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AVÔ, António B. (1996). O Desenvolvimento da Criança. Texto Editora, Lda.

,
Lisboa.

Nos dois primeiros anos de vida a maturação do sistema nervoso central e os


estímulos do ambiente vão permitir ao bebé atingir um grau de desenvolvimento
invejável, proporcionando-lhe uma autonomia crescente em todas as áreas.
A capacidade de receber e interpretar estímulos sensoriais desenvolve-se
rapidamente durante o primeiro ano de vida.
Ver, ouvir e sentir o mundo constitui o primeiro passo para o conhecer melhor e
desenvolver outras capacidades necessárias à comunicação, como são o movimentos e a
linguagem.
A discriminação auditiva de sons está intimamente ligada à aquisição da
linguagem.

As bases para a aquisição da linguagem constituem-se muito antes da criança


emitir ou perceber qualquer palavra.
Quando o bebé, ainda recém-nascido, estabelece com a sua mãe uma relação
baseada nas atitudes, nos gestos e nos olhares, está a desenvolver um tipo de
comunicação que, apesar de não utilizar uma expressão linguística, é fundamental para a
sua aquisição.
Neste período, a produção de som limita-se quase exclusivamente ao choro. A
mãe consegue identificar o choro da fome, da dor, de desconforto, recebendo esta
mensagem quase sem dar por isso.
Com o aparecimento das primeiras vocalizações, a conversa entre mãe e filho
aumenta, numa troca de sons guturais e vogais abertas, com os quais o bebé demonstra
o seu prazer ou desprazer, conduzindo o comportamento materno no sentido da
satisfação das suas necessidades. Este prazer transforma-se na necessidade de
comunicar, criando as condições básicas para a aquisição da linguagem, como veículo
principal dessa comunicação.

Aos 3-5 meses a criança esboça as primeiras tentativas de imitar as entoações do


discurso materno, respondendo com um balbucio sem significado semântico aos
diferentes tons de voz. A produção de sons parece ter já uma intenção e um esboço e
atitude expressiva.
Pelos 6-9 meses consegue reproduzir as primeiras consoantes labiais,
combinadas com vogais abertas (por exemplo: pa, ba, ma) embora ainda sem qualquer
significado. Aprende também a dar entoação diferente à sua voz, consoante está feliz ou
zangada.
Por volta dos 8-10 meses começa a conseguir repetir conjuntos de duas sílabas
que não têm ainda o valor de verdadeiras palavras, pois limitam-se à associação de dois
sons iguais, aos quais a criança não associa qualquer pessoa ou objecto.
Mas ao mesmo tempo, ela parece perceber já algumas mensagens verbais,
associando palavras a objectos e pessoas. Isto é, a linguagem receptiva está mais
desenvolvida do que a linguagem expressiva.
O suporte gestual do seu balbucio torna-se mais expressivo, dizendo “não” com
a cabeça, dizendo adeus ou apontando os objectos que quer designar.
Até aos 15 meses esta forma conjugada de comunicação (gesto+som) vai
diversificar-se, incluindo elementos silábicos cada vez mais aproximados a verdadeiras
palavras e com entoações extraordinariamente expressivas, de modo a demonstrar
claramente os seus desejos, as suas vontades e os seus interesses.
A idade em que a criança diz a primeira palavra com verdadeiro significado é
muito variável, mas habitualmente situa-se entre os 10 e os 15 meses.
Os jogos de expressão verbal e gestual, e a música cantada, proporcionam à
família momentos de grande prazer. Mas para além disso eles têm um papel
fundamental na aquisição do ritmo e da entoação do discurso verbal.
O entendimento da mensagem verbal aumenta exponencialmente no segundo
ano de vida.
Aos 18 meses aponta com facilidade os objectos mais familiares que lhe são
pedidos e algumas partes do corpo. Diz 5 a 20 palavras inteligíveis e imita o adulto
tanto nos gestos como na entoação.
Aos 2 anos a quase totalidade das crianças possui um vocabulário que lhes
permite designar os objectos mais familiares e utiliza palavras-frase (conjuntos de
sílabas que engloba na expressão de um desejo embora não contenham verbos, na
maioria dos casos).

Os primeiros dois anos de vida constituem uma etapa fundamental para a


aquisição da linguagem.
Entre os 2 e os 5 anos a linguagem sofre uma verdadeira explosão. Em
relativamente pouco tempo a criança adquire um nível de expressão linguística que lhe
permite fazer perguntas, exprimir desejos e intenções, descrever acontecimentos e até
contar histórias fantasiosas.
Isto porque ela adquire simultaneamente a capacidade de dizer os sons correctos
da língua falada (fonética), de juntar as palavras para formar frases (sintaxe) e de aplicar
as palavras correctas de acordo com o seu significado (semântica).
Apesar de ter um vocabulário relativamente extenso (50-200 palavras), ela
articula as palavras e as frases de um modo muito pessoal que muitas vezes só a família
consegue entender.
Ao falar de si própria, utiliza o próprio nome.
Associa geralmente duas palavras de uma ou duas sílabas para formar uma frase
a que dá a entoação necessária, para que seja compreendida (jana qué papa).
Poucos meses depois passa a designar-se por “mim”, começa a dizer os verbos
na 3ª pessoa do indicativo e no imperativo e já pronuncia alguns artigos. Elabora frases
simples de 2 ou 3 palavras, com um vocabulário cada vez mais extenso, e utiliza alguns
adjectivos.
À volta dos 3 anos aparece o eu marcando o inicio de uma nova etapa. A criança
toma definitivamente consciência de si própria, separada do outro, e com capacidade de
se relacionar e falar com ele.
Elabora frases simples, explicando-se bastante bem. Reproduz palavras de três
sílabas, embora com algumas trocas ou fusões de fonemas. Diz sempre os artigos e
começa a diferenciar o género das palavras e a dizer os plurais.
Faz perguntas a torto e a direito, durante todo o dia, repetindo vezes sem fim o
celebre “porquê?”, muitas vezes sem esperar pela resposta, num jogo verbal que chega a
desesperar os interlocutores. Ela tem necessidade de se assegurar que compreende e é
compreendida pelos adultos, e de mostrar as suas novas aquisições, num óbvio
reabastecimento afectivo.
É também por volta dos 3 anos e meio – 4 anos que a criança aparece algumas
vezes a gaguejar, deixando toda a família preocupada. Felizmente esta gaguez não tem
nada de patológico. A criança, entusiasmada pelas suas novas capacidades, fala muito
depressa, querendo dizer tudo o que pensa. Mas o problema é que não possui ainda a
capacidade de articulação verbal necessária e por isso “encalha” no início das frases,
repetindo espasmodicamente as primeiras sílabas, como se procurasse lembrar o que lhe
falta dizer.
Esta situação é mais frequente nos dias em que está mais excitada. Por isso é
conveniente que os pais não tentem, a toda a hora, corrigir, emendar ou antecipar as
frases, aumentando a ansiedade da criança e fazendo-lhe sentir uma dificuldade de que,
até aí, não se apercebia.
Na maior parte dos casos tudo passará naturalmente antes dos 5 anos, sem
qualquer tratamento.
Aos 4 anos de idade a criança adquiriu já a linguagem básica, utilizando frases
cada vez mais complexas e elaboradas, recheadas aqui e ali, de alguns atentados à
sintaxe.
Compreende muito bem os adultos e é capaz de fazer dois recados em série e
pela ordem indicada.
Fala ainda de um modo infantil, omitindo ou substituindo alguns fonemas, e tem
dificuldades em dizer algumas consoantes (R, L, CH, J).

A aquisição destas capacidades linguísticas depende, como é obvio, do meio


familiar, do seu nível cultural e da sua disponibilidade para comunicar verbalmente com
a criança.
A televisão e o vídeo tem vindo paulatinamente a preencher os tempos livres da
família, diminuindo drasticamente as oportunidades para conversar com as crianças. O
aperfeiçoamento qualitativo da linguagem tem sido prejudicado por essa invasão da
intimidade familiar, resumindo a comunicação verbal ao mínimo indispensável.
A entrada no Jardim de Infância pode também ajudar a criança neste aspecto. É
comum os pais aperceberem-se que a linguagem do seu filho melhora
extraordinariamente pouco tempo depois da entrada no Jardim Infantil. Isso deve-se à
diversificação de interesses, à acção educativa e ao contacto, sempre estimulante, com
crianças da mesma idade.
A leitura e dramatização de histórias e situações do quotidiano, os jogos de
palavras, as cantigas infantis, as lengalengas, as adivinhas, constituem, todos eles,
exemplos de actividades extremamente estimulantes para a linguagem expressiva.
O interesse crescente pelos livros de histórias, pela banda desenhada, pelos
jornais e revistas, por alguns (poucos) programas de televisão, fornecem-lhe as bases
para uma expressão mais rica e multifacetada.
A criança conta histórias fantasiosas com entusiasmo, vivendo aventuras
impensáveis e interpretando heróis imaginários, ao mesmo tempo que se identifica com
eles.
Procura chamar a atenção dos pais para os seus dotes, reunindo a família ao
serão, para ouvir e participar das suas criações.
Até aos 5 anos ela vai aprender a conjugar os verbos em quase todos os tempos,
incluindo o futuro e o conjuntivo, utilizando várias vezes a forma passiva nas suas
narrativas.
Consegue coordenar frases numa sequência quase lógica, pois adquiriu uma
linguagem basicamente correcta, com as principais regras gramaticais e uma articulação
verbal quase perfeita.

