclui as normal-
e Processos de Uso Médico, Odontológico e mente empregadas nas reações nucleares,
Hospitalar. O propósito é atender deman- mas aquela envolvida na interação entre o
das de empresas para desenvolver equipa- momento magnético do núcleo e um campo
mentos ou processos, dos quais as próprias magnético aplicado à região. Esse campo
empresas carecem, diz Tannús: Através de externo provoca um torque, que seria uma

284 | A física a serviço da sociedade


Inovação

ação de rotação. O fato de ele girar em res- Projeções futuras e


posta a essa tentativa de torque, numa di- parcerias presentes
reção que não aquela imposta pelo torque,
cria esse movimento ‘fora do comum’. A Desde que o Laboratório de RM do
velocidade de rotação do núcleo do átomo é IFSC foi reconhecido como Centro de
proporcional ao torque externo nele aplica- Pesquisa Principal, muitos colaboradores
do pelo campo magnético. Quanto maior o se juntaram ao Grupo. Entre os parceiros
campo magnético, maior o torque e a velo- figuram o Laboratório de Neurofisiolo-
cidade com que ele gira, explica o docente. gia da Universidade Federal de São Pau-
No laboratório do IFSC, a frequên- lo (Unifesp), a Faculdade de Medicina
cia dos equipamentos é de 85MHz: É de Ribeirão Preto, a Faculdade de Filo-
radiação eletromagnética na faixa de rádio sofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
frequência. Para interagir com esse núcleos (FFCLRP), a Faculdade de Medicina da
é preciso produzir campos magnéticos que USP, campus de São Paulo, o Instituto de
oscilem nesta faixa de rádio frequência. Física Gleb Wataghin, da Unicamp, o Ins-
Nos seres humanos, os núcleos obser- tituto de Radiologia (INRAD), em São
vados na RM são os de hidrogênio (H), por Paulo, e o Hospital Albert Einstein, através
dois motivos: o núcleo do H emite sinal do Instituto do Cérebro: Pretendemos ex-
bem superior ao de outros núcleos magné- pandir nossos estudos, assim como colocá-
ticos, além de se encontrar em abundância -los em prática, sempre preservando a te-
no corpo humano. Comparativamente às mática da plasticidade do cérebro, explica:
técnicas de diagnóstico por imagem, mais O fato de sermos CInAPCe nos permitirá
conhecidas como tomografia computa- no futuro utilizar a estrutura do Citesc. Por
dorizada de Raios X e ultrassom, a RM sermos Citesc, podemos fazer o desenvolvi-
apresenta melhor resolução espacial, além mento tecnológico; por participarmos dessa
de não utilizar radiação ionizante. Outro rede, existe o incentivo ao desenvolvimento
benefício, de acordo com o docente, é que da instrumentação, que é o que alcançará a
a RM não necessita de meios de contraste, população diretamente e lhe trará inúmeros
embora os utilize: Utiliza-se para acelerar benefícios, finaliza.
o resultado do diagnóstico, mas esse con-
traste não é absolutamente necessário. Por
outro lado, as outras técnicas obrigam a
utilização dos meios de contraste como uma
tentativa para diferenciar tecidos moles.

A física a serviço da sociedade | 285


Inovação

Docente do IFSC comenta pesquisa que


desenvolve em parceria com Petrobrás
19 de Julho de 2011

O desconhecido mundo subterrâneo


sai dos roteiros de ficção científica
para ocupar espaço cada vez mais im-
A motivação para o projeto é o uso de
reservatórios de petróleo vazios para ar-
mazenamento do gás carbônico: O CO2 já
portante na vida real. Exemplo disso é é utilizado na forma liquefeita em processos
a pesquisa da docente do IFSC, Nelma de retirada de petróleo das camadas
Regina Segnini Bossolan, que numa par- profundas. Com a injeção de CO2 o óleo
ceria com a Petrobras desde 2007, tem fica menos viscoso. Depois, injeta-se água e
feito a caracterização de comunidades com isso arrasta-se com mais facilidade es-
microbianas que vivem em plataformas ses ‘restos’ do petróleo que ficam retidos nos
aquáticas de petróleo - e próximas a elas: reservatórios, explica Nelma.
Conhecer essas comunidades é importan- Companhias de petróleo pretendem
te, pois elas vivem num ambiente pouco utilizar reservatórios de petróleo esgota-
acessível, com uma profundidade estima- dos para armazenamento de CO2, solu-
da entre 1.000 e 2.000 metros, explica a cionando dois problemas de uma só vez:
pesquisadora. recuperação do petróleo retido nos reser-
De acordo com Nelma, o principal ob- vatórios e redução na emissão de um dos
jetivo é descobrir o comportamento de tal maiores inimigos da camada de ozônio,
comunidade e como esta pode influenciar grande responsável pelo aquecimento glo-
o meio, inclusive na formação do valioso bal: Por ser uma tecnologia já utilizada,
combustível: Os organismos que vivem nas pensou-se em usar esses reservatórios para
plataformas são quase sempre bactérias e o armazenamento de CO2. Em vez de ser
podem ter influência na qualidade do pe- lançado na atmosfera, estoca-se nos reser-
tróleo que está sendo formado, conta. vatórios. Por contribuírem com a emissão
Dividido em duas fases, o projeto com do CO2, as empresas de petróleo têm inves-
a Petrobrás teve sua primeira etapa finali- tido nessas pesquisas para reduzir esse im-
zada em 2010: Eu já tinha um contato com pacto ambiental, esclarece.
o Centro de Pesquisas da Petrobrás desde Para essa nova experiência, reserva-
meu doutorado e em 2007 fui convidada tórios terrestres têm servido para testes.
pela bióloga, Dra. Antonia G. Torres Vol- No Brasil, um reservatório explorado pela
pon, do Centro de Pesquisas da Petrobras, Petrobras na região nordeste é o princi-
para desenvolver uma parceria de estudos, pal candidato, por já estar quase esgota-
conta Nelma. do. Cabe à pesquisadora fazer o controle

286 | A física a serviço da sociedade


Inovação

e estudo da comunidade de bactérias que verificará se as primeiras bactérias anali-


vive nesse reservatório: Se há escape de sadas permanecem ou não na nova amos-
CO2 desses reservatórios, toda comunidade tra: As bactérias que neste momento estão
microbiana do solo e outros organismos po- nos reservatórios são as mesmas que anali-
dem sofrer alterações. É preciso pensar em samos no passado? Esse exame será focado
todas essas etapas. em tópicos, como eventual alteração na di-
Nelma também será responsável por versidade, conta.
analisar essas comunidades, detalhada- Nesse ambiente inóspito e único, as
mente: O ambiente no qual essas bactérias bactérias competem entre si para sobrevi-
vivem é peculiar, pois é superaquecido, com ver. No entanto, as mais fortes podem cau-
alta salinidade e sem oxigênio. Para viver sar problemas no meio, como degradação
ali, o organismo precisa possuir condições do petróleo e até mesmo corrosão das pla-
muito especiais, diz. A docente compara taformas. Por isso, esse estudo prévio po-
a peculiaridade dessas bactérias à diver- derá servir para determinar se a injeção de
sidade na Amazônia, no seguinte senti- CO2 deve continuar: Isso leva tempo, pois
do: da mesma forma que se desconhece o os reservatórios são muito extensos e os efei-
potencial de muitos tipos de organismos tos não são imediatos, especialmente no que
e plantas que vivem na floresta, bacté- toca ao meio ambiente. Chamamos isso de
rias de reservatórios de petróleo podem ‘estudo de impacto’. Já temos conhecimento
ter utilidades ainda não imaginadas: Não do tipo de bactéria que vive lá. Nessa segun-
conseguimos pensar neste momento em da etapa do projeto acompanharemos como
aplicações para cura de doenças, mas não fica a diversidade, depois da injeção do CO2
se pode descartar o uso dessas bactérias ou no reservatório.
produtos gerados por elas em processos in-
dustriais e até mesmo para recuperação do
Perspectivas e benefícios no curto,
ambiente, afirma.
médio e longo prazos
No Laboratório de Biofísica Molecular Mesmo sem ter obtido muitos da-
Sérgio Mascarenhas, do IFSC, Nelma cul- dos, a docente acredita que os impactos
tiva bactérias em ambientes simulados, que tais bactérias podem vir a sofrer não
com as mesmas características do habitat são grandes, que impeça o uso da nova
original: Fizemos o cultivo das bactérias tecnologia de armazenamento do CO2: É
em meio de cultura líquido, num ambiente importante saber se esse armazenamento
com maior quantidade de CO2 que o ori- pode vir a prejudicar o meio ambiente e as
ginal e vimos que não houve alteração na comunidades que vivem nesse meio. Se a
diversidade: as bactérias conseguiram so- porcentagem de CO2 não for drasticamente
breviver. alterada, as comunidades microbianas não
Na próxima fase do projeto, com pes- serão prejudicadas, afirma a docente.
quisas teóricas e em campo, a docente

A física a serviço da sociedade | 287


Inovação

No caso do pré-sal, Nelma explica que


em princípio não existe nenhuma relação
direta de aplicação do sequestro de CO2,
mas é de interesse da indústria de petró-
leo também caracterizar as comunidades
microbianas que vivem nessas camadas: O
problema de corrosão das tubulações é sério
e o estudo das bactérias pode prevenir isso,
conta a docente.
Além da Petrobras e de graduandos e
Amostra de bactérias coletada
pós-graduandos que trabalham no Labo-
ratório de Biofísica, na primeira fase do
Os benefícios ao meio ambiente e à
projeto Nelma contou com a colaboração
sociedade são vários. Primeiramente, a
da docente Maria Bernadete Varesche da
quantidade de CO2 despejada será muito
Silva, do Laboratório de Processos Ana-
menor, o que contribuirá com a qualidade
eróbios, da Escola de Engenharia de São
do ar e diminuirá o aquecimento global.
Carlos (EESC).
Nas plataformas, através da limpeza mais
Sobre um destaque em sua pesquisa,
petróleo poderá ser aproveitado. No que
Nelma elege a caracterização das bacté-
se refere à pesquisa de Nelma, o conheci-
rias feita até o momento: Os dados a que
mento sobre a comunidade microbiana é
chegamos são consistentes com os pré-exis-
de grande importância: Depois de concluir
tentes na literatura, conta: Conseguimos
alguns tópicos do estudo que me cabem,
também padronizar uma metodologia de
deixo dados disponíveis para a comunida-
análise molecular, algo que não foi sim-
de industrial, que poderá utilizar-se dessas
ples. Além disso, ela destaca a relação da
informações para o desenvolvimento de
pesquisa básica com o conhecido proble-
produtos, explica: Isso é uma contribuição
ma da indústria petroleira: poluição do
para a pesquisa básica e aplicada. Se a téc-
meio ambiente.
nica para armazenamento de CO2 for vis-
ta como algo possível, isso será importante
para a indústria brasileira.

