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INTRODUÇÃO

À PSICOLOGIA

autores do original
CLAUDIA BEHAR
LUIS ANTONIO MONTEIRO

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  sérgio cabral, claudia behar, roberto paes, gladis linhares

Autores do original  claudia behar, luis antonio monteiro

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  rodolfo ribas gonzales

Imagem de capa  triff | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

B419 Behar, Claudia


Introdução à psicologia/ Claudia Behar ; Luís Antonio Monteiro.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
120 p: il.

isbn: 978-85-5548-277-9

1. Senso comum. 2. subjetividade. 3. Fenômenos psicológicos.


I. SESES. II. Estácio.
cdd 150.9

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Psicologia enquanto Ciência 11


1.1  Senso comum e ciência 13
1.2  Senso comum 15
1.3 Ciência 16
1.3.1  Racionalidade e objetividade 17
1.3.2  O conhecimento científico atém-se aos fatos 17
1.3.3  O conhecimento científico transcende os fatos 17
1.3.4  O conhecimento científico é analítico 17
1.3.5  O conhecimento científico requer exatidão e clareza 17
1.3.6  O conhecimento científico é comunicável 18
1.3.7  O conhecimento científico é verificável 18
1.3.8  O conhecimento científico depende de investigação metódica 18
1.3.9  O conhecimento científico é sistemático 18
1.3.10  O conhecimento científico busca aplicar leis 18
1.3.11  O conhecimento científico é explicativo 19
1.3.12  O conhecimento científico pode fazer predições 19
1.3.13  O conhecimento científico é aberto 19
1.3.14  O conhecimento científico é útil 19
1.4  A Psicologia, práticas alternativas e misticismo 20
1.5  O histórico da Psicologia e sua constituição como ciência 20
1.6  Psicologia enquanto ciência 22
1.7 Estruturalismo 23
1.8 Funcionalismo 24
1.9 Psicanálise 25
1.10 Comportamentalismo 26
1.11  Psicologia da Gestalt 27
1.12  Psicologia humanista 28
1.13  Psicologia contemporânea 29
1.14  Terapias alternativas 30
1.15 Misticismo 31
1.16  Os objetos de estudo e os processos
básicos da Psicologia 33
1.17  Psicologia e ciências afins: Ciências Naturais e
Ciências Humanas – aproximações e distinções 35

2. Pesquisa em Psicologia 39

2.1  A Psicologia científica e os meios de divulgação digital


(A Psicologia científica na web) 43
2.2  Métodos de pesquisa em Psicologia 47
2.3  Estudo de Caso 47
2.4 Levantamento 48
2.5  Observação Naturalista 49
2.6  Pesquisa Correlacional 50
2.7  Pesquisa Experimental 52

3. Diferentes Abordagens e
a Psicanálise de Freud 55

3.1  As razões para a multiplicidade de abordagens na Psicologia 57


3.2  A falta de dados conclusivos 59
3.3  Relação dialética entre a especulação e o método científico 60
3.4  A importância das abordagens para a constituição do conhecimento 61
3.5  Paradoxo do método científico e do caráter especulativo da mente 62
3.6  Ampliação do estudo da Psicologia 63
3.7  A relação dialética entre dúvida e interesse
na construção do conhecimento 65
3.8  Considerações finais 66
3.9 Psicanálise 66
3.10  Achados teóricos 70
3.11  Psicanálise hoje 71
3.12  Primeira tópica: consciente, inconsciente e
pré-consciente 72
3.13  Inconsciente 73
3.14  Estrutura da personalidade segundo Freud 74
3.15 Processo 78
3.16  Recalque (repressão) 78
3.17 Projeção 78
3.18 Sublimação 79
3.19 Deslocamento 79
3.20  Formação reativa 79
3.21 Racionalização 79
3.22 Desenvolvimento 80
3.22.1  Fase Oral (primeiro ano de vida) 80
3.22.2  Fase anal (segundo ano de vida) 81
3.22.3  Fase fálica 82
3.23 Latência 84
3.24  Fase genital 84

4. Aprendizagem, Motivação, Percepção,


Memória e Personalidade 85

4.1  Behaviorismo e aprendizagem 87


4.2  Os reflexos condicionados 87
4.3  Condicionamento de Watson 91
4.4  Os instintos 92
4.5  As emoções 92
4.6  Antecessor de Skinner 94
4.7  Condicionamento Operante 95
4.8  Reforço 97
4.9  Tipos de Reforçadores 98
4.10  Classificação dos reforços 98
4.11 PUNIÇÃO 99
4.12  Teoria do Reforço 99
4.13  Diferença entre Condicionamento Respondente e
Condicionamento Operante 99
4.14  Considerações Finais 100
4.15  Humanismo e Motivação 101
4.16  A Teoria Motivacional de Maslow 103
4.17  Gestalt terapia, tornando-se um todo. 105
4.18  Gestaltismo e Percepção 106
4.19  Cognitivismo e Memória 109
4.20  Terapia Cognitivo Comportamental 112
4.21 Personalidade 116
4.22  Teoria dos traços de Personalidade 118
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

A palavra psicologia deriva da junção de duas palavras gregas psiché e lógos –


significando o estudo da mente ou da alma.
Hoje, a Psicologia é definida como a ciência que estuda o comportamento e os
processos mentais (de todos os animais).
Muitos podem pensar que os psicólogos estão interessados apenas em compor-
tamentos anormais. Na verdade, a Psicologia se interessa por todos os aspectos do
comportamento e das funções mentais subjacentes a ele.

27 de agosto - Dia do Psicólogo


No dia 27 de agosto é comemorado, no Brasil, o Dia do Psicólogo. Nessa mesma
data, no ano de 1964, a profissão foi regulamentada por meio da Lei 4.119/64.

Objetivos da disciplina

Apresentar a Psicologia como ciência em relação às diferentes formas


de conhecimento.
A Psicologia tem um longo passado, mas uma história curta: desde os tem-
pos de Platão e Aristóteles as pessoas se questionavam sobre o comportamento
humano, porém apenas no final do século XIX se começou a aplicar o método
científico às questões que intrigaram os filósofos durante séculos.
Reconhecida como ciência desde 1875 (W. Wundt – Lab. Exp. em
Psicofisiologia — Leipzig); reconhecida como profissão desde 1962.
Requisitos para se desenvolver a profissão:
1. Curso de graduação em Psicologia, reconhecido pelo MEC;
2. Registro no órgão profissional (Conselho Regional de Psicologia)

Mas, por que estudar Psicologia?


Vários são os exemplos que podemos dar sobre a influência da Psicologia
em nosso dia a dia:
•  Influencia as leis e a política pública (ex.: as pesquisas psicológicas contri-
buíram para as leis referentes à discriminação, à pena de morte, à pornografia,
ao comportamento sexual e à responsabilidade pessoal sobre os atos);

capítulo •7
•  Influencia o tratamento utilizado para diversas patologias (vários tipos de
abordagem psicoterápica);
•  Influencia as práticas educativas;
•  Influencia o cotidiano de trabalho das pessoas.

As raízes da Psicologia podem ser encontradas nos grandes filósofos da Gré-


cia antiga. Os mais famosos entre eles, Sócrates, Platão e Aristóteles fizeram
perguntas fundamentais sobre a vida mental:
O que é a consciência?
A pessoa tem realmente livre arbítrio?
A distinção entre a Psicologia moderna e seus antecedentes não está no tipo
de perguntas feitas, mas sim nos métodos e instrumentos empregados para se
responder a essas perguntas. Os filósofos estudavam a natureza humana me-
diante a especulação, a intuição e a generalização.
Para compreender bem a Psicologia científica temos que diferenciá-la do
senso comum, que pode ser definido como: conhecimento acumulado no coti-
diano, passado de geração em geração, sem comprovação científica e que pos-
sui grande importância prática para facilitar a vida cotidiana, desenvolvendo
várias teorias de diversas áreas do conhecimento (médicas, físicas, psicológicas
etc.).
O senso comum produz determinada visão de mundo que integra o conhe-
cimento humano. Assim, podemos afirmar que existe uma Psicologia do senso
comum envolvendo a absorção de termos científicos (tais como stress e depres-
são) sendo rotineiramente utilizados pelos sujeitos sem a preocupação de defi-
nir os termos usados.
O senso comum nos constitui e está presente em todas as nossas decisões,
por isso é importante conseguir contextualizá-lo e se manter aberto a novas
ideias e novas opiniões.
Observe a afirmação de Ana Bock1 : “A mente é como um paraquedas: me-
lhor aberta”
É preciso estar aberto ao novo, atento a novos conhecimentos que, tendo
sido estudados pela ciência, podem trazer novos saberes, ou seja, novas respos-
tas para perguntas ainda não respondidas.

1 BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair e TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi, Psicologias uma introdução
ao estudo da Psicologia, 13. ed., reformulada e ampliada. São Paulo: Cultrix, 2014.
Psicologia científica
A ciência compõe-se de um conjunto de conhecimentos sobre fatos ou as-
pectos da realidade (seus objetos de estudo), expressos por meio de uma lin-
guagem precisa e rigorosa.
Esses conhecimentos são obtidos de maneira programada, sistemática e
controlada, permitindo a verificação de sua validade e buscando a objetividade
do conhecimento produzido.
Dessa forma, podemos definir como características básicas da ciência:
•  Objeto específico;
•  Linguagem rigorosa;
•  Métodos e técnicas específicas;
•  Processo cumulativo de conhecimento;
•  Objetividade.

A ciência é um processo permanente de conhecimento do mundo, um exer-


cício de diálogo entre o pensamento humano e a realidade, em todos os seus
aspectos.

Objeto de estudo da Psicologia científica


Subjetividade

A subjetividade é a síntese singular e individual que constituímos conforme


desenvolvemos e vivenciamos as experiências da vida social e cultural; é uma
síntese que nos identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, de outro lado,
na medida em que os elementos que a constituem são experenciados no campo
comum da objetividade social.
A subjetividade é a maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar, amar e fazer
de cada um. É o que constitui o nosso modo de ser.
A subjetividade não é inata, mas se constrói aos poucos, apropriando-se do
material do mundo social e cultural, e faz isso ao mesmo tempo em que atua
sobre esse mundo, ou seja, o homem é ativo na sua construção.
Áreas de conhecimento

O senso comum e a ciência não são as únicas formas de conhecimento do


homem.
Podemos acrescentar também, como importante forma de conhecimento
do homem, a Filosofia, a Religião e a Arte.
Arte, Religião, Filosofia, Ciência e senso comum são domínios do co-
nhecimento humano. Entretanto, muitos desses domínios, que também
são saberes a propósito do ser humano, não podem ser confundidos com a
Psicologia científica.
O Tarô, a Astrologia, a Quiromancia, a Numerologia, entre outras práticas,
não são psicológicas uma vez que não são constituídas no campo da ciência, a
partir do método e dos princípios científicos.
Entretanto, a Psicologia, deve relacionar-se com esses saberes sem precon-
ceito, reconhecendo que o homem construiu muitos saberes e, embora não es-
tejam no campo da Psicologia eles podem se tornar seu objeto de estudo.

Diversidades de objetos da Psicologia

A Psicologia apresenta uma multiplicidade de objetos de estudo que pode


ser entendido devido aos fatos apresentados a seguir:
•  A Psicologia constituiu-se como ciência apenas muito recentemente, não
tendo tempo ainda para precisar, com exatidão, seu objeto de estudo;
•  Além disso, o próprio pesquisador pode confundir-se com seu objeto de
estudo que é o homem, contribuindo para dificultar uma definição clara do ob-
jeto de estudo da Psicologia;
•  A diversidade de objetos justifica-se porque os fenômenos psicológicos
são tão diversos, que não podem ser acessíveis ao mesmo nível de observação
e, portanto, não podem ser sujeitos aos mesmos padrões descrição, medida,
controle e interpretação;
•  Existem diversas concepções de homem.

Bons estudos!
1
Psicologia
enquanto Ciência
12 • capítulo 1
Ao vermos reportagens, nos variados veículos de comunicação, falando sobre
novos conhecimentos, descobertas, hipóteses que mudaram a nossa vida ou
que prometem mudar; sempre quando ouvimos que algo é “cientificamente
provado”, a sensação que passa é relacionada à segurança do que está sendo
falado. Inclusive, em discussões e debates, quando alguém emite essa frase é
como se quisesse elevar o patamar de segurança de sua informação e fechar
a discussão. Até esses mesmos veículos de comunicação, no intuito de passar
veracidade sobre suas informações, também utilizam desse artifício.

CONEXÃO
Leia a reportagem: Homens que tiram selfies podem ser psicopatas, disponível em:
<http://www.sol.pt/noticia/122870/homens-que-tiram-selfies-podem-ser-psicopatas>

Da mesma maneira que, quando sai o anúncio de uma nova descoberta, tal
impacto costuma modificar nosso modo de viver. Vejamos o exemplo dos ali-
mentos. Nossa alimentação, nos últimos 20 anos, é diferente, em relação ao
que comemos e bebemos hoje. Toda essa mudança em prol do “cientificamen-
te provado”.
Já antevendo tal impacto, Wilhelm Wundt, que é considerado o pai da
Psicologia, buscou incessantemente os padrões necessários para torná-la ver-
dadeiramente uma ciência. Entretanto, como veremos a seguir, a Psicologia
ainda está longe do status das ciências naturais, assim como o objeto de estudo
que essa nova ciência se apropriou não é apenas ela que o estuda.
Com esse cenário bem delineado, neste capítulo, vamos conversar sobre o
posicionamento da Psicologia enquanto ciência, como também outros ramos
do conhecimento que se relacionam com esse objeto de estudo.

1.1  Senso comum e ciência


O interesse pelo conhecimento é inerente ao ser humano e pode ser percebido
que sua busca tem uma dinâmica já verificada desde a Pré-História, cujo ho-
mem das cavernas já registrava a sua cultura por meio de pinturas nas rochas.
A relação entre dúvida, que também é intrínseca ao homem, e o interesse, que

capítulo 1 • 13
pode ser a resposta da nossa espécie à dúvida, forma a equação ideal para a
construção do conhecimento.

Sócrates

Na Antiguidade, quando Sócrates emitiu a céle-


bre frase “Sei que nada sei!” fez a exemplifica-
ção máxima da relação entre dúvida e interesse
na busca de conhecimento. Da mesma maneira,
temos diversos exemplos em nossa cultura que
podem desenvolver de maneira adequada essa
temática. Entretanto, com a expansão do Renas-
cimento, cuja razão foi o elemento propulsor,
em detrimento da crença religiosa indubitável e
que houve um retorno ao conhecimento antigo,
o ser humano percebeu que tantas informações
precisam ser organizadas e sistematizadas.
Além do mais, nesse período, a humanidade ocidental estava vivendo a re-
volução das grandes navegações, que, guardadas as devidas proporções, foi tão
impactante quanto à globalização em que vivemos atualmente. A partir desse
momento, foram tantas mudanças que o homem percebeu a necessidade de or-
ganizar e sistematizar as informações produzidas ao seu redor, já que se tornou
de senso comum o fato da Europa não ser mais o resumo do mundo. Existiam
as Américas, que tornavam o mundo ainda maior do que se imaginava, e essas
pessoas precisavam se comunicar e também repetir os conhecimentos produ-
zidos em outros lugares.
Nesse contexto, um filósofo chamado Francis Bacon desenvolveu o método
científico que, já sob o espírito da razão, permitiu diferenciar o conhecimento
corriqueiro do científico. Tal método vem sendo reproduzido até hoje, mesmo
com as devidas particularidades referentes à influência do tempo e das situa-
ções, e muitos apenas dão valor ao saber produzido dessa maneira. No entanto,
ainda hoje, o entendimento desse método, assim como a compreensão da im-
portância do conhecimento leigo, gera muitas discordâncias e mal entendidos.
Assim, segue uma breve explicação sobre o conhecimento oriundo do senso
comum e da ciência:

14 • capítulo 1
1.2  Senso comum
De acordo com Fletcher1 (1984), o senso comum é um corpo de crenças e co-
nhecimentos culturais partilhados por um grupo ou comunidade acerca do
funcionamento das pessoas e do mundo que as rodeia. Sendo que ele pode ser
analisado segundo as três perspectivas seguintes:
a) O senso comum é constituído por um conjunto de crenças fundamen-
tais sobre a natureza do mundo físico e social;
b) O senso comum é constituído por um conjunto de máximas e provér-
bios que as pessoas partilham sobre o mundo físico e social;
c) O senso comum é constituído por uma maneira comum de pensar so-
bre o mundo físico e social.

As duas primeiras perspectivas, crenças fundamentais e máximas culturais,


representam o conteúdo do pensamento do senso comum, enquanto que a ter-
ceira perspectiva representa os processos cognitivos subjacentes envolvidos
no pensar comum. Essa distinção parece estar enraizada nas pessoas. Depois
de observarem ou se confrontarem com certas situações e comportamentos,
as pessoas costumam alegar adágios e máximas para confirmar e justificar. E
comportam-se da maneira que julgam ser a mais comum de agir. A Psicologia
deve ter uma relação e uma confrontação diferente com cada uma dessas três
áreas ou delimitações do senso comum.
A religião e a crença (no sentido de acreditar em algo) foram os caminhos
utilizados durante séculos pela humanidade na busca de respostas as suas per-
guntas e aflições. Como afirma Morin2 (1999), “[...] durante muito tempo o fun-
damento em filosofia era Deus, e mesmo nas ciências, pois Newton ainda se re-
feria a Deus. Foi Laplace que excluiu Deus do cosmos e do domínio científico”.
O que se pode concluir, portanto, é que a ciência, ao longo do tempo, também
foi se distanciando da crença religiosa, estruturando-se enquanto conhecimen-
to autônomo e independente.
Esse tipo de conhecimento, porém, não seria suficiente para as exigências
de desenvolvimento da humanidade. O ser humano, desde os tempos primiti-
vos, foi ocupando cada vez mais espaço nesse planeta, e somente esse conheci-
mento intuitivo seria muito pouco para que ele dominasse a natureza em seu
1  FLETCHER, G. J. O. (1984). Psychology and common sense. American Psychologist, 39, 203-213.
2  MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In: PENA-VEGA, Alfredo; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do
(Org.). O pensar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. 3. ed. Rio de Janeiro : Garamond, 1999b.

capítulo 1 • 15
próprio proveito. Os gregos, por volta do século 4 a. C., já dominavam compli-
cados cálculos matemáticos, que ainda hoje são considerados difíceis por qual-
quer jovem colegial. Os gregos precisavam entender esses cálculos para resol-
ver seus problemas agrícolas, arquitetônicos, navais etc. Era uma questão de
sobrevivência. Com o tempo, esse tipo de conhecimento foi-se especializando
cada vez mais, até atingir o nível de sofisticação que permitiu ao homem atin-
gir a Lua. A esse tipo de conhecimento, que definiremos com mais cuidado logo
adiante, chamamos de ciência.
Mas o senso comum e a ciência não são as únicas formas de conhecimento
que o homem possui para descobrir e interpretar a realidade.

1.3  Ciência
Constitui crença generalizada que o conhecimento fornecido pela ciência dis-
tingue-se por um grau de certeza alto, desfrutando assim de uma posição pri-
vilegiada com relação aos demais tipos de conhecimento (o do senso comum,
da Psicologia popular, por exemplo). Teorias, métodos, técnicas, produtos,
contam com aprovação geral quando considerados científicos. A autoridade da
ciência é evocada amplamente. Indústrias, por exemplo, frequentemente ro-
tulam de “científicos” processos por meio dos quais fabricam seus produtos,
bem como os testes aos quais os submetem. Atividades várias de pesquisa nas-
centes se autoqualificam “científicas”, buscando afirmar-se: ciências sociais,
ciência política, ciência agrária, etc. Essa atitude de veneração frente à ciência
deve-se, em grande parte, ao extraordinário sucesso prático alcançado pela Fí-
sica, pela Química e pela Biologia, principalmente. Assume-se, implícita ou ex-
plicitamente, que por detrás desse sucesso existe um “método” especial, uma
“receita” que, quando seguida, redunda em conhecimento certo, seguro.
Ciência é sempre um trabalho em andamento e suas conclusões são sempre
provisórias. Porém, assim como a palavra “teoria”, “provisório” tem um signi-
ficado especial quando inserida no contexto científico. Conclusões científicas
não são provisórias no sentido de serem temporárias até alguém aparecer com
a resposta certa. Conclusões científicas têm seu conteúdo objetivo e sua racio-
nalização bem fundamentados, e são provisórias apenas no sentido de que toda
ideia está aberta a análise e teste. Em ciência, a efemeridade de ideias como a

16 • capítulo 1
natureza dos átomos, células, estrelas ou a história da Terra mostra o anseio
dos cientistas de modificar suas ideias conforme novas evidências aparecem.
A ciência clássica se dá pela busca da realidade dos fatos, com a utilização
de critérios racionais, metodológicos, sistemáticos e verificáveis. E como já sa-
bemos, existem pontos específicos que a caracterizam como ciência:

1.3.1  Racionalidade e objetividade

A ciência tem que apresentar duas características básicas, racionalidade e obje-


tividade. O conhecimento científico racional é a construção de ideias de acordo
com um conjunto se normas lógicas, para produzir novos conhecimentos.

1.3.2  O conhecimento científico atém-se aos fatos

A ciência mostra a realidade usando a investigação, preservando os fatos. Em


alguns casos é preciso manipular os acontecimentos para obter resultados sig-
nificativos. No entanto, tal intervenção assume critérios cautelosos para não
criar conhecimentos duvidosos.

1.3.3  O conhecimento científico transcende os fatos

O conhecimento científico sintetiza os fatos para esclarecê-los, obtendo pontos


comuns entre eles, tendo como objetivo formular leis.

1.3.4  O conhecimento científico é analítico

A análise como instrumento fundamental para o estudo serve para obter res-
postas precisas do que está sendo investigado pela ciência.

1.3.5  O conhecimento científico requer exatidão e clareza

É necessário que o conhecimento científico seja exato, transparente e apto à


averiguação em qualquer tempo, com informações precisas e objetivas, evitan-
do erros. Caso eles ocorram, a ciência possui meios de corrigi-los e reaproveitá-
-los, estabelecendo exatidão.

capítulo 1 • 17
1.3.6  O conhecimento científico é comunicável

É imprescindível que o conhecimento científico seja divulgado fiel e detalhada-


mente, proporcionando a comprovação dos fatos. Com ressalva a alguns casos
que o sigilo é mantido por questão de segurança, porém o conhecimento tem
que ser compartilhado para que a ciência avance.

1.3.7  O conhecimento científico é verificável

É caráter fundamental de o conhecimento científico ser submetido a compro-


vações. A ciência busca aprender com experimentações, mas nem com todos os
casos são possíveis como a Astronomia.

1.3.8  O conhecimento científico depende de investigação metódica

A investigação cientifica é resultado de planejamento e constatações, hipóte-


ses já pesquisadas e comprovações. Ela segue etapas, métodos já estabelecidos,
meios esses que podem ser aproveitados. Assim as ciências podem ser reconhe-
cidas, tanto pelo objeto de investigação, quanto pelos métodos peculiares para
investigá-las.

1.3.9  O conhecimento científico é sistemático

A ciência se compõe de ideias ligadas, sendo um sistema formado pelo con-


junto de pensamentos que dão origem a uma teoria. Dessa maneira, considera
essa interação como essência, ao ponto de, se apenas um fundamento básico
for modificado, a teoria inteira também se modifica.

1.3.10  O conhecimento científico busca aplicar leis

A busca e a aplicação de leis são feitas pela ciência, em que o conhecimento


científico observa a realidade formulando regras universais.

18 • capítulo 1
1.3.11  O conhecimento científico é explicativo

Com as leis, a ciência esclarece a realidade, mas não há uma preocupação com
os detalhes e sim em buscar as causas, as relações internas e o relacionamento
com o próximo. A função é concentrar as causas dos fatos.

1.3.12  O conhecimento científico pode fazer predições

Conhecimento científico indica o lógico, baseado em seus dados, pode mostrar


o que ocorrerá no tempo futuro.
Pode haver falhas nas comunicações com o passar do tempo, consequente-
mente o conhecimento passa a adquirir problemas, mesmo assim não deixam
de ser muito úteis.

1.3.13  O conhecimento científico é aberto

•  O conhecimento científico sempre está em constante mudança, acompa-


nhando as evoluções tecnológicas e dos métodos de investigação. Como conse-
quência básica, as ideias antigas podem ser mudadas ou anuladas.
•  O conhecimento científico funciona como organismos que há tempos
vem se evoluindo e se adaptando às condições encontradas, buscando cada vez
mais chances para sobreviver.

