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CURSO DE GESTÃO PARA


EMPREENDIMENTOS POPULARES

Equipe Responsável:

Lia Cassettari
Felipe Bannitz
Lolita Sala

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APRESENTAÇÃO DO CURSO

Essa apostila é o material de apoio para o Curso de Gestão para Empreendimentos


Populares, oferecido pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da
Fundação Getulio Vargas em parceria com o Instituto HSBC Solidariedade.

O curso se propõe a contribuir para que as Organizações Sociais elaborem Estudos


de Viabilidade Sócio-Econômica e Ambiental e Planos de Negócios, a fim de se
prepararem melhor para superar os desafios da constituição de empreendimentos e
cooperativas populares capazes de se tornarem soluções efetivas de combate à
pobreza e desenvolvimento das comunidades atendidas.

Visando ampliar o apoio oferecido pelo Instituto HSBC Solidariedade aos projetos de
geração de renda, os conteúdos abordados têm como meta elevar os resultados
atingidos pelos projetos e facilitar a reaplicação de tecnologias sociais e boas
práticas de gestão e promoção da inclusão produtiva na perspectiva da Economia
Solidária.

Um curso e uma apostila não são suficientes para esclarecer a grande variedade de
dúvidas que surgem sobre os assuntos tratados, mas podem servir de roteiro para
introduzir e aprofundar o tema e sensibilizar para a busca dos conhecimentos
necessários para construir alternativas de geração de trabalho e renda que
aproveitem melhor as oportunidades do mercado e os recursos disponíveis na região
de atuação.

Como apresentaremos a seguir, mais que formar empreendimentos e cooperativas


capazes de transformar técnicas produtivas em "empresas" de sucesso, buscamos a
formação de outro tipo de economia. Uma economia justa, colaborativa e
sustentável, que devolva qualidade de vida às comunidades fragilizadas e
dependentes dos grandes centros urbanos. Uma economia nas mãos dos
trabalhadores e trabalhadoras, que desconcentre renda, preserve a natureza e
garanta um futuro melhor para nossos filhos.

É exatamente esta a intenção do Instituto HSBC Solidariedade: Contribuir para o


fortalecimento dos projetos de inclusão produtiva, que viabilizem tanto a geração de
renda para os empreendedores como o desenvolvimento local nas comunidades em
que esses empreendimentos atuam, rumando à construção de um mundo mais feliz!

Mãos à obra!!

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S U M Á R IO

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Economia Solidária, Cooperativismo Popular e Gestão de Empreendimentos
Populares

A Economia Solidária é um conjunto de iniciativas inspirado em valores


humanos que colocam o ser humano como sujeito no seu processo da vida e na sua
atividade econômica. São atividades de produção, distribuição, comércio, trocas,
consumo, poupança e finanças, organizadas em regime de autogestão.

A Economia Solidária compreende uma grande diversidade de práticas


econômicas e sociais nas quais as decisões e o resultado do trabalho são
compartilhados democraticamente e participativamente pelos membros dos grupos
envolvidos. Estes grupos são compostos por iniciativas familiares, associações,
organizações comunitárias, grupos de compras coletivas, clubes e cooperativas de
consumo, trocas e crédito, feiras solidárias, pequenas, médias e grandes empresas
autogestionárias, cooperativas populares, federações, centrais e complexos
cooperativos.

A Economia Solidária traduz a superação de um modelo de trabalho baseado


em valores que priorizam o indivíduo, o lucro, a acumulação e a competição, por um
outro centrado no bem-estar dos trabalhadores, na cooperação, valorização do
trabalho, do saber e da criatividade humana.

De acordo com esses fundamentos, prevalece a cooperação e não a


competição entre os participantes da Economia Solidária, visando uma sociedade
em que predomine a igualdade. A chave da proposta da Economia Solidária é a
associação entre iguais, ao invés de um contrato entre desiguais. Para que isso
ocorra, formam-se vínculos de confiança e colaboração ao invés de competição,
visando construir um modelo sócio-econômico sustentável. A finalidade dos
empreendimentos econômicos solidários constituídos é o desenvolvimento de todos
os trabalhadores enquanto seres humanos e não apenas a geração de renda.

A reversão da crescente desigualdade e exclusão sociais tornou-se crucial


para o futuro da sociedade brasileira. Ela somente será alcançada por meio de
propostas e ações consistentes de combate à pobreza, ruptura do ciclo vicioso da
exclusão social, econômica, ocupacional, cultural e cidadã. É justamente sobre
esses pilares que os empreendimentos populares são fundados, sempre visando a
inclusão emancipatória, justa e humanizadora.

Através do fomento à Economia Solidária, procuramos levar a prática da


cooperação para novas possibilidades de organização das relações de trabalho e de
desenvolvimento comunitário.

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Roteiro do capítulo:

Nesse capítulo abordaremos:

• Como o sentido original da palavra economia foi perdido e qual a importância


de resgatá-lo;

• O significado da palavra solidariedade e sua idéia fundamental, unindo-o às


idéias de economia e solidariedade, para construirmos a compreensão sobre
a proposta da Economia Solidária e sua origem;

• Por fim, apresentamos as ações de Economia Solidária que podemos realizar


na nossa comunidade.

Mas afinal o que é Economia?

Economia é uma palavra muito antiga que tem alguns significados, que
variam conforme a pessoa que dela faça uso. O que você entende por economia?

Vamos buscar sua origem. Os gregos, que já se organizavam em sociedade


há muito tempo (cerca de 2300 anos atrás) foram os primeiros a falar de economia.
Eles diziam “ECO” (como em ecologia), termo que surgiu de "óikos" que significa
“casa” e “NOMOS”, que tem relação com “organização” e “cuidado”. Assim,
Economia remete a idéia de “CUIDAR DA CASA”. Mas que casa é essa? A casa em
que nossa família vive, mas também a nossa comunidade e por que não todo o
planeta Terra?

Denominou-se economia o conjunto de conhecimentos que temos para cuidar


da nossa casa. “Cuidar”, no sentido de se organizar para abastecer a todos a partir
da extração dos recursos naturais. Mas hoje a coisa não é assim não.

Atualmente os cadernos de economia dos principais jornais trazem notícias


sobre dinheiro, juros, empresas, produtos, desemprego e nada sobre o cuidado da
nossa casa, nossos recursos naturais, nossas crianças!

É verdade, na sociedade moderna a "economia do cuidado" foi transformada


em "economia de exploração", ou seja, da exploração da natureza e do trabalhador,
transformando tudo em mercadoria, por exemplo, o trabalho, a dedicação, até o
amor, os sentimentos, a vida, a natureza. E qual a conseqüência? Pobreza, miséria,
violência, destruição da natureza, pessoas deprimidas, infelizes e comunidades
desunidas e frágeis.
Pessoas e animais passam fome, pelo motivo de tomarmos um caminho
errado nas práticas de produção, distribuição, consumo e finanças. Além disso, o
erro também ocorreu em nossas práticas da vida econômica. Adotamos uma forma
equivocada de entender e administrar nossa casa. É por isso que temos que refletir
o que serve e o que não serve na economia atual.
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Economia, competição e concentração de renda

Devemos partir da premissa de que nenhuma comunidade é pobre, mas se


empobrece todo o mês, quando compra produtos, serviços e saberes produzidos
fora dessa comunidade. Como “furos em um balde”, o dinheiro “vaza” e a
comunidade perde sua riqueza.

Para entendermos as causas e a dificuldade que os pequenos


empreendedores encontram para se inserirem na economia, precisamos
compreender o processo de competição e suas conseqüências.

Toda competição resulta em ganhadores e perdedores. O ganhador acumula


vantagens e os perdedores desvantagens. Por exemplo, no caso de duas pessoas
que disputam um emprego, apenas uma delas conseguirá. Seu filho poderá ter um
estudo melhor do que o filho do que ficou desempregado. Quando forem “prestar”
vestibular, o filho do empregado apresentará maiores chances de entrar em uma boa
faculdade. Como se vê, as vantagens dos ganhadores e as desvantagens dos
perdedores se acumulam ao longo das gerações.

Do ponto de vista econômico, as empresas que vencem a competição do


mercado estão acumulando vantagens competitivas há décadas ou até séculos.
Essas vantagens estão concentradas em:

• Mão de obra especializada: os melhores profissionais, preparados nas


melhores faculdades e núcleos de formação são contratados pelas grandes
empresas;

• Tecnologia de ponta: as grandes empresas investem muito em


pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos produtivos
baseados em alta tecnologia;

• Escala: grandes compras de matérias-primas, linhas de produção com


grande divisão técnica do trabalho e outros elementos reduzem custos produtivos
em função do volume da produção ou da prestação de serviços;

• Propaganda e marketing: as estratégias de divulgação das grandes


empresas são marcadas por grandes campanhas publicitárias;

• Acesso ao crédito: as oportunidades de obtenção de crédito a juros


mais acessíveis têm grande correlação com a segurança que os bancos têm do
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retorno do empréstimo. Ou seja, as grandes empresas conseguem recursos
financeiros a juros muito mais baixos do que as pequenas empresas que estão
iniciando sua atividade econômica.

O processo de concentração de renda e tecnologia se alimenta do fato de


que os perdedores da competição acumulam desvantagens tornando cada vez
maior a falta de condições básicas de sobrevivência. Esses perdedores são
pressionados a buscar produtos de menor qualidade.

Como já vimos, quem pode oferecer produtos com custos mais baixos, são as
grandes empresas. Ou seja: quanto mais pobre o consumidor, mais ele direciona
seu consumo para os produtos produzidos pelas empresas poderosas que
acumularam vantagens e continuarão acumulando. Assim, com estes hábitos de
consumo, a pobreza cada vez mais alimenta a riqueza e o abismo entre ricos e
pobres.

E o que é Solidariedade?

Solidário vem da palavra “sólido”, “duro”. Um bom exemplo para isso é a


água: Quando ela está na forma de gelo, ela é “dura” (estado sólido), mas quando
aumenta a temperatura do ambiente ela fica "mole" (estado líquido). Isso acontece
porque no congelador as partículas que compõem a água ficam mais próximas umas
das outras tornando-a mais dura, mais sólida. A proximidade das "gotinhas" faz com
que a água se torne mais resistente.

Vamos pensar a mesma idéia da água e do gelo, mas agora com palitos de
madeira. É fácil quebrar um palito de madeira? Certamente sim. E se unirmos 30
palitos, continua fácil? Quando tentamos quebrar um, conseguimos com facilidade,
mas quando pegamos trinta palitos e tentamos quebrá-los fica mais difícil. É a
famosa frase: “a união faz a força”. Essa força está relacionada à proximidade dos
palitos.

Na nossa realidade, a solidariedade se relaciona com a proximidade de


pessoas que buscam se ajudar construindo relações de amizade e partilha, por
exemplo, aproximando-se dos vizinhos, amigos, da natureza, enfim de todos,
buscando a força da união. Se quisermos melhorar nossa comunidade precisamos
nos unir!

O Vôo dos Gansos

A partir da proposta do trabalho em regime de mutirão, podemos refletir sobre


um exemplo da natureza que nos ensina muito: quando os gansos voam, eles o
fazem uma formação em “V”. Esse exemplo nos traz muitos ensinamentos, entre
eles:

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Trabalho em equipe: No vôo, uma das aves vai à frente, cortando o vento,
para facilitar a viagem de todo o grupo. Isto implica um desgaste para o ganso da
frente, mas quando ela cansa, vai para o final da fila e o ganso que estava atrás do
primeiro passa para a liderança;

Objetivos em comum: Todos os indivíduos, unidos na mesma direção, com


objetivos compartilhados, tornam os objetivos individuais mais fáceis de serem
atingidos;

Respeito pelo líder: Todos aprendem a respeitar o papel do líder, pois todos
assumem a liderança por algum tempo. Um exemplo são os sons que os gansos
emitem continuamente para incentivar o líder a continuar abrindo o caminho.

Companheirismo: Quando um ganso se machuca, outros dois gansos


descem com ele para acompanhar seu repouso, fazendo sua proteção e auxiliando
seu tratamento enquanto esperam outro bando para prosseguir a viagem.

A magia da Soma

Diversas são as formas que as pessoas encontram para descrever a riqueza


da união. Poesias e mais poesias destacam o caminho da soma de forças entre as
pessoas. Dentre elas destaca-se a música "SOMA" que Léo Artese, um terapeuta e
professor de comunicação, nos presenteia:

SOMA
(Léo Artese)

Vem a mim Vamos nós e


E a ti eu lhe dou Nós muito mais
Eu sou mais Somos nós
Assim como eu sou Somos muito mais
Vou a ti Somo eu,
E tu a mim dás Somamos você
Eu dou mais Somos nós
Eu sou muito mais Somamos assim

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O Resgate da Economia Solidária

A proposta da Economia Solidária é resgatar essas duas idéias: a economia


do cuidado e a solidariedade da proximidade das pessoas com a natureza.

A Economia Solidária ressurge como um resgate da luta histórica dos


trabalhadores e das trabalhadoras, como defesa contra a exploração do trabalho
humano e como superação da exclusão social a partir de novas formas de organizar
as relações sociais dos seres humanos e desta com a natureza.

Trata-se de uma proposta de organizar a produção, o consumo e as finanças


para suprir as necessidades de todos, a partir da extração dos recursos naturais de
forma cuidadosa e inteligente. Assim, ela busca valorizar a natureza e a vida
comunitária, resgatando a união entre todas as coisas, preservando os talentos das
pessoas, os laços de amizade e a harmonia.

Ou seja, a proposta da Economia Solidária se refere, não só à organização


de pessoas para formar empreendimentos econômicos, mas também à organização
dos empreendimentos para formarem uma rede de cooperação. Dessa forma, é
possível construir outro modelo de sociedade, baseado em unidade, respeito e
pertencimento à grande teia da vida.

A proposta da Economia Solidária é inspirada na luta dos operários europeus


do século 19, que formaram cooperativas, como formas alternativas ao desemprego
e às condições insuportáveis de trabalho da época.

Origem: O Movimento Cooperativista do século XIX

A Economia Solidária tem origem na primeira metade do século 19, no


contexto da Inglaterra da Revolução Industrial, com esforços para mudar a
sociedade.

Havia uma grande massa de camponeses expulsos de suas terras, que se


tornaram desempregados. Os que conseguiam trabalho eram submetidos a
condições de extrema precariedade e exploração, já que não havia leis de proteção
ao trabalhador.

Dessa massa de trabalhadores oprimidos, surgiram grupos que começaram a


se auto- organizar para transformar um propósito em realidade. A primeira destas
iniciativas foi a criação de uma cooperativa de consumo, a cooperativa de Rochdale,
uma empresa democrática, para comercializar produtos de qualidade a preços
baixos.

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Dada a insatisfação dos trabalhadores, grande parte deles realizava suas
compras na cooperativa, fazendo com que a mesma prosperasse e gerasse
abundância. A partir desses recursos, outras cooperativas foram sendo criadas e um
verdadeiro movimento cooperativista foi sendo desenhado com a intenção de
reestruturar a economia e a sociedade.

Esse movimento durou cerca de 50 anos e, durante esse tempo, diversas


ferramentas e práticas foram desenvolvidas. Da união dessas práticas e ferramentas
constituíram-se o conceito de Aldeias Cooperativas, cidades inteiras organizadas de
forma cooperativada.

No fim do século XIX, o movimento perdeu força e permaneceu praticamente


esquecido durante o século XX.

Resgate: A reinvenção da Economia Solidária na década de 1990

No fim do século XX essas idéias começaram a ser resgatadas criando


novamente um ambiente fértil para a organização de um movimento prático amplo e
organizado, capaz de possibilitar transformações sociais.

O processo de globalização do mercado internacional, que propôs e até


impôs a expansão do livre mercado através da redução dos impostos de importação,
resultou em um aumento desastroso da competição internacional. Isso por sua vez
resultou em um enfraquecimento da indústria nacional dos países em
desenvolvimento, como o caso do Brasil.

Assim, a partir da expansão da competição, atrelada ao processo de


globalização econômica, três problemas apareceram:

• Aumento do desemprego, ligado à falência de grandes empresas e o


enxugamento do quadro de funcionários, visando expandir indefinidamente o
lucro das empresas que sobreviveram;

• Pressão pela diminuição dos direitos dos trabalhadores e aumento do


trabalho informal, de forma a amplificar as possibilidades de exploração do
trabalhador;

• Intensificação da exploração tanto do trabalho como da natureza,


visando reduzir custos para que as empresas pudessem sobreviver no
mercado.

Esse contexto possibilitou a integração de diferentes grupos sociais que


variam desde sindicatos, passando por trabalhadores rurais e universidades,
chegando até os movimentos ambientalistas. Ou seja, hoje há um verdadeiro
mutirão mobilizado e articulado em prol de uma economia mais justa.

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É a partir desse ambiente que a Economia Solidária começa a ser
reinventada. Trabalhadores assumiram empresas falidas; assentados da reforma
agrária formaram cooperativas agrícolas; igrejas e movimentos sociais urbanos
começaram a organizar empreendimentos solidários nos bolsões de pobreza;
universidades começaram a desenvolver tecnologias para a inclusão social;
gestores públicos começaram a implementar políticas públicas; e outras inúmeras
ações ligadas ao propósito da transformação sócio-econômica.

Ações de Economia Solidária

Dentre as possíveis ações que podemos realizar na comunidade, citamos três


exemplos que contribuem para o seu desenvolvimento:

1) Organização de empreendimentos populares;

Trata-se da organização de grupos que tem como objetivo fornecer produtos,


serviços e saberes, e trabalham de forma democrática e em regime de mutirão. Essa
proposta se encaixa com o propósito das cooperativas populares e outras formas de
organização coletiva de trabalhadores.

2) Mobilização do consumo responsável

Trata-se de sensibilizar as pessoas para orientarem seu consumo aos


produtos, serviços e saberes oferecidos por empreendimentos populares que
trabalham de forma a valorizar o trabalho e preservar a natureza. A partir desse
consumo, os empreendimentos populares conseguem gerar renda para seus
integrantes que passam a comprar produtos, serviços e saberes produzidos por
outros empreendimentos populares, constituindo uma rede solidária e transformando
círculos viciosos de concentração de renda em círculos virtuosos de geração de
renda e desenvolvimento comunitário.

3) Disponibilização de Serviços de Finanças Solidárias

Dado que os empreendimentos populares precisam de recursos financeiros


para iniciarem ou ampliarem suas estruturas de produção e prestação de serviço, e
que o acesso a crédito não é fácil, as comunidades podem organizar bancos
comunitários e fundos rotativos para disponibilizar pequenos empréstimos a juros
baixos e sem necessidade de comprovantes de não-devedores.

Além do crédito, bancos comunitários podem criar e gerir moedas


comunitárias como resposta à falta de dinheiro em circulação. Essas moedas são
utilizadas para facilitar as trocas e comprar produtos, serviços e saberes oferecidos
nos comércios do bairro a fim de movimentar a economia local.

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Resumo do Capítulo

Esse capítulo abordou o tema da Economia Solidária. Nessa conversa vimos


que:

1)A palavra “economia” tem sua origem há cerca de 2300 anos e significa
"cuidar da casa";

2)A economia perdeu seu sentido original de preocupar-se com a natureza e


com as pessoas;

3)Solidariedade se relaciona com a proximidade de pessoas que buscam se


ajudar construindo relações de amizade e partilha;

4)Economia Solidaria é um resgate da “economia do cuidado” e da


proximidade entre as pessoas e a natureza;

5)É uma nova forma de organizar produção, consumo e poupança,


valorizando a natureza e a vida comunitária, resgatando os talentos das pessoas e
os laços de amizade e união;

6)Se refere não só à organização de pessoas para formar empreendimentos


econômicos, mas construir outro modelo de sociedade;

7)Existem diversas formas de organizar ações para a construção da


Economia Solidária em nossa comunidade.

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Roteiro do Capítulo:

Nesse capítulo abordaremos:

• O que é ser empreendedor e como a natureza nos dá exemplos de animais


empreendedores;

• O que é ser empreendedor da Economia Solidária;

• O comportamento empreendedor e a importância do planejamento e


monitoramento;

O que é ser Empreendedor?

Ao pensar em formar um empreendimento popular precisamos nos preparar


para que ele dê certo. Trata-se de um negócio, uma empresa que precisa organizar
suas atividades para vender seus produtos ou serviços. Não é brincadeira não!

Um empreendedor é uma pessoa que tem a atitude para transformar idéias


em realidade. Ou seja, aquela capacidade de reunir pessoas, recursos, idéias e
“fazer acontecer”. Deve-se basear no desejo de mudar as coisas, fazendo algo novo
ou melhorando o que já existe.

Por outro lado é uma pessoa capacitada para tomar decisões importantes,
assumir riscos e focar no seu objetivo e metas. O empreendedor deve dominar
noções básicas de administração, como calcular custos, prever gastos até divulgar
seus produtos ou serviços e atender bem os clientes.

Empreendedores são pessoas que conseguem enxergar uma oportunidade,


atravessar os obstáculos e focar no alvo certo para atingir seus objetivos. No nosso
caso, por exemplo, os empreendedores são tanto os gestores e educadores das
entidades, como também os membros dos empreendimentos populares.

O Empreendedor na Economia Solidária

A proposta da Economia Solidária é transformar um trabalhador,


desempregado ou não, em um empresário que viabiliza a geração de renda a partir
da sua própria organização e participação no mercado.

Mas o que isso é diferente das propostas comuns de empreendedorismo? A


proposta da Economia Solidária é a formação de outro tipo de empreendedor. Um

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empreendedor preocupado com a sua comunidade e o meio ambiente e que não
reproduza a "cultura da competição", mas trabalhe com a "cultura da paz".

Tirar um ou mesmo alguns indivíduos da condição de exclusão social, não


resolve a questão fundamental da degradação do trabalhador e do ambiente. De
nada adianta reproduzirmos o atual sistema econômico, que causa uma série de
problemas sociais e ambientais, concentrando renda e oportunidades para uma
pequena parcela da população.

O empreendedor na Economia Solidária deve estar preocupado em como seu


empreendimento econômico se relaciona com a comunidade, como ele pode
contribuir para o desenvolvimento da região e a melhoria da qualidade de vida de
todos que vivem ao redor.

A Águia Empreendedora

A natureza nos fornece um grande número de exemplos de "animais


empreendedores".

A águia é um animal surpreendente, não só pela sua beleza, mas por ser um
exemplo de vida para nós. Ela é um belo exemplo de empreendedorismo.

Para caçar, primeiro ela traça um objetivo: comer. Depois ela determina uma
meta: caçar uma cobra. Por fim ela elabora sua estratégia: utilizar sua visão para
enxergar a presa e, com garra e coragem, mergulhar. Então, habilidosamente ela
consegue agarrar seu alvo.

O empreendedor deve apresentar as mesmas características, sendo elas:

• Clareza: desenvolver um planejamento de ação, ter um objetivo com metas


claras;

• Visão: ter definido e claro o público alvo, e qual produto ou serviço vai
proporcionar a estas pessoas; ter uma visão do mercado e perspectiva do
futuro;

• Garra: força de vontade, atitude e persistência;

• Habilidade: assim como a águia tem que ser precisa na hora de agarrar seu
alimento, devemos realizar as atividades do empreendimento com grande
habilidade;

• Assumir riscos calculados: assim como a águia que escolha as presas que
apresentam menor risco, devemos calcular os riscos de investir em uma
atividade.
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Além disso, a águia nos mostra duas belas lições:

A renovação da águia

Quando a águia atinge aproximadamente 30 anos ela precisa tomar uma


decisão:

Suas penas estão pesadas, suas unhas e bicos, grandes e tortos. Com isso,
ou ela se prepara para a morte ou se renova a partir de um processo doloroso.

Com o bico, ela arranca suas próprias penas e unhas e bate com seu bico na
rocha até ele cair. Com isso, seu bico, unhas e penas nascem de novo e ela pode
viver novamente a mesma quantidade de tempo que já viveu, podendo atingir até 70
anos.

O que podemos aprender?

Coragem para se renovar – a proposta de formação de empreendimentos


populares são possibilidades das pessoas entrarem em contato com novos
conhecimentos, possibilitando a descoberta de novos talentos. Mas para isso é
necessário coragem: sair da rotina e pensar como podemos levar adiante esses
conhecimentos.

A Águia e a Galinha

Certo dia, um ecologista andava por uma trilha em uma cidade no interior e
pediu hospedagem para um agricultor familiar. O ecologista, muito simpático, foi logo
se tornando amigo do agricultor e pediu para ele mostrar suas criações e plantações.

Na hora de mostrar o galinheiro, o ecologista tomou um grande susto. Junto


com as galinhas estava uma águia ciscando feito galinha.

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Logo o ecologista afirmou que aquele animal não era uma galinha, mas um
águia.

O agricultor respondeu que no passado era uma águia e que agora era uma
galinha. O Ecologista não se convenceu! Pegou a águia pelo pulso e deu palavras
de incentivo: Voe! Você é uma águia e não uma galinha! A águia voltou ao chão e
continuou ciscando à procura de minhocas. O agricultor riu e disse: Falei que ela é
uma galinha!

O ecologista passou alguns dias no sítio do agricultor e todos os dias ele ia


conversar com a águia, falando que ela não era uma galinha, que era uma águia e
que poderia voar no céu sem fim, buscando novos horizontes. Mas a águia nem
prestava atenção, ficava ciscando no chão igual as galinhas. E o agricultor só tirava
sarro.

O ecologista estava quase desistindo quando teve a idéia de incentivar a


águia a voar no nascer do sol. Dito e feito, quando o sol nasceu as palavras do
ecologista e o sol nos olhos da águia fez com que ela se lembrasse de quem era e
com as grandes asas abertas iniciou seu vôo sem fim.

Qual a moral da estória?

A sociedade nos trata como galinhas, mas somos águias. Só depende de


acreditarmos em nós mesmos para voarmos!

Conclusão

Assim como a águia, diversos animais nos inspiram para sermos


empreendedores. É justamente na natureza que podemos buscar exemplos reais de
como transformar idéias em realidade. O desafio está colocado: transformar as
nossas idéias em realidade, reunindo pessoas para montarmos um empreendimento
popular.

Comportamento Empreendedor

Para ser um empreendedor capaz de fazer com que um empreendimento


popular tenha sucesso faz-se necessário desenvolver alguns comportamentos, entre
eles:

• Busca por oportunidades e informações: que possibilitem o aproveitamento de


oportunidades para facilitar a inserção dos empreendimentos populares no
mercado;
• Ter atitude: fundamental para a realização de qualquer coisa é a atitude de
“botar a mão na massa”. Como já dizia a música, “quem sabe faz a hora, não
espera acontecer”;

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• Inovar: Fazer diferente, criar novas formas de fazer a mesma coisa ou
inventar algo novo. A inovação é muito importante para que possamos nos
diferenciar dos outros e para oferecer algo necessário, que ainda não está
sendo fornecido;

• Perseverar: como dissemos, não é fácil abrir e tocar um negócio próprio. Não
se tem a melhor das idéias de primeira. A idéia perfeita de hoje, pode não ser
a idéia perfeita para amanhã. Melhoras são sempre necessárias. Idéias e
decisões “erradas” sempre estarão presentes e são ótimos professores.
Devemos buscar identificar o que realmente não convém e mudar, encarar os
desafios como oportunidades de melhorar o que fazemos. O segredo disso é
a persistência;

• Confiar em si mesmo e no poder do grupo: junto com a perseverança,


devemos acreditar na capacidade de superar os desafios, de fazer as coisas
melhor, após ter aprendido com os erros. Pensamento positivo e força de
vontade são fundamentais;

• Busca por qualidade: devemos sempre oferecer produtos e serviços com


qualidade para nossos clientes. Só assim poderemos prosperar. Para isso,
devemos exigir a qualidade das matérias-primas que compramos e realizar
controles de qualidade da nossa produção;

A Importância do Planejamento

As atividades do dia-a-dia de um empreendimento popular exigem um


planejamento. Para organizar as várias atividades e as várias pessoas, é preciso
que cada uma delas não "se perca" no processo.