288 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Novo sensor traz técnica menos invasiva


para medir a pressão do crânio
30 de Agosto de 2011

O professor do IFSC Sérgio Masca-


renhas apresentou na 26ª Reunião
Anual da Federação de Sociedades de
tuto Nacional de Metrologia, Normaliza-
ção e Qualidade Industrial (Inmetro) e da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Biologia Experimental (Fesbe) um equi- (Anvisa). Já em relação ao preço, o pesqui-
pamento que mede a pressão dentro do sador calcula que o equipamento custe em
crânio sem a necessidade de perfurá-lo. torno de R$350,00, muito abaixo daquele
Para comercialização, Marcarenhas aguar- praticado para os equipamentos importa-
da primeiramente a autorização do Insti- dos, orçados entre R$2,5mil e R$5mil.

A física a serviço da sociedade | 289


Inovação

Segurança: Arma do futuro reconhecerá seu dono


16 de Setembro de 2011

P ensando no aumento da segurança,


estudante criou um projeto para uma
nova arma de fogo que só poderá ser ativa-
experimento, ganhou o menor chip que a
empresa revendia (9mm por 1,2mm) e rea-
lizou o implante com a ajuda de uma médi-
da por seu proprietário. A principal novida- ca: O chip vem dentro de um vidro revestido
de, no entanto, consiste em como isso será por um material chamado ‘parylene C’, não
feito. Pesquisadores que assumem o papel rejeitado pelo organismo de animais e hu-
de cobaias para validar experiências não manos. O local do implante foi escolhido, já
são novidade no mundo científico. Basta se pensando em sua viabilidade para ativar
lembrar do médico britânico Edward Jen- a arma eletrônica, conta Gazziro.
ner, que se contaminou com varíola para A ideia é relativamente simples e con-
testar a eficácia da vacina que produziu. siste no seguinte: o chip implantado co-
O pós-doutorando do Centro de necta-se eletronicamente com uma bobina
Imagens e Espectroscopia in vivo por Res- montada no interior da arma. O chip será
sonância Magnética (CIERMag) do IFSC e a única ferramenta capaz de destravar tal
docente do ICMC, Mário Gazziro, também bobina, possibilitando o disparo imediato.
incorporou o papel de pesquisador e de pes- Ou seja, só o portador do chip será capaz
quisado. Seu intuito é legitimar uma expe- de destravá-la.
riência que, se bem-sucedida, poderá dimi- Ainda de acordo com o pós-doutoran-
nuir os números da violência no Brasil e no do, nos Estados Unidos o acesso a essa tec-
mundo. Em agosto do ano passado, Mário nologia não só já existe, como é liberado pela
implantou um pequeno chip em sua mão Food and Drug Administration (FDA) desde
esquerda, com a ideia de criar uma maneira 2004: Lá, a inserção do chip é feita entre o
eficiente e segura para usar uma arma de polegar e o indicador, onde há menos ter-
fogo: A inspiração veio do filme de ficção minações nervosas. Em nosso caso, esse lo-
científica, ‘Distrito 9’, onde alienígenas inva- cal para o implante não é válido pois o chip
diam a Terra e suas armas de combate não ficaria muito distante da bobina da arma,
funcionavam nas mãos dos humanos. A tra- não possibilitando seu destrave, explica: No
ma central do filme era descobrir uma ma- laboratório, projetamos uma bobina e depois
neira de poder utilizar essas armas, conta. disso definimos a melhor localização para o
O projeto para criar a chamada arma chip ser inserido no corpo.
eletrônica tomou forma quando Mário pas-
sou a trabalhar em uma empresa de con-
sultoria que fabricava chips para animais
silvestres. Já decidido a se tornar o próprio

290 | A física a serviço da sociedade


Inovação

que a arma eletrônica só será capaz de efe-


tuar o disparo pelas mãos do dono legítimo.
Quanto à eficácia, depois de identifi-
car o chip leva-se em média cinco milio-
nésimos de segundo para que todo circui-
to seja acionado e a arma seja destravada:
Como todo circuito eletrônico, ela deverá
ser carregada para funcionar. Já estudamos
montar um circuito que tenha capacidade
para manter o funcionamento da arma por,
no mínimo, uma semana, sem recarregá-la,
elucida.
Ele conta que outras questões também
são estudadas para aprimorar a segurança
do novo equipamento: O intuito final do
projeto é uma arma que no momento do
disparo já registre local, horário e autor do
disparo, inclusive com orientação do tiro, in-
O chip foi implantado de forma subcutânea, formação que poderá ser fornecida se a arma
logo acima do músculo abdutor, do dedo possuir um giroscópio, conta.
mínimo. Parte das etapas do projeto já foi con-
cluída com sucesso: implante do chip,
Além do chip, Mário e outros colabora- construção de um receptor de rádio frequ-
dores, entre eles o especialista em eletrônica ência tradicional e projeto de uma bobina
do IFSC, Lírio Onofre B. de Almeida, pro- compatível ao projeto: Nossa primeira dú-
jetaram uma arma de brinquedo do mes- vida era se teríamos alguma bobina capaz
mo modelo de uma pistola Colt. No interior de fazer a leitura do chip na mão, mesmo
dessa arma existe espaço para inserir uma próximo da arma. Conseguimos passar essa
bobina e um micro solenoide, peças funda- etapa. Depois, conseguir um micro solenoide
mentais para destravá-la eletronicamente. que coubesse na arma: vencemos essa etapa,
Embora possa em princípio chocar e também.
causar polêmica, o projeto visa a propósitos Pelos benefícios técnicos e sobretudo
totalmente benéficos: Acidentes com armas sociais da proposta, interessados já come-
de fogo e suicídios são a segunda causa de çaram a manifestar-se. No exterior, uma
morte entre crianças e adolescentes. Só per- publicação com detalhes do projeto foi di-
dem para traumatismos gerados por aciden- vulgada no European Conference of Control.
tes domésticos e veiculares, conta Mário, que No Brasil, investigadores da Polícia Civil
complementa a informação, garantindo de Minas Gerais já convidaram Mário para

A física a serviço da sociedade | 291


Inovação

testes mais concretos: No final do ano preten- armas eletrônicas, Mário conta que uma
do ir a Belo Horizonte para fazer testes com a etapa pode levar algum tempo para ser ul-
parte mecânica da arma, já que a eletrônica, trapassada: A última fase envolverá a esfera
relacionada ao chip, funciona perfeitamente. política, para aprovação de um projeto de lei
Em relação à definitiva concretização que autorize o uso desse tipo de arma, levan-
do projeto, ou seja, a comercialização das do-se em conta todas as suas consequências.

Arma de brinquedo simula modelo de pistola Colt. No interior, os locais para serem inseridas
a bobina (em bronze) e a micro solenoide (logo acima, em prata e amarelo).

292 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Novo material possibilita emissão de luz que


não prejudica a visão
04 de Outubro de 2011

U ma pesquisa que teve início em 2004


no IFSC recebeu neste ano de 2011 o
seu registro de patente no European Patent
autor do projeto financiado pela CAPES.
A luz branca já foi largamente investigada
no mundo acadêmico, mas o interessante
Office (ou Escritório Europeu de Patentes), desta pesquisa é que o novo material emite
na França, pelo desenvolvimento de um num comprimento de onda na região do
nanomaterial que minimiza incômodo à vermelho, ao contrário dos materiais já
visão sob luz. Todos sabemos quão incô- desenvolvidos, que emitem no azul: Esse
modo - e por vezes doloroso - pode ser o tipo de luz é chamado de luz fria, que é
contato com uma fonte de luz, seja do sol, aquela luz do farol do carro, por exemplo,
faróis de veículos ou de lâmpada comum. que é branca, emitida por LEDs e incomo-
Isso acontece porque a retina dos olhos da um pouco os olhos, explica Hernandes.
é formada por células extremamente fo- O material desenvolvido emite luz branca
tossensíveis, que podem ser prejudicadas quente, que não incomoda a visão. Na ver-
pela incidência da luz ultravioleta. A defe- dade, o material é um pó, à maneira dos
sa mais comum contra este problema era que já são usados em lâmpadas comuns
controlar a intensidade de luzes artificiais que se alimentam de descarga elétrica. O
com lentes escuras, o que nem sempre se material deve ser depositado na lâmpada,
mostra eficiente, já que neste caso a pupi- sendo excitado através de LEDs ultravio-
la se mantém dilatada e mais vulnerável à leta para transformar essa emissão em luz
atuação da luz UV (ultravioleta). branca: O princípio é muito simples; o desa-
Uma pesquisa em parceria entre Bra- fio era desenvolver um material que apre-
sil e França por sete anos conseguiu pro- sentasse uma taxa de conversão eficiente, e
duzir um material que, associado a fontes conseguimos elevar esta taxa a 90%, escla-
emissoras de luz, pode inibir a emissão rece o pesquisador, que também é diretor
dos raios que incomodam e prejudicam a do IFSC. Segundo ele, a função desta pes-
visão. Produziu-se um nanomaterial que quisa era desvendar cada etapa da conver-
possibilita converter luz UV em luz visí- são, procurando os erros que diminuíam
vel: Essa conversão acontece numa faixa a capacidade de conversão do material,
de comprimento de onda que cobre todo o corrigindo-os um a um.
visível - essa é a chamada luz branca, ex- Nos sete anos do projeto, todos os me-
plica o Prof. Antonio Carlos Hernandes, canismos de processamento deste tipo de