1.3.14  O conhecimento científico é útil

O conhecimento científico é de extrema importância para o domínio da na-


tureza e é um dos responsáveis pela melhora do comportamento da humani-
dade. Afinal de contas, quanto mais cientes das situações, problemas e van-
tagens disponíveis, as chances melhoram em relação a um posicionamento
mais harmonioso.
Não obstante, o senso comum e a ciência não são as únicas formas de co-
nhecimento que o homem possui para descobrir e interpretar a realidade. Por
fim, o homem, já desde a sua pré-história, deixou marcas de sua sensibilida-
de nas paredes das cavernas, quando desenhou a sua própria imagem e a figu-
ra da caça, criando uma expressão do conhecimento que traduz a emoção e a
sensibilidade. Denominamos arte a esse tipo de conhecimento. Entretanto, o

capítulo 1 • 19
conhecimento não é delimitado pela arte, senso comum e ciência apenas, mas
também pela Religião e Filosofia. Todos esses campos são domínios do conhe-
cimento humano.
Ainda sobre esse tema, vale ressaltar que tais campos não são isolados, as-
sim como nada na vida. Todos eles se relacionam. Sendo mais específico, res-
peitando o tema desse tópico, o fluxo de relação entre eles são: Os conceitos
nascem no cotidiano (senso comum), que são apropriados pelo meio cientí-
ficos e tornam-se científicos ao romperem com esse cotidiano, com esse sen-
so comum.

1.4  A Psicologia, práticas alternativas e


misticismo

O estudo da mente não se reserva apenas à Psicologia, pois desde a Antigui-


dade o ser humano se ocupa dos objetos de estudo que se apropriou: mente e
comportamento. Por esse motivo, nada mais natural que outras áreas também
produzam conhecimento em relação aos mesmos temas trabalhados na Psico-
logia. No entanto, a Psicologia é a única cadeira que faz tais estudos de maneira
sistemática, com rigor científico, conforme veremos a seguir.
Deixamos claro ainda que a não aplicação do método de Francis Bacon não
inferioriza a importância de determinados conhecimentos, mas esses acabam
carecendo de controle e análise mais profundos dos resultados e das variáveis
que interferem esse processo.

1.5  O histórico da Psicologia e sua


constituição como ciência

A Psicologia como ciência possui uma história de aproximadamente 130 anos,


mas o histórico de discussão sobre a mente e o comportamento humanos, que
são os seus objetos de estudo primordiais, arremete-se a Sócrates, Platão e Aris-
tóteles. O primeiro refletiu sobre a diferença entre fatores sensitivos e intelec-
tuais, assim como a razão como fator preponderante na diferenciação dos seres

20 • capítulo 1
humanos dos animais, já que nós, somos capazes de questionar de maneira
lógica. Já Platão, que foi discípulo de Sócrates, foi mais além. Para ele, mente e
corpo são distintos e separados de maneira hierárquica, cujo corpo possui uma
posição de inferioridade em relação à alma. Esse pensamento se chama Dualis-
mo Platônico e embasou diversas teorias psicológicas atuais, como a Psicaná-
lise. Somando-se a esses pensamentos, a teoria de Platão focou na explicação
racional do mundo.
Além deles, outro representante da Antiguidade de grande notoriedade, que
também se preocupou com o objeto de estudo da Psicologia, foi Aristóteles.
Diferentemente de Platão, que acreditava no inatismo, Aristóteles desenvolveu
a ideia que não existia um mundo das ideias separado do mundo sensível, e
que o conhecimento possuía seis aspectos: sensação, percepção, imaginação,
memória, raciocínio e intuição. Ou seja, foi o primeiro a se preocupar com o
empirismo e da relação desse com a natureza. Com essa teoria, uma pergunta
não quer calar: Alguma semelhança com o cenário atual?
Em poucas palavras, esse foi o desenho de como os pensadores dilatavam
“Psicologia” na Antiguidade. No entanto, o mundo foi se desenvolvendo, am-
pliando território e diversificando as culturas. Na Idade Média, dois filósofos
foram os grandes influenciadores sobre os aspectos de estudo da psicologia:
Santo Agostinho e São Tomaz de Aquino. O primeiro foi influenciado por
Platão, e a diferença entre corpo e alma se mostrava presente. A diferença esta-
va na predominância da razão, que para Santo Agostinho havia uma ordem di-
vina e que era o elo com Deus. O último, por sua vez, se embasou em Aristóteles
para redesenhar toda a filosófica cristã na segunda metade da Idade Média. A
diferença entre os dois e a semelhança desse com Santo Agostinho é que o pon-
to central de ambos é Deus.
Após a famosa Idade das Trevas, que recebeu esse nome injustamen-
te, de certa maneira, vieram movimentos de valorização da razão, como o
Renascimento e o Iluminismo.
Descartes, com o seu racionalismo, colocou a razão realmente no centro
do universo, separando de vez o homem de qualquer dogma religioso. Locke,
filósofo inglês, valorizou as qualidades da verificação do empirismo e desquali-
ficou o inatismo de Descartes. De acordo com esse pensamento, o único conhe-
cimento que vale é o absorvido da experiência. Kant, com sua filosofia transcen-
dental, considerou que ambos estavam errados, pois existiam quesitos inatos,
mas que não se tratavam de conteúdos, conforme a razão de Descartes. Para

capítulo 1 • 21
ficar clara essa distinção entre Descartes, Locke e Kant, segue uma analogia:
Enquanto o primeiro considerava que a mente, ao nascimento, fosse uma folha
com conteúdo, o segundo afirmava que se tratava de uma folha em branco, sem
qualquer conteúdo. E Kant, considerou a mente como uma folha pautada, ou
seja, com estruturas que possibilitariam o ser humano conhecer.

Francis Bacon

Vale ressaltar ainda a importância de Francis


Bacon para a ciência como um todo, que, por
consequência, se tornou primordial para a Psi-
cologia. Apesar de seu objeto de estudo não es-
tar relacionado com a Psicologia, a concepção
do método científico, que permitiu a possibili-
dade da existência das ciências como são con-
cebidas hoje.
Outro campo do conhecimento, muito útil
para a constituição da Psicologia como ciência,
foi a evolução das Ciências Biológicas. De acor-
do com Braghirolli (2004), Bisi (2004), Rizzon
(2004) e Nicoletto (2004), a ciência também vinha se desenvolvendo e, no iní-
cio do século XIX já era possível o estudo, em laboratórios, dos processos orgâ-
nicos da percepção. Investigava-se, por exemplo, o funcionamento dos vários
órgãos dos sentidos submetidos aos diversos tipos de estimulação. Em outras
palavras, tais conhecimentos, aliados ao método científico desenvolvido por
Bacon, eram os que faltavam para a constituição das variáveis ideais que viriam
possibilitar a Psicologia nascer.

1.6  Psicologia enquanto ciência


Em suma, com a colaboração desses e de muitos outros pensadores, no decor-
rer da História, fez-se com que o objeto de estudo, que viria a ser utilizado fu-
turamente pelo campo do saber chamada Psicologia, fosse maturando até que,
em 1879, em Leipzig, Wilhelm Wundt inaugurasse o seu laboratório e come-
çasse a desenvolver o seu Estruturalismo. Dentre outras atividades, preocupou-

22 • capítulo 1
se diretamente com processos mentais e a aplicação de métodos que afiança-
riam a segurança dos resultados buscados. Mesmo com a queda desse sistema,
Wundt foi declarado como o “pai da Psicologia”.
Por se tratar de um campo nunca antes estudado de maneira sistemática,
apesar de que muitos filósofos já haviam se ocupado desse conteúdo, o método
científico quase sempre caminhou ao lado da especulação, tanto na formulação
de hipóteses, quanto na concepção de teorias em situações inéditas. Fruto des-
se esforço, algumas grandes escolas, como o Estruturalismo, o Funcionalismo,
a Psicanálise, o Comportamentalismo, a Psicologia da Gestalt, a Psicologia
Humanista e a Psicologia Cognitiva, foram desenvolvidas e influenciaram de
maneira central toda a cultura e ciência do século XX e XXI. A seguir, um breve
resumo de cada sistema.

1.7  Estruturalismo

Wilhelm Wundt

O Estruturalismo foi a escola que fundou a Psicologia, pois, em 1879, Wilhelm


Wundt inaugurou seu laboratório de Psicologia, na Universidade de Leipzig, na
Alemanha, e lançou o livro chamado Princípios de Psicologia Fisiológica. Nele,
focou seus esforços para mensurar a percepção dos sentidos, com o intuito de
reduzir tal processo mental a níveis mais simples possíveis. Segundo Wundt,
tal informação poderia ser reduzida a elementos mínimos, que seriam repre-
sentados por imagens e sensações.

capítulo 1 • 23
De um modo geral, segundo Braghirolli (2004), Bisi (2004), Rizzon (2004)
e Nicoletto (2004), Wundt se interessou pela experiência consciente nos seus
componentes básicos e a determinação dos princípios pelos quais esses ele-
mentos simples se relacionam para formar a experiência complexa.
Entretanto, um dos grandes feitos desse sistema, além de sua fundação e
o papel de base para o surgimento das outras correntes, foi a proeminência de
seus alunos. Dentre tantos, Edward Titchener foi o seu discípulo mais famoso
e levou para a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, essa bandeira e
também influências para o surgimento do Funcionalismo.

1.8  Funcionalismo
Essa escola teve como fundador William James, e sua posição foi de oposição
ao Estruturalismo de Wundt. O seu surgimento foi fruto do pragmatismo ame-
ricano, em contraposição ao racionalismo alemão.

William James

A grande crítica de James em relação ao Estrutu-


ralismo foi que, segundo o próprio, a estrutura da
mente não importava, pois o que valia mesmo era
como esse se relacionava com o mundo. James
já percebera que a mente é dinâmica e que fun-
cionava por associações. Por consequência des-
de pensamento, segundo Morris (2004) e Maisto
(2004)3, William James desenvolveu uma Teoria
Funcionalista dos processos mentais e do com-
portamento, que levantava questões ainda bas-
tante atuais a respeito da aprendizagem da complexidade da vida mental, do
impacto que as experiências têm sobre o cérebro e do lugar que a humanidade
ocupa no mundo natural. Embora não tivesse muita paciência com experimen-
tos, James, assim como Wundt e Titchener, acreditava que o objetivo da Psico-
logia era analisar a experiência. Wundt não se surpreendeu. Após ler o livro de

3  MORRIS, Charles G. e MAISTO, Albert, G. Introdução à Psicologia. 6. ed, São Paulo: Prentice Hall, 2010.

24 • capítulo 1
James, Os princípios da Psicologia (1890), ele comentou: “É literatura, é lindo,
mas não é Psicologia” (apud Hunt, 1994, p. 139).
Mesmo com tantas críticas, a semelhança entre o Funcionalismo e
o Estruturalismo se encontrava no fato de ambas se aterem ao estudo
da experiência.

1.9  Psicanálise
A Psicanálise foi o primeiro grande sistema em Psicologia, cujo objetivo princi-
pal não era os sentidos, mas sim fatores determinantes da personalidade. Tal
cenário se constituiu dessa maneira porque Sigmund Freud, que é o fundador
desse sistema, era Doutor em Medicina, e ele percebera que alguns problemas
psicológicos apresentados pelos seus pacientes não tinham origem fisiológicas.

Sigmund Freud

Após anos de dedicação, Freud confeccionou


uma teoria que deixou a sociedade da época
em polvorosa. Afinal, até o momento, todos
os estudos eram voltados à consciência e re-
lacionados a fatores sensoriais. Dentre tantas
novidades, temas como sexualidade e, prin-
cipalmente, inconsciente geraram bastan-
te clamor.
Segundo Freud, a nossa consciência não é
a grande responsável pelos nossos atos, mas
sim fatores inconscientes ligados aos desejos
e instintos, inatos e que são compartilhados
pela espécie.
Outro ponto importante, e digno de nota,
foi a primeira teoria que trabalhou diretamente com distúrbios psicológicos
e, por isso, supriu uma grande crítica vigente ao Estruturalismo, que, por utili-
zar como método a introspecção, impossibilitava que esses indivíduos validas-
sem resultados.

capítulo 1 • 25
Em resumo, a Psicanálise e Freud ainda exercem grande influência nos es-
tudos psicológicos no século XXI, mesmo que de maneira revisada, e após seu
desenvolvimento o mundo nunca mais foi o mesmo.

1.10  Comportamentalismo
Depois de Wundt declarar que certos aspectos da mente não poderiam ser estu-
dados, Freud levantar o tema do inconsciente e que são conteúdos inacessíveis,
John B. Watson desconsidera o estudo da mente e afirma que a Psicologia deve-
ria se preocupar com o comportamento.

John Watson

A principal preocupação de Watson


foi de observar os aspectos da aprendi-
zagem através de associações e repeti-
ções, inspirados pelos estudos de Ivan
Pavlov, prêmio Nobel em Fisiologia ou
Medicina em 1904. Em seus estudos,
conseguiu provar que o aprendizado
pode acontecer por repetidas associa-
ções entre estímulos.
Watson tentou demonstrar que to-
dos os fenômenos psicológicos — até
as motivações inconscientes de Freud — são resultados do condicionamento
(Rilling, 2000). Freud denominava “deslocamento” a transferência de emo-
ções de um indivíduo para outra pessoa ou outro objeto, uma resposta neuró-
tica que ele atribuía ao inconsciente. Watson chamou o mesmo fenômeno de
uma simples questão de condicionamento (Rilling, 2000). Até onde lhe dizia
respeito, a teoria psicodinâmica e a psicanálise eram “feitiçaria” (Morris e
Maisto, 2004).

26 • capítulo 1
B. F. Skinner

Outro nome muito marcante, nessa escola,


foi o de B. F. Skinner, pois, o fator chamado
“reforço” foi primordial, pois delimitou haver
níveis de aprendizado, explicando assim que
dependendo das consequências, seguidas aos
comportamentos poderiam intensificar a sua
frequência ou reduzi-la. Ou seja, através de re-
compensas, da esfera negativa ou positiva, é
possível desenvolver o aprendizado.
Como todas as escolas anteriores, o
Comportamentalismo viveu seu momento
de ápice e também de declínio. Com a evo-
lução de novas escolas, que falaremos a seguir, alguns fatores que não eram
explicados pelo sistema fundado por Watson foram trabalhados por essas li-
nhas de pensamento. Entretanto, da mesma maneira como aconteceu com a
Psicanálise, muitos de seus preceitos continuaram vivos ou foram remodela-
dos e atualizados para os novos tempos.

1.11  Psicologia da Gestalt


Também chamada apenas de Gestalt, trata-se de um sistema que preconizou o
estudo sobre a percepção e como ela pode interferir na vida das pessoas. Afinal,
o mundo em que vivemos, as pessoas que conhecemos só se configuram em
nossas vidas pela nossa capacidade de perceber.
A tradução da palavra gestalt, de origem alemã, é “forma”, que se relacio-
na com o todo de algo e, ao contrário das outras escolas, que tiveram apenas
uma mente responsável por sua fundação, essa teve as influências de Max
Wertheimer, Kurt Koffka, Kurt Lewin, Wolfgang Kohler.
Dois dos grandes pilares da Gestalt foi ter provado, por meio de experimen-
tos científicos, os conceitos de supersoma e transponibilidade. O primeiro sig-
nifica que o todo não é apenas o somatório de suas partes. Assim, “1+1” é “2” e
não apenas “1+1”. O segundo conceito se relaciona com o fato da predominân-
cia da forma sobre os seus elementos constituintes. Quando se pensa em um

capítulo 1 • 27
cachorro, a forma que vem a cabeça é a imagem de um animal ou da própria
palavra. Em geral, as pessoas não costumam ficar mentalmente soletrando as
letras da palavra c-a-c-h-o-r-r-o.
O importante desse sistema é que com a identificação dos elementos presentes
na capacidade de perceber, assim como muitos outros, acabam interferindo direta-
mente na forma como nos relacionamos, pois, só nos relacionamos porque perce-
bemos o mundo a nossa volta e temos padrões na forma de analisar tais percepções.
Como fruto, a Gestalt lançou os fundamentos do estudo da percepção mo-
derna (Morris e Maisto, 2004).

1.12  Psicologia humanista


Praticamente contemporâneas a Gestalt terapia e a Psicologia humanista, tam-
bém chamada de “Terceira Força” romperam com os princípios da Psicanálise.
Abraham Maslow foi o fundador da Psicologia humanista e a forma como
o homem se sente e se posiciona frente ao mundo foi o que importou para ele.
Como temática, fatores como amor, necessidades fisiológicas, sentimento de
segurança, autoestima e necessidade de se relacionar se correlacionam em uma
hierarquia que foi denominada como a Pirâmide de Necessidades de Maslow.
Assim como outras escolas, a Psicologia Humanista colocou o homem no
sentido completo da palavra como protagonista das discussões e suas influên-
cias também são sentidas atualmente.

Abraham Maslow

28 • capítulo 1
1.13  Psicologia contemporânea
Assim como essas escolas, tivemos outros sistemas que interferiram ou inter-
ferem de maneira direta ou indiretamente na Psicologia, que é hoje estudada
e trabalhada, e que constituem a amálgama de conhecimentos levantados por
esta ciência.
Apenas como exemplo, temos a Psicologia Cognitiva, que tiveram as duas
últimas escolas citadas anteriormente como predecessoras do Behaviorismo e
que é atuante até hoje. A Psicologia positiva, ao contrário de grande parte das
escolas, não está interessada em processos mentais ou sobre as origens e o tra-
tamento de problemas mentais. Até porque muitos já vinham fazendo isso com
maestria. Por isso, o foco principal dessa corrente foi o de estudar os conceitos
e as significações do termo “felicidade” e assim, ao invés de se ater a problemas,
seu foco se tornou a saúde das pessoas. Ainda temos a Psicologia Evolucionista,
cujo interesse reside em verificar os fatores psicológicos que fizeram a huma-
nidade se tornar o que é hoje, além de muitas outras, mais focadas, ou que tive-
ram uma influência mais restrita, mas também fazendo parte desse universo.
No entanto, a Psicologia não é feita apenas de escolas de pensamento, mas
também pela sua aplicação. Até porque, de que adiantaria ter um conhecimen-
to científico, se ele não pudesse ser aplicado em nossas vidas? De acordo com a
resolução CFP 13/2007, delimitada pela Comissão Permanente de Orientação e
Fiscalização (COF), seguem as áreas de atuação do Psicólogo:

Psicologia Clínica Psicologia Escolar Psicologia do Esporte

Psicologia Hospitalar Psicologia Jurídica Neuropsicologia

Psicologia
Psicomotricidade Psicopedagogia
Organizacional

Psicologia do Trânsito Psicologia Social

capítulo 1 • 29
1.14  Terapias alternativas
Conforme falamos em páginas anteriores, apesar da Psicologia ter, em 1879,
se estruturado como ciência, determinando parâmetros de apreensão, análise
e formulação de novas teorias, os seus objetos de estudo já eram discutidos há
quase 2 mil anos.
O que deve ficar claro é que a diferença da Psicologia para qualquer outro
campo, que trate sobre os mesmos assuntos até o momento, é que a ciência da
mente e do comportamento utiliza o método científico e os cuidados que esse
exige no tratamento dos dados e na formulação de novas hipóteses. Não obs-
tante, qualquer pessoa ou área não está proibida de comentar, criar ou aplicar
qualquer prática, desde que esteja nos parâmetros da lei. Até porque, muitas
vezes são de hipóteses ou do próprio conhecimento popular que uma tese é
construída e, com o método, é verificada. Cabe ressaltar apenas, tais saberes
não podem se autointitular “ciência”, falar que são psicólogos ou que praticam
Psicologia. Da mesma maneira, um psicólogo não pode inserir em sua prática
psicológica esses temas. Essas abordagens não possuem uma quantidade de
dados necessária, com a chancela do método científico, para se utilizarem de
tal postura.
Assim, de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), a fun-
ção “Terapeuta Holístico”, de código 3221-25, que dentre outras abordagens,
está capacitado para trabalhar com Terapias Alternativas possui inúmeras for-
mas de atuação, que veremos a seguir:
Floral: Desenvolvida na década de 30 do século XX, por Edward Bach, a
Terapia Floral consiste de administração de soluções, via oral, oriundas das
plantas e flores para equilibrar os quesitos que compõe a personalidade.
Terapias orientais: Trata-se da terapia que possui o corpo do paciente como
o objeto de atuação. Acreditam que existe uma ligação entre corpo e alma e um
reflete no outro. Por esse preceito, manipulando o corpo é possível curar dis-
túrbios da mente. Tal campo se divide em várias atuações: do-in, shiatsu, den-
tre outras.
Reiki: De origem japonesa, sua criação foi no ano de 1922 pelo monge bu-
dista Mikao Usui, tem como prática o uso das mãos por parte do terapeuta para
reequilibrar o “chi”, que segundo o budismo, trata-se da nossa energia vital.

30 • capítulo 1
Como foi possível perceber, a terapia holística possui diversos saberes com
interesses semelhantes: através de sua prática, curar ou harmonizar problemas
do corpo, da mente e da alma.
A grande diferença entre a Psicologia e essas práticas é que a primeira pos-
sui toda sua base trabalhada pelo método científico, com o rigor tanto na apli-
cação dos procedimentos e na análise dos dados, quanto na formulação de
novas hipóteses. O conhecimento oriundo da especulação só é aceito na for-
mulação das hipóteses, nunca na análise de resultados. Já a Terapia Holística
como um todo, trabalha com questões associadas a dogmas e crenças religio-
sas, que são diretamente vetadas pela ciência como corroboração de dados. Ou,
em alguns poucos casos, não possuem um material tão vasto para serem con-
sideradas ciência.
Vale ressaltar que a Terapia Holística possui, no Conselho de Autor-
regulamentação, um código de ética específico e obriga seus associados à uti-
lização da carteira de terapeuta holístico (CRT). Além disso, de acordo com o
CBO, para o exercício é necessário ter formação técnica de nível médio na área
de atuação.

1.15  Misticismo
O termo “misticismo” tem origem grega e significa “iniciado” e pode ser tra-
duzido em conhecimentos e práticas que tenham contato com o divino, e nor-
malmente é aplicado em noções e crenças que não estão ligadas diretamente a
uma religião de grande impacto. Por exemplo, uma prática indígena pode ser
considerada mística, mas uma missa em uma igreja, não.
Seu primeiro registro histórico ocidental se remeteu ao século V, através de
escritos que possuíam a autoria de Dionysius, e foi empregado para mencionar
um tipo de religião ou crença específica.
De acordo com o filósofo e místico alemão Jakob Böhme em seu livro O prín-
cipe dos filósofos divinos, o misticismo se define por: Em seu mais simples e es-
sencial significado, é um tipo de religião que enfatiza a atenção imediata da re-
lação direta e íntima com Deus ou com a espiritualidade, com a consciência da
Divina Presença. É a religião em seu mais apurado e intenso estágio de vida. O

capítulo 1 • 31
iniciado que alcançou o "segredo" foi chamado um místico. Os antigos cristãos
empregavam a palavra "contemplação" para designar a experiência mística.
Como a prática de terapia é livre e o misticismo se relaciona com diversas
culturas e religiões, existem muitos conhecimentos xamânicos ou de qualquer
outra origem, que nem possuem um polo de ensino ou profissional com forma-
ção em nosso país. Há pessoas que aplicam tais conhecimentos embasados em
crenças religiosas, sem qualquer vestígio da aplicação de um método científico.

Alguns dos "desconhecimentos" da Psicologia têm levado os psicólogos a busca-


rem respostas em outros campos do saber humano. Com isso, algumas práticas não
psicológicas têm sido associadas às práticas psicológicas. O Tarô, a Astrologia, a
Quiromancia, a Numerologia, entre outras práticas adivinhatórias e/ou místicas, têm
sido associadas ao fazer e ao saber psicológico. Elas não são práticas da Psicologia.
São outras formas de saber, de saber sobre o humano: não são construídas no campo
da Ciência, a partir do método e dos princípios científicos.

De fato, tanto prática místicas como práticas advinhatórias não cabem no


escopo de ação do psicólogo visto que Psicologia não é adivinhação nem previ-
são de futuro ou tão pouco estabelece qualquer relação com fé.
Astrologia: crença na qual o dia e a hora do nascimento da pessoa determi-
na sua personalidade e seu futuro em função da posição dos astros no cosmo.
Sua origem não é clara, mas os 12 signos representados por conjuntos de es-
trelas de hoje existem desde a Antiguidade, como o resultado da influência da
mitologia de babilônios, egípcios, gregos e romanos. Ainda hoje, alguns jornais
e revistas divulgam a previsão do dia para cada signo.
Tarô: Um baralho específico composto por 78 cartas que representam diver-
sos arquétipos da vida. Algumas pessoas acreditam que através destas cartas
é possível prever o futuro. Surge entre os séculos XV e XVI, na Itália, e desde o
século XVIII o baralho passou a ser utilizado com essa finalidade.
Numerologia: atribuição de significado e simbolismo aos números e crença
de que o somatório da data de nascimento e do número de letras do nome in-
fluencia na personalidade e no futuro.