A capacidade de raciocino aumenta espectacularmente até aos dois anos de


idade. A aquisição da linguagem permite-lhe agora expressar mais facialmente os seus
pensamentos.

SIM-SIM, Inês (1998). Desenvolvimento da Linguagem. Universidade aberta.


Lisboa.

A importância da linguagem não carece de justificação; está de tal modo arreigada à


experiência do homem que é impossível imaginar a vida humana sem ela. Através da
linguagem recebemos, transportamos e armazenamos informação; usamo-la para
comunicar, organizar e reorganizar o pensamento.
Não nascemos a falar mas, em pouco tempo e sem esforço, tornamo-nos conhecedores
de um dos sistemas mais sofisticados e complexos que se conhece. A simples exposição
à língua da comunidade a que se pertence faz de cada criança um falante competente
dessa língua.
A capacidade natural para adquirir a linguagem não significa que o desenvolvimento da
mesma não seja influenciado pelas experiências de comunicação a que o aprendiz de
falante é exposto. Meios mais estimulantes proporcionam experiências de interacção
mais ricas. O reflexo da qualidade e quantidade das interacções manifesta-se em
diversos domínios linguísticos, nomeadamente no nível de vocabulário, no domínio de
regras específicas de uso da língua, na maior ou menor utilização de estruturas
complexas e no grau de distanciamento e reflexão sobre a língua de que se é falante.
Linguagem é um sistema complexo e dinâmico de símbolos convencionados, usado em
modalidades diversas para o Homem comunicar e pensar. Por sistema complexo
entende-se a arquitectura composta por um número finito de unidades discretas ( sons,
palavras) e por regras e princípios que governam a combinação e ordenação dessas
unidades, permitindo a criação de estruturas mais alargadas e, simultaneamente,
distintas das unidades que as integram. Os símbolos dizem-se convencionados porque
são representações do real, partilhadas por um determinado grupo social num contexto
específico. Quanto às modalidades, elas contemplam as vertentes oral e escrita do
sistema.

Independentemente das características específicas que a linguagem assume em cada


comunidade linguística (língua), a comunicação verbal é universal. Isto significa que
onde há homens há linguagem e que, portanto, compreender e transmitir informação
através de um sistema linguístico é inerente à condição do ser humano. Na sequência da
universalidade qualquer criança adquire a língua da comunidade a que pertence, basta
para tal que a ela seja exposta, isto é, que ouça falar à sua volta e que lhe falem. A
aquisição (natural e espontânea) da linguagem é uma capacidade da espécie humana,
independentemente da raça e da cultura de cada grupo social.

A linguagem é tão essencial ao contexto humano que é impossível conceber a vida sem
ela. É de tal modo poderosa que a partilha de um sistema linguístico nos agrega no
mesmo clube de falantes, onde quer que estejamos; permite-nos usufruir de experiências
que outros (distantes no espaço e no tempo) vivenciaram; proporciona-nos o trabalho e
o divertimento em grupo e facilita-nos as aprendizagens individuais e sociais.

Embora usada em sociedade, a linguagem não é uma invenção ou um ornamento


cultural, tal como não é um reportório de respostas que “aprendemos” para usar num
determinado grupo social. Antes deve ser vista como o resultado de um programa
existente no cérebro humano e que faz parte da nossa herança genética. É essa a grande
justificação para a similitude entre todas as línguas, para além da diversidade de cada
uma.
Na medida em que a linguagem é usada para comunicar e para pensar, todas as línguas
apresentam traços fundamentais comuns, isto é, universais: todas são complexas,
capazes de exprimir qualquer ideia; todas são mutáveis no tempo, portanto, passíveis de
evolução; em todas é possível expressar o passado, o presente, a negação, a interrogação
e a formulação de ordens; e em todas se constata a relação de arbitrariedade entreo o
som e o(s) significado(s) respectivo(s).

A grande riqueza do sistema linguístico está patente na criatividade (ou produtividade)


que ele permite. Utilizando um numero finito de unidades podemos produzir enunciados
completamente novos que, apesar de novos, serão percebidos por qualquer falante da
mesma língua.

Para além da criatividade, a arbitrariedade é outra importante propriedade da


comunicação verbal, cuja essência assenta na representação simbólica. A relação entre a
mensagem veiculada e os símbolos usados é, claramente, arbitraria. Com efeito, é por
mera convenção que, em Português, a cadeia de sons que origina a palavra adeus possui
o significado de despedida, ou que a expressão gosto de ti se associa a um sentimento…

Sendo por natureza um animal linguístico, o Homem torna-se capaz de receber


(compreender), transformar e transmitir (produzir enunciados formatados
linguisticamente) informação através da linguagem. Compreensão e produção são as
duas componentes implicadas no processamento da informação verbal.

A compreensão envolve a recepção e decifração de uma cadeia de sons e a respectiva


interpretação de acordo com as regras de um determinado sistema linguístico. A
primeira etapa da compreensão é, no caso da linguagem oral, a percepção da fala, que é
o processo de transformação de sons em fala; a segunda é a segmentação da cadeia
sonora, na base de unidades com significado, visando a decifração da mensagem. A
compreensão não ocorre se falante e ouvinte não dominarem o mesmo sistema
linguístico. É o que sucede quando ouvimos uma língua que desconhecemos. Na
medida em que não somos capazes de segmentar a cadeia fónica de acordo com as
unidades de significado dessa língua, não compreendemos o que nos é dito.
A produção diz respeito à estruturação da mensagem, formatada de acordo com
as regras de um determinado sistema e materializadas na articulação de cadeias fónicas,
na linguagem oral, na sequência de gestos na língua gestual dos surdos sou na
sequencialização de sinais gráficos, no caso da escrita.

A fala é a produção da linguagem na variante fónica, realizada através do


processo de articulação de sons, enquanto a escrita é a materialização da produção
linguística na forma gráfica.

A aquisição natural e espontânea da linguagem por parte das crianças, via


exposição, só se aplica à oralidade, que é universal e não carece de ensino; a mestria da
escrita, pelo contrário, requer ser ensinada, não estando, portanto, ao alcance de todos.

O sistema adquirido espontânea e naturalmente, e que identifica o sujeito com


uma comunidade linguística, constitui a língua materna desse individuo. É a língua
materna, na sua vertente oral, que é adquirida durante a infância. A aquisição implica a
apreensão das regras específicas do sistema, no que respeita à forma, as regras
adquiridas dizem respeito aos sons e respectivas combinações (fonologia), à formação e
estrutura interna das palavras (morfologia) e à organização das palavras em frases
(sintaxe). As regras referentes ao conteúdo (semântica) servem o significado das
palavras e a interpretação das combinações de palavras. Finalmente, as regras de uso
(pragmática) visam a adequação ao contexto de comunicação.

Crescer linguisticamente é adquirir mestria das regras de estrutura e uso que


regulamentam a língua do grupo primário de socialização que é a família, daí o termo
língua materna. A interiorização das regras da língua, que permite compreender e
produzir frases nunca ouvidas ou pronunciadas, reflecte o conhecimento intuitivo da
língua por parte do sujeito e que durante muitos anos foi designado por competências
linguísticas; ao uso dado esse conhecimento corresponde o desempenho linguístico do
indivíduo.

Desenvolvimento e aprendizagem

Ao considerarmos o desenvolvimento, estamos unicamente a dirigir a atenção


para o desenvolvimento da criança, o mesmo é dizer, a contemplar os padrões que
presidem às etapas e períodos cruciais que caracterizam o crescimento do ser humano. É
este o objecto de estudo da psicologia do desenvolvimento.
Exceptuando situações anómalas, o desenvolvimento percorre o mesmo trajecto
em todas as crianças, o que significa que, por exemplo, o gatinhar precede o andar e é
precedido pelo sentar-se, ou que, em termos de linguagem, a repetição de cadeias de
sílabas (lalação) é anterior à articulação de palavras isoladas que, por sua vez, precede a
produção de frases.

Para Piaget o desenvolvimento intelectual (cognitivo) evolui com a idade


passando por quatro fases qualitativamente distintas: o período sensório-motor (da
nascimento aos dois anos), o período pré-operatório (dos dois aos seis/sete anos), o
período das operações concretas (dos sete aos 11 anos) e o período das operações
formais (a partir dos 11/12 anos).

Pelo facto de sermos humanos herdámos o acesso “à essência da linguagem


humana…isto é…ao sistema de princípios, condições e regras que constituem os
elementos ou propriedades de qualquer língua”. (Chomsky, 1976) A apreensão e
mestria de uma língua específica requer, todavia, a imersão nessa língua, englobando a
exposição passiva (ouvir os outros a falarem entre si) e activa (a interagirem connosco).
Se a referida imersão ocorrer durante o período crucial a criança tornar-se-à um falante
competente. Às alterações no conhecimento da língua que ocorrem durante o período de
aquisição da linguagem chamamos desenvolvimento da linguagem.

Ao falarmos de aquisição da linguagem estamos a referir-nos ao “processo de


apropriação subconsciente de um sistema linguístico, via exposição, sem que para tal
seja necessário um mecanismo formal de ensino”.