A física a serviço da sociedade | 293


Inovação

luz foram investigados para obter um ma- os doutorandos passaram um período no


terial realmente diferenciado. A conversão exterior, tendo contado com pesquisado-
da luz UV em luz branca é extremamente res estrangeiros na sua banca de defesa de
eficiente. Todo o processo tecnológico é tese. Ambos foram os primeiros estudan-
agora conhecido e dominado. Em janeiro tes do IFSC a defenderem teses em cotu-
de 2004, o projeto foi idealizado no Grupo tela, marco importante para o Instituto:
de Pesquisa Crescimento de Cristais e Ma- Do ponto de vista da formação de recursos
teriais Cerâmicos do IFSC. A partir daí, humanos, este projeto foi proveitoso, pois
o doutorando em Física Aplicada, Lau- além destes alunos em cotutela ainda te-
ro Maia, hoje professor da Universidade mos a formação complementar dos pós-
Federal de Goiás, iniciou os trabalhos de -doutorandos que participaram da pesqui-
pesquisa, que concluiu em 2006 na defesa sa, conta o pesquisador.
de sua tese. No ano seguinte, a doutoran- O projeto continua sendo desenvol-
da Cristiane Nascimento, que alguns anos vido entre as três instituições: o IFSC, o
mais tarde trabalharia na Université Ca- Institut Néel (CRNS) e a Université Joseph
tholique de Louvain (Bélgica), engajou-se Fourier (Grenoble, França). O próximo
na pesquisa, defendendo sua tese em 2008. passo seria apenas firmar uma parceria
Nas duas defesas de tese, os pesqui- comercial para o desenvolvimento do ma-
sadores receberam duplo diploma, ou terial, o que está previsto para acontecer
seja, foram pós-graduados pela USP e em breve, visto que uma empresa interna-
pela Instituição Francesa parceira. A tese cional já manifestou interesse em produzir
em co-tutela se dá no âmbito do progra- a nova tecnologia. Em 2010, o IFSC regis-
ma Cofecub da CAPES, cujo objetivo é trou o número de nove patentes nacionais:
justamente estreitar as relações de ins- Isso é uma satisfação muito grande, pois é
tituições de ensino superior do Brasil e recompensado o trabalho de pessoas que se
da França. No caso, o projeto havia sido dedicaram durante anos a uma pesquisa,
enviado à CAPES pelo Prof. Hernandes, tentando concretizar um projeto e trans-
com o objetivo de investigar luminescên- formá-lo em um produto útil no mercado,
cia em nanomateriais. Com este intuito, finaliza Hernandes.

294 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Tratamento para micose de unha através de


terapia fotodinâmica
18 de Janeiro de 2012

P esquisadores do IFSC utilizam a técnica


de inativação de micro-organismos por
terapia fotodinâmica para combater fungos
tato com o solo até a utilização de alicates ou
lixas contaminadas. Algumas pessoas aca-
bam por sofrer deste mal por muitos anos,
causadores da onicomicose – a temida mi- sem sucesso em tratamentos, sentindo dor e
cose de unha. A expectativa é produzir um sofrendo de outras infecções bacterianas que
aparelho prático e disponibilizar a técnica podem se alojar no local. Isso ocorre porque
de maneira acessível a toda população. os tratamentos convencionais são mais pa-
A terapia fotodinâmica, técnica base- liativos do que uma solução definitiva, com
ada na utilização de luz para ativação de altas taxas de falha e recorrência.
compostos medicamentosos, tem uso cres- O Grupo de Óptica do IFSC, por ini-
cente no tratamento de enfermidades, prin- ciativa do Prof. Vanderlei Bagnato, tem
cipalmente na área da dermatologia. De trabalhado há alguns anos com a técnica
fato, um aparelho para diagnóstico e trata- de inativação fotodinâmica de micro-
mento de câncer de pele desenvolvido no -organismos causadores de doenças. Esse
IFSC está sendo distribuído pelo Sistema trabalho foi estendido para a inativação
Único de Saúde (SUS). Além de dispensar de fungos e bactérias, com geração de
a intervenção cirúrgica, diminuindo riscos um protótipo. Uma colaboração teve iní-
e garantindo melhor resultado estético, a cio com Ana Paula da Silva, uma farma-
promessa é de que a técnica apresente re- cêutica que já trabalhava com a técnica,
sultados significativos em até dez dias, des- mais especificamente com medicamentos
truindo de maneira seletiva células cance- fotossensibilizadores em shampoos para
rosas e pré-cancerosas. o tratamento da caspa. Foi firmada uma
O tratamento tem aplicações que vão parceria com a Faculdade Anhembi Mo-
além de tecidos e combate a tumores. Uma rumbi, em São Paulo, através do professor
equipe do IFSC aplica a técnica para comba- Armando Bega do Curso de Podologia, o
ter fungos e bactérias – a chamada inativação que avançou a pesquisa devido à infraes-
fotodinâmica -, em pacientes com estágios trutura na faculdade paulistana. A mes-
avançados de onicomicose, mais conhecida tranda Ana Paula está atualmente tratan-
como micose de unha. Esta é uma infecção do quarenta pacientes em São Paulo.
recorrente causada por fungos que podem Para o diagnóstico da onicomicose, a
ser adquiridos de várias formas, desde o con- mestranda Ana Paula usa um equipamento

A física a serviço da sociedade | 295


Inovação

de fluorescência disponível no mercado para próxima etapa desta pesquisa, após a finali-
diagnóstico de cáries e placas bacterianas. O zação do tratamento dos pacientes em São
equipamento permite localização mais exata Paulo, a equipe pretende montar uma in-
dos fungos causadores da infecção através fraestrutura em Ribeirão Preto. Isso porque
da fluorescência característica do próprio uma empresa especializada na área médica
micro-organismo. Dois protótipos vêm sen- e odontológica, sediada em Ribeirão Pre-
do usados para tratar a unha, com irradiação to, manifestou interesse em transformar o
em dois comprimentos de onda para ativar protótipo em equipamento, produzindo-o.
diferentes substâncias nos medicamentos, Assim, haveria uma colaboração com uma
que absorvem em comprimentos diferentes: podóloga para o tratamento de um grupo
São compostos fotossensíveis bem diferentes, de pacientes, do qual sairiam resultados a
comenta Natalia Mayumi Inada, especia- serem enviados à Agência Nacional de Vigi-
lista em laboratório do Grupo de Óptica e lância Sanitária para a aprovação do equipa-
orientadora do projeto: O intuito é comparar mento e desenvolvimento do produto final.
a eficácia de cada composto e para isso uti- Outra parceira em potencial é uma
lizamos uma fonte de luz específica: uma na indústria de cosméticos localizada em São
região do vermelho e outra na região do azul, Paulo, que pretende tratar mais um gru-
completa. Assim, o equipamento, liberando po de pacientes na capital e desenvolver o
a luz em um comprimento de onda específi- equipamento de maneira comercial: Para
co, tem a função de ativar o composto fotos- nós, essa parceria com indústrias é impor-
sensível que, já em contato com a unha da- tante para tornar a técnica acessível na co-
nificada, gera espécies reativas de oxigênio munidade, porque sabemos que o projeto de
que são prejudiciais aos micro-organismos: pesquisa vai chegar ao fim, ao contrário do
Estas espécies reativas de oxigênio são tóxicas número de pacientes sofrendo desta doença.
para o fungo ou para a bactéria e acabam por Estamos trabalhando para que a técnica seja
eliminá-los, esclarece Natalia. A medicação difundida, sobretudo de maneira economi-
fica em contato direto com a lesão durante camente acessível, comenta Natalia.
apenas uma hora, iluminada por vinte mi-
nutos. Com a rapidez da ação, Ana Paula
conta que consegue tratar de dez a quinze
pacientes por dia.
Tanto o protótipo do equipamento
quanto a técnica da inativação fotodinâmica
já estão patenteados. As medicações usadas
são comerciais, já aprovadas para estudos
clínicos experimentais – uma de origem
russa e outra nacional, sintetizada por uma
indústria farmacêutica de Ribeirão Preto. Na

