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Neurotizações extraplexuais nas lesões

por tração do plexo braquial


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RONALDO J. AZZE , RAMES MATTAR JR. , MARCUS C. FERREIRA ,
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EMYGDIO J.L. DE PAULA , ANTONIO C. CANEDO

RESUMO A neurotização de uma estrutura nervosa por outra


parece que começou com Letievant, em 1873, quando im-
Em um grupo de 71 pacientes operados de 1972 a (6)
plantou um nervo são em outro lesado .
1989, os autores realizam 62 neurotizações extraplexuais,
Em 1903, Harris & Low, em caso de lesão do ple-
com ou sem utilização de enxertos nervosos, com sutu-
xo braquial, implantaram raízes boas (C6 e C7) em raí-
ras microcirúrgicas associadas ou não ao uso do adesi- (5)
zes rompidas (C5 e C6) .
vo de fibrina. Avaliam o resultado alcançado pelas inter-
Em 1912, Tuttle “neurotizou” partes do plexo bra-
venções no tratamento de cada uma das lesões encontra- (14)
quial com ramificações motoras do plexo cervical .
das e concluem que as neurotizações extraplexuais, com
Vulpius & Stoffel usaram, em 1920, a inervação do
ou sem enxertos nervosos, podem dar bons resultados.
peitoral maior para reativar o nervo musculocutâneo e
(15)
axilar .
SUMMARY
Foster, em 1929, “neurotizou” o nervo axilar com
Extraplexual neurotizations in traction lesions of the o nervo toracodorsal ou subescapular inferior . Tam-
(2)

brachial plexus bém usou o nervo longo torácico para reinervar o tron-
62 extraplexual neurotizations were performed in co superior do plexo braquial.
71 patients between 1972 and 1989. Microsurgical techni- Lurje, em 1948, transferiu o nervo longo torácico
ques were used combined in some cases to nerve grafts para o supra-escapular, nervos torácicos anteriores para
and/or the use of fibrin glue. Results of the procedures o musculocutâneo e ramos proximais do tríceps para o
(7)
were assessed. The authors conclude that good results nervo axilar .
may be obtained with extraplexual neurotizations with Seddon, em 1963, indicou os nervos intercostais pa-
or without nerve grafts. ra as avulsões de raízes do plexo braquial.
O uso dos nervos intercostais foi também muito apli-
cado por Kotami & Tsuyama, em 1972. Em 1983, Gil-
Neurotização, senso lato, seria sinônimo de reinerva-
bert transferiu nervos do lado são para o nervo musculo-
ção de um órgão motor ou sensitivo.
cutâneo do plexo braquial lesado, através de enxerto to-
A neurotização direta de um músculo paralisado
rácico.
foi popularizada por Brunelli (1), que implantou termina-
Gu Yu-Dong, em 1987, tratou 108 casos de lesão
tes nervosas em músculo desnervado e notou a forma-
pré-ganglionar de raízes do plexo braquial e em muitos
ção de novas terminações e receptores dentro do mús- (3)
usou o nervo frênico como elemento neurotizador .
culo.
Outros autores chineses usam a raiz de C7 do lado
são, com enxerto transtorácico, para reinervar o lado le-
1. Livre-Doc.; Chefe do Grupo de Mão, Microcirurg. e Reimplantes sado.
do Dot-HC/FMUSP.
Principalmente nas lesões traumáticas do plexo bra-
2. Assist. do Grupo de Mão, Microcirurg. e Reimplantes do DOT- (9,10)

HC/FMUSP.
quial, Narakas vem preconizando vários tipos de neu-
3. Prof. Titular da Disc. de Cirurg. Plást. e Queimados do HC/
rotizações desde 1969, tendo introduzido a denominação
FMUSP. de transferências, que chamou de intraplexuais com ele-
4. Méd. Resid- em Ortop. e Traumatol. mentos sãos para elementos lesados, dentro do próprio
Rev Bras Ortop - Vol. 28, Nº 3 - Março, 1993 163
R.J. AZZE, R. MATTAR JR., M.C. FERREIRA, E.J.L. DE PAULA & A.C. CANEDO

Fig. 1 – J.F.F., masculino, 37 anos; causa: pedrada; data do acidente: 1/85; cirurgia (10/85): paralisia total, avulsão de C5, C6, lesão de C7,
C8, T1. Feitos: neurólise de C7, C8, T1; acessório para supra-escapular; ramos motores cervicais para musculocutâneo; ramos sensitivos cervicais
para raiz lateral do mediano.

