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O USO DO DICIONÁRIO NA ESCOLA
Cacildo Galdino RIBEIRO
Maria Helena de PAULA
1. Aquisição lexical
A língua é um sistema de signos lexicais que sistematicamente
se organizam por meio de regras gramaticais. Por isso, para que
alguma pessoa domine uma dada língua, é necessário que aprenda
suficientemente esses dois campos linguísticos. Segundo Rey-Debove
(1984, p. 45):
Há duas maneiras de aprender uma língua. Uma, natural, por
tentativas cada vez mais aperfeiçoadas de comunicação que
chegam a conhecimentos memorizados dessa língua (competência
natural), como o da criança na família, e, nesse caso, pode-se
dominar perfeitamente uma língua sem se ser capaz de descrevê-la.
A outra, artificial e metalinguística, pela consulta de dois tipos de
obras descritivas conhecidas como indispensáveis e
complementares: a gramática e o dicionário.
Neste caso, o aprendizado natural é insuficiente para que o
falante consiga utilizar com competência o seu idioma tanto na fala
quanto na sua representação gráfica. Logo, a gramática e o dicionário
tornam-se ferramentas pedagógicas essenciais no ensino-
aprendizagem de alguma língua materna (LM). O aprendizado
natural, ou informal, se amplia no contexto escolar através das
diversas atividades de leitura e escrita; e ainda, conforme Rey-
Debove (1984, p. 45), a aprendizagem artificial se reforça nas
atividades comunicativas cotidianas, ou seja, o falante coloca em
prática o que aprendeu na escola quando fala com seus familiares,
amigos ou nos grupos sociais em que está inserido.
Já que as normas gramaticais e o léxico podem variar entre as
línguas, trataremos neste estudo somente da Língua Portuguesa (LP).
As normas gramaticais da LP são aprendidas e podem ser utilizadas
com eficiência por qualquer pessoa, desde que se dedique a aprendê-
las. A gramática nos condiciona ao uso padrão da língua, de modo
que suas regras são fixas e também findáveis, ao contrário do acervo
léxico, dinâmico.
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O léxico da língua é um sistema aberto e em constante
ampliação, expande-se de acordo com as novas descobertas
promovidas pelo homem, pelas mudanças nas relações dos grupos
sociais ou conforme o seu contato com a natureza. Novas palavras
são incorporadas ao léxico constantemente. “Só existe uma
possibilidade para um sistema lexical se cristalizar: a morte da língua.
Foi o que aconteceu ao latim. Se a língua, porém, continuar a existir
como meio de comunicação oral (e também escrito), seu léxico se
ampliará sempre” (BIDERMAN, 2001, p. 203). Igualmente, unidades
léxicas caem em desuso à medida que referentes por elas nomeados
deixam de fazer parte do cotidiano ou da memória cultural dos que
as usavam.
Consequentemente, é impossível que o falante de uma dada
língua natural saiba e memorize todo o seu léxico, inclusive com
competências para usá-lo plena e totalmente. Pensando assim,
compreendemos que o termo léxico pode ser utilizado para designar
duas situações: o léxico de uma dada língua, portanto, inventário
aberto e infinito, presente parcialmente nos dicionários; e o léxico do
falante, ou seja, vocabulário individual ou competência lexical, em
expansão conforme as necessidades diárias de comunicação, sem a
capacidade, porém, de conhecer e usar a totalidade do léxico geral da
língua.
Outra ferramenta bastante utilizada atualmente no ensino de
LP nas escolas brasileiras é o livro didático (LD), principalmente nas
escolas públicas, no primeiro e segundo segmento do ensino
fundamental. Além de o LD conter textos e exercícios para a
compreensão e aprendizado da leitura muito contribui na aquisição
lexical do aluno. Talvez, o LD seja a ferramenta que mais possa
estimular o aluno ao uso do dicionário. “Livros didáticos, dicionários e
outros materiais que dão suporte às atividades didático-pedagógicas
trazem para a sala de aula diálogos com a história, com a diversidade
social, com instituições nacionais e com experiências pessoais”
(COROA, 2011, p. 72).
Deste modo, temos duas ferramentas pedagógicas que se
complementam no processo de ensino-aprendizagem da LM, ao
passo que, evidentemente, o dicionário não pode desempenhar por
si só uma função isolada de ensino da língua e nem é esta a função
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dele, bem como o LD não tem o papel de uma obra lexicográfica.