A aprendizagem é o processo por meio do qual, e através da experiência ou da


pratica, de forma mais ou menos consciente, se instalam modificações no desempenho
do sujeito. Ao contrário da aquisição, a aprendizagem envolve a consciencialização do
conhecimento a apreender e um certo nível de explicitação e análise de quem ensina.
Como exemplo contrastantes de produtos resultantes de aquisição e de aprendizagem
temos a aquisição da linguagem oral versus a aprendizagem da linguagem escrita, ou de
uma língua estrangeira.
Embora exista uma grande interacção entre aquisição e aprendizagem, de tal
modo que a maioria das realizações humanas resulta da confluência destes dois tipos de
processos, é possível identificar características diferentes nos produtos resultantes de
cada uma das vias; os obtidos por aquisição são mais fluentes e automáticos, enquanto
os resultantes da aprendizagem reflectem níveis superiores de consciencialização na
apreensão do conhecimento. De facto, mais facilmente explicamos como aprendemos a
ler do que como começámos a falar.

Linguagem e Aprendizagem

Se é verdade que a linguagem é um produto da evolução da espécie humana, não


é menos verdade que é também factor e motor de desenvolvimento do homem. Através
dela expressamos a nossa identidade, cooperamos, trocamos experiências,
representamos simbolicamente o real, transferimos a informação de e para outros
tempos e lugares. A linguagem é, portanto, um meio de conhecer, de organizar e até de
controlar a realidade; por seu intermédio formatamos experiências, pensamentos e
emoções, acedemos ao poder, exercemo-lo e parilhamo-lo, ao mesmo tempo que
reclamamos direitos.

A especificidade do sistema linguístico do grupo social a que pertencemos e o


uso que dele fazemos identificam-nos com o grupo de pertença, na medida em que cada
grupo, mais alargado ou mais restrito, gera um discurso particular, partilhado por todos
os elementos que o integram. Ao adquirir a linguagem, a criança apropria-se do discurso
do grupo primário de socialização (a família), embora não se esgote aí o respectivo
crescimento linguístico.
O desenvolvimento da linguagem inicia-se, portanto, num contexto restrito,
atingindo-se níveis consideráveis de mestria nos primeiros anos de vida; o alargamento
do grupo social, com a entrada na escola e a exposição a contextos mais alargados,
favorece o enriquecimento linguístico da criança e proporciona-lhe o conforto com
formas e usos específicos dos grupos a que vai tendo acesso. Quanto mais alargada e
diversificada for a experiência, maior a possibilidade de discutir, apreciar e obter o
significado do que lhe é dito pelos outros e, simultaneamente, actuar na base do que
compreende.
A linguagem oral com que a criança chega à escola é a base da linguagem escrita
com que passará a confrontar-se. A modalidade escrita da língua representa um salto no
crescimento linguístico, não só pelo que possibilita de reflexão sobre o conhecimento já
adquirido, mas também pelas novas portas de acesso à informação. Compreender e
produzir linguagem escrita ultrapassa a simples mestria técnica de transformar o oral em
escrito ou vice-versa; o domínio do discurso escrito aumenta as possibilidades de
conhecimento e potencializa a criatividade e a competência critica individual,
contribuindo para a transformação do circulo social e cultural a que se pertence. É este o
verdadeiro âmago do conceito actual de literacia, vista como “ a capacidade de utilizar
diferentes formas de material escrito, com um nível de eficiência que permita a
resolução de problemas do quotidiano e possibilite o desenvolvimento do conhecimento
pessoal e das potencialidades do indivíduo.” (Sim-Sim, 1995).

Uma boa mestria das vertentes oral e escrita da língua é cada vez mais essencial
no desempenho da maioria das profissões actuais e uma fonte determinante na educação
permanente. Daí a responsabilidade da escola no crescimento linguístico de todos os
alunos.

Nos primeiros tempos de vida as experiências linguísticas dizem apenas respeito


ao contexto, isto é, ao aqui e agora; a criança ouve falar e fala do que está a acontecer
ou do que acabou de acontecer. À medida que o vocabulário aumenta e se complexiza a
estrutura frásica, dá-lhe a libertação do contexto imediato e, progressivamente, o
aprendiz de falante começa a usar a linguagem como forma de tornar presentes
acontecimentos que tiveram lugar no passado ou que poderão ocorrer no futuro. A
linguagem emancipa-se do imediatismo que a caracteriza no início do desenvolvimento.
O cerne da capacidade produtiva do homem assenta na curiosidade inata para
explorar o meio que o rodeia; a linguagem, através da possibilidade de formular
questões, identificar assuntos, colocar problemas e procurar respostas, torna-se o
principal instrumento da curiosidade.

Porque a meta é comunicar com eficiência, deverá ser apresentada às crianças,


de forma explicita, a importância do uso de uma linguagem clara, fluente e atraente,
assim como a necessidade de saber prestar atenção ao que é dito, identificando e
separando o essencial do acessório.
Ouvir falar é uma importante porta de acesso ao conhecimento e um instrumento
importante na interacção verbal, o qual implica a mobilização de uma cadeia de
processos interligados que incluem a atenção, o reconhecimento e a interpretação de
cadeias sonoras de símbolos pronunciadas por outrem. Escutar não é, de modo algum,
uma actividade passiva; negligenciá-la é esquecer o peso percentual e o valor
informativo que desempenha como veículo da comunicação diária e das aprendizagens.
Saber escutar pressupõe, antes de mais, prestar atenção ao que é dito, seguir a
mensagem do interlocutor, identificar com clareza o essencial da mensagem e
determinar o acessório.

A linguagem não pode ficar reduzida à mera expressão de opiniões, devendo ser
progressivamente usada como uma via exploratória do conhecimento, da curiosidade e
da criatividade do aluno.

A linguagem como comunicação verbal, é um sistema complexo de símbolos e


regras de organização e uso desses símbolos, utilizada por todos os seres humanos para
comunicarem entre si, organizarem o pensamento e armazenarem informação.
O crescimento linguístico da criança obedece a uma evolução que se enquadra
dentro dos princípios genéricos do desenvolvimento humano e que se materializa em
aquisições geradoras de alterações qualitativas de desempenho. Tais alterações são
resultados da interacção entre a programação genética e a imersão num meio linguístico.

BASES BIOLOGICAS PARA A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Ao mencionarmos estruturas biológicas (anatómicas e neurológicas) não


estamos a assumir, de modo algum, a existência de um “órgão mental” responsável pela
linguagem, apenas queremos evidenciar que o funcionamento e a organização biológica
do ser humano são condições essenciais para que o homem seja um animal linguístico.

No que diz respeito às funções linguísticas, os dois hemisférios parecem ser


responsáveis por aspectos diferenciados do processamento da linguagem. É assim que,
na maior parte dos sujeitos, o hemisfério esquerdo se especializa na análise estrutural do
material linguístico (realização fonológica, morfológica e sintáctica) e o hemisfério
direito é responsável pela representação global mais ligada a aspectos semânticos, à
entoação e à expressão facial.

Foi o estabelecimento da relação entre o aparecimento de graves perturbações


articulatórias e de um discurso sem coerência gramatical e a existência de uma lesão
cerebral no lobo frontal do hemisfério esquerdo que levou Broca a apontar uma
determinada zona cerebral como associada à produção linguística. A referida zona
passou a denominar-se área de Broca. Posteriormente em 1874, Wernicke localizou uma
outra região no lobo temporal esquerdo, cuja situação lesional provoca situações de
compreensão linguística deficitária com produção de um discurso gramaticalmente
correcto mas sem significado. Por analogia, esta região passou a ser conhecida como
área de Wernicke. A identificação destas áreas com responsabilidade no processamento
linguístico não invalida a participação de outras unidades com diferente localização no
sistema.

A relação entre a maturação de zonas do cérebro envolvidas no processamento


da linguagem e as aquisições linguísticas aponta no sentido da hipótese de um período
crucial para a aquisição da linguagem. Durante esse período, que termina por volta da
puberdade, a apreensão do sistema linguístico é rápida, sem esforço e não necessita de
ensino formal; por mera exposição, a acriança torna-se um falante fluente da língua a
que é exposta. As alterações fisiológicas que ocorrem na puberdade parecem influenciar
a capacidade de apreensão natural da linguagem, dai que seja muito mais difícil para um
adulto do que para uma criança dominar uma nova língua.

Os grandes marcos de desenvolvimento pré-linguístico (palreio, lalação,


discriminação de padrões acústicos), o aparecimento das primeiras palavras, o rápido
crescimento da linguagem nos primeiros 4-5 anos de vida e o refinamento da mestria
sintáctica até à puberdade parecem estar intimamente relacionados com a maturação
neurológica (desenvolvimento e especialização cerebral) que decorre durante o período
da infância. Linguagem (capacidade e desenvolvimento) e cérebro humano (maturação
e especialização) parecem estar inequivocamente relacionados, o que faz do homem um
animal linguístico.
Parece não restarem hoje dúvidas de que a aquisição da linguagem é o resultado
de um programa (porventura especifico) que nos é transmitido geneticamente. A
materialização de tal programa parece, contudo, não ser possível se a criança não
crescer imersa num ambiente em que as trocas linguísticas ocorram, isto é, onde falem
com ela e à sua volta.

