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Amor de Perdição – Camilo Castelo Branco

A estética de Camilo é a estética de ambiguidade, não só por esta adesão/repúdio do


romantismo que se manifesta de forma mais ou menos explícita mas por uma série de outros
processos formais, estilísticos, discursivos. A sua visão do mundo, sempre dualista, revelase
nos títulos dos seus livros !Amor de "alva#ão/Amor de $erdi#ão% &strelas $ropícias/&strelas
'unestas% ( )em e o *al+ e até na organia#ão e títulos dos capítulos.

Características Gerais da Obra:



"implicidade
Concentra#ãodatem-tica%
a#ão%
• itmo -pido%
• inearidade do tempo representado%
• 0aloria#ão da categoria personagem em detrimento do espa#o.

Titulo:
( título 1- sugere o tipo de final que tra, servindo de uma espécie de sinal ao leitor. 2o come#o
da narrativa, parece, entretanto, que o amor de "imão e 3eresa vem para reparar os males !e
não para perder qualquer coisa que se1a+4 "imão, antes boémio, conflituoso e de personalidade
revolucion-ria, muda seu comportamento após se apaixonar, entregandose fervorosamente ao
estudo e evitando desentendimentos, tudo para refor#ar sua dignidade e o merecimento do
amor de 3eresa. "ó depois é que o leitor come#a a descobrir o porqu5 do título4 tomam lugar as
discuss6es entre as famílias, as amea#as de separa#ão, as viol5ncias física e psíquica, o ódio.
7- uma passagem na introdu#ão que explica o título e, de certa forma, constitui uma prolepse
das tantas desgra#as que virão4 8Amou, perdeuse e morreu amando9 2o fim, o título
finalmente se 1ustifica por completo, com a morte de tr5s personagens principais !vítimas das
circunst:ncias+, sem falar de outras, secund-rias.
3em como subtítulo *emórias de uma família. ;e facto, o autor narra episódios da família
Correia )otel<o, ou se1a, muitas das situa#6es vividas pelo escritor e da sua própria família. (s
seus fundamentos são <istóricos, embora não se possa determinar com exatidão até onde vai
a verdade <istórica, ou onde come#a a fantasia. "imão )otel<o existiu na realidade. $or tr-s
dele, tio de Camilo, o próprio escritor apaixonado e desequilibrado.

Categorias da narrativa:
Ação:
A a#ão é fec<ada, pois o público é informado sobre o destino final das personagens centrais
!"imão, 3eresa e *ariana+. A a#ão é formada a partir de uma sucessão de sequ5ncias
narrativas, ligadas por casualidade. (s acontecimentos posteriores são sempre uma
consequ5ncia dos anteriores  encadeamento. A narrativa é fluida e decisiva, sendo que os
acontecimentos e a a#ão são r-pidos e precisos.
= "equ5ncias narrativas ligadas > intriga central4
 2ascimento de "imão )otel<o%
 0isão mútua de "imão e de 3eresa e nascimento do seu amor%
 ela#ão secreta entre "imão e 3eresa%
 "imão <ospedase em casa de ?oão da Cru%
 &ncontro entre "imão e )altaar%
 3eresa é mandada para o convento de *onc<ique e, posteriormente, para um convento no
$orto%
 "imão mata )altaar e recusa fugir > polícia%
 "imão é condenado > morte, por enforcamento%
 *orre ?oão da Cru%
 $artida de "imão para o degredo%
 *orte de 3eresa%
 *orte de "imão%
 "uicídio de *ariana.

Narrador
@ sub1etivo pois expressa muitas opini6es e emo#6es, c<egando mesmo a dirigirse ao leitor.
Esaço
( espa#o físico, em Amor de $erdi#ão, con<ece um afunilamento progressivo > medida que a
a#ão tr-gica se encamin<a para o seu clímax e, posteriormente, para o desenlace final. Assim,
de um espa#o amplo exterior onde as personagens evoluem livremente, passase para um
espa#o fec<ado e reduido onde as personagens são encarceradas. &ste espa#o reduido
simbolia a prisão da própria vida, visto que estão enclausuradas na dimensão da própria
tragédia.

0erificase,
evoluem as ainda, que, quanto maior é a priva#ão de liberdade, menor é o espa#o onde
personagens.

Alguns elementos relacionados com os espa#os que adquirem uma simbologia importante
nesta obra4
= As grades4 além das grades serem materiais que impressionam "imão, simboliam os
obst-culos sociais que motivam o seu encarceramento.
= A 1anela4 é a liga#ão entre o interior e o exterior% é conotada, simbolicamente, com a
interioridade de "imão e de 3eresa e com a sociedade. 'unciona, ainda, como a cisão entre as
personagens e ao espa#o social onde estão inseridos. Associada aos ol<os, que são o
8espel<o da alma9, refletem o interior psíquico das personagens que se situa a outros níveis
presentes na obra, através dos sentimentos dos protagonistas4 aqui !<ostil+ que se op6e ao
além !esperan#a e ilusão fecundante+.
= (s fios4 simboliam a liga#ão eterna dos amantes !cartas+ que não se desfa após a morte, é
uma união total do par amoroso. (s próprios amantes acreditam nessa união eterna !as cartas
são testemun<as dessa teoria+. ( fio é também o símbolo do destino !mito das  moiras+. (
tempo ligase diretamente ao destino que ter- de ser cumprido. Com a morte esse fio quebra
se, *ariana antes de suicidar lan#a as cartas e o seu avental ao mar reatando de novo os
amantes.
= o mar4 é fonte de vida, o corpo de "imão, metaforicamente, sítio de renascimento. ( mar
espel<a o céu, espa#a onde os amantes poderiam consumar o seu amor puro, pois na terra
eram condenados pelos <omens.
= o avental4 assume um valor polissémico, ligado > condi#ão social de *ariana e o seu
sofrimento% ela limpa as suas l-grimas quando c<ora por "imão. efer5ncias ao seu estado de
loucura, quando "imão est- na prisão, num caixote encontramse as cartas de 3eresa e o
avental de *ariana. A sua simbologia reúne o trabal<o e o martírio, significando o percurso de
*ariana na terra que é uma forma de purifica#ão.
;esta forma, continua presente, simbolicamente, a tragédia do tri:ngulo amoroso, vitimado por
um destino que os condu > morte, única solu#ão para a realia#ão de uma vida cu1os anseios
mais profundos das personagens eram irreali-veis.