32 • capítulo 1
1.16  Os objetos de estudo e os processos
básicos da Psicologia

A Psicologia é o estudo científico da organização mental e do comportamen-


to. No entanto, tais variáveis são muito mais amplas do que parecem. Nesses
mais de 130 anos de história, o objeto de estudo da Psicologia se ampliou bas-
tante, comparando com o que era a preocupação no laboratório de Psicologia
de Wundt. Em 1979, o foco da Psicologia, se resumia ao Estruturalismo, isto é,
dissecar a experiência em processos mentais simples, que fossem indivisíveis
como os átomos eram na época.
Quando falamos sobre processos mentais, falamos de inúmeros pontos que
caracterizam a nossa mente. A memória, por exemplo, abarca desde registros
sensoriais, a estruturação dela em curto e longo prazo, assim como os fatores
biológicos que dão origem à memória. Além disto, fatores culturais e na in-
teração com o outro e que interferem diretamente no funcionamento da me-
mória também são lembrados. Outro ponto que já foi intensamente abordado
foi o esquecimento. Afinal, como poderíamos falar de memória sem estudar
o esquecimento?
A Psicologia estuda também a cognição e as capacidades mentais que se
caracterizam pela estrutura do pensamento: conceitos, imagens e linguagem,
pela capacidade de resolução de problemas, pelos processos decisórios, pelas
teorias da inteligência e a relação dessa última com fatores genéticos e sociais.
Somando-se a esses pontos, a Psicologia reserva grande interesse pelos fatores
que interferem na capacidade criativa.
Outra área da psique humana desenvolvida tem relação com as perspectivas
relacionadas à motivação e emoção e como elas podem interferir na qualidade
de vida das pessoas e dos que a cercam. Por exemplo, fatores biológicos, cultu-
rais e ambientais se mantêm no centro das discussões, pois a relação do indiví-
duo com seus impulsos, estado de humor, orientação sexual possuem relação
estrita com esses temas.
Além dessas, desde Freud, no início do século XX, a Psicologia também se
ateve a fatores de personalidade e a relação dela com a mente e o comportamento

capítulo 1 • 33
humano. Em outras palavras, a Psicologia possui muitas preocupações bási-
cas em primeira análise, mas sendo vista com mais calma, percebe-se que tais
preocupações se subdividem em diversas proposições, que tornam o campo
Psicologia algo bastante complexo.
Em relação ao seu objeto de estudo, ele é analisado sob diferentes pers-
pectivas, que, associadas com os temas citados, percebe-se o objetivo de se vir
a obter um dia uma perspectiva integradora. Trata-se do caminho natural de
uma ciência pré-paradigmática que aspira e anseia por se tornar uma ciência
pós-paradigmática.
De um modo geral, essas perspectivas são a biológica, a comportamental,
a cognitiva, a sociocultural, a psicanalítica e a fenomenológica. Para se ter
uma ideia das diferentes perspectivas de investigação psicológica, na análise
do comportamento humano, Amâncio da Costa Pinto tenta ilustrá-las a par-
tir do fenômeno da ira ou furor. Ele apresenta que, na perspectiva biológica,
a ira pode ser analisada a partir da ativação de certos circuitos neuronais do
cérebro, lesões cerebrais provocadas pelo parto, alterações cromossomáticas
ou genéticas e da presença ou ausência de certo nível hormonal no organismo.
Na perspectiva comportamental, a ira pode ser analisada a partir dos gestos e
expressões faciais produzidos, do rubor da face e dos estímulos externos que
precederam e acompanham a manifestação da ira.
Na perspectiva cognitiva, a ira pode ser analisada a partir das experiências
passadas vividas; do modo como um indivíduo as organiza, representa e ma-
nifesta; assim como, da maneira pelas quais tais vivências afetam o pensar e o
raciocinar em situações específicas.
Já na perspectiva sociocultural, a ira pode ser analisada a partir da pertença
a certos grupos sociais, meios residenciais ou ainda em contextos em que há
ou não um público presente. Os acessos de ira costumam diminuir quando o
público se afasta.
Na perspectiva psicanalítica, a ira pode ser analisada a partir de conflitos
parentais não resolvidos na infância, que foram depois reprimidos pelo sujeito
para evitar a ansiedade daí resultante, podendo, no entanto, irromper de forma
inesperada e abrupta.
Na perspectiva fenomenológica, por sua vez, a ira tende a ser analisada a
partir da história de vida de uma pessoa, tendo em conta os ultrajes e as afron-
tas vivenciadas e sofridas; da imagem que se tem de si próprio; e do controle
que se julga ter sobre as situações.

34 • capítulo 1
A ira está associada às guerras, à violência e às agressões entre pessoas, gru-
pos e nações. A ira é um fenómeno psicológico estudado desde a Antiguidade
clássica. Segundo Aristóteles, a questão da ira não é o fato de ficar irado ou fu-
rioso, mas, sim, de ficar irado na proporção correta. Já Sêneca, na obra De ira,
defendeu que não há provocação ou situação que possa justificar a ira. A ira é
um fenômeno, cuja análise, compreensão e explicação científica constituiriam
um avanço considerável para o saber psicológico. Por razões de complexidade
e de dificuldade de análise desse fenômeno e de outros similares, a Psicologia
científica dispõe de alguns modelos, mas falta-lhe uma teoria integradora e
consistente das diversas perspectivas de análise. Em contraste, o senso comum
e a Psicologia popular têm uma orientação contraditória justificando cursos de
ação opostos. Na prática não têm resposta.
Alguns autores como Ana Bock, defendem que o objeto de estudo da
Psicologia seria a subjetividade, a conceituando como a maneira de sentir, pen-
sar, fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um, podendo interferir nele próprio
e no ambiente a sua volta. Em outras palavras, a subjetividade é o elemento que
constitui o nosso modo de ser. Sendo essa uma fabricação social e histórica.
Em suma, como é possível perceber, mesmo após mais de 100 anos de dis-
cussão, a Psicologia possui muito fôlego para manter ainda outros tantos de-
bates acalorados, que só possuem a função de somar a esse campo de conhe-
cimento no seu engrandecimento como ciência. Entretanto, se alguém espera,
em um futuro próximo, o consenso, a formação de princípios e leis universais,
como a Física possui, pode ser que ainda tenha que esperar mais um pouco,
pois, com tantos pontos de vista divergentes, a discussão tenderá a ser bem
longa.

1.17  Psicologia e ciências afins:


Ciências Naturais e Ciências Humanas –
aproximações e distinções
Desde o surgimento do método científico, cujas leis gerais foram desenvolvidas
por Francis Bacon e finalizadas por Descartes, as ciências naturais puderam ser
consideradas como tal. Ou seja, o método científico foi concebido para melhor

capítulo 1 • 35
estudo das ciências naturais. Sendo que, o impacto disso ainda é visível, pois
quando se pensa em ciência, ainda se pensa em Física, Química e Biologia.
O impacto dessa nova maneira de produzir conhecimento foi tão grandioso,
que outros conhecimentos, como a Psicologia, já na época de sua fundação, se
preocuparam em seguir os mesmo padrões, pois, naquele período não se fazia
distinção de áreas de conhecimento. Conforme P. Feyerabend, essa necessi-
dade de se encaixar qualquer conhecimento, não importando a sua origem ou
constituição ao método científico tem o nome de “ditadura do método”.
Para se entender melhor o porquê desse modo de pensar tão predominante,
precisamos fazer uma breve retrospectiva a respeito da formação do conheci-
mento e a necessidade de se organizar esse saber.
Para Platão, o conhecimento é necessariamente inato e para se ter uma me-
lhor compreensão do mundo a sua volta, seria imprescindível estar no mundo
das ideias. Já seu discípulo, Aristóteles, considerava que o conhecimento pode-
ria vir da observação. Após anos de abandono, durante a Idade Média, a busca
do estudo da natureza se intensificou com a influência do Renascimento. Além
disso, o mundo havia começado a se acostumar com as mudanças oriundas das
grandes navegações, que expandiram a mente do homem daquela época, que
considerava o mundo apenas pela presença da Europa.
A partir desse período, o conhecimento se distanciou do imponderável reli-
gioso, disseminado tão intensamente pelas filosofias de Santo Agostinho e São
Tomás de Aquino e se empoderou da razão como baluarte de sua bandeira na
busca do conhecimento que pudesse atender aos anseios da época. Filósofos
como Francis Bacon, que desenvolveu as linhas gerais do método científico;
Descartes, que trabalhou a razão o motivo principal dos seres humanos esta-
rem no topo da cadeia alimentar; John Locke, que aperfeiçoou os preceitos de
Aristóteles sobre a observação; Kant, que determinou capacidades inatas ao ser
humano em confeccionar e desenvolver o conhecimento e muitos outros. Por
fim, se tornou notório a filosofia positivista de Auguste Comte, sendo o toque
que faltava ao espírito da época na evocação do método científico como a ma-
neira mais importante e confiável de produção de saber.
Por muito tempo, pela influência do Positivismo de Comte, que imperou
no século XIX, fatores como neutralidade, objetividade, controle na aplicação e
nos resultados, foco total nas evidências, negação ao conhecimento especula-
tivo e importância da observação foram determinantes para qualquer conheci-
mento que tinha a pretensão de se tornar científico e conseguir notoriedade na

36 • capítulo 1
sociedade. Tanto a Psicologia, como outras ciências humanas que começavam
a amadurecer se sentiram engessadas. De tal maneira que Wundt, com o seu
Estruturalismo e a incessante busca em decompor os processos mentais em
elementos simples, considerava “literatura” a obra de William James, fundador
do Funcionalismo, que pensava na fluidez da mente e achava perda de tempo a
busca pela estruturação desse objeto de estudo.
No entanto, para as ciências humanas era realmente difícil se enquadrar
nos preceitos do método científico. Sendo que essa dificuldade gerou muitos
problemas para as Ciências Humanas, pois muitos cientistas não considera-
vam tais campos do conhecimento, não conseguiam implementar a objetivida-
de e neutralidade tão exaltada nas Ciências Naturais.
Segundo Chauí (2002), os principais motivos para essa descrença nas
Ciências Humanas estavam atrelados aos seguintes fatores:
•  A ciência lida com fatos observáveis, isto é, com seres e acontecimentos
que, nas condições especiais de laboratório, são objetos de experimentação.
Como observar-experimentar, por exemplo, a consciência humana individual,
que seria objeto da Psicologia? Ou uma sociedade, objeto da Sociologia? Ou
uma época passada, objeto da História?
•  A ciência busca as leis objetivas gerais, universais e necessárias dos fatos.
Como estabelecer leis objetivas para o que é essencialmente subjetivo, como o
psiquismo humano? Como estabelecer leis universais para algo que é particu-
lar, como é o caso de uma sociedade humana?
•  Como estabelecer leis necessárias para o que acontece uma única vez,
como é o caso do acontecimento histórico?
•  A ciência opera por análise (decomposição de um fato complexo em ele-
mentos simples) e síntese (recomposição do fato complexo por seleção dos ele-
mentos simples, distinguindo os essenciais dos acidentais). Como analisar e
sintetizar o psiquismo humano, uma sociedade, um acontecimento histórico?
•  A ciência lida com fatos regidos pela necessidade causal ou pelo princípio
do determinismo universal. O homem é dotado de razão, vontade e liberdade
são capazes de criar fins e valores, de escolher entre várias opções possíveis.
Como dar uma explicação científica necessária àquilo que, por essência, é con-
tingente, pois é livre e age por liberdade?
•  A ciência lida com fatos objetivos, isto é, com os fenômenos, depois que
foram purificados de todos os elementos subjetivos, de todas as qualidades sen-
síveis, de todas as opiniões e todos os sentimentos, de todos os dados afetivos

capítulo 1 • 37
e valorativos. Ora, o humano é justamente o subjetivo, o sensível, o afetivo, o
valorativo, o opinativo. Como transformá-lo em objetividade, sem destruir sua
principal característica, a subjetividade?
Sendo que tais fatores serviram para explicar os motivos, por parte dos po-
sitivistas, da não aceitação das ciências humanas como ciências verdadeiras.
No entanto, foram esses mesmos fatores que serviram para provar as diferen-
ças entre as ciências naturais e humanas e que cada uma poderia ter, sim, suas
diferenças e mesmo assim serem consideradas ciências, em pé de igualdade.
Mais especificamente, esse debate ganhou corpo a partir da década de 70 do
último século, pois fatores teóricos e epistemológicos foram novamente levan-
tados a fim de desenvolver um novo olhar a respeito do que poderia ser conside-
rada ciência. Levou-se em consideração que o objeto de estudo dessas ciências,
essencialmente, eram bem distintos.
A respeito disto, será que é possível ser neutro ao se falar de nós mesmos?
A reposta, até o momento é negativa. Em relação à natureza, sim, mas consi-
derando o ser humano, não. Outro motivo que levou a consideração das dife-
renças está relacionado à constituição e à origem desses objetos. Enquanto o
estudo de um movimento se restringe ao movimento propriamente dito e às va-
riáveis envolvidas naquele momento, o ser humano não pode ser dissociado de
seu período histórico social. Não é possível estudar o homem sem considerar
suas origens e o ambiente que o circunda. A maior consequência desses fatos
foi que o fator “qualitativo” ganhou importância e foi percebido que não pode-
ria ser posto de lado, pois fazia parte da peculiaridade das Ciências Naturais.

38 • capítulo 1
2
Pesquisa em
Psicologia
40 • capítulo 2
Estudos e pesquisas sobre os problemas da formação e da atuação, em Psico-
logia, têm assinalado o valor da pesquisa no processo de formação de um pro-
fissional capacitado e não mero repetidor de práticas se reduzindo a um técni-
co. Esse fator que permitirá a ampliação do campo de atuação profissional e
a construção de práticas mais críticas, principalmente, nesse momento onde
diversos cursos de coaching prometem soluções desde o cumprimento de me-
tas simples até a orientação vocacional.
A importância da pesquisa para o preparo de profissionais competentes tor-
nou-se uma necessidade nos últimos tempos. Ao longo do século passado, reu-
niões foram organizadas pela American Psychological Association (APA) com o
intuito de delinear alguns padrões necessários à formação profissional de psi-
cólogos nos Estados Unidos.
Em 1949, na Boulder Conference on Graduate Education in Clinical
Psychology, partindo-se do pressuposto de que o psicólogo deve ser tanto um
pesquisador quanto um profissional, delineou-se o modelo científico-pro-
fissional (scientist-practitioner model) (Baker & Benjamin, 2000; Benjamin &
Ludy, 2001).
Belar (2000), Peterson (2000) e Stricker (2000), analisando a formação de
psicólogos, nos Estados Unidos, assinalaram a necessidade de que esses se-
jam pesquisadores, além de profissionais, para que desenvolva a si mesmos e
à ciência que defendem. Esses autores constataram que, apesar de afirmar-se
que práticas sustentáveis são empiricamente testadas, grande parte dos psicó-
logos, principalmente os que trabalham na área clínica, não as vê como neces-
sária, pois nas instituições formadoras elas não são tão enfatizadas e ensinadas
como deveria. Belar (2000) e Peterson (2000) acrescentam, ainda, que poucas
são as instituições que se dedicam a desenvolver o tipo de questionamento que
a ciência exige ou mostram preocupação com a pesquisa e a validação dos mé-
todos e das técnicas utilizadas.
Conclusões semelhantes fazem parte de relatórios produzidos nos Estados
Unidos, depois de visitas de avaliações realizadas nas instituições que prepara-
vam psicólogos clínicos. Essas avaliações apoiavam-se no programa produzido
por Shakow, psicólogo chefe do Worcester State Hospital, que enfatizava a ne-
cessidade do doutoramento e o preparo em diagnóstico, tratamento e pesquisa
para uma formação sustentável e de caráter permanente (Baker & Benjamin Jr.,
2000; Benjamin Jr. & Ludy, 2001).

capítulo 2 • 41
Reuniões realizadas nos países latino-americanos com essa mesma finali-
dade culminaram com a Primera Conferencia Latinoamericana sobre entrena-
miento en Psicologia, realizada em 1974, em Bogotá (Colômbia) e patrocinada
pela União Internacional de Ciência Psicológica (IUPsyS). Nela, todos os parti-
cipantes concordaram que a Psicologia é uma ciência e uma profissão e que a
formação deve levar em conta esses dois aspectos, delineando-se, a partir deles,
o modelo de formação denominado de Bogotá ou latino-americano.
Esses dados parecem ser suficientes para concluir que a pesquisa tem sido
considerada matéria de fundamental importância a uma adequada formação
em Psicologia. Acredita-se que, quando se preparam bons pesquisadores, tam-
bém estão sendo formados profissionais capazes de avaliar, questionar, obser-
var, levantar hipóteses sobre os possíveis motivadores dos comportamentos es-
tudados e de planejar intervenções eficazes para as necessárias transformações.
As diretrizes curriculares nacionais para o curso de Psicologia defendem
essa necessidade.

Art. 3º O curso de graduação em Psicologia tem como meta central a formação


do psicólogo voltado para a atuação profissional, para a pesquisa e para o ensino
de Psicologia, e deve assegurar uma formação baseada nos seguintes princípios
e compromissos:
I - Construção e desenvolvimento do conhecimento científico em Psicologia;
Art. 8º As competências reportam-se a desempenhos e atuações requeridas do
formado em Psicologia, e devem garantir ao profissional o domínio básico de
conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-los em diferentes contextos
que demandam investigação, análise, avaliação, prevenção e atuação em processos
psicológicos e psicossociais e na promoção da qualidade de vida. São elas:
IV - identificar, definir e formular questões de investigação científica no campo da
Psicologia, vinculando-as a decisões metodológicas quanto à escolha, coleta e análise
de dados em projetos de pesquisa.

A graduação em Psicologia, conforme explicitado nas diretrizes, deve ga-


rantir formação científica sólida, a fim de propiciar uma prática profissional
crítica. O psicólogo deve ser capaz de compreender sua atividade profissio-
nal como um campo permanente de pesquisa e de produção de conhecimen-
to. Pretende-se que o psicólogo seja mais que um mero técnico e “aplicador”

42 • capítulo 2
de conhecimentos disponíveis, que, além de conhecer e utilizar os saberes já
produzidos seja capaz de articular teoria e prática com implicações éticas e so-
ciais delas advindas. Para isso, ele deve ter formação ampla em pesquisa básica
e aplicada.

2.1  A Psicologia científica e os


meios de divulgação digital
(A Psicologia científica na web)
A internet pode ser um meio eficaz para a postagem, o intercâmbio e a recolha
de informações em pesquisa e dados relacionados com a Psicologia. A relati-
va facilidade e o baixo preço de criação e manutenção de aplicativos baseados
na web, associadas com a simplicidade de utilização, pelo formato de interface
gráfica do usuário de inquéritos com base em formulários, pode estabelecer
uma nova fronteira de investigação para as ciências sociais e comportamentais.
A abordagem web está atraindo um grande interesse na comunidade cien-
tífica por causa das vantagens que pode dar ao experimental na Psicologia. Em
um estudo recente, se tentou identificar as possíveis vantagens dessa aborda-
gem por meio de entrevistas com psicólogos anteriormente envolvidos em es-
tudos da internet. As principais vantagens são relatadas a seguir:
•  O grande acesso da população, que permite uma maior validade externa,
e a possibilidade de generalizar facilmente os resultados obtidos;
•  Custos menos experimentais, e a possibilidade de evitar todas as dificul-
dades relacionadas com a utilização de laboratórios: de reserva, de espaço limi-
tado, da partilha de equipamento, e assim por diante;
•  A possibilidade de fornecer as ferramentas em torno do relógio, sem qual-
quer limitação de tempo;
•  A participação totalmente voluntária, o que normalmente melhora a mo-
tivação dos entrevistados.

A internet pode revelar-se superior ao do papel, porque potencialmente ofe-


rece mais acessibilidade; capacidade para formulários dinâmicos e interativos,
que eliminam a visualização de perguntas irrelevantes; e feedback personaliza-
do sob medida para o conteúdo das respostas.

capítulo 2 • 43
Em geral, o fator mais atraente da internet para pesquisa psicológica é a
oportunidade de ter uma grande “piscina” em todo o mundo de assuntos sem-
pre na ponta dos dedos: a web oferece uma enorme variedade de população
para a prática de um experimento, mas também a chance de chegar a uma de-
terminada amostra com características específicas.
No entanto, existem desvantagens específicas na utilização da internet
para pesquisa:
•  É difícil controlar o ambiente de estudo, pois os usuários da web têm di-
ferentes tipos de conexões de hardware, software e internet. Não há nenhuma
maneira de garantir que todos os que participam na experiência vão receber
exatamente os mesmos estímulos em termos de som, da cor, ou do momento;
•  Participantes do estudo são, geralmente, não monitorados, assim o inves-
tigador não pode ter certeza sobre as informações coletadas. Os membros das
comunidades eletrônicas, muitas vezes, adotam identidades falsas, apelido ou
switches de gênero;
•  Pessoas que participam em experiências online são autosselecionados e
de nenhuma maneira aleatória representantes da população em geral. Em par-
ticular, eles são geralmente enviesados em direção à parte alta do espectro eco-
nômico e socioeducativo;
•  A criação de uma ferramenta de avaliação baseada na web não é uma ta-
refa fácil para um psicólogo. Ele geralmente requer o desenvolvimento de dife-
rentes páginas da web e da administração do banco de dados em que as respos-
tas são armazenadas.

Há também uma série de questões práticas que devem ser consideradas


por quem quer usar os testes online, problemas teóricos e éticos que precisam
ser resolvidos. Em conclusão, os testes clínicos online são desejáveis. Há cla-
ramente um grande potencial, mas um monte de trabalho que deve ser feito
antes que tal potencial seja realizado. Só o tempo e a extensa pesquisa pode nos
dizer se esses instrumentos se tornarão uma ferramenta útil em contextos das
diversas áreas da Psicologia.
O principal desafio para os pesquisadores da internet agora é como definir
construtos metodológicos básicos, a fim de obter melhor controle sobre a vali-
dade interna e estatística experimental.
O portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) é uma fonte da
Biblioteca Virtual em Saúde — Psicologia da União Latino-Americana de

44 • capítulo 2
Entidades de Psicologia (BVS-Psi ULAPSI) e fruto da parceria entre Fórum
de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB), Biblioteca Dante
Moreira Leite, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/
USP) e do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências
da Saúde —BIREME, que cedeu a metodologia Scientific Electronic Library
Online (SciELO), modelo de publicação eletrônica de periódicos para países
em desenvolvimento.
O objetivo do PePSIC é contribuir para a visibilidade do conhecimento psi-
cológico e científico gerado nos países da América Latina, a partir da publica-
ção de revistas científicas em acesso aberto.
Por acesso aberto, tal como a Budapest Open Access Initiative, entendemos
“a disposição livre e pública na internet, de forma a permitir a qualquer usuário
leitura, download, cópia, distribuição, impressão, busca ou o link com o con-
teúdo completo de artigos, bem como a indexação ou o uso para qualquer ou-
tro propósito legal, sem barreiras financeiras, legais e técnicas outras que não
aquelas necessárias para a conexão da internet. O único constrangimento para
a reprodução, a distribuição, bem como os direitos de cópia e seu domínio deve
ser o controle do autor sobre a integridade de seu trabalho e o direito de sua
propriedade intelectual e citação”.
Originalmente desenvolvido para publicar as revistas científicas de
Psicologia do Brasil, o PePSIC foi lançado, oficialmente, em 2005, sendo expan-
dido para os demais países da América Latina no ano 2006. Atualmente, o por-
tal publica títulos de 11 países.
A Coordenação Técnico-Científico da BVS-Psi ULAPSI é responsável pela
política de inclusão de novos títulos e gestão do PePSIC.
Para ser incluída no PePSIC a revista deve passar por processo de avaliação
da coordenação técnico-científica, que poderá recorrer a um parecerista exter-
no, caso julgue necessário. As revistas candidatas à publicação devem atender
ao menos 70% dos critérios adotados pelo Latindex. Além de atender a esses
critérios a revista deve:
•  Pertencer à área de Psicologia e ciências afins;
•  Ter caráter científico;
•  Ser arbitrada;
•  Ser publicada em um dos países da América Latina;
•  Ter, no mínimo, três fascículos publicados.

capítulo 2 • 45
Para submeter uma revista ao processo de avaliação o editor deve enviar:
1. Um exemplar dos 3 últimos fascículos publicados ou, no caso de perió-
dicos eletrônicos, o endereço eletrônico (URL) do periódico e as especificações
dos 3 últimos números publicados, com sua respectiva localização.
2. Carta de apresentação da revista e do Conselho Editorial.

•  Periódicos indexados nos seguintes índices internacionais estão automa-


ticamente aprovados para sua inclusão no portal PePSIC:
•  Rede SciELO;
•  Thomson Reuters (antigo ISI);
•  PsycInfo.

