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Seção Memórias Científicas Originais

Metáforas da informação cotidiana


Por Marcos Gonzalez

RESUMO: Quando se apoiou na Teoria Matemática da Comunicação (ou

Teoria da Informação), de Claude Shannon (1948), observou-se no termo informação

uma separação fundamental entre seus diversos conceitos: “informação”, segundo

Capurro e Hjørland (2007 [2003]), “parece ter perdido sua conexão com o mundo

humano, e passou a ser aplicada, através de uma metáfora mais ou menos adequada,

para todo tipo de processo por meio do qual algo está sendo mudado ou in-formado”.

Tomando as palavras de Capurro e Hjørland, dissertamos sobre algumas metáforas entre

os dois extremos do eixo semântico de informação (FABRICAÇÃO e ALIMENTO),

tendo como amparo teórico a Teoria da metáfora conceptual, de Lakoff e Johnson

(1980).

PALAVRAS-CHAVE: Teoria da Informação; Teoria da metáfora conceptual.

ABSTRACT: [Information we live by] Once supported in the Claude

Shannon’s (1948) Mathematical Theory of Communication (or Information Theory),

there was a fundamental split between the various concepts of the term information:

according Hjørland and Capurro (2007 [2003]), “it seems to have lost their connection

to the human world, and has been applied through a metaphor more or less suitable for

every type of process by which something is being changed or in-formed”. In this work,

we take this words of Capurro and Hjørland to discuss about some metaphors between

the extremes of the semantic range of information (as FABRICATION and as FOOD),

having as theoretical support the Theory of Conceptual Metaphor, by Lakoff and

Johnson (1980).
2

KEYWORDS: Theory of Information, Theory of Conceptual Metaphor

Introdução

Contam-nos Macedo e colaboradores (2009) que, a partir dos anos 70, com o

processamento das informações passando a ser o grande foco de atenção dos estudiosos

da linguagem, o fenômeno das “metáforas” foi um dos temas que mereceu grande

atenção por parte dos estudiosos, em busca de teorias ou soluções que dessem conta do

fenômeno. No final da década, já se tinha claramente a percepção de que a linguagem

comum, aquela usada normalmente pelo homem no seu dia a dia, é repleta de metáforas,

e de que não percebemos isto porque seu uso é natural e corriqueiro. Até mesmo a

linguagem técnica e científica, que tantos supunham ser estritamente literal, é rica em

metáforas.

Sistematizada inicialmente em Metaphors we live by (“Metáforas da vida

cotidiana”), obra em co-autoria com o filósofo Mark Johnson (LAKOFF e JOHNSON,

2002 [1980]), a teoria da metáfora conceptual (TMC) provocou uma revolução nas

pesquisas sobre a metáfora e representou o lançamento de um programa inovador de

pesquisa (ZANOTTO et al., 2002, p. 15). Tendo como base resultados acumulados no

âmbito das ciências cognitivas, essa linha teórica desvincula a metáfora da relação

linguagem metafórica versus linguagem literal. Desfaz-se aí – outro aspecto relevante –

a dicotomia cartesiana corpo-mente, pois são integradas as visões objetivistas e

subjetivistas no que se passa a chamar de “experiencialismo”, em sua primeira versão, e

“realismo corpóreo” posteriormente.

Lakoff e Johnson postularam que os mapeamentos metafóricos são estruturados

sistematicamente – hipótese que vem sendo não só comprovada como aprimorada

(LAKOFF, 2008). A metáfora deixa de ser entendida não mais como uma questão de
3

linguagem apenas, mas de pensamento e razão. A linguagem, nessa teoria, é observada

como um reflexo do mapeamento: “já que a comunicação é baseada no mesmo sistema

conceptual que usamos para pensar e agir, a linguagem é uma fonte de evidência

importante de como é esse sistema” (LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980]:46).

Mas os conceitos que governam nossas línguas governam também a nossa

atividade cotidiana até nos detalhes mais triviais, estruturam o que percebemos, a

maneira como nos comportamos no mundo e o modo como nos relacionamos com

outras pessoas. Eis por que, dizem Lakoff e Johnson, o sistema conceptual “não é algo

do qual normalmente temos consciência”. Na maioria dos pequenos atos da nossa vida

cotidiana, pensamos e agimos mais ou menos automaticamente, seguindo certas linhas

de conduta que não se deixam apreender facilmente.