Através da voz o ser humano produz inúmeros sons. Ao nascer a criança chora,
meses depois entra numa fase de palreio, posteriormente repete sílabas e finalmente
produz palavras, as quais são cadeias de sons a que se atribui um significado. O
desenrolar deste processo que termina na articulação correcta de todos os sons da língua
materna do sujeito, é o que poderíamos chamar o desenvolvimento fonológico.
De todos os domínios do desenvolvimento linguístico, o fonológico é aquele que
mais rapidamente atinge a mestria adulta. Realmente, ao entrar na escola, a maioria das
crianças articula correctamente todos os sons e combinações de sons da língua materna
e quando tal não sucede deverá ser sinal de alerta para pais e professores. A imaturidade
articulatória não sendo sempre indicadora de problemas graves, pode, se não lhe for
prestada atenção devida, resultar em dificuldades escolares, nomeadamente na
aprendizagem da leitura e da escrita.

O primeiro ano de vida do bebé representa um período muito importante para o


desenvolvimento da linguagem, embora durante ele a criança possa não ter ainda
pronunciado uma única palavra. Este período, a que alguns linguistas chamam pré-
linguístico, caracteriza-se pelo lançamento das bases da comunicação entre o bebé e os
que o rodeiam, pelo inicio da vocalização e pelo desenvolvimento das capacidades de
discriminação que tornam possível a diferenciação dos sons da fala humana.
A percepção da fala é o primeiro degrau na compreensão da linguagem. As
vibrações sonoras produzidas pelo falante chegam ao ouvido do ouvinte e o sistema
auditivo traduz essas vibrações em cadeias de sons que são percebidas como fala. A
investigação tem mostrado que o bebé começa por discriminar na base das propriedades
acústicas dos sons e só posteriormente detecta as diferenças de cariz fonético presentes
na sua língua materna. A esta salto corresponde a atribuição de significado à produção
sonora, ou seja, a entrada no período linguístico.
A aquisição fonológica (nas vertentes de discriminação e produção) é muito
rápida, quando comparada com outros domínios da linguagem. Com efeito, por volta
dos cinco/seis anos a criança já atingiu a maturidade articulatória e, anteriormente, pelos
três/quatro anos é capaz de discriminar os sons que pertencem ou não à respectiva
língua materna.

O processo de discriminação:
A criança chega a este mundo geneticamente equipada para ouvir e produzir a
fala humana, o que não significa que nasça a falar. De uma forma muito simples
podemos dizer que os mecanismos periféricos essenciais à percepção (aparelho
auditivo) e à produção da fala (aparelho fonador) estão presentes na altura do
nascimento, embora os desempenhos funcionais fiquem muito aquém do nível adulto.
Vivemos bombardeados por estímulos que constantemente nos chegam aos
chamados órgãos dos sentidos; são eles os primeiros receptores da informação que nos
rodeia. A recepção dos estímulos pelo organismo é a primeira etapa de um processo
cognitivo, cujo produto final é o conhecimento humano. Nem toda a informação que
nos cerca é percebida, isto é, interpretada pelo organismo; tal facto tanto pode ficar a
dever-se às características do estímulo como ao funcionamento do sistema de
processamento. À informação percebida chamamos percepção, a qual é caracterizada
pelo órgão dos sentidos que foi a porta e o veículo de transmissão. No que respeita aos
sons, trata-se da percepção auditiva, a qual envolve o processo de detecção de sinais
acústicos e o reconhecimento das respectivas características, como a frequência, a
intensidade, a sequencia de ocorrência, etc. São as aptidões perceptivas que permitem o
reconhecimento da existência de estímulos, neste caso sonoros, e dos respectivos
parâmetros. À capacidade para detectar a presença de um estímulo e de diferenciar entre
dois estímulos chamamos discriminação.
A recepção da fala é realizada através da percepção auditiva, a qual como
dissemos, permite detectar sons no ambiente. Na origem dos sons estão vibrações que se
propagam por meio de ondas através do ar, as quais pressionam a membrana do tímpano
que, por sua vez, origina actividade nervosa que resulta em audição.
A percepção dos sons da fala é o primeiro passo na compreensão da linguagem
oral. Através deste processo, as vibrações sonoras são traduzidas em sequências de sons,
que surgem ao ouvinte como unidades com significado. O acesso ao significado implica
a discriminação de sons; é, contudo, importante realçar que a capacidade de diferenciar
(discriminar) auditivamente os sons da ala não envolve obrigatoriamente a relação
som/significado, presente na realização linguística. A actividade que se segue tem como
objectivo proporcionar ao leitor a consciencialização da percepção da fala.
Em termos genéricos importa salientar que, desde a recepção do sinal acústico
até à compreensão da mensagem, se seguem várias etapas no tratamento da informação,
as quais se processam a grande velocidade. Assim, o ouvinte começa por receber os
sons da fala produzidos por outrém; retém a representação sonora, por segundos, na
memória de curto prazo; procura e localiza o significado da sequência de sons
(palavras) na memória de longo prazo, organiza e representação sonora em frases ou
constituintes de frases; combina as frases e obtém o significado do enunciado
produzido; e esquece as cadeias de sons, as palavras e as frases, guardando somente o
essencial da mensagem (Martin, 1983).
A distinção dos sons, ou seja a discriminação auditiva é, na sua essência, um
processo de diferenciação. Para que tal possa acontecer, o sujeito tem que ser capaz de
prestar atenção, ou seja, concentrar a actividade mental nas particularidades do estímulo
em presença, retendo a informação recebida na chamada memória sensorial.
É devido à memória sensorial que algumas características do estímulo são
conservadas, mesmo depois do estímulo ter desaparecido.
Um outro aspecto também importante na discriminação diz respeito à
capacidade para identificar estímulos sensoriais, organizados em arranjos mais ou
menos complexos; é o chamado reconhecimento de padrão, cuja função é transformar a
informação bruta e isolada e identificá-la como parte de uma cadeia já existente na
memória.
Como atrás dizíamos, os mecanismos periféricos essenciais à percepção da fala
estão presentes na altura do nascimento; a não completa funcionalidade parece ficar a
dever-se à imaturidade neurológica materializada em lacunas de atenção, de memória e,
consequentemente, de capacidade de discriminação. O desenvolvimento das
potencialidades discriminativas que nos permitem reconhecer os sons da língua da
comunidade onde crescemos é a “password” indispensável para se ser admitido no clube
dos falantes.

A percepção auditiva, que possibilita a detecção de sons do ambiente, é a


essência de todo o processo de discriminação da fala.
Embora haja registos de reacções a estímulos sonoros antes do nascimento, o
conhecimento que temos actualmente sobre o funcionamento auditivo do feto é ainda
diminuto e pouco detalhado. Contudo, a confirmação de tais reacções por investigações
realizadas neste domínio e o facto de bebés prematuros de tempo nascerem a ouvir são
provas irrefutáveis da operacionalidade funcional da audição, antes mesmo do
nascimento. Embora o sistema auditivo se encontre funcional, a imaturidade cortical e a
coordenação ainda deficitária dos hemisférios cerebrais impossibilita o recém-nascido
de integrar (codificar) convenientemente os sons que o rodeiam.

Entre os nove e os treze meses assiste-se a uma alteração significativa no


domínio do processamento auditiva da fala, manifestada na capacidade de compreensão
do significado de sequências fonológicas em contexto. Este é um momento de mudança
significativa que marca o fim da etapa pré-linguística.
O funcionamento auditivo adulto, no que respeita à discriminação, é atingido
rapidamente. Com efeito, por volta dos trinta e seis meses de idade o processo de
desenvolvimento da discriminação está terminado. Após essa idade, começam a surgir
indicadores da capacidade de manipulação dos sons da língua, para além da função
comunicativa. São os jogos de rimas, as palavras conscientemente inventadas e as
actividades de reconstrução e segmentação silábica. É o início do acesso à consciência
fonológica que já provou ser de grande relevância na iniciação à leitura.

O aparecimento das primeiras palavras é por muitos considerado o final do


período pré-linguístico e a entrada no período linguístico.

O período pré-escolar (0-5 anos) é considerado como um tempo de rápida


aquisição lexical e conceptual. Entre os dezoito meses e os seis anos, a criança
acrescenta por dia, em média, nove palavras ao seu vocabulário (Gelman, 1979). É esta
rapidez de aquisição que a faz chegar à escola com um domínio lexical em língua
materna.
Aprender uma nova palavra implica emparelhar uma sequência fónica específica
com um significado preciso. O significado transmitido pela cadeia de sons expressa um
conceito. Quando o conceito e os sons se casam formam-se uma palavra. Conhecer uma
palavra é, assim, reconhecer simultaneamente uma sequência de sons e o seu significado
particular.
As palavras representam os objectos a que se referem e, simultaneamente, a
classe a que estes objectos pertencem. Contudo, o significado das palavras só ganha
existência no mundo dos falantes de uma determinada língua, não no mundo dos
objectos. A palavra é um símbolo que representa uma realidade, sendo, por isso,
simbólica a relação entre a palavra e a realidade a que se refere, quer ela seja o conceito
ou apenas uma entidade desse conceito.