Além de planejar, é importante monitorar as atividades para que possamos


verificar se o planejamento está sendo cumprido e quais as principais dificuldades
encontradas. É justamente em cima das dificuldades que devemos trabalhar para
que possamos superá-las.

Para um bom planejamento precisamos nos preocupar em traçar metas, o


alvo onde queremos chegar. Além de saber "o que eu quero" é interessante definir
"para quando eu quero". As metas devem ser desafiantes mas não impossíveis.

Metas fáceis não possibilitam um grande avanço, mas metas difíceis podem
desanimar os empreendedores. O objetivo do empreendimento deve ser
decomposto em metas parciais, atingíveis, dentro de prazos delimitados.

Exercício: determine duas metas para sua vida e um prazo para que elas
sejam atingidas:

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Elaborar estratégias

Para atingir suas metas é necessário definir estratégias. Ou seja, "como eu


vou conseguir o que eu quero". Há várias formas bem diferentes de se conseguir
uma dada meta.

O exemplo do planejamento do almoço pode ilustrar a relação entre meta e


estratégia. A necessidade é alimentar a família, uma das metas é preparar almoços
diariamente, a estratégia é usar o fogão para cozinhar os alimentos comprados na
feira.

Para as metas definidas acima elabore a sua estratégia.

Meta
1:__________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Meta
2:__________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Elaboração de um Plano de Trabalho

A partir das metas e da definição das estratégias podemos construir um plano


de trabalho em forma de tabela que ajudará a monitorar nosso trabalho,
possibilitando um acompanhamento das atividades de consolidação do
empreendimento. Um modelo simples de plano de trabalho pode ser realizado
conforme a tabela:

Necessidade Meta Estratégia Prazo Responsável


Ampliar vendas vender 100 Buscar espaço até dia 10/10 Felipe
unidades/mês em feiras
Diversificar Elaborar novo Realizar curso até dia 12/11 Gabriel
produção produto de capacitação
Reduzir Custos Pesquisa de Ligar para fazer até dia 20/11 Isabele
Fornecedores cotação de
preço

Faça o seu Plano de Trabalho com as metas e estratégias definidas acima:

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Necessidade Meta Estratégia Prazo Responsável

Resumo do Capítulo

Este capítulo trabalhou o tema Empreendedorismo Popular. Nele vimos que:

1) Ser empreendedor é transformar idéias em realidade;

2) Os animais nos inspiram com exemplos de empreendedorismo, como é o


caso da águia;

3) Os empreendedores da Economia Solidária não devem reproduzir a


"cultura da competição", mas trabalhar com a "cultura da paz";

4) O empreendedor deve desenvolver alguns comportamentos para


aumentar as chances de viabilizar seus planos;

5) 5) O planejamento é muito importante para que as pessoas não "se


percam" no dia-a-dia do empreendimento.

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Relações interpessoais:

De modo geral, o indivíduo é ensinado a ver o outro como um adversário


perigoso, diante do qual tem que se defender e se manter atento.

É verdade que existem pessoas não confiáveis, mas é perigoso generalizar e,


com isso, impedir-se de confiar, compartilhar e crescer.

Relacionar-se significa:

• Saber ouvir.

• Compreender que todos podem ensinar algo.

• Dizer não, sem diminuir a outra pessoa.

• Saber elogiar e reconhecer a competência de alguém.

• Saber perdoar e não se eleger como dono da verdade.

• Não ter ressentimento armazenado.

• Fazer parceria com o outro, crescer e evoluir junto.

• Enxergar as qualidades e não ver somente os defeitos.

Algumas dicas para um bom relacionamento no ambiente de trabalho:

• Apresentação pessoal: cuidado com a aparência; higiene pessoal; vestes


adequadas ao ambiente; postura.

• Facilidade de relacionamento: propiciar ambiente de harmonia; descontração


no ambiente social.

• Facilidade de comunicação verbal: comunicar-se adequadamente; fornecer


respostas claras e objetivas.

• Rapidez de raciocínio e decisão: sintetizar rapidamente as informações; saber


que você é parte de um grupo; ter decisões rápidas e objetivas.

• Criatividade: buscar o novo sem medo de errar; ser criativo mesmo na rotinas.

21
• Liderança: ser capaz de comandar o processo de forma natural e contribuindo
com o grupo

• Capacidade de observação: identificar pontos críticos; ter visão global do


processo;

• Conhecer além de sua especialização.

• Capacidade de argumentação: ser capaz de estruturar um raciocínio lógico


baseado em informações seguras e expô-lo de forma que as pessoas possam
entender suas idéias.

• Determinação: não esperar que os outros decidam por você, acreditar em


suas idéias e defendê-las caso elas contribuam com a equipe de trabalho.

• Equilíbrio emocional: muito mais do que manter a "cabeça fria", é preciso


incorporar emocionalmente os desafios assumindo um papel de condutor,
aliando a isso seu conhecimento técnico e acadêmico (teoria e prática).

Etapas e formação do cooperativismo

Origens do cooperativismo

Na luta pela sobrevivência os povos antigos já praticavam a cooperação na


caça, na pesca e na habitação.

Na babilônia, no Egito e na Grécia já existiam formas de cooperação bem


definidas nos campos de trigo, no artesanato e no sepultamento.

Quatrocentos anos antes de cristo, na china, os mercadores freqüentemente


sofriam prejuízos ao naufragarem nas águas do rio Vang-Tsé. Em busca de solução
para o problema, se organizaram em grupos de 10, levando em cada barco uma
caixa de mercadorias de cada um dos companheiros.

Assim, quando ocorria um naufrágio, o prejuízo era dividido entre todos,


evitando que o dono da embarcação e sua família sofressem privações por mais
longo tempo. Uma das formas mais bem definidas de cooperação foi constatada no
século XV, quando do descobrimento da América: a civilização asteca e maia (região
centro-americana) e inca (Peru) viviam em regime de verdadeira ajuda mútua. O
sistema era sustentado pela organização agrária e o rei mantinha soberania sobre a
terra, repartindo-a entre os súditos para a exploração e usufruto, na modalidade de
propriedade familiar, passando de pai para filho, desde que fossem cumpridas
algumas normas, tais como:

• Divisão dos resultados das colheitas, proporcional ao trabalho de cada um;


22
• Reserva de uma parte como tributo ao rei e outra para o sustento das
crianças e dos idosos;

• Construção coletiva de sistemas de irrigação, a exemplo do que era feito no


combate às pragas;

• Obras de defesa e embelezamento em locais específicos;

• Celebração coletiva de festas religiosas;

• Adoção do costume de empréstimo de sementes, pelo grupo, para o próximo


plantio, àquele que perdesse a colheita.

A primeira cooperativa

As experiências e as idéias dos precursores, extraídas de seus livros ou


conservadas por seus seguidores, não tiveram aproveitamento tão eficaz como o
demonstrado pelos operários na cidade de Rochdale, na região de Lancaster, na
Inglaterra.

Prejudicados pelo novo modelo industrial que substituiu o trabalho artesanal e


outras atividades pelas máquinas que haviam sido inventadas, esses trabalhadores
tiveram que enfrentar os inconvenientes do desemprego, em virtude da mão-de-obra
excedente, sendo levados a se preocupar com outras alternativas para garantir o
sustento de suas famílias.

Discutindo suas dificuldades e buscando soluções para problemas que já se


tornaram angustiantes em toda a Europa, eles ouviram a opinião de um
companheiro que fora discípulo de Robert Owen, e decidiram pela criação de uma
sociedade de consumo, baseada no cooperativismo puro.

Combinaram que cada um economizaria pequenas parcelas de seus poucos


rendimentos, mesmo submetendo-se a inúmeras privações, pelo menos durante um
ano, para tentar formar algo que pudesse tirá-los da aflitiva situação em que se
encontravam.

Essa reunião, que teve a participação de 27 tecelões e uma tecelã, aconteceu


em uma tarde de novembro de 1843 e repetiu-se em 21 de dezembro de 1844, para
a fundação de um armazém comunitário, com capital inicial de 28 libras,
representando uma libra que cada um do grupo havia economizado.
Dispondo de pequenos estoques de açúcar, gordura, farinha e outros gêneros
de primeira necessidade, o modesto estabelecimento, administrado pelos seus
próprios fundadores, foi alvo da incredulidade e da inveja dos tradicionais
comerciantes da cidade. Despertou, porém, a atenção dos consumidores locais e
23
principalmente das classes trabalhadoras, pela considerável prosperidade.

Logo no primeiro ano de funcionamento o capital da empresa aumentou para


180 libras e, cerca de dez anos mais tarde, o “armazém de Rochdale” já contava
com 1.400 cooperados. A sociedade prosperava economicamente, funcionando de
forma democrática e exercendo sua função social.

Essa atitude representou uma reação à ganância capitalista que, na época,


submetia crianças e mulheres a jornada de até 16 horas de trabalho. O êxito dessa
iniciativa passou a ser um exemplo para outros grupos. Preocupados com a
progressão de sua idéia, embora já existissem sociedades similares (modelo
cooperativista) na própria Inglaterra e na Escócia, aperfeiçoaram um sistema de
reuniões denominado “sala de temperança”. Através dele, desenvolveram um
conjunto de princípios, conhecidos mais tarde como “princípios básicos do
cooperativismo”, adotados posteriormente por cooperativas surgidas em diversos
países do mundo.

Os valores de ajuda mútua e de igualdade de direitos e deveres cultivados


pelos tecelões ingleses são tão fundamentais que, mesmo passado mais de 150
anos, permanecem como cerne desse movimento que se expandiu pelo mundo
através dos tempos e em diferentes campos da atividade humana. A partir da
experiência dos pioneiros, as cooperativas se multiplicaram pelos mais diversos
países, originando o movimento cooperativista.

Os dados a seguir ilustram a importância desse movimento nos dias de hoje:

• Na Polônia, mais de 75% das moradias existentes foram construídas por


cooperativas;

• Na Suécia a cadeia de cooperativas possui a maior refinaria de petróleo do


país e é responsável pela distribuição de 20% do total de combustível e
produtos petrolíferos, as cooperativas são responsáveis por 99% da produção
de laticínios;

• Na Malásia, o maior sistema de seguros é o do movimento cooperativista;

• As cooperativas de turismo e viagens romenas são de extrema importância


devido à amplitude de sua rede e ao grande número de estações de férias;
• Na Índia, as cooperativas leiteiras têm usinas de transformação de leite que
estão entre as maiores e mais modernas do mundo e fazem chegar o leite às
regiões mais longínquas. Cerca da metade da população de açúcar vem de
cooperativas;

• A Islândia, pequena ilha do mar do norte, é comumente conhecida como


“Islândia cooperativista”, devido ao elevado nível de desenvolvimento das
24
cooperativas em todos os setores da economia.

• O segundo lugar no sistema bancário mundial de crédito é ocupado pelas


caixas cooperativistas agrícolas francesas;

• As cooperativas de Mondragon, Espanha, são grandes produtoras de


refrigeradores e eletrodomésticos e estão entre as 10 maiores empresas do
país;

• As cooperativas polivalentes japonesas, responsáveis por 95% da colheita de


arroz, agregam quase que a totalidade dos agricultores e ocupam um lugar de
destaque no desenvolvimento econômico das regiões rurais daquele país.
Todos os pescadores são cooperados;

• As cooperativas de eletrificação rural foram responsáveis pela quase


totalidade da energia elétrica implantada no setor rural dos estados unidos.

Cooperativismo no Brasil

Por volta de 1610, quando foram fundadas no Brasil as primeiras reduções


jesuíticas, houve a tentativa da criação de um estado em que prevalecesse a ajuda
mútua. Esse modelo de sociedade solidária entre missionários, indígenas e
colonizadores visava, em primeiro lugar, ao bem estar do indivíduo e de sua família,
acima dos interesses econômicos da produção. Incentivada pelos padres jesuítas, a
prática do “mutirão, já vivenciada pelos povos primitivos, vigorou por cerca de 150
anos entre os índios guaranis, nas diversas reduções. O movimento cooperativo
propriamente dito começou a ser conhecido no Brasil somente por volta de 1847,
quando o francês Jean Maurice Faivre, sob inspiração de Fourier, fundou nos
sertões do Paraná a colônia Tereza Cristina, que, apesar de sua breve existência,
muito contribui para o florescimento do ideal cooperativista no país.

A primeira cooperativa brasileira, fundada em 1891, foi a cooperativa de


consumo dos funcionários da companhia telefônica em Limeira - SP.

A partir de 1932, com a promulgação do decreto no 22.239, que apresenta as


características das cooperativas e consagra as postulações doutrinárias do sistema
cooperativista, houve uma grande expansão desse movimento.

O primeiro congresso brasileiro de cooperativismo foi realizado em São Paulo


em 1944, na comemoração do centenário da cooperativa dos pioneiros de Rochdale.

Hoje, as cooperativas brasileiras são responsáveis por:

• 75% do trigo, 40% do açúcar, 32% do álcool, 37% da soja e 41% da cevada
25
produzido no país;

• 43% das exportações brasileiras de lã e derivados;

• 52% do leite inspecionado, 25% do leite em pó integral, 42% do leite


desnatado;

• 50% da manteiga, 35% do queijo e 40% do iogurte produzido no Brasil;

• 23% da capacidade nacional de armazenamento de grãos.

Princípios do cooperativismo

A Aliança Cooperativa Internacional (ACI), órgão de cúpula do cooperativismo


mundial, foi criada em Londres em 1895, com o objetivo de continuar a obra dos
pioneiros de Rochdale.

Mundialmente os princípios cooperativistas são os abaixo relacionados:

1. Adesão livre e voluntária

Cooperativas são organizações voluntárias abertas a todas as pessoas aptas a usar


seus serviços e dispostas a aceitar as responsabilidade de sócio, sem discriminação
social, racial, política ou religiosa e de gênero.

2. Controle democrático pelos sócios

As cooperativas são organizações democráticas controladas por seus sócios os


quais participam ativamente no estabelecimento de suas políticas e na tomada de
decisões. Homens e mulheres eleitos como representante, são responsáveis para
com os sócios. Nas cooperativas singulares os sócios têm igualdade na votação (um
sócio um voto); as cooperativas de outros graus são também organizadas de
maneira democrática.

3. Participação econômica dos sócios

Os sócios contribuem de forma eqüitativa e controlam democraticamente o capital de


suas cooperativas. Parte desse capital é propriedade comum dos cooperados.
Usualmente os sócios recebem juros limitados (se houver algum) sobre o capital
como condição de sociedade. Os sócios destinam as sobras aos seguintes
propósitos: desenvolvimento das cooperativas, possibilitando a formação de
reservas, parte dessas podendo ser invisíveis; retorno aos sócios na proporção de
suas transações com as cooperativas e apoio a outras atividades que forem
aprovadas pelos sócios.

26
4. Autonomia e independência

As cooperativas são organizações autônomas para ajuda mútua controladas pelos


seus membros. Entretanto em acordo operacional com outras entidades inclusive
governamentais, ou recebendo o capital de origem externa, elas devem fazê-lo em
termos que preservem o seu controle democrático pelos sócios e mantenham sua
autonomia.

5. Educação, treinamento e informação

As cooperativas proporcionam educação e treinamento para os sócios, dirigentes e


eleitos administradores e funcionários, de modo a contribuir efetivamente para o seu
desenvolvimento. Eles deverão informar o público em geral, particularmente os
jovens e os líderes formadores de opinião, sobre a natureza e os benefícios da
cooperação.

6. Cooperação entre cooperativas

As cooperativas atendem seus sócios mais efetivamente e fortalecem o movimento


cooperativo trabalhando juntas através de estruturas locais, regionais, nacionais,
internacionais.

7. Preocupação com a comunidade

As cooperativas trabalham pelo desenvolvimento sustentável de suas comunidades


através de políticas aprovadas por seus membros.
No site da cooperativa Mondragon podemos encontrar a seguinte mandala que
simboliza exatamente o espírito cooperativista:

27
Cooperativismo como forma de organização social

Função do cooperado

Na função de dono e usuário da cooperativa, o cooperado é responsável pela


execução de todos os e atos e cumprimento dos objetivos estabelecidos. O
cooperado deve contribuir da melhor maneira possível em favor daqueles que
receberam a incumbência da administração da cooperativa, para que todas as
decisões sejam corretas e representativas da vontade da maioria.

As pessoas na cooperativa são as protagonistas do modelo de gestão,


trabalhando em equipe, colaborando entre si, com um sentimento coletivo de
pertencimento, se responsabilizando pelos ganhos e perdas.

Para isso é preciso que o grupo que a compõe tenha uma visão
compartilhada, uma razão de ser, e uma visão, um futuro comum e valores comuns.

A organização da cooperativa deve ser participativa onde cada cooperado


tem a possibilidade de definir os objetivos e tomadas de decisão acerca dos
trabalhos a serem realizados. Isto é a autogestão.

Deveres do cooperado

• Respeitar as decisões votadas nas assembléias gerais, que representam a


vontade da maioria.

• Pagar o compromisso da cota de capital fixada para criar ou ingressar na


cooperativa

• Zelar pelo interesse comum e autonomia da sociedade

• Colaborar no planejamento, funcionamento, avaliação e fiscalização das


atividades.

• Debater idéias e decidir pelo voto os objetivos e metas de interesse

• Denunciar, sempre, os procedimentos indevidos

• Pagar sua parte, caso ocorram prejuízos financeiros

• Estimular a integração da cooperativa com o movimento cooperativista

• Buscar capacitação profissional para o desempenho de suas atividades.

28
Direitos do cooperado

• Freqüentar as assembléias gerais, decidindo pelo voto os assuntos de


interesse da sociedade

• Votar e ser votado para cargos administrativos, fiscais ou outras funções.

• Participar das atividades econômicas, sociais e educativas

• Ser consumidor e usuário dos serviços oferecidos pela cooperativa

• Receber o retorno proporcional das sobras de capital

• Examinar os livros e documentos da cooperativa e solicitar esclarecimentos


aos dirigentes e conselheiros

• Convocar assembléia extraordinária, caso se faça necessário, conforme


estabelecido no estatuto

• Ser informado e solicitar informações sobre as atividades da cooperativa

• Ter acesso aos balanços financeiros, demonstrativos e relatórios, antes da


realização da assembléia geral.

• Retirar seu capital ao sair da sociedade, de acordo com o estabelecido em


estatuto.

Cooperativa de trabalho

Denominam-se cooperativas de trabalho tanto as que produzem bens como


aquelas que produzem serviços – sempre pelos próprios cooperados.

São trabalhadores cooperados todos os associados da empresa cooperativa,


tanto os que executam os trabalhos mais simples (carregadores, pedreiros, garis ),
como os especialistas ( médicos , engenheiros ) e também aqueles que assumem a
reconversão de empresas.

O grupo, ao se organizar em uma cooperativa de trabalho, passa a ter


melhores condições para atuar no mercado e, em varias situações, elimina a figura
do intermediário.

Os trabalhadores numa cooperativa de trabalho são, ao mesmo tempo,


usuários (utilizam-se da cooperativa para , através dela, buscar e/ou manter postos
de trabalho ) e donos do próprio negócio ( ingressam com capital para constituir a
empresa a empresa cooperativa ). Eles são a própria mão de obra: não há

29
empregados na atividade fim. A cooperativa de trabalho é uma autêntica
cooperativa autogestionária: todos participam, ao mesmo tempo na gestão e na
produção.

De modo geral, para fins didáticos, podemos classificar as cooperativas de


trabalho em:

Cooperativas que produzem serviços:

• Setor saúde: reúne profissionais de medicina, odontologia, psicologia,


paramédicos, enfermagem, etc.

• Setor transporte: reúne motoristas de táxis, caminhões, peruas, ônibus,


motocicletas, microônibus.

• Diversas: carregadores, práticos, professores, vigilantes, trabalhadores na


construção civil, garçons, garis, cabeleireiros, artistas de teatro, auditores,
administradores, economistas, prestadores de serviços gerais, ascensoristas,
consultores, etc.

Cooperativas que produzem bens:

• Industriais: mais conhecidas como fábricas cooperativas. Os cooperados são


gestores e donos, aportando capital para constituir a fábrica cooperativa ou
recuperar empresas em estado de falência ou pré- falimentar. Já existem
cooperativas de produção nos setores metalúrgico, têxtil, gráfico, de
alimentação, cultivo de flores, calçados, etc.

• Dos assentados: são cooperativas formadas por trabalhadores que em geral


exploram a área agrícola comunitariamente.

Cooperativas artesanais:

Formadas por artesãos (ãs) que produzem os mais variados tipos de


produtos, coletiva ou individualmente. Algumas cooperativas apenas adquirem a
matéria prima, e/ou comercializam os produtos de seus cooperados e outras
realizam o ciclo completo.

Estrutura da cooperativa

As cooperativas são constituídas por pessoas, diferente das empresas que


são constituídas por capital. Na cooperativa o importante são as habilidades de
seus sócios e não quanto cada um tem de dinheiro.

30
Assembléia geral

É órgão supremo da cooperativa que, conforme o prescrito na legislação e no


estatuto social tomará toda e qualquer decisão de interesse. Além da
responsabilidade individual, o cooperado tem a responsabilidade coletiva que se
expressa pela reunião de todos, ou da maioria, nas discussões e nas deliberações. A
igualdade do poder do voto de cada sócio na definição dos interesses comuns
representa o princípio da gestão democrática do empreendimento cooperativista. A
assembléia geral pode ser:

Assembléia geral ordinária (AGO): é realizada obrigatoriamente uma vez por


ano, no decorrer dos três primeiros meses após o encerramento do exercício social,
para deliberar sobre: prestação de contas, relatórios, planos de atividades,
destinação de sobras. Fixação de honorários, cédula de presença, eleição da
diretoria e ou dos conselhos de administração e fiscal.

Assembléia geral extraordinária (AGE): é realizada sempre que necessário e


pode deliberar sobre qualquer assunto de interesse da cooperativa.

Diretoria ou conselho de administração

A cooperativa é administrada por uma diretoria ou conselho de administração,


eleitos em assembléia geral dentre todos os seus membros para um mandato de 1 a
4 anos. É de sua competência, dentro dos limites legais e estatutários, atendidas as
decisões ou recomendações da assembléia geral, o planejamento e a execução das
atividades da cooperativa.

Conselho fiscal

É um órgão independente da administração, formado por três membros


efetivos e três suplentes, eleitos por 12 meses, para a função de fiscalização da
administração, das atividades e das operações da cooperativa.

Simbologia do cooperativismo

31
Pinheiros

Antigamente o pinheiro era tido como um símbolo da imortalidade e da


fecundidade, pela sua sobrevivência em terras férteis e pela facilidade na sua
multiplicação. Os pinheiros unidos são mais resistentes e resultam a força e a
capacidade de expansão.

Círculo

O círculo representa a eternidade, pois não tem horizonte final, nem começo,
nem fim.

Verde escuro e amarelo – ouro

O verde - escuro das árvores lembra o princípio vital da natureza e a


necessidade de se manter o equilíbrio com o meio ambiente.

O amarelo - ouro simboliza o sol, fonte permanente de energia e calor.

Emblema

Assim nasceu o emblema do cooperativismo : um círculo abraçando dois


pinheiros pra indicar a união do movimento, a imortalidade de seus princípios , a
fecundidade de seus ideais e a vitalidade de seus adeptos. Tudo isto marcado pela
trajetória ascendente dos pinheiros que se projetam para o alto, procurando subir
cada vez mais

A bandeira

O cooperativismo possui uma bandeira formada pelas sete cores do arco -


íris, aprovada pela ACI (aliança cooperativa internacional) em 1932, que significa a
unidade na variedade e um símbolo da paz e esperança. Cada uma destas cores
tem um significado próprio:

• Vermelho: coragem
• Alaranjado: visão de possibilidades do futuro.
• Amarelo: desafio em casa, na família e na comunidade.
• Verde: crescimento tanto do indivíduo como cooperado.
• Azul: horizonte distante, a necessidade de ajudar os menos afortunados,
unindo-os uns aos outros.
• Anil: necessidade de ajudar a si próprio e aos outros através da cooperação.
• Violeta: beleza, calor humano e amizade.

32
Formação do capital social da cooperativa

Capital social

É o capital que reúne a contribuição de cada associado (quota - parte), ou


seja, é a soma de todos os valores dos cooperados que formará o capital social da
cooperativa. Este valor será investido e caso a cooperativa seja destituída, cada
membro receberá sua quota - parte corrigida.

Quota-parte

É a contribuição de cada associado, cujo objetivo é a formação do capital


social da cooperativa.

Sobras

Da renda total do que foi produzido retira - se os gastos e o que restou são as
sobras e será dividida entre os cooperados ou na cooperativa.

Perdas

A cooperativa fez um contrato com uma empresa, mas o valor recebido pelo
trabalho prestado não pagou todas as despesas daquele mês, então há um valor
negativo, isto significa perda e deverá ser dividida entre os associados da
cooperativa.

Fundos

A cooperativa tem dois fundos descritos na lei:

Fundo de reserva:

Este fundo é destinado a separar perdas e atender o desenvolvimento de


suas atividade, é constituído de 10 % , pelo menos das sobras liquidas do exercício.

Fundo de assistência técnica, educacional e social (FATES):

É destinado à prestação de assistência aos associados e seus familiares .


Este é constituído de 5%, pelo menos, das sobras liquidas. O FATES pode ser
investido na capacitação dos associados, ou seja, em cursos de aperfeiçoamento
que auxiliará no desenvolvimento da cooperativa.

33
Etapas para constituição de uma cooperativa

A fundação e o registro de uma cooperativa seguem diversos passos que,


mesmo não sendo obrigatórios, são importantes de serem seguidos.

O grupo interessado deve se reunir para a fundação de uma cooperativa. A


reunião deve cuidar para determinar os objetivos da cooperativa e promover
discussões para verificar se existem condições mínimas de viabilidade. É importante
que todos conheçam e leiam a lei que trata das cooperativas;

Uma comissão deve ser eleita para elaborar proposta de estatuto e responder
pelas demais providências para a fundação. A comissão distribuirá para os
interessados uma cópia da proposta de estatuto, para que todos a estudem, e
realizará reuniões para discussão de todos os itens da proposta.

A comissão ainda convocará as pessoas interessadas para realização da


assembléia geral de constituição da cooperativa, em hora e local definidos com
antecedência, devendo ser amplamente divulgado;

Será realizada assembléia geral de constituição ou fundação, devendo contar


com a participação de todos os interessados, sendo no mínimo (20) vinte pessoas.
Será eleito o presidente da assembléia que escolherá o secretário para auxiliá-lo a
conduzir a sessão que aprovará o estatuto social e outras matérias de interesse. É
fundamental a leitura minuciosa e crítica da proposta estatutária para se evitar
problemas futuros.

Pontos importantes:

A lei n.º5.764/71 determina, para a constituição e funcionamento de uma


cooperativa, a existência dos seguintes órgãos sociais:

Assembléia geral;
Conselho de administração e/ou diretoria;
Conselho fiscal;
Comitês, conselhos específicos e gerências;

As funções específicas de cada área são definidas no estatuto social ou no


regimento interno, discutidos e aprovados pelos cooperados.