Cada uma das expressões metafóricas é usada, portanto, no interior de um

sistema global de conceitos metafóricos – conceitos que usamos constantemente ao

viver ou pensar. Essas expressões, como todas as outras palavras e itens lexicais frasais

da língua, são fixadas por convenção. Além desses casos, que fazem parte de sistemas

metafóricos globais, existem expressões metafóricas idiossincráticas, que ficam

isoladas, e não são usadas de maneira sistemática, quer na linguagem, quer no

pensamento (p. 123).

Eis o que apresentamos: uma relação das metáforas que são ativadas sempre que

a palavra informação (e cognatos) foi escrita em português, do séc. XIV para cá.

Corpora

Contamos, para essa pesquisa, com um banco de dados de tokens (usos) da

língua portuguesa entre os séculos XIV e XX, extraído principalmente do “Corpus do


4

Português” (DAVIES e FERREIRA, 2006-)1, um sistema de consulta a um corpora

contendo mais de 45 milhões de palavras de quase 57.000 textos. Quanto às fontes

metalingüísticas (dicionários, vocabulários, gramáticas etc.), consultamos algumas

bibliotecas públicas e particulares e os acervos digitalizados da Biblioteca Nacional

Digital de Portugal2, Europeana3 e Google Books4.

Informação é FABRICAÇÃO

Da Roma clássica, são conhecidos alguns de contextos de uso de “dar forma”

(VALPAY, 1816; LEWIS e SHORT, 1879): nos versos de Virgílio (70-19 a.C.) sobre

Vulcano e os Cíclopes produzindo (informatum) flechas de raios para Zeus (Eneida 8,

426; [1]) ou um enorme escudo para Enéas (Eneida 8, 447; [2]); no manual de

agricultura de Columela (4-70? d.C.), o verbo é aplicado na explicação de como se faz

uma tampa a partir do entrelaçamento de cordas ([3]).

[1] Ferrum exercebant uasto Cyclopes in antro, / Brontesque


Steropesque et nudus membra Pyragmon. / His informatum manibus
iam parte polita / fulmen erat, toto genitor quae plurima caelo / deicit
in terras, pars inperfecta manebat.

[2] Ingentum clipeum informant, unum omnia contra / tela Latinorum,


septenosque orbibus orbes / impediunt.

[3] Vel si nee lapis erit nee glarea, sarmentis connexus velut funis
informabitur in eam crassitudinem, quam solum fossae possit
angustae quasi accommodatam coartatamque capere (...).

Informar, com esse sentido, seria então um caso de “manipulação direta”, que

Lakoff e Johnson descrevem como “um tipo de experiência fundamental que caracteriza

a noção de causalidade direta”. A maioria das ações de manipulação direta, como, por

1
http://www.corpusdopotugues.org
2
http://purl.pt
3
http://www.europeana.eu
4
http://books.google.com.br
5

exemplo, “quando acionamos os interruptores de luz, abotoamos nossas camisas,

abrimos portas etc.” partilha aspectos do caso “prototípico” ou “paradigmático” de

causalidade direta. O conceito de causalidade “fundamenta-se no protótipo da

manipulação direta, que emerge diretamente de nossa experiência”.

Ainda segundo Lakoff e Johnson, “cada um de nós é um recipiente com uma

superfície demarcadora e uma orientação dentro-fora”. Projetamos a nossa própria

orientação dentro-fora sobre outros objetos físicos que são delimitados por superfícies.

Assim, concebemos esses objetos como recipientes com um lado de dentro e outro de

fora, impondo essa orientação ao nosso meio-ambiente natural (p. 81). Experienciamos

muitas coisas, por meio da visão e do tato, como tendo fronteiras definidas e, quando as

coisas não têm fronteiras definidas, frequentemente projetamos fronteiras nelas – por

exemplo, florestas, clareiras, nuvens etc.