Franco, M.; Gil, T. & Reis, M. (2003). Domínio da Comunicação,


Linguagem e Fala: Perturbações Especificas de Linguagem em contexto escolar.
Ministério da Educação:

Comunicar é um processo interactivo, desenvolvido em contexto social,


requerendo um emissor que codifica ou formula a mensagem e um receptor que a
descodifica ou compreende. Implica respeito, partilha e compreensão mútua.
Requerendo uma complexa combinação de competências cognitivas, motoras,
sensoriais e sociais, a comunicação encontra-se relacionada com todas as áreas do
desenvolvimento.

O comportamento motor pode ser tão subtil como uma piscadela de olho ou uma
expressa facial, ou ser tão explícito como a palavra falada. Os “skills” cognitivos
envolvidos na comunicação incluem a memória de curto e longo termo e a capacidade
para estabelecer associações entre o símbolo e o seu representante. Quanto às
capacidades sensoriais (audição, visão, tacto…) estas permitem que a criança perceba
as tentativas de comunicação do outro, mostram-lhe a existência de outras pessoas com
quem comunicar e que qualquer evento pode servir de tópico para conversar, para
além de facilitar a compreensão das relações entre o símbolo e o seu referente (Nunes,
Clarisse, (2001). Aprendizagem Activa na Criança com Multideficiência, Ministério da
Educação, DEB-NOEEE; Lisboa).

Num processo de comunicação poder-se-ão utilizar, para alem da linguagem oral


materializada pela fala, outros modos de comunicação, nomeadamente a linguagem
escrita, o desenho, o gesto codificado, outros. A selecção individual do modo a usar
dependerá do contexto, das necessidades e capacidades do emissor e do receptor e da
mensagem que se pretende transmitir.
Linguagem é um sistema convencional de símbolos arbitrários e de regras de
combinação dos mesmos, representando ideias que se pretendem transmitir através do
seu uso e de um código socialmente partilhado, a língua.
A linguagem oral integra regras complexas de organização de sons, palavras e
frases com significado. Para além da sua estrutura e significado exige, também, um
propósito e uma intencionalidade. No processo de desenvolvimento da linguagem vão-
se adquirindo conhecimentos acerca da estrutura da língua, do código, através do qual a
mensagem pode ser expressa, e da função da mesma.
A aquisição da linguagem oral é realizada através de um processo interactivo
que envolve a manipulação, combinação e integração das formas linguísticas e das
regras que lhe estão subjacentes, permitindo o desenvolvimento de capacidades de
perceber a linguagem (linguagem compreensiva) e capacidades para formular/produzir
linguagem (linguagem expressiva). Este processo é determinado pela interacção entre
factores ambientais, psicossociais, cognitivos e biológicos.
Segundo Bloom e Lahey (1978, cit. In: Bernstein, Tiegerman, 1993), a
linguagem oral é uma combinação complexa de varias componentes, categorizadas a 3
níveis: Forma; Conteúdo e Uso.
Forma – nesta componentes incluem-se as regas de organização dos sons e as
suas combinações (fonologia); as regras que determinam a organização interna das
palavras (morfologia) e as regras que especificam a forma como as palavras serão
ordenadas e a diversidade nos tipos de frases (sintaxe).
Conteúdo – esta componente envolve o significado. Este significado poderá ser
extraído de forma literal ou não literal, dependendo de contextos linguísticos ou não
linguísticos.
Incluem-se as regras semânticas de organização que se estabelecem entre
palavras, os significados e suas ligações, bem como os mapas conceptuais individuais
que se vão criando.
Uso – é uma componente que engloba as regas reguladoras do uso da linguagem
e contextos sociais (pragmática). Há dois aspectos que fazem parte dessas mesmas
regras, que são: as funções/intenções comunicativas (isto é, se pretende
perguntar/responder; obter uma informação; ser clarificado, etc.) e a escolha de códigos
a utilizar (os interlocutores utilizam o mesmo código para que a descodificação da
mensagem se torne efectiva).
Nesta componente há que ter em conta alguns factores inerentes às regras de
uma conversação, nomeadamente a organização das conversações, as iniciativas
comunicativas e o manter a conversação, o aprender a “tomar e dar a vez”, o responder
apropriadamente e ter uma narrativa coesa.

As componentes da linguagem não são entidades distintas, existindo uma


verdadeira inter-relação entre elas.

A linguagem escrita é um sistema simbólico que surge na sequência do


desenvolvimento da linguagem oral, pelo que se considera um segundo sistema
simbólico que se subdivide num subnível receptivo (leitura) e num subnível expressivo
(escrita).
Ao contrário da linguagem oral, a linguagem escrita não se desenvolve de forma
espontânea e universal necessitando do recurso ao ensino formal para o
desenvolvimento de competências relacionadas com a extracção de significados de
cadeias gráficas (leitura) e com a produção de cadeias gráficas dotadas de significado
(expressão escrita).

Se nos centrarmos nos processos envolvidos na leitura verificamos que estes


incluem a descodificação de símbolos gráficos (grafemas-letras) e a sua associação
interiorizada com componentes auditivas (fonemas) que se lhe sobrepõem e conferem
significado, constituindo a sua aprendizagem uma relação simbólica entre o que se ouve
e diz e entre o que se vê e lê. (Cruz, Vítor (1999). Dificuldades de Aprendizagem
Fundamentos, Porto Editora, Porto)

O domínio da descodificação do material escrito compreende dois processos


principais, o visual e o fonológico, os quais, em conjunto, integram a componente
perceptiva associada à leitura.
O processo visual envolve as capacidades para discriminar, diferenciar
figura/fundo, reter sequencias e analisar um todo nos seus elementos componentes, bem
como a sintetização dos mesmos numa unidade total. O processo fonológico envolve as
capacidades para discriminar sons, diferenciar sons relevantes dos irrelevantes,
memorizar sons, sequencializá-los na ordem adequada e sintetizar os sons que compõem
as palavras. (Casas, 1988, cit. in: Cruz, 1999)
A compreensão do material escrito resulta da regulação feita pelo leitor no
âmbito da interacção que se estabelece entre a informação previa que este detém e a
proporcionada pelo texto, podendo subdividir-se em dois tipos: compreensão literal e
compreensão inferencial.
A compreensão literal diz respeito tanto à compreensão das palavras
individualmente como à do contexto onde elas são utilizadas, o que implica o
reconhecimento e memória dos factos estabelecidos, tais como, ideias principais,
detalhes e sequências dos acontecimentos (Cruz, 1999).
A compreensão inferencial diz respeito à reconstrução feita pelo leitor do
significado da informação lida, a partir da sua participação activa no relacionamento do
texto, tendo em conta a sua experiência e conhecimentos prévios.
A expressão escrita é uma aquisição relativamente recente da humanidade e a
ultima aquisição, no âmbito da hierarquia da linguagem, a ser desenvolvida pela
criança. Consiste num processo complexo de produção de comunicação escrita não se
tratando, tal como a leitura, de uma actividade de aquisição espontânea e natural
exigindo, por isso, um ensino explicito e sistematizado e uma prática frequente e
supervisionada (Sim-Sim,1999).
Na escrita é preciso ter em consideração quer a produção de palavras
(codificação) quer a produção de frases e de textos (composição). A produção de
palavras é um requisito necessário, mas não suficiente, para a composição de textos,
uma vez que, enquanto na codificação existe uma transformação da linguagem em
símbolos, na composição ocorre uma transformação do pensamento em linguagem
(Citoler, 1996, cit in Cruz, 1999).
Nos sistemas alfabéticos, a escrita de palavras isoladas implica não só o
conhecimento das regras de correspondência dos fonemas em grafemas, que permite a
conversação de uma cadeia fonológica nos grafemas que a representam, como também
o conhecimento das regras ortográficas, que possibilita aceder a uma escrita correcta
dessas palavras.
A escrita de textos, por seu lado, pressupões a escrita de frases ajustadas a regras
e estruturas gramaticais próprias da língua em que se escreve, ao mesmo tempo que
pressupõe o focalizar a atenção em variáveis essenciais a uma eficiente produção
escrita, tais como, o assunto, o interlocutor, a situação e os objectivos a atingir.
O processo de consciencialização fonológica envolve capacidades de
segmentação e reconstrução segmental. A segmentação conduz à analise dos segmentos
do discurso, entendendo-se por segmento qualquer unidade linguística possível de ser
isolada (palavras, sílabas, fonemas). O processo inverso à segmentação é o da
reconstrução, através do qual se tornam a encadear os segmentos isolados. A
consciência fonológica está directamente relacionada com a aprendizagem da leitura.

Fonseca, Vítor da (2004). Dificuldades de Aprendizagem: abordagem


neuropsicológica e psicopedagógica ao insucesso escolar. Âncora Editora: Lisboa

Na aprendizagem humana, os factores psicobiológicos internos (da criança)


encontram-se, permanente e dialecticamente, em interacção com os factores situacionais
externos (da escola, do professor, etc).

Cada criança deve ser avaliada nas suas possibilidades ou facilidades (abilities) e
nas suas dificuldades (disabilities). Não há dúvida de que a partir daqui podemos
organizar métodos, técnicas, materiais e processos que obviamente se terão de ajustar às
necessidades educacionais (perceptivas, linguísticas, simbólicas e cognitivas)
específicas das crianças.

Noutras palavras, a percepção é indissociável da resposta motora – “não


podemos pensar em actividade perceptiva e em actividade motora como dois aspectos
diferentes.