296 | A física a serviço da sociedade


Inovação

pacientes podem ser submetidos a tantas


sessões quantas forem necessárias: Nossa
única recomendação é que haja um inter-
valo de uma semana entre duas aplicações,
observa Natalia.
O tratamento está sendo oferecido
gratuitamente, de forma experimental
nesta etapa da pesquisa. Segundo as pes-
Protótipo em funcionamento: a luz ativa quisadoras, a maioria dos pacientes já se
substâncias específicas da medicação apli- mostra muito desacreditada com os tra-
cada na unha doente, gerando uma reação tamentos convencionais e não vê mais
química que libera espécies de oxigênio que solução para seus casos, mas esta terapia
são prejuciais aos fungos causadores da tem mudado suas perspectivas de saúde e
onicomicose. bem-estar, até porque basta não faltar às
sessões, conta Natalia.
O tratamento da onicomicose por O interessante deste projeto de pes-
terapia fotodinâmica já existe, mas cus- quisa é que, além da aplicação prática
ta muito caro e poucos conseguem usu- do tratamento, Ana Paula desenvol-
fruir das vantagens da técnica. Por isso, ve uma cultura dos micro-organismos
atualmente o tratamento da onicomicose em laboratório – o chamado processo
se dá de duas formas: via oral ou tratamen- in vitro, maneira pela qual se investi-
to tópico. Em ambos os casos, a resposta gam processos biológicos fora de siste-
não é tão eficaz, razão pela qual a maioria mas vivos. Ana Paula cultiva, em placas,
dos pacientes tratados por Ana Paula sofre uma grande parte da linhagem dos fun-
desse mal há anos: Além disso, quem toma gos causadores da onicomicose e apli-
medicamento tem efeitos colaterais e a tera- ca a terapia fotodinâmica para avaliar
pia que utilizamos tem aplicação local e se sua reação:  É a associação da pesquisa
utiliza de medicação tópica, o que também básica - que é a parte laboratorial - com
contribui para impedir que os micro-orga- a pesquisa aplicada - que é a parte clínica
nismos criem resistência, explica Ana Pau- em si -, envolvendo pacientes. Isto desperta
la: Já foi provado que alguns micro-organis- interesse da comunidade, desde pacientes
mos específicos desenvolveram resistência em potencial até outras universidades
a alguns medicamentos, completa Natalia. e empresas que pretendem colaborar e
No caso da inativação fotodinâmica, os difundir a técnica, finaliza Natalia.

A física a serviço da sociedade | 297


Inovação

Odontologia: os LEDs e a saúde bucal


08 de Fevereiro de 2012

O s diodos emissores de luz, conhe-


cidos como LEDs, são hoje am-
plamente difundidos, mas esta não era
a realidade quando a atual docente da
Universidade Estadual Paulista (Unesp),
Alessandra Nara de Souza Rastelli, iniciou
seu Mestrado em 2000. Ela usou LEDs nas
restaurações dentárias, em parceria com
o Grupo de Óptica do IFSC: Quando ini-
ciei minha pós-graduação em Dentística
na Unesp (Faculdade de Odontologia de Equipamento com LED azul desenvolvido
Araraquara), a faculdade já tinha convê- pelo Laboratório de Apoio Tecnológico
nio com o IFSC. Naquela época, eu nunca (LAT) do Grupo de Óptica (IFSC/USP) para
aplicação em descontaminação bucal pela
imaginava que desenvolveria alguma coisa
Terapia Fotodinâmica.
relacionada à Física, relembra Alessandra.
A proposta inicial tinha como tema
A fotoativação em materiais restaura-
fotoativação de materiais restauradores.
dores serve para enrijecer o material colo-
Paralelamente, o Grupo de Óptica tinha
cado num dente: Esse material tem um ‘foto
acabado de desenvolver um sistema para
iniciador’ em sua composição, que é sensível
fotoativação de materiais por LED: Eu
a um determinado tipo de luz. Em contato
cumpria as disciplinas de pós-graduação
com a luz, o material restaurador endurece e
na Unesp, mas as pesquisas eram desenvol-
adquire propriedades mecânicas adequadas,
vidas aqui no IFSC. Minha dissertação de
as quais terão uma vida útil de cinco a seis
Mestrado foi o primeiro trabalho apresen-
anos na cavidade oral, explica a docente. O
tado na Unesp que utilizou o sistema LED
referido material é feito à base de políme-
para fotoativação e por isso acabou sendo
ros utilizados em odontologia. Hoje, são as
inovador para aquela época, conta: Gostei
populares resinas compostas as mais utili-
muito dessa interação entre áreas da saúde
zadas para restaurações e suas proprieda-
e ciências básicas e cada dia que passa mais
des ópticas assemelham-se às propriedades
me convenço da importância dessa interdis-
das estruturas dentárias: Essa técnica não
ciplinaridade.
tem restrição ou contraindicação. No en-
tanto, esse material não é tão resistente em

298 | A física a serviço da sociedade


Inovação

restaurações muito grandes, conta. Além da grande e os sistemas de LED são aperfeiçoa-
vantagem estética que esse material oferece, dos continuamente, afirma Alessandra. O
a melhor adesão às estruturas dentais tam- trabalho da docente visa não só à cura,
bém é um diferencial: Ele une-se microme- mas também à prevenção. Atualmente
canicamente às estruturas do dente, o que trabalha com terapia fotodinâmica para
não acontecia com o amálgama dental, uma redução antimicrobiana: A ideia é que a
vez que se tratava de um material metálico. terapia fotodinâmica tenha outras aplica-
Dessa forma, é possível preparar uma ca- ções na odontologia, quem sabe de uma
vidade em tamanho menor, ou seja, não é forma mais preventiva de doenças bucais.
preciso deixar um grande curativo odonto- A parceria entre Alessandra e o IFSC
lógico em nossos dentes, como antigamen- vem sendo ampliada, pois além do Grupo
te: Com o amálgama, tínhamos que fazer de Óptica, hoje ela também colabora com
um preparo com características específicas o Grupo de Crescimento de Cristais e Ma-
para que ele ficasse retido no interior da ca- teriais Cerâmicos (CCMC), com o docente
vidade, mecanicamente, elucida Alessandra. Antonio Carlos Hernandes. Neste caso, o
Mesmo já utilizado há algum tempo, foco é o desenvolvimento de nanomate-
esse tipo de restauração é até hoje a mais riais para odontologia: A ideia é continuar
popular entre os cirurgiões-dentistas. os estudos, sempre tendo em vista novos ho-
Novos tipos de LEDs são estudados para rizontes, tanto através da terapia fotodinâ-
também viabilizar outros tratamentos: mica, com o aperfeiçoamento das técnicas
Meu mestrado foi o primeiro trabalho - ou que já temos e aplicação das mesmas em
talvez um dos primeiros - a apresentar o pacientes, como para desenvolvimento de
uso do LED na fotoativação, mas se fizer- novos materiais, podendo apresentar ma-
mos um comparativo daquela época - em teriais com propriedades antimicrobianas,
2000 - até hoje, houve uma evolução muito por exemplo, conta.

A física a serviço da sociedade | 299


Inovação

Tecnologia facilita diagnóstico de distúrbios


gastrointestinais
28 de Fevereiro de 2012

P esquisa desenvolvida por físicos da


USP de São Carlos emprega um semi-
metal como sensor de acidez no esôfago
pacientes que sofrem de refluxos ácidos por
distúrbios gastrointestinais.
Segundo José Pedro Andreeta, pesqui-
humano, associando a tecnologia a um dis- sador do Grupo de Crescimento de Cristais
positivo eletrônico que oferece diagnóstico e Materiais Cerâmicos (CCMC) do IFSC
rápido e fácil para o paciente que sofre de e coordenador da pesquisa, o antimônio
doenças gastrointestinais. é um elemento químico cujas proprieda-
O projeto de pesquisa de docentes do des elétricas dependem da acidez do meio
IFSC envolve métodos para preparar mo- em que se insere: Isso faz com que ele seja o
nocristais de antimônio – um metaloide material mais conveniente para ser aplicado
representado na tabela periódica pelo sím- como sensor de pH, comenta ele. Além dis-
bolo Sb – com dimensões apropriadas para so, o antimônio possui baixa impedância e
aplicações em eletrodos para determinar o permite miniaturização. Portanto, sensores
pH no esôfago humano. O resultado final é de antimônio podem substituir os frágeis
um aparelho portátil com funcionamento à sensores convencionais fabricados a partir
base de pilha alcalina, capaz de armazenar da miniaturização de vidro, conforme expli-
dados estatísticos a partir do monitoramen- ca Andreeta: A interferência do sensor deve
to da acidez no local de aplicação. Quando ser desprezível quando queremos determinar
transmitidos a um computador através de o pH de sistemas biológicos, constituídos por
um cabo USB, estes dados fornecem um soluções de pequeno volume, como é o caso
laudo de fácil leitura para diagnóstico de de órgãos do sistema digestivo humano. O
principal desafio do projeto de pesquisa está
relacionado à eficiência e à durabilidade dos
sensores de antimônio. As técnicas de tra-
balho convencionais com o antimônio são
baseadas em eletrodos policristalinos, que
costumam produzir impulsos de baixa reso-
lução e de estabilidade pobre, o que dificulta
sua sensibilidade num processo contínuo de
medidas: Esse fato está associado, principal-
mente, à presença de uma grande quantida-
de de contornos de grãos (cristais isolados na