As revistas publicadas pelas entidades do Fórum das Entidades Nacionais


da Psicologia Brasileira e do Sistema Conselhos estão automaticamente
aprovadas para inclusão no PePSIC, desde que atendam a 70% dos critérios
do Latindex.
Os fascículos impressos, ou a URL da revista digital, e carta de apresentação
da revista devem ser enviados para:
Biblioteca Dante Moreira Leite — BVS-Psi ULAPSI/PePSIC
Universidade de São Paulo
Instituto de Psicologia
Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia — PePSIC
A/C Maria Imaculada Cardoso Sampaio
Av. Prof. Mello Moraes, 1721— Bl C
05508-030 — São Paulo — SP — Brasil

CONEXÃO
Sites importantes para acesso:
Atualmente, o Conselho Federal de Psicologia tem inclusive página no Facebook:
<https://www.facebook.com/conselhofederaldepsicologia/>
Associação Norte-americana de Psicologia: <http://www.apa.org/>

46 • capítulo 2
2.2  Métodos de pesquisa em Psicologia
Estudaremos mais em detalhe, apenas 3 tipos de métodos de pesquisa utiliza-
dos em Psicologia:
1. Métodos descritivos (estudo de caso, levantamento e observa-
ção naturalista);
2. Métodos correlacionais;
3. Métodos experimentais;

2.3  Estudo de Caso


Embora o estudo de caso não seja um método exclusivo para trabalhar com um
pequeno número de pessoas, costuma ser um dos mais utilizados. Algumas
pesquisas descritivas trabalham apenas com um pequeno número de pessoas,
um grupo pequeno, ou apenas uma pessoa, por isso, chamamos estudo de caso
único.
Importante que mesmo quando a pesquisa é feita com um grupo de pessoas
a entrevista é sempre individual.

Às vezes, estudos de casos envolvem pessoas comuns, como o que Jean


Piaget realizou em seus próprios filhos. Pesquisa essa que permitiu desenvolver

capítulo 2 • 47
a sua teoria cognitiva dos estágios do desenvolvimento cognitivo. Mas com fre-
quência, estudos de caso são realizados em indivíduos que possuem alguma ex-
periência ou características particulares e específicas. A expectativa do estudo
de caso é poder conhecer tal situação ou característica em profundidade.
Sigmund Freud utilizou estudo de caso com seus pacientes para desenvol-
ver sua teoria de personalidade. Outro estudo de caso bem conhecido é o de
Phineas Gage, um homem cujos pensamentos e emoções foram extensivamen-
te estudados por psicólogos cognitivos após um vergalhão de estrada de ferro
ter perfurado seu crânio em um acidente.

2.4  Levantamento
Em outros casos, as pesquisas descritivas são realizadas por meio de perguntas
para saber as crenças e os comportamentos de uma amostra de pessoas de uma
categoria específica ou pessoas em geral.
Nesse caso, geralmente deseja-se estudar um grupo de pessoas (não muito
pequeno) que seja estatisticamente representativo de uma determinada popu-
lação. O grupo de participantes selecionados para tomar parte do levantamento
é chamado de amostra.
Utiliza-se o levantamento em pesquisas eleitorais, por exemplo, com obje-
tivo de inferir, a partir de uma amostra representativa da população de cada
estado, qual a expectativa de votos para cada candidato. É muito comum, a uti-
lização de levantamento quando se deseja realizar uma análise estatística em
termos de prevalência, ou incidência de determinados transtornos na popula-
ção. Exemplo: mais de 60% das mulheres entre as idades de 50 e 60 sofrem de
depressão.
Em função do número de participantes investigados nos levantamentos,
geralmente, utiliza-se questionários. Isto porque o próprio participante pode
responder sozinho ao questionário e como possuem questões objetivas, facilita
muito a análise dos resultados.
Exemplo de um questionário:

48 • capítulo 2
Quadro I — Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão

Este questionário ajudará o seu médico a saber como você está se sentindo. Leia todas as frases. Marque com um “X” a resposta que melhor
corresponder a como você tem se sentido na ÚLTIMA SEMANA. Não é preciso ficar pensando muito em cada questão. Neste
questionário as respostas espontâneas têm mais valor do que aquelas em que se pensa muito.
Marque apenas uma resposta para cada pergunta.
A (1) Eu me sinto tenso ou contraído: D (8) Eu estou lento para pensar e fazer as coisas:
3 ( ) A maior parte do tempo 3 ( ) Quase sempre
2 ( ) Boa parte do tempo 2 ( ) Muitas vezes
1 ( ) De vez em quando 1 ( ) De vez em quando
0 ( ) Nunca 0 ( ) Nunca

D (2) Eu ainda sinto gosto pelas mesmas coisas de antes: A (9) Eu tenho uma sensação ruim de medo, como um frio na
0 ( ) Sim, do mesmo jeito que antes barriga ou um aperto no estômago:
1 ( ) Não tanto quanto antes 0 ( ) Nunca
2 ( ) Só um pouco 1 ( ) De vez em quando
3 ( ) Já não sinto mais prazer em nada 2 ( ) Muitas vezes
3 ( ) Quase sempre
A (3) Eu sinto uma espécie de medo, como se alguma coisa ruim
fosse acontecer: D (10) Eu perdi o interesse em cuidar da minha aparência:
3 ( ) Sim, e de um jeito muito forte 3 ( ) Completamente
2 ( ) Sim, mas não tão forte 2 ( ) Não estou mais me cuidando como deveria
1 ( ) Um pouco, mas isso não me preocupa 1 ( ) Talvez não tanto quanto antes
0 ( ) Não sinto nada disso 0 ( ) Me cuido do mesmo jeito que antes

D (4) Dou risada e me divirto quando vejo coisas engraçadas: A (11) Eu me sinto inquieto, como se eu não pudesse ficar
0 ( ) Do mesmo jeito que antes parado em lugar nenhum:
1 ( ) Atualmente um pouco menos 3 ( ) Sim, demais
2 ( ) Atualmente bem menos 2 ( ) Bastante
3 ( ) Não consigo mais 1 ( ) Um pouco
0 ( ) Não me sinto assim
A (5) Estou com a cabeça cheia de preocupações:
3 ( ) A maior parte do tempo D (12) Fico esperando animado as coisas boas que estão por vir:
2 ( ) Boa parte do tempo 0 ( ) Do mesmo jeito que antes
1 ( ) De vez em quando 1 ( ) Um pouco menos do que antes
0 ( ) Raramente 2 ( ) Bem menos do que antes
3 ( ) Quase nunca
D (6) Eu me sinto alegre:
0 ( ) A maior parte do tempo A (13) De repente, tenho a sensação de entrar em pânico:
1 ( ) Muitas vezes 3 ( ) A quase todo momento
2 ( ) Poucas vezes 2 ( ) Várias vezes
3 ( ) Nunca 1 ( ) De vez em quando
0 ( ) Não sinto isso
A (7) Consigo ficar sentado a vontade e me sentir relaxado:
0 ( ) Sim, quase sempre D (14) Consigo sentir prazer quando assisto a um bom programa
1 ( ) Muitas vezes de televisão, de rádio ou quando leio alguma coisa:
2 ( ) Poucas vezes 0 ( ) Quase sempre
3 ( ) Nunca 1 ( ) Várias vezes
2 ( ) Poucas vezes
3 ( ) Quase nunca

2.5  Observação Naturalista


Um último tipo de pesquisa descritiva conhecida como observação naturalista.
Trata-se de uma investigação sistemática de coleta e registro de informações
na situação na qual ela ocorre. Por exemplo, observar e descrever crianças em
um playground, o que dizem, como interagem e como se expressam enquanto
se divertem.

capítulo 2 • 49
2.6  Pesquisa Correlacional
Esse tipo de investigação pretende descobrir relações entre variáveis. Por exem-
plo, as variáveis de altura e peso são sistematicamente relacionadas (correlacio-
nadas), porque as pessoas mais altas geralmente pesam mais do que as pessoas
mais baixas.
Considere, por exemplo, um pesquisador que supõe que quanto maior a an-
siedade maior a quantidade de problemas de saúde nas pessoas. Ele pode fazer
essa pesquisa. Cada pessoa realiza o teste de ansiedade e responde a um questio-
nário onde são avaliadas doenças das mais variadas formas, tais como: respira-
tórias, doenças de pele, doenças digestivas, cardíacas, doenças mentais e outras.
Exemplos de variáveis que podemos encontrar correlação: habilidades so-
ciais e durabilidade do relacionamento, felicidade e renda em países que apre-
sentam baixa renda per capta, e outras. Em cada caso, as pessoas com maior
pontuação, em uma das variáveis, também tendem a uma pontuação mais ele-
vada na outra variável.

50 • capítulo 2
Depois, os dados dos participantes são analisados estatisticamente. Uma
maneira de organizar os dados de um estudo correlacional com duas variá-
veis é representá-lo graficamente sobre dois eixos, onde cada eixo simula uma
variável. Cada ponto representa o resultado de um participante da pesquisa,
considerando os seus resultados nas duas variáveis. Os resultados podem ser
drasticamente diferentes como demonstrados a seguir:

Gráfico de Dispersão

Y Y Y
6 6 6
4 4 4
2 2 2
0 0 0
0 2 4 6 X 0 2 4 6 X 0 2 4 6 X
Correlação positiva Pode haver Nao há correlação
correlação positiva

Y Y Y
6 6 6
4 4 4
2 2 2
0 0 0
0 2 4 6 X 0 2 4 6 X 0 2 4 6 X
Correlação negativa Pode haver Nao há correlação
correlação negativa

ISO/TS 16949:2002

Quando os resultados, no gráfico, se aproximam de uma linha reta, indica


que existe correlação entre as variáveis porque, as pessoas que têm uma das
variáveis elevadas tendem a ter a outra elevada também; e o contrário é verda-
deiro. As pessoas que apresentam baixo resultado, em uma variável, também
apresentam baixo resultado na outra variável.
Ocorre que a tendência a formar uma reta pode ter duas posições possíveis
como os exemplos a seguir.

Y Y
6 6
4 4
2 2
0 0
0 2 4 6 X 0 2 4 6 X

capítulo 2 • 51
Nesse caso, identificamos 2 tipos de correlações: as positivas e as negativas.
As correlações positivas ocorrem, como dissemos, quando as variáveis são
diretamente proporcionais e à medida que observamos o aumento em uma va-
riável, percebemos o aumento na outra variável também.
As correlações negativas, por outro lado, são inversamente proporcionais,
isto é: à medida que uma variável aumenta, a outra diminui. Nesse caso, as va-
riáveis também se correlacionam. Exemplo: depressão e autoestima, isto é, a
pessoa que tem depressão geralmente tem a autoestima elevada e vice-versa,
dessa forma, à medida que observamos a elevação em uma variável, constata-
mos a redução na outra variável.
Outros exemplos de correlação negativa: bem-estar e agressividade. À medi-
da que aumenta o nível de bem-estar de uma pessoa é provável que diminua o
nível de agressividade em seu comportamento.
Uma limitação importante dos desenhos de pesquisa de correlação é que
eles não estabelecem relações causais entre as variáveis medidas. Embora os
resultados demonstrem correlação entre as variáveis, esse método não garante
que uma variável seja a causadora da outra. Isso porque podem existir diversas
outras variáveis que se relacionam também, assim, a causa das duas pode ser
multivariável ou pode-se ainda encontrar, futuramente, outra variável respon-
sável pelas ocorrências das duas variáveis estudadas.

2.7  Pesquisa Experimental


O método experimental propõe compreender as causas de um determinado fe-
nômeno. O objetivo dessa modalidade de pesquisa é fornecer conclusões defi-
nitivas a respeito das relações causais entre as variáveis estudadas.
Na pesquisa experimental, propomos a relação causal entre duas variáveis:
a variável independente que será testada, e a variável chamada dependente
porque, segundo a hipótese de causalidade, ela sofre o efeito da variável in-
dependente. Dessa forma, a variável independente será testada (manipulada)
pelo experimentador.
Considere, por exemplo, um pesquisador que tem uma hipótese de que a
visualização de comportamento violento causa comportamentos agressivos
em crianças. Nesse caso, os filmes violentos seriam a variável independente e
o comportamento agressivo seria a variável dependente. Outro exemplo, um

52 • capítulo 2
psicólogo deseja verificar o efeito da psicoterapia na ansiedade. Qual seria a
variável dependente? Resposta: a psicoterapia.
Existe outra característica da pesquisa experimental. Essa divide os partici-
pantes da pesquisa de forma aleatória em grupo de experimental e grupo de con-
trole, sendo que a variável será testada em apenas um: o experimental. O grupo
de controle tem a função apenas de servir como um parâmetro de comparação.
Considere um experimento no qual um pesquisador testou a hipótese de
que o consumo de álcool faz com que a pessoa perceba os membros do sexo
oposto como mais atraentes.
Método: participantes com idade superior a 21 anos de idade foram selecio-
nados aleatoriamente para beber suco de laranja misturado com vodka ou para
beber suco de laranja sozinho.
Depois de um tempo suficiente para o álcool fazer efeito nos participantes,
eles foram convidados a avaliar a atratividade de fotos de membros do sexo
oposto.
Se os resultados do experimento mostrarem que, como previsto, os partici-
pantes que beberam vodka classificaram as fotos das pessoas do sexo oposto
significativamente como mais atraente do que o grupo de controle, poderemos
comprovar a hipótese e afirmar que o consumo de álcool altera a percepção no
sentido de aumentar a concepção de atratividade para o sexo oposto.
Um cuidado que se deve ter, nas pesquisas experimentais, é eliminar todas
as variáveis que possam interferir no resultado. Uma variável que costuma in-
fluenciar nos resultados é o efeito placebo, isto é, o fato da pessoa acreditar
que seu “mal” está sendo tratado, muitas vezes, faz com que a pessoa sinta-se
realmente melhor. Isto explica o fato da mãe dar um beijinho para passar a dor
ou um copo de água com açúcar para os adultos. Todos esses procedimentos
funcionam como placebo.
Em pesquisa, uma forma de equiparar o efeito placebo nos dois grupos,
controle e experimental, é criar um procedimento similar para o grupo de con-
trole para que ele também seja afetado pelo efeito placebo. Tal estratégia faz
com que os participantes da pesquisa não saibam que fazem parte do grupo
experimental e do grupo de controle.
No caso da pesquisa citada, uma alternativa para o grupo controle pode-
ria ser utilizar junto ao suco de laranja do grupo de controle, um preparado
com gosto de álcool, mas que não fosse álcool e não tivesse os mesmos efeitos
do mesmo.

capítulo 2 • 53
É muito comum, em estudos experimentais de medicamentos, utilizar, no
grupo controle, um comprimido que não tenha química alguma.

54 • capítulo 2
3
Diferentes
Abordagens e a
Psicanálise de
Freud
56 • capítulo 3
3.1  As razões para a multiplicidade de
abordagens na Psicologia

De um modo geral, o marco determinante para a consideração da Psicologia


como ciência fora o lançamento do livro Principles of physiological Psychology,
em 1879, de Wilhelm Wundt, assim como a fundação de seu laboratório, no
mesmo ano, na cidade de Leipzig, Alemanha. A partir desse momento, os an-
seios de Wundt e de outros acadêmicos que viam um grande campo de estudo a
sua frente tomou forma. Afinal de contas, os estudos relacionados à percepção
e aos processos mentais simples, pela primeira vez na história, foram disso-
ciados da Filosofia e do pensamento metafísico, passando a vigorar apenas o
método científico como meio de produção de conhecimento.
No século XIX, todo o saber que tivesse qualquer pretensão que fosse além
da conversa, deveria, sim, ser regido pelos princípios das Ciências Naturais e
apenas delas.

Wundt. Fonte: http://www.appsychology.com/HowPass/WWPsy/Wundt

Essa premissa da busca incessante pelo conhecimento científico tinha


toda uma razão de existir. Aquele século foi de extrema importância para a
forma como vivemos hoje, pois, nele diversos dogmas foram derrubados. Por

capítulo 3 • 57
exemplo, o Imperialismo e a Igreja, cujos reis, imperadores, papas e cardeais
representaram o poder por mais de mil anos por meio de sucessões interminá-
veis, começaram a perder espaço para o Capitalismo, que vinha ganhando cada
vez mais força e tinha, na Revolução Industrial, o baluarte de seu crescimento.
A mudança também aconteceu na forma de pensar e encarar o mundo. O
Positivismo, de Auguste Comte, estava em voga, valorizando a observação, a
experimentação e desmistificando o poder da crença e do imutável. Não que
a religião tenha perdido necessariamente espaço na sociedade, mas desde o
Racionalismo, de Descartes, no século XVI, o indivíduo vinha cada vez mais ga-
nhando espaço e se tornando o centro de tudo.
Nessa evolução, na forma de pensar, que passou da crença inquestionável,
fomentada pela Igreja Católica, que vigorou imponente na Idade Média e que
só perdeu força com o Iluminismo, um filósofo conseguiu grande destaque.
Seu nome é Francis Bacon (1561-1626), e foi ele quem delimitou as bases do
método científico, finalizado por Descartes. Segundo Bacon: “Apenas a investi-
gação científica poderia garantir o desenvolvimento do homem e o domínio do
mesmo sobre a natureza”.
Entretanto, uma frase emitida alguns anos após a fundação do laboratório
de Wundt, por Hermann Ebbinghaus, exemplifica o fato do estudo assistemáti-
co da Psicologia ser ainda anterior à Idade Média: “A Psicologia possui um lon-
go passado, mas uma história curta”. Mesmo nos dias atuais, onde a Psicologia
possui mais de 130 anos de vida como ciência, se for comparada ao tempo que
já vinha sendo estudada, mesmo que sem o rigor de um método científico, essa
afirmação continua muito atualizada.
Vários pensadores, como Sócrates, Platão e Aristóteles, só para citar os mais
famosos, assim como muitos depois deles, também refletiam sobre o objeto de
estudo dessa ciência: a mente. A separação entre o mundo físico e o das ideias,
feita por Platão, ainda é alvo de discussão nos dias atuais, rendendo inúmeros
debates, tanto entre acadêmicos, quanto entre as abordagens vigentes.
Frente a esse cenário de valorização da observação sistêmica, da experi-
mentação e do controle dos resultados tão pregados no século XIX, será que
Wundt, considerado por muitos como o “Pai da Psicologia”, acreditaria, que
a Psicologia, mesmo depois de seus esforços para separar a especulação da

58 • capítulo 3
produção do conhecimento e mais de um século de história, ainda estaria en-
tregue ao conhecimento metafísico? Talvez ele se sentisse confuso pelas diver-
sas abordagens, que, muitas vezes, desenvolvem as mesmas problemáticas no
mesmo objeto de estudo de maneiras completamente diferentes, não?
A verdade sobre essa situação é que mesmo com muitos avanços, a Psicologia
ainda é considerada uma ciência pré-paradigmática e ainda está longe de mu-
dar essa visão. A pergunta que não quer calar é: Será que isso é bom ou ruim?

3.2  A falta de dados conclusivos


A resposta para essa pergunta é longa, pois existem várias razões para que, um
século depois, ainda estejamos longe das pretensões de Wundt, mas não tere-
mos como começar pelo fato mais evidente: a falta de dados que convencione
a Psicologia ao patamar de ciência pós-paradigmática. Pode parecer paradoxal,
mas a Psicologia é uma ciência muito jovem, mesmo com mais de cem anos de
produção acadêmica para a constituição desse saber.
Esse argumento ainda se mantém mesmo com campos do saber que nem
são considerados ciência, como a Medicina, mas que possui muito mais lastro
temporal e de conteúdo. Seu surgimento, de acordo com a visão ocidental, se
remete à vida de Hipócrates, considerado o pai da Medicina, que viveu entre
os anos 460 e 377 a.C. Ou seja, nada mais natural que um conhecimento com
essa longevidade, mesmo não sendo uma ciência propriamente dita, mas sim
uma prática, tenha muitos pressupostos aceitos pela sua comunidade e que
norteiam suas práticas.
Imaginar um conhecimento ainda tão jovem comparado a outras áreas —
como podemos verificar — alcançar o patamar de ciência estruturada, com
princípios e leis universais, que as rejam e direcionem os seus esforços talvez
seja, na melhor das hipóteses, um exercício ansioso de quem busca uma satis-
fação ou, no pior dos casos, na arrogância de alcançar uma posição que corres-
ponderia com a verdade. Afinal, o fim de um cientista se prenuncia quando ele
se apega emocionalmente a sua criação e abandona o exercício de questionar.

capítulo 3 • 59
3.3  Relação dialética entre a especulação e
o método científico

Quando Wundt inaugurou o seu laboratório e começou a produzir, o seu in-


tuito, como citamos anteriormente, era idêntico ao de muitos outros cientis-
tas de várias áreas: afastar o conhecimento produzido pelo método científico
da Metafísica e da Filosofia. Essa dinâmica era reflexo do espírito da época,
que os alemães chamam de zeitgeist. No entanto, será que é possível fazer
essa dissociação?
No decorrer do século XX, o conceito de ciência se expandiu de tal maneira,
com o surgimento e a aceitação das Ciências Humanas, desencadeando uma
nova maneira de se pensar e fazer ciência. O conhecimento produzido em la-
boratórios clássicos como único aceito para comprovar evidências e fatos, caiu
por terra. Inclusive, vemos todos os dias nos veículos de comunicação, que mui-
tas descobertas contradizem conhecimentos verificados anteriormente. Em
determinado momento, todos acreditavam que algo era positivo, mas depois,
por uma nova descoberta, as opiniões modificam. Como exemplo, citamos o
café, que nos últimos 30 anos mudou de “mocinho” para “vilão” e vice-versa
pelo menos três vezes. Em outras palavras, os cientistas passaram a entender
que mesmo o controle máximo conseguido em um laboratório, no melhor dos
experimentos, é parcial e pode sofrer alterações.
Sendo que tal cenário apenas se transformou e se apresentou com esse fei-
tio pela melhor compreensão, por parte dos acadêmicos, sobre a relação entre
conhecimento especulativo e método científico. Primeiramente, percebeu-se
o limite da concepção elaborada por Francis Bacon em relação à criação de
conhecimento e hipóteses. Um método é uma forma de atuação, segundo pa-
drões que puderam organizar e traduzir para um mesmo "idioma" toda a pro-
dução do planeta. Com esse delineamento, estudiosos de diferentes partes do
globo podem verificar, questionar ou acreditar em evidências desenvolvidas
em qualquer lugar, assim como utilizá-las em complemento aos seus estudos,
já que, se ambos tiverem seguido as premissas do método, poderão produzir os
mesmos resultados. No entanto, o levantamento de hipóteses, a análise dos da-
dos e a verificação de alternativas, que não saltaram aos olhos em uma primeira
observação, apenas serão possíveis com a capacidade intrínseca de especular.

60 • capítulo 3
Cabe ressaltar que, em nenhum momento, o método científico foi desacre-
ditado ou caiu em desuso, pelo contrário, mas a forma como fora delimitado,
desenvolvido e aplicado sofreu transformações.

3.4  A importância das abordagens para a


constituição do conhecimento

Muitos profissionais e estudiosos se confundem com essa amálgama de teorias


e conhecimentos que, em certas ocasiões, falam sobre a mesma coisa, mas de
maneira completamente diferentes, tanto considerando a forma de trabalhar,
como nos resultados, que, até certo ponto, são contraditórios. Estudantes e psi-
cólogos formados também costumam se sentir desconfortáveis com essa diver-
sidade de saberes e práticas.
Não obstante, dentro desse vasto cenário, existe uma grande vantagem di-
retamente relacionada com a enxurrada de críticas que os defensores de cada
abordagem fazem às outras, no intuito de vencerem esse diálogo, que, em de-
terminados momentos, se apresenta como monólogo, pois as pessoas, ao de-
fenderem os seus pontos, tendem a não ouvir o outro.
Conforme Sócrates percebera, em sua investigação que culminou na céle-
bre frase "Sei que nada sei", cada especialista, por dominar sua prática, acredita
que é sábio o bastante para direcionar o conhecimento do outro. Assim, um
estruturalista acreditava que a divisão dos processos mentais fosse o caminho
e que o conhecimento filosófico não se encaixaria mais. Da mesma maneira,
um funcionalista, de origem americana e com o pragmatismo na veia, contem-
porâneo a Edward Titchener, criticava a real necessidade de se dividir a men-
te em estruturas e em processos mentais simples. Assim como, atualmente,
um psicanalista acredita nos seus pressupostos embasados no inconsciente e
que o comportamento verificado é apenas um sintoma, tendendo a achar raso
qualquer outra abordagem, um profissional que trabalha com a linha cogniti-
va-comportamental tem como foco principal o comportamento, o sistema de
crenças, e pensa ser perda de tempo e um esforço em vão a investigação de qual-
quer outro objeto.
Além do mais, é quase um consenso, que mesmo tendo tantas discordâncias
e utilizando praticamente objetos de estudos iguais, cada linha terapêutica,

capítulo 3 • 61
fruto dos sistemas psicológicos, possui melhor eficácia em determinados ca-
sos. Por exemplo, se uma pessoa tem pânico de avião, possui extremo pavor
de viajar em um e precisa ir para Amsterdã em dois meses, provavelmente, a
corrente cognitivo-comportamental será a mais indicada. Lógico que uma si-
tuação como essa precisa ser verificada de maneira personalizada e cada caso
é um caso, mas, grosso modo, os psicólogos comportamentais costumam se
vangloriar da rapidez de seus resultados, mesmo que outras abordagens ques-
tionem o preço pago por essa agilidade.
Genericamente, essa guerra entre os sistemas e as abordagens costuma ter
muitas rusgas e percalços, mas são extremamente benéficos para a Psicologia.
Esses conflitos e choques de ideias em que o instituído (representado pelo tra-
dicional) é questionado — conforme apregoa a ciência — permitindo a chega-
da do instituinte (representando o novo) foram desenvolvidos magistralmente
por Thomas Khun na obra A estrutura das revoluções científicas. Ou seja, esse
período no qual a Psicologia se situa, chamado de pré-paradigmático, é essen-
cial para sua constituição como ciência e, observando por um viés macro, todos
nós só temos a ganhar.