Portanto, as duas obras são pedagógicas, com papéis distintos na
aquisição da LM, se complementam, mas cada qual com seu papel
específico.
É certo que o aluno aprende mais quando as aulas de LP são
interessantes e atraem a sua atenção. Assim sendo, de acordo com
Ilari e Cunha Lima (2011), os professores não devem propor listas de
palavras. Para a aprendizagem dos alunos ser significativa e
motivadora, educadores devem promover experiências fundadoras,
ou seja, realizar experiências concretas, dar exemplos práticos que
facilitem o entendimento do aluno sobre o significado, a grafia e em
que momentos podem utilizar as palavras que aprenderam. Afinal,
“[...] o contexto extralinguístico é um poderoso fator de aprendizado
do léxico, e sua ação se exerce, entre outras formas, pela presença
simultânea de palavras e objetos numa mesma situação de fala”
(ILARI; CUNHA LIMA, 2011, p. 23). Assim fazendo, é possível que o
ensino do léxico provoque um despertar nos alunos para as nuances
significativas e significantes da linguagem e seja um marco para
outras possibilidades de aprendizagens.
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Nas atividades de leitura, o uso do dicionário deve vir depois de um
primeiro empenho do leitor para valer-se dos limites do texto e do
contexto com o fim de identificar os sentidos atualizados. O
dicionário viria para confirmar as suposições levantadas ou informar
o que não foi possível prever nos primeiros capítulos de
interpretação. De qualquer forma, não se deve perder o texto de
vista. A procura no dicionário é de alguma informação pertinente a
determinado texto, de maneira que “o possível sentido” tem que
ser avaliado em referência ao texto da leitura. Todo esse jogo traz
para o centro do cenário o leitor: é ele quem avalia e quem se
decide por esse ou aquele sentido; evidentemente, conjugando seu
conhecimento de mundo, a informação do dicionário e os limites do
texto (ANTUNES, 2012, p. 146, destaque da autora).
Na ocasião da escrita, o dicionário é uma ferramenta que dá
autonomia ao aluno, permitindo-lhe escolher as palavras que melhor
correspondam ao conceito que se deseja aplicar no texto. Ocorre,
diferentemente da escrita, na situação de leitura, a utilização do
dicionário após a leitura do texto.
Na escrita, a confirmação ou a consulta dos significados é
possível durante a elaboração textual. Evidencia-se, nessa atividade
de consulta ao dicionário na produção textual, a maturidade do aluno
quanto ao uso do dicionário, pois alunos em fase de alfabetização ou
iniciantes no letramento não serão capazes de fazerem tais
pesquisas. Certamente, os alunos do segundo segmento do ensino
fundamental já possuem conhecimentos da língua e de consultas no
dicionário, ou deveriam possuí-los.
Reconhece-se, todavia, que pesquisas realizadas por alunos em
dicionários nem sempre são bem sucedidas devido à complexidade
das obras lexicográficas. O excesso de informações, incompatíveis
com a fase de formação do aluno, pode incorrê-lo a confusões
quanto ao significado da palavra pesquisada, ao contexto em que ela
pode ser usada, ou se tornar uma ação desinteressante para o aluno.
Deste modo, a proposta lexicográfica do dicionário deve estar
alinhada ao período de formação e conhecimento da língua em que o
consulente está, quando se trata de dicionário escolar.
Daí a necessidade da feitura de dicionários tendo em vista o
perfil do público consulente. Para Bugueño Miranda e Farias (2008, p.
131) “O dicionário escolar é um dicionário seletivo e sinsistêmico”,
pois, no processo de seleção das palavras excluem-se aquelas com
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pouca frequência e tenta-se dar conta de um universo vocabular
considerado ideal pela comunidade linguística a que se destina a
obra.
A elaboração de dicionários monolíngues para alunos do
ensino da Educação Básica (Fundamental I e II e Ensino Médio)
pressupõe uma atenção diferenciada quanto à macro e
microestrutura da obra, uma vez que a seleção vocabular, a clareza
das definições, a quantidade de entradas, os exemplos e abonações
são escolhidos e organizados a fim de atender às necessidades
linguísticas daquele público. Em consonância com Krieger
(2004/2005, p. 105),
[...] a elaboração varia e uma obra confiável requer uma proposta
específica, que leve em conta a adequação da informação ao
usuário visado, além evidentemente, de fundamentos científicos
que subsidiem a descrição e funcionamento das unidades lexicais.