É importante que os dirigentes sejam escolhidos por apresentarem real


expressão de liderança, conhecimento e vivência dos princípios básicos do
cooperativismo. Eles devem conhecer a legislação vigente, serem empreendedores
e se empenharem no exercício das atividades de planejamento, organização,
direção e controle da empresa.

34
Conforme o volume e complexidade dos negócios, os dirigentes podem
contratar pessoal externo à cooperativa para gerenciar áreas de trabalho que exijam
conhecimentos especializados ou habilidades técnicas comprovadas - do mesmo
modo como contratam mão-de-obra para serviços operacionais quando necessário.

Empresa Privada x cooperativa x outras associações: Principais semelhanças


e diferenças

Empresa Privada Cooperativas Outras Associações

Associação de capital (fechado ou aberto) Associação de pessoas Associação de pessoas

Natureza jurídica comercial - código Natureza jurídica civil - Lei Natureza jurídica civil-Lei das
comercial- Lei da S.A. 5761/71 OCIPS, filantrópicas

Contrato comercial Contratos civis Contratos civis

Atividade educacional, social,


Atividade econômica Atividade econômica
cultural

Fins lucrativos Sem fins lucrativos Sem fins lucrativos

Carga tributária para


Carga tributária específica para
Carga tributária empresarial mercantil associações, quando não
cooperativas
caracterizada a isenção
Princípios da filantropia,
Princípios de Livre mercado Princípios cooperativistas assistência e organização
social
Gestão horizontal –
Reciprocidade (Assembléia dos
Gestão vertical - Hierarquia COOPERADOS, escolha de Gestão Mista
diretoria e conselho fiscal,
criação de fundos)
Relação entre cooperados-
Relação entre associados/
Relação patrão-empregado cooperativa, cooperativa
empregados
cooperados (ato cooperativo)

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Por maior que seja o número de empreendimentos econômicos solidários que
estão nascendo no Brasil, infelizmente poucos conseguem viabilizar a geração de
renda digna de seus integrantes.

Dentre os principais desafios está a dificuldade de acesso ao mercado


consumidor, dominado pelas empresas multinacionais que acumularam
historicamente vantagens competitivas. Essas vantagens estão concentradas em:

Mão de obra especializada: Os melhores profissionais das melhores


faculdades e núcleos de formação são contratados pelas grandes empresas;

• Tecnologia de ponta: As grandes empresas investem muito em


pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos produtivos
baseados em alta tecnologia;

• Escala: Grandes compras de matérias-primas, linhas de produção com


grande divisão técnica do trabalho e outros elementos que reduzem custos
produtivos a partir do volume da produção ou da prestação de serviços;

• Propaganda e marketing: As estratégias de divulgação das grandes


empresas são marcadas por grandes campanhas publicitárias;

• Acesso ao crédito: As oportunidades de obtenção de crédito a juros


mais acessíveis têm grande correlação com a segurança dos bancos em relação ao
retorno do empréstimo. Ou seja, as grandes empresas conseguem recursos
financeiros a um custo muito menor que as empresas que estão iniciando sua
atividade econômica.

Com isso, os empreendimentos devem se preparar para superar os desafios


de se inserir no mercado de forma competente, a fim de agregar novos clientes e
viabilizar a geração de renda e ampliação das atividades econômicas de forma a
possibilitar a abertura de novos postos de trabalho e contribuir para o
desenvolvimento local.

Assim, o primeiro passo é realizar um bom planejamento, visando preparar o


grupo para as dificuldades da implementação e consolidação do empreendimento.
Ou seja, elaborar um plano de negócios é uma etapa fundamental e inicial para
alcançar a geração efetiva de renda.

O plano de negócios consiste no ¨mapa da mina¨, serve de bússola para o


grupo seguir os passos. Para elaborá-lo se faz necessário a realização de um estudo

36
de viabilidade sócio-econômica e ambiental, cuja função básica é buscar o
entendimento das metas e desafios que deverão ser superados para garantir a
geração de renda de forma coletiva e democrática, minimizando os impactos
ambientais e contribuindo para o desenvolvimento local.

37
Roteiro do Capítulo:

Nesse capítulo abordaremos:

• As dificuldades dos empreendimentos populares crescerem e se


desenvolverem;

• A importância da escolha certa dos produtos e serviços que o


empreendimento oferecerá;

• A necessidade de conhecermos melhor o mercado;

• Os fatores que contribuem para a escolha da atividade econômica;

• A importância de se pensar o produto de forma alinhada com os clientes e os


locais de venda.

Reflexões sobre a escolha da atividade econômica: vocação vs.


oportunidades: o caminho do meio

O empreendedorismo popular, principalmente em países subdesenvolvidos


como o Brasil, é um fenômeno bastante comum, pois se mostra como uma
alternativa ao desemprego em massa.

Apesar de ser difundido, suas atividades em geral se concentram em


produtos e serviços simples, que não necessitam de muita qualificação, nem
equipamentos e matérias-primas sofisticadas, mas resultam em uma baixa
remuneração do trabalho e poucas perspectivas de crescimento e desenvolvimento.

Esse fato ocorre por alguns motivos, mas destacamos três:

• Normalmente os empreendedores começam seus empreendimentos a partir


da extensão de sua produção doméstica e produzem e vendem o que já
sabem ou gostam de fazer. Chamamos isso de vocação;
• Existe uma grande dificuldade de esses empreendedores conseguirem os
recursos necessários para sua qualificação e para a aquisição de
equipamentos e matérias-primas sofisticadas;
• Há muita dificuldade de entrar nos mercados mais atrativos, ou seja, que
apresentam maiores chances de remuneração, devido à grande concorrência
internacional, fortalecida pelo processo de globalização.

38
Com isso, muitos dos empreendimentos populares e solidários, como as
cooperativas verdadeiras e outras formas de organização democrática, se vêem
produzindo ou prestando serviços de baixo valor agregado, vale dizer: produtos que
valorizam pouco o trabalho.

Se buscamos, através da formação de cooperativas e empreendimentos


econômicos solidários valorizar o trabalho, precisamos pensar bem com que tipo de
produto ou serviço vamos trabalhar.

Para isso, se faz necessário compreender mais o mercado:

• Os clientes que se interessam em comprar determinados produtos ou


serviços;
• Os fornecedores que vendem os equipamentos, matérias-primas e bens de
consumo que precisam ser utilizados na produção ou prestação de serviços,
bem como nas atividades administrativas e de vendas necessárias;
• Outras empresas que já vendem produtos ou serviços similares, que são
potenciais parceiros.

Conhecendo bem esses atores econômicos podemos encontrar alguma


oportunidade no mercado que possibilite uma atuação mais qualificada do
empreendimento e conseqüentemente a valorização dos trabalhadores e
trabalhadoras.

É interessante que o grupo dedique um certo tempo a identificar seu raio de


alcance inicial, muitas vezes maior do que se acredita à primeira vista. Detectar as
necessidades que estão dentro do raio de alcance dos integrantes que estão
fundando um empreendimento é uma forma de descobrir oportunidades.

A pergunta aqui para o grupo seria: “De que produto ou serviço as pessoas
às quais podemos ter acesso precisam?” “Quais necessidades ou desejos do
mercado não estão sendo ainda bem atendidos?”

O grupo deve buscar equilibrar suas capacidades e suas vocações com as


oportunidades e necessidades do mercado para que haja viabilidade econômica
para o empreendimento e a valorização de seus trabalhadores e trabalhadoras.

Muitas vezes é necessário que os membros passem por um período de


capacitação técnica na atividade para desenvolver seu trabalho com maior qualidade
e em atividades econômicas com maior valor agregado.

Para que a cooperativa se torne sólida, são necessários estudos de mercado,


a busca do nicho onde ela possa atuar bem, inserindo-se em um lugar mais
favorável na cadeia produtiva. Podemos pensar que o empreendimento dá certo
quando encontra seu lugar no mercado, um espaço ainda não ocupado, no qual o

39
grupo possa atender as necessidades do seu público, não na perspectiva de
concorrer, mas de completar o mercado, sem tirar ninguém, sem querer fazer algo
exatamente da forma como já está sendo feito.

Mas a identificação da verdadeira oportunidade exige inicialmente uma


postura de sempre estar atento ao que está acontecendo no mercado no qual atua
ou pretende atuar.

Há várias formas de se orientar para a descoberta de necessidades não


atendidas, podemos participar de várias atividades como feiras, exposições e
eventos, procurar ler as publicações do segmento, colaborar em reuniões e
encontros em associações, conversar com outros empreendimentos, clientes,
cooperados, fornecedores e empresários de outros setores. Procurar também
compreender as tendências de mercado, situações econômicas, políticas, sociais
etc.
Este hábito se constrói com o tempo e ajuda o empreendedor a ter muitas
idéias. Quando uma destas idéias resulta na constatação de uma necessidade de
mercado, está então caracterizada uma oportunidade. O próximo passo é verificar se
o aproveitamento dessa oportunidade é viável.

Fatores que contribuem para a escolha dos produtos

 Disponibilidade de Infra-estrutura: Dispor de uma sede e equipamentos


específicos é um fator muito importante;
 Qualificação dos membros do grupo: O fato de parte do grupo já possuir
um conhecimento específico sobre determinado produto ou serviço pode
fazer parte da decisão por uma dada atividade para o empreendimento;
• Acesso a matérias-primas ou tecnologias inovadoras: Facilidade para
obter determinadas matérias-primas e tecnologias novas representa um
diferencial e influencia a escolha do produto.

Por exemplo:

• Materiais de baixo custo, fácil acesso e que preservem o meio ambiente;


• Tecnologias de manejo de sementes, fibras naturais e materiais
recicláveis;
• Oportunidade de mercado: Existem oportunidades de mercado relativas a:

◦ Produtos ou serviços que não são oferecidos por outras empresas ou


são oferecidos com deficiências;
◦ Produtos de primeira necessidade que a maioria da população compra
como alimentos, produtos de higiene e limpeza, entre outros.

Na determinação do produto a ser trabalhado, é fundamental levar em


consideração os fatores acima e justificar, bem justificado, por que o produto

40
escolhido foi aquele.

Produto, Público-alvo e Ponto de Venda

Quando vamos decidir qual ou quais serão nossos produtos, devemos pensá-
los alinhados com o público alvo (público ao qual o produto se destina) e o ponto de
venda (local onde o cliente encontrará o produto).

Assim, quando estamos analisando possíveis produtos, devemos estar


atentos para essas três coisas: produto, público alvo e ponto de venda para que
possamos ter clareza de como o produto pode ser colocado no mercado.

No caso de um empreendimento popular que produz sabão ecológico, os


integrantes do grupo identificaram diferentes públicos alvo e para cada um foi
definido um ponto de venda estratégico:

PÚBLICO ALVO PONTO DE VENDA


Restaurantes de médio porte Visitas e entregas no restaurante
Donas de casa Feiras Livres da Região
Professoras e funcionárias de escolas da região Escolas da região
Empreendimentos da rede solidária da região Reuniões da rede solidária da região

Ou seja, para cada público é preciso entender qual o ponto de venda


adequado. Por isso, a necessidade de alinhar produto, público alvo e ponto de
venda.

Conclusões:

1) Reflexões sobre a escolha da atividade econômica a partir da idéia de


que devemos equilibrar as capacidades do grupo e suas vocações com as
oportunidades e necessidades do mercado para que haja viabilidade econômica;

2) Os fatores que contribuem para a escolha dos produtos são:

• Oportunidade de mercado.
• Disponibilidade de Infra-estrutura;
• Qualificação dos membros do grupo;
• Disponibilidade de matérias-primas ou tecnologia inovadoras;

3) A necessidade de alinhar produto, público-alvo e ponto de venda para


que possamos ter clareza de como o produto escolhido será colocado no
mercado.

41
Roteiro do Capítulo:

• Nesse capítulo iremos apresentar o que é viabilidade sócio-econômica e


ambiental, sua importância no planejamento dos empreendimentos
econômicos solidários;

• Apresentaremos também os elementos que constituem o estudo de


viabilidade;

• Trabalharemos os passos de elaboração do viabilidade sócio-econômica e


ambiental a partir de um exemplo de empreendimento.

Estudo de viabilidade sócio-econômica e ambiental, o que é e para que


serve?

Muitos empreendimentos iniciam suas atividades econômicas sem realizar


um planejamento mínimo. Esse fato resulta em uma alta ¨mortalidade infantil¨ dos
empreendimentos e grande frustração dos grupos.

Assim, se faz necessário um estudo mais detalhado das atividades que se


pretende iniciar, a fim de entender melhor os desafios a serem superados e garantir
uma base de informações importantes para nortear as escolhas que se apresentam
e facilitar a tomada de decisão coletiva.

O estudo de viabilidade nos remete à pergunta básica: Vale a pena montar


este negócio? Vale dizer: Esse empreendimento tem condições de dar certo?

Cabe lembrar que a estruturação de um empreendimento envolve um risco de


não dar certo. Assim, o estudo de viabilidade nos ajuda a reduzir esse risco a partir
da identificação das condições necessárias e das ameaças inerentes ao processo
de implementação do empreendimento. A idéia básica é assumir as rédeas e
depender cada vez menos da ¨sorte¨.

Por isso, o estudo deve ser realizado antes de iniciar as primeiras atividades
e servir de orientação para os primeiros passos.

Estrutura do estudo de viabilidade sócio-econômica e ambiental

O modelo proposto nessa apostila se baseia na experiência da ITCP-FGV na


incubação de empreendimentos e cooperativas populares. Esse estudo está dividido
em três temas com suas especificidades, sendo elas:

42
1. Viabilidade Econômica:

Trata-se de reunir dados para avaliar se os produtos escolhidos e a


tecnologia utilizada são capazes de gerar renda suficiente para seus membros num
dado período de tempo. Para responder essa pergunta esse estudo se divide em
três frentes, sendo elas:

A)Viabilidade Financeira: Consiste no estudo de custos, definição de preços,


elaboração de metas e projeção do fluxo de caixa. As perguntas aqui são:

• Qual a margem média de sobra 1 ou mais precisamente a margem de


contribuição unitária média 2? No caso de empresas convencionais, qual a
margem de lucro da empresa?
• Qual o volume de capital de giro 3?

B)Viabilidade Produtiva: A partir dos custos do empreendimento e da meta de


remuneração esperada pelos membros do empreendimento, encontra-se a
quantidade de horas mensais, semanais e diárias de trabalho necessárias.
Essa análise leva em consideração a tecnologia de produção, a estrutura de
abastecimento de insumos produtivos, capacitação e gestão das linhas de produção
e pretende orientar o processo produtivo a ser implementado.

As perguntas aqui são:

• É possível atingir a meta (produção ou prestação de serviço) com a


quantidade de horas de trabalho disponível?
• É possível atingir esta meta com os conhecimentos produtivos e
equipamentos disponíveis?

C)Viabilidade Comercial: Como todos os produtos produzidos ou serviços


prestados devem ser vendidos, este estudo analisa a capacidade do
empreendimento de comercializar o volume de produção ou serviços estipulado na
meta. A pergunta aqui é:

• É possível vender todos os produtos e serviços estipulados nas metas

1
Sobra é a resignificação do lucro capitalista. Como o lucro está relacionado à
remuneração do Capital, preferimos trocar lucro por sobra pois ela está relacionada à
remuneração do trabalho.
2
Contribuição unitária é a diferença entre o preço de venda e o custo das matérias-
primas da unidade, a margem de contribuição é a porcentagem da contribuição sobre o
preço de venda.
3
Capital de Giro pode ser entendido como a quantidade de dinheiro em caixa que o
empreendimento necessita para conseguir comprar matérias-primas, produzir e vender seus
produtos antes de receber o pagamento dos clientes.
43
mensais?

Este estudo pretende orientar o empreendimento na elaboração de


estratégias de inserção nos mercados específicos, chamando a atenção para a
definição do público-alvo e contribuindo para a elaboração de um plano de marketing
solidário capaz de atender as metas de vendas;

2. Social:

Além dos aspetos econômicos tradicionais, essa proposta de estudo de


viabilidade leva em conta os aspectos sociais do funcionamento dos
empreendimentos populares.

Ou seja, espera-se que os empreendimentos populares que operam na


perspectiva da economia solidária garantam, não só o funcionamento democrático
interno e o fortalecimento das relações pessoas entre os membros do
empreendimento, como contribuam incisivamente para a melhoria da comunidade
onde está inserido, além do fortalecimento do movimento de economia solidária.

Com isso, definimos a viabilidade social de um empreendimento popular a


partir de três subitens, sendo eles:

A) Autogestão e relações pessoais: Esta parte do estudo analisa a


capacidade que o empreendimento tem de operar segundo o princípio da
autogestão e como estimula a integração de seus integrantes, desencadeando um
processo de fortalecimento dos vínculos pessoais. As perguntas chave são:

• Quais os mecanismos e instrumentos que garantem a autogestão no


empreendimento?
• A forma de organizar o trabalho possibilita um fortalecimento dos vínculos
pessoais?

A partir dos espaços e mecanismos previstos para garantir a autogestão e o


fortalecimento das relações pessoais, podemos avaliar a consistência e efetividade
das estratégias definidas. Espaços e instrumentos como:

• Assembléias gerais;
• Reuniões deliberativas;
• Espaços de formação permanente;
• Regimento interno/Acordos coletivos;
• Divisão rotativa de cargos e funções;
• Reuniões de prestação de contas;
• Atividades de lazer e cultura;
• Compras coletivas.
44
São boas opções para ampliar a viabilidade social de empreendimentos
populares.

B) Externalização de benefícios: Como já vimos, as empresas


convencionais, na luta por sua sobrevivência no mercado através da competição,
são pressionadas a reduzirem seus custos através do pagamento de baixos salários
sem direitos sociais e utilização e descarte incorreto de matérias-primas. Essas
práticas viabilizam a produção e comercialização de produtos a custos baixos, pois
os verdadeiros custos foram externalizados. Ou seja, a sociedade paga por ter suas
fontes de recursos naturais degradados, pela baixa valorização dos trabalhadores e
trabalhadoras, entre outros prejuízos.

Ao contrário disso, os empreendimentos populares, em vez de externalizar


custos, deve externalizar benefícios à sua comunidade. Esse é um dos elementos
fundamentais, além da autogestão, que diferenciam as empresas convencionais dos
empreendimentos populares que operam na lógica da economia solidária.

Assim, o estudo de viabilidade social deve analisar a capacidade de o


empreendimento contribuir para gerar melhorias na comunidade rumo ao
desenvolvimento local.

As perguntas chave são:

• Quais os benefícios que o empreendimento gera para seu entorno?


• Como o empreendimento contribui para o desenvolvimento local?

São diversas as formas como o empreendimento pode contribuir para a


melhoria da sua comunidade. Os casos clássicos das Cooperativas de Coleta
Seletiva representam bem as possibilidades de externalizar benefícios comunitários.

As cooperativas de coleta seletiva representam estratégias consistentes de


melhoria das comunidades. Independente do debate sobre a situação precária do
trabalho da coleta seletiva baseada na tecnologia das carroças movidas à tração
humana, gostaríamos de destacar os importantes benefícios que essas cooperativas
geram no seu entorno:

• O primeiro e clássico benefício dessas cooperativas é a ampliação do volume


de materiais reciclados, o que reduz o volume destinado aos aterros
sanitários e a diminuição da pressão pela extração de recursos naturais;

• Além da simples coleta dos materiais recicláveis, as cooperativas podem se


tornar um núcleo de educação ambiental, em que os catadores são agentes
ambientais comunitários que orientam, não só o descarte correto de materiais
como a reutilização desses materiais e redução do consumo.

45
• A prefeitura é o órgão responsável pela coleta de lixo dos municípios. Para
isso, ela contrata empresas para realizarem esses serviços que são pagos
por tonelada coletada. Assim, se uma cooperativa de coleta seletiva inicia a
coleta de materiais recicláveis em um município, o volume de coleta de lixo
tradicional será reduzido, gerando uma economia do orçamento público,
viabilizando a ampliação de gastos em educação, saúde ou outras prioridades
locais;

• A cooperativa pode se tornar uma importante atora política da comunidade,


negociando com a prefeitura melhorias comunitárias atreladas a construção
de políticas públicas que garantam acesso ao trabalho para as pessoas do
município;

São infinitas as possibilidades dos empreendimentos populares


externalizarem benefícios, mas o importante é que desde o início do planejamento
do empreendimento, esses benefícios devem ser definidos, a fim de que o
empreendimento já possa nascer com esse compromisso bem definido.

C) Integração Solidária: A proposta da economia solidária prevê, não só a


constituição de empreendimentos populares que operam dentro de uma nova lógica
econômica, baseada na cooperação, colaboração e diálogo como na construção de
laços econômicos e sociais entre esses empreendimentos e outras iniciativas de
comércio e finanças solidárias.

Ou seja, devemos avaliar a capacidade dos empreendimentos populares se


integrarem com outras iniciativas similares a fim de contribuir para a construção da
economia solidária enquanto movimento social e sistema econômico alternativo.

As perguntas chave são:

• O empreendimento compra insumos produtivos de outros empreendimentos


da economia solidária?

• O empreendimento vende produtos e serviços para outros empreendimentos


da economia solidária?

• O empreendimento integra alguma estratégia com outros empreendimentos


da economia solidária? (Compras, Vendas, Produção, Crédito, Informações,
Educação, entre outras);

• O empreendimento participa de reuniões do movimento de economia


solidária? (Fóruns estaduais, municipais/regionais, redes solidárias locais,
46
audiências públicas, entre outras).

A integração solidária dos empreendimentos populares constitui um elemento


fundamental para garantir a expansão da economia solidária enquanto movimento
social e econômico pautado na transformação estrutural da sociedade.

A partir da criação de novos e consistentes empreendimentos e do


fortalecimento dos laços entre eles, estaremos constituíndo uma mercado interno da
economia solidária, capaz de viabilizar, através do consumo desse “mercado”, a
criação de novos empreendimentos, de forma a diversificar os produtos oferecidos
pela economia solidária, possibilitando uma crescente reorientação do consumo das
empresas convencionais. Com isso, espera-se a consolidação da economia solidária
enquanto uma alternativa real ao modo de produção capitalista.

3. Ambiental:

Essa parte do estudo de viabilidade trata da sustentabilidade ambiental. Para


isso, analisa-se a capacidade do empreendimento trabalhar segundo os princípios
da eco eficiência a partir da:

• Redução do uso de insumos sintéticos;


• Eliminação, ao máximo, dos processos produtivos impactantes que
desperdiçam recursos e geram damasiados resíduos poluentes;
• Descarte correto dos resíduos gerados na produção, buscando a reutilização
de materiais empregados no próprio processo de produção;

As perguntas aqui são:

• Quais são os insumos produtivos utilizados e qual o seu impacto ambiental?


• O processo de produção evita desperdícios, e se preocupa com os resíduos
descartados?
• Quais os materiais e o volume de resíduos destinados para a coleta seletiva?
• Quais os materiais e o volume de resíduos impróprios para a coleta seletiva?

Para analisar a viabilidade ambiental dos empreendimentos populares


podemos adequar o estudo da pegada ecológica para planejarmos
empreendimentos com alta eco eficiência/baixa pegada ecológica.

Abaixo segue uma figura representativa da proposta de Estudo de Viabilidade


para empreendimentos populares da ITCP-FGV:

47
Passos para elaboração do estudo de viabilidade

Para facilitar o entendimento dos passos para elaborar um estudo de


viabilidade, trabalharemos com um estudo de caso simplificado.

Um grupo de mulheres da região do Jabaquara resolveu iniciar um


empreendimento popular para produzir sabão ecológico utilizando óleo de fritura
usado. Uma delas, Dona Ivone, ofereceu um cômodo de sua casa para a fabricação
do sabão e a realização das reuniões do grupo.

Antes de começarem a primeira produção elas pensaram que precisariam


planejar seu novo ¨negócio coletivo¨ e resolveram fazer um estudo de viabilidade.
Antes de tudo elas batizaram o grupo de Mãos Amigas.

A) Viabilidade Ambiental

Elas iniciaram avaliando se o sabão ecológico poderia contribuir para o meio


ambiente. Para isso elas analisaram:

Insumos produtivos: Apesar da utilização de soda cáustica (material químico


poluente) a produção reutiliza óleo vegetal que normalmente é descartado na rede
de esgotos, contribuindo para a redução da poluição da água. Além disso, a
produção reutiliza sacolas plásticas para embalar o sabão, o que reforça a
preservação do meio ambiente.

O processo de produção: Utiliza pouca água e energia, além de


equipamentos simples como baldes, formas e colheres de pau. A única máquina
elétrica é a seladora utilizada na embalagem

48
Os resíduos descartados: A produção gera poucos resíduos que são
reutilizados, como as vasilhas de coleta de óleo vegetal usadas e soda cáustica. O
único resíduo que pode gerar problemas é a embalagem plástica que, apesar de ser
reciclável, pode ser descartada incorretamente pelos clientes depois do uso.

De forma simplificada, podemos concluir que a viabilidade ambiental da


produção de sabão ecológico é satisfatória.

B) Viabilidade Social

Com relação à autogestão do empreendimento, o grupo decidiu realizar uma


assembléia semanal para tomada de decisões coletivas e resolveram criar acordos
consensuais reunidos em um regimento interno assinado por todas as integrantes.

As principais decisões foram:

Duas pessoas ficarão responsáveis pelo dinheiro, sendo que a cada dois
meses uma nova integrante entra na equipe financeira e outra sai, garantindo um
rodízio que não comprometa a continuidade da gestão financeira;

Todo final de mês, a assembléia realizará a prestação de contas da


movimentação financeira e distribuição das remunerações;

Além disso, as integrantes irão se revezar para cuidar de seus filhos e


começaram a fazer compras coletivas de alimentos e produtos de higiene e limpeza,
a fim de reduzir os gastos mensais.

Com relação à externalização e benefícios, o empreendimento se organizou


para realizar uma campanha de coleta de óleo com empresas e residências. Uma
das integrantes adora crianças e se prontificou a iniciar duas atividades de educação
ambiental na escola da região por semana, a fim de estimular o descarte correto do
óleo vegetal usado.

Por fim, para garantir sua integração solidária, o empreendimento já se


cadastrou na rede de Economia Solidária da região em que se integrará com outros
empreendimentos da região para buscar estratégias coletivas de melhoria dos
comércios do bairro.

O empreendimento se propôs a uma ação atrelada à campanha de descarte


correto do óleo uma campanha de consumo solidário, sensibilizando os vizinhos
para consumir produtos e serviços oferecidos no próprio bairro como forma de gerar
trabalho e renda para a sua comunidade e reduzir a violência urbana.

O empreendimento também irá trocar com a cooperativa de coleta seletiva do


bairro óleo usado por sabão, a fim de ampliar sua capacidade produtiva.

49
Outra vez de forma simplificada, podemos concluir que a viabilidade social do
empreendimento é satisfatória.

C) Viabilidade Econômica

A fase final e mais importante do estudo de viabilidade nos remete às


questões econômicas. Vale dizer, o estudo financeiro, produtivo e comercial do
empreendimento.

Para realizar esse estudo se fez necessária a coleta de informações e


realização de alguns cálculos que servirão de base para o estudo, sendo eles:

I ) Cálculo de Custos

Custos são todos os gastos diretamente realizados para se produzir ou


prestar um serviço, sem contar os gastos relativos à administração, à venda ou
distribuição dos produtos. Existem dois tipos de custos:

Custos fixos: são os gastos que não variam de acordo com a quantidade de
produtos ou de serviços prestados. Exemplos: aluguel, publicidade, manutenção
entre outros;

Custos variáveis: são os custos que aumentam ou diminuem de acordo com o


volume de vendas, como matérias primas e embalagens.