Para Samuel Orton, a lentidão na aquisição ou a disfunção da dominância


hemisférica podem provocar atrasos e dificuldades na aprendizagem da leitura,
suportando a necessidade de uma maturação e de uma hierarquização na dominância
hemisférica e na preferência manual.

Sem ter adquirido uma dominância hemisférica, a criança pode experimentar


uma grande confusão, e portanto dificuldades na aprendizagem da leitura. Estas
afirmações de Orton são hoje incontestáveis, visto saber-se que a mielinização do
hemisfério esquerdo se inicia por volta dos seis anos, sendo posterior à do hemisfério
direito, o que põe em relevo o papel preventivo e facilitador da psicomotricidade na
obtenção da lateralidade, principalmente quando tal intervenção é assegurada no
período pré-primário.

As expressões emocionais e gestuais, de raiz instintiva, iniciam-se muito cedo no


desenvolvimento do Homem (de forma quase idêntica à dos animais); porém, a
linguagem simbólica é muito mais complexa e depende quase sempre da socialização.
A linguagem falada na raça humana surge sempre antes da linguagem escrita. De
facto, para Orton a “linguagem simbólica é uma série de sons e de sinais que servem
para substituir objectos e conceitos, podendo ser utilizadas para transferir e transmitir
ideias”.
A faculdade da linguagem (language faculty) - e este aspecto foi o que mais
preocupou Orton – decorre de quatro estágios de desenvolvimento:
- Compreensão da linguagem falada;
- Sua reprodução;
- Compreensão da linguagem escrita;
- Sua reprodução.

A evolução da linguagem na criança começa a partir das lalações,


desenvolvendo-se à medida que o mecanismo motor da fala se vai integrando com os
centros auditivos, a fim de produzir ecos dos sons vocais dos outros (ecolalias), sem se
dar, todavia, a compreensão da sua significação. Mais tarde, a associação de sons a
objectos ou ideias que os representam vai-se operando em paralelo com a expansão do
vocabulário, desde os nomes até às frases, passando pelos verbos. Passará depois
gradualmente para estruturas da linguagem mais longas e mais complexas. Só por volta
dos seis anos a criança estará capaz de se adaptar a outros símbolos da linguagem,
iniciando, então, os processos da leitura e da escrita, que correspondem, segundo Orton,
à maturidade anatómica ou fisiológica da região do girus angular, verdadeiro centro da
leitura, ou centro privilegiado de associação neurossensorial, localizado no primeiro
sulco temporal do hemisfério dominante.

Através dos seus trabalhos de autópsia Orton confirmou os seguintes teoremas:


- A área da lesão é mais importante do que a quantidade de tecidos destruídos,
reforçando a importância das áreas críticas da linguagem;
- As lesões do hemisfério esquerdo são mais severas quanto aos problemas da
fala ou da leitura, enquanto as mesmas lesões no hemisfério não dominante não
provocam desordens na linguagem.

De facto só podemos considerar que ascendemos ao estudo do Homo sapiens a


partir do momento em que se domina um código visuofonético, que converte a
linguagem falada em linguagem escrita. Quando não atingimos esse nível
multissensorial simbólico, justificativo de toda a evolução humana, e no fim, de toda a
civilização, o nível de domínio da realidade é apenas o do Homo habilis.

Samuel Kirk e seus colaboradores, após 15 anos de experiência clínica,


produziram um dos mais importantes testes da história das dificuldades de
aprendizagem, o ITPA (The Illinois Test of Psycholinguistic Abilities). Sete anos mais
tarde, em 1968, publicou a sua nova edição, tendo introduzido correcções nos aspectos
mais susceptíveis de critica, mormente os estatísticos e os estudos de implicação
educacional e reeducativa.
O ITPA consta de 12 subtestes subdivididos segundo o modelo de comunicação
inspirado em Osgood 1957, que postula as seguintes aquisições cognitivas: canais de
comunicação (auditivovocal, auditivomotor, visuomotor, visuovocal, tactilomotor e
tactiloverbal); processos psicolinguísticos (receptivo, organizativo e expressivo) e níveis
de organização (representativo ou significativo e automático ou integrativo).
As funções testadas no nível representacional são as seguintes: recepção
auditiva, recepção visual, associação auditivovocal, associação visuomotora, expressão
verbal e expressão manual.
Quanto ao nível automático temos: completamento gramatical, completamento
auditivo, combinação de sons, completamento visual, memória sequencial auditiva e
memória sequencial visual.
O ITPA cobre as idades compreendidas entre dois; quatro e oito; nove anos e é
usado principalmente ara diagnosticar intraindividualmente as capacidades
psicolinguísticas. Pode ser utilizado em crianças com dificuldades de aprendizagem, em
crianças com deficiência mental, em crianças com lesões cerebrais mínimas e em
crianças com desordens perceptivas.
Seis funções ao nível representacional são avaliadas pelo ITPA.
Duas envolvem os processos de recepção (descodificação) auditiva e visual, isto
é a capacidade de captar a significação de palavras e de símbolos visuais.
Duas outras funções compreendem a associação auditiva e aassociação visual,
pondo em jogo uma relação de conceitos apresentados auditiva e visualmente.
As restantes funções ao nível representacional avaliam a expressão de conceitos
em termos verbais e em termos manuais.
As outras seis funções avaliam o nível automático e integram as capacidades
respectivas e expressivas, para além das funções de complemento de memória
sequencial auditiva e visual.
Para além destas situações, o ITPA inclui o complemento gramatical para avaliar
as redundâncias da linguagem oral na utilização da sintaxe e das inflexões gramaticais.
A combinação de sons (sound blending) está incluída na função de complemento.
Exactamente para avaliar a capacidade de sintetizar partes da palavra (sílabas).

Caldas, A. (2000). A Herança de Franz Joseph Gall: O Cérebro ao Serviço do


Comportamento humano. McGraw-Hill: Amadora.

Não podemos considerar que ao falar de linguagem oral estamos a falar num
sistema de comunicação finito e completo. Estamos, sim, a falar de parte de um sistema
de comunicação da espécie humana que tem características especiais. Este sistema
assenta na capacidade de produzir sons através de um aparelho próprio, que no Homem
se desenvolveu e que se designa por aparelho fonador. Esses sons vão impressionar um
órgão auditivo próprio, que no Homem também se aperfeiçoou adaptando-se
especialmente à recepção dos sons que se encontram no espectro das produções do
aparelho fonador. Este complexo sistema desenvolveu-se a par do desenvolvimento das
capacidades cognitivas, em geral, e, desta forma, dificilmente se descreve ou
compreende independentemente do conjunto que é o comportamento humano.

A linguagem sempre foi considerada pelos homens o traço mais distintivo da sua
natureza superior em relação às outras espécies. É natural, por isso, que pensamento e
linguagem se confundam e que seja dada a esta função um estatuto de superioridade.
A linguagem resulta de processos biológicos ocorrendo principalmente no
hemisfério esquerdo.
O processo inicia-se, naturalmente, nos sensores auditivos.

O sistema auditivo é constituído pelo ouvido e pelas vias auditivas que


conduzem a informação ao cérebro. Este sistema permite não só transformar ondas de
pressão aérea em sons identificáveis, mas também localizar o som no espaço.
O som, chegado a cada um dos ouvidos, em tempos ligeiramente diferentes, é
encaminhado para o ouvido médio graças à forma particular do pavilhão auditivo. O
ouvido médio não é mais do que um corredor de transmissão
Que termina na membrana do tímpano. E é esta que, ao vibrar por força do
embate das ondas de pressão aérea, transmite ao ouvido interno a informação para
começar a ser trabalhada. O ouvido interno é constituído por um arranjo particular de
ossículos que, vibrando de forma controlada, transmitem ao nervo auditivo os sinais que
serão conduzidos ao cérebro.
O aparelho auditivo começa desde muito cedo, no desenvolvimento da via
auditiva, a seleccionar a informação relevante para o indivíduo. Esta informação diz
respeito ao tempo de entrada da informação e à intensidade do som.
Os sons relacionados com a linguagem podem ser processados nos dois
hemisférios cerebrais, mas de forma diversa. Enquanto que no esquerdo o tratamento da
informação conduzirá à identificação das unidades de significação simbólica que
constituem a linguagem, sendo, por isso, possível reconhecer os respectivos conteúdos,
já o hemisfério direito está mais bem equipado para tratar a informação que conduz ao
reconhecimento da prosódia do discurso, ou à linha melódica de uma canção. A cadeia
de processamento desta informação começa muito cedo no desenvolvimento da via e,
por isso, a assimetria funcional é também muito precoce na cadeia de processamento da
informação.
No que respeita ao resultado final do tratamento da informação auditiva,
interessa ainda dizer que ele contribui para a formação da actividade cognitiva a dois
níveis distintos: o primeiro tem a ver com a descodificação de elementos sonoros das
coisas do mundo, contribuindo para a formação de conceitos; o segundo tem a ver com
a enorme importância que tem na génese do código simbólico de representação do
mundo e da sua transmissão interpessoal que é a linguagem.