Desde o ano de 2002, de acordo com o Plano Nacional do Livro
Didático (PNLD/2002), o governo tem se mostrado interessado pela
inclusão dos dicionários como material didático nas salas de aula.
Neste ano, o MEC distribuiu dicionários escolares aos alunos das
escolas públicas brasileiras, avaliados por uma comissão de
especialistas, os quais, depois de escolhidos pelos professores e/ou
secretarias de educação, foram distribuídos aos alunos (RANGEL,
2011). Contudo, os dicionários ainda não atendiam às demandas dos
alunos e professores devido ao desalinhamento entre obra e
consulente.
Logo, na ocasião do PNLD/2006 a atividade de avaliação dos
dicionários baseou-se em novas perspectivas acerca das propostas
lexicográficas que as obras deveriam ter para se adequarem às faixas
de formação dos alunos. Nas palavras de Rangel (2011, p. 47), os
critérios avaliativos dos dicionários estavam:
[...] em sintonia com os instrumentos oficiais que regulam o ensino
de língua materna no país, elegeu o português brasileiro e a língua
contemporânea como os objetos por excelência dos dicionários
escolares pretendidos. Privilegiou-se, assim, a variedade linguística
efetivamente falada (e escrita) tanto pelo alunado quanto pelos
professores, ao mesmo tempo em que se orientou a descrição
lexicográfica para referências e técnicas menos comprometidas com
a tradição. Além disso, e em decorrência da decisão anterior, foram
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descartados os dicionários que, mesmo se apresentando como
dicionários do português, são, em sua origem, obras estrangeiras.
As obras lexicográficas avaliadas e escolhidas para o
PNLD/2006 formaram três tipos diferentes de acervos, tendo em
vista o tamanho da nomenclatura e o nível de escolarização dos
alunos. Cada sala de aula recebeu, do MEC, respectivamente o acervo
que lhe foi direcionado. A proposta era de que cada sala tivesse um
acervo composto por tipos diferentes de títulos para atender melhor
às pesquisas dos alunos e instigar nos professores e alunos o
desenvolvimento da proficiência em consulta (RANGEL, 2011).
Rangel (2011, p. 50) nos apresenta a organização dos
dicionários, adaptada na tabela a seguir:
PÚBLICO-ALVO ACERVOS ENSINO ENSINO
FUNDAMENTAL DE FUNDAMENTAL DE
OITO ANOS NOVE ANOS
Turma em fase de Acervo A: 1ª e 2ª séries 1º ao 3º ano
alfabetização composto por
dicionários de
tipo 1 e 2
Turmas em Acervo B: 3ª e 4ª séries 4º e 5º anos
processo de composto por
desenvolvimento da dicionários de
língua materna tipo 2 e 3
Turmas em Acervo C: 5ª a 8ª série 6º ao 9º ano
processo de composto por
desenvolvimento da dicionários
proficiência em tipo 3
leitura e escrita
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Tabela – Composição do acervo lexicográfico
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PNLD/2006, junto ao acervo do PNLD-Dicionários/2012 foi incluída
uma publicação (BRASIL, 2012) que aborda questões referentes ao
uso do dicionário, apresenta atividades que podem ser realizadas nas
salas com os acervos e informações que dizem respeito a
nomenclaturas pertinentes à lexicografia.
Os novos dicionários estão organizados conforme adaptação
apresentada na tabela seguir (BRASIL, 2012):
Tipos de Dicionários Séries a que foram destinados
Dicionário tipo 1 1º ano do Ensino Fundamental
Dicionário tipo 2 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental
Dicionário tipo 3 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental
Dicionário tipo 4 1º ao 3º ano do Ensino Médio
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Tabela – Composição do acervo lexicográfico
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de leitura e escrita, assentadas prioritariamente em textos, é possível
fazer com que o aluno associe um signo léxico a um referente
(imagem, objeto, sentimento ou ação). Em outras palavras, o
professor estará associando o linguístico ao extralinguístico e
instaurando a possibilidade da experiência fundadora, abordada por
Ilari e Cunha Lima (2011).