3.5  Paradoxo do método científico e do


caráter especulativo da mente

É paradoxal pensar em se estudar a mente e excluir tudo que for metafísico des-
se processo, uma vez que o objeto de estudo primordial da Psicologia é a mente,
caracterizada intrinsecamente metafísica. Vale deixar claro que a Psiquiatria se
reserva ao estudo do cérebro, que é distinto do conceito de mente. O cérebro é o
órgão físico, composto por milhões de células e que processa todos os estímu-
los internos e externos, comandando assim o nosso corpo, desde o batimento
do coração, até o envio da ordem para uma caminhada. A mente, ao contrá-
rio, não possui qualquer resquício físico e é responsável pelas nossas emoções,
pensamentos, personalidade, crenças, consciência, dentre outros.
Além disso, mesmo Wundt, fundador do Estruturalismo, sabia que nem to-
dos os aspectos da mente poderiam ser estudados através de instrumentos e
por meio de métodos científicos. Com a obra de Freud, cujo inconsciente é o
maior pilar, esse quesito se evidenciou ainda mais, pois até hoje muitos fatores

62 • capítulo 3
oriundos do inconsciente, como os sonhos e alguns aspectos psicóticos não
possuem qualquer fundamento científico. Em outras palavras, muitos dos as-
pectos da mente ainda estão submersos em um oceano desconhecido.
Nesse contexto, surge uma pergunta: De acordo com esses argumentos e
tendo o objeto de estudo da Psicologia qualquer resquício de materialidade,
seria possível estudá-la sem levar em consideração sua intangibilidade?

3.6  Ampliação do estudo da Psicologia


Após o início da Psicologia, em 1879, com o Estruturalismo “virando febre”,
pois, apesar da primeira aula de Wundt ter tido apenas quatro alunos, na virada
do século suas aulas sempre estavam lotadas e vários de seus alunos levaram tal
conhecimento para outros territórios, assim como pássaros levam as sementes
das frutas a outras terras. Por exemplo, G. Stanley Hall foi quem fundou, em
1883, o primeiro laboratório de Psicologia, nos Estados Unidos, na Universida-
de Johns Hopkins, e J. M. Cattell foi o primeiro professor de psicologia ameri-
cano. Já Edward Bradford Titchener, o seu mais ilustre aluno, levou o Estrutura-
lismo para a Inglaterra, mais especificamente para a Universidade de Cornell.
Entretanto, esse início promissor não se confirmou e, em pouco tempo, o estu-
do dos processos mentais não manteve o interesse da comunidade científica.
Quase que simultaneamente, nos Estados Unidos, o Funcionalismo “ga-
nhava corpo”, fazendo oposição ao Estruturalismo de Wundt, por intermédio
de William James. Nesse modelo, estudar os “átomos da experiência”, confor-
me Titchener acreditava, era perda de tempo, pois, segundo James, esses não
existiam. Segundo ele, a Psicologia deveria se ater ao estudo fluido da mente,
pois os processos mentais complexos, que os estruturalistas pensavam em iso-
lar, não poderiam ser isolados nem fazia sentido em fazê-lo. A mente só poderia
ser constituída como tal sendo estudada de maneira completa e fluida.
De acordo com James, quando efetuamos atividades repetidamente, a cada
tentativa o nosso sistema nervoso era modificado, tornando-se sempre mais
fácil. Ou seja, por essa discussão sobre os sistemas é que, no século XIX, já se
discutia a respeito de associações mentais, aprendizagem e sobre a experiência
vivida. A semelhança entre os sistemas é que ambos acreditavam que o objeto
de estudo da Psicologia era a mente bem como na forma em que os seres huma-
nos experienciavam o mundo a sua volta.

capítulo 3 • 63
No entanto, o debate não parou por aí. Um austríaco, chamado Sigmund
Freud, resolveu acrescentar alguns elementos bem interessantes. Após estudar
obsessivamente o sistema nervoso, percebeu que grande parte de seus pacien-
tes possuía problemas de origem psicológica e não fisiológica. A partir dessa
premissa, estudou a fundo a psique humana e concluiu que, ao contrário do
que muitos pensavam, não era o inconsciente ou a mente que tinham o real
controle sobre nossas ações, mas, sim, o inconsciente. Tal relato apavorou o
mundo, pois, junto com ele, também vieram à tona explanações sobre a sexua-
lidade, o mundo dos sonhos e o desenvolvimento de casos com distúrbios men-
tais, que eram o calcanhar de Aquiles dos sistemas vigentes até então.
Mesmo com tantos conteúdos novos e assustadores, que valorizavam aspec-
tos conscientes ou inconscientes da mente, os três sistemas desenvolvidos até
o momento tinham o mesmo objeto de estudo: processos mentais.
Em 1913, um livro lançado por John B. Watson chamado A Psicologia como
um behaviorista a vê, trouxe outros aspectos completamente diferentes dos
trabalhados pelos seus contemporâneos. Watson trabalhou com a impossibi-
lidade que todos já haviam percebido: a mente não poderia ser estudada por
completo. Por esse motivo, afirmou que se não é possível estudá-lo, deve ser
abandonado. Assim, o objeto de estudo da Psicologia passou a ser também o
comportamento e não apenas a mente.
Após anos de guerra entre os sistemas vigentes, o Estruturalismo sucum-
biu, a Psicanálise de Sigmund Freud e o Behaviorismo de Watson guerrearam
ardentemente. Como consequência, o primeiro reinou na Europa e o segundo
foi predominante nos Estados Unidos até o surgimento de duas escolas que
conseguiram dividir as atenções.
Uma delas se chama Psicologia da Gestalt, cujo seu grande interesse era o
estudo da percepção e dos reflexos dela na forma como enxergamos o mundo,
pois descobriram que a mente possui padrões de percepção bem peculiares e
que podem interferir diretamente na forma como o indivíduo vive e se colo-
ca no mundo. A segunda, fundada por Abraham Maslow, chama-se Psicologia
Humanista, também conhecida como a Terceira Força, cuja sua maior preocu-
pação está relacionada com as necessidades humanas. Nela, os sentimentos
e as emoções tinham um papel central, mas, ao contrário das outras, a visão
era holística, cuja importância só se fazia necessária na relação com o próprio
indivíduo como um todo.

64 • capítulo 3
Após essas correntes, surgiram ainda a Psicologia Cognitiva, Evolucionista,
Positiva, além de outras abordagens ou aplicações de menor expressão, mas
que de alguma maneira também prestaram sua contribuição ao cenário da
Psicologia no século XX.
Em relação às outras correntes, quando uma nova surgia e se utilizava de
alguma existente para criticar e se afirmar, não quer dizer que a criticada te-
nha sucumbido. Pelo contrário, muitas vezes, a crítica recebida por um novo
sistema fazia com que os membros desse grupo buscassem um novo entendi-
mento em relação ao seu papel no mundo e refizessem o seu posicionamento.
Também acontecia realmente a crítica ser um ponto fraco de alguma aborda-
gem, mas que não eram fortes o bastante para fazê-las declinarem do seu pro-
pósito de desenvolver o seu conhecimento.
Com esse universo delimitado, o que pode ser tirado de proveitoso para a
Psicologia? Em primeiro lugar, cada sistema trouxe inúmeras descobertas que
enriqueceram essa ciência, já citadas. No entanto, além disso, o objeto de es-
tudo foi ampliado e ao mesmo tempo lapidado. Atualmente, a Psicologia não
se restringe ao estudo da mente, mas também ao do comportamento e ao da
relação entre ambos.

3.7  A relação dialética entre dúvida e


interesse na construção do conhecimento

Por último, mas não menos importante, temos a dinâmica de como o conhe-
cimento é produzido. Qualquer conhecimento só é desenvolvido porque, em
um primeiro momento houve a falta do saber, gerando o interesse em supri-lo.
Sendo que, no momento no qual o conhecimento é completamente atingido,
ele deixa de gerar dúvida, que, por sua vez, não desperta mais o interesse.
Um exemplo bem simples para entendermos esse argumento são as ope-
rações básicas da Matemática. Existe alguma grande mobilização acadêmica
para se compreender a multiplicação? Ou mesmo você conhece alguma pessoa
que se pergunte insistentemente do porquê de 7x7 ser 35? Provavelmente não!
Nesse contexto, como a Psicologia ainda é uma ciência pré-paradigmática, há
muitas dúvidas esperando as mentes curiosas das pessoas para serem desven-
dadas e, por consequência, novos conhecimentos mudarão as nossas vidas.

capítulo 3 • 65
3.8  Considerações finais
Em suma, a explanação de todos os argumentados trabalhados anteriormente,
facilita e muito a confecção da resposta para a pergunta feita no início do texto:
Ser uma ciência pré-paradigmática e ter diversos sistemas é bom ou ruim para
a Psicologia?
Como pudemos perceber, o século XX foi bastante intenso, gerando inú-
meros debates acalorados, mas foram tais discussões que fizeram com que a
Psicologia, em pouco tempo, reunisse muitas evidências, mesmo que essas ain-
da não sejam suficientes para a mudança de status em relação a paradigmas.
Espera-se que, no século XXI, tenhamos novas descobertas e novo desenvol-
vimento da Psicologia.

3.9  Psicanálise
Quando a mãe fala para levar o guarda-chuva e o casaco, pensar neles pode ser
bem incômodo, mas respondemos que levaremos. Na hora de sair, nos esque-
cemos de carregar os apetrechos. Será que isso tem um significado?
Se achamos alguém bastante interessante e na hora em que estamos com
o(a) nosso(a) namorado(a), o(a) chamamos pelo nome do(a) outro(a), o que
será que explica tal fenômeno?
Quando sonhamos que estamos caindo, ou sendo perseguidos, ou sem rou-
pa, ou sendo ameaçados por ondas gigantes, será que podemos entender o sig-
nificado desses sonhos?
Segundo a teoria psicanalítica todos esses fenômenos refletem a manifesta-
ção do inconsciente.
Freud revolucionou a cultura ocidental baseada na moralidade e racionali-
dade. Segundo ele, o comportamento é o resultado da interação dinâmica entre
desejos e conflitos. Mesmo quando não entendemos os sonhos e os comporta-
mentos eles têm um significado inconsciente que pode ser interpretado à luz
da teoria psicanalítica.
Uma paciente de 21 anos procura um neurologista no final do século XIX.
Ela apresenta paralisia, perda de memória e distúrbios visuais. O neurologis-
ta investiga possíveis causas orgânicas para tais sintomas e descobre que não
existem.

66 • capítulo 3
Esses casos eram classificados como histeria. Os sintomas da histeria são
paralisias, anestesias e analgesia, perda de fala e rouquidão, amnésia, ilu-
sões e alucinações. Podem ocorrer também pseudocrises (semelhante à cri-
se epilética).
A classificação como histeria, na realidade, significava que a Medicina
não podia tratar tais sintomas, haja vista não ter uma etiologia orgânica que
os justificasse.
Na antiguidade, atribuía-se como causa da histeria alguma alteração ute-
rina. Acreditava-se que o útero se deslocava no interior do corpo da mulher,
afetando o funcionamento dos outros órgãos e causando os sintomas. Por isso
o nome "histeria" que é derivado do grego hister quer dizer útero. Para a pre-
venção da histeria, recomendavam-se práticas de relação sexual e gestação. Ao
longo da história, a histeria esteve ligada de forma indissociável ao feminino e
ao sexual. Na Idade Média, a histeria passou a ser definida como possessão pelo
demônio e as mulheres eram perseguidas como bruxas.
O paciente histérico caracteriza-se, geralmente, por apresentar traço deno-
minado "histriônico". Essa palavra estranha significa teatralidade. Assim, esse
paciente costuma ter comportamento exagerado e dramático como se estivesse
representando um papel.
Assista e analise a história de Freud e os principais conceitos desenvolvi-
dos pelo Pai da Psicanálise no filme: Freud além da alma.

O filme retrata os momentos difíceis que Sigmund Freud durante a elabo-


ração da sua teoria sobre o aparelho psíquico. O longa metragem, dirigido por
John Huston, demonstra as várias fases da vida de Freud; suas observações,

capítulo 3 • 67
seus estudos, os tratamentos de pacientes e suas descobertas com as próprias
experiências pessoais que levou à criação da teoria psicanalítica que significa
análise psíquica.
O filme inicia quando Freud leva ao hospital uma paciente com histeria.
Segundo Meynert, diretor do hospital, os sintomas histéricos refletem uma
mentira, e os pacientes deveria estar em um teatro popular, pois queriam aten-
ção e fugir de responsabilidades. Por fim, o diretor afirma que não há terapia
para isso e o leito precisava ser liberado.
Assim, Freud decide ir a Paris estudar e observar o tratamento de Jean-
Martin Charcot. Charcot, neurologista francês, empregava a hipnose para es-
tudar a histeria, e demonstrou que os sintomas histéricos poderiam ser resol-
vidos através dos comandos orais realizados no tratamento. Segundo Charcot,
a histeria não era uma simulação e sim uma enfermidade com um conjunto de
sintomas bem definidos sendo tanto uma doença feminina como masculina,
desfazendo a necessária relação que existia entre histeria e o sexo feminino.
Ainda segundo Charcot, a mente do histérico estaria dividida e assim um
trauma seria ocultado da consciência e as emoções descarregadas fisicamente.
De volta a Viena, Freud, em uns dos seus discursos, fala de sua experiência
com Charcot, mas seu relato não é bem recebido pela classe médica. Segundo
os médicos vienenses, o hipnotismo não era considerado um método cientí-
fico. Nesse episódio, Freud conhece Joseph Breuer que relata ter experiência
com hipnose. Breuer convida Freud para trabalhar ao seu lado e Freud começa
a trabalhar com os histéricos.
Breuer relata o tratamento de Anna O (cujo nome real era Bertha
Pappenheim) utilizando a hipnose. Breuer atendeu Anna O por mais de um ano
diariamente. Ele acreditava que, enquanto a paciente estivesse hipnotizada, ela
se lembraria de experiências específicas que pudessem ter originado alguns dos
sintomas. Breuer observava que ao falar sobe as experiências dolorosas, duran-
te a hipnose, Anna O sentia-se aliviada dos sintomas. Ele se referia às conversas
como cura da palavra. Conforme prosseguiam as sessões, Breuer percebia que
os incidentes dos quais Anna O se lembrava estavam relacionados com pensa-
mentos ou eventos que ela repudiava. Revivendo as experiências perturbadoras
durante a sessão de hipnose, os sintomas eram reduzidos ou eliminados.
Em colaboração com Joseph Breuer, Freud publicou Estudos sobre histe-
ria, em 1895, afirmando que o sintoma toma o lugar de processos psíquicos
suprimidos que não chegam à consciência, ou seja, que o sintoma representa

68 • capítulo 3
uma transformação ("conversão") de tais processos. A eficácia terapêutica de
seu procedimento foi explicada em função da descarga do afeto.
O caso de Anna O foi importante para o desenvolvimento da psicanálise por
ter apresentado a Freud o método catártico (eliminação dos sintomas através
da vivência emocional de questões repulsivas excluídas da consciência).

Breuer, Ana O e Freud

Em outro episódio, Freud, atendendo a um jovem paciente dizendo, em es-


tado de transe hipnótico, que matara o pai porque amava a própria mãe, come-
ça a ter sonhos estranhos. Assim, Freud começa a pensar no significado dos
sonhos e fazer autoanálise, visto que Breuer não o aceita como paciente. Freud
formula então o conceito “Complexo de Édipo” e, mais tarde, a interpretação
dos sonhos.
Freud cria uma teoria sobre a neurose baseada em todos os casos já tratados
além de sua autoanálise. Segundo essa teoria, todos os traumas são ligados à
sexualidade, ou seja, a sexualidade como causa da histeria.
A paciente Anna O que parecia estar curada tem recaída, e cria uma gravi-
dez psicológica. Brauer observa que Ana O está apaixonada por ele e decide in-
terromper o tratamento. Esse fenômeno revela a transferência, que, na teoria
psicanalítica, é a projeção de sentimentos relacionados às figuras parentais às
pessoas, em geral, na seção psicanalítica, projetada ao psicanalista. Nesse caso
específico, a jovem transfere para Brauer a relação afetiva que tinha com o pai.
Freud passa a atender Anna O.

capítulo 3 • 69
Freud conclui que, após a hipnose, os sintomas continuam e, assim, renun-
cia ao método catártico e abandona a hipnose. Freud continua tratando Anna O
e consegue levá-la a muitas lembranças em estado consciente.
Durante uma seção, Ana O confessa ter sido molestada pelo pai e para silen-
ciá-la o pai a presenteia com uma boneca. Freud desconfia da veracidade desse
relato em função do afeto que Anna O demonstra para com a boneca.
Freud reconhece que, na realidade, o que ocorreu foi o inverso disso.
Quando a jovem dizia que seu pai a molestou, na verdade, ela queria possuir
seu próprio pai. Essa fantasia que ela levou para a vida adulta, sem saber admi-
nistrar, se tornou um trauma. Freud então muda sua teoria, pois descobriu que
a grande maioria de pensamentos e desejos reprimidos referia-se a conflitos de
ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida. As descobertas colocam
a sexualidade no centro da vida psíquica e é desenvolvido o segundo conceito
mais importante da teoria psicanalítica: a sexualidade infantil.
Breuer discorda em expor a teoria da sexualidade na infância ao conselho
de médicos. Freud diz então que vai seguir sozinho a partir daí.

3.10  Achados teóricos


Freud desenvolveu uma arte de interpretação que
objetiva tornar consciente os conteúdos recalca-
dos. A interpretação é direcionada para as asso-
ciações livres, amnésias, assim como sonhos e as
ações acidentais e fortuitas, e os erros cometidos
na vida cotidiana. O livro A interpretação dos so-
nhos, publicado por Freud, em 1900, deve ser visto
como o precursor de introdução à teoria e técni-
ca psicanalítica.
Em 1905, Freud publica três ensaios sobre a
teoria da sexualidade, onde apresenta sua teoria
sobre a sexualidade infantil, a importância da vida sexual para todas as ativida-
des humanas e a ampliação do conceito de sexualidade, ou seja, não se restrin-
ge à genitalidade.
Nessa publicação, o primeiro grande conceito desenvolvido por Freud foi o
de inconsciente. Freud assume que não há nenhuma descontinuidade na vida

70 • capítulo 3
mental, que nada ocorre por acaso. Há uma causa para cada pensamento, para
cada memória, sentimento ou ação. Cada evento mental é causado pelas inten-
ções conscientes ou inconscientes. Freud começou a procurar e a descrever as
relações ocultas que ligavam um evento consciente a outro. Quando um pensa-
mento ou sentimento parece não estar relacionado aos pensamentos e senti-
mentos que o precederam, as conexões estão no inconsciente.
Uma vez que as relações inconscientes são descobertas, a aparente descon-
tinuidade é elucidada. Freud, em suas investigações, na prática clínica sobre
as causas e o funcionamento das neuroses, descobriu que a grande maioria de
pensamentos e desejos recalcados referia-se a conflitos de ordem sexual, loca-
lizados nos primeiros anos de vida. Na infância, estavam as experiências repri-
midas, que se configuravam como origem dos sintomas na vida adulta, assim,
as ocorrências desse período de vida deixam marcas profundas na estruturação
da personalidade.
•  A sexualidade como busca de prazer existe desde o princípio de vida,
logo após o nascimento e não só a partir da puberdade como afirmavam as
ideias dominantes.
•  O desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexua-
lidade adulta, onde a reprodução pode estar associada ao prazer, tanto no ho-
mem como na mulher. Essa afirmação contrariava as ideias dominantes de que
o sexo estava ligado exclusivamente à reprodução.

Essas afirmativas tiveram profundas repercussões na sociedade puritana da


época pela concepção vigente de infância como inocente e pura.

3.11  Psicanálise hoje


Atualmente, a Psicanálise trata seus pacientes da seguinte maneira: convida-os
a se deitarem de costas em um sofá (divã), comodamente, enquanto o psicana-
lista senta-se em uma cadeira por trás dele, fora de seu campo visual.
Freud passa a utilizar a associação livre, ou seja, solicita que o paciente fale
tudo o que vier a sua cabeça, assim espera que seja exposto os pensamentos
involuntários, considerados perturbadores e postos de lado, e que costumam
se manifestar.

capítulo 3 • 71
Espera-se que apareçam também as lacunas de memória, as confusões e as
falhas. Essas memórias costumam vir acompanhadas de críticas e um mal-es-
tar. Assim, Freud conclui que essas amnésias são resultado de um processo por
ele chamado de recalcamento, que leva as informações ao inconsciente e fun-
ciona para reduzir o desprazer de ter aquela lembrança na consciência. Quanto
mais dificuldade em lembrar, ou falar, maior a confusão e os enganos, maior a
resistência (força que tenta manter o conteúdo recalcado).
O fator da resistência tornou-se um dos fundamentos de sua teoria. Quando
se dispõe de um procedimento que permite parir das associações até o recalca-
do, pode-se tornar acessível à consciência o que era antes inconsciente.

3.12 Primeira tópica: consciente,


inconsciente e pré-consciente

Analogia do Iceberg

Consciente
(Raciocínios, pensamentos,
percepções)

Pré-consciente
(Memórias, conhecimentos
armazenados)

Inconsciente
(Pulsões, traumas, medos
desejos, etc)

A primeira teoria do aparelho psíquico baseia-se em uma concepção ener-


gética onde o acúmulo de energia gera tensão e é identificado como desprazer,
e por isso tende a provocar uma descarga energética que é sentida como prazer.
Segundo Freud, o objetivo de todo comportamento é o prazer, ou seja, a redu-
ção da tensão através da liberação da energia acumulada. Se a energia é blo-
queada para um canal de expressão, ela encontrará outro, a princípio, aquele
que oferece menor resistência. Assim, se a energia é bloqueada para propósitos

72 • capítulo 3
sexuais, será liberada de acordo com o que é possível diante a estrutura da per-
sonalidade ou aparelho psíquico.
Segundo Freud, os homens não são criaturas gentis e generosas que agri-
dem apenas quando atacados. Freud acreditava que todas as atividades cientí-
ficas, artísticas e culturais eram expressão da energia sexual que era impedida
de se expressar de maneira direta em função da pressão social.
Já a primeira teoria psicológica foi a de uma concepção topológica: cons-
ciente, pré-consciente e inconsciente.
Segundo Freud, o consciente é somente uma pequena parte do aparelho
psíquico, inclui tudo do que estamos cientes em um dado momento. O nível
consciente refere-se às experiências que a pessoa percebe, incluindo lembran-
ças e ações intencionais. A consciência funciona de modo realista, de acordo
com as regras do tempo e do espaço. O interesse de Freud era muito maior com
relação às áreas da consciência menos expostas e exploradas, que ele denomi-
nava pré-consciente e inconsciente. Freud recorre à imagem do iceberg para
ilustrar a enorme dimensão da região inconsciente, visto que, segundo ele, só
teríamos acesso a uma pequena parte dos conteúdos psíquicos.

3.13  Inconsciente
A premissa inicial de Freud era de que há conexões entre todos os eventos men-
tais e quando um pensamento ou sentimento parece não estar relacionado aos
pensamentos e sentimentos que o precedem, as conexões estariam no incons-
ciente. "Denominamos um processo psíquico inconsciente, cuja existência so-
mos obrigados a supor — devido a um motivo tal que inferimos a partir de seus
efeitos — mas, do qual nada sabemos" (Freud, 1933).
No inconsciente, estão aspectos não acessíveis à consciência. Além disso,
há também material que foi excluído da consciência, recalcado e reprimido.
Repressão refere-se a uma ação exercida sobre alguém, a partir da exteriorida-
de; enquanto que o segundo designa aquele que seria um processo intrínseco
ao próprio eu. Dessa forma, o termo que mais corresponde àquele que Freud
teria utilizado, enquanto um processo interno seria “recalque” ou “recalca-
mento”. No entanto, embora o processo seja interno, não prescinde de forma
alguma dos acontecimentos externos pelos quais passa o indivíduo ao longo da
sua própria vida, tais como a censura e a lei. Esses estariam representando os
aspectos "externos" ao sujeito.

capítulo 3 • 73
O material excluído da consciência não é esquecido nem perdido, mas é im-
pedido de ser lembrado. O inconsciente é atemporal. Memórias muito antigas,
quando liberadas à consciência, podem mostrar que não perderam nada de sua
força emocional. "Aprendemos pela experiência que os processos mentais in-
conscientes são em si mesmos atemporais. Isto significa, em primeiro lugar,
que não são ordenados temporalmente, que o tempo de modo algum os altera,
e que a ideia de tempo não lhes pode ser aplicada" (Freud, 1920).
Assim sendo, para Freud, a maior parte do aparelho psíquico é inconscien-
te. Ali estão os principais determinantes da personalidade, a origem da ener-
gia psíquica: as pulsões. As pulsões são forças que estimulam o corpo a liberar
energia mental. Freud dividiu em duas categorias complementares: pulsão de
vida, que se refere à autopreservação, é a forma de energia manifesta chamada
de libido; e pulsão de morte que é uma força contrária. Freud explica a libido
como uma pulsão sexual existente desde o nascimento, a força motivadora do
comportamento.
O pré-consciente é uma parte do inconsciente, uma parcela que pode
tornar-se consciente com facilidade. As porções da memória que nos são fa-
cilmente acessíveis fazem parte do pré-consciente. Essas podem incluir lem-
branças de ontem, as ruas onde moramos, certas datas comemorativas, nossos
alimentos prediletos, o cheiro de certos perfumes e uma grande quantidade de
outras experiências passadas. O pré-consciente é como uma vasta área de posse
das lembranças de que a consciência precisa para desempenhar suas funções.