300 | A física a serviço da sociedade


Inovação

matéria em estado sólido) em contato com a tal existe uma organização sequencial de
solução, pois a taxa de dissolução e de forma- átomos em uma rede cristalina, razão pela
ção de óxido difere significativamente da que qual é comum encontrar na natureza cor-
ocorre nas fases monocristalinas, esclarece o pos sólidos cerâmicos que são constituídos
pesquisador. de uma infinidade de micro-cristais, o que
mascara as suas propriedades e inviabiliza
muitas vezes suas aplicações tecnológicas.
Já um monocristal, como o diamante, apre-
senta organização atômica quase perfeita:
A preparação de um monocristal em labo-
ratório é normalmente muito mais difícil do
que a preparação de um material cerâmico,
porque muitos parâmetros devem ser con-
trolados, comenta Andreeta. É por esta ra-
zão que eles raramente são encontrados na
Natureza e têm um custo tão elevado. Do-
Fibra monocristalina de antimônio com minando a técnica de produção destes mo-
dimensões apropriadas para aplicações em nocristais em laboratório, foi produzido um
sensores de pH no esôfago humano. sensor para aplicação possível no esôfago,
através de um cateter. A partir da monitora-
Os monocristais, por sua vez, são de- ção, um dispositivo eletrônico se encarrega
senvolvidos a partir de processos que dis- de produzir laudos médicos que oferecem
pensam cortes e polimentos pós-preparação, um diagnóstico de fácil leitura, com base
o que além de custar caro ocasiona defeitos em métodos pré-estabelecidos de cálculo
indesejáveis no material: Os monocristais de pH, como as pontuações de DeMeester e
foram crescidos em forma de fibras, com di- de Boix-Ochoa.
mensões apropriadas para aplicação nos ele- O software consegue fazer outros cál-
trodos, sem prévia manipulação, conta An- culos com base nos dados medidos pelo
dreeta. Este processo está sendo patenteado sensor, como a Probabilidade de Associa-
pela USP, em parceria com a Alacer Bio- ção com Sintomas, Índice de Sensibilidade
médica, indústria eletrônica que atuou no a Sintomas e Índice de Sintomas, o que fa-
financiamento da pesquisa e já manipula a cilita o diagnóstico no caso do paciente que
técnica, transformando-a em um produto sofre de refluxos de diversas origens. Além
final acessível e disponível no mercado. disso, o equipamento eletrônico permite
Andreeta explica, em detalhes, o por- associação com diversos outros softwares,
quê da necessidade de desenvolvimento de feito inédito na substituição de equipa-
uma técnica de crescimento dos monocris- mentos completos de exames e diagnósti-
tais de antimônio. Segundo ele, num cris- cos. Isso facilita o trabalho do profissional

A física a serviço da sociedade | 301


Inovação

da saúde e aumenta as chances de recupe- indivíduo, é possível avaliar o quadro e


ração de pacientes com refluxo gastroeso- indicar o melhor tratamento que, ao lado
fágico (DRGE), que podem sofrer de azia, de dietas balanceadas ou de intervenções
ardor, tosse e problemas respiratórios. A cirúrgicas pontuais, podem devolver saú-
partir da análise com o equipamento, as- de e bem estar ao paciente.
sociada ao estudo dos antecedentes do

À esquerda, cateter com o sensor de antimônio e, à direita, equipamento eletrônico


de monitoração e diagnóstico da acidez no esôfago humano.

302 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Bisturi ultrassônico - Tecnologia brasileira na


sala de cirurgia
05 de Abril de 2012

O conhecimento e experiência da equi-


pe do Grupo de Óptica do IFSC, alia-
do à busca da inovação pela empresa WEM,
empresa especializada em dispositivos
médicos WEM e financiado pela Finep,
tem trabalhado para produzir um bistu-
deram origem a um novo sistema de bisturis ri ultrassônico nacional.
baseado na tecnologia de ultrassom. O siste- A equipe responsável pelo projeto tra-
ma permitirá ao médico realizar cortes mais balha no Laboratório de Apoio Tecnológico
precisos num período de tempo mais curto, (LAT) do IFSC e é experiente em transdu-
além de cauterização. Procedimentos cirúr- tores e instrumentação na área médica. O
gicos minimamente invasivos são grande bisturi de ultrassom, aprovado pela Agência
tendência mundial, pois minimizam os ris- Nacional de Vigilância Sanitária há menos
cos. Para viabilizar este tipo de avanço, são de cinco anos, já é amplamente utilizado no
necessários instrumentos e métodos de alta Brasil, especialmente em cirurgias abdomi-
tecnologia que evitam grandes sangramen- nais, operações mamárias, ginecológicas e
tos ou complicações causadas por infecções. em tecidos delicados, como os da face e pál-
pebras, além de cirurgias complexas, como
as de crânio e de coluna. Seu uso não é mais
disseminado devido ao alto custo, com pre-
ço médio de R$ 18 mil.
O bisturi ultrassônico é baseado em
um sistema transdutor que gera vibrações
ultrassônicas até uma ponta que transmi-
te a energia ao tecido. A ativação ultras-
Esses bisturis são necessários para as sônica do instrumento se dá através de um
mais variadas cirurgias, desde as de alta sinal elétrico que, transmitido ao bisturi,
complexidade, como transplantes de excita um conjunto de cerâmicas piezoe-
órgãos, até intervenções que se utilizam létricas. O conjunto de cerâmicas passa a
da laparoscopia, que requerem uma vibrar em uma frequência entre 50.000 e
pequena incisão. Considerando que o 55.000 Hz, muito superior à frequência de-
número de procedimentos laparoscópi- tectada pelo ouvido de um ser humano, que
cos tem dobrado a cada ano, o Grupo consegue distinguir apenas os sons na faixa
de Óptica do IFSC, incentivado pela dos 20 aos 20.000 Hz. Essa energia mecâni-

A física a serviço da sociedade | 303


Inovação

ca é transmitida às proteínas, degradando- Vantagens do bisturi ultrassônico


-as e causando o rompimento dos tecidos. - Maior controle do cirurgião sobre o pro-
cedimento
- Diminuição do período de operação
- Redução nos danos aos tecidos
- Recuperação mais rápida do paciente
- Menos cicatrizes
- Redução dos riscos de hemorragias e in-
fecções
- Não produz fumaça ou odores
- Não transmite corrente elétrica através
do paciente

Nós já trabalhamos no modelo ma-


temático do transdutor ultrassônico, fize-
A equipe já desenvolveu diversos protótipos mos simulações e agora estamos fazendo o
de transdutores no decurso do projeto. protótipo, tanto do transdutor quando da
haste, confirma Thiago Balan Moretti, pós-
Este aparelho, concebido especifica- -graduando que, sob orientação do Prof.
mente para o tratamento de tecidos moles Vanderlei Bagnato, se encarrega do projeto.
em procedimentos laparoscópicos (inter- Além do transdutor e da haste transmisso-
nos), possui uma ponta que prende o te- ra, os pesquisadores trabalharão no sistema
cido a ser processado, como um pequeno eletrônico e mecânico: Este projeto deverá
alicate. Uma das bases do alicate deve per- produzir os primeiros dispositivos desta tec-
manecer imóvel e a outra, impulsionada nologia. Mais importante ainda é que deverá
pelo ultrassom, promove o corte e caute- gerar conhecimento e experiência no setor
rização do local. Os pesquisadores acre- empresarial, para que a tecnologia possa
ditam que seria possível desenvolver ou- avançar e beneficiar a sociedade, reflete Mo-
tros tipos de instrumentos que poderiam retti: Vamos desenvolver, testar e ajudar na
servir para o corte de ossos, por exemplo, elaboração de um produto final, pronto para
através do ajuste da frequência do sistema ir para o mercado, finaliza ele.
e da ponta da haste do bisturi:

304 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Laser - Pontas de cristal na termoterapia


10 de abril de 2012

A cura de lesões através de aquecimen-


to ou resfriamento de corpos - a ter-
moterapia - não é novidade e há relatos de
As pontas de dimensões milimétricas
e submilimétricas utilizadas atualmente
em termoterapia são feitas de metais ou
que a técnica já era usada na Grécia e Roma carbono, que possuem algumas desvanta-
antigas. Hoje, a termoterapia é muito mais gens. Na pesquisa no IFSC, as pontas são
sofisticada, principalmente com o uso de la- preparadas com dois componentes quí-
sers e serve, inclusive, para curar tumores na micos - a alumina e o óxido de neodímio,
pele. São usadas também fibras ópticas que cujas propriedades são superiores às pon-
transportam a luz até o local de incidência, o tas convencionais: Se eu fabrico um mate-
que abre perspectivas de novos desenvolvi- rial eutético (duas fases cristalinas, obtidas
mentos com materiais mais adequados para a partir de uma fase líquida) de alumina
determinada aplicação. Exemplo de pesqui- e zircônia, por exemplo, o primeiro possui
sa nessa área é a desenvolvida pelo aluno propriedades ópticas e o segundo proprie-
de doutorado do Grupo de Crescimento de dades mecânicas. Assim, essas diferentes
Cristais e Materiais Cerâmicos do IFSC, Sér- propriedades ampliam as aplicações. No
gio Marcondes. Sob orientação do docente caso de nossa pesquisa, as pontas cristali-
Antonio Carlos Hernandes e co-orientação nas produzidas são mais maleáveis e geram
do pesquisador Marcello Andreeta, o aluno calor devido à ação da radiação do laser
produziu pontas cristalinas micrométricas de maneira mais eficiente, aproveitando-se
para serem utilizadas na termoterapia pon- das propriedades da alumina e do neodí-
tual a quente, com irradiação de raio laser. mio, explica Sérgio.