Certos custos podem ser considerados fixos ou variáveis de acordo com a


atividade produtiva, por exemplo: Uma confecção utiliza máquinas de costura
elétricas e as empreendedoras utilizam um fogão a gás para fazer café. A energia
elétrica e o gás são custos fixos ou variáveis?

Se as encomendas em um determinado mês dobraram, o grupo irá utilizar as


máquinas o dobro do tempo e assim gastará o dobro de energia, mas provavelmente
elas não tomarão o dobro do café devido ao aumento das encomendas. Assim, a
energia elétrica é variável e o gás é fixo.

Por outro lado, em um restaurante que utiliza fogões e fornos a gás, o gás é
um custo variável e a luz, fixo. Portanto verifique sua linha de produção para saber
se determinado custo é fixo ou variável.

Cálculo de Custos Fixos

Os custos fixos representam os gastos realizados pelo empreendimento


independentemente do volume de produção realizada no mês, por isso ser fixo. Por
exemplo: aluguel, publicidade, manutenção entre outros.

50
Para calculá-los podemos utilizar uma tabela simples para listar os itens e
valores do custo fixo, sendo que a soma desses valores é o custo fixo total. Os
custos fixos do Mãos Amigas são:

CUSTOS FIXOS
Item Valor mensal (R$)
Aluguel 100,00
Água 40,00
Luz 60,00
Telefone 100,00
Custo Fixo Total 300,00

Normalmente os empreendimentos nascentes precisam comprar máquinas,


ferramentas e insumos produtivos para iniciar sua produção. Caso o
empreendimento não tenha os recursos financeiros necessários para realizar o
investimento inicial, ele pode recorrer a um empréstimo solidário ou bancário, caso
não tenha acesso a algum sistema de finanças solidárias.

Nesse caso, a prestação mensal de pagamento do empréstimo deve ser


considerada no custo fixo.

Cálculo das Despesas

Despesas são consideradas, na nossa perspectiva de simplificação dos conceitos


contábeis-administrativos, como os gastos mensais com mão de obra que não estão
ligadas à produção.

As principais despesas de um empreendimento se referem a:

• Venda dos produtos;


• Abastecimento de matérias-primas;
• Atividades administrativas;
• Realização de reuniões;
• Atividades de formação, capacitação e treinamento.

O cálculo das despesas de um empreendimento pode ser realizado, de forma


simplificada, seguindo os seguintes passos:

1. Calcular o valor da hora de trabalho:

• Para chegar a esse valor, o empreendimento deve entrar em um acordo a


51
partir de duas perguntas: Quanto queremos ganhar por mês e quantas horas
queremos trabalhar por mês. A partir dessas duas respostas dividimos o valor
da remuneração pelas horas para chegar ao valor hora esperado pelo
empreendimento

Exemplo:

Se quisermos receber R$ 400,00 e trabalhar 100 horas por mês (5 horas por dia
vezes 20 dias por mês). Cada hora vale R$ 4,00.

2. Prever uma quantidade de horas de trabalho mensais alocadas para cada tipo de
despesa;

3. Multiplicar as quantidades previstas pelo valor hora do empreendimento. No caso


do empreendimento Mãos Amigas o valor da hora de trabalho é R$ 4,00;

4. Somar os valores das despesas para encontrar a despesa total.

As despesas do empreendimento Mãos Amigas são:

DESPESAS
Item Quantidade de Horas Valor Hora (R$) Valor Mensal (R$)
Venda dos produtos
50 4,00 200,00
Abastecimento de
matérias-primas 25 4,00 100,00
Atividades
administrativas 30 4,00 120,00
TOTAL 420,00

Cálculo dos Custos Variáveis

Custos variáveis estão ligados à produção e prestação de serviços e, portanto,


aumentam ou diminuem de acordo com o volume de produção. Para se calcular os
custos e elaborar orçamentos são necessários as seguintes informações:

52
INFORMAÇÃO FORMA DE CONSEGUI-LAS
Matérias-primas utilizadas na confecção do produto ou Pessoas responsáveis pela produção;
prestação do serviço;
As quantidades mínimas que as matérias-primas são Pessoas responsáveis pelas compras;
compradas;
O preço das matérias-primas; Pessoas responsáveis pelas compras;
O valor da hora de trabalho; Acordo coletivo entre os integrantes do
empreendimento;
Quantidades de matérias-primas e horas de trabalho Pessoas responsáveis pela produção;
utilizadas.

Com essas informações podemos calcular os custos de matéria-prima e trabalho.

Custo de matérias-primas:

Para calcular os custos de materiais, o empreendimento Mãos Amigas utilizou a tabela abaixo:
TABELA DE CUSTOS DE MATÉRIAS-PRIMAS

Produto: Sabão Ecológico

Rendimento: 30 pedaços

Material Quantidade Preço da Quantidade Proporção Custo por material


mínima da compra quantidade utilizada (R$)
(R$) mínima (R$)

Óleo usado 1 Litro 0,50 5 Litros 5 2,50

Soda caustica 1 Litro 2,92 1 Litro 1 2,92

Branqueador 1000 gr 2,00 100 gr 0,1 0,20

Essência 1000 ml 6,00 50 ml 0,05 0,30

Rótulo 24 unidades 2,00 1 unidade 0,04 0,08

Custo Total de Matéria-Prima (R$) 6,00

Custo Unitário de Matéria-Prima (R$) 0,20

Para preencher a tabela, foram seguidos os 7 passos abaixo:

53
1. Preencher a linha Produto com: nome e especificações do produto que terá
seu custo calculado;

2. Preencher a linha Rendimento com a quantidade de produtos que o volume


de matérias-primas é capaz de produzir;

3. Preencher as linhas e colunas com cada: material, quantidade mínima, preço


da quantidade mínima e quantidade utilizada;

4. Calcular a proporção de cada material dividindo a quantidade utilizada pela


quantidade mínima comprada. O item proporção se refere a quantas
quantidades mínimas de compra são utilizadas na receita;

5. Calcular o custo por material multiplicando a proporção pelo preço da


quantidade mínima;

6. Calcular o Custo Total somando todos os custos por material;

7. Calcular o Custo Unitário dividindo o Custo Total pelo Rendimento.

Atenção:

A "unidade de medida" utilizada na quantidade mínina deve ser a mesma


que a quantidade utilizada. Por exemplo, se compramos 1 Litro de essência e
utilizamos 50 ml, devemos igualar as unidades, ou seja, ou transformamos 50 ml em
Litros (0,05 Litros) ou transformar 1 Litro em ml (1000 ml).

Custos de Trabalho

Para calcular os custos de trabalho, o empreendimento Mãos Amigas utilizou a


tabela abaixo:

TABELA DE CUSTOS DE TRABALHO


Produto: Sabão ecológico
Rendimento: 30 pedaços
Etapa da Produção Tempo de Produção (Horas) Valor da Hora de Custo por Etapa
Trabalho (R$) (R$)
Mistura dos Ingredientes 0,5 4,00 2,00
Corte em pedaços 1 4,00 4,00
Embalagem 1,5 4,00 4,00
Custo Total de Trabalho (R$) 3 4,00 12,00
Custo Unitário de Trabalho (R$) 0,1 4,00 0,40

54
Para se preencher essa tabela devem-se seguir os seguintes passos:

• Preencher as linhas produto e rendimento como na tabela de custos de


matérias-primas;

• Preencher a coluna etapa da produção com cada fase da produção e a


coluna tempo de produção com as horas de trabalho necessárias para cada etapa;

• Preencher o valor da hora de trabalho. Para isso, utilize o valor hora


calculado nas despesas do empreendimento;

• Calcular o custo por etapa multiplicando a quantidade de horas de trabalho


pelo valor da hora;

• Calcular o custo total somando todos os custos por etapa;

• Calcular o custo unitário dividindo o custo total pelo rendimento.


Atenção:

A quantidade de trabalho deve ser expressa em números decimais e não horas e


minutos. Por exemplo, 0,5 horas em vez de 30 minutos;

A tabela acima nos mostra que são utilizadas 2,5 horas, ou seja, 2 horas e 30
minutos para produzir 30 pedaços e 0,1 horas, ou seja, média de 6 minutos para produzir
cada pedaço de sabão.

Mas lembre-se que a produção de sabão é realizada em receitas de 30 pedaços.


Não é possível produzir apenas 10 pedaços de sabão. Com isso, a produção deve ser
planejada de acordo com a quantidade produzida e tempo necessária por receita, no
caso 30 pedaços de sabão em 2 horas e 30 minutos.

II) Definição de Preços

Um dos passos importante no planejamento de um empreendimento é a definição


dos preços de seus produtos. Para realizar uma boa definição de preço devemos levar
em conta dois fatores: a) os custos e b) o mercado específico em que se vai atuar.

O preço de um produto deve ser capaz de pagar seus custos e possibilitar uma
poupança que possibilite a expansão do empreendimento.

Assim, a fórmula de formação de preço pode ser representada por:

Preço=custo unitário de matérias-primas+custo unitário de trabalho+contribuição unitária


para os custos fixos e despesas+ poupança

55
Abaixo apresentamos uma tabela com os itens que compõe o preço e a forma de calculá-
los:

COMPOSIÇÃO DO PREÇO
ITEM FORMA DE CALCULAR
Custo de matérias-primas: Repor os gastos com os materiais utilizados Tabela de custos de matérias-primas.
na produção;
Custo de Mão de Obra: Remunerar as horas de trabalho utilizadas na Tabela de custo de mão de obra.
produção;
Custos fixos e despesas: Nesse caso, a venda de cada unidade do Dividir os custos fixos e despesas pela média de
produto deve contribuir para pagar uma parte dos custos fixos e produção mensal.
despesas; Caso o produto ainda não seja produzido, o
empreendimento deve projetar essa média de
vendas.
Caso o empreendimento apresente mais de um
produto, a média de vendas de cada produto deve ser
ponderada com as horas necessárias para produzir
cada produto (detalhes abaixo).
Poupança: Alimentar um fundo de reinvesti mento produtivo para Esse valor pode ser calculado como uma
comprar novas máquinas, realizar propaganda, desenvolver novos porcentagem do preço. Mas como o preço será
produtos, entre outras possibilidades. O famoso lucro que na Economia definido de acordo com as possibilidades de
Solidária é chamado de sobra. mercado, deixaremos esse item variável de
acordo com as possibilidades e estratégias de
mercado.

Para ilustrar a distribuição dos custos fixos e despesas na formação de preço de


um empreendimento com dois ou mais produtos apresentamos um exemplo numérico:

Suponhamos que o empreendimento Mãos Amigas apresente dois produtos com


as seguintes características:

DISTRIBUIÇÃO DOS CUSTOS FIXOS


CUSTOS FIXOS + DESPESAS R$ 720,00
SABÃO ECOLÓGICO DETERGENTE ECOLÓGICO
Média de produção: 3000 unidades Média de produção: 2000 unidades
Tempo de produção: 0,1 hora ou 6 minutos Tempo de produção: 0,3 horas ou 18 minutos
Tempo total de produção: 300 horas Tempo total de produção: 600 horas
Média de produção x tempo de produção Média de produção x tempo de produção

Se considerássemos apenas a média de vendas poderíamos concluir que a


produção de sabão ecológico deveria pagar 60% dos custos fixos e despesas.

56
Participação do Igual Produção de Dividido Produção de Mais Produção de
sabão ecológico sabão sabão detergente
Participação do = 3000 ÷ (3000 + 2000)
sabão ecológico

Participação do sabão ecológico = 0,6 ou 60%


Participação do detergente ecológico = 0,4 ou 40%

Mas se fizéssemos assim poderíamos incorrer em um erro: Exigir que o sabão


ecológico pague a maior parte dos custos fixos e despesas, correndo o risco da produção
do detergente ecológico utilizar mais os equipamentos, ferramentas e a sede do
empreendimento.

Para isso não acontecer devemos considerar o tempo total de produção (Média de
produção x tempo de produção). Esse número representa a quantidade de horas de
utilização da infra-estrutura do empreendimento. Agora sim podemos calcular a
participação de cada produto no pagamento dos custos fixos e despesas:

Participação do Igual Tempo Total Dividido Tempo Total de Mais Tempo Total de
sabão ecológico de Produção Produção de Produção de
Sabão Sabão Detergente
Participação do = 300 ÷ (300 + 600)
sabão ecológico

Participação do sabão ecológico = 0,33 ou 33%


Participação do detergente ecológico = 0,67 ou 67%

No caso do exemplo de custos fixos e despesas somarem R$ 720,00:


Participação do sabão ecológico = R$ 237,6
Participação do detergente ecológico = R$ 482,40

Agora que sabemos a participação de cada produto no pagamento dos custos


fixos e despesas, devemos calcular o valor que cada unidade do produto vendido irá
contribuir para pagar os custos fixos. No exemplo devemos dividir a participação do
sabão ecológico pela sua produção média, no caso 300 unidades.

Contribuição de cada sabão Igual Participação do Dividido Produção Média


sabão ecológico
Contribuição de cada sabão = 237,6 ÷ 3000

Contribuição de cada sabão = R$ 0,08

A partir do cálculo dos custos do empreendimento, podemos definir um preço


57
mínimo para o produto. Para isso, devemos somar o custo unitário de matéria-prima,
trabalho e a contribuição para os custos fixos do produto. No caso do Mãos Amigas o
preço mínimo do sabão é R$ 0,68, conforme demonstra a tabela abaixo:

Preço Mínimo Igual Custo unitário de Custo unitário de Contribuição para os custos
matérias-primas trabalho fixos e despesas
Preço Mínimo = R$ 0,20 R$ 0,40 R$ 0,60

Preço Mínimo do sabão ecológico = R$ 0,68

Ou seja, uma venda por um preço menor que o preço mínimo acarretará prejuízo,
e portanto, a impossibilidade de pagar satisfatoriamente o trabalho empenhado na
produção.

Caso algum cliente apresente uma proposta de compra em grande quantidade


abaixo do preço mínimo, o empreendimento deverá avaliar se há algum tipo de vantagem
de outra natureza que possa fazer valer a pena trabalhar por uma remuneração menor.

Lembramos que o empreendimento pode conseguir reduzir seu preço mínimo, a


fim de viabilizar a entrada em mercados com preços baixos a partir de:

• Redução da contribuição para os custos fixos e despesas:


◦ Reduzir os gastos mensais;
◦ Ampliar a produção média mensal;

• Redução do custo de matérias-primas:


◦ Descontos relacionados à compra de materiais em maior quantidade;
◦ Mapeamento de novos fornecedores;
◦ Substituição de materiais sintéticos e insumos de alto custo.

• Redução do custo de trabalho:


◦ Ampliar a produtividade (produção por hora) através de:
▪ Reorganização das linhas de produção;
▪ Capacitação e prática produtiva.
▪ Compra de equipamentos.

58
Fator Mercado:

Além de considerar os custos é preciso analisar o mercado para se definir o preço


de venda do produto. Para isso, deve-se saber:

• Quais os preços que as outras empresas colocam nos produtos parecidos com
o seu?

• O tipo de cliente (público-alvo) do produto. No caso de comunidades


empobrecidas, faz sentido oferecer um preço inferior em relação a clientes de alta renda
que freqüentam shoppings centers e exposições de arte;

Unindo os dois:

Para definirmos o preço que o empreendimento vai colocar em seus produtos e


serviços, se faz necessário distinguir três tipos de preço:

Tipo de Definição Como obtê-lo?


Preço
Preço mínimo É o menor preço que o produto ou serviço pode ser vendido É igual ao custo unitário de matéria-
sem gerar prejuízo para o empreendimento. Se por acaso o prima, trabalho e a contribuição
produto ou serviço for vendido por um valor menor do que o unitária para os custos fixos e
preço mínimo, a remuneração do trabalho não será realizada despesas.
como esperado.
Preço de É o preço médio que esse produto ou serviço é oferecido Pesquisas de Mercado
Mercado pelos outros empreendimentos na sua região.
Preço de É o valor suficiente para remunerar o trabalho, repor as Analisar a posição do
Venda matérias primas necessárias para realizar o trabalho, pagar empreendimento no mercado, tendo
os custos fixos e despesas e ainda gerar um excedente para como base o Preço Mínimo e Preço
formação de fundos de reinvestimento e expansão do de mercado
empreendimento.

A fim de conhecermos melhor o mercado, se faz necessário um estudo de outros


produtos similares já oferecidos. Para isso, uma pequena pesquisa pode ser realizada
preenchendo a tabela abaixo, preenchida com um exemplo fictício:

Produtor Qualidade Apresentação Preço (R$) Forma de


pagamento
Sabão Limpa- Alta Rótulo colorido 1,30 À vista
Tudo
Sabão Preço- Baixa Rótulo preto e branco 0,80 Cheque pré-datado
Baixo

No item qualidade, avalie se a qualidade do produto pesquisado é maior ou menor


que a qualidade do seu produto. Seja franco! A partir dessa pesquisa, coloque seu preço
comparando com o preço dos outros produtores.

59
No caso do Mãos Amigas, o preço mínimo do produto é R$ 0,68 e existe outro
sabão no mercado com uma qualidade menor vendido por R$ 0,80 e outro sabão com
melhor qualidade e vendido por R$ 1,30, seu preço de venda pode estar entre R$ 0,80 e
R$ 1,30. Nesse caso o empreendimento Mãos Amigas definiu o preço de R$1,00.

Não existe nenhuma regra matemática para calcular o preço de venda, mas
podemos utilizar um modelo simples de cálculo de preço, para adaptá-lo à nossa
realidade.

Modelo simples de definição de preços

De fato, o mais difícil de avaliar é o mercado, para isso podemos nos fazer duas
perguntas, sobre o ambiente externo:

• Meu produto se diferencia?

• Meu público-alvo prefere produtos de empreendimentos solidários?

A partir das possíveis respostas a estas perguntas encontramos quatro cenários


possíveis que contribuem para posicionarmos o preço de venda em relação ao preço
mínimo e ao preço de mercado.

O exemplo abaixo compara o sabão ecológico Mãos Amigas e o sabão Limpa-


Tudo. Abaixo seguem os diferentes cenários e suas conclusões:

Cenário 1

Este é o pior dos cenários, já que o produto não se diferencia e o público não dá
valor a ele, logo o preço deverá estar entre o preço de mercado e o preço mínimo. Assim
o preço ideal deve ser:

Preço mínimo < Preço de venda < Preço de Mercado.


R$0,68 < Preço de venda < R$1,30
Nesse caso o sabão ecológico Mãos Amigas se adequa ao preço escolhido
de R$ 1,00
Cenário 2

60
Nesse cenário, apesar de o produto não se diferenciar, o público-alvo valoriza.
Isso pode acontecer com consumidores que buscam apoiar projetos de inclusão
produtiva. Assim, o preço pode ser um pouco acima do preço de mercado:

Preço de venda > Preço de Mercado


Preço de venda > R$ 1,30
Nesse caso o sabão ecológico Mãos Amigas pode ser vendido por
aproximadamente R$ 1,50
Cenário 3

Nesse cenário o resultado é o mesmo. O produto tem qualidade e se diferencia,


mas o público alvo não o valoriza, assim o preço ideal pode ser um pouco acima do de
mercado:

Preço de venda > Preço de Mercado


Preço de venda > R$ 1,30
Nesse caso o sabão ecológico Mãos Amigas pode ser vendido por
aproximadamente R$ 1,50

61
Cenário 4

O
melhor cenário é ter um produto diferenciado em um mercado que valoriza suas
qualidades. Nesse caso o preço pode ser mais alto que o do mercado dependendo do
nível de diferenciação e valorização do seu produto. Aqui cabe realizar alguns testes para
encontrar o preço ideal.

Preço de venda >> Preço de Mercado


Preço de venda >> R$ 1,30
Nesse caso o sabão ecológico Mãos Amigas pode ser vendido por R$ 2,00

Política de Preços

Naturalmente os empreendimentos vão se relacionar com diferentes públicos-alvo


que demandarão diferentes preços. Esse tema será trabalhado na parte de marketing,
mas cabe aqui apresentar uma proposta de política de preços baseada na análise dos
custos e mercado:

Fator mercado:

Os públicos-alvo do sabão Mãos Amigas são:

• Chefes de família: As pessoas que compram sabão gostam de receber descontos


se compram em maior quantidade. Essa conclusão pode ser tirada do fato de
diversas marcas de sabão vendem pacotes com 5 unidades;

• Lojistas: Para se tornarem revendedores do sabão ecológico, os lojistas exigem


um desconto satisfatório para ele poder vender o produto por um preço:

◦ Compatível ao seu preço para chefes de família;

◦ Capaz de gerar um excedente atrativo para se tornar um revendedor de seu


produto.

62
Fator Custo:

Como sabemos o preço mínimo do sabão ecológico é R$ 0,68.

Juntando os dois:

A análise de mercado nos permite concluir que o sabão Mãos Amigas deve
apresentar três preços. Abaixo apresentamos duas formas de elaborar uma política de
preços, sendo elas:

POLÍTICA DE PREÇOS I
Tipo de preço Valor sugerido Justificativa
Varejo R$ 1,00 Começando pelo maior preço a
ser praticado, o varejo.
Atacado R$ 0,90 Pode-se dar um desconto de 10%
se o consumidor comprar um
volume acima de 5 unidades ou
qualquer quantidade a ser
definida.
Revenda R$ 0,80 Pode-se dar um desconto de 20%
para pessoas e lojas que estejam
interessadas em revender o
sabão.

POLÍTICA DE PREÇOS II
Tipo de preço Valor sugerido Justificativa
Revenda R$ 0,82 Começando pelo menor preço a
ser praticado para revenda. Pode-
se defini-lo a partir do preço
mínimo mais um porcentagem do
preço mínimo, por exemplo, 20%.
Nesse caso R$ 0,68 + R$ 0,14=
R$ 0,82
Atacado R$ 0,95 Pode-se seguir ampliando a
porcentagem do preço mínimo.
Por exemplo, 40%.
Varejo R$ 1,10 Pode-se seguir ampliando a
porcentagem do preço mínimo.
Por exemplo, 60%. Nesse caso o
preço seria R$ 1,09 mas, foi
arredondado para R$ 1,10 para
facilitar o troco.

63
Mas lembramos: Não há regras para definir os preços, cada caso é um caso.

Considerações finais sobre definição de preços:

Há uma relação entre preço e quantidade vendida. Ou seja, quanto maior o preço,
mais difícil fica encontrar clientes e quanto menor o preço maior a chance das pessoas
comprarem os produtos, com exceção de clientes que acreditam que preço baixo
representa falta de qualidade.

Assim, o empreendimento pode:

• Oferecer descontos como no caso de lançamento de novos produtos ou para


colocar o produto no mercado a fim de torná-lo mais conhecido;

• Realizar liquidações caso o empreendimento se encontre com muitos produtos


estocados.

III) Elaboração de metas

A partir dos custos, preços, metas de remuneração e jornada de trabalho, o


empreendimento pode calcular metas de produção e vendas capazes de garantir a
remuneração esperada.

Margem de Contribuição Unitária

A partir dos custos e preços, devemos calcular a margem de contribuição unitária


dos produtos, ou seja, quanto à venda de cada produto contribui para cobrir os custos
fixos, despesas e remunerar os integrantes do grupo.

Margem de Considere o retângulo inteiro como o preço de


contribuição Unitária venda.

A margem de contribuição unitária é o preço


de venda menos o custo de matérias-primas.

Custo de Matérias- Preço = Custos de matérias-primas + Margem de contribuição


Primas unitária

Ou seja, a cada venda de sabão ecológico, o empreendimento deve guardar o


valor referente aos custos de matérias-primas, a fim de repor seus estoques e garantir a
continuidade da sua produção e utilizar o resto para pagar os custos fixos, despesas,

64
remunerar o trabalho e alimentar sua poupança.

Seguindo o caso do sabão ecológico do Mãos Amigas, o preço de venda é R$


1,00 e o custo de matérias-primas é R$ 0,20. Sua margem de contribuição unitária é:
R$ 1,00 – R$ 0,20 = R$0,80

Indicador de Viabilidade Financeira

A partir do estudo já realizado podemos ter um indicador simples dividindo a


margem de contribuição unitária do produto pelo seu preço de venda. No caso do Mãos
Amigas temos:

Margem de contribuição Dividido Preço de venda Igual Indicador de


unitária viabilidade
financeira
R$ $ 0,80 ÷ R$ 1,00 = 0,80 ou 80%

Esse indicador demonstra que a cada R$ 100,00 de vendas, R$ 80,00 representa


a margem de contribuição unitária. Assim, quanto maior esse número, maior a viabilidade
financeira do empreendimento. Nesse caso podemos concluir que o sabão ecológico tem
uma grande viabilidade financeira.

Ponto de Equilíbrio

Chamamos de ponto de equilíbrio a quantidade mínima de produtos que precisam


ser vendidos para que o empreendimento possa pagar seus custos e despesas e não
tenha prejuízo nem gere excedentes.

Para encontrar esse valor precisamos compreender um raciocínio:

Cada produto vendido representa uma entrada de dinheiro no caixa do


empreendimento. Desse dinheiro, deve-se separar uma parte para a compra de matérias-
primas. É com o dinheiro que sobra (margem de contribuição unitária) que o
empreendimento pode pagar seus custos fixos e despesas.

Com isso, para encontrar o ponto de equilíbrio deve-se perguntar:

Quantas margens de contribuição unitárias preciso conseguir para pagar meus custos
fixos e despesas?
Margem de
contribuição Unitária

Margem de
Custos Fixos + contribuição Unitária
Despesas 65
Margem de
contribuição Unitária
Assim, para calcular o ponto de equilíbrio, dividimos o custo fixo mais despesas
pela margem de contribuição unitária.

No caso do Mãos Amigas, o custo fixo representa R$ 300,00, as despesas


R$ 420,00 e a margem de contribuição unitária é R$0,80. Portanto seu ponto de equilíbrio
é 900 pedaços de sabão, conforme apresenta a tabela abaixo:

Custos Mais Despesas Dividido Margem de Igual Ponto de equilíbrio


fixos contribuição unitária
R$ 300,00 + R$ 420,00 ÷ R$ 0,80 = 900 pedaços de
sabão ecológico

Ou seja, o empreendimento Mãos Amigas deve vender pelo menos 900 pedaços
de sabão por mês para não ter prejuízo.

Metas para remunerações esperadas

Da mesma forma que calculamos o ponto de equilíbrio para encontrarmos uma


meta de venda mínima, a fim de que o empreendimento não tenha prejuízo, podemos
definir uma remuneração esperada para os membros do grupo e calcular o ponto de
equilíbrio somando os custos fixos e despesas com as remunerações esperadas. Com
isso encontraremos metas de produção e vendas para atingir as remunerações
esperadas.

Para isso devemos calcular qual o valor total das remunerações esperadas
multiplicando o número de membros pela remuneração individual esperada.

No caso do Mãos Amigas, o grupo é formado por 5 pessoas e cada pessoa que
receber R$ 400,00 por mês para trabalhar 100 horas. O valor total das remunerações
será R$ 2.000,00. Agora devemos somar esse valor ao custo fixo e recalcular o ponto de
equilíbrio:

Custo fixo + Dividido Margem de Igual Meta para


Despesas+ contribuição remunerações
Remunerações unitária esperadas
esperadas
R$ 2.720,00 ÷ R$ 0,80 = 3400 pedaços de sabão
ecológico

A meta mensal de produção e vendas de 3400 pedaços de sabão pode ser


destrinchada.

66
Metas produtivas:

Como a produção de sabão é realizada em receitas de 30 pedaços, devemos


transformar a meta em receitas para saber quantas horas o grupo terá que trabalhar para
garantir sua meta de produção. Além disso, devemos trabalhar com metas semanais e
diárias, a fim de fazer com que esta meta seja utilizada para orientar o dia-dia do
empreendimento.