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Acerca dos exercícios exibidos acima podemos destacar
também que ambos induzem o aluno a reflexões sobre as acepções
que as palavras-entrada possuem em contextos diferentes e
confirmam o sentido das palavras empregadas no texto.
No exercício (1), a atividade b sobre a expressão “pé de um
formigueiro” é interessante, haja vista que nem sempre uma palavra
é formada por um único item lexical, bem como as expressões
idiomáticas, nas quais as palavras denotam sentidos figurados. O
aluno tem a chance de aprender que o formigueiro não tem pé, mas
em alguns contextos a palavra pé pode ser utilizada como o ponto
externo mais baixo e inicial de algum formigueiro, ou como “pé da
mesa”, “pé da cadeira” etc.
Exercício (2)
6. Procure no dicionário o significado destas palavras e copie no seu
caderno:
a) desprovida;
b) tiritar.
(CIPRIANO; WANDERESEN, 2008a, p. 54)
Este modelo de exercício demonstra que a mera pesquisa no
dicionário não garante que o aluno aprenda o sentido das palavras
listadas isoladamente. É preciso que as palavras tenham sido
aplicadas em algum contexto, de modo que o aluno identifique o
sentido ideal naquela dada situação no texto e a partir daí possa
estabelecer outras relações de sentidos das palavras então já
conhecidas em momentos diferentes de uso. Se o aluno
compreender e conseguir empregar as novas palavras aprendidas
com propriedade, estas passarão a fazer parte do seu léxico ativo,
caso contrário o aluno não atingirá o domínio das palavras e só farão
parte do seu léxico passivo.
Para atividades que propõem a consulta de listas de palavras, o
professor deve antes contextualizar as palavras listadas. Sugerimos
que o professor busque na diversidade de gêneros e tipos discursivos
e textuais em que sejam utilizadas as tais palavras da lista para
consulta e somente depois solicite aos alunos que busquem os
significados das palavras no dicionário e, posteriormente, elaborem
frases e textos com elas.
Exercício (3)
1. Releia o seguinte trecho do texto:
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A primeira declaração de direitos das crianças foi escrita por
Eglantyne Jebb, uma senhora inglesa que depois da Primeira Guerra
Mundial dedicou sua vida à infância da Europa.
Considerações finais
Os LDs são ferramentas fundamentais na aprendizagem e
ampliação do léxico dos alunos das séries iniciais, entretanto, não são
suficientes no processo de ensino. Por isso, o professor deve também
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contar cotidianamente com o dicionário. Caso a escola não disponha
de um número suficiente de dicionários para atender a todos os
alunos, é de suma importância que tenha na sala de aula um número
significativo de obras de diferentes autores, haja vista que as
abordagens dos autores são distintas e nem todas são
compreendidas pelos alunos. Portanto, em dadas situações, mais de
um dicionário precisará ser consultado para que se tenha êxito em
algumas pesquisas.
Embora confirmemos que os LDs apresentam hoje
expressivamente atividades que demandam uso do dicionário,
percebemos que nem todas elas garantem ao aluno a aprendizagem
de novas palavras, bem como o domínio efetivo destas palavras na
sua comunicação diária. Logo, o professor deverá se incumbir de
muita criatividade na hora de ensinar e, sobretudo, precisará realizar
muitas pesquisas sobre atividades lúdicas, LDs e dicionários, para
então, completar com outras atividades as falhas que o LD ou o
dicionário não conseguem contemplar.
Para as discussões e as propostas aqui consideradas se
efetivarem a contento é imprescindível que o professor tenha
assegurada uma formação que contemple questões acerca de ensino
de LM, LD e, sobremaneira, do dicionário como promissor material
didático, com especificidades como gênero que se instaura
atualmente no contexto escolar e, por isso, exige políticas
direcionadas para este fim.
Referências
ANTUNES, Irandé. O uso do dicionário como objeto de estudo. In Território das
palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p.
135-150.
BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Teoria Linguística: (teoria lexical e linguística
computacional). 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Com Direito à
Palavra: dicionários em sala de aula. Elaboração Egon Rangel. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, 2012.
BUGUEÑO MIRANDA, Félix; FARIAS, Virgínia Sita. Desenho da macroestrutura de
um dicionário escolar de Língua Portuguesa. In Cadernos de Tradução. Santa
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