Padrão microestrutural da ponta


cristalina

A física a serviço da sociedade | 305


Inovação

Para produzir as pontas cristalinas, o pequenos tumores: Ainda não sabemos to-
doutorando prepara uma mistura de alu- das as potencialidades de uso da ponta cris-
mina e óxido de neodímio na forma de talina e estamos entrando em contato com
um bastão cerâmico. Este é aquecido com profissionais da área de saúde para avaliar
radiação de um laser de CO2 de alta potên- esse potencial, frisa Hernandes. Os resulta-
cia para atingir a temperatura de 2.000º C e dos são promissores: Essas pontas, por pos-
obter a fase líquida que será transformada suírem efeito térmico indireto, em tese po-
em um material eutético – a ponta crista- dem evitar efeitos secundários em pacientes.
lina. O formato e a dimensão da ponta são Por exemplo, em um sistema de aquecimen-
controlados alterando-se os parâmetros de to por rádio-frequência é muito mais difícil
fabricação. O diâmetro da ponta de cristal controlar a região aquecida, podendo atingir
é de 300 a 600 micra (1 mícron equivale a tecidos vizinhos, explica Andreeta.
10-6m). A ponta acoplada a uma fibra óptica Ele cita o sistema de aquecimento por
bombeada com um laser de comprimento meio de interação laser-tecido, afirmando
de onda de 808 nm permitiu atingir tem- que este também é de difícil controle, pois
peraturas superiores a 200º C, muito acima os diferentes tecidos possuem diferentes
do necessário para tratar o tecido humano. absorções ópticas, ou seja, para certa re-
Nos testes emprega-se um elemento gião do tecido, a potência do laser pode ser
inusitado: claras de ovo, usadas para que adequada, para outra não: O aquecimento
os pesquisadores determinem a região que com as pontas que estão sendo desenvolvidas
pode ser aquecida: O uso da clara de ovo poderia evitar estes problemas, por se tratar
facilita a visualização do campo de aque- de um aquecimento por condução e, portan-
cimento produzido por cada ponta e sua to, muito mais localizado, evitando danos
relação com a potência do laser usado para nos tecidos vizinhos ao tecido a ser tratado,
acoplar com a fibra. Esse procedimento expe- afirma. Com esse dispositivo, um médico,
rimental é rápido, simples e permite definir conhecendo a potência do laser, poderá
qualitativamente o efeito de cada ponta cris- controlar a temperatura na ponta de cristal
talina, afirma Hernandes. em contacto com a pele.
Após a construção do protótipo, o pró-
ximo passo é fazer testes de variação de
temperatura na ponta cristalina: Estamos
estudando a melhor composição de neodí-
mio, ou seja, qual a quantidade ideal que
deve ser adicionada à alumina para compor
a ponta de cristal, conta Sérgio. Os pesqui-
sadores ainda não conseguem identificar
todas as possíveis aplicações das pontas,
Na figura, equipamento utilizado para produzir
mas enfatizam que podem ser usadas em ponta cristalina. No destaque, a ponta.
microcauterizações e para tratamento de (Imagens: Sérgio Marcondes)

306 | A física a serviço da sociedade


Inovação

A RMN e o ouro negro


18 de Maio de 2012

U ma estratégia comum entre pesqui-


sadores para obter resultados mais
rápidos em seus estudos, sem prejudicar
so em rocha com poros muito pequenos.
O gasto de energia para essa retirada do
petróleo será maior, encarecendo o preço
a qualidade do trabalho, é analisar obje- do combustível. Portanto, algumas vezes o
tos indiretamente. Este é o caso da pes- custo da retirada não compensa: A técnica
quisa do doutorando do Laboratório de para retirada não pode gerar petróleo cujo
Espectroscopia de Alta Resolução (LEAR) custo é maior que a cotação do barril no
do Grupo de Ressonância Magnética do mercado, explica André.
IFSC, André Alves de Souza, que estuda Ainda durante o doutorado, ele teve
rochas com características similares às oportunidade de realizar um estágio de
rochas de petróleo. cinco meses na empresa franco-americana
O petróleo já extraído em grande es- Schlumberger, a maior prestadora de ser-
cala ou do pré-sal fica armazenado em viços para campos de petróleo, em Bos-
rochas porosas (rochas de petróleo): Es- ton (EUA). Após o estágio, foi efetivado
sas rochas têm buracos, como se fossem na empresa, mas dessa vez para trabalhar
esponjas bem pequenas, exemplifica An- no recém-inaugurado centro de pesqui-
dré. As rochas estudadas por André não sas brasileiro da empresa - a Schlumberger
são retiradas de poços de petróleo, mas Brasil Research and Geoengineering Center
sim de pedreiras que ficam na superfí- -, sediado no Rio de Janeiro e focado na
cie. Porém, as características são muito gestão de conhecimento sobre o pré-sal.
similares: Quando se explora um poço de Embora não diretamente relacionada
petróleo, é preciso saber três coisas: se tem ao novo trabalho de André, sua pesqui-
petróleo - e não só água -; se o petróleo é sa no IFSC o auxilia em grande parte de
leve ou pesado; e como é o tipo de rocha suas tarefas: Por RMN, será possível extrair
em que está armazenado, elucida o pes- informações sobre as rochas de petróleo e so-
quisador: Uma das rochas que estudamos bre o próprio petróleo, o que poderá ajudar na
é do mesmo tipo daquela que deu corpo ao montagem de um plano para exploração do
Empire State Building, conta. combustível, explica.
André usa a técnica de Ressonância
Magnética Nuclear (RMN) para identifi-
A RMN e o petróleo
car a porosidade e o tipo de petróleo que Os estudos de André são mais voltados
está sendo explorado. Em alguns casos, aos fluidos dentro da rocha do que à rocha
há petróleo de boa qualidade, porém pre- propriamente dita. Tais rochas, que têm

A física a serviço da sociedade | 307


Inovação

principalmente em comum com as rochas ou seja, quanto óleo cabe nela, o que in-
de petróleo a porosidade e permeabilida- forma o quanto de partes vazias existe: Isso
de, são ocas. Por isso, são saturadas com me informa a capacidade da rocha em ar-
salmoura (água e sal), para deixá-las ainda mazenar o petróleo. No quesito porosidade,
mais parecidas com as rochas de petró- quanto mais permeável for a rocha mais
leo: Também podemos enchê-las com óleo, fácil será extrair o petróleo armazenado,
que imita o petróleo, conta: Mas o que nos explica André.
importa é o óleo e não a rocha. O tipo de Tais informações são úteis à indústria,
rocha reservatório é que determinará se a que poderá usá-las para aprimorar técni-
extração em uma determinada jazida será cas de extração de petróleo ou criar novas:
economicamente viável. Daí a importância O resultado de minha tese é uma melhoria
em se estudar rochas porosas. do modelo existente de RMN para a carac-
A grande questão é como a medida de terização de rochas porosas.
RMN possibilita que se conheça a rocha,

Na figura, um reservatório típico de petróleo e gás. Bem no centro, rochas porosas,


onde o petróleo fica armazenado.

308 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Doenças negligenciadas - Vacina contra


esquistossomose teve IFSC como braço direito
26 de Junho de 2012

Q uando se abre a perspectiva de cura


para uma doença parasitária que faz
duzentos milhões de vítimas no mundo,
nero Schistosoma, entre eles o Schistosoma
mansoni. Mais conhecida como Barriga
d´água, ela é transmitida por caramujos
a excitação é geral. Isso justifica a grande (que hospeda o parasita temporariamente)
repercussão do anúncio feito na semana e penetra na pele de humanos que entrem
passada sobre a vacina contra a esquistos- em contato com a água habitada pelo cara-
somose, pela Fundação Osvaldo Cruz (Fio- mujo contaminado. Diarreia, febre, cólicas,
cruz). dores de cabeça, sonolência, emagrecimen-
to, endurecimento ou aumento do volume
do fígado e hemorragias que causam vômi-
tos, são os sintomas mais comuns.
O maior número de vítimas está na
África, mas a doença é também um grande
problema no Brasil, que tem mais de dois
milhões de pessoas com esquistossomose.
Para se ter uma ideia, o câncer atingiu cerca
de quinhentas mil pessoas no ano passado.
Apesar de pessoas infectadas pela esquistos-
somose conseguirem conviver com a doença
(em média, somente 1% dos infectados mor-
re), sua qualidade de vida é péssima: Como
são, geralmente, populações de países pobres
as maiores vítimas da esquistossomose, a co-
laboração dessas pessoas para o desenvolvi-
mento do país é mínima. Ou seja, a doença
não mata, mas traz consequências muito
graves para a sociedade, declara o docente do
IFSC, Richard Charles Garratt.
A pesquisadora da Fiocruz, Miriam
A esquistossomose, segunda doença
Tendler, dedicou trinta anos de seus estu-
que mais faz vítimas no planeta (depois da
dos ao Schistosoma mansoni e encontrou
malária)*, é causada por parasitas do gê-
no próprio parasita a solução para - ao que