Para isso, dividimos 3400 pelos 30 pedaços que resultam de cada receita a fim de
descobrir quantas receitas deverão ser produzidas por mês.

3400 ÷ 30 = 113,33. Aproximadamente 114 receitas por mês

Para encontrar a meta semanal devemos dividir a meta mensal por 4 semanas:

114 ÷ 4 = 28, 5 aproximadamente 29 receitas por semana

Já para encontrar a meta diária, dividimos a meta semanal por 5 dias:

29 ÷ 5 = 5,8 aproximadamente 6 receitas por dia

Viabilidade produtiva

Tendo como base a meta para remuneração esperada, temos que saber se o
volume de produção necessário para obter essa meta é possível de ser realizada pelos
membros do empreendimento com a tecnologia disponível. Para isso, temos que
multiplicar as horas necessárias para a produção dos produtos pela meta. O ideal é
utilizar a meta diária para planejar a jornada de trabalho diária do empreendimento:

Trabalho necessário para Multiplicado Meta de produção Igual Horas de trabalho


produção diária necessárias
3 x 6 = 18
Ou seja, o empreendimento terá que trabalhar 18 horas por dia. Como o
empreendimento tem 5 membros, cada pessoa terá que trabalhar em média 3,6 horas,
ou seja, 3 horas e 36 minutos por dia.

O empreendimento deve responder a seguinte pergunta: é viável cada pessoa


trabalhar 3 horas e 36 minutos por dia? Quanto menor a quantidade de horas
necessárias, maior a viabilidade produtiva do empreendimento.

As integrantes do Mãos Amigas estão dispostas a trabalhar 6 horas por dia, assim
o empreendimento tem viabilidade produtiva.

67
Viabilidade comercial

A partir da meta de remuneração esperada, o empreendimento deverá avaliar a


possibilidade de comercializar sua meta de vendas mensal. O estudo de viabilidade
comercial consiste na avaliação se o empreendimento será capaz de obter as vendas
previstas. No nosso exemplo, o empreendimento deverá vender 3400 pedaços de sabão
produtos por mês ou 850 por semana ou ainda 170 por dia.

É possível realizar essas vendas? Quanto menor forem as metas maior a


viabilidade comercial do empreendimento.

A grande dificuldade dos empreendimentos nascentes é comercializar seus


produtos. No caso do sabão ecológico, a meta de produção de 3400 pedaços deve
ser comercializada para efetivar a geração de renda do grupo. Para isso, deve-se
desenvolver um planejamento detalhado a fim de viabilizar o escoamento da
produção. Assim, o empreendimento se planejou para:

1. Firmar parcerias com restaurantes para a venda de sabão. A partir de uma


pesquisa de mercado, uma das integrantes descobriu que restaurantes de
médio porte utilizam, em média, 20 pedaços de sabão cada por mês. Assim,
se o empreendimento firmar parcerias comerciais com 40 restaurantes, 800
pedaços de sabão serão vendidos todo mês;

2. Participar nas feiras livres da região. A fim de contar com o apoio da prefeitura
uma vez que sua atividade estimula o descarte correto do óleo vegetal usado
e a geração de postos de trabalho na região, o empreendimento visitou a
Subprefeitura e solicitou a autorização para comercializar sabão nas feiras
livres da região que somam 8 feiras semanais. A estimativa é que se venda,
em média, 60 pedaços de sabão em cada feira. No mês o empreendimento
participará de 32 feiras que poderá efetivar a venda de 1920 pedaços;

3. Vender para os professores das escolas que sediarão atividades de educação


ambiental. Sempre que o empreendimento for oferecer as oficinas ele
sensibilizará as professoras e diretoras a comprarem o sabão ecológico. A
estimativa é que a cada visita, em média, 15 pedaços de sabão serão
vendidos. Como serão realizadas 8 palestras por mês, será possível vender
120 pedaços de sabão por mês;

4. Por fim, o empreendimento divulgou o sabão ecológico na reunião da rede de


empreendimentos populares do bairro. Uma boa parte dos membros se
prontificou a comprar mensalmente o sabão, somando o volume de 560
pedaços.

Com isso, o empreendimento desenhou suas principais estratégias de venda


para atingir a meta de vendas estipulada no estudo de viabilidade.

68
Estratégia Volume de vendas
Parceria com 20 restaurantes 800
Participação nas Feiras Livres 1920
Venda para professoras das escolas 120
Vendas na rede solidária da região 560
Total 3400

Podemos concluir, de forma simplificada que há viabilidade comercial do


sabão ecológico. Deve-se considerar que as estimativas de vendas são calculadas
com base em médias de quantidades observadas, assim sendo, há variações, e,
portanto os R$ 400 desejados, não serão garantidos em 100% dos meses: em
alguns meses a venda real será maior que a média e em outros, ficará aquém, mas
na média o empreendimento tende a atingir sua meta.

Conclusão

O estudo de viabilidade socioeconômica e ambiental do empreendimento


Mãos Amigas apresenta de forma simples o desenvolvimento dos elementos básicos
que o constituem. Nesse exemplo, podemos concluir que o empreendimento
apresenta grandes chances de obter sucesso e atingir seu objetivo de gerar renda,
preservar o meio ambiente e contribuir para a melhoria da comunidade local.

Apesar de simples, esse estudo ilustra os passos básicos que cada projeto
terá que percorrer para justificar seus produtos, sua estrutura democrática, produtiva
e comercial, além do seu papel na melhoria da comunidade.

Como podemos perceber, o estudo de viabilidade envolve tanto os aspectos


econômicos, como ambientais e sociais e tem a função de nos orientar na
implementação dos empreendimentos.

Para que o projeto tenha sucesso é fundamental que todos os integrantes


participem de sua elaboração e análise. Para isso, se faz necessário o levantamento
das informações relevantes para a avaliação e tomada de decisão coletiva com
conhecimento de causa, já demarcando as responsabilidades de cada integrante no
empenho de tornar realidade o sonho coletivo.

É fundamental um processo de empoderamento e pertencimento dos


integrantes no empreendimento para garantir a motivação e atitude empreendedora
de todos. Sem isso, não há viabilidade nenhuma do projeto dar certo, mesmo que o
estudo seja impecável e apresente ótimas estratégias e indicadores.

69
Roteiro do Capítulo:

Apresentação das noções básicas de marketing e a proposta do marketing


solidário.

A Proposta do Marketing

O marketing não se restringe a propaganda do empreendimento, mas representa


a soma dos esforços do empreendimento se manter firme no mercado, se transformando
e se adequando às mudanças do mercado.

O objetivo do marketing é desenhar estratégias para que o empreendimento se


destaque no mercado e venda bem os seus produtos ou serviços.

Mas afinal, o que é esse tal de mercado?

No início das primeiras organizações sociais da humanidade já apresentavam


pequenas trocas de produtos entre seus membros ou entre comunidades primitivas.
Essas relações de troca foram de desenvolvendo com o passar dos anos.

A criação da moeda representa a busca por tecnologias capazes de facilitar o


florescimento do comércio, que se expandiu com bastante força desde a expansão
marítima européia nos séculos XV e XVI.

Nessa época foram surgindo os grandes mercados. Locais onde as pessoas


comercializavam seus produtos e abasteciam suas casas e propriedades com os
diversos produtos que se encontravam nessas feiras. Nessa época o mercado eram
as feiras que reuniam os produtores e os consumidores. Ainda hoje essa prática
permanece, mas o mercado não é mais um espaço físico de trocas, mas algo virtual
e sem fronteiras.

Desde então as pessoas, grupos e empresas precisam de produtos e serviços


para o seu dia-a-dia, que são adquiridos em troca de dinheiro. Por outro lado essas
mesmas pessoas, grupos e empresas oferecem produtos e serviços em troca de
dinheiro. Essa interação entre as ofertas e demandas de produtos e serviços é
chamada de mercado moderno.

O mercado pode ser dividido em três atores econômicos, de acordo com os


atores que atuam nesse mercado, sendo eles:

70
Com isso, o mercado de panificação, por exemplo, é a soma dos:

• Produtores e vendedores de pães;

• As empresas que vendem matéria- primas e máquinas utilizadas na


produção de pães;

• E as pessoas que compram pão.

Além disso, existem três principais mercados do atual sistema econômico,


sendo eles:

•Mercado de Bens e serviços: Empresas e empreendimentos solidários


oferecem um conjunto produtos e serviços que são demandados por outras
empresas, empreendimentos, governos, organizações sociais e pessoas.

•Mercado de Trabalho: Para as empresas, governos e entidades sociais


funcionarem, se faz necessário a compra de trabalho, que é oferecido por
trabalhadores. Em uma nova Economia, baseada nos princípios e valores da
Economia Solidária, não existirá esse mercado, pois as pessoas se
associarão para trabalharem coletivamente, em regime de autogestão,
dispensando a relação empregado-empregador, geradora de exploração da
classe trabalhadora e os conseqüentes conflitos sociais;

•Mercado Financeiro: Bancos e instituições financeiras oferecem dinheiro


para empresas, empreendimentos, governos e pessoas adquirirem insumos
produtivos ou comprarem produtos e serviços. O dinheiro, como mercadoria,
tem seu preço: Os Juros. Além de dinheiro, outros serviços e produtos
financeiros são oferecidos, como: ações, títulos, seguros, captação de
poupança, entre outros.

Os mercados são dominados pela cultura econômica da competição:


Empresas e bancos disputam clientes e fatias do mercado e trabalhadores disputam
vagas de emprego. Essa lógica resulta em ganhadores e perdedores, que
acumulam, respectivamente, vantagens e desvantagens competitivas. Com o tempo,
71
essas vantagens/desvantagens resultam em mercados dominados por grandes
atores econômicos que criam barreiras à entrada de novos atores.

Essas duas principais barreiras à entrada podem ser:

•Econômicas: As grandes empresas operam com grande volume de


produção e prestação de serviços, o que viabiliza a redução de custos de
produção, possibilidade de redução de preços, adoção de tecnologias
inovadoras, contratação de mão de obra barata e fortalece a capacidade de
negociar com revendedores e fornecedores. Esse fator é chamado de ganhos
de escala. Os pequenos;

•Jurídicas: As leis que regulamentam atividades econômicas tendem a criar


dificuldades para os pequenos produtores que precisam de altos
investimentos para adquirir certificações, registros e licenças para
comercializar seus produtos. Muitas vezes essas leis são criadas por Lobby
das grandes empresas.

Com isso, o esforço de elaborar estratégias de marketing se mostra


fundamental para superar as barreiras econômicas, viabilizando acesso ao mercado
e agregando valor aos produtos e serviços oferecidos pelos pequenos
empreendimentos. Esse esforço busca a viabilização econômica de
empreendimentos que começam sua produção com custos altos, devido a sua
produção em baixa escala, e qualidade ainda não padronizada, pois as linhas de
produção ainda estão sendo consolidadas, precisando de um mercado mais
tolerante para uma preparação a fim de superar os desafios do mercado agressivo e
competitivo.

Atrelada a isso, devemos elaborar práticas de pedagogia empreendedora


capazes de contribuir sensivelmente para que os empreendedores internalizem o
processo de comercialização de seus produtos, assumindo, desde o início, sua
responsabilidade pelos seus esforços e resultados de venda.

Para nós, Educadores Populares, se faz importante conhecermos essa


lógica do mercado e seus agentes econômicos. Não só para contribuirmos com a
elaboração de estratégias de Marketing para empreendimentos solidários como para
levarmos discussões e reflexões sobre o funcionamento do mercado, suas
contradições, reforçando o senso crítico e a necessidade de construirmos outra
lógica econômica.

72
A importância de conhecer o mercado

Quando incubamos um empreendimento, devemos conhecer bem o mercado


em que queremos atuar e sensibilizar os empreendedores para mesmo. Devemos nos
esforçar para compreender como os clientes, outros produtores ou prestadores de
serviço e os fornecedores atuam e reagem às mudanças do mercado.

Cabe ressaltar que conhecer os gostos do cliente, suas exigências e


desejos são fundamentais para que possamos não só desenvolver estratégias
comerciais adequadas como para definirmos melhor os produtos e serviços que
serão oferecidos.

A busca por essas informações possibilita um bom planejamento, capaz de


aproveitar oportunidades que possam surgir no momento e neutralizar ameaças que
possam existir. É na perspectiva de uma verdadeira análise do ambiente externo
que interfere diretamente no desempenho do empreendimento.

Verificar elementos do mercado amplia a qualidade das estratégias de


atuação do empreendimento. (aonde vender, como vender, pra quem vender) além
de verificar clientes potenciais.

Esse é um pequeno guia para a realização de pesquisas de mercado:

Ator do mercado Informações importantes Dados a serem coletados


Cliente Quem compra um produto ou serviço Informações gerais pessoais: idade, sexo, tamanho da família,
busca satisfazer uma necessidade ou profissão, escolaridade, etc.
resolver um problema. Conhecer o
cliente é saber suas necessidades, o
que lhe agrada e desagrada, e o que
ele realmente está buscando obter Informações gerais sobre a empresa:
quando adquire um determinado Setor, n° de empregados, se tem filiais, imagem no mercado;
produto. Assim devemos conhecer seus
gostos e preferências, lembrando que o
seu cliente pode ser pessoas ou
empresas; Interesses e opiniões: O que o cliente acha importante no
produto ou serviço? O que ele gosta de fazer no tempo livre?
Como esse cliente pensa e age?

O que leva as pessoas a comprar:


Preço? Qualidade? Marca? Garantia?
Prazo de entrega ou pagamento?

Onde está o mercado:


Qual o tamanho da área que você atua, em pessoas e área
geográfica?
Pretende vender fora dessa área?
Pretende exportar?

73
Ator do mercado Informações importantes Dados a serem coletados
Outros produtores ou Conhecer os outros empreendimentos Quais são os empreendimentos ou pessoas que oferecem os
prestadores de nos ajuda a evitar erros e aproveitar os mesmos produtos ou serviços?
serviço acertos dos outros. Eles são ótimos
professores. Na cultura da colaboração,
os “concorrentes” se tornam parceiros
na perspectiva de redes e franquias O que oferecem?
solidárias

Quais as vantagens e desvantagens em relação a seu


empreendimento?

Quais as possibilidades de parceria e colaboração?


Fornecedores É preciso escolher muito bem os Quem são os fornecedores?
fornecedores, pois eles serão os
responsáveis pelo abastecimento de Onde estão?
matérias-primas e mercadorias.
Procedência, qualidade, preço e
Quais são os preços e condições de pagamento e de
regularidade são os pontos chave.
entrega?

Quais alternativas em caso de emergência?

As ferramentas de coleta e armazenamento de dados para a realização de


uma boa pesquisa variam, sugerimos alguns exemplos:

• Pesquisa com questionários;

• Pesquisa em sites especializados (Sindicato dos Economistas, SEBRAE, etc)

• Leitura de jornais e revistas especializadas (Gazeta Mercantil, Valor


Econômico, Pequenas Empresas Grandes Negócios) ;

• Pesquisas já realizadas em Universidades e Centros de Estudo;

• Consultorias e assessorias oferecidas por empresas especializadas.

74
Planos de Marketing

A partir da pesquisa de mercado devemos elaborar estratégias que formarão


o plano de marketing do empreendimento. Neste plano deverão estar contidos
descrições detalhadas e as estratégias propostas para cada produto, política de
preços, logística, distribuição e propaganda.

Dinâmica ¨Por quê você escolheu essa marca?¨

Essa dinâmica pode ser realizada nos grupos incubados, a fim de introduzir o
tema do Marketing Solidário.

Pense em um produto ou serviço que você costuma preferir em relação a


outras marcas
.
•Por quê você prefere essa marca em relação às outras?

•Qual o preço dela? É a mais barata, mais cara, ou preço mediano?

•Como ficou sabendo desse produto/serviço?

•Onde pode encontrá-lo?

•Veja se consegue dizer qual fator crítico que faz você escolher essa marca a
outras ?

Nesta oficina o animador deve buscar inserir as falas dos participantes na


lousa, dividindo em Produto, Preço, Praça e Promoção, mas sem pôr esses títulos
ainda. Somente ao final das falas ele apresenta o conceito de 4Ps e então escreve
em cima de cada divisória cada um dos ‘Ps’. Este exercício visa introduzir o
conceito dos quatro P’s do marketing e o entendimento de que há atributos que
fazem você preferir um produto/marca a outro.

A partir de um público-alvo determinado/segmentado (recorte de renda, de


idade, sexo, geográfico, etc), determina-se os 4 P’s que vão atender os desejos e
necessidades desse público.

75
Elaboração de Planos de Marketing

Os planos de Marketing se baseiam na definição de 4P's interligados, sendo


eles:

P Descrição
Preço Conhecer o cliente para adequar o preço e forma de pagamento às suas necessidades;
Preço muito baixo pode ser entendido como falta de qualidade. Para definir o preço ideal é
necessário conhecer bem os seus custos.
Produto O produto ou serviço deve satisfazer as necessidades do cliente, com duas qualidades:
Diferenciado - com características que destaquem seu produto em relação aos outros
Diversificado - com várias opções de variedade
Pontos de venda, Os locais em que serão comercializados os produtos e serviços do empreendimento devem
distribuição ou ser de fácil acesso e oferecer conforto.
atendimento Para isso, é necessário saber onde está o cliente. A distribuição do produto como entrega
em domicílio também pode facilitar o acesso do cliente ao produto ou serviço.
Propaganda Refere-se às formas de divulgar os produtos e serviços, seu preço e ponto despertando o
interesse do cliente. Destaque para a importância de um bom material de comunicação
visual com logomarca, folders, etiquetas e rótulos, site e materiais institucionais.

Esses 4 P's devem estar em harmonia e equilíbrio, como diz o ditado popular,
a corrente sempre arrebenta pelo elo mais fraco, se um desses 4 P's está falhando,
o empreendimento corre o risco de perder o cliente e enfraquecer sua marca.

A Proposta do Marketing Solidário

A partir da visão tradicional do marketing, agregamos os princípios e valores


da Economia Solidária, a fim de que possamos elaborar estratégias de vendas que
não reproduzam a lógica tradicional de estímulo ao consumismo desenfreado e ao
consumo de produtos fúteis.

Nessa perspectiva, os Empreendimentos solidários podem contribuir para


76
uma reorganização econômica das comunidades através da constituição de ciclos
de realimentação entre produção e consumo locais, gerando círculos virtuosos de
geração de renda, rumo à distribuição de renda, melhoria da qualidade de vida e
desenvolvimento local.

Para isso, as estratégias de marketing devem assumir um caráter educativo,


viabilizando a ampliação das vendas dos empreendimentos populares atrelados a:

• Processos de educação para o consumo;

• Aproximação entre produtores e consumidores;

• Fortalecimento da identidade comunitária;

Assim, o Plano de Marketing Solidário deve ser pensado a partir de 4 P`s


solidários, sendo eles:

• Produto Solidário:
◦ A definição e adequação do produto deve buscar oferecer produtos
ecologicamente corretos, com a máxima qualidade possível, com
destaque a produtos de alimentação, que possam garantir a segurança do
consumidor e sua qualidade de vida. Além disso, o produto deve garantir
que não há exploração do trabalho, com destaque ao trabalho infantil,
através da produção autogestionária. Assim, o produto deve integrar
qualidades tangíveis e intangíveis;

• Preço Justo e Aberto:


◦A definição do preço dos produtos solidários devem, idealmente, garantir
a remuneração justa dos produtores e do resto da cadeia comercial, de
forma equilibrada com as possibilidades do consumidor adquirir esses
produtos. Assim, o preço justo deve equilibrar os interesses do produtor,
do vendedor e do consumidor;
◦Além de justo o preço deve ser aberto, ou seja, o consumidor deve saber
os custos de produção, a remuneração do trabalho e demais informações
que construam uma relação de proximidade e transparência entre
consumidores, comerciantes e produtores.

• Propagandas Educativas:
◦As abordagens de comunicação devem trazer consigo mensagens e
reflexões sobre os impactos que o consumo gera e a importância de
orientar esses impactos para a distribuição de renda e fortalecimento da
produção-popular.

77
• Pontos de Comércio Solidário: A busca por pontos de venda para os
produtos solidários deve primar por comercializar seus produtos na própria
comunidade, quando possível, pois empreendimentos de artesanato,
confecção e outros produtos direcionados a um público-alvo de maior poder
aquisitivo apresentam restrições de comercialização em comunidades
empobrecidas. Nesse sentido o empreendimento deve buscar estabelecer
parcerias com comerciantes locais, ampliando o vínculo entre o
empreendimento e os atores econômicos de sua comunidade, na perspectiva
do desenvolvimento local. Essa estratégia minimiza a necessidade de acesso
inicial a mercados distantes, não os descartando, mas propondo a utilização
do potencial endógeno da comunidade através da potencialização do
mercado local a partir de ações que possam desencadear processos
educativos capazes de sensibilizar os atores locais para a importância de se
prestigiar a produção local.
◦ Além disso, o empreendimento deve buscar mercados externos à sua
comunidade, de forma a viabilizar a ampliação das vendas e a
possibilidade de divulgar a comunidade para outras regiões, fortalecendo a
auto-estima da comunidade.
◦ Para isso, tanto dentro da comunidade quanto fora, os empreendimentos
podem utilizar as seguintes ferramentas:

• Sistema de entrega em domicílio: Com uma tricicleta ou moto, os


empreendimentos podem realizar as entregas dos produtos porta-a-porta,
com destaque a empreendimento de panificação e alimentação;

• Participação em Feiras Livres, sacolões e outros espaços públicos:


Dentro das possibilidades de mobilização do consumo local está o
aproveitamento de espaços de comercialização regulamentados pela
Prefeitura, como as Feiras Livres, Sacolões e Mercados Municipais, que
podem abrir espaços para que os empreendimentos locais montem suas
barracas e ocupem espaços ociosos de forma a ampliar o leque de contato
com os clientes;

• Acesso às compras públicas: Como continuidade do envolvimento do


governo local no fortalecimento das estratégias de comercialização dos
empreendimentos populares propõe o estudo sobre as possibilidades de
comercialização direta para equipamentos públicos como: escolas, creches,
postos de saúde, hospitais entre outros locais. Além disso, podemos acessar
o orçamento público vendendo para Organizações e projetos sociais que
recebem recursos públicos e consomem diariamente diversos produtos que
podem ser produzidos por grupos produtivos descentralizados que atuam em
rede para ampliar a capacidade de atendimento desses potenciais clientes;

78
• Clubes de compras: Na busca por mobilizar o consumo local, essa
ferramenta propõe a realização periódica de compras comunitárias para viabilizar a
aproximação dos consumidores e produtores locais. O Clube de compras é mais do
que uma forma de baratear o preço e melhorar a qualidade dos produtos
consumidos no dia-a-dia, é uma forma de consumir com consciência, ajudando os
empreendimentos populares a se consolidarem;

• Lojas solidárias: os empreendimentos podem montar lojas próprias para


exporem seus produtos para serem comercializados em ¨pronta entrega¨ e
coletarem encomendas para serem repassadas aos empreendimentos. As lojas
podem ser facilmente viabilizadas através da articulação de empreendimentos que
podem dividir os custos e o trabalho de manutenção das lojas;

• E-commerce através de Blogs: O desenvolvimento Blogs se mostra uma


ferramenta importante, não só para divulgar o empreendimento e seus produtos,
como angariar novos fregueses que podem encomendar produtos por e-mail. Com o
amadurecimento do empreendimento, pode-se criar um site de e-commerce que
efetua vendas on-line, com sistema de pagamento com cartão de crédito e boleto
bancário;

• Parcerias com Empresas: Atualmente muitas empresas procuram produtos


elaborados para comunidades como:
◦ Brindes institucionais para clientes, colaboradores e fornecedores;
◦ Pastas, bolsas e camisetas para oferecerem em seminários, congressos,
treinamentos e outros eventos;
◦ Serviços de buffet para coffee break, cafés da manhã e refeições nos
eventos acima citados;
◦ Realizarem feiras internas nas empresas para que os colaboradores
acessem os produtos solidários;
◦ Entre outras possibilidades.

Esse leque de possibilidades serve como orientação para a implementação


de pontos de venda que facilitam o acesso aos consumidores e devem ser
adequados à realidade de cada empreendimento, sua atividade econômica e seus
produtos.

Com isso, acreditamos que podemos iniciar o desenvolvimento de estratégias


de marketing alinhadas com a proposta da Economia Solidária e do
Desenvolvimento Local, fundamentais para superar o desafio de inserir
empreendimentos nascentes no mercado competitivo.

79
Comercialização em espiral e Desenvolvimento Local Endógeno

A estratégia de comercialização em espiral está baseada na proposta do


desenvolvimento local endógeno e parte da premissa de que nenhuma comunidade
é pobre, mas se empobrece todo o mês, ao comprar produtos, serviços e saberes
gerados fora da comunidade. Como furos no balde, o dinheiro vaza e a comunidade
perde sua riqueza.

Assim, as Cooperativas e empreendimentos Populares podem ser


fomentados como alternativas para evitar que a riqueza escoe, mantendo o dinheiro
da comunidade girando no bairro. Sendo não só uma forma de gerar novos postos
de trabalho na região, como de contribuir para uma reorganização econômica do
bairro através da constituição de ciclos de realimentação entre produção e consumo,
gerando círculos virtuosos de geração de renda, rumo à democratização econômica
e melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento local.

A partir da consciência do poder do consumo no fortalecimento de projetos


produtivos locais ou na concentração de renda, e com a necessidade de se repensar
a proposta das atuais ferramentas de marketing, propomos a construção de
tecnologias sociais ligadas ao conceito de marketing solidário, isto é, ferramentas
estratégicas para ampliar as vendas das cooperativas e empreendimentos populares
atrelados a um processo de educação para o consumo.

Todas as abordagens de comunicação devem trazer consigo mensagens e


reflexões sobre os impactos que o consumo gera e a importância de orientar esses
impactos para a democratização econômica e fortalecimento da produção popular e
sustentável reforçando a proposta do comércio ético e solidário e trabalhando
segundo seus princípios, como o exemplo de preço justo aberto.

Além desse aspecto, o marketing solidário busca a viabilização econômica de


empreendimentos populares solidários que começam sua produção com custos
altos, devido à sua produção em baixa escala, e qualidade ainda não padronizada,
pois as linhas de produção ainda estão sendo consolidadas, precisando de um
mercado mais tolerante para uma preparação a fim de superar os desafios do
mercado agressivo e competitivo.

Atrelado a isso, busca-se elaborar práticas de pedagogia empreendedora


capazes de contribuir sensivelmente para que os cooperados e cooperadas
internalizem o processo de comercialização de seus produtos, assumindo, desde o
início, sua responsabilidade pelos esforços de venda da Cooperativa Popular.

Com isso, propõe-se o processo de comercialização de ¨dentro para fora¨, ou


seja, prioriza esforços para a comercialização inicial para familiares e amigos,
seguido por pequenos comércios e feiras locais, passando para lojas de maior porte,
até atingir a capacidade para acessar mercados externos.

80
Essa estratégia minimiza a necessidade de acesso inicial a mercados
distantes, não os descartando, mas propondo a utilização do potencial endógeno da
comunidade através da potencialização do mercado local a partir de ações que
possam desencadear processos educativos capazes de sensibilizar os atores locais
para a importância de se prestigiar a produção da região. Essa mobilização,
realizada pelos cooperados e cooperadas, deve ressaltar a viabilidade da abertura
de novos postos de trabalho e da redução da violência urbana na comunidade local,
pelo fato de o consumo local ser direcionado para a produção do próprio local,
construindo círculos virtuosos de geração de trabalho e renda.