Tomemos, por exemplo, “his informatum manibus” do token [1]: como observa

Conington (1876), a parte inacabada do raio e transformada em flechas “por suas

mãos”, isto é, pelas mãos dos Cíclopes. O uso adere perfeitamente ao sentido de “dar

forma”. Podemos chamá-lo de caso “prototípico” ou “paradigmático” de causalidade

direta de informar, uma vez que:

 O agente [Cíclopes] tem como objetivo uma mudança no estado [transformar


em flechas] do paciente [raios];
 A mudança de estado é física;
 O agente tem um “plano” para atingir o objetivo;
 O plano exige que o agente use um programa motor [as mãos dos Cíclopes];
 O agente tem controle do programa motor;
 O agente é o principal responsável pela realização do plano;
 O agente é a fonte de energia (isto é, o agente está direcionando sua energia
para o paciente), e o paciente é o alvo da energia (isto é, a mudança no
paciente deve-se a uma fonte externa de energia);
 O agente toca o paciente ou com seu corpo ou com um instrumento (isto é,
há uma sobreposição espacial e temporal entre o que o agente faz e a
mudança no paciente);
 O agente realiza o plano de maneira bem sucedida. A mudança no paciente é
perceptível;
6

 O agente monitora a mudança no paciente por meio de percepção sensorial;


 Há um único agente específico e um único paciente específico.

O sentido “dar forma” atende a todas as propriedades acima apresentadas,

confirmando o que já dissemos: “dar forma”, o sentido de maior causalidade possível

em relação às acepções que o verbo, é um protótipo do verbo. Portanto, “dar forma” é

um caso simples de causalidade direta, a fabricação de objetos. A metáfora da

FABRICAÇÃO, segundo Lakoff e Johnson, envolve manipulação direta prototípica,

mas ela tem uma característica adicional que a diferencia de outras manipulações

diretas: como resultado da fabricação, nós vemos o objeto como um tipo diferente de

coisa, isto é, nós o categorizamos de maneira diferente, com forma e função diferentes.

Por exemplo, dos autores, “o que era um pedaço de papel passa a ser um avião de

papel”. Até mesmo uma simples mudança de estado, como a mudança da água em gelo,

pode ser vista como um exemplo de fabricação, uma vez que o gelo tem forma e função

diferentes da água. No nosso exemplo, os raios ganham forma e função de flecha.

Lakoff e Johnson nos lembram que, em sua teoria, não há espaço para

propriedades objetivas inerentes, apenas propriedades interacionais, que repetem o

modo como concebemos os fenômenos mentais por meio de metáforas (p. 246). Assim,

metáforas como OBJETO, SUBSTÂNCIA e RECIPIENTE são diretamente

emergentes, isto é, construídas pela interação. Os mitos do objetivismo e do

subjetivismo são compreensíveis porque “experienciamos a nós mesmos como

entidades separadas do resto do mundo – como recipientes com um lado de dentro e um

lado de fora” (p. 130). Nós nos entendemos como seres físicos, demarcados e separados

do resto do mundo pela superfície de nossas peles; experienciamos a nós mesmos como

sendo feitos de substâncias – isto é, carne e osso – e experienciamos o resto do mundo


7

como algo fora de nós como sendo feitos de vários tipos de substâncias – madeira,

pedra, metal etc.

Aquilo a que damos forma não precisa, então, ser algo material: pode ser a

mente, de outrem ou a própria, reflexivamente. MENTE É UM RECIPIENTE, metáfora

que estabelece uma similaridade entre a mente, alma e o corpo (todos sendo

RECIPIENTES), ampara o uso de informar em contextos que Capurro e Hjørland (2007

[2003]) chamam de “intangíveis ou espirituais”, pois dizem respeito aos “usos morais e

pedagógicos”: informar como ensinar. Tertuliano de Cartago (ca. 160-220 d.C.),

lembremo-nos, já chamava Moisés de populi informator – educador ou modelador de

pessoas.

No já citado Dictionarium Lusitanico Latinum de Agostinho Barbosa (1611),

também com base em Cícero, temos “dar enformação” com o sentido de docere, isto é

“dar formação, educar”, e no Thesouro da Lingoa Portuguesa, de José Bento Pereira

(1697), temos enformador como docens, entis (ou seja, como “professor”); enformado,

como edoctus, a, um; enformar como doceo, es (“ensinar, educar”). Vejamos exemplos

do português extraídos de nosso corpus de usos cotidianos:

[4] Este rey Recaredo e seu irmãão Hermenegildo, o que matou seu
padre, foron enssynados e doutrinados daquelle sancto Leandre,
arcebispo de Sevylha, que os enformou e fundou na sancta fe
catholica. E esta foy a causa principal por que seu padre o fez
desterrar (Crónica Geral de Espanha, 1344)

[5] Enforma a tua mente tenra com estudos mais ásperos (Boosco
deleitoso, séc. XV)

Olhando os dados para os sécs. XIV e posteriores, fica evidente que a

produtividade a metáfora informação “dar forma” é pequena, corroborando com

resultados para o galego – 5,5% de todos os usos entre 1837 e 2002 (SALGADO,

2009). Esse sentido prototípico do verbo já vinha caindo, nitidamente, em desuso.