A física a serviço da sociedade | 309


Inovação

tudo indica - eliminar a doença. A SM14 SM14: Poder identificar as diferenças signifi-
(como foi batizada por Tendler) é uma das cativas entre as proteínas de parasitas e seres
moléculas encontradas no organismo do humanos reforça novamente a importância
parasita, responsável pelo transporte de da pesquisa básica, pois é preciso saber se uma
lipídios. No organismo humano, a SM14 molécula que cria anticorpos no organismo
gera uma resposta imune, incitando a pro- humano não será prejudicial a ele próprio.
dução de anticorpos: O hospedeiro [orga- Outra docente do IFSC, Ana Paula
nismo humano] é capaz de reconhecer essa Ulian Araújo, também em conjunto com
molécula e montar uma resposta imune Tendler, está trabalhando na criação de
contra ela. Então, se ele entrar em contato uma ferramenta capaz de avaliar o grau
com o parasita, o sistema imune já está pron- de eficácia da vacina em cada indivíduo:
to para reagir contra ele. Tal descoberta abre Cada pessoa reage de uma forma diferente
inúmeras possibilidades, além da produção à mesma vacina, pois os genes de cada ser
de uma vacina contra esquistossomose. humano são diferentes uns dos outros. Por
Essa é a primeira vez que o processo de isso, seria muito interessante ter uma ferra-
desenvolvimento de uma vacina é feito in- menta que permitisse o acompanhamento
tegralmente no Brasil. Vários colaboradores da vacina, explica Richard.
estiveram envolvidos, entre eles o próprio Durante o desenvolvimento da vacina
Richard, que também foi o braço direito de contra a esquistossomose, os pesquisadores
Mirian. Ele empregou seus conhecimentos tiveram mais uma surpresa: a SM14 gera
em biologia estrutural para modelar a SM14, uma reação cruzada com outro parasita - o
identificando as regiões mais importantes da Fasciola hepática - que afeta principalmen-
molécula para gerar a resposta imune: Esse te bois e ovelhas. Ou seja, o Fasciola, que é
é um exemplo muito claro de como a ciência um problema sério nos países de economia
básica e a aplicada podem - e devem - andar baseada na criação de ovelhas (como a Ho-
juntas. Todo cientista sabe que é fundamental landa), também poderá ser combatido pela
investir nessas duas frentes, pois a pesquisa vacina. Por exemplo, ovelhas já receberam as
básica traz os fundamentos. Mas, investir so- vacinas e ficaram protegidas contra o Fascio-
mente na ciência básica não gerará produtos. la: Isso é o que chamamos de vacina bivalente.
O segredo é encontrar o equilíbrio entre elas, Novamente, é algo que teve um apoio muito
destaca Richard: Se a Miriam (Tendler) não importante do IFSC, com o papel de estudar a
tivesse a preocupação de entender a molécu- estrutura da molécula e explicar esse aconteci-
la que ela tinha em mãos, o projeto teria tido mento, conta Garratt.
outro percurso. Conhecer a estrutura da mo- A fase 1, em que a segurança da vaci-
lécula é importante por diversos motivos, na é testada, já foi completada, em que vinte
entre eles saber se a vacina não criará anti- homens saudáveis receberam a vacina e não
corpos contra o próprio organismo, uma vez apresentaram reações ou efeitos colaterais:
que temos moléculas muito parecidas com a Essa fase deve ser realizada obrigatoriamente

310 | A física a serviço da sociedade


Inovação

no país onde a molécula - que é o princípio Dependemos de financiamento para produ-


ativo da vacina - foi encontrada. Portanto, ção, aprovação da ANVISA**, toda parte
a fase 1 foi feita no Brasil, conta Richard. burocrática e logística deve estar finalizada.
Mesmo assim, a manufatura das vacinas foi Portanto, pode demorar um pouco mais do
feita nos Estados Unidos. Na fase 2, previs- que o tempo previsto, mas tudo dependerá
ta para ter início já no próximo semestre, o do andamento das fases anteriores.
número de voluntários para receber a va- A FINEP tem arcado com os cus-
cina aumenta, passando de vinte para mais tos da pesquisa, que agora também tem
de duzentos. Os voluntários devem ser mo- apoio da empresa Ouro Fino Agronegócio.
radores em áreas endêmicas, ou seja, áre- Outras fontes, como a Gates Foundation,
as com alto risco de serem contaminados também já estão sendo consideradas.
pelo parasita. No caso da esquistossomose, Mesmo sem poder assegurar a eficácia da
certamente voluntários de países africanos vacina para humanos, Richard aposta nas
participarão da fase 2. Falar sobre a fase 3 probabilidades favoráveis. Ele afirma que,
já é algo mais indefinido, pois ela depende de todos os projetos de cunho aplicado
da segunda. Contando que esta seja bem para doenças tropicais dos quais parti-
sucedida e que nenhum dos voluntários cipou e participa, o da esquistossomose
apresente reações negativas, mais pessoas é o que tem melhores perspectivas para
(de mais países) participarão da terceira finalizar com um produto.
fase. Na fase 4, finalmente a vacina já estará ____________________
acessível a todos. *dado fornecido pela Organização
Para a vacina contra a esquistosso- Mundial da Saúde (OMS).
mose, essas fases deverão levar cerca de ** Agência Nacional de Vigilância
quatro anos, de acordo com Richard. Esse Sanitária.
tempo pode ser afetado por outros fatores:

A física a serviço da sociedade | 311


Inovação

Sinais do Século XXI: O biochip que


recuperará movimentos perdidos
27 de Agosto de 2012

A complexidade das ações que gerem


nosso corpo é conhecida, como a
possibilidade de absorver substâncias es-
que deve se mover - braço ou perna. Atra-
vés dessa tecnologia revolucionária, mesmo
aqueles que perderam algum membro terão
tranhas a ele e incorporá-las como se dele de volta o movimento perdido. Nesses ca-
fizessem parte. Os implantes de titânio sos, entrará em cena um exoesqueleto que
revolucionaram os tratamentos dentários, vem sendo confeccionado na EESC, sob co-
há quinze anos. Os polímeros usados tam- ordenação do docente Adriano Almeida G.
bém há algum tempo para encapsular di- Siqueira. Sinais elétricos do cérebro serão
versos medicamentos que ingerimos já fo- enviados ao chip, que por sua vez enviará o
ram aceitos pelo nosso corpo sem rejeição comando ao exoesqueleto, permitindo que
ou efeito colateral. o movimento seja feito.
Esses materiais e procedimentos po- Antes de se chegar ao carbeto de silí-
derão parecer da idade da pedra, se com- cio, o docente da University of South Flori-
parados com o que um time de pesqui- da (EUA) e professor-visitante do ICMC,
sadores da USP ambiciona. Em conjunto Stephen E. Saddow, um dos participantes
com colegas de outras universidades, eles da pesquisa em questão, testou outros ma-
pretendem implantar um chip no cérebro, teriais que se mostraram incompatíveis
capaz de enviar sinais do córtex motor* com o corpo humano. Entre os candida-
para um dispositivo fora do corpo, geran- tos, o silício só conseguiu permanecer no
do a possibilidade de devolver os movi- organismo por alguns meses. A segunda
mentos a membros do corpo humano sem tentativa foi encapsular o silício com ce-
funcionamento. Tal chip será integrado a râmica, mas alguns anos depois a rejeição
uma antena e eletrodos, configurando-se das células humanas ao material levou ao
um dispositivo nomeado Interface Neural insucesso da experiência: Pessoas não po-
Implantável, que metaforicamente é como dem fazer cirurgias no cérebro a cada cinco
se fosse um bluetooth do cérebro. anos. Primeiro, porque a cada cirurgia te-
O material eleito para criar essa interfa- cidos do cérebro são mortos e danificados.
ce é o semicondutor carbeto de silício (SiC), Segundo, porque elas não terão condições
em princípio totalmente compatível com o de arcar com esse custo, justifica Stephen
corpo humano. Uma vez implantado no cé- sobre o curto prazo de validade dos mate-
rebro, enviará sinais deste para o membro riais testados até o momento.

312 | A física a serviço da sociedade


Inovação

equipamento (já construído) capaz de fazer


um mapeamento tridimensional do corpo
humano: O consumo é um fator crítico no
desenvolvimento da interface cerebral sem
fios, pois quanto mais eletrodos, melhor a
precisão dos movimentos realizados; porém
mais eletrodos representam maior consumo.
Imagem ilustrativa da Interface Neural Im- Vamos começar com três eletrodos, possibi-
plantável cedida pelo docente, Mário Ale- litando movimentos com poucos graus de
xandre Gazziro. liberdade. O ideal seriam cem eletrodos para
diversos graus de liberdade. Com mil eletro-
Com o SiC, o cenário é outro. Experi- dos é possível reproduzir os graus de movi-
ências em seres humanos ainda não foram mento complexos de uma mão com todas
feitas, mas nos testes in vitro - feitos com cé- as articulações dos dedos. Logo, redução do
lulas de seres humanos, analisadas em placas consumo de energia permite a inclusão de
de Petri-, os resultados com o carbeto são mais eletrodos, sendo que esse será sempre
animadores: Até o momento, não houve rea- um fator a otimizar na interface proposta,
ção ao SiC. A experiência com o SiC foi feita explica Gazziro.
há um mês e até o momento não houve ne- Neste projeto, o docente do IFSC, Clé-
nhuma reação química às células, comemora ber Renato Mendonça, é responsável pela
Stephen. microfabricação a laser. Para completar o
O experimento é inovador pelo local time, o docente da Universidade Federal
onde se pretende fazer o implante, que é um do ABC (UFABC), Carlos Alberto dos Reis
ambiente inóspito, com corrente sanguínea Filho, desenvolverá a parte de eletrônica
e reações químicas. Em conjunto com Ste- analógica do chip e supervisionará o pro-
phen, o docente do IFSC Valtencir Zuco- jeto da antena.
lotto oficializará uma colaboração para Até o momento, os resultados ofereci-
estudar a toxidade e biocompatibilidade dos pela pesquisa básica têm trazido entu-
dos novos materiais que estarão no cére- siasmo aos pesquisadores. Sua aplicação,
bro humano: Colocaremos os materiais em no entanto, caminha a passos cautelosos:
contato com células humanas neuronais. Os Para que as Interfaces Neurais Implantáveis
testes serão in vitro, em princípio, e poste- estejam no mercado, a previsão mais realista
riormente pretende-se avançar para testes é de dez a vinte anos. A conclusão dos estu-
in vivo com roedores, esclarece Zucolotto. dos, no entanto, deve ser feita em cinco anos,
No ICMC, o docente Mário Alexan- conta Stephen: Minha esperança é que con-
dre Gazziro trabalha com a otimização de sigamos completar os testes com humanos
consumo de energia na Interface Neural em seis anos. Se atingirmos essa meta, o chip
Implantável que será criada, além de um irá para o mercado mais rapidamente.