Além de fortalecer a absorção da produção na comunidade, essa estratégia


viabiliza um processo natural de amadurecimento do empreendimento para a
comercialização, ao passo que acessa clientes maiores e mais exigentes de forma
gradual, facilitando o processo de empoderamento e autonomia rumo à
consolidação econômica dos projetos produtivos.

Elaborando o Plano de Marketing Solidário com o Empreendimento.

Para contribuirmos para o desenvolvermos do Plano de Marketing Solidário


de Empreendimentos, podemos utilizar o seguinte roteiro:

Pensando as vendas

O educador deve iniciar a construção de planos de marketing dos


empreendimentos populares resgatando:

• Os produtos/ serviços escolhidos pelo empreendimento;

• Metas de vendas do Estudo de Viabilidade Econômica.

A partir disso, o educador deve preencher a tabela abaixo. perguntando aos


empreendedores quais os públicos-alvo de cada produto ou serviço. O educador
deve preencher a tabela deixando as três últimas colunas em branco:

Produto/ Metas de vendas Público-alvo Desejos e necessidades Ferramentas Como venderemos?


serviço diária público-alvo

Com a tabela preenchida parcialmente, o educador deve facilitar uma primeira


reflexão sobre a definição estratégias de comercialização. Para isso, ele inicia uma
chuva de idéias que criará o ambiente ideal para a construção coletiva do
planejamento de cada coluna, sendo elas:
81
• Desafios e necessidades do público-alvo: nessa coluna o grupo deve
aprofundar as características do público-alvo e suas especificidades. Ainda no
exemplo de artefatos de decoração, donas de casa gostam de pagar com
cartão de crédito, valorizam produtos fáceis de limpar e primam por poder
ajustar o produto ao estilo de decoração de sua casa;

• Ferramentas: Nesse ponto o grupo deve refletir sobre ferramentas de vendas


que podem ajudar a satisfazer os desejos e necessidades do público-alvo.
Essa coluna representa, de forma simplificada e integrada, os P´s do Produto,
preço e propaganda. Seguindo o exemplo, para atender ao cliente o grupo
deverá:
◦ Aceitar cartão de crédito, utilizando uma máquina de cartão de crédito da
VISA ou pensar alternativas como cheque pré-datado.
◦ Oferecer produtos leves, fáceis de limpar e com etiqueta oferecendo dicas
de manutenção e limpeza do produto;
◦ Receber encomendas sob medida com variações de formato e cores para
se ajustarem à decoração da casa do cliente;

• Como venderemos?: Essa coluna está ligada ao Ponto de venda/distribuição


do produto. Ou seja, em como o cliente vai acessar o produto ou serviço do
empreendimento. No exemplo dos artefatos de decoração, o ¨como
venderemos?¨ poderão ser:

◦ Feiras Temáticas;
◦ Feiras de Artesanato;
◦ Lojas próprias;
◦ E-commerce.

Cabe ressaltar que as ferramentas e ¨como venderemos?¨ estão ligadas aos


desejos e necessidades do público-alvo. Conhecer as necessidades e desejos do
cliente se torna fundamental para garantir um plano de marketing solidário efetivo.

Lembramos também que se o empreendimento tem planos de vender seus


produtos para lojas que os revenderão, o empreendimento deve pensar no Público-
Alvo Lojistas, que tem seus desejos e necessidades específicos, com destaque a
preços.

Esse plano inicial já pode subsidiar os primeiros esforços de venda do


empreendimento. Mas deve ser aprofundando em um segundo momento, quando se
tornar necessário aprofundar as estratégias inicialmente elaboradas

82
Aprofundando o Plano de Marketing

A partir dessa primeira versão do plano de Marketing, o educador deve


sensibilizar o grupo para a necessidade de aprofundar as estratégias inicialmente
definidas, a partir de um estudo do mercado e de um olhar mais detalhado.

Para isso, o educador deve realizar a dinâmica ¨Por quê você escolheu essa
marca?¨, já apresentada nessa apostila. A partir dela o educador deve realizar
novamente uma chuva de idéias para preencher uma tabela mais detalhada do que
a primeira preenchida.

Para isso, o educador deve resgatar as informações contidas na primeira


tabela, com destaque às ferramentas e ¨como venderemos?¨ na perspectiva de
separar os 3 Ps (preço, produto e propaganda) contidos na coluna ferramentas.
Para isso, deve-se utiliza a coluna abaixo:

Produto/ Metas de Público- Desejos e Características do Preço Propaganda Ponto de


serviço vendas alvo necessidades produto/ venda
diária público-alvo serviço

A qualidade do plano de Marketing e sua posterior aplicação será mais efetiva


quanto o conhecimento sobre o mercado, com destaque ao público-alvo.

Uma estratégia que pode facilitar o processo de elaboração do planejamento


de Marketing é buscar exemplos de outras empresas, com destaque a empresas que
oferecem produtos e serviços parecidos com os empreendimentos.

Dicas para o desenvolvimento de novos Produtos

Para se pensar um novo produto, devemos nos perguntar:

• Existe mercado?

◦ As pessoas prefeririam adquirir esse novo produto no lugar dos


produtos convencionais que já estão no mercado?

• Quais atributos as pessoas mais valorizam nesse tipo de produto?

1. Bom preço?;
2. Qualidade?;
3. Aparência?;
4. Procedência?;

83
5. Durabilidade?;
6. Entre outros

• O conceito do meu produto atende às necessidades e desejos do meu


público-alvo?

• Já tenho planejado como vou comunicar quais benefícios vou destacar para o
consumidor?

• Por onde vou vender o produto?

◦ Lojas;
◦ Feiras;
◦ E-commerce;
◦ Outros pontos de venda;

Conceito de produto diz respeito àquilo que ele significa ou representa de


diferencial. Por exemplo, o conceito de um detergente ecológico é de um detergente
que não só limpa e rende bastante, como agride menos o meio ambiente e,
possivelmente agride menos as mãos.

A comunicação dos benefícios do produto, diz respeito a comunicar o diferencial, o


conceito do produto. Ou seja, enfatizar por meio de imagens, slogans e propaganda
o conceito e diferencial do produto, e, especialmente, os benefícios de consumi-lo.

O local de venda do produto também deve condizer com o conceito do produto.


Onde está o público das pessoas que valorizam um produto ecologicamente
correto? Onde elas freqüentam?

Resumo do Capítulo

Esse capítulo abordou o MARKETING. Nele vimos que:

1)O marketing representa os esforços das empresas se manterem firme no mercado,


se adequando às mudanças do mercado para conseguir vender bem os seus
produtos ou serviços;

2) O mercado surge a partir das trocas entre as pessoas, surgindo a moeda e as


grandes feiras na Europa da idade média. O mercado atual é a relação entre a oferta
e demanda de produtos e serviço e existem três atores no mercado: Clientes,
fornecedores e outros produtores;

3)É muito importante conhecer o mercado, pois nos ajuda a realizar um bom
planejamento, capaz de aproveitar oportunidades que possam surgir no momento e
84
neutralizar ameaças;

4)Podemos realizar uma pesquisa simples de mercado a partir de:

• Pesquisa com questionários;


• Pesquisa em sites especializados (Sindicato dos Economistas, SEBRAE, etc);
• Leitura de jornais e revistas especializadas (Gazeta Mercantil, Valor
Econômico, Pequenas Empresas Grandes Negócios) ;
• Pesquisas já realizadas em Universidades e Centros de Estudo;
• Consultorias e assessorias oferecidas por empresas especializadas.

5)A partir da pesquisa de mercado devemos elaborar estratégias que formaram o


plano de marketing, que deverá conter descrições detalhadas do produto, preços,
propagando e pontos de venda.

6)A partir da visão tradicional do marketing, agregamos os princípios e valores da


Economia Solidária, a fim de que possamos elaborar estratégias de vendas que não
reproduzam a lógica tradicional de estímulo ao consumismo desenfreado e ao
consumo de produtos fúteis.

7)Formas simplificadas de conduzir o processo de desenvolvimento de Planos de


marketing com os empreendimentos incubados;

8)Dicas para desenvolver novos produtos.

85
Roteiro do Capítulo:

Apresentação dos elementos que constituem uma proposta de formato para


Planos de Negócios;

O que é o Plano de Negócios?

O plano de negócios é um documento que descreve o seu empreendimento.


Existem diversas propostas de estrutura dos planos de negócios, desde modelos
complexos e detalhistas até modelos simples.

A proposta do cooperativismo popular e da autogestão nos exige a adoção de


modelos simples que garantam a maior participação possível de todos os
interessados pelo sucesso do empreendimento.

Para iniciarmos a construção coletiva de um empreendimento, o plano de


negócios pode se tornar uma ferramenta importante. Para isso se faz necessário a
adequação das versões tradicionais buscando o desenvolvimento de metodologias
mais adequadas ao trabalho com grupos populares.

O plano tem como base o estudo de viabilidade sócio-econômica e ambiental


que nos fornece as metas a serem atingidas e os desafios a serem superados. Com
essas informações descrevemos, de forma simples, como conseguiremos atingir
nossos objetivos.

Para organizar as informações, o plano pode ser dividido em capítulos com


propósitos específicos que proporcionam um entendimento completo do
empreendimento. Estes capítulos devem ser organizados de forma a manter uma
seqüência lógica que permita a qualquer pessoa que leia o plano entender como seu
empreendimento está organizado para gerar trabalho e renda para seus
participantes e contribuir para o desenvolvimento comunitário e preservar o meio
ambiente.

O plano de negócio deve ser utilizado para a comunicação tanto interna


quanto externa. Interna para materializar uma visão compartilhada e externa para
dar credibilidade ao empreendimento.

86
Estrutura de um Plano de Negócios

O Plano de Negócios é composto por vários capítulos que se relacionam e


permitem uma noção geral do negócio de forma escrita e em poucas páginas.

Capa: A capa serve como cartão de visita do empreendimento e, portanto


deve conter sua logomarca, apresentar seu nome do empreendimento e a data de
sua finalização.

Sumário: O sumário deve conter o título de cada capítulo suas páginas.

Sumário Executivo: Considerado como um resumo do plano que deve


descrever claramente o empreendimento; despertar o interesse de leitores, sejam
eles membros do grupo ou parceiros externos.

Apresentação do Empreendimento: Este capítulo deve descrever as


características básicas do empreendimento, como sua história e comunidade, a
equipe e infra-estrutura disponível e demais informações de apresentação.

Estudo de viabilidade sócio-econômica: Aqui você deve apresentar os


principais dados do estudo de viabilidade que serão a base do desenvolvimento do
plano.

Produtos e Serviços: Este tópico deve descrever quais são seus produtos e
serviços, como são produzidos, quais seus custos e preços e as justificativas da
escolha dos mesmos.

Cenários: A partir das diferentes metas que podem ser calculadas, este tópico
deve apresentar três cenários:

• Início do empreendimento;

• Semestral com aumento da remuneração esperada e/ou número de


integrantes;

• Anual com segundo aumento da remuneração esperada e/ou número de


integrantes;

Estratégia de Mercado:

Este capítulo deve apresentar como serão efetivadas as vendas necessárias


para se atingir a meta inicial estipulada no estudo de viabilidade comercial.

A partir das estratégias iniciais, deve-se apresentar também como será a

87
ampliação das estratégias de comercialização a fim de se atingir as metas semestral
e anual.

Estratégia Produtiva: Este capítulo deve apresentar como serão organizadas


as atividades de abastecimento e produção necessárias para se atingir a meta inicial
estipulada no estudo de viabilidade produtiva.

A partir das estratégias iniciais, deve-se apresentar também como será a


ampliação das estratégias de produção a fim de se atingir a meta semestral e anual.

Um sistema de gestão de um empreendimento popular assegura que os


processos envolvidos no trabalho sejam realizados conforme o esperado ou
planejado, afim de que as necessidades dos clientes sejam satisfeitas, aproveitando
ao máximo a vocação de cada pessoa envolvida no empreendimento.

Porém, mais que isso, um bom sistema de gestão deve, além de atender as
expectativas, promover sempre a melhoria do desempenho da atividade econômica,
a partir da identificação dos pontos fracos e dos pontos fortes.

A identificação de pontos fracos nos ajuda a entender nossas fraquezas de


forma a contribuir para a elaboração de estratégias de superação das mesmas. Por
outro lado, a identificação dos pontos fortes contribui para que o empreendimento
invista mais nesses pontos, possibilitando que eles se tornem verdadeiros
diferenciais.

Por mais que busquemos a construção de uma economia mais justa e


solidária, atualmente os empreendimentos devem sobreviver no mercado
promovendo sempre sua melhoria.

88
Roteiro do Capítulo:

Nesse capítulo abordaremos:

• O que é e qual a importância da gestão em um empreendimento econômico


solidário;

• A proposta da autogestão;

• O Funcionamento de um empreendimento popular e suas principais


atividades de gestão.

Gestão de Empreendimentos Populares

Gestão consiste nos mecanismos e procedimentos que possibilitam um


melhor desempenho da atividade a ser desenvolvida. Trata-se da organização das
informações necessárias ao bom andamento da atividade econômica
desempenhada pelo empreendimento.

Um sistema de gestão envolve, pelo menos, três frentes ou bases, sendo


elas:

Base organizacional:

• Planejamento;
• Rotinas administrativas e operacionais;
• Recursos: financeiros, materiais e estruturais;
• Sujeitos participantes, preparados para funções definidas e com
comprometimento e responsabilidade.

Base técnica:

• Conhecimento técnico da atividade econômica;


• Instalações necessárias pra o funcionamento;
• Identificação dos produtos ou serviços a serem oferecidos;
• Controles de qualidade destes produtos ou serviços.

89
Base jurídica:

• Conhecimento e atendimento das leis aplicáveis ao empreendimento sobre


documentação para funcionamento (alvará; vistorias, laudos técnicos e
inspeções);
• Normas técnicas de instalações e manuseios; tributos, recolhimentos e
prestação de informações e outras obrigações;
• Conhecimento e atendimento dos requisitos dos contratos comerciais;

A Proposta da Autogestão

Assim como a natureza do empreendimento econômico solidário tem suas


particularidades. Em relação aos empreendimentos convencionais, sua gestão
também apresenta diferenças fundamentais.

A tradicional forma de gestão, na maioria dos casos, reflete uma estrutura


piramidal, em que o topo da pirâmide (a diretoria) toma as decisões e as repassa
para a base (funcionários) que realiza o trabalho, cabendo à supervisão a
organização e o controle do mesmo.

Essa estrutura representa a hierarquia e a divisão entre o trabalho manual e o


intelectual, resultando na concentração de poder e dos benefícios em algumas
pessoas, permitindo abusos e acumulação de renda. Por outro lado, um outro
resultado é que os funcionários tendem a se tornar alienados, por não se sentirem
parte do processo, mas apenas pessoas que recebem ordens e precisam cumprir
seu papel para se manter no emprego. Como tendem a não estarem motivados, se
faz necessário manter um controle rígido sobre o comportamento deles.

Na cultura do emprego, o trabalhador é passivo e espera ordens ou tarefas


de seu supervisor. Ele não tem motivação para nada que não esteja estritamente na
sua área de responsabilidade e também não está apto ou motivado a tomar
decisões de emergência, quando algo sai do planejado. Com isso, perde-se a
principal contribuição que uma pessoa pode dar a um empreendimento popular:
suas idéias e sua criatividade.
90
Quando falamos de empreendimentos populares, que operam na lógica da
Economia Solidária e do cooperativismo, a estrutura piramidal não faz nenhum
sentido.

A proposta é a autogestão, sistema no qual todos são responsáveis pela


elaboração dos seus procedimentos e pelo controle das atividades desenvolvidas
pelo empreendimento.

Além de democratizar o processo de tomada de decisão, a autogestão


distribui a responsabilidade entre todos os membros do empreendimento e aproveita
o potencial criativo de todos. Com isso, o resultado é visível: empreendimentos com
ambientes mais saudáveis, pessoas mais motivadas e participativas.

Assim, transformamos a cultura do emprego na cultura do empreendedor, em


que todos compartilham as informações, assumem as rédeas do empreendimento,
participando mais, tomando decisões e assumindo a responsabilidade pelo bom
andamento do trabalho.

O funcionamento básico de empreendimentos populares

Os empreendimentos populares podem atuar nas áreas de:

• PRODUÇÃO
• COMÉRCIO
• SERVIÇO

Vamos analisar o funcionamento básico de um empreendimento de produção:

A partir desse esquema podemos dividir as principais atividades de gestão


91
em quatro:

A)Gestão dos Processos

Gestão significa organização das informações que, com a implementação do


giro produtivo, serão cada vez maiores.

São mecanismos que proporcionam maior controle e desempenho das


atividades rotineiras dos empreendimentos. A melhor forma de organizá-las é
através de divisão das responsabilidades com os participantes. Estabelecimento de
uma sistemática organizada para realização dos processos e atividades envolvidas
no trabalho com o objetivo de realizar as tarefas conforme o esperado ou planejado,
de forma a melhorar constantemente a qualidade.

Dentre as principais atividades a serem organizadas, destacam-se:

• Compra de insumos que vão desde a elaboração da lista de compras e


cotação de preços até a estocagem do material;

• Organização da produção de forma a produzir da melhor forma possível,


atendendo a prazos e controles de qualidade, garantindo a saúde dos
trabalhadores e a preservação da natureza;

• Estruturação das atividades de venda, como: receber os pedidos, solicitar


para a área de produção, realizar as entregas, entre outras.

B)Marketing

Como já vimos, estratégias são os caminhos que planejamos para atingirmos


uma meta. O Marketing procura desenhar caminhos para conseguir que o
empreendimento conquiste um lugar no mercado para conseguir vender seus
produtos e serviços.

Para isso se faz necessário conhecer as pessoas que podem se tornar


clientes. É necessário pensar em algumas coisas:

2. Realizar uma boa pesquisa de mercado:

Para aproveitar as oportunidades e neutralizar as situações que significam


risco para os resultados dos empreendimentos (as chamadas “ameaças”) se faz
necessário coletar e analisar informações sobre:

• Possíveis clientes;

92
• Outros produtores;

• Fornecedores de matérias-primas.

A pesquisa pode incluir questionários para entrevistar pessoas e também a


revisão de publicações como as da Gazeta Mercantil, do Valor Econômico e sites
como SEBRAE, FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), Sindicato dos
Economistas, entre outros.

3. Elaborar as estratégias de marketing:

Com a pesquisa de mercado são colhidas as informações relevantes para a


elaboração das estratégias de marketing, que podem ser esquematizadas em 4P's.

Os Ps são quatro temas que temos que definir, sendo eles:

• Preço: Para definir um preço e formas de pagamento adequadas é preciso


conhecer o cliente, suas necessidades e possibilidades;

• Produto: Os produtos devem ser diferenciados (com características que


destaquem seu produto em relação aos outros) e diversificados (oferecendo
opções de variedade, inclusive em termos de dimensões, apresentação,
embalagens, do produto ou produtos);

• Pontos de venda: locais em que serão comercializados os produtos do


empreendimento. Exemplo: Avon é uma marca destinada a um público
modesto e utiliza vendedores domiciliares. O Boticário tem produtos
destinados à classe média e vende em grandes centros comerciais. Os Ps
estão interconectados, um influencia o outro.

• Propaganda: Formas de divulgar os produtos e serviços do empreendimento


e onde encontrá-lo.

Os empreendimentos precisam de ferramentas para ampliar as suas vendas


de forma conjunta com um processo de educação para o consumo. Todas as
abordagens de comunicação devem trazer consigo mensagens e reflexões sobre os
impactos que o consumo gera e a importância de orientar esses impactos para a
democratização econômica e fortalecimento da produção popular e sustentável
reforçando a proposta do comércio justo e solidário e trabalhando segundo seus
princípios, como o exemplo de preço justo aberto.

93
C)Gestão Financeira:

A gestão financeira refere-se à coleta, processamento e análise da


movimentação de dinheiro no empreendimento e envolve noções de:

• Estudos dos custos e definição de preços: contribui para entender melhor os


custos de produção, vendas e administração do empreendimento a fim de
ajudar na definição dos preços dos produtos e serviços do empreendimento.

• Estudos de viabilidade econômica: ajuda entender os ganhos na venda de


cada produto ou serviço e elaborar metas de compras, produção e vendas
que servem de base para a elaboração do Plano de Negócios dos
empreendimentos populares;

• Registros e análise financeira: fornece dados para subsidiar o


acompanhamento do desenvolvimento do empreendimento e planejar
estratégias de melhoria.

D) Aspectos Jurídicos:

Para o cumprimento da legislação, com uma boa interação com os órgãos


responsáveis pela fiscalização das atividades e para o exercício dos direitos e
deveres decorrentes das relações contratuais de um empreendimento, são
necessários vários conhecimentos, por exemplo, sobre:

• Legalização do empreendimento: as atividades econômicas podem ser


realizadas sob a forma de trabalho autônomo, ou por uma microempresa,
cooperativa, associação entre outras;

• Impostos relevantes para o empreendimento;

• Leis que influenciam a atividade;

• Contratos.

Implementação de Sistemas de Gestão Operacional

A gestão operacional está ligada à organização e controle das atividades


necessárias para o funcionamento básico do empreendimento tais como: compra de
matérias-primas, processo de produção e vendas.

A divisão das responsabilidades e o estabelecimento de um sistema produtivo


contribuem para melhorar constantemente a qualidade dos produtos e ou serviços
oferecidos. Dentre as principais atividades a serem organizadas, destacam-se:
• Compra de insumos: desde a elaboração da lista de compras e cotação de

94
preços até a estocagem do material;

• Organização da produção, para produzir da melhor forma possível: isto inclui


atender prazos e padrões de qualidade, garantindo ao mesmo tempo
qualidade de vida dos trabalhadores e a preservação da natureza;

• Estruturação das atividades de venda: fechar pedidos, repassar pedidos à


área de produção, realizar as entregas, entre outras.

Passos para montar um sistema de gestão operacional

A gestão pode ser feita através da divisão do trabalho em equipe, de forma a


estabelecer as responsabilidades a todos os participantes. Se faz necessário,
também, definir um conjunto de atividades para realização dos processos envolvidos
no trabalho.

Para isso é também necessário o estabelecimento de rotinas para realização


das tarefas e a definição de responsabilidades. Isso demanda a identificação prévia
e clara dos processos do empreendimento. O comprometimento é essencial.

Para implantar um sistema de gestão em um empreendimento popular,


primeiramente precisamos dividi-lo em passos:

1° Passo: Mapeamento dos Processos

Processos são as atividades que transformam entradas em uma saída, ou


seja, atividades que usam recursos ou informações (entradas) transformando-as em
ações e estratégias (saídas).

Atividade Econômica: Panificação Processo: Compra de matérias primas


Entrada Tarefas Saída
Lista de compras Ligar para fornecedores

Lista de fornecedores Comparar preços

Dinheiro Efetuar a compra Materiais com qualidade e


bom custo estocados
Transporte Buscar/Receber o pedido

Planilha de controle de compras Registrar variação do estoque

Ligar para fornecedores

95
Essa ferramenta nos ajuda a mapear todos os processos envolvidos na
atividade econômica, para que possamos detalhar as entradas necessárias e as
saídas resultantes. Dessa forma, determinamos, antes do início da prática
empreendedora, a maioria das tarefas necessárias para o bom andamento do
Empreendimento.

2° Passo: Padronização de processos

Após o mapeamento dos processos que deverão ser realizadas, deve-se


organizar a sua execução de forma a garantir uma qualidade satisfatória e
padronizada dos produtos ou serviços oferecidos no mercado.

Não há uma regra para a quantidade de processos, mas para a garantia de


uma boa gestão, o processo precisa ser controlado, monitorado, medido por
indicadores.

Estes processos devem ser detalhados, por etapas na execução e depois


padronizados, ou seja, qualquer pessoa que irá realizar aquele processo, deve
seguir um procedimento tal que o resultado final seja sempre o mesmo. Isto vai
proporcionar a realização de um produto ou serviço com qualidade.

Essa preocupação deve ser priorizada, pois é necessário que os serviços


prestados apresentem um padrão de qualidade, não só satisfatório, mas estável,
capaz de se atingir o valor de uma marca.

Uma marca de uma empresa é construída a partir de um padrão de qualidade


estável que vai ganhando boa fama entre seus clientes. Se quisermos viabilizar a
formação de empreendimentos de suporte com crescentes ganhos de qualidade, a
padronização é fundamental.

O empreendedor de ter um bom senso de organização e capacidade de


utilizar recursos humanos, materiais e financeiros de forma lógica e racional. A
organização facilita o trabalho e economiza tempo e dinheiro;

Deve-se saber o que é necessário padronizar e o porquê. Existem algumas


perguntas que nos ajudam, sendo elas:

Por quê?, O quê?, Como?, Quem?, Onde?, Quando?, Quantas vezes?

Exemplo:

Após se fazer uma receita de biscoitos integrais, o tempo de forno é de 20


minutos. Se o panificador deixar 25 minutos, muito provavelmente o biscoito sairá
mais escuro, mais ressecado. O que poderá não agradar o cliente.

96
A etapa do processo de panificação de “assar” o biscoito, deve estar padronizado, e
estabelecido em procedimento (que seria a receita), para que sempre sejam
produzidos os mesmos biscoitos.

Exercício em Grupo:

Dinâmica do origami:

Cada pessoa recebe um papel:

• Dobre a folha ao meio


• Dobre a folha novamente além da metade
• Recorte 1cm de largura e 1 cm de altura das pontas

Conclusão:

A moral da história é que cada um fez a dobradura de um jeito a partir das


mesmas informações. A forma como as informações foram passadas não
viabilizaram um padrão. É necessário criar uma sistemática para ensinar todos a
fazerem igual.

O exemplo do origami mostra o passo a passo, de forma a facilitar a


padronização da dobradura, a fim de que o origami seja igual ou muito parecido.

3° Passo: Coleta de dados e registros

Os processos são controlados por registros, segue alguns exemplos

Ferramenta de registro Conteúdo Utilidade


lista de fornecedores Preços e histórico de bom Comprar com qualidade e
atendimento bom custo e prazo de
pagamento
lista de clientes Clientes e histórico de atendimento Atender melhor e avaliar
desempenho
Uso de calendários Controlar a produção e prestação e Realizar as tarefas nos
serviço e planejar vendas prazos estipulados
Ficha do produto ou serviço Dados de produção ou prestação de garantir o padrão de
serviço qualidade
Os problemas e erros de percurso Relatório sobre o fato Avaliar os processos e
aprimorá-los

97
Esse controle deve ser reforçado nas atividades ligadas à:

Controle Finalidade
Vendas A adoção de um controle de vendas possibilita ao empreendimento prever receitas futuras e,
conseqüentemente, programar as compras. Além disso, torna-se mais fácil acompanhar o
comportamento mensal das vendas, as variações devido a sazonalidade, bem como o prazo
médio concedido para os pagamentos realizados a prazo.
Compras A adoção de um controle de compras possibilitará distribuir melhor suas compras para os
meses seguintes, baseando-se nas previsões de vendas e nos compromissos assumidos.
Este controle permitirá, também a determinação do prazo médio das compras.
Despesas O controle de despesas tem como objetivo o melhor acompanhamento da evolução dos
gastos mensais, bem como a verificação do comportamento de cada item de despesa,
permitindo, assim, a adoção de medidas que possam conter os gastos que venham
crescendo sem justificativa. O controle de despesas é indispensável à elaboração do cálculo
dos custos e do preço de venda de um produto, serviço ou mercadoria.
Estoque Pode ser utilizada uma ficha de controle para cada item, onde serão anotadas as entradas e
saídas de mercadoria ou material.
Estoque O controle físico e financeiro de estoque tem como objetivo básico informar a quantidade
físico e disponível de cada item existente no empreendimento, quer seja matéria-prima, quer seja
financeiro mercadoria, e quanto esta quantidade significa em valores monetários.