Interessa lembrar que existe um córtex auditivo primário, na parte superior do


lobo temporal de ambos os hemisférios, córtex primário esse que está conectado com o
córtex de associação, onde é trabalhada a informação de forma mais orientada. É no
córtex de associação que o som é reconhecido como linguagem.
O tratamento da informação relacionada com alinguagem resulta
fundamentalmente da actividade do hemisfério cerebral esquerdo, não quer isso dizer
que seja exclusivo deste hemisfério, pois existem múltiplas operações que implicam
processamentos diversos para as questões da linguagem, dos quais alguns ocorrem do
lado direito do cérebro, apesar de que a maioria ocorrerá do lado esquerdo. Desta forma
toda a informação chegada ao córtex auditivo é encaminhada para o lado mais
apropriado, através do corpo caloso, para que seja processada.
No hemisfério esquerdo, o córtex de associação auditivo está organizado e
preparado para trabalhar a informação verbal; podemos mesmo dizer que é especifico da
informação verbal. Essa região recebe o nome de área de Wernicke.
Chegada a informação auditiva à área de Wernicke e, portanto, já trabalhado no
sentido de ser reconhecida como linguagem, podemos considerar terem já sido retiradas
e trabalhadas, provavelmente, informações respeitantes a algumas características do
som, como a analise do timbre e da sonoridade da voz.
A área de Wernicke participa na análise dos elementos da comunicação que
estão constituídos em palavras, isso é, toda aquela informação que é passível de ser
representada também em código escrito.

Para além da aquisição do conhecimento dos padrões sonoros e articulatórios,


aprende-se também regras de sequenciação, de tal forma que se cria o conceito de
plausibilidade das palavras no contexto da língua. Quer isto dizer que a sequências
sonoras que podem ser palavras e outras sequências que são impossíveis. Este processo,
que podemos designar por “competência fonológica”, tem uma idade própria para se
desenvolver; passado esse período, tudo se torna mais difícil.

A aquisição da linguagem é um mecanismo adaptativo que se desenvolve com


base numa estrutura neuronal na idade própria. Quando o tempo é diferente, os
mecanismos intervenientes são também diferentes e a competência nunca será adquirida
na sua totalidade.
As estruturas cerebrais envolvidas nestes processos mais elementares da
linguagem têm sido estudadas, e embora não haja uma concordância exacta das
localizações, o que resulta dos diferentes paradigmas experimentais utilizados nos
diferentes estudos, pode dizer-se que correspondem à circunvolução temporal superior à
área de Broca, possivelmente na zona superior do lobo temporal direito e aos gânglios
da base.
Temos estado a descrever as operações elementares respeitantes à entrada e à
saída de informação fonológica; porém, este processo tem de ser complementado por
mais alguns que interessa mencionar. Em primeiro lugar, é necessária a existência de
um sistema de memória, a memória de trabalho (Baddeley) que é descrita como a
capacidade de manter a informação activada durante o tempo suficiente para a
realização das operações elementares. Para além da memória de trabalho, todos os
mecanismos que contribuem para a organização de um contexto são indispensáveis, o
que pode restringir o campo de atenção. Finalmente, falámos do conhecimento das
regras da fonologia. Este conhecimento faz com que se esteja sempre a prever as
ocorrências seguintes, considerando as possíveis e excluindo as impossíveis ou
improváveis.
Temos assim um sistema capaz de interpretar sequências de som da linguagem
dividindo-as em segmentos a que atribui um significado.
Vamos agora considerar que se fez a identificação de uma sequência de fonemas
que constituem uma palavra. Nessa altura a palavra é reconhecida como tal e é, então,
enviada para o sistema e codificada agora de forma a ser possível chamar toda a
informação com ela relacionada. Este aparelho de análise inicial pressupõe, também, a
existência de mecanismos de memória de trabalho. À medida que a informação vai
entrando, vai sendo arquivada sequencialmente com marcação de tempo e de ordem, o
que permite identificar e evocar, sempre que necessário, os elementos que estão a entrar.
A palavra é reconhecida como palavra porque se regista um emparceiramento entre o
produto da descodificação e uma memória prévia. Esta memória prévia designa-se por
“lexical”. Ao activar a memória lexical, activa-se também aquilo que se designa por
“campo semântico” (conjunto de todos os elementos da experiência prévia do individuo
que têm a ver com a palavra que foi ouvida e compreendida). Isso dá ao indivíduo a
capacidade de associar o fruto desta descodificação auditiva a todas as memórias
prévias que têm a ver com a palavra que “entrou”. O novo contexto em que a palavra foi
ouvida cria, naturalmente, as condições para que nova informação aprendida seja então
incorporada no campo semântico. A formação do campo semântico é um processo
activo e constante; à medida que vamos apreendendo novas coisas, vamos modificando
os seus constituintes. Quando ouvimos uma palavra nova, ela fica ligada à informação
mais próxima, mesmo que esteja longe de haver uma relação entre ambas.
Na situação de produção de uma palavra num determinado contexto semântico, a
evocação deste conceito pressupõe a evocação de uma memória lexical que o simboliza.
Depois, tal como havia um aparelho que descodificava os elementos de significação,
consideramos agora a existência de um aparelho que codifica, com base na memória
lexical deste conceito, a sequência de actos motores necessários para produzir a palavra.
Os elementos de significação que foram isolados à entrada são equiparáveis aos
elementos de significação que vão agora servir de base para programar o acto motor.
Pensa-se que as regiões envolvidas nesta operação sejam regiões também do
hemisfério esquerdo, mas desta feita relacionadas com o sistema motor. Isto é, a porção
inferior da circunvolução frontal ascendente (mais próxima do rego de Sylvius)
associada à porção inferior da circunvolução parietal ascendente, onde se originam
movimentos e se recebe informação de sensibilidade dos músculos articulatórios. À
frente destas regiões encontra-se uma área que se tem convencionado chamar “área de
Broca” e que, muito provavelmente, terá a ver com processos de organização da
sequenciação dos fonemas na produção do discurso. Na profundidade do rego de
Sylvius encontra-se o córtex da ínsula, que participa, também, de forma significativa, no
processo articulatório.

Quando nos dispomos a estudar a linguagem nos doentes que sofrem lesões
cerebrais usamos técnicas de acesso à linguagem com provas específicas. As operações
básicas que podem ser realizadas são as que testam a capacidade de descodificação (por
exemplo: compreensão auditiva), as que testam a capacidade de codificação (por
exemplo: a denominação de objectos ou figuras) e as que estudam a ligação da
descodificação com a codificação (por exemplo: a repetição de palavras).

A mensagem produzida através da linguagem está enquadrada num conjunto de


regras de combinação com o léxico que permite dar um sentido às frases. Este sentido
resulta não só do significado sequencial dos elementos lexicais descodificados, mas
também da forma como estes se combinam. A forma de combinação é, também ela,
veiculada de significado.
A estrutura sintáctica do discurso pode ser comparada a um sistema organizador
do pensamento, e a sua explicitação em linguagem ser considerada uma função
executiva. Sendo estas funções dependentes do lobo frontal.

Chapman, R. (1996). Processos e Distúrbios na Aquisição da Linguagem. Artes


Medicas:

O ambiente fisico, os relacionamentos sociais, a natureza dos eventos e os


enunciados anteriores do discurso, tudo abrange o contexto, o conhecimento passsado e
presente do indivíduo sobre aqueles aspectos do contexto é o conhecimento de mundo
que é usado na interpretação de um dado enunciado. Para um ouvinte entender c sucesso
um enunciado, o conhecimento de mundo relevante ao contexto deve ser activado e
usado.
O conhecimento do mundo é consistentemente exigido para a compreeensão da
linguagem.
A linguagem não pode ser descontextualizada ; deve ocorrer num contexto.
Devido à falta de precisão ou indeterminação inerente à linguagem, o contexto é critico
para a compreensão precisa da intensão de um falante.
O contexto inclui não só o contexto fisico, mas também o contexto social, o
contexto do evento, o contexto afectivo e o contexto linguístico.

Prespectivas sobre o processamento linguistico:


Bohannon e Warrenleubecker (1989) descreveu 3 abordagens interactivas
básicas:
• A abordagem cognitiva de Piaget
• Uma abordagem interacionista social
• Uma abordagem de processamento de informação
Na prespectiva piagetiana, a criança constroi estruturas cognitivas, uitlizando
osprocessos de acomodação e assimilação. As estruturas de linguagem podem ser vistas
como soluções emergentes para o problema de mapear certos significados cognitivos
não-linguísticos e intenções sociais entre as formas linguísticas.
Embora a abordagem piagetiana tenha sido util para focalizar a atenção nas
interacções cognitivo-linguísticas, a abordagem não leva a prognósticos especificos
sobre as interacções dentro e através dos diferentes âmbitos da linguagem (isto é:
sintaxe, morfologia, semantica, fonologia e pragmática)
A alegação básica da abordagem de interacção social (ou abordagem
funcionalista) é a de que as estruturas de linguagem são vistas como um produto
derivado das funções sócio-comunicativas da linguagem. Essas regras podem se
desenvolver de simples associações de hábito e imitações aprendidos no contexto social.
O papel da mãe em fornecer à criança a experiência linguistica apropriada é enfatizado
pela abordagem de interacção social.
Da mesma forma que a abordagem piagetiana, a prespectiva de interacção social
não tem muito a dizer sobre os processos linguísticos e os relacionamentos entre esses
processos.
Uma abordagem de processamento da informação, com a sua óbvia ênfase em
processamento, é, e não surpreendentemente, a abordagem mais apropriada para se
conduzir pesquisa sobre os processos da linguagem. Um modelo de processamento de
informação de capacidade limitada, como inicialmente proposto por LaBerge e Samuels
(1974) foi descrita da seguinte forma:
“Durante a execução de uma habilidade complexa, é necessário coordenar
muitos processos componentes dentro de um periodo de tempo muito curto. Se cada
processo componente requer atenção, a execução da habilidade complexa será
impossivel porque a capacidadem de atenção será excedida. Mas se suficientes
componentes e suas coordenações puderem ser processados automaticamente, então as
demandas na atenção estarão dentro de limites toleráveis e a habilidade pode ser
executada com sucesso”.
Abordagens mais recentes de processamento de informação enfatizam um
processamento paralelo ao invés de em série.