Trabalhos recentes, no entanto, vêm apontando um segundo étimo envolvido na


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polissemia em estudo – o lat técnico enformare “meter na fôrma”. Há dois sentidos

prototípicos semanticamente contíguos e concorrente: um é complemento do outro.

A forma enform- é muito útil, ainda hoje, na expressão de processos envolvendo

substâncias e recipientes, como a fundição (“A fundição contínua é um método de

enformação de lingotes, barras e placas que consiste em vazar o metal fundido no

molde”; “Os objectos moldados são, muitas vezes, enformados e vulcanizados em

moldes aquecidos”). Esses casos nos remetem, seguindo Lakoff e Johnson, a uma

maneira de conceptualizarmos o processo de enformação: a metáfora SUBSTÂNCIA

ENTRA DENTRO DO OBJETO (p. 149), sendo o objeto visto como um recipiente

(fôrma) para a substância, que adquire então uma fórma. Vejamos como ela se

manifesta na língua:

[6] (...)Et auja o nariz alto por mesura et a boca ben feyta et dentes ben
postos et brãcos et o queixo quadrado et o colo longo et as espádoas
anchas et os peytos moyto enformados. Et auja as mãos et os braços
moy ben feytos, et era bentallado ẽna çentura. (Crónica Geral de
Espanha, 1344)

[7] E a esta cobiiça de veer a verdade he junto desejo daver senhorio,


em tal guisa que o coraçom bem enformado per a natureza nom
queira obedeecer a algüu [...] (D. Pedro, Livro dos ofícios de Marco
Tullio Ciceram, séc. XV)

[8] E foy este conde de baixa estatura de corpo enformado em carnes


[...] (Gomes Eanes Zurara; Crónica dos feitos notáveis que se
passaram na conquista da Guiné, séc. XV)

[9] o cacau e mistura-se com açúcar e outros produtos, ficando num


estado pastoso; enformação que consiste em dar a forma que se
pretende ao chocolate (portal “Região de Leiria5: matéria a tentação
dos chocolates, 1997)

Reconhecemos outra metáfora que também conceptualiza, segundo Lakoff e

Johnson, vários conceitos do “caso especial de causalidade”: a MUDANÇA, no sentido

de uma transformação por dentro. As metáforas para MUDANÇA emergem

5
http://www.regiaodeleiria.pt
9

naturalmente, segundo Lakoff e Johnson, da experiência do nascimento, “seguramente a

experiência humana mais fundamental”: no nascimento, um objeto (o bebê) sai de um

recipiente (a mãe). Ao mesmo tempo, a substância da mãe (sua carne e sangue) está no

bebê (objeto recipiente). A experiência do nascimento (também o crescimento na

agricultura) fornece, nesse caso, a fundamentação para o conceito geral de CRIAÇÃO,

que tem como essência o conceito de FABRICAÇÃO de um objeto físico, mas que se

estende para entidades abstratas também (p. 150-151).

Os tokens a seguir ilustram algumas ocorrências de informação é MUDANÇA,

em diferentes contextos:

[10] Mas quando Deus cria a alma para que ela informe o feto
preparado, é de necessidade absoluta, pela igualdade e justiça do
Creador, que tôdas as almas entrem nos corpos com as mesmas
numéricas qualidades naturais próprias e constitutivas da perfeição
de uma alma (J. Cunha Brochado, Cartas, 1707)

[11] Tenho lá no Sincorá muitas lavras que comprei por baixo preço,
mas que informam muito bem; estão em abandono por me faltar uma
pessoa de confiança que possa pôr à testa do serviço, e meus
negócios não me deixam tempo para ficar ali preso à cola dos
bateeiros, como é indispensável (Bernardo Guimarães, O
Garimpeiro, séc. XIX)

[12] o exercício da valsa dá ao coração formas extravagantes e


caprichosas - fá-lo pular, estremecer e palpitar; e, conforme as
impressões que recebe, informa-se, dilata-se, encolhe e chega a
tomar formas. (Aluísio Azevedo, Uma Lágrima de Mulher, séc.
XIX)

Informação é COMPONENTE

Registra-se um significado para informação que a aproxima de instrução (de

processos ([13], por exemplo).