Fig. 2 — C.G.B., masculino, 18 anos; causa: automóvel; data do acidente: 6/89; cirurgia (8/89): paralisia total, avulsão de C6, C7, C8, T1 e le-
são de C5. Feitos: neurólise de C5; acessório para musculocutâneo; intercostal para raiz lateral do mediano.

plexo, e extraplexuais com o uso de fontes nervosas es-


tranhas ao plexo, para reinervar elementos importantes TABELA 1
lesados dentro do plexo. Neurotizações extraplexuais usadas

Desde 1972, estamos utilizando as neurotizações in-


tra e extraplexuais, nas lesões do plexo braquial.
N° Total %
Neste trabalho apresentamos nossos resultados com
as neurotizações extraplexuais que usamos rotineiramente. Ac-SE 13
Ac-MC 11 25 (40)
Ac-Ax 1
MÉTODO
RMC-SE 10
Em 71 casos de lesão supraclavicular, por tração RMC-MC 6 18 (29)
RMC-RMM 2
em alta velocidade, operados de 1972 a 1989, encontra-
RSC-RLM 9 9 (15)
mos 166 lesões pós-ganglionares e 146 pré-ganglionares
IC-SE 1
ou avulsões. Desses casos, 54 apresentavam quadro de IC-MC 2
paralisia total e 17 de paralisia parcial superior. IC-RLM 3 10 (16)
Realizamos 203 neurotizações, sendo 141 intraple- IC-RMM 2
IC-TP 2
xuais e 62 extraplexuais.

RESULTADOS Ac = nervo acessório; SE = nervo supra-escapular; Ax = ner-


vo axilar; MC = musculocutâneo; RMC = ramos motores cer-
vicais, RMM = raiz medial do mediano; RSC = ramos sensiti-
Critérios de avaliação de resultados
vos cervicais; RLM = raiz lateral do mediano; TP = tronco pos-
Utilizamos os critérios adotados por Highet (1954) terior; IC = intercostais.

modificados conforme os quadros 1 e 2.


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NEUROTIZAÇÕES EXTRAPLEXUAIS NAS LESÕES POR TRAÇÃO DO PLEXO BRAQUIAL

Sensibilidade boa Mão (RMM) — Segura pequenos objetos (caixa de


Quando na zona de projeção da raiz lateral do me- fósforos) + alguma oponência.
diano (C6) (indicador e polegar) for considerada S3 ou Obtivemos os resultados constantes dos gráficos 1
mais. a 4.
Motricidade boa
Cotovelo (MC) — Flexão do cotovelo até 90 graus
COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES
contra gravidade + pequena resistência (suporta uma
camisa). As neurotizações extraplexuais são operações de úl-
Ombro (SE) (Ax) — Abdução de 30 graus + rota- timo recurso neurológico, inclusive ainda cercadas de
ção externa (ausência de rotação interna). descrédito por alguns. Mas à medida que estão sendo
utilizadas, os resultados têm mudado as opiniões pessi-

QUADRO 1
Motricidade
QUADRO 2
M0 –
Paralisia Sensibilidade
M1 –Contração muscular sem movimento
M2 –
Contração muscular com movimento sem a gravidade S0 – Anestesia
M3 –
Contração muscular com movimento contra a gravidade e S1 – Sensibilidade profunda
pequena resistência S2 – Sensibilidade dolorosa + tátil + disestesia
M4 – Contração muscular com movimento contra grande resis- S3 – Sensibilidade dolorosa + tátil + sem disestesia
tência S4 – Sensibilidade discriminativa
M5 – Normal S5 – Normal

Gráfico 1 — Resultados da sensibilidade da mão (RLM) Gráfico 3 — Resultados da motricidade do ombro (SE) (Ax)

Gráfico 2 — Resultados da motricidade do cotovelo (MC) Gráfico 4 — Resultados da motricidade da mão (RMM)

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R.J. AZZE, R. MATTAR JR., M.C. FERREIRA, E.J.L. DE PAULA & A.C. CANEDO

mistas. Com seu emprego, podemos dizer que não há Narakas, usando o nervo acessório para o nervo su-
caso operado no qual não se possa conseguir algum be- pra-escapular, refere ter tido 75% de bons resultados.
nefício motor ou sensitivo. Na reinervação do nervo musculocutâneo, encontrou 70%
Seu emprego mais rotineiro veio acompanhando a de bons resultados. Kotami, em cinco neurotizações, re-
cristalização do conceito de prioridade nas lesões graves fere 100% de bons resultados.
do plexo braquial, em que temos que conseguir um míni-
Brunelli relata seus maus resultados nas neurotiza-
mo funcional e sensitivo para um membro gravemente
ções usando os nervos intercostais, preferindo ramos
paralisado.
motores cervicais. Considera a cirurgia menos traumati-
Há um consenso universal de que se deve buscar
zante. Usa também ramos sensitivos cervicais para a raiz
primordialmente a flexão do cotovelo, estabilização do
lateral do mediano.
ombro e sensibilidade da mão (pinça entre polegar e in-
dicador). Assim, as neurotizações extraplexuais devem Como mostramos, usamos o nervo acessório, ramos
ser realizadas para reinervar fundamentalmente o nervo sensitivos e motores cervicais e os nervos intercostais.
musculocutâneo, o nervo supra-escapular e o nervo me- De maneira geral, podemos dizer que obtivemos bons
diano (pelo menos sua porção sensitiva mais importan- resultados com todas as neurotizações extraplexuais, ex-
te, representada pela assim chamada raiz lateral). ceto nas que buscaram motricidade da mão.

REFERÊNCIAS

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1873. ed., Stuttgart, Enke, 1920.

166 Rev Bras Ortop — Vol 28, Nº 3 – Março, 1993

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