3.14  Estrutura da personalidade segundo


Freud

Além da primeira tópica: consciente, inconsciente e pré-consciente, Freud de-


senvolve a segunda tópica que, juntamente com a primeira, compõem a estru-
tura psíquica. Representada graficamente através da metáfora do iceberg.

74 • capítulo 3
Id

Fonte da energia oriunda das pulsões, das motivações e dos desejos mais pri-
mitivos do ser humano. Para Freud, em grande parte, esses desejos seriam de
caráter sexual, ou seja, baseados na busca do prazer e evitação da dor. O id não
conhece a lógica, a realidade ou a moral. É cego, irracional, antissocial e egoís-
ta. Por isso diz-se que o id é regido pelo princípio do prazer. É totalmente in-
consciente e impõe a satisfação imediata dos impulsos. Caso isso não ocorra
surgem as frustrações.

Ego

Estrutura psíquica que inclui o conjunto de processos psíquicos e de mecanis-


mos através dos quais o organismo entra em contato com a realidade. O ego se
desenvolve no início da vida da criança, antes do superego, inicialmente apenas
para atender às exigências do id diante da realidade. Por exemplo: a criança
quer o pirulito e a mãe fala: pirulito depois do almoço. A criança chora, se esper-
neia, na tentativa de satisfazer o id, mas ganha uma palmada da mãe e o pirulito
recebe somente depois do almoço. A criança então, na próxima vez, fala com a
mãe “Eu quero o pirulito depois do almoço”. O id continua querendo o pirulito
imediatamente, mas o ego resolve adiar o prazer em função das imposições da
realidade. Por isso diz-se que o id é regido pelo princípio da realidade.
A terceira instância da personalidade encontra-se em oposição ao id.

Superego

Normas e valores sociais do grupo no qual o indivíduo foi criado e está inseri-
do. Essa instância exige um comportamento correto e impecável. Caso isso não
ocorra surge a culpa. As exigências do superego se opõem quase sempre aos
desejos do id.

capítulo 3 • 75
NÍVEL
ESTRUTURA FUNÇÕES
PSÍQUICO

Interiorização da autoridade dos pais. É consti-


tuído por normas e ideias morais. Procura, por
Parcialmente
SUPEREGO inconsciente
meio do ego, controlar o id. Aspira à perfeição
moral e tende a reprimir de forma severa as
infrações à moralidade.

Representante da realidade e do mundo


externo. Deriva do id, procurando do possível
Parcialmente satisfazer os seus impulsos. Também procura
EGO inconsciente satisfazer as exigências morais do superego.
Conseguir o equilíbrio de forças contrárias é
tarefa árdua para o ego.

É o reservatório da energia psíquica e da libido.


Totalmente Condiciona fortemente os acontecimentos psí-
ID inconsciente quicos. Irracional e impulsivo procura o prazer
alheio à realidade e à moral.

O constante conflito, entre o superego e o id ocorre diretamente no ego, já


que tanto o id como o superego exige determinados comportamentos, grande
parte das vezes, contraditórios. Poder-se dizer que, para Freud, a personalidade
consiste basicamente nesse conflito entre os desejos e as normas interioriza-
das da sociedade. Enquanto o id busca o prazer o superego busca a perfeição.
Imagine a seguinte situação: você é comprometida(o) e encontra uma pes-
soa deslumbrante vindo em sua direção. Essa pessoa olha para você demorada-
mente e para a sua frente. Ela pergunta se você poderia emprestar-lhe o celular
para que possa fazer uma ligação a cobrar, rápida, só porque está preocupa-
do(a) com a sua mãe. Depois da ligação, começa a lhe elogiar e diz que gostou
muito de você e lhe convida para um café. O que o id diria? Aproveita! Não perde

76 • capítulo 3
tempo! Demorou! O que o superego diria? Não está certo! Lembra do(a) namo-
rado(a) marido/esposa! Vai conseguir dormir tranquilo?
O que o ego vai fazer? Isso depende das forças do id e do superego de cada
um. Algumas pessoas poderiam recusar a emprestar o celular e iriam embora
sem nem olhar para trás. Isso significa um superego muito rígido. Pode ser que
depois o id ficasse torturando: burra(o)!
Outras pessoas poderiam ficar ouvindo os elogios e agradecendo, até elo-
giando o outro, mas dizendo que não estão disponíveis porque são comprome-
tidas. Quem sabe trocariam telefone? Nunca se sabe o dia de amanhã! Nesse
caso, o ego estaria satisfazendo parcialmente o id, mas sem ferir os princípios
morais do superego. Outras realmente não pensariam duas vezes diante da
possibilidade de um prazer imediato sem nem se importar com valores mo-
rais. Essas pessoas teriam um superego bastante frágil e a força do id prevalece.
Segundo Freud, vivemos nesse constante conflito: id-desejo, superego-moral e
ego-tentativa de conciliação.
Normalmente, o que o ego faz é procurar uma solução que atenda ao id mes-
mo que parcialmente. Um ego maduro consegue, normalmente, achar essa fór-
mula conciliatória.

Um dos erros mais comuns é acreditar que o ego freudiano é sempre cons-
ciente. É certo que a maior parte dos processos do ego é consciente, mas nem
todos os processos o são. Freud chegou a essa conclusão ao observar que, em
certas ocasiões, alguns desejos procedentes do id são rejeitados e recalcados
pelo ego sem que o sujeito tenha consciência alguma nem dos desejos nem da
sua rejeição.

capítulo 3 • 77
O ego amadurecido procura atender os desejos do id ao tomar consciência
deles. Ao contrário, um ego infantil e neurótico, resiste a trazê-los à consciên-
cia, defendendo-se contra eles através do recalcamento e da utilização dos me-
canismos de defesa. Um ego maduro e adulto não teme os desejos do id, não
quer dizer que os satisfaça a todo o momento, significa que toma consciência
deles e avalia possibilidades diante da realidade e da pressão do superego.

3.15  Processo
Segundo a dinâmica do funcionamento psíquico, o conflito resultante da for-
ça da pulsão do id somado à ameaça provocada pelo superego resulta em an-
siedade para o ego. Diante da ameaça, o ego recorre a mecanismos de defesa
inconscientes como forma de se proteger contra a ansiedade. Os mecanismos
de defesa apresentam-se em todas as pessoas e só se tornam anormais quan-
do aparecem excessivamente. Os mecanismos de defesa que manifestados, em
um dado momento, dependem da situação específica e das características da
pessoa naquele momento.

3.16  Recalque (repressão)


É a base de todos os outros mecanismos de defesa. Consiste em afastar da cons-
ciência um afeto, uma ideia, um desejo ou experiência. Os conteúdos recalca-
dos, apesar de inconscientes, continuam presentes e tendem a aparecer de for-
ma disfarçada (sonhos, atos falhos, lapsos de linguagem...).

3.17  Projeção
Consiste em atribuir ao outro os desejos, os afetos ou os comportamentos ina-
ceitáveis. Exemplo: a pessoa infiel constantemente atribui essa característica
aos outros. Fulano não suporta críticas, quando é o falante dessa frase que tem
essa dificuldade.

78 • capítulo 3
3.18  Sublimação
Em função das restrições do superego, a pulsão é transferida para outras ati-
vidades socialmente valorizadas. Um homem pode encontrar satisfação para
seus impulsos agressivos tornando-se um lutador, um jogador de futebol ou
até mesmo um cirurgião. Para Freud, as obras de arte, as ciências, a religião, as
invenções, as ações políticas, a literatura e as obras teatrais são sublimações, ou
modos de substituição do desejo sexual.

3.19  Deslocamento
Pelo deslocamento, o sujeito transfere pulsões e emoções do seu objeto, para
um substitutivo. Exemplos: o funcionário que sofre humilhações do chefe, no
emprego, e é agressivo ao chegar a casa; a criança que desloca a cólera sentida
pelos pais para a boneca ou o cachorro.

3.20  Formação reativa


Tendências consideradas inaceitáveis faz com que a pessoa apresente compor-
tamentos opostos às pulsões. Assim, uma pessoa pode ser demasiado amável e
atenta com alguém que odeia; ou uma excessiva caridade para esconder um sa-
dismo latente; uma pessoa submissa e dócil pode esconder um desejo violento
de domínio. Uma pessoa extremamente moralista teria desejos libidinosos, e
os homofóbicos teriam desejos homossexuais.

3.21  Racionalização
Encontrar razões lógicas ou aceitáveis do ponto de vista moral para justificar
comportamentos duvidosos. Exemplo: estudante cria o hábito de colar nas pro-
vas dizendo, para se justificar que não teve tempo para estudar.

capítulo 3 • 79
3.22  Desenvolvimento
Segundo Freud, a maioria dos aspectos significativos da personalidade no adul-
to é formada nos primeiros 5 anos do desenvolvimento psicossexual.
Nos Três ensaios sobre a sexualidade, Freud postulou o processo de desen-
volvimento psicossexual, segundo o qual o corpo é erotizado, isto é, se torna
fonte de prazer. Em cada fase do desenvolvimento, o prazer localiza-se em uma
parte específica do corpo chamada zona erógena. Em cada fase, observa-se um
momento crítico e fundamental para o desenvolvimento. A forma de lidar com
esses momentos pode representar um desenvolvimento contínuo ou a fixação
naquela fase. Freud usa o termo fixação para descrever o que ocorre quando
uma pessoa permanece, em uma determinada fase, e a busca de satisfação se
mantém naquela parte do corpo. O direcionamento da libido em cada estágio,
a gratificação e a experiência emocional da criança estabelece a estruturação da
personalidade futura.
Assim, Freud divide o desenvolvimento nas seguintes fases:

3.22.1  Fase Oral (primeiro ano de vida)

A zona de erotização é a boca e o prazer está ligado à ingestão de alimentos e à


excitação da mucosa e dos lábios, e por isso a criança leva tudo à boca.
A pulsão básica do bebê é receber alimento para atenuar as tensões de fome
e sede. Enquanto é alimentada, a criança é também acalentada e acariciada.
Dessa forma, ela associa prazer e redução da tensão à amamentação. O mo-
mento crítico é a dentição.
No início da fase oral, a criança é passiva, a forma com que a mão lida com a
amamentação e o dente do bebê é significativa para o desenvolvimento emocio-
nal desse, especialmente a maneira de lidar com a agressividade.
É comum que alguma energia permaneça fixada ou catexizada na boca.
Em adultos, observa-se a manutenção no prazer oral em comportamentos, tais
como: comer, chupar, lamber, beijar, beber, falar, fumar, roer unha etc.
Esses comportamentos em excesso, podem representar fixação na fase oral,
pessoas cuja maturação psicológica pode não ter se desenvolvido.

80 • capítulo 3
3.22.2  Fase anal (segundo ano de vida)

A zona de erotização é o ânus relacionado à questão do controle dos esfíncteres


(anal e uretral). Esse controle revela-se um ponto crítico no desenvolvimento
nessa fase.
Geralmente, no segundo ano, as crianças aprendem a controlar os esfíncte-
res anais e a bexiga. A obtenção do controle fisiológico está ligada à percepção
de que esse controle é uma nova fonte de prazer. As crianças aprendem que o
crescente nível de controle lhes traz atenção e elogios por parte de seus pais.
O interesse dos pais, no treinamento da
higiene, permite à criança exigir atenção tan-
to pelo controle bem-sucedido quanto pelas
dificuldades. A criança, inicialmente, gosta de
observar suas fezes na privada, na hora de dar
a descarga, e às vezes, dizem-lhes adeus. Não
é raro uma criança oferecer como presente a
seu pai ou mãe parte de suas fezes. Tendo sido
elogiada por produzi-las, a criança pode sur-
preender-se ou confundir-se no caso de seus
pais reagirem ao presente com repugnância.
O treino da higiene é muito significativo no
desenvolvimento emocional da criança.
Características adultas que estão associadas à fase anal são: ordem e obs-
tinação. A fixação caracteriza-se por rituais compulsivos, excesso de controle,
avareza etc.

capítulo 3 • 81
3.22.3  Fase fálica

Acontece entre 3 e 5 anos. Segundo Freud, essa fase é melhor caracterizada por
"fálica" uma vez que é o período no qual uma criança se dá conta das diferenças
sexuais. Nessa fase, acontece o que Fred chama de complexo de Édipo, e é em
torno dele que ocorre a estruturação da personalidade do indivíduo.
No complexo de Édipo, a mãe é o objeto de desejo do menino e o pai (ou a
figura masculina que represente o pai) é percebido como rival que impede seu
acesso ao objeto desejado. Essa fase caracteriza-se pelo desejo da criança de ir
para a cama de seus pais e pelo ciúme da atenção que seus pais dão um ao ou-
tro, ao invés de dá-la à criança.

Freud denominou a situação complexo de Édipo, baseado na tragédia de


Sófocles, Édipo Rei. Segundo ele, Édipo, tentando fugir do seu destino, mata
seu pai (desconhecendo sua verdadeira identidade) e, mais tarde, casa-se com a
mãe. Quando finalmente descobre o que tinha acontecido, Édipo arranca seus
próprios olhos. Freud acreditava que todo menino revive um drama interno si-
milar. Ele deseja possuir sua mãe e matar seu pai. Ele também teme seu pai e
receia ser castrado por ele.

82 • capítulo 3
Para as meninas, o problema é similar, mas na sua expressão e solução to-
mam um rumo diferente. Na menina, a constatação da diferença sexual produz
o surgimento da “inveja do pênis” e o consequente ressentimento para com a
mãe (castrada também). A menina então deseja seu pai e vê sua mãe como a
maior rival. Enquanto os meninos reprimem seus sentimentos, em parte pelo
medo da castração, a necessidade da menina de reprimir seus desejos é menor
em função de se perceber castrada. Segundo Freud, essa diferença em intensi-
dade permite às mulheres permanecerem nessa rivalidade (situação edipiana)
por um tempo indeterminado.

Jung utiliza o termo complexo de Electra, para essa experiência feminina


baseando-se no mito de Eletra, filha de Agamenon. Porém, Freud rejeitava o
uso de tal termo e preferindo usar complexo de Édipo tanto para o menino
quanto para a menina.
Segundo Freud, o menino resolve o complexo de Édipo procurando então
assemelhar-se ao pai, na esperança de um dia ter o amor que o pai recebe.
Escolhendo-o como modelo de comportamento, passa a internalizar as regras e
as normas sociais representadas e impostas pela autoridade paterna (forma-se
assim o superego). Nesse sentido, o superego é chamado de herdeiro da resolu-
ção do complexo de Édipo. Por medo do pai, “desiste” da mãe, isto é, o desejo
pela mãe é substituído pelo interesse pelo mundo social e cultural. Inicia-se o
uso do mecanismo de defesa sublimação. Esse processo também ocorre com as
meninas, sendo invertidas as figuras de desejo e de identificação.

capítulo 3 • 83
3.23  Latência
Um tempo no qual os desejos sexuais da fase são recalcados com sucesso, pelo
superego. Durante ele, o desejo sexual torna-se inconsciente. Nesse período da
vida, depois que a primeira eflorescência da sexualidade feneceu, surgem expe-
riências como vergonha, repulsa e moralidade, resultado da relação.

3.24  Fase genital


A fase final do desenvolvimento biológico e psicológico ocorre com o início da
puberdade e o retorno da energia libidinal aos órgãos sexuais. Nesse momento,
meninos e meninas tornam-se conscientes de suas identidades sexuais distin-
tas e passam a buscar formas de satisfazer suas necessidades e conseguir amar
e trabalhar.
A psicanálise de Freud deu origem a outras diferentes perspectivas que
embora voltadas para os aspectos inconscientes difiram em algum ponto da
Psicanálise de Freud e por isso são chamados de neofreudianos. Alguns deles
são: Carl Jung; Reich; Karen Horney; Erich Fromm e outros.

84 • capítulo 3
4
Aprendizagem,
Motivação,
Percepção,
Memória e
Personalidade
86 • capítulo 4
4.1  Behaviorismo e aprendizagem
O Behaviorismo desenvolveu estudos sobre o condicionamento, um tipo es-
pecífico de aprendizagem. Watson, precursor do Behaviorismo, criou o condi-
cionamento clássico ou respondente, e Skinner, um grande representante do
Behaviorismo, criou o condicionamento operante. Duas formas diferentes de
aprendizagem. Veremos como grande parte dos nossos comportamentos são
aprendidos, começando pela Fisiologia com Pavlov.

4.2  Os reflexos condicionados


Reflexo condicionado: dependente de uma associação ou ligação entre um es-
timulo e uma resposta.
Pavlov (fisiologista russo) pesquisava as glândulas digestivas primárias.
Essa pesquisa lhe concedeu o Prêmio Nobel, em 1904, e posteriormente lhe
proporcionou lugar de destaque na história da Psicologia, com o estudo do re-
flexo condicionado.
A noção de reflexo condicionado teve origem, assim como vários feitos
científicos, em uma descoberta acidental. Durante o trabalho com as glândulas
digestivas dos cães, Pavlov usou o método de exposição cirúrgica para realizar a
coleta externa de secreções salivares, o que permitia a observação, a medição e
o registro do material (Pavlov, 1927/1960).

capítulo 4 • 87
A meticulosidade e a precisão do programa de pesquisa eram evidencia-
das pelo equipamento sofisticado crido para coletar a saliva, a qual fluía por
um tubo de borracha fixado a um orifício cirúrgico na bochecha do cachorro.
Quando cada gota de saliva caía, uma mola sensível acionava um marcador so-
bre uma espécie de tambor giratório. Esse aparato permitia registrar com pre-
cisão o número de gotas de saliva e o momento exato em que cada uma caía.
Pavlov seguiu à risca o método científico para padronizar as condições experi-
mentais, aplicar controles rigorosos e eliminar qualquer fonte de erro.
A preocupação de Pavlov em impedir que as influências externas afetassem
a confiabilidade da pesquisa era tão grande que ele construiu cubículos espe-
ciais, um para o animal e outro para o observador. O pesquisador conseguia
manipular os diversos estímulos a serem condicionados, coletar a saliva e mos-
trar a comida sem ser visto pelo animal.
Mesmo com essas precauções, Pavlov não se sentia totalmente satisfeito.
Temia que os estímulos ambientais externos pudessem contaminar os resulta-
dos. Com os fundos recebidos de um empresário russo, projetou um prédio de
três andares para as pesquisas, que ficou conhecido como a “Torre do Silêncio”.
As janelas possuíam vidros extremamente espessos e as portas das salas eram de
chapas de aço duplas que, quando fechadas, impediam totalmente a entrada do
ar. Vigas de aço reforçadas de areia sustentavam o piso, e o prédio era circundado
por uma vala cheia de palha. Desse modo, qualquer vibração, ruído, temperatura
externa, odor e correnteza eram eliminados. Pavlov queria que o único elemento
a exercer influência sobre o animal fosse o estímulo a ser condicionado.

88 • capítulo 4
CONEXÃO
Assista ao vídeo sobre o experimento de Pavlov, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=YhYZJL-Ni7U

Os cachorros salivavam involuntariamente, sempre que recebiam a comida


na boca. Pavlov percebeu que a saliva passou a ser secretada mesmo antes de
o animal receber a comida. Os cães salivavam ao ver a comida ou ao som dos
passos do assistente que, geralmente, os alimentava. Pavlov percebeu que os
cachorros aprenderam a associar a comida com os passos, ou à imagem da co-
mida e por isso passaram a salivar antes da comida chegar à boca. Ou seja, de
algum modo associaram (condicionaram) a comida aos estímulos que antece-
diam a comida.
Esse reflexo psíquico como Pavlov os denominou inicialmente, foram pro-
vocados nos cães do laboratório por estímulos diferentes da comida. Pavlov ra-
ciocinou e concluiu que essa reação ocorria porque os outros estímulos (tais
como a visão e o barulho do tratador) frequentemente eram associados com
a alimentação.
Para explicar esse fenômeno que Pavlov chamou inicialmente de “reflexos
psíquicos”, no início, ele recorreu a termos como desejos, julgamentos e von-
tade dos animais, interpretando os eventos mentais dos animais em termos
subjetivos e humanos. Posteriormente, Pavlov passou a referir-se a reflexos
condicionados e deixou de lado as referências mentalistas em prol de uma
abordagem descritiva mais objetiva.
Na tradução para o inglês do seu livro clássico, Conditioned reflexes (1927),
Pavlov ofereceu o devido crédito a René Descartes por haver desenvolvido a
ideia de reflexo 300 anos antes. Observou o que Descartes chamou de reflexo
nervoso tendo constituindo o ponto inicial do seu programa de pesquisa.
As primeiras experiências de Pavlov com os cachorros foram simples. Ele
segurava um pedaço de pão e o mostrava ao cachorro antes de deixá-lo comer.
Com o tempo, o cachorro começava a salivar assim que via o pão. A resposta
de salivação do cachorro, quando a comida era colocada na sua boca, era uma
reação natural de reflexo do sistema digestivo e não envolvia a aprendizagem.
Pavlov denominou essa reação de reflexo inato ou não condicionado.

capítulo 4 • 89
Entretanto, a salivação provocada pela visão da comida não era reflexa, mas
aprendida. Pavlov passou a chamar a reação de reflexo condicionado (em lugar
do termo mentalista anterior “reflexo psíquico”) por ser condicional ou depen-
dente da conexão feita pelo cachorro entre a visão da comida e a comida pro-
priamente dita.
Na tradução do trabalho de Pavlov do russo para o inglês, W. H. Gantt, um
discípulo americano, usou a palavra “condicionada” em vez de “condicional”.
Posteriormente, Gantt admitiu arrepender-se da troca. No entanto, reflexos
condicionados continua a ser o conceito utilizado.
Pavlov e os seus auxiliares descobriram que diversos estímulos poderiam
produzir a resposta de salivação condicionada nos animais do laboratório, des-
de que os estímulos fossem capazes de atrair a atenção do animal sem provocar
medo ou fúria. Testaram buzinas, luzes, apitos, sons, bolhas d’água e o tique-
taque dos monômetros com cães e obtiveram resultados similares.
Pavlov, primeiro, apresentava o estímulo condicionado: a comida. Após
certo número de pareamentos (juntar em par, ou emparelhar) da luz acesa e
da comida, o animal passava a salivar com a simples visão da luz. Nesse caso,
formava-se uma associação ou uma ligação entre a luz e a comida, e o animal
era condicionado a responder salivando diante da apresentação do estímulo
condicionado (luz, comida etc.). Tal condicionamento é um tipo de aprendi-
zagem e para ocorrer exige que a apresentação da luz seja seguida de comida
um número de vezes suficiente. Desse modo, o reforço (nesse caso, a comida) é
necessário para que a aprendizagem ocorra.
Além de estudar a formação das respostas condicionadas, Pavlov e seus as-
sistentes pesquisavam fenômenos relacionados, tais como o reforço, a extin-
ção da resposta, a recuperação espontânea, a generalização, a discriminação e
o condicionamento de ordem superior. Todos esses tópicos são áreas de pes-
quisa nos dias de hoje.
Nos trechos a seguir, extraídos do livro de Pavlov, Conditioned reflexes, é
possível observar como ele se baseou no trabalho de Descartes para desenvol-
ver o seu, e como a sua visão era analítica, mecanicista e atomística. É possível
perceber também quão rigorosas eram as condições que ele garantia para a rea-
lização de suas pesquisas.