10

[13] (...) os Juizes das terras mandarom que os dictos procuradores


ponham as dictas enformações nos fectos6 pera averem de ser vystas
e enxemynadas no casso das apellações (Cortes portuguesas, 1498)

O elemento de composição -stru-, presente em instruir e construir, é derivado de

struere “dispor em pilhas, empilhar (materiais), reunir, ajuntar, amontoar, criar,

construir, erguer” (HOUAISS, 2001), daí constructo, indústria, estrutura etc. Dumesnil

(1809) descreve para esse verbo também o sentido de “prover ou suprir com coisas

necessárias”. Aqui, as metáforas do RECIPIENTE e da CONSTRUÇÃO, dizem Lakoff

e Johnson, “misturam-se livremente em virtude da correspondência”. A correspondência

aqui se baseia em implicações compartilhadas, uma vez que uma CONSTRUÇÃO tem

uma parte mais profunda, da mesma forma que um RECIPIENTE. Uma vez que a

profundidade caracteriza o aspecto básico em ambas as metáforas, a parte mais

profunda é a parte mais básica. O conceito PARTE MAIS BÁSICA pertence, portanto,

à parte comum às duas metáforas e é neutro entre elas.

[14] (...) muitos homens houvera no mundo de quem se teveram


informações e conceitos bem fundados (Luis de Sousa, A vida de
Frei Bertolameu dos Mártires, 1619)

[15] (...) sabendo do que se tratava, quis também das a sua opinião,
fundada em informações verídicas: - Esteja descansado, disse ele ao
Bastos (José de Alencar, Sonhos D'ouro, séc. XIX)

O token [15] nos indica que, quanto mais básica a informação, mais fundada na

verdade ela deve estar. Daí decorre um importante conjunto de processos de

manipulação de informações, o conjunto de processos lógicos, e mesmo nesse domínio

podemos encontrar metáforas espaciais: De acordo com Eve Sweetser (1987), su-por (<

lat sub+ponere, “pôr embaixo”) and hipo-tese (< gr hypo+thesi “pôr embaixo”)

sugerem que há premissas (informações) na parte inferior da estrutura, amparando

6
“Fectos”, isto é, feitos são, para o Direito Processual, “o processo ou o conjunto dos autos da
demanda, da causa ou do pleito” (HOUAISS, 2001)
11

conclusões. Numa construção teórica (“constructo”), quanto mais robusta é a base, mais

firmes são nossas convicções; as informações mais contingenciais “repousam” sobre

informações menos contingenciais, assim, podemos mudar as menos contingenciais sem

alterar o resto da estrutura, da mesma forma que podemos mudar o telhado de uma casa

sem alterar as fundações.

Pre-sumir (< lat prae+sumere “acatar antes, acatar com antecedência”) sugere

uma semelhante precedência de premissas (informações) sobre as conclusões, mas

agora linear: nossos processos racionais, aqui, lembram uma jornada mental,

começando com presunções e pressupostos e terminando com alguma conclusão, que é

“posterior” na jornada. Expressões modernas do tipo “linha de raciocínio” mostram que

a metáfora continua ativa. Aqui, nosso sistema mental é visto não apenas como um

punhado de informações em espaços-recipientes; ele envolve relações estruturais entre

as informações dentro dos espaços.

Informação e a metáfora do canal

A conduit metaphor – “metáfora do canal”, conforme a tradução brasileira de

Zanotto et al. (2002)7 – é uma associação cognitiva hipotética entre comunicação e o

processo de envio e recepção de pacotes, postulada por Michael Reddy (1979). Trata-se

de uma das mais claras e bem estabelecidas metáforas conceptuais, que exerceu um

papel central no desenvolvimento da teoria da metáfora conceptual (GRADY, 1998).