4° Passo: Realizar o Ciclo do PDCA do sistema de gestão

• Planejar: estabelecer os objetivos (quantidade, qualidade, custo, entrega) e


metas e definir as estratégias de como alcançar estas metas (etapa mais
importante).

• Executar: execução do processo já padronizado de acordo com o


planejamento e coleta de dados (registros). Tem que haver interação e
colaboração de todos os participantes, realização de treinamentos
necessários.

• Verificar: comparação dos resultados obtidos com as metas estabelecidas.

• Ação corretiva: eliminar a causa dos problemas identificados.

A importância da Gestão do conhecimento.

Hoje em dia, o período que vivemos é o do conhecimento. Assim, de alguns


anos para cá muito se tem ouvido falar em Gestão do Conhecimento. Tudo começou
no início da década de 90, quando várias empresas que viam seus funcionários mais
antigos se desligarem, passaram a notar o prejuízo que isto causava. Em muitos
casos, os substitutos não conseguiam resolver situações corriqueiras para os seus
antecessores, e a chegada do prejuízo era mera questão de tempo.

98
Mais do que nunca, o conhecimento é um aliado fortíssimo para quem o
possui. Nas últimas décadas, as empresas somente se preocuparam com a gestão
de produtos e redução de custos na linha de produção. Hoje em dia, isso não é mais
suficiente e não gera tanto diferencial competitivo no mercado.

O conhecimento pode ser considerado um dos melhores produtos para ser


comercializado. Pode ser vendido, gerando lucro e permanecendo com seu detentor.
Um exemplo simples é o de um palestrante, que tem consigo uma grande carga de
conhecimento. Ele “vende” para o seu público, mas ainda o mantém. Em alguns
casos, pode até ganhar mais conhecimento em uma palestra, se considerarmos a
possibilidade do palestrante aprender com as opiniões e críticas da sua audiência.

Quem tem um diferencial a mais, vai mais longe. E o conhecimento é, sem


qualquer dúvida, o principal diferencial. Afinal, é com ele que novas tecnologias e
fórmulas positivas de trabalho surgem para a empresa.

Montar uma pequena empresa não é tarefa das mais complicadas. Sobreviver
no mercado é o verdadeiro desafio. Passada esta etapa, só então se pode pensar
em lucro e rentabilidade.

A gestão do conhecimento tem como meta guiar esses fluxos para um


verdadeiro patrimônio de conhecimento que possa ser usado com grande
permanência na estrutura da empresa. Aliando isso com o constante apoio à
formação de funcionários, especialização daqueles que já têm algum tipo de
conhecimento superior, tudo será mais fácil para quem administra uma empresa. Se,
além disso, a empresa ainda tiver a mente aberta para realizar intercâmbios com
outras empresas, promover troca de experiências, a capacitação de todos será ainda
maior.

O que pretendemos mostrar é que os empreendimentos têm que estar


atentos às mudanças do mundo. Quem estagnar, hoje mais do que nunca, vai
desaparecer inevitavelmente. É preciso estar sempre aprendendo e se adaptando.

Resumo da Oficina

Nesse capítulo abordamos o tema da Gestão de empreendimentos populares,


com destaque a gestão operacional e vimos que:

1) A gestão refere-se a mecanismos e procedimentos que possibilitam um maior


controle e desempenho da atividade a ser desenvolvida;

2) Um sistema de gestão envolve, pelo menos, três frentes ou bases, sendo elas:
base organizacional, técnica e jurídica;

3) Um sistema de gestão assegura que os processos envolvidos no trabalho sejam

99
realizados conforme o esperado ou planejado, afim de que as necessidades dos
clientes sejam satisfeitas;

4) A gestão contribui para promover sempre a melhoria do desempenho da atividade


econômica, a partir da identificação dos pontos fracos e fortes;

5) A tradicional forma de gestão, na maioria dos casos, reflete uma estrutura


piramidal, em que o topo da pirâmide (Diretoria) toma as decisões e as repassa para
a base (funcionários) que realiza o trabalho, cabendo à supervisão a organização e
o controle do mesmo;

6) A Economia Solidária opera na perspectiva da autogestão, em que todos são


responsáveis pela elaboração dos procedimentos e do controle das atividades
desenvolvidas pelo empreendimento;

7) Além de democratizar o processo de tomada de decisão, a autogestão dilui a


responsabilidade para todos os membros do empreendimento e aproveita o
potencial criativo de todos;

8) A necessidade da divisão do trabalho em equipe, estabelecendo as


responsabilidades de todos os participantes e definindo um conjunto de atividades
necessárias para realização dos processos envolvidos no trabalho.

9) Os empreendimentos podem atuar nas áreas de produção, comércio, prestação


de serviços, crédito, etc;

10) O funcionamento de um empreendimento simples pode ser dividido em: Gestão


dos Processos, Marketing, Finanças e Aspectos Jurídicos.

11) Para implantar de um sistema de gestão em um empreendimento econômico,


primeiramente precisamos dividi-lo em passos, sendo eles: Mapeamento dos
Processos, padronização dos processos, coleta de dados e registros e realizar o
Ciclo do PDCA do sistema de gestão;

12)Por fim, apresentamos um texto sobre gestão do conhecimento.

100
Roteiro do Capítulo:

Nesse capítulo abordaremos:

• O que é um sistema de monitoramento financeiro;

• Como controlar a entrada e saída de dinheiro do empreendimnento através de


um livro caixa;

• Controle de contas a pagar e receber;

• Como distribuir a remuneração dos membros do empreendimento popular;

Apresentação

Esse capítulo a apresenta reflexões e instrumentos para implementar um


sistema de monitoramento financeiro simplificado, capaz de orientar as tarefas e
procedimentos práticos do dia-a-dia de empreendimentos populares.

Essas atividades podem e devem ser realizadas com a ajuda de todos os


participantes do empreendimento, mas podem ser delegadas a um pequeno grupo,
formado idealmente por, no mínimo, duas pessoas.

A área financeira de um empreendimento se relaciona ao conjunto de


atividades de organização dos números do empreendimento, números relacionados
à movimentação de dinheiro.

A realização de um bom monitoramento financeiro é fundamental para o


bom andamento dos trabalhos e é realizado a partir da implementação de registros e
análises financeira que fornece informações para realizar o monitoramento do
desempenho do empreendimento e elaborar planejamentos e ajustes de rota.

Ou seja, saber se:

a)Está sobrando ou faltando dinheiro;

b)Quanto de dinheiro pode ser distribuído para os trabalhadores;

c)Qual a importância de cada produto ou cliente;

d)Como as vendas e os custos estão aumentando, entre outras análises


possíveis.

101
Registros e Análises

Os registros e análises financeiras consistem em cuidar das entradas e


saídas de dinheiro de forma a controlar e registrar esses fluxos e estoques de
dinheiro. lembrando que:

• Fluxos são os movimentos de dinheiro que apresentam uma rotina, como a


saída de R$ 100,00, todo o dia 08 do mês, pelo pagamento da conta de
telefone e a entrada de, por exemplo, R$ 250,00 da venda de produtos do
empreendimento;

• Estoque são os valores que ficam “parados” na conta bancária da


cooperativa. São normalmente os fundos reserva. Esse dinheiro não é muito
utilizado no dia-a-dia mas deve ser monitorado.

O processo de monitoramento ou acompanhamento do desempenho do


empreendimento importante para o seu sucesso. Esse monitoramento nos ajuda a
destinar o dinheiro que entra no empreendimento para cobrir os custos, remunerar
as pessoas e montar fundos de reserva. Além disso, nos ajuda a saber como está a
situação financeira do empreendimento no momento e a projetar cenários futuros,
nos ajudando a tomada de decisão coletiva.

Para isso, propomos a utilização de cadernos e planilhas, sendo eles:

• Caderno do Fluxo de Caixa: Trata-se de uma ferramenta que registra todas as


todas as entradas e saídas de dinheiro que se estão relacionadas às
compras e vendas e apresenta o saldo do caixa do Empreendimento;

• Caderno de contas a pagar e receber: Organiza todas as dívidas e contas a


serem pagas além dos pagamentos a serem realizados no futuro;

• Caderno de Relatório de Distribuição das Retiradas: Apresenta quanto cada


cooperada retirou no mês;

• Relatório Financeiro Mensal: Apresenta as informações financeiras do mês,


como faturamento total sua distribuição, despesas totais e sua distribuição,
valor destinado às retiradas e fundo de reserva, além do saldo inicial e final do
caixa.

Implementação do Sistema de Monitoramento

A implementação do sistema de registros e análises financeiras do


empreendimento pode ser realizado através de três frentes, sendo elas:

102
• Implementação dos livros de fluxo caixa e contas a pagar e receber;

• Distribuição das Retiradas;

• Elaboração de Relatórios Financeiros Mensais;

A)Implementação dos livros de fluxo de caixa e contas a pagar e receber

Para iniciar a organização das informações financeiras, o empreendimento


deve adquirir um livro caixa onde serão anotadas todas suas movimentações de
dinheiro e um caderno para registrar suas contas a pagar e a receber.

Livro Caixa

Esse livro reúne as informações sobre todas as entradas e saídas de dinheiro


do empreendimento. Cada registro deve apresentar:

1. Data: dia, mês e ano em que a operação foi realizada;

2. Descrição: Dados resumidos sobre qual foi movimentação do dinheiro;

3. Entrada: Caso a movimentação financeira represente uma entrada de


dinheiro do caixa, como o exemplo de vendas de produtos ou serviços,
anotamos na coluna Entrada;

4. Saída: Caso a movimentação financeira represente uma saída de dinheiro


do caixa, como o exemplo de compra de matérias-primas, anotamos na
coluna Entrada;

5. Saldo do caixa: Valor disponível no caixa na data da respectiva linha.

Fluxo de Caixa
Mês: Saldo Inicial $2.345,70
Data Descrição Entradas Saída Saldo
28/03/2009 compra de matérias primas $345,45 $2.000,25
29/03/2009 Venda de 17 Pufes $850,00 $2.850,25
30/03/2009 Distribuição das retiradas $2.250,00 $600,25

Passos de preenchimento:

• Colocar o saldo inicial do caixa, no exemplo R$2.345,70;

• A cada movimentação financeira preencher a data da movimentação, sua


descrição e valor da movimentação. Exemplos:
103
◦ No dia 28/03/2009 o Empreendimento comprou R$ 345,45 de matérias
primas ficando com um saldo de R$ 2000,25;

◦ No dia 29/03/2009 o Empreendimento vendeu produtos no valor de R$


879,30, ficando com saldo de 2850,25;

◦ Por fim, no dia 30/03/2009 o Empreendimento distribuiu R$ 2250,00 entre


seus membros como retiradas, ficando com o saldo de R$600,25.

A equipe financeira é responsável por controlar todas as entradas e saídas


de dinheiro do empreendimento, realizando os registros necessários, juntando as
notas fiscais e cobrando os clientes devedores.

Liberação do dinheiro para a realização das compras, pagamento de


contas e demais gastos

A realização das compras não necessariamente é responsabilidade da


equipe financeira, mas cabe a ela liberar o dinheiro para a realização das compras e
registrar essa movimentação no livro caixa.

Para realizar uma boa gestão, a equipe pode seguir os seguintes passos:

• Elaboração de uma lista de compras com pré-orçamento, com pelo menos um


dia de antecedência;

• Disponibilizar o dinheiro mediante a assinatura do pré-orçamento por uma


responsável pela compra;

• Arquivar a lista de compras por 1 mês;

• Receber e arquivar as notas fiscais em uma pasta específica;

• Registrar o valor total da compra no livro caixa.

• O pagamento das contas como água, luz, telefone entre outras pode seguir os
seguintes passos:

• Juntar as contas do empreendimento;

• Elaborar um calendário de pagamento das contas no caderno de contas a


pagar;

• Efetuar os pagamento e juntar os comprovantes na pasta de notas fiscais;

104
• Registrar os gastos no livro caixa.

Recebimento e cobrança dos clientes

A realização das vendas não necessariamente é responsabilidade da


equipe financeira, mas cabe a ela receber o pagamento dos clientes, registrar as
vendas e cobrar possíveis clientes atrasados.

Para realizar uma boa gestão, a equipe pode seguir os seguintes passos:

• Fornecer o valor da venda e solicitar uma nota fiscal ou recibo para a equipe
financeira. A nota fiscal ou recibo deve ser preenchida com as seguintes
informações:

• Dados do cliente (nome, telefone, e-mail);

• Data de pagamento;

• Condição de pagamento: a vista ou a prazo (nesse caso deve-se colocar


também a data de vencimento);

• Produtos vendidos e seus preços;

• Valor total da nota;

• Caso o cliente pague a vista, o aceite/canhoto da nota fiscal ou recibo assinado


pelo cliente deve ser entregue a equipe financeira junto com o pagamento;

• O pagamento deve ser registrado no livro caixa;

• O aceite/canhoto da nota fiscal ou recibo assinado pelo cliente deve ser


arquivado;

• Caso o cliente pague a prazo, deve seguir os seguintes procedimentos:

• Fornecer à equipe financeira o aceite/canhoto da nota fiscal ou recibo de


entrega dos produtos ou serviços assinado pelo cliente;

• Registrar a conta a receber no caderno de contas a receber com a data de


vencimento que consta na nota fiscal ou recibo;

• Arquivar o aceite/canhoto da nota ou recibo;

• Entrar em contato com o cliente para solicitar o pagamento na data prevista;

105
• Conferir se o pagamento foi efetivado e, em caso negativo, retornar a cobrança
do cliente;

• Quando o pagamento for realizado, deve-se registrar a venda no livro caixa.

Implementação do caderno e contas a pagar e a receber

Esse caderno reúne as informações sobre todas as compras e gastos


realizados pelo empreendimento que ainda não foram pagos, assim como os
recebimentos previstos para o futuro. Esse registro deve apresentar:

• Data: dia, mês e ano em que a compra foi realizada. essa informação consta
na nota fiscal;

• Descrição: dados resumidos sobre o que foi comprado ou vendido;

• Valor: quanto será pago ou recebido;

• Confirmação do Acerto: deve-se marcar se o pagamento foi efetuado.

Esse caderno pode ser utilizado dos dois lados, sendo um para contas a
pagar e outro para contas a receber. E preenchido conforme o modelo:
Contas a pagar
Data Descrição Valor Confirmação do
Acerto
22/03/2009 Vencimento conta de luz $70,00 OK
24/03/2009 Pagamento fatura matérias-primas $245,00

Contas a receber
Data Descrição Valor Confirmação do
Acerto
19/03/2009 Pagamento venda 12 pufes $600,00 OK
25/03/2009 Pagamento 6 pufes $300,00
B)Distribuição das Retiradas

A partir de um bom controle das entradas e saídas de dinheiro do


Empreendimento, a próxima tarefa do monitoramento financeiro é organizar a
distribuição das retiradas entre os membros dos Empreendimentos.

Todo o fim de mês a equipe financeira deverá calcular o valor que cada
membro do empreendimento receberá pelo trabalho desenvolvido durante o mês.
Para isso, deve-se tanto definir quanto do caixa será destinado para as retiradas
quanto como o dinheiro será distribuído entre seus membros.
106
Definição do Fundo de Retirada

No fim de cada semana, quinzena ou mês, o Empreendimento deve verificar


como está o saldo do seu caixa e definir quanto desse saldo será destinado para
pagar seus membros.

No exemplo já apresentado de livro caixa, o Empreendimento destinou R$


2250,00 para retiradas e deixou R$ 600,25 no caixa para efetuar os gastos
necessários no começo do mês, antes que novos produtos ou serviços sejam
vendidos.

Esse montante pode ser chamado de capital de giro. Como segue o exemplo
abaixo:

Fluxo de Caixa
Mês: Saldo Inicial $2.345,70
Data Descrição Entradas Saída Saldo
28/03/2009 compra de matérias primas $345,45 $2.000,25
29/03/2009 Venda de 17 Pufes $850,00 $2.850,25
30/03/2009 Distribuição das retiradas $2.250,00 $600,25

O valor do capital de giro deve ser calculado com base nas contas a pagar,
das necessidades de compras de matérias-primas e outros gastos que serão
realizados no começo do mês.

Definição da Política de Retiradas

Primeiramente, o Empreendimento deve-se realizar a construção coletiva de


como o dinheiro será distribuído no fim de cada mês. Para contribuir nessa
construção, apresentamos a tabela abaixo com as três principais formas de
distribuição das retiradas com seus pontos positivos e negativos, sendo eles:

A partir dos pontos positivos e negativos de cada forma de distribuição das


retiradas os membros devem realizar uma reunião e definir qual é sua política.

107
FORMA DE POR HORA
I GUAL I TÁRI A POR PRODUÇÃO
DI STRI BUI ÇÃO TRABAL HADA

ATRAVÉS DE
ATRAVÉS DE UM
CONTROLES DE
CADERNO DE PONTO,
ETAPAS DE PRODUÇÃO
CADA MEMBRO
O VALOR DAS OU SERVIÇOS
REGISTRA A
RETIRADAS É IGUAL PRESTADOS, CADA
DESCRI ÇÃO QUANTIDADE DE HORAS
PARA TODOS OS MEMBRO REGISTRA
TRABALHADAS E
MEMBROS SUA PRODUÇÃO E
RECEBE UMA RETIRADA
RECEBE UMA
PROPORCIONAL À SUA
RETIRADA
DEDICAÇÃO
PROPORCIONAL
REFORÇA A IGUALDADE
ESTIMULA OS ESTIMULA OS
ENTRE OS MEMBROS,
MEMBROS A SE MEMBROS A SE
PONTOS POSI TI VOS VALORIZANDO OS
DEDICAREM AO DEDICAREM AO
PRINCÍPIOS DA
EMPREENDIMENTO EMPREENDIMENTO
ECONOMIA SOLIDÁRIA

EXIGE UM TRABALHO
ADICIONAL PARA EXIGE UM TRABALHO
CASO TENHAM
CALCULAR AS ADICIONAL
MEMBROS QUE SE
RETIRADAS; COMPLEXO PARA
DEDICAM AO
CASO MEMBROS DO CALCULAR AS
EMPREENDIMENTO DE
GRUPO FIQUEM COM RETIRADAS;
PONTOS NEGATI VOS FORMA MUITO
CORPO MOLE, AS HORAS PODE ESTIMULAR O
DISTINTA, OS MAIS
SÃO CONTABILIZADAS INDIVIDUALISMO E O
DEDICADOS PODEM SE
MAS OS MAIS ISOLAMENTO DOS
SENTIR
DEDICADOS PODEM SE MEBROS DURANTE A
DESISTIMULADOS
SENTIR PRODUÇÃO
DESISTIMULADOS

Distribuição Igualitária

Essa forma de distribuição é simples e os valores são obtidos dividindo o


fundo de retirada pelo número de integrantes. Seguindo o exemplo do fundo de
retirada de R$ 2250,00, a distribuição será de acordo com a tabela:

DISTRIBUIÇÃO DAS RETIRADAS

FUNDO: R$ 2.250,00
MEMBRO RETIRADA
Maria R$ 450,00
Rita R$ 450,00
Pedro R$ 450,00
Isabel R$ 450,00
João R$ 450,00
TOTAL R$ 2.250,00

108
Distribuição por hora trabalhada

Para realizar essa forma de distribuição, o empreendimento deve utilizar um


livro ponto tradicional em que seus membros registram a hora de entrada e saída. A
partir desses registros, a equipe financeira deve:

• Calcular as horas totais do mês de cada membro somando as horas de


trabalho diárias;
• Calcular as horas totais do mês trabalhadas no empreendimento somando as
horas totais do mês de cada membro.

Exemplo:
MEMBRO HORAS TRABALHADAS
Maria 124
Rita 146
Pedro 114
Isabel l96
João 102
HORAS TRABALHADAS NO
EMPREENDIMENTO 582

Com essas informações em mãos e o fundo de retirada disponível no mês, a equipe


financeira deve calcular:

• O valor da hora de trabalho: Para isso, deve-se dividir o fundo de retirada


disponível pelas horas totais trabalhadas no empreendimento. Por exemplo:
seguindo o exemplo do fundo de retirada disponível de R$2250,00 e às 582
horas trabalhadas no empreendimento, chegamos ao valor hora de R$ 3,86;

• O valor da retirada de cada membro: Multiplicando o valor da hora de


trabalho pelas horas trabalhadas por cada membro encontramos o valor da
retirada de cada membro.

Abaixo segue uma tabela de distribuição das retiradas segundo o exemplo


apresentado:

Nesse exemplo, o total de retiradas soma R$ 2.246,52, valor menor que R$


2.250,00. Nesse caso, apesar do Empreendimento disponibilizar R$2.250,00 do seu
caixa para as retiradas, o valor efetivo que sai do caixa é apenas R$ 2246,52.

109
Distribuição por produção

Para realizar essa forma de distribuição, o empreendimento deve criar


mecanismos próprios para contabilizar sua produção individual e utilizar essas
informações como base para distribuir suas retiradas.

Assim, deve-se criar alguma forma de equiparar etapas de produção que


exigem diferentes quantidades de trabalho, a fim de ser possível criar uma base
justa de divisão das retiradas.

Por exemplo: O empreendimento divide sua produção em duas etapas, corte e


costura de bolsas. O empreendimento discutiu coletivamente e decidiu que o
processo de costura envolve o dobro do trabalho do corte. Ou seja, quando um
membro costura uma bolsa seu trabalho equivale ao corte de duas bolsas. Para
facilitar a contabilidade cada etapa de produção pode receber uma pontuação e, no
lugar de horas de trabalho, cada membro atinge uma pontuação. Nesse caso, cada
corte vale um ponto e cada costura vale dois. Por exemplo:

DISTRIBUIÇÃO DA PONTUÇÃO
MEMBRO CORTES COSTURA PONTOS
Maria 23 0 23
Rita 10 15 40
Pedro 6 15 36
Isabel 16 0 16
João 0 25 50
TOTAL 55 55 165

Com essas informações em mãos e o fundo de retirada disponível no mês, a


equipe financeira deve calcular:

• O valor de cada ponto: Para isso, deve-se dividir o fundo de retirada


disponível pelos pontos totais atingidos pelo Empreendimento. No exemplo,
dividindo R$ 2250,00 por 165 pontos, chegamos ao valor de cada ponto de
R$ 13,63;

• O valor da retirada de cada membro: Multiplicando o valor de cada ponto


pelos pontos obtidos por cada membro encontramos o valor da retirada de
cada membro. Abaixo segue uma tabela de distribuição das retiradas segundo
os dados do exemplo apresentado:

110
DISTRIBUIÇÃO DAS RETIRADAS
FUNDO: R$ PONTOS TOTAIS: 165 VALOR PONTO: R$ 13,63
2.250,00
MEMBRO PONTOS RETIRADA
Maria 23 313,49
Rita 40 545,2
Pedro 36 490,68
Isabel 16 218,08
João 50 681,5
TOTAL 165 2248,95

Nesse exemplo, o total de retiradas soma R$ 2.248,95, valor menor que R$


2.250,00. Nesse caso, apesar do Empreendimento disponibilizar R$2.250,00 do seu
caixa para as retiradas, o valor efetivo que sai do caixa é apenas R$ 2.248,95.

Emissão de recibos de pagamento autônomo (RPA)

Após o levantamento dos valores das retiradas de cada participante, a equipe


financeira deverá emitir os recibos de pagamento autônomo (RPA), conforme o
seguinte modelo, sendo que fica a cargo da equipe financeira fiscalizar a realização
do serviço:
RECIBO DE PAGAMENTO A AUTÔNOMO – RPA

NOME OU RAZÃO SOCIAL DA EMPRESA:


MATRÍCULA (CNPJ):
RECEBI DA EMPRESA ACIMA IDENTIFICADA, PELA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS XXXXXX A
IMPORTÂNCIA DE R$ 0,00 (XXX mil e XXXXXXX reais) CONFORME DISCRIMINADO ABAIXO:
ESPECIFICAÇÃO
I. VALOR DO SERVIÇO PRESTADO R$
DESCONTOS
II. IRRF R$
III INSS R$
IV ISSQN R$
VALOR LIQUÍDO R$
NÚMERO DE INSCRIÇÃO
NO INSS: 000.000.00000.0
NO CPF: 000.000.000-00
DOCUMENTO DE IDENTIDADE:
NÚMERO ÓRGÃO EMISSOR:
NOME COMPLETO:
ASSINATURA:
LOCALIDADE:
DATA:
DECLARO PARA OS DEVIDOS FINS QUE O SERVIÇO FOI PRESTADO

Assinatura do Responsável pela Fiscalização do Serviço


111
C) Elaboração de Relatórios Financeiros Mensais

Com o preenchimento correto do livro caixa e da distribuição das retiradas, a


equipe financeira poderá fechar as contas do mês e organizar um relatório financeiro
mensal que apresenta os resumos da movimentação financeira com informações
importantes para avaliar coletivamente o desempenho financeiro do
Empreendimento e possibilitar um planejamento de correção de rota.

Para isso, disponibilizamos um conjunto de planilhas informatizadas que, a


partir do livro caixa, montam automaticamente o relatório financeiro. Com esse
documento em mãos, a equipe financeira pode realizar uma reunião mensal de
prestação contas para apresentar esses números para os membros do
Empreendimento. Essas atividades devem marcar o final de cada mês de
funcionamento em que se deve realizar uma reunião deliberativa de apresentação
das contas.
Relatório Financeiro Mensal

Para elaborar o relatório financeiro, deve utilizar o arquivo disponibilizado e


seguir os seguintes passos:

Planilha Relatório Financeiro Mensal

Preencher o nome do Empreendimento (célula C2) e o mês (célula E2);

Preencher os tipos de receita (entrada de dinheiro) que constam no livro caixa


(células B7 a B18). Ou seja, deve criar categorias como:

◦ vendas de produtos tipo I;

◦ vendas de produtos tipo II (e quantos mais houver);

◦ venda de serviços tipo I;

◦ vendas de serviços tipo II (e quantos mais houver);

◦ Outras categorias de entrada de dinheiro.

Preencher os tipos de despesa (saída de dinheiro) que constam no livro caixa


(células B19 a B30). Ou seja, deve criar categorias como:

• compras de matérias-primas;

• custos fixos;
112
• transporte;

• prestações de pagamento de empréstimos;

• Equipamentos e investimentos;

Outras despesas

Preencher os tipos de investimento que constam no livro caixa (células B31 a B34).
Ou seja, deve criar categorias como:

• Distribuição das retiradas;


• Fundo reserva;
• Outros fundos.

113
Planilha Fluxo de Caixa

• Preencher a planilha de acordo com os procedimentos de preenchimento do


livro caixa, iniciando pelo saldo inicial do livro caixa;

• Na coluna categoria, clicar na ¨setinha¨ ao lado direito da célula que abrirá as


opções de tipos (preenchida anteriormente, na planilha do relatório
financeiro). Aqui deve-se ligar cada lançamento do livro caixa a uma das
categorias escolhidas;

Fluxo de caixa
Nome do Empreendimento: 0
Data: 23 de Mar de 09 a 25 de Mar de 09
Total 250,00 500,00 250,00
DATA CA T E G O RIA DESCRIÇÃO DÉB ITO CRÉDITO SALDO
23/03/09 S ald o in ic ial 1.000,00 1.000,00
24/03/09 v endas produto I 500,00 1.500,00
25/03/09 Com pras de m atérias-prim as 250,00 1.250,00

Planilha de Distribuição das Retiradas

1. Preencher o nome de cada membro do Empreendimento na coluna A;

2. Preencher as horas ou pontos trabalhados de cada membro na coluna B;

114
Com as planilhas preenchidas, esse sistema fornece o relatório pronto para ser
utilizado em uma reunião de prestação de contas do Empreendimento.