90 • capítulo 4
4.3  Condicionamento de Watson
John B. Watson, com a publicação do seu artigo intitulado "Psicologia: como
os behavioristas a veem", inaugura, em 1913, o termo que passa a denominar
uma das mais expressivas tendências teóricas ainda vigentes: o Behaviorismo.
O termo inglês behavior significa "comportamento", razão pela qual usamos,
no Brasil, Behaviorismo como também Comportamentalismo, Análise Experi-
mental do Comportamento, entre outros, para nos referirmos à visão teórica
em pauta.
O Behaviorismo é resultado direto dos estudos do comportamento animal
realizados durante a primeira década do século XX. Desse modo, podemos afir-
mar que o principal antecessor do programa de Watson foi a Psicologia animal,
resultante da teoria evolucionista e que levou à tentativa de se demonstrar a
existência da mente nos organismos inferiores e a continuidade ente a mente
animal e a humana.
Watson insistia em que a Psicologia se limitasse aos dados das Ciências
Naturais, ou seja, aquilo que fosse possível de observação. Em poucas palavras:
a Psicologia devia limitar-se ao estudo objetivo do comportamento. Somente os
métodos objetivos rígidos de investigação deviam ser adotados nos laborató-
rios dos behavoristas. Para Watson, esses métodos incluíam:
•  observação, com e sem o uso de instrumentos;
•  teste;
•  reflexo condicional.

O método do reflexo condicionado foi adotado em 1915, dois anos depois


da fundação formal do Behaviorismo. Os métodos de condicionamento eram
pouco usados, no entanto, Watson foi bastante responsável pela sua ampla
aplicação na pesquisa psicológica americana.
Watson escolheu esse tratamento por oferecer um método objetivo de aná-
lise do comportamento: estímulo-resposta (E-R). Todo comportamento podia
ser reduzido a esses elementos, portanto o método de reflexo condicionado
permitia aos psicólogos conduzirem investigações acerca da complexidade do
comportamento humano em laboratórios.

capítulo 4 • 91
Desse modo, Watson mantinha a tradição atomística e mecanicista estabe-
lecida pelos empiristas britânicos e adotada pelos psicólogos estruturalistas.
Sua intenção era estudar o comportamento humano da mesma maneira que os
físicos estudavam o universo, separando-o em partes componentes, entre elas
átomos e elementos.

4.4  Os instintos
Watson alegou que os comportamentos aparentemente instintivos são, na ver-
dade, respostas condicionadas socialmente. Ao adotar a visão de que a apren-
dizagem — ou o condicionamento — seria a chave para a compreensão do de-
senvolvimento humano, tornou-se um ambientalista radical, indo mais longe:
não apenas negava os instintos como também se recusava a admitir, no seu sis-
tema, qualquer tipo de talento, temperamento ou capacidade herdado.
Concluiu, de forma simples e otimista, ser possível treinar uma criança para se
tornar o que se desejasse que ela fosse, pois não havia fatores genéticos limitadores.

"Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas, e meu próprio mundo espe-
cificado para criá-los e eu vou garantir a tomar qualquer uma ao acaso e treiná-la para
se transformar em qualquer tipo de especialista que eu selecione — advogado, médi-
co, artista, comerciante-chefe, e, sim, mesmo mendigo e ladrão —, independentemen-
te dos seus talentos, inclinações, tendências, habilidades, vocações e raça de seus
antepassados. Eu vou além dos meus fatos e eu admito isso, mas tem os defensores
do contrário e eles foram fazendo isso por muitos milhares de anos."
John B. Watson, Behaviorismo, 1930

4.5  As emoções
Segundo Watson, cada emoção envolve um padrão particular de mudanças fi-
siológicas. Um estímulo (auditivo intenso) produz mudanças físicas, tais como
o aumento do batimento cardíaco, o rubor das faces, a transpiração, respiração
ofegante e outras.

92 • capítulo 4
Ao postular o comportamento como objeto de estudos da Psicologia,
Watson estabelece um objeto de estudos "observável e mensurável, cujos expe-
rimentos poderiam reproduzir diferentes condições e sujeitos”.
As concepções de Watson representam uma grande oposição à introspec-
ção, movimento que vigorava na época, assim como rejeitavam também a ana-
logia como métodos. As proposições de Watson, portanto, trouxeram respostas
essenciais aos objetivos que os psicólogos buscavam na época e contribuíram
para o rompimento definitivo da Psicologia com a sua tradição filosófica.
Watson chega ao conceito de "condicionamento respondente" que consiste
nas interações estímulo-resposta (ambiente-sujeito) nas quais o organismo é
levado a responder a estímulos que antes não respondia. Isso se dá em função
de um pareamento de estímulos, como por exemplo: imergir a mão na água ge-
lada e ouvir o som de uma campainha repetidas vezes. Depois de certo tempo,
a mudança de temperatura nas mãos poderá ser eliciada apenas pelo som da
campainha, isto é, sem a necessidade de imersão das mãos. A formulação do
Behaviorismo de Watson é representada pela relação S-R, onde S é o estímulo
do ambiente e R a resposta do organismo.
Em um dos experimentos mais infames da história da Psicologia, Watson
tentou criar, em um garoto de 11 meses, uma resposta de medo condicionada.
O “pequeno Albert” era um bebê protegido e feliz que adorava novos lugares
e experiências. Em sua primeira visita ao laboratório de Watson, Albert ficou
encantado com um dócil ratinho branco, mas ficou visivelmente assustado
quando Watson deu uma martelada violenta em uma barra de ferro bem atrás
da cabeça do menino. Em sua segunda visita, Watson colocou o rato perto de
Albert e, no momento em que o menino esticou o braço e alcançou o animal,
bateu o martelo. Após meia dúzia de associações, o pequeno Albert começava a
chorar assim que via o rato, sem que houvesse nenhuma martelada.
Experimentos adicionais mostraram que Albert tinha medo de qualquer coisa
que fosse branca e peluda — um coelho, um cachorro, um casaco de pele de foca,
algodão e até mesmo Watson mascarado de Papai Noel (Watson e Rayner, 1920).

CONEXÃO
Assista ao vídeo: O "Pequeno Albert" de Watson, disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=g4gmwQ0vw0A, acessado em 01.02.2016.

capítulo 4 • 93
4.6  Antecessor de Skinner
Aproveitando alguns caixotes e pedaços de madeiras, Thorndike projetou e
construiu caixas-problema para utilizar nas pesquisas com os animais. Para
conseguir escapar da caixa, o animal tinha que aprender a mexer no trinco.
Em uma série de experimentos, Thorndike colocava um gato faminto em
uma caixa feita de ripas de madeira. Deixava a comida do lado de fora da caixa
como um prêmio por ele conseguir escapar. O gato tinha de puxar uma alavan-
ca ou corrente e, às vezes, repetir muito a manobra para afrouxar o trinco e con-
seguir abrir a caixa. Depois de uma série de tentativas, esse número diminuía.
Thorndike registrava o tempo decorrido do instante em que o gato era colocado
na caixa até o momento em que ele conseguia sair. Assim que a aprendizagem
se concretizava, esse intervalo diminuía.

Thorndike considerou a possibilidade de uma tendência em que “gravar”


ou “apagar” a resposta acontecia de acordo com êxito ou fracasso da conse-
quência. As respostas fracassadas que não resultam na abertura da porta para
o gato sair da caixa tendiam a desaparecer, ou seja, a serem apagadas depois
de várias tentativas. As respostas que conduziam ao êxito eram gravadas após
algumas tentativas. Esse tipo de aprendizagem passou a ser conhecido como
por tentativa-e-erro, embora Thorndike preferisse chamá-lo de tentativa e su-
cesso acidental.

94 • capítulo 4
Thorndike apresentou formalmente essa ideia sobre a tendência a “gravar”
ou “apagar” a resposta, definindo-o como a lei do efeito.
Lei do Efeito: os atos que produzem satisfação em determinada situação
tornam-se associados a ela; quando a situação se repete, o ato tende a ocorrer.

CONEXÃO
Assista a réplica do experimento da caixa-problema de Thorndike disponível em, https:
//www.youtube.com/watch?v=Qw8Kyj7OO-s, acessado em 01.02.2016.

Lei do Exercício: quanto mais um comportamento é realizado em uma si-


tuação, mais forte se torna a associação entre comportamento e situação.
No início, o gato exibia comportamentos aleatórios, como empurrar, farejar
e arranhar com as patas, tentando alcançar a comida. Por fim, acabava execu-
tando o comportamento correto, destravando a porta. Na primeira tentativa,
esse comportamento ocorria sem querer. Nas tentativas subsequentes, os com-
portamentos aleatórios mostravam-se menos frequentes, até que a aprendi-
zagem fosse completa. Então, o gato passava a demonstrar o comportamento
apropriado assim que era colocado dentro caixa. Nessa visão, o organismo hu-
mano seria controlado e operado pelas forças do ambiente, pelo mundo exte-
rior, e não pelas forças internas.

4.7  Condicionamento Operante


A demonstração da clássica experiência da caixa de Skinner, que envolvia o ato
de pressionar a barra, foi construída de modo que as variáveis externas fossem
controladas. Colocava-se um rato privado de comida dentro da caixa, ficando
livre para explorar o ambiente. No curso dessa exploração, o rato pressionava
uma alavanca ou uma barra, ativando um mecanismo que liberava uma boli-
nha de ração em uma bandeja. Depois de conseguir algumas bolinhas (os re-
forços), o condicionamento geralmente se estabelecia com rapidez e o ratinho
aprendia que para receber a comida era necessário apertar a barra.
Com base nessa experiência básica, Skinner derivou a sua lei da aquisição,
afirmando que a força de um comportamento aumenta quando ele é seguido

capítulo 4 • 95
pela apresentação de um estímulo reforçador. Embora a prática seja importan-
te, a variável-chave é o reforço. A prática em si não aumenta a frequência das
respostas; mas a consequência sim.
A pesquisa inicial com o rato pressionando a barra da caixa de Skinner de-
monstrou o papel do reforço no comportamento operante. O comportamento
do rato era reforçado cada vez que ele pressionava a barra. Em outras palavras,
o rato recebia alimento sempre que executava a resposta correta.

Condicionamento operante é concebido como aprendizagem pelas conse-


quências. Segundo Skinner, nos comportamos de forma aleatória, e aprende-
mos em função das consequências que recebemos, ou seja das consequências
que nossos comportamentos provocam no meio.

O condicionamento operante utiliza o mesmo princípio para animais e hu-


manos segundo o qual mudamos nosso comportamento em função das conse-
quências dos nossos comportamentos.

96 • capítulo 4
MULTIMÍDIA
Assista aos experimentos realizados pelo próprio Skinner.
http://www.youtube.com/watch?v=81bZSMymRD0 Skinner condicionamento pombos
http://www.youtube.com/watch?v=6EMGxikp5VY esquemas de reforçamento Skinner

Pense em uma criança que vive fazendo cenas para conseguir o que quer.
Quando os pais acabam cedendo, acabam reforçando o comportamento inade-
quado, ou seja, fazendo com que este comportamento se mantenha ocorrendo
em alta frequência. Para modificar o comportamento, os chutes ou gritos não
podem ser recompensados, somente os comportamentos aceitáveis social-
mente devem ser. Depois de algum tempo, o comportamento da criança acaba
mudando, porque os ataques de teimosia não surtem mais efeito para a obten-
ção de recompensas, enquanto o comportamento adequado sim.

4.8  Reforço
Quando um comportamento é seguido da apresentação de uma consequên-
cia e esta consequência aumenta probabilidade do comportamento se repe-
tir novamente, chamamos esta consequência de reforço. Do mesmo modo,
quando um comportamento é seguido por uma consequência que diminui a
probabilidade do comportamento ocorrer novamente, chamamos esta conse-
quência de punição. Portanto só temos como saber o que é reforço e o que é
punição posteriormente à consequência, em função da alteração da frequência
do comportamento. Assim, o reforço aumenta a frequência de um determina-
do comportamento.

CONEXÃO
Exemplo de reforço positivo na série The big bang theory
http://www.youtube.com/watch?v=tV7Zp2B_mt8

capítulo 4 • 97
4.9  Tipos de Reforçadores
Segundo Skinner, existem reforçadores primários, secundários e generalizados.
Como exemplo do primeiro, temos o alimento e o sexo. Ambos podem ser usados
para aumentar a frequência de uma resposta. Eles são reforçadores para a espé-
cie, ou seja, apenas aqueles sensíveis a eles sobreviveram. No cotidiano temos
uma mãe que só deixa o filho almoçar após ter terminado o dever de casa e um
homem que após se reconciliar com a esposa, fazem sexo para comemorar.
Já os demais reforçadores, dependem dos primários para se tornarem efe-
tivos, ou seja, eles precisam ser pareados (precisam acompanhar) os primários
por certo tempo para que possam agir por si. No dia-a-dia a atenção é um gran-
de exemplo de reforçador secundário. Por último os reforçadores generalizados
são aqueles que possibilitam o acesso a todos (ou quase todos) os demais. O seu
maior representante é o dinheiro, capaz de possibilitar os demais reforçadores.

4.10  Classificação dos reforços


Skinner classifica os eventos reforçadores em positivos e negativos. Alguns re-
forços consistem na apresentação de estímulos, no acréscimo de alguma coisa à
situação (por exemplo, alimento, água). Estes são chamados reforços positivos.
Outros consistem na remoção de algum estímulo da situação (por exemplo,
muito barulho, calor ou frios extremos, choque elétrico). Estes são denomina-
dos reforços negativos. Em ambos os casos. O efeito do reforço é o mesmo: au-
menta a frequência do comportamento.
Importante Reforço aumenta a frequência do comportamento independen-
te de ser positivo ou negativo. O reforço positivo aumenta a frequência porque
a pessoa recebe aquilo que deseja após o comportamento. Exemplo: a criança
ganha um elogio porque tirou nota alta, se ela aumentar o comportamento de
estudar para receber outros elogios, o reforço é positivo. O reforço negativo au-
menta a frequência porque a pessoa deixa de receber alguma coisa da qual não
gosta. Exemplo: a criança apanha porque tirou nota baixa, se o comportamento
de estudar aumentar de frequência, o reforço é negativo porque o comporta-
mento de estudar aumentou de frequência para que a consequência não ocor-
ra, ou seja, para não apanhar novamente.

98 • capítulo 4
4.11  PUNIÇÃO
A punição não faz parte do programa de modificação de comportamento. De
acordo com Skinner, as pessoas não devem ser punidas por se comportarem de
forma indesejada. Ao contrário, devem ser reforçadas ou recompensadas quan-
do mudarem o comportamento na direção desejada. A posição de Skinner de
que o reforço positivo é mais eficaz do que a punição para alterar o comporta-
mento é comprovada por várias pesquisas com animais e seres humanos.

4.12  Teoria do Reforço


A Teoria do Reforço foi desenvolvida inicialmente pelo psicólogo norte-ame-
ricano Burrhus Frederic Skinner (considerado como um dos pais da psicolo-
gia comportamental).
Segundo a Teoria do Reforço, o comportamento das pessoas pode ser in-
fluenciado e controlado através da valorização dos comportamentos desejados
e desprezo pelos comportamentos indesejadas (o castigo do comportamento
não desejado deve ser evitado na medida em que tal contribuiria para o desen-
volvimento de sentimentos de constrangimento ou mesmo de revolta).

4.13  Diferença entre Condicionamento


Respondente e Condicionamento Operante

Na situação de condicionamento pavloviano, um estímulo conhecido é


pareado com outro estímulo sob condições de reforço. A resposta comporta-
mental é eliciada por um estímulo observável e Skinner chamou-a de com-
portamento respondente. O comportamento operante ocorre sem qualquer
estímulo antecedente externo observável. A resposta do organismo parece ser
espontânea, ou seja, não relacionada com qualquer estímulo observável conhe-
cido. Isso não significa que não haja um estímulo que elicite a resposta, mas
que não é detectado quando ocorre a resposta. No entanto, na visão do observa-
dor, não existe estímulo porque ele não aplicou e não consegue vê-lo.

capítulo 4 • 99
Outra diferença entre o comportamento respondente e o operante é que
neste último, o organismo opera no ambiente, enquanto no condicionamento
clássico, ele não opera mas apenas reage aos estímulos. O cão treinado do labo-
ratório de Pavlov não fazia outra coisa senão reagir (nesse caso, salivar) quando
o pesquisador apresentava-lhe o estímulo (a comida). O cão não era capaz de
atuar. No entanto, o comportamento operante do rato na caixa de Skinner é
instrumental no sentido de adquirir a comida. Quando o rato pressiona a barra,
recebe a comida, e somente a recebe se pressionar a barra, portanto, ele opera
sobre o ambiente. Skinner acreditava no comportamento operante como sen-
do o melhor representante da situação típica de aprendizagem.
O condicionamento operante difere do condicionamento respondente de
Pavlov e Watson porque, não comportamento operante, o comportamento é
condicionado não por associação entre estímulo e resposta, mas sim pela pro-
babilidade de um estímulo se seguir à resposta condicionada.

4.14  Considerações Finais


O Behaviorismo é diferente da maioria das outras abordagens, porque eles vêm
as pessoas (e animais) como controladas pelo seu ambiente e, especificamente,
que somos o resultado do que nós aprendemos com o nosso meio ambiente.
Behaviorismo está preocupado com a forma como os fatores ambientais (cha-
mados estímulos) afetam o comportamento observável (chamado de resposta).
A abordagem comportamental propõe dois principais processos pelos quais
as pessoas aprendem a partir de seu ambiente: condicionado a saber clássico
e condicionamento operante. Condicionamento clássico envolve aprendizado
por associação, e condicionamento operante envolve aprendizagem pelas con-
sequências do comportamento.
O behaviorismo também propõe o uso da metodologia científica (por exem-
plo, experimentos controlados) na psicologia, e afirma que só o comportamen-
to observável deve ser estudado, porque isso pode ser medido objetivamente.
O behaviorismo rejeita a ideia de que as pessoas têm livre-arbítrio, e acredita
que o ambiente determina todo o comportamento. Assim, o behaviorismo é o
estudo científico do comportamento observável.
Os princípios de Condicionamento clássico ou respondente têm sido apli-
cadas em muitas terapias. Estes incluem a dessensibilização sistemática para
fobias. A dessensibilização sistemática surge na década de 50 com os primeiros

100 • capítulo 4
trabalhos do psiquiatra sul africano Joseph Wolpe, baseado nos trabalhos
Watson. Segundo este, o paciente é primeiramente treinado em técnicas de
relaxamento profundo. Em seguida, o terapeuta instiga-o a aproximar-se, de
maneira gradual e sistemática, do objeto ou situação que lhe provoca medo,
culminando numa dessensibilização.
O behaviorismo tem sido criticado na forma como ele subestima a comple-
xidade do comportamento humano. Muitos estudos utilizaram animais que
dificulta a generalização para os seres humanos

4.15  Humanismo e Motivação


Psicologia humanista desenvolve-se na década de 1960 como uma reação à psi-
cologia psicodinâmica e behaviorismo. Os Humanistas criticam tanto os psicó-
logos behavioristas quanto os psicodinâmicos. O humanismo contestou a visão
pessimista da natureza humana defendida por psicólogos psicodinâmicos que
viram a busca egoísta do prazer como a raiz de todo o comportamento humano
e o ser humano como neurótico. Também criticam as crenças dos behavioris-
tas de que todo comportamento humano é o produto de influências ambientais
reduzidos pessoas ao status de máquinas.
Mais tarde a psicanálise foi considerada a "primeira força", o behaviorismo
a segunda força e o humanismo é considerada a “terceira força”.
O objetivo do humanismos era compreender a existência humana, estudan-
do questões, tais como: a auto-realização, saúde, esperança, amor, criatividade,
O humanismo enfatizar potencial inato das pessoas, bem como a capacidade das
pessoas para determinar seus próprios destinos. O objetivo final para o psicólogo
humanista, portanto, é ajudar as pessoas a perceber o seu potencial e viver de
acordo com suas habilidades.
Ao contrário dos terapeutas psicanalistas, os terapeutas humanistas ten-
dem a focalizar:
O presente e o futuro, ao invés do passado. Exploram os sentimentos à me-
dida que ocorrem, em vez de procurarem percepções sobre as origens dos sen-
timentos na infância.
Os pensamentos conscientes ao invés dos inconscientes.
A necessidade de a pessoa assumir imediata responsabilidade pelos pró-
prios sentimentos e ações, em vez de descobrir determinantes ocultos.

capítulo 4 • 101
A promoção do crescimento e da realização, em vez da cura de doenças.
Assim, as pessoas nessa terapia são clientes e não pacientes.
Duas abordagens teóricas em particular, caracterizam a psicologia huma-
nista. A abordagem "centrada na pessoa" à terapia defendida por Carl Rogers é
baseada em sua crença de que confiar em nossas experiências e acreditar em si
mesmo são os elementos mais importantes para a auto-realização. Na aborda-
gem centrada na pessoa, comportamento anormal é considerado o resultado
do fracasso de uma pessoa para acreditar na sua experiência, resultando em
uma visão distorcida do self. Há uma incongruência entre a visão atual da pes-
soa de si mesmo e sua auto "ideal". Terapeutas centrados na pessoa entendem
que a terapia deve contribuir para promover o autoconhecimento e auto-aceita-
ção e isso é possível através da empatia, autenticidade, e aceitação incondicio-
nal. Segundo esta perspectiva não importa o que o cliente diz ou fez, o cliente
ainda é uma pessoa de valor e fez o melhor que foi possível naquele momento,
diante das suas possibilidades.

Segundo Rogers quando os terapeutas abandonam suas fachadas e expres-


sam com sinceridade seus verdadeiros sentimentos, quando permitem que
os clientes se sintam incondicionalmente aceitos, e quanto sentem empatia
e refletem os sentimentos de seus clientes, estes podem ter um aumento na
auto aceitação.
Rogers utiliza uma técnica denominada escuta ativa, acolhendo e procuran-
do esclarecimento sobre o que a pessoa expressa (em termos verbais em não
verbais) e reconhecendo os sentimentos expressos.
Rogers, juntamente com outros teóricos humanistas, como Abraham
Maslow, acredita que todas as pessoas possuem uma necessidade fundamental
de autogratificação, um estado de auto realização no qual as pessoas vivenciam
seu potencial pleno de agir de seu modo único.

102 • capítulo 4
Rogers propõe que as pessoas desenvolvem uma necessidade por estima po-
sitiva que reflete o desejo de ser amado e respeitado. Em virtude de outras pes-
soas serem responsáveis por essa estima positiva, crescemos dependentes delas.
Começamos a considerar-nos e a nos julgar de acordo com a visão de outras
pessoas, apoiando-nos em seus valores e preocupações.
De acordo com Rogers, uma consequência da atribuição de importância às
opiniões de outras pessoas é que pode surgir um conflito entre as experiências
reais das pessoas e seus autoconceitos.
Rogers propõe que uma maneira de superar a discrepância entre experiên-
cia e autoconceito é através de uma atitude positiva incondicional de uma outra
pessoa, um amigo, um cônjuge ou um terapeuta.
A atitude positiva incondicional refere-se a uma atitude de aceitação e res-
peito por parte de um observador, independente do que a pessoa diga ou faça.
Essa aceitação dá as pessoas à oportunidade de evoluir e crescer cognitiva e
emocionalmente, assim como desenvolver autoconceitos mais realistas.
Roger propõe a escuta ativa caracterizada pala capacidade de refletir, para-
frasear e esclarecer o que o cliente diz e seu significado. Esta é agora uma parte
aceita das práticas de aconselhamento terapêutico

4.16  A Teoria Motivacional de Maslow


A segunda teoria influente da psicologia humanista foi desenvolvida por Abrah-
am Maslow. Maslow acreditava que as pessoas são naturalmente boas e pos-
suem uma tendência para o crescimento e desenvolvimento do seu potencial
para atingir a "auto realização". Ele desenvolve uma teoria segundo a qual, as
pessoas são motivadas em busca de satisfazer uma hierarquia de necessidades
que surge em uma determinada sequência específica. Se todas as necessidades
anteriores foram atendidas, a pessoa chega a auto realização.
Maslow desenha um gráfico em forma de pirâmide para explicar a hierar-
quia das necessidades. Primeiro surge a necessidades fisiológicas, depois a
necessidade de segurança. Posteriormente surge a necessidade de amor, acei-
tação. Quando todas estas forem satisfeitas, surge a necessidades de autoesti-
ma e, finalmente, a auto realização. Maslow acreditava que os problemas psico-
lógicos resultam da insatisfação destas necessidades, o que, por conseguinte,
impediria que a pessoa chegasse à última etapa do desenvolvimento: a auto
realização.

capítulo 4 • 103
moralidade,
criatividade,
espontaneidade,
solução de problemas,
ausência de preconceito,
aceitação dos fatos
Realização Pessoal
auto-estima,
confiança, conquista, respeito dos
Estima outros, respeito aos outros

amizada, família, intimidade sexual


Amor/Relacionamento
segurança do corpo, do emprego, de recursos,
da moralidade, da família, da saúde, da propriedade
Segurança

respiração, comida, água, sexo, sono, homeostase, excreção


Fisiologia

Segundo Maslow, o ser humano como espécie tende a seguir esta escala de
necessidades. Por exemplo, enquanto o campo da fisiologia não estiver satisfa-
toriamente sanado, a pessoa dará prioridade a este em relação a estima própria
e assim sucessivamente.
Segundo Maslow todo o nosso comportamento e todas as nossas escolhas
estarão voltadas para atender à necessidade em questão. Exemplo: se estiver-
mos com fome, nenhuma outra possibilidade nos satisfará além do alimento.
Se estivermos carentes de amor, nada além de amor pode satisfazer a pessoa e
isso ocorre em relação à todas as outras necessidades.
Segundo Maslow, como espécies temos um potencial típico da espécie para
sermos criativos, democráticos, com uma percepção clara da realidade, afeti-
vos, e felizes; mas cada um tem um potencial individual também, isso expli-
ca as nossas diferentes habilidades. As características da espécie e individuais
constroem o nosso self. Se todas as nossas necessidades forem atendidas de
forma adequada, desenvolveremos nosso self e nos tornaremos pessoas auto
realizáveis.
Ocorre que se a necessidade percebermos que para sermos amados, ou para
nos sentirmos seguros, precisaríamos ser outra pessoa, neste caso nós seremos
capazes de criarmos um falso self desde que este seja necessário para sermos
atendidos na satisfação do amor, segurança ou autoestima desejada. O proble-
ma é que criamos outro problema porque nunca seremos realizados e felizes
enquanto tivermos um falso self.