A intuição do linguista lhe dizia que havia alguma coisa em frases do tipo “você

me deu uma boa ideia” ou “eu captei a vossa mensagem”. Afinal, observa Reddy,

ninguém realmente crê que alguém dá, literalmente, ideias para os outros: “isto soa

7
Holsbach, Gonçalves, Migliavaca e Garcez, na sua tradução do artigo de Reddy (2000 [1979]),

traduziram o termo como “metáfora do conduto”


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como telapatia ou clarividência”. E ninguém “recebe” os pensamentos diretamente em

suas mentes quando se está usando a linguagem (p. 286-287).

Reddy observa que a nossa linguagem sobre a linguagem é, grosso modo

estruturada por uma metáfora complexa: o falante coloca idéias (objetos) dentro de

palavras (recipientes) e as envia (através de um canal) para um ouvinte que retira as

idéias-objetos das palavras-recipientes. Reddy documenta essa metáfora com mais de

cem tipos de expressões em Inglês, as quais representariam, segundo o autor, 70% das

expressões que usamos para falar sobre a linguagem.

Lakoff e Johnson (2002 [1980]) reconheceram a relevância do trabalho de

Reddy, por ter contribuído para afastar de uma vez por todas a visão tradicional da

metáfora como desvio da linguagem cotidiana e como fenômeno de linguagens

especiais, mas interpretaram os enunciados analisados por Reddy usando suas próprias

convenções.

Esses autores postulam que os enunciados analisados por Reddy são

manifestações linguísticas de metáforas conceptuais. Dessa forma, eles consideram a

metáfora do canal como uma metáfora complexa, constituída por uma rede de metáforas

conceptuais, que assim se manifestam nos enunciados:

A. MENTE É UM RECIPIENTE: Não consigo tirar essa música da


minha cabeça. Sua cabeça está recheada de idéias interessantes. Será
que vou conseguir enfiar essas estatísticas na tua cabeça?

B. IDÉIAS (OU SENTIDOS) SÃO OBJETOS Quem te deu essa


idéia? Não consegui achar essa idéia em nenhum lugar do texto. Você
encontrará idéias melhores que essa na biblioteca.

C. PALAVRAS OU EXPRESSÕES LINGUISTICAS SÃO


RECIPIENTES Não consigo pôr minhas idéias em palavras. O
significado é o que está nas palavras, bem aí. Quando você tiver uma
boa idéia, tente colocá-la imediatamente em palavras.

D. COMUNICAR É ENVIAR OU TRANSFERIR A POSSE Até que


enfim você está conseguindo passar suas idéias para mim. Vou tentar
passar o que tenho na cabeça. Eu lhe dei essa idéia.
13

E. COMPREENDER É PEGAR (OU VER) Peguei o que você quis


dizer. Não consegui pegar o sentido desse texto. Você pode ver idéias
coerentes nesse trabalho?

O sucesso de nossa atividade no mundo envolve a aplicação do conceito de

causalidade a cada novo domínio de atividade por meio de intenção, plano, inferências.

O conceito é estável porque, afinal, “continuamos a funcionar com sucesso

fundamentando-nos nele”. Dado um conceito de causalidade que emerge de nossa

experiência, podemos aplicá-lo a conceitos metafóricos (p. 146-147).

Para além do aspecto de “instanciação” das metáforas, Lakoff e Johnson

argumentam ainda que “uma compreensão adequada da causalidade exige que ela seja

percebida como um conjunto de outros componentes” – uma “gestalt experiencial”,

definida como “um todo que nós, seres humanos, consideramos mais básico que suas

partes” (p. 144). Assim, a causalidade não é um termo primitivo inanalisável, porque é

caracterizada em termos de semelhanças de família com o protótipo da manipulação

direta. O protótipo da manipulação direta, em si, é outra gestalt indefinidamente

analisável de propriedades naturalmente co-ocorrentes, e a essência prototípica de

causalidade é elaborada metaforicamente de várias maneiras (p. 152).