As formas de trabalhar esses dados variam de acordo com o interesse dos


seus membros e as principais análises se referem a:

• Saldo inicial e final do caixa;

• Distribuição das receitas de acordo com produtos e serviços;

• Distribuição das despesas de acordo com tipos de gasto;

• Distribuição dos investimentos de acordo com tipos de investimento.

115
Anexos

Diálogo – uma Proposta

David Bohm, Donald Factor e Peter Garrett

Tradução: Arnaldo Bassoli, da Escola de Diálogo de São Paulo

O Diálogo, do modo como estamos escolhendo usar a palavra, é um caminho


para examinar as raízes das diversas crises que a humanidade enfrenta nos dias de
hoje. Através do diálogo é possível investigar e compreender aqueles processos que
fragmentam e interferem na comunicação real entre indivíduos, entre nações e até
entre diferentes partes de uma mesma organização. Na nossa cultura moderna, os
homens e mulheres interagem de muitas formas — podem facilmente cantar, dançar
ou brincar uns com os outros. Mas quando falam sobre assuntos que têm
importância e profundidade, parece que sempre surgem disputas, divisões e até
mesmo violência. Em nossa visão, essa condição aponta para um defeito profundo e
abrangente no processo do pensamento humano.

No Diálogo, um grupo de pessoas pode investigar os pressupostos, idéias,


crenças e sentimentos, tanto individuais quanto coletivos, que sutilmente controlam
as suas interações. Ele nos oferece uma oportunidade de participar em um processo
que evidencia os sucessos e falhas da comunicação. Pode revelar os padrões de
incoerência muitas vezes desconcertantes que levam o grupo a evitar certas
questões ou, por outro lado, levam-no a insistir de modo totalmente irracional na
116
defesa de determinadas opiniões quanto a certos assuntos.

O Diálogo é uma maneira de observar coletivamente o controle exercido por


valores e intenções ocultos sobre o nosso comportamento, e de conscientizarmo-nos
que diferenças culturais não percebidas podem colidir sem que percebamos o que
está acontecendo. Assim, pode ser visto como uma arena em que acontece o
aprendizado coletivo, na qual pode surgir um senso maior de harmonia,
companheirismo e criatividade.

Como a natureza do Diálogo é investigativa, seu significado e métodos


continuam a se revelar. Não se pode estabelecer regras rígidas para a condução do
Diálogo porque ele é essencialmente aprendizagem — não como resultado do
consumo de um corpo de informações ou uma doutrina comunicada por uma
autoridade, nem como meio de examinar ou criticar uma particular teoria ou
programa, mas como parte de um processo de participação criativa entre pares que
está em contínuo desenvolvimento.

No entanto, sentimos que é importante que esse significado e seu pano de


fundo sejam compreendidos.

Nossa abordagem a esta forma de Diálogo surgiu de uma série de conversas


iniciadas em 1983, em que refletimos sobre a sugestão de David Bohm de que as
infindáveis crises que afetam a humanidade têm como causa essencial uma
incoerência amplamente disseminada no processo do pensamento humano. Isso
nos levou, nos anos seguintes, a iniciar uma série de conversações e seminários,
em diversos países e com vários grupos humanos, que começou a tomar a forma de
diálogos.

À medida que seguíamos, ficava cada vez mais claro para nós que este
processo de Diálogo é um meio poderoso de compreender como funciona o
pensamento. Percebemos que vivemos em um mundo que é quase inteiramente
produzido pelo pensamento e pelo empreendimento humanos. A sala onde estamos
sentados, o idioma em que estas palavras são escritas, as fronteiras da nossa

117
nação, os nossos sistemas de valores, e até mesmo aquilo que pensamos ser as
nossas percepções diretas da realidade, são essencialmente manifestações do
modo como os seres humanos pensam e pensaram. Percebemos que se não nos
dispusermos a investigar esta situação para obter uma profunda visão e
conhecimento sobre ela, não conseguiremos confrontar as crises reais do nosso
tempo, nem encontraremos mais do que soluções temporárias para a vasta coleção
de problemas humanos com que nos defrontamos agora.

Ao usar aqui o termo “pensamento”, queremos referir-nos não apenas aos


produtos do nosso intelecto, mas também aos nossos sentimentos, emoções,
intenções e desejos. Incluímos aqui, além disso, as manifestações sutis e
condicionadas da aprendizagem, como as que nos permitem dar sentido a uma
sucessão de cenas separadas de um filme de cinema, ou traduzir os símbolos
abstratos nas placas de sinalização das estradas. Acrescente-se também os
processos tácitos e não-verbais usados no desenvolvimento de habilidades como,
por exemplo, andar de bicicleta. Do modo como usamos a palavra, o pensamento é
essencialmente a resposta ativa da memória em cada fase da vida. Virtualmente
todo o nosso conhecimento é produzido, exibido, comunicado, transformado e
aplicado no pensamento.

Para esclarecer mais esta abordagem, fazemos a seguinte proposição:


observado com um pouco mais de atenção, até aquilo que chamamos de
pensamento racional pode ser visto como sendo extensamente formado por
respostas condicionadas, e influenciado ou enviesado por pensamentos prévios,
anteriores. Ao olharmos cuidadosamente para aquilo que geralmente tomamos por
realidade, começamos a perceber que ela inclui uma série de conceitos, memórias e
reflexos coloridos pelas nossas necessidades, medos e desejos pessoais, todos
limitados e distorcidos pelas fronteiras da linguagem e hábitos da nossa história,
sexo e cultura. É extremamente difícil decompor essa mistura ou chegar a alguma
certeza sobre se o que percebemos — ou o que pensamos sobre essas percepções
— tem qualquer precisão ou exatidão.

118
O que torna essa situação tão séria é o fato de que o pensamento geralmente
oculta esses problemas da nossa percepção imediata gerando a idéia de que a
maneira pela qual cada um de nós interpreta o mundo é o único modo sensato de
fazê-lo. É necessário um procedimento pelo qual possamos desacelerar o processo
de pensamento para poder observá-lo enquanto acontece — em “tempo real”.

Nossos corpos físicos têm essa capacidade mas, aparentemente, o


pensamento não. Ao levantar seu braço, você sabe que esse é um ato voluntário
seu, e que nenhuma outra pessoa está fazendo esse movimento. Podemos perceber
as ações e movimentos corporais enquanto estão ocorrendo, mas no domínio do
pensamento geralmente essa habilidade nos falta. Por exemplo, não notamos que a
nossa atitude para com alguém pode ser profundamente afetada pelos sentimentos
e reações que temos frente a uma outra pessoa que tem certos traços em comum
com a primeira — podem ser certos comportamentos que ela tem, ou até mesmo a
sua aparência. Em vez disso, partimos do pressuposto de que a nossa atitude surge
diretamente da sua conduta mesma. O problema do pensamento é que, ao que
parece, o tipo de atenção que é requerida para notar essas incoerências raramente
está disponível nos momentos em que é mais necessária.

Por Que Diálogo?

O Diálogo oferece um espaço no qual essa atenção pode acontecer. Ele


permite a exposição do pensamento e do significado que tornam possível um tipo de
propriocepção coletiva, e uma devolução imediata tanto do conteúdo do pensamento
quanto das estruturas dinâmicas menos aparentes que o governam. No Diálogo isso
pode ser experimentado tanto individual quanto coletivamente. Cada ouvinte pode
devolver a quem expõe e ao resto do grupo a sua percepção sobre os pressupostos
e implicações não verbalizados que estão subjacentes ao que está sendo expresso,
e também aquilo que percebe que está sendo evitado. Cada participante, com isso,
tem a oportunidade de examinar os preconceitos, as concepções prévias e padrões
característicos que subjazem aos seus pensamentos, opiniões, crenças e
119
sentimentos, bem como aos papéis que habitualmente desempenha. E o Diálogo
oferece ainda a oportunidade de compartilhar esses insights.

A palavra “diálogo” deriva de duas raízes: “dia”, que significa “através de”, e
“logos”, que significa “palavra”, ou, mais particularmente, “o significado da palavra”. A
imagem aqui é a de um fluxo de significado que acontece entre os participantes e
por meio deles. Podem-se envolver tantas pessoas quantas se queira no Diálogo —
pode-se até ter um Diálogo consigo mesmo — mas o tipo de Diálogo que sugerimos
propõe um grupo de vinte a quarenta pessoas, sentadas em círculo para conversar.

Pode-se encontrar algo similar ao significado de um Diálogo assim nos relatos


de grupos de caçadores, mais ou menos nesse número, que se reúnem para
conversar, sem uma agenda explícita ou propósito pré-determinado. Ao que parece,
esses encontros, mesmo com essas características, criam e mantêm laços muito
coesos, muita camaradagem, fazendo com que os participantes saibam o que se
espera deles sem que tenham recebido instruções para isso e sem muita troca
verbal. Em outras palavras, emerge dentro do grupo o que se pode chamar de uma
“cultura coerente de significado compartilhado”. É possível que essa coerência tenha
existido no passado, nas comunidades humanas, antes que a tecnologia começasse
a mediar a nossa experiência do mundo vivo.

Dr. Patrick de Mare, um psiquiatra de Londres, fez um trabalho pioneiro muito


semelhante, em condições modernas. Criou grupos mais ou menos desse mesmo
porte, com o propósito de realizar o que chamou de “sócio-terapia”. Para ele, uma
causa primeira da profunda e penetrante doença da nossa sociedade pode ser
encontrada no nível sócio-cultural, e grupos assim podem servir como micro-culturas
em que é possível expor a fonte da enfermidade da nossa grande civilização. Nossa
experiência nos levou a estender essa noção de Diálogo enfatizando e dando
especial atenção ao papel fundamental da atividade do pensamento na origem e
manutenção desse conflito.

Como um microcosmo dessa grande cultura, o Diálogo permite que se revele


um amplo espectro de relacionamentos possíveis. É possível expor o impacto da
120
sociedade no indivíduo e o do indivíduo na sociedade. É possível mostrar como o
poder é assumido ou não, e quão penetrantes são as regras não-percebidas do
sistema que constitui nossa cultura. Mas o Diálogo está mais profundamente
interessado em compreender a dinâmica de como o pensamento origina tais
conexões.

Ele não está interessado em deliberadamente tentar alterar ou transformar o


comportamento, e nem em fazer com que os participantes se dirijam a uma
determinada meta ou objetivo. Qualquer tentativa assim distorce e obscurece os
processos que o Diálogo se propõe a investigar. Mesmo assim, mudanças de fato
ocorrem, porque o pensamento observado se comporta diferentemente do não-
observado. Assim, o diálogo pode tornar-se uma oportunidade para dar livre curso
aos pensamentos e sentimentos, num contínuo de significado mais profundo ou mais
geral. Qualquer tema pode ser incluído e não se exclui nenhum conteúdo. Uma
atividade assim é muito rara na nossa cultura.

Propósito e significado

Normalmente as pessoas se reúnem ou para realizar uma tarefa ou para se


divertir, sendo que ambas as atividades podem ser categorizadas como propósitos
predeterminados. Mas pela sua própria natureza o Diálogo não é compatível com
nenhum propósito além do interesse dos seus participantes em revelar e evidenciar
os significados coletivos mais profundos. Estes podem, às vezes, ser divertidos,
esclarecedores, levar a novos insights ou encaminhar problemas existentes. Mas,
surpreendentemente, o Diálogo, em seus estágios iniciais, levará freqüentemente à
experiência da frustração.

Um grupo de pessoas convidadas a dar seu tempo e atenção séria a uma


tarefa que não tem objetivo aparente e que não está sendo conduzida em alguma
direção perceptível pode rapidamente descobrir-se vivenciando muita ansiedade ou
achando tudo isso muito maçante... e alguns possivelmente terão desejo de encerrar

121
o grupo, ou de tentar exercer controle sobre ele e dar-lhe uma direção. Propósitos
previamente desconhecidos revelam-se. Sentimentos fortes são expostos, junto com
os pensamentos subjacentes a eles. As pessoas podem tomar posições fixas, e
freqüentemente ocorrem polarizações. Tudo isso é parte do processo. É o que
sustenta o Diálogo e o mantém constantemente criativo em novos domínios.

Numa reunião com vinte a quarenta participantes podem ocorrer extremos de


frustração, raiva, conflito ou outras dificuldades; mas com este tamanho de grupo
pode-se dar continente a tais problemas com relativa facilidade. Na realidade, eles
podem se tornar o foco central da investigação, no que pode ser compreendido
como um tipo de “meta-diálogo”, que tem como objetivo clarificar o próprio processo
do Diálogo.

À medida que aumentam a experiência e a sensibilidade, emerge uma


experiência de significado compartilhado, em que as pessoas não se opõem umas
às outras, e também não estão simplesmente interagindo. O aumento da confiança
entre os membros do grupo — e no próprio processo — leva à expressão dos
pensamentos e sentimentos normalmente mantidos em segredo. Nenhum consenso
é imposto, e nem ocorre qualquer tentativa de evitar conflitos. Nenhum indivíduo ou
sub-grupo é capaz de conseguir predominância, porque todos os temas, inclusive a
dominância e a submissão, sempre podem ser colocados em foco.

Os participantes descobrem que estão envolvidos em um lago de significado


comum, sempre mutável e em desenvolvimento. Emerge um conteúdo
compartilhado de consciência, permitindo um nível de criatividade e insight que
normalmente não é possível para indivíduos ou grupos que interagem de maneiras
mais conhecidas. Isso revela um aspecto do Diálogo que Patrick de Mare chamou de
koinonia, uma palavra que significa a antiga forma de democracia ateniense em que
todos os homens livres da cidade reuniam-se para governarem a si próprios.

À medida que essa camaradagem se torna experiência, começa a ter


precedência sobre o conteúdo mais aberto da conversação (sic). É um estágio
importante do Diálogo, um momento em que a coerência é cada vez maior, o grupo
122
é capaz de ir além dos bloqueios e limitações que identifica e entrar num território
novo. Mas é também um ponto em que um grupo pode começar a relaxar e
acomodar-se no “barato” que acompanha a experiência. Este é o ponto em que
normalmente há alguma confusão entre o Diálogo e algumas formas de psicoterapia.
Os participantes podem querer manter o grupo unido para preservar o agradável
sentimento de segurança e de pertencimento que acompanha esse estado. Isso é
similar ao sentimento de comunidade freqüentemente atingido em grupos de terapia
ou workshops de “team building”, e é tomado como prova do sucesso do método
usado. Além desse ponto, entretanto, há reinos ainda mais significativos e sutis da
criatividade, inteligência e compreensão, que só podem ser atingidos pela
persistência no processo de investigação e arriscando re-entrar em áreas em que há
uma incerteza potencialmente caótica ou frustrante.

O que o Diálogo não é

O diálogo não é discussão, palavra que tem a mesma raiz de “percussão” e


“concussão”, ambas ligadas a quebrar, fragmentar. Também não é debate. Essas
formas de conversação contêm uma tendência implícita de dirigir-se para uma meta,
martelar um acordo, tentar resolver um problema ou fazer a própria opinião
prevalecer. Também não é “conversa de salão”, uma forma de encontro informal e
freqüentemente se caracteriza por ter a intenção de divertir, trocar amizades, fofocas
e outras informações. Apesar do termo “diálogo” comumente ser usado com
significado parecido, seu significado raiz, mais profundo, indica que ele não está
primordialmente interessado em nenhuma destas modalidades de encontro.

Diálogo não é um novo nome para T-grupos ou “sensitivity training”, ainda que
seja superficialmente similar a estas e outras formas relacionadas de trabalho de
grupo. Suas conseqüências podem ser psicoterapêuticas, mas ele não tenta focar
na remoção de bloqueios emocionais de qualquer participante nem ensinar, treinar
ou analisar. No entanto, é uma arena em que o aprendizado e a dissolução de
bloqueios podem acontecer — e freqüentemente acontecem. Não é uma técnica de
123
resolução de problemas ou conflitos, ainda que muitos problemas possam ser
solucionados ao longo do processo de Diálogo, ou talvez depois, como resultado de
uma compreensão e companheirismo maiores que se estabelecem entre os
participantes. É, como enfatizamos, primeiramente um modo de explorar o campo do
pensamento.

O Diálogo lembra várias outras formas de atividade em grupo e pode às


vezes incluir alguns aspectos delas, mas de fato é algo novo para a nossa cultura.
Acreditamos que é uma atividade que pode muito bem vir a provar-se vital para a
futura saúde da nossa civilização.

Como iniciar um Diálogo

Suspensão

A suspensão de pensamentos, impulsos, julgamentos, etc. é o coração do


Diálogo. É um dos seus aspectos novos mais importantes. Não é fácil de atingir
porque é ao mesmo tempo sutil e pouco familiar. Suspensão implica em atenção,
ouvir e ver, e é essencial à investigação. Falar é necessário, é claro, pois sem falar
haveria pouco a explorar no Diálogo. Mas o processo real de investigação ocorre
durante o ouvir — não apenas aos outros, mas a si mesmo. A suspensão implica em
expor as próprias reações, impulsos, sentimentos e opiniões de maneira tal que
possam ser vistos e sentidos em nossa própria psique, e também ser refletidos de
volta por outros no grupo. Não quer dizer reprimi-los ou suprimi-los, e nem mesmo
adiá-los. Significa simplesmente dar-lhes a nossa total atenção para que as suas
estruturas possam ser percebidas no próprio momento em que acontecem. Se você
for capaz de prestar atenção, digamos, aos fortes sentimentos que podem
acompanhar a expressão de um determinado pensamento (seu ou dos outros) e
conseguir manter essa atenção, a atividade do processo de pensamento tende a
desacelerar. Com isso, você pode começar a ver os significados mais profundos
subjacentes ao seu processo de pensamento e sentir a estrutura muitas vezes

124
incoerente de qualquer ação que, de outro modo, você realizaria automaticamente.
Da mesma maneira, se um grupo é capaz de suspender tais sentimentos e prestar
atenção a eles, o processo geral que flui do pensamento para o sentimento, e daí
para o acting-out dentro do grupo, pode também desacelerar e mostrar seus
sentidos mais sutis e mais profundos, junto com as suas distorções implícitas,
levando ao que poderia ser descrito como um novo tipo de inteligência coletiva e
coerente.

Suspender o pensamento, o impulso, o julgamento, etc. requer séria atenção ao


processo geral que consideramos — em nós próprios e dentro do grupo. Isso implica
em algo que parece à primeira vista um tipo de trabalho árduo. Mas se
conseguirmos mantê-lo, a nossa capacidade de prestar esse tipo de atenção se
desenvolve continuamente, e cada vez é necessário menos esforço.

Números

Um Diálogo funciona melhor com 20 a 40 participantes, sentados em círculo.


Um grupo desse tamanho permite o surgimento e observação de diferentes
subgrupos ou subculturas que podem ajudar a revelar alguns desvios em que o
pensamento coletivo opera. Isto é importante porque as diferenças entre essas
subculturas são muitas vezes a causa não reconhecida de conflitos e falhas na
comunicação. Grupos menores, por outro lado, não têm a necessária diversidade
para revelar essas tendências e possivelmente enfatizarão papéis e relacionamentos
mais pessoais e familiares.

Em alguns grupos tivemos até sessenta participantes, mas com um número


elevado assim o processo se torna praticamente inviável. São necessários dois
círculos concêntricos para acomodar todos de maneira a poderem ver e ouvir uns
aos outros. Isso coloca os que estão sentados atrás em desvantagem, e menos
participantes têm a oportunidade de falar.

Pode-se mencionar aqui que alguns participantes tendem a falar muito,


enquanto outros têm dificuldade em expressar-se em grupos. Vale lembrar, no

125
entanto, que a palavra “participação” tem dois sentidos: “compartilhar” e “fazer parte
de”. Ouvir é pelo menos tão importante quanto falar. Muitas vezes os participantes
mais silenciosos começam a falar mais à medida que se familiarizam com a
experiência do Diálogo, e os indivíduos mais dominadores descobrem-se falando
menos e ouvindo mais.

Duração

Um Diálogo necessita algum tempo para pôr-se em andamento. É uma forma


incomum de participar com os outros e é necessário fornecer alguma forma de
introdução em que o significado todo da atividade possa ser comunicado. Mas
mesmo com uma introdução clara, ao começar a falar o grupo passa por muitos
momentos de confusão, frustração, e uma preocupação inibidora sobre se estão ou
não praticando Diálogo. Seria muito otimista assumir que um Diálogo comece e
atinja alguma grande profundidade no primeiro encontro. É importante ressaltar que
é preciso perseverança.

Ao iniciar Diálogos é útil, no começo, entrar em um acordo quanto à duração


da sessão, e encarregar alguém de marcar o tempo no final do encontro.
Descobrimos que cerca de duas horas é um tempo ótimo. Sessões mais longas
arriscam o fator fadiga, que tende a diminuir a qualidade da participação. Muitos T-
grupos usam extensas “maratonas” que usam essa fadiga para quebrar algumas das
inibições dos participantes. O Diálogo, por outro lado, está mais interessado em
explorar os construtos sociais e inibições que afetam as nossas comunicações do
que tentar desviar deles.

Quanto mais regularmente o grupo se encontrar, mais profundo e significativo


será o território explorado. Usa-se freqüentemente o fim-de-semana para fazer
várias sessões em seguida, mas se o desejo é fazer Diálogo por um tempo mais
longo, sugerimos que haja ao menos uma semana de intervalo entre uma sessão e
outra, para que haja tempo para as reflexões e aprofundamentos individuais. Não há
limite para o tempo de duração de um grupo de Diálogo e para a sua investigação.
Mas seria contrário ao espírito do Diálogo que ele se torne fixo ou institucionalizado.
126
Isso demanda abertura à constante mudança de membros, de horários ou outras
manifestações de uma atitude séria no sentido de evitar que uma rigidez implícita
possa se estabelecer. Ou, até, abertura para a dissolução do grupo após um certo
período.

Liderança

Um Diálogo é essencialmente uma conversação entre iguais. Qualquer


autoridade controladora, não importa quão cuidadosa ou sensivelmente aplicada,
tende a inibir e atrapalhar a livre manifestação do pensamento e os sentimentos
muitas vezes delicados e sutis que de outro modo seriam compartilhados. O Diálogo
é vulnerável à manipulação, mas seu espírito não é compatível com ela. Não há
lugar, no Diálogo, para hierarquias.

No entanto, nos estágios iniciais alguma liderança é necessária para ajudar


os participantes a perceberem as sutis diferenças entre o Diálogo e outras formas de
processo de grupo. É essencial a presença de pelo menos um, ou preferivelmente
dois, facilitadores experientes. O papel destes facilitadores é ocasionalmente indicar
situações que aparentemente estejam indicando ao grupo pontos paralisadores, ou,
em outras palavras, ajudar o processo de propriocepção coletiva. Mas essas
intervenções nunca devem ser manipuladoras ou obtrusivas. Os líderes são
participantes como quaisquer outros. A liderança, quando for sentida como
necessária, deve tomar a forma de “liderar nos bastidores” e preservar a intenção de
ser dispensável assim que for possível.

No entanto, essa proposta não substitui a presença de facilitadores


experientes. Sugerimos, mesmo assim, que este texto seja lido com o grupo no seu
encontro inicial, de modo que todos os participantes possam ficar seguros de que
estão embarcando no mesmo experimento.

A questão do tema

O Diálogo pode começar com qualquer tópico de interesse para os

127
participantes. Se alguns membros do grupo sentem que certas trocas ou temas são
perturbadores ou inadequados, é importante que expressem esses pensamentos no
Diálogo. Nenhum conteúdo deve ser excluído.

Muitas vezes os participantes farão fofocas ou expressarão a sua insatisfação


ou frustração após um encontro, mas é exatamente esse tipo de material que
oferece o solo mais fértil para levar o Diálogo a reinos mais profundos de significado
e a uma coerência situada além da superficialidade de um “pensamento de grupo”,
das boas maneiras ou de uma conversa de jantar.

Diálogo em organizações já existentes

Até aqui estivemos examinando principalmente Diálogos que reúnem


indivíduos de vários backgrounds diferentes, e não de organizações já existentes.
Mas o seu valor também pode se sentir em membros de uma organização, como
modo de aumentar e enriquecer a criatividade corporativa.

Nesse caso o processo de Diálogo muda consideravelmente. Membros de


uma organização assim já terão desenvolvido vários tipos de relacionamento entre
companheiros de trabalho e com a sua organização como um todo. Aqui pode haver
uma hierarquia pré-existente, ou pode ocorrer uma necessidade de proteger os
colegas, o grupo ou o departamento. É possível que haja medo de expressar
pensamentos que sejam vistos como críticas aos que estão acima na organização,
ou às normas da cultura organizacional. Talvez certos indivíduos sintam ameaçadas
as suas carreiras ou a aceitação social que têm, ao participarem em um processo
que enfatiza a transparência, a abertura, a honestidade, a espontaneidade e o tipo
de interesse profundo pelos outros que pode trazer à tona áreas vulneráveis — às
vezes mantidas ocultas por muito tempo.

Em uma organização já existente, o Diálogo provavelmente terá que começar


por uma investigação sobre todas as dúvidas e medos que a participação

128
certamente eliciará. Talvez o início aconteça com uma agenda mais ou menos
específica, que futuramente poderá ser mudada. Isso difere da abordagem usada
com grupos formados por pessoas que participam voluntariamente, ou apenas uma
vez, e que estão livres para começar a partir de qualquer tema. Mas, como
mencionamos, nenhum conteúdo deve ser excluído porque o impulso para excluir
um tema é em si um rico material para investigação.

Muitos organizadores têm propósitos e metas implícitos e predeterminados


que raramente são questionados. De início, essas idéias também podem parecer
incompatíveis com o jogo livre e aberto do pensamento que é tão intrínseco ao
processo do Diálogo. No entanto, esse inconveniente também pode ser superado
ajudando os participantes desde o início a perceberem que examinar esses temas
pode se provar essencial para o bem-estar da organização. Levá-los em conta, além
disso, também pode ajudar a melhorar a auto-estima desses participantes, e o
respeito com que são vistos pelos outros.

O potencial criativo do Diálogo é grande o bastante para permitir uma


suspensão temporária de quaisquer estruturas e relacionamentos constituintes de
uma organização.

Finalmente, queremos deixar claro que não propomos o Diálogo como uma
panacéia, nem como método ou técnica para substituir as outras formas de interação
social. Nem todos o acharão útil, e ele não o será em todos os contextos. Há grande
valor em muitos métodos psicoterapêuticos e há muitas tarefas que exigem liderança
firme e uma estrutura organizacional muito bem formada.

Muito do tipo de trabalho que descrevemos aqui pode ser realizado


independentemente, e estimulamos esse proceder. Várias das idéias desta proposta
são ainda temas da nossa investigação contínua. Não aconselhamos que sejam
tomadas como fixas, mas que também sejam questionadas, como parte do seu
próprio Diálogo.

O espírito do Diálogo é brincar e jogar livremente, um tipo de dança coletiva

129
da mente que, entretanto, tem imenso poder e revela um propósito coerente. Uma
vez começado, torna-se uma aventura contínua que pode abrir caminho para uma
mudança criativa e cheia de significado.

Nota de direitos autorais

Copyright © 1991 – David Bohm, Donald Factor e Peter Garrett

Os detentores dos direitos autorizam a cópia deste material e a sua distribuição para
fins não-comerciais, incluindo discussão, pesquisa, crítica e como ajuda para montar
grupos de Diálogo, desde que ele não seja alterado e que esta nota seja incluída.
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