104 • capítulo 4
Segundo Maslow, tais necessidades deveriam ser atendidas na família mas
apenas uma pequena parte da população atinge a auto realização, isto porque
as apenas uma pequena parte das pessoas é capaz de atender às necessidades
dos outros, a maior parte dos seres humanos, mesmo depois de adulto, busca
ainda atender às suas próprias necessidades.
De acordo com a teoria de Maslow, a pessoa auto realizada não seria mais
rica nem livre de sofrimentos. Isto porque ela não trocaria a sua felicidade e
realização por dinheiro, assim como ela não está livre de ser discriminada ou
perder pessoas queridas mas ela terá condições de lidar de forma mais saudá-
vel com as dificuldades e por isso teria mais facilidade para superá-las.
A Pirâmide motivacional de Maslow, além de uma teoria de personalidade
também é uma teoria motivacional porque explica os diferentes motivos para
o comportamento.

4.17  Gestalt terapia, tornando-se um todo.


A Gestalt terapia surge com Fritz
Perls na década de 60 e identifi-
ca-se bastante com as terapias
humanistas. Fritz Perls um dos
primeiros teóricos a liderarem o
movimento do potencial humano
desenvolveu a Gestalt-terapia. Os
terapeutas gestaltistas auxiliam
seus pacientes a encontrarem seus
próximos significados para suas
experiências. O objetivo da Gestalt
terapia é integrar as experiências
do presente como um todo; ou seja, uma Gestalt; considerando om passado
como uma parte da experiência mas o foco está no presente. No aqui e agora.
A Gestalt terapia utiliza vários exercícios com objetivo de ampliar a cons-
ciência dos vários elementos que compõem o todo da nossa experiência. Estes
acreditam que durante os exercícios corporais, os clientes podem, com a ajuda
do terapeuta, aumentar a consciência das experiências emocionais através dos
comportamentos não verbais.

capítulo 4 • 105
4.18  Gestaltismo e Percepção
Podemos considerar que a Gestalt terapia foi significativamente incluenciada
pelo Gestaltismo. O surgimento do movimento gestaltista, ocorre na Alemanha
no período situado entre 1910 e 1012, época em que a ciência psicológica era
dominada pelos estudos de laboratório desenvolvidos por Wundt e Titchener.
Os gestaltistas se dedicaram ao estudo da totalidade de experiência comple-
xas daí derivando a célebre frase: “O todo é maior do que a soma das partes”. Os
gestaltistas dedicaram-se com primor ao estudo da percepção, do pensamento
e das estratégias de solução de problemas, oferecendo assim um importante
auxílio ao desenvolvimento da psicologia cognitiva.
Considerado como o fundador da psicologia da forma ou psicologia da ges-
talt, Marx Wertheimer demonstrou grande interesse, por volta de 1910, pelo fe-
nômeno PHI e nada mais é do que um movimento aparente, ou seja, uma ilusão
de movimento que temos em função do acendimento sucessivo de luzes em um
determinado intervalo de tempo (que depois foi determinado por Wetheimer
como sendo 60 milissegundos).
Transformando suas pesquisas sobre o movimento aparente em um progra-
ma de pesquisa na universidade de Frankfurt começou a ter a colaboração de
W. Kohler e K. Koffka que juntamente com Wertheimer se transformariam nos
grandes nomes da psicologia da gestalt. O resultado dessas pesquisas, publica-
do em 1912 em um artigo intitulado “Experimental Studies on the Perception
of Movement” é considerado o marco inicial da psicologia da gestalt.

Wertheimer, Koffka e Kohler

Merco porque foi a prova de que a percepção não era somatório de sensa-
ção, visto que se fosse somatório de sensações a percepção não poderia ser
uma ilusão.

106 • capítulo 4
Este fenômeno cria o grande achado do gestaltismo: O TODO É DIFERENTE
DA SOMA DAS PARTES. Isso significa simplesmente que a percepção NÃO é
somatório de sensações.
O principal interesse dos psicólogos da gestalt era identificar então, os prin-
cípios da organização perceptiva da forma.
Uma das leis básicas da organização perceptiva é a lei da figura-e-fundo, ou
seja, para que uma figura seja percebida ela, necessariamente, tem que fazer con-
traste com um determinado fundo. Uma das figuras clássicas que demonstra o
princípio da figura e fundo e o da velha e da moça que pode ser vista a seguir:

Ocorre que as figuras são reversíveis, isto é: a cada momento, o que era figu-
ra passa a ser fundo e vice-versa, entretanto para haver percepção sempre terá
que, necessariamente, haver o contraste entre esses elementos.
Outro princípio do gestaltismo é o conceito de boa forma: percebemos o
todo de forma organizada, diante das condições que se apresentam.
Os estudos dos psicólogos da gestalt determinaram vários outros princí-
pios da organização perceptiva, dentre os quais podemos destacar: o princípio
da proximidade.
1. Proximidade – os elementos mais próximos tendem a ser agrupados:

Vemos três colunas e não três linhas na figura.

capítulo 4 • 107
2. Princípio da continuidade – se a proximidade se mantiver constante,
então a percepção é organizada de acordo com a similaridade dos estímulos.
Na figura abaixo tendemos a perceber as linhas de bolas brancas e as linhas de
bolas pretas, ao invés de percebermos um conjuntos de bolinhas.

3. Fechamento – quando encontramos figuras incompletas apresenta-


mos a tendência a completá-las, preenchendo as lacunas e construindo uma
boa forma.

Abordagem existencial fenomenológica

A abordagem humanista tem suas raízes no pensamento fenomenológi-


co e existencialista, e outra abordagem que surge nesse momento é a abor-
dagem fenomenológica existencial, baseada nas perspectivas filosóficas

108 • capítulo 4
fenomenológicas e existencialistas. Segundo esta não existe uma essência
humana pois Sartre: “A existência precede à essência, assim as pessoas pre-
cisam lidar com a angustia existencial da vida e as responsabilidades pelas
suas escolhas.
A partir do gestaltismo podemos entender que a percepção é diferente da
sensação. A sensação é um processo exclusivamente fisiológico e a percepção
um processo psicológico. Isto porque a sensação depende da integridade do
sistema nervoso. Se nossos receptores, nossas fibras nervosas e nosso córtex
estiveram funcionando perfeitamente, teremos possibilidade fisiológica de to-
marmos consciência dos estímulos e do ambiente a nossa volta. Desta forma
podemos afirmar que a sensação se inicia nos receptores dos órgão dos senti-
dos passa pelas fibras nervosas até que essa informação atinja o cérebro.
Depois que a informação chegou ao cérebro, inicia o processo da percepção.
Podemos definir percepção como interpretação dos sentidos. A percepção é,
portanto, um processo posterior à sensação. Embora seja um processo contí-
nuo, na hora em que estamos dando um sentido àquilo que vemos, ouvimos ou
sentimos, estamos percebendo.
Desta forma a sensação costuma depender das nossas características gené-
ticas. Em termos mais gerais, como espécie, temos as mesmas características
sensoriais. Neste sentido a sensação varia pouco de uma pessoa para a outra.
Ao contrário, a percepção pode variar significativamente de uma pessoa
para a outra. Isto porque a percepção depende de muitas variáveis, tais como:
experiência pessoal, características culturais, estados emocionais e motivacio-
nais, e vários outros. Por este motivo a percepção varia tanto de pessoa para pes-
soa. Quando percebemos estamos interpretando e avaliando a partir de todas a
nossa bagagem armazenada na memória.

4.19  Cognitivismo e Memória


No início dos anos 1960, o computador, foi sendo desenvolvido. Um grande nú-
mero de psicólogos começou fazer uma analogia entre o cérebro e o computa-
dor e a pensar sobre o cérebro e sobre o comportamento humano em termos do
funcionamento do computador, surge assim a psicologia cognitiva.
A psicologia cognitiva é um campo da psicologia que estuda os processos
mentais, como processamento de informação a percepção e assim como os

capítulo 4 • 109
computadores busca compreender os processos de percepção, pensamento,
memória, aprendizagem, e outros.
Algumas contribuições importantes para a psicologia cognitiva tenham
iniciado ainda na década de 40 como o Jean Piaget (1896-1980), que estudou
o desenvolvimento da inteligência na criança entre outros. Um psicólogo que
contribuiu para os estudos da memória nesse período foi o alemão Hermann
Ebbinghaus (1850-1909). Ebbinghaus realizou os primeiros estudos sobre a
memória humana de forma rigorosa e sistemática. Sua metodologia utilizou
listas de sílabas sem sentido. Estas sílabas eram compostas de consoante, vogal
e consoante. Seu objetivo era justamente evitar o significado que as palavras
pudessem provocar. Ele estudava as listas de 13 sílabas até poder repeti-las 2
vezes sem errar e depois avaliava sua capacidade de lembrar alista de diferentes
intervalos de tempo, ou seja dos primeiros segundos até 50 anos. A partir deste
experimento, ele criou a curva do esquecimento

50
Palavras recordadas

50
50
50
50
50
5 10 20 60 1 7 30
min min min min dia dias dias
Tempo

Segundo esta, o esquecimento inicial é rápido, mas ao longo do tempo ten-


dem a se manter relativamente estáveis. Ebbinghaus também cunhou o termo:
Efeito de posição serial. Trata-se de uma tendência para recordar melhor os
primeiros e últimos itens em uma lista que desejamos memorizar. Ou seja, ele
constatou que a recordação varia em função da posição de um item em uma
lista qualquer. Podemos então subdividir o efeito da posição serial em dois efei-
tos: efeito da recenticidade e efeito da primazia. O efeito da recenticidade afir-
ma que tendemos a começar a recordação pelo fim da lista. O efeito da primazia
estabelece que os primeiros itens da lista são recordados com mais frequência
do que os itens do meio.
Mais tarde, em 1956 George A. Miller contribuiu para o estudo da memória
identificando a memória de curta duração com uma capacidade de 7 mais ou

110 • capítulo 4
menos 2 itens, que ele chamou de número mágico. Ou seja, conseguimos ar-
mazenar entre 5 a 9 itens na memória. Esta descoberta ficou conhecida com
Lei de Miller.
Memória é compreendida como a capacidade de adquirir, reter e usar infor-
mações e conhecimentos.
Hoje, entendemos que existem memórias que duram pouco tempo e outras
que duram muito tempo. Estas memórias que duram muito tempo são chama-
das de memória de longa duração e contém toda a nossa história e nossos co-
nhecimentos. Sua capacidade é praticamente ilimitada.
Dessas memórias que duram muito tempo podemos dividir em dois tipos:
aquelas que sabemos explica-las verbalmente porque são conscientes, chama-
das memórias declarativas ou explícitas e aquelas que realizamos e não sabe-
mos explicar como; exemplo: andar de bicicleta, falar, medos irracionais e ou-
tros. Ou seja, aprendemos a falar sem nenhum conhecimento de como ocorre
a fala, por isso essas memórias não são registradas de forma verbal. Elas não
precisam de atenção consciente e por vezes são até contrários a nossa lógica
consciente. Este tipo memória localiza-se fora da consciência e chamamos de
memória de procedimento ou memória implícita.
A memória declarativa, que sabemos explicar, inclui dois tipos de informa-
ções: aquilo que sabemos porque alguém nos contou ou lemos em algum lugar
(memória semântica) e aquilo que vivemos (memória episódica).
Existe uma memória que guarda as informações por um período curto de
tempo. Esta é chamada de memória de trabalho, porque é ela que seleciona
aspectos importante do ambiente para direcionar a atenção. Ela também arma-
zena os conteúdos novos na memória de longo prazo a medida que relaciona o
conteúdo novo com as informações armazenadas na memória de longo prazo
(memória explícita ou declarativa). Essa relação é necessária para que consi-
gamos entender aquilo que está sendo dito; ou compreender um livro que es-
tamos lendo. A memória de trabalho é composta por 4 estruturas. Cada uma
com uma função específica. Além das duas funções que citamos de atenção e
relação com a memória de longo prazo, existe uma estrutura específica para
analisar e processar as informações verbais faladas e escritas e outro relaciona-
se a objetos e informações espaciais.

capítulo 4 • 111
Memória de
Longo prazo

Ensaio auditivo Agenda


Exemplo: Repita histórico Visioespacial
datas para si mesmo Exemplo: Imagem
da página de texto onde o
exame resposta parece

Executivo central
Direciona o foco
Exemplo: decidir parar
os estudos, obter o jantar

Tampão episódica
Memória
Funil de entrada para o
trabalhando
executivo central

Experiências imediatas;
input sensorial

A perspectiva cognitiva tem crescido muito nas últimas décadas como resul-
tado dos avanços nas técnicas de neuroimagem. Estas imagens são usadas para
diagnosticar doença cerebral e lesões, mas eles também permitem investigar e
visualizar o cérebro em funcionamento,

4.20  Terapia Cognitivo Comportamental


Aaron T. Beck na década de 60 desenvolveu uma forma de psicoterapia no início
da década de 1960, a qual denominou originalmente terapia cognitiva. Conheci-
da hoje como terapia cognitivo-comportamental. Beck, inicia com o tratamento
da depressão, e propões uma psicoterapia estruturada e de curta duração, voltada
para o presente, direcionada para a solução de problemas atuais e a modificação
de pensamentos e comportamentos disfuncionais (inadequados e/ou inúteis).

112 • capítulo 4
Beck e outros autores tiveram sucesso na adaptação dessa terapia a uma
ampla quantidade de transtornos mentais e em todas as formas de Terapia
Cognitivo-Comportamental derivadas do modelo de Beck, o tratamento está
baseado em uma formulação cognitiva, identificação dos transtornos e utiliza-
ção de estratégias cognitivas e comportamentais.
O desenvolvimento da terapia cognitiva se deu em oposição às abordagens
dominantes na época: a psicanálise e o behaviorismo. A perspectiva cognitiva
entende que o pensamento determina o comportamento e as emoções.
A terapia cognitiva trabalha com três níveis de pensamento:
1. Crenças centrais ou nucleares
Ideias ou conceitos mais enraizados e fundamentais acerca de nós mesmos,
das pessoas e do mundo.
As crenças são incondicionais, isto é, independentes da situação que se
apresente ao indivíduo, ele irá pensar do mesmo modo.

2. Crenças intermediárias
Construções cognitivas derivadas das crenças centrais e subjacentes aos
pensamentos automáticos.
São regras, normas, premissas e atitudes que adotamos e que guiam nos-
sa conduta.
Os pressupostos normalmente são condicionais.
As regras são usualmente expressões do tipo: “tenho que” e “devo”.

capítulo 4 • 113
3. Pensamentos automáticos
Pensamentos que acontecem rápido, involuntário e automaticamente.
Normalmente são exagerados e distorcidos e tem um papel importante na
psicopatologia porque moldam tanto as emoções como as ações.
Sua modificação melhora o humor do cliente, enquanto a modificação da
crença nuclear melhora o transtorno.
Podem ocorrer tanto na forma de frases quanto de imagens.

Distorções cognitivas

Leitura mental Previsão do futuro Catastrofização Rotulação


Achar que sabe o Fazer previsões Acreditar que um Atribuir traços
que os outros somente acontecimento negativos que
pensam, sem ter negativas é terrível e englobam a pessoa
evidências. para o futuro. insuportável. completamente.

Desqualificação Filtro negativo Generalização Pensamento


do positivo Enxergar somente Padrão global dicotômico
Menosprezar aspectos a faceta negativa negativo baseado Achar que sabe o que
positivos de si ou da pessoa em um único os outros pensam,
dos outros. ou situação. evento. sem ter evidências.

“Deveria” Personalização Leitura mental Comparações injustas


Enfatizar como as Atribuir somente Considerar somente Estabelecer padrões
coisas deveriam ser a si a culpa por outra pessoa como irreais, comparando-se
em vez de perceber fatos fonte de suas com níveis muito
o que são. negativos. emoções negativas. superiores.

Lamentação E se? Incapacidade de Julgamento


Enfatizar exagerada- Fazer mil e uma conjec- refutar Avaliar tudo em termos
mente o que poderia ter turas “se isso ou aquilo Negar evidências que de bom-mau ou
feito ao invés do que acontecer” e nunca se dar contradizem os superior-inferior, exage-
pode fazer agora. por satisfeito e seguro. pensamentos negativos. rando nos Julgamentos.

1. Teoria Racional emotiva de Albert Ellis (1955) – psicanalista que de-


senvolveu um sistema terapêutico de mudança de personalidade conhecido
como teoria e/ou terapia racional emotiva. Segundo Ellis, as causas das difi-
culdades psicológicas são atribuídas às crenças irracionais que fazemos da
realidade. É uma terapia didática, diretiva e mais preocupada com a estrutura
de pensamento do cliente. A terapia busca auxiliar o indivíduo a perceber as
armadilhas que as interpretações equivocadas da realidade representam. Ellis
organiza sua teoria como o modelo A – B – C. Nosso sistema de crenças é cons-
truído ao longo de nossas vidas, no contexto sociocultural, mediante nossas ex-
periências pessoais.

MODELO A – B – C
A = fato, acontecimento
B = crenças
C = consequências

114 • capítulo 4
2. Teoria Cognitiva de Aaron Beck - psiquia-
tra de formação psicanalítica tradicional e cunhou
o termo terapia cognitiva no início dos anos 60.

Três proposições fundamentais definem as características que estão no nú-


cleo da terapia cognitiva:
1. a atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada.
2. a atividade cognitiva influencia o comportamento.
3. o comportamento desejado pode ser influenciado mediante a mudan-
ça cognitiva.

A Terapia cognitiva comportamental utiliza várias estratégias, testes e mo-


nitoramento com objetivo de atingir os objetivos propostos no menor tem-
po possível,
Desta forma ela parte do princípio de uma aliança terapêutica onde os pro-
cedimentos e hipóteses são discutidas na terapia e definidas de comum acordo.

Beck e Elllis

capítulo 4 • 115
3. Teoria dos Esquemas de Jeffrey Young - Sua proposta é a expansão do
modelo cognitivo com o objetivo de criar novas estratégias de tratamento para
os transtornos de personalidade e também para os pacientes mais crônicos,
mais rígidos e que não respondem bem ao tratamento cognitivo padrão. Os in-
divíduos com os chamados transtornos de personalidade apresentam padrões
disfuncionais rígidos, inflexíveis, profundos e raramente buscam a psicotera-
pia. Na verdade, eles não sentem esses traços de personalidade como disfun-
cionais, parecem certos aos seus olhos, resultando daí a tendência em recusar
qualquer tipo de ajuda ou mudança. Os esquemas se referem a temas extrema-
mente estáveis e duradouros que se desenvolvem durante a infância, são elabo-
rados ao longo da vida e são disfuncionais.

4.21  Personalidade
O sonho de todos aqueles que se interessa por psicologia é poder compreender a
grande complexidade que é o ser humano na sua complexidade e singularidade.
Personalidade é, portanto um campo de estudo dentro da psicologia que
pode ser definida como um conjunto dinâmico e organizado dos aspectos cog-
nitivos, conscientes e inconscientes, motivacionais emocionais e comporta-
mentais, relativamente duradouras de uma pessoa que nos permite prever suas
respostas a sua capacidade de ajustamento.
Visto que na psicologia não existe uma única concepção de homem, por-
tanto, temos diferentes concepções teóricas sobre a estrutura e a dinâmica

116 • capítulo 4
da personalidade humana e cada uma delas representa uma teoria diferente
de personalidade. Analisando o conceito de personalidade através das teorias
mais relevantes em psicologia da personalidade, tais como: teoria psicanalítica
e posteriormente as neo psicanalíticas que embora mantenham o foco no in-
consciente, se diferencial da psicanálise de Freud em diversos aspectos. Temos
também teorias de personalidade comportamental, cognitivista, humanista e
teorias dos traços.
Vimos várias abordagens e como cada uma delas contribui de forma signifi-
cativa para a compreensão, deste complexo tema que é a personalidade.
Na idade antiguidade, Hipócrates relacionou quatro temperamentos em
função dos fluidos corporais e os quatro elementos da natureza: água, fogo,
terá e ar. Posteriormente Galeno definiu quatro temperamentos baseado nos
humores corporais:
Nos coléricos predominava a bílis amarela (originária do fígado) e eram nor-
malmente dominados pela raiva;
Nos Sanguíneos predominava o sangue (originada do coração), estes eram
considerados ativos e vibrantes;
Nos fleumáticos predominava a fleuma (catarro, coriza, originada no siste-
ma respiratório), estes eram considerados como pouco emotivos;
Nos melancólicos predominavam a bílis negra (originária do baço), estes
eram relacionados com a depressão.
Esta teoria não é mais aceita cientificamente hoje em dia.

Sheldon, na década de 40 classificou as pessoas e suas características psi-


cológicas de acordo com sua constituição física: ectomorfo eram pessoas al-
tas e magras. Estes seriam mais sensíveis e inibidos. Mesoforfo, pessoa fortes

capítulo 4 • 117
fisicamente. Estes seriam mais agitados e extrovertidos e por último o en-
domorfo que seriam pessoas gordas e baixas. Estas seriam mais sociáveis
e tranquilos.

Ectomorfo Mesoformo Endomorfo

Esta teoria também caiu por terra.

4.22  Teoria dos traços de Personalidade


Pense em como você descreveria seus amigos. Provavelmente tentaria
descrevê-los utilizando algumas características como inteligente, bem-humo-
rado, tímido e outros. As teorias dos traços tenta identificar quais são os traços-
chave que melhor descrevem as pessoas e o quanto cada traço é relevante em
cada pessoa.

118 • capítulo 4
Parece simples mas um estudo recente identificou 18.000 palavras que são
utilizadas para descrever personalidade. Diante de uma lista gigantesca de tra-
ços de personalidade, Allport diferenciou os traços me traços mais importantes
e menos importantes.

Mais tarde Cattel condensou a lista de personalidade em uma lista de 30


características básicas. Cattel desenvolveu muitos testes de personalidade. O
mais conhecido é o questionário de 16 fatores de personalidade 16 PF.

FATOR ATRIBUTOS PRINCIPAIS


A (Expansivo) Afetivo, condescendente, participante
B (Inteligente) Pensamento abstrato, maior capacidade mental
C (Emocianalmente Estável) Enfrenta a realidade, calmo, amadurecido
E (Afirmativo) Independente, agressivo, obstinado
F (Despreocupado) Impulsivamente animado, alegre, entusiasta
G (Consciencioso) Perseverante, circunspeto, preso a normas
H (Desenvolto) Desembaraçado, ousado, espontâneo
I (Brando) Terno, dependente, superprotegido, sensível
L (Desconfiado) Obstinado em sua opinião, difícil de enganar
M (Imaginativo) Voltado para o interior, descuidado de assuntos práticos, boêmio
N (Requintado) Emerado, apurado, sagaz
O (Apreensivo) Preocupado, deprimido, perturbado
Q1 (Experimentador) Renovador, criativo, liberal, analisador, mente aberta
Q2 (Auto-suficiente) Prefere próprias decisões, basta-se a si próprio
Q3 (Controlado) Socialmente correto, comandado por sua auto-imagem
Q4 (Tenso) Frustrado, impulsivo, irritado

Tabela 4.1  –  Descrição da Tipologia de Personalidade (16PF) de R. B. Cattell

Eysenck, organizou a lista, relacionando algumas características a 4 tipos


básicos de traços: introvertido extrovertido; instável e estável. Esses traços são
avaliados pelo questionário Eysenck de personalidade.

capítulo 4 • 119
Instável

Obsessivos Histéricos
Humor variável Sensível
Ansioso Inquieto
Ansiosos Rígido Agressivo Psicopatas
Sério Excitável
Pessimista Pouco fiável
Reservado Impulsivo
Insociável Optimista
Sedentário Activo
Melancólico Colérico
Introvertido Extrovertido
Fleumático Sanguíneo Sociável
Passivo
Amigo de
Cuidadoso
entrar e sair
Pensativo
Falador
Pacífico
Gracejador
Controlado
Desenvolto
Fiável
Enérgivo
Equânime
Seguro de si
Sereno
Chefe

Obsessivos

Desta forma, podemos perceber que não existe uma única teoria de personali-
dade, mas muitas teorias de diferentes perspectivas teóricas e epistemológicas.

120 • capítulo 4

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