A metáfora do canal nos vincula a outros tipos de causalidade, “menos

prototípicos”, dizem Lakoff e Johnson, mas “ainda ações ou eventos que apresentam

suficiente semelhança com o protótipo”: eles incluiriam a ação a distância, a ação não

humana, o uso de agente intermediário, a ocorrência de dois ou mais agentes, uso

involuntário ou não controlado do programa motor etc. Na causalidade física, o agente e

o paciente são eventos, uma lei física assume o lugar de um plano, do objeto e da

atividade motora, e todos os aspectos peculiarmente humanos são descartados

(LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980], p.146). E “quando a semelhança de família com


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o protótipo é insuficiente”, acrescentam esses autores, “deixamos de caracterizar o que

acontece como causalidade”. Por exemplo, num caso em que houvesse múltiplos

agentes e em que a ação deles estivesse distante no tempo e no espaço da mudança do

paciente e em que não houvesse desejo, nem plano, nem controle por parte do agente,

nós provavelmente não consideraríamos esse caso uma instância de causalidade, ou pelo

menos teríamos dúvidas sobre ele.

A complexidade da metáfora do canal nos obriga, por uma questão de espaço, a

deixar a investigação de sua relação com informação para um trabalho posterior.

Informação é ALIMENTO

As metáforas estruturais de nosso sistema conceptual, caso da metáfora do

canal, também criam similaridades. Baseando-nos ainda em Lakoff e Johnson, que

postularam que IDEIAS SÃO ALIMENTO, poderíamos afirmar que a metáfora

INFORMAÇÕES SÃO ALIMENTO é consistente. Mais uma vez, a etimologia reforça-

o: port aluno < lat. alumnus,i “criança de peito, lactente, menino, aluno, discípulo” é

derivado de alĕre “fazer aumentar, crescer, desenvolver, nutrir, alimentar, criar,

sustentar, produzir, fortalecer etc.” (HOUAISS, 2001). E de fato, informações podem

ser “colhidas” ([16]) ou “bebidas” ([17]), mas há que se ter cuidado, porque elas podem

ser “venenosas”, e talvez seja necessário “curar-se” delas ([18]).

[16] (...) fui de novo colhendo o restante das informações que delles
boamente se podião collegir, isto em Arima, Amacusa, Naingazaqui
(Frois, Historia do Japam 1, 1560-1580)

[17] Chegaram as notícias gerais, beberam todos a informação, deu


aquele negócio em o animo de El-Rei (Francisco Manuel de Melo,
Tácito português, 1646)

[18] (...) introduzindo no animo de El-Rei venenosas informações


(Francisco Manuel de Melo, Tácito Português, 1646)

[19] (...) em chegando a qualquer vila ou cidade, sem tomar mais


repouso nem curar doutras informações, entrava e andava por todas
15

as ruas (João de Lucena, Historia da vida do Padre S. Francisco


Xavier, 1600)

Segundo Lakoff e Johnson, essas similaridades não poderiam existir não fossem

mapeamentos metafóricos convencionados. Na verdade, a metáfora INFORMAÇÕES

SÃO ALIMENTO estaria baseada em metáforas ainda mais básicas, notadamente as já

apresentadas INFORMAÇÕES SÃO OBJETOS (que, nesse caso, são objetos que vem a

nós do exterior), e também presume a onipresente metáfora MENTE É UM

RECIPIENTE.

Conclusões

Os exemplos de etimologias e metáforas sincrônicas nos dão uma ideia de como

“informações como objetos” podem estruturar diferentes domínios semânticos, afirma

Sweetser (1987, p.453). Embora a transferência de objetos seja um tipo de manipulação

de objetos, parece claro que “verbos de fala” são tomados especialmente de expressões

indicando alguma fase do processo de mútuo intercâmbio (transferência) de objetos,

enquanto “verbos de pensamento” têm como base outros tipos de manipulação de

objetos, tais como “segurar”, “ordenar” ou “construir”. Informar, nesse sentido, é um

“verbo de fala”, informar-se, um “verbo de pensamento”.

Há, porém, uma tese (de Claudia Brugman, 1995, apud Grady), baseada em

alguns exemplos, de que a metáfora do canal também poderia estar relacionada a um

mapeamento muito mais genérico entre “resultados de ações” e “objetos transferidos”.

Podemos associar tal mapeamento ao complexo polissêmico em estudo (enformar

“meter na fôrma” x informar “dar informação”)? Ao que parece, houve de fato, num

passado bastante remoto, um mapeamento metafórico que relacionava os domínios

concreto e comunicativo de enformar, mas trataremos desse assunto quando nos

debruçarmos sobre a metáfora do canal.


16

Bibliografia

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