A linguagem depende tanto de um sistema de produção como de um sistema de


perpecpção. Estimulação da linguagem como processo do desenvolvimento inicial da
fala, refere-se à experiência continua do infante com (em geral) uma língua específica.
O sinal auditivo é de suprema importância na crescente familiaridade do bebe com a
linguagem. No entanto, a resposta infantil às configurações auditivas da linguagem è
influenciada por factores como o contacto visual com os adultos que estão falando com
a criança.
É importante reconhecer que as primeiras exposições à linguagem falada
comumente envolvem uma combinação de estímulos auditivos, visuais e até mesmo
tácteis. Os jogos pais-criança frequentemente são executados com a fala. Gestos faciais
e manuais e contacto corporal no mesmo tempo. Deixas multisensoriais são, muito
provavelemnte, a norma em muito da estimulação da linguagem que os bebes recebem
dos seus pais.
À medida que o bebe começa a experimentar a vida, enormes mudanças são
feitas no sistema nervoso. Essas mudanças devem interagir com as experiências
sensoriais e motoras.

O desenvolviemnto cognitivo, a interacção social e a estimulação da linguagem


são altamente interactivos.

As trocas entre mãe e criança são um meio para a modelagem linguística, a pego
emocional e uma variedade de experiencias que fornecem estimulação sensorial e
motora.

Fala e linguagem sao apresentadas como entidades muito diferentes, com a fala
sendo apenas o resultado, ou a realização acústica de uma variedade de processos
linguísticos complexos. O termo linguagem é usado para representar o conceito de
sistemas arbitrários, mas convencionais, de simbolos para comunicação. Implica em
processos sognitivos e representacionais que resultam num input especifico para um
sistema de controle motor. O termo fala representa a forma falada da linguagem, que
envolve os processos de respiração, fonação, ressonância e articulação.
Essa separação da linguagem e da fala tem influenciado enormemente o nosso
pensamento sobre como produzimos enunciados verbais. Por ex. a linguagem e a fala
foram estudados, como actividades separadas, uma mental (linguagem) e outra fisica
(fala), que ocorrem de um modo linear. Os processos mentais, tais como selecção
lexical e formulaçãosintáctica, foram descritos como ocorrendo primeiro, resultando
numa “entrada” linguistica especifica para o sistema de controlo motor. Os processos de
controlo motor da fala foram descritos, portanto, como a conversão da entrada
linguistica em resultado acustico.
Contudo Stramel () in Chapman () refere que a linguagem e o controlo motor da
fala são sistemas interactivos e paralelos.
A suposição evidente dos modelos de formulação de linguagem adulta e modelo
de produção de fala adulta é que há um componente linguistico ou representaccional
que serve como entrada para um processo motor. Um começa onde o outro termina. Isso
implica numa divisão entre os mecanismos centrais e periféricos. Os processos centrais
envolvem formulação linguística, enquanto os processos periféricos envolvem a
activação de neurónios motores mais baixos, realimentação aferente e o movimento que
resulta na saida acustica.

Bouton, C. (1977). O Desenvolvimento da Linguagem. Moraes Editores: Lisboa

Economia e precisão, maleabilidade e eficácia, aptidão p traduzir todos os


matizes do pensamento, mm os mais imprevisíveis, são as qualidades únicas da
linguagem articulada humana.
A linguagem humana refere-se a acontecimentos próximos ou afastados no
espaço e no tempo e permite traduzir abstracções.

Qualquer estudo anatómico do cérebro começa pelo estudo das unidades


funcionais da célula de base: o neurónio.
Do ponto de vista anatómico, o neurónio é constituído por um corpo, cujo
protoplasma cerca um núcleo e o seu nucléolo. O protoplasma forma prolongamentos
curtos, a maior parte das vezes ramificados, os dendritos. Prolonga-se ele próprio por
um eixo protoplásmico regularmente calibrado, o axónio, que emite de espaços a
espaços ramos ou colaterais. Um estudo da contextura intima do neurónio revela a
presença de filamentos muito finos ou fibrilhas que devem desempenhar, segundo
certos especialistas, um papel essencial na transmissão do influxo nervoso.
Os corpos dos neurónios constituem a superfície exterior do cérebro ou córtex.
Os seus prolongamentos, axónios ou dendritos, formam as camadas interiores do
mesmo. A distinção entre substância cinzenta ou córtex e substância branca ou
infracortex, provém do facto de os prolongamentos neurónios, axónios e dendritos,
serem envolvidos por uma camada de mielina branca que os veste de que são
desprovidos os corpos celulares dos neurónios.
O cérebro funciona como um todo, de tal modo que uma lesão, numa zona
determinada, tem por consequência uma modificação do conjunto das suas
potencialidades funcionais.

O hemisfério direito pode descodificar muito correctamente mensagens de um


nível já muito elaborado de complexidade tanto semântica como sintáctica.

É necessário conhecer a criança para compreender a ontogénese da linguagem.


Esta parece realizar-se ao longo de três etapas essenciais, cujos limites intermédios são
relativamente arbitrários, mas cuja sucessão se impõe do ponto de vista cronológico:
• A pré-linguagem (até aos 12 ou 13 meses, por vezes 18 meses);
• A “primeira linguagem” (de 1 ano, 1 ano e meio até aos 2 anos e meio ou
3 anos aproximadamente);
• A linguagem (a partir dos 3 anos).
Se esta ordem é por natureza constante, o ritmo de progressão varia
consideravelmente de individuo para indivíduo. Deve igualmente assinalar-se que o
desenvolvimento verbal da criança repousa no conjunto do seu desenvolvimento
sensório-motor e cognitivo.

Pré-linguagem: a vinda ao mundo de todas as crianças é acompanhada por um


grito refelxo automático do início da respiração aérea que sucede às trocas de oxigénio
no meio intra-uterino, ou manifestação de um aprimeira, obscura descoberta da
realidade; as interpretações propostas não são inconciliáveis.
Durante semanas, os gritos e os vagidos da criança são, segundo os pais, uma
espécie de meio de comunicação rudimentar entre eles próprios e seu descendente. É
evidente que os gritos da criança aparecem frequentemente associados a estádios
fisiológicos de desconforto, senão de mal-estar, como a fome, a cólica, ou as irritações
cutâneas produzidas pela acidez das urinas ou das fezes. Mas , neste momento, é difícil
pronunciarmo-nos sobre a sua intencionalidade.
Pode-se admitir que, do ponto de vista fisiológico, o grito desempenha um papel
evidente na formação das coordenações sensório-motoras que precedem qualquer
tentativa da linguagem articulada.
Mas a atitude do meio orienta muito cedo a criança para a descoberta de um uso
particular desta actividade espontânea e primitivamente de natureza puramente
fisiológica.
O grito da criança não é à primeira vista um meio de comunicação, linguagem.
Transforma-se nisso pela intervenção do ambiente que o toma como sinal das
necessidades da criança. A criança nota então o efeito produzido pelos gritos, e grita
para produzir esse efeito.
Nesta etapa ocorrem também a lalação, balbuceio, ecolália que não têm
evidentemente um estatuto de linguagem para a criança, na medida em que esta
actividade não demonstra nenhuma ligação, ainda que temporária e acidental, entre o
som e o sentido. Estas actividades anteriores à linguagem favorecem, contudo, o
relativo domínio de uma coordenação e de uma produção voluntária de grupos já
complexos, consoante-vogal e vogal-consoante.

O fenómeno da ecolália traduz a presença de um substrato sensório-motor já


funcional, senão completamente amadurecido.

A criança começa então a esforçar-se por imitar o que apercebe no discurso dos
que a rodeiam.

A Primeira Linguagem: o contributo dos pais torna-se tanto mais eficaz, quanto
mais ajustado for o discurso à capacidade da recepção da criança. São alguns desses
enunciados simplificados que fornecem à criança o material sonoro com o qual vai
construir as suas primeiras palavras da linguagem articulada.
O aspecto social torna-se de dia para dia mais determinante.
Na maior parte das vezes, contudo, as crianças passam imperceptivelmente de
um ao outro dos dois estádios, de modo que a aquisição do vocabulário da primeira
linguagem se faz paralelamente ao desaparecimento dos elementos pré-linguísticos
estranhos ao sistema fonológico da língua modelo e referencial do adulto.
Nos dois casos, esta evolução do comportamento infantil supõe um trabalho de
integração intelectual que escapa à observação, mas cujos progressos são reflectidos
pelo desenvolvimento da sua aptidão para compreender o discurso de outrem.
Um facto permanece, a compreensão passiva precede a expressão activa.

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