A física a serviço da sociedade | 313


Inovação

O SiC já vem sendo utilizado em in-


terfaces musculares, no sistema nervoso
periférico. Nesse novo projeto, inicia-se
seu uso no sistema nervoso central, sendo
que as respostas imunológicas do orga-
nismo, nesse último, são completamente
diferentes. Isso explica o longo prazo para
validação clínica do sistema (estimado
em três anos para testes em ratos e quinze
anos para testes com humanos), para que
esse produto efetivamente chegue ao mer-
cado.
________________
*região do cérebro responsável pelo controle
das atividades motoras.

Equipamento utilizado para mapeamento


em 3D do corpo humano, confeccionado no
ICMC.

314 | A física a serviço da sociedade


Inovação

Novo material desenvolvido no IFSC promete


revolucionar construção civil
31 de Janeiro de 2013

U m novo material 100% reciclável de-


senvolvido no IFSC promete revo-
lucionar e baratear a construção de edifí-
fixados com cola branca comum para
unir as peças. O novo bloco não causa
desperdícios. Por sua elevada resistência
cios. A nova espécie de bloco – fosfogesso à flexão, dispensa o uso de madeira e a
– substitui o tradicional bloco de concre- construção de vigas e pilares de concreto
to e cerâmica, economizando tempo de para a edificação de paredes, diminuin-
mão-de-obra e custos. Este bloco inova- do substancialmente o custo de qualquer
dor foi desenvolvido em pesquisa reali- obra.
zada pelo Prof. Milton Ferreira de Souza, A Agência USP de Inovação licenciou
através de um subproduto da fabricação este novo bloco para três empresas – duas
de ácido fosfórico utilizado na produção de São Carlos e uma de Minas Gerais -,
de fertilizantes agrícolas. O denominado que se preparam para colocar o produto
fosfogesso tem as mesmas características no mercado a partir do primeiro semes-
do gesso tradicional encontrado em sua tre deste ano. A fabricação destes blocos,
forma natural, com a vantagem de uma em larga escala, será uma solução para
resistência à flexão muito maior. o aproveitamento ambientalmente ade-
O novo bloco – modular - apresen- quado deste material. Mencione-se que
ta uma superfície completamente lisa e existem, segundo estimativas, perto de
não necessita de argamassa para assen- duzentos milhões de toneladas de fosfo-
tar, nem de cimento para rebocar, já que gesso depositadas em aterros a céu aberto
apenas são utilizados pequenos encaixes no nosso país.

A física a serviço da sociedade | 315


Inovação

Novo biossensor detecta pesticida na água e


em alimentos contaminados
21 de Maio de 2013

O s grandes índices do pesticida me-


tamidofós nos lençóis freáticos e nas
grandes lavouras do Estado de Mato Gros-
Grosso e em todo o país. Por ser extraor-
dinariamente forte, penetra facilmente no
solo e nos lençóis freáticos. Devido à sua
so motivaram um trabalho de pesquisa composição química, este pesticida intera-
conjunto entre o IFSC e a Universidade ge com o sistema nervoso central do ser
Federal do Mato Grosso (UFMT). Desse humano, atacando-o rapidamente e cau-
trabalho resultou a construção e patente- sando danos irreversíveis, podendo levar
amento de um biossensor que é capaz de, à morte.
num curto espaço de tempo (minutos), O biossensor é constituído por uma pelí-
detectar a existência desse pesticida. cula muito fina – nanométrica - onde é imo-
Natural de Cáceres (MT), a pós-gradu- bilizada a enzima acetilcolinesterase (como a
anda do IFSC, Izabela Gutierrez de Arruda, que existe no cérebro humano). Quando a
orientada pelo Prof. Dr. Romildo Jerônimo enzima entra em contato com as moléculas
Ramos (UFMT) e co-orientada pelo Dr. do pesticida, sua ação é inibida, produzindo
Nirton Cristi Silva Vieira, decidiu durante menos prótons do que com a enzima sem o
o seu mestrado na UFMT realizar o proje- pesticida: essa diferença de prótons é lida e
to com o Prof. Francisco Eduardo Gontijo mostrada num pequeno aparelho onde é in-
Guimarães (ex-orientador de Nirton). A troduzida essa película, acusando, assim, os
ideia surgiu em encontro realizado sob os índices de contaminação.
auspícios do INEO – Instituto Nacional Para o Prof. Francisco Guimarães, este
de Eletrônica Orgânica. Com os apoios da é um daqueles trabalhos que visam dire-
CAPES e do CNPq, obteve-se um biossen- tamente ao bem-estar social e por isso a
sor destinado a análises de pesticidas e com ideia foi patenteada – o primeiro registro
custo bastante baixo. Embora tenha sido de patente da UFMT, em quarenta anos
construído exclusivamente para detectar o da universidade. Atualmente, todas as
pesticida metamidofós, o biossensor pode análises referentes à contaminação por
ser adaptado para outros pesticidas das pesticidas no Estado de Mato Grosso são
classes dos organofosforados ou carbamatos, enviadas para São Paulo ou Rio de Janeiro.
o que aumenta sua utilidade. Com este biossensor, pode não mais haver
O pesticida metamidofós é largamente essa necessidade, pois o equipamento, do
usado na agricultura do Estado de Mato tamanho de um medidor de índices de

316 | A física a serviço da sociedade


Inovação

diabetes, cujo protótipo está sendo desen- A preocupação de Izabela foi confir-
volvido no IFSC, propicia a resposta em mada por pesquisas do Prof. Dr. Wan-
poucos minutos. derlei Pignati da UFMT, especialista que
A equipe de pesquisadores procura observou vários pesticidas nos principais
agora uma indústria nacional de biotecno- rios, poços artesianos e, inclusive, em ani-
logia que compre a ideia para comerciali- mais, no Mato Grosso. Outro trabalho de
zar o aparelho, que poderá custar entre R$ Pignati comprovou índices de pesticidas
100,00 e R$ 200,00 cada unidade. no leite materno. Sabe-se que a ANVISA
Izabela Gutierrez de Arruda está en- está com processo aberto para banir esse
tusiasmada pelo âmbito social e impacto pesticida do mercado, tal como já aconte-
ecológico do projeto: Este pesticida é uti- ce em vários países da União Europeia:
lizado em larga escala no Estado de Mato O desenvolvimento desse trabalho in-
Grosso e em muitas regiões do país: quan- cluiu conhecimentos das áreas da física,
do penso que a região do Pantanal poderá química, biologia, e ciência e engenharia de
ser ameaçada por este pesticida, logo penso materiais, valorizando a interdisciplinari-
que, pela sua localização, outros países que dade, comentam Izabela e Nirton.
fazem fronteira com o Brasil poderão sentir Além do registro de patente, um arti-
também esse perigoso efeito, até porque a go foi aceito e outro enviado para revistas
contaminação pode chegar aos reservató- especializadas nas áreas de biossensores e
rios de água potável e aos grandes rios do nanotecnologia.
Estado, comenta a cientista.

A física a serviço da sociedade | 317


11 C omentários Finais

T
emos a expectativa de que o material compilado neste li-
vro forneça um panorama da pesquisa que se tem realiza-
do no IFSC nos últimos anos, confirmando a vocação do
Instituto em produzir ciência multidisciplinar com a preocupa-
ção de transferir conhecimento e tecnologia para outros agentes
do sistema científico-tecnológico do Brasil. Justifica-se, a nosso
ver, a escolha do título do livro, na medida em que as pesquisas
em física têm sido colocadas a serviço da sociedade. Embora
sem muitas menções implícitas, das matérias e reportagens fica
clara a preocupação com a formação de alunos com espírito
inventivo e base sólida em física e áreas correlatas. Este tipo
de formação de recursos humanos é, também, essencial para o
IFSC cumprir sua missão. A variedade e qualidade da pesquisa
gerada por nossos alunos é demonstração da decisão acertada
de expandir os cursos de graduação do IFSC nos últimos anos,
pois permite hoje uma ação integrada de nossos pesquisadores
usando conhecimentos de física e áreas afins.
Nota-se na cobertura das atividades de pesquisa uma pre-
dominância pela ciência mais utilitária, principalmente con-
siderando-se as diversas tecnologias e aplicações advindas da
pesquisa no IFSC. Há várias possíveis razões para esse desequi-
líbrio na cobertura. Talvez a mais importante seja que é mais
fácil cativar o público em geral, e mesmo especialistas, com
resultados de pesquisa cuja aplicação é claramente identifica-
da. Não deve ser surpreendente, portanto, que se interesse por
divulgar as excelentes contribuições do IFSC com novas tecno-
logias terapêuticas, estudos de doenças importantes e produção

319
de dispositivos, entre outras. Outra possível razão é a menor disponibilidade
de nossos colegas que trabalham em pesquisa de física fundamental, inclusive
advinda da dificuldade em usar uma linguagem simplificada para suscitar inte-
resse de um público não especialista. A constatação desse desequilíbrio na co-
bertura pode ser usada como um desafio para nosso setor de comunicação nos
próximos anos. Ressalte-se, de toda forma, que a importância de fazer pesquisa
básica, principalmente empregando os fundamentos da física foi enfatizada di-
versas vezes nas reportagens. Mesmo com o risco de parecer por demais repe-
titivo, mantivemos esses diversos depoimentos de nossos colegas. Pois parece
haver consenso no IFSC de que só se pode fazer ciência aplicada se houver boa
ciência para aplicar.
Para o público externo ao IFSC, esperamos que o livro sirva para ilustrar
o compromisso do IFSC com o ensino integrado à pesquisa e ao trabalho de
extensão. Ênfase especial foi dada à importância de parcerias, nacionais e in-
ternacionais, sem as quais dificilmente se pode obter contribuições científicas
ou tecnológicas relevantes. Já para o público interno, esperamos que o livro
represente uma síntese de nossa capacidade de comunicação com a sociedade,
servindo para traçar rumos e metas para o futuro.

320 | A física a serviço da sociedade

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