Temo:
= 3empo vivido pelas personagens B a#ão decorre entre os finais do século 0DDD e início do
século D.
3empo da <istória  caracteriase pela cronologia e pela linearidade.
2a introdu#ão, <- uma analepse de EF anos, são os antepassados de "imão.
= 3empo do discurso !forma como o narrador elabore o seu relato+.
0isto que o discurso é linear, o narrador segue a ordem cronológica dos acontecimentos
!podemos referir, no entanto, a analepse em que ?oão da Cru conta a forma como matou o
almocreve% <- resumo na introdu#ão+.

Conota#6es simbólicas do estado do tempo4


"imão morre 8ao aman<ecer, depois de um formoso dia de $rimavera9 !o dia GH de *ar#o+, que
se seguiu a v-rios dias de tempestade. A primavera e a man<ã estão conotadas com a lu, com
a purea de um tempo, ainda libertos de corrup#ão. 3ratase de um momento de promessa e
de felicidade. Assim, da escuridão e da morte, relacionadas com o caos, nasce o amor
verdadeiramente purificada por um tempo transcendente ao dos <umanos B é o período da
realia#ão e da plenitude.
@ ainda importante notar que, ao sétimo dia de viagem, acalmou a tempestade B o número I
corresponde ao dia da (rdem, aquele em que, após a cria#ão do mundo, ;eus descansou. ( I
remete para a lu e para a plenitude temporal. &, ao nono dia, "imão delira pela última ve e
são as cartas e as promessas de felicidade que ecoam na sua memória. ( J é o número da
gesta#ão, o do final de um ciclo para iniciar outro.

Personagens:
! "imão #Trans$ormação ela ai%ão& – #'er(i )om*ntico&
2asceu em KIHE e tin<a KL anos, > data de início da a#ão, em KHFK% estuda <umanidades em
Coimbra e é de estatuto nobre.
Antes de se apaixonar por 3eresa  Apresenta características <eredit-rias psíquicas e

fisionómicas !anúncio do realismo+4 8génio sanguin-rio9, rebeldia e coragem, inconformismo


político
Após se apaixonar por 3eresa  "imão transformase4 distanciase da ralé de 0iseu% tornase
caseiro% cumpre os seus deveres de estudante% passeia pelo campo, procurando o espa#o
natural, em detrimento do espa#o social.
Muando 3eresa é obrigada a sair da 1anela, local onde via "imão e, posteriormente, quando l<e
comunica o dese1o do seu pai de que ela se case com o seu primo )altasar, "imão revelase
de novo rebelde. A par desta faceta, ir- porém surgir uma outra4 a sua nobrea de alma, que se
manifesta no momento em que dese1a poupar um dos criados de )altasar, que o tentara matar,
pelo facto de o <omem se encontrar ferido.
"urge, entretanto, mais outra faceta de "imão4 a de poeta, que se manifesta nas cartas que
escreve a 3eresa !cf. Cap. +.
'onra B manifestase pelo facto de "imão enfrentar sempre aqueles que se l<es op6em, pelo
facto de se ter negado a fugir, depois de ter morto )altasar, em legítima defesa, e ainda por
recusar qualquer a1uda da família, aceitando a sua condena#ão > forca e, depois, ao degredo.
+ignidade  "imão não acede ao pedido de 3eresa, para que cumpra os de anos de pena,
em $ortugal, na cadeia, afirmando4 8Muero ver o céu no meu último ol<ar, não me pe#as que
aceite de anos de prisão. 3u não sabes o que é a liberdade cativa de anosN 2ão
compreendes a tortura dos meus vinte meses.9 Com efeito, para "imão o amor associase >
liberdade e > sua integridade pessoal. "imão representa o <erói rom:ntico antissocial, por
excel5ncia. &le significa a oposi#ão a uma sociedade podre e aos seus valores anti<umanos.
*orre a GH de mar#o de KHFI, no belic<e do navio que o transportava para o degredo e o seu
corpo é lan#ado ao mar. B *orre por Amor

! Teresa #'eroína )om*ntica&


3em KL anos e destacase pela sua belea.
@ o paradigma da mul<eran1o, pela sua delicadea, fragilidade, purea e pela grandiosidade
dos seus sentimentos.
evela autonomia, para a época, sobretudo, quando se recusa a casar com )altasar, sendo
obstinada quando vai contra as ideias do se pai, é astuta, determinada e orgul<osa. *anifesta
uma for#a de vontade e uma desenvoltura viris.
&sta personagem não tem uma evolu#ão psicológica, pelo que é considerada uma personagem
plana.
*orre de amor

! ,ariana #'eroína )om*ntica&


3em GE anos
( narrador salienta a sua belea física.
Caracteriase pela sua intui#ão, pelo poder de predi#ão e pelo misticismo popular. Apresenta
complexidade <umana, ao nível das emo#6es que experimenta e da esperan#a que acalenta
de poder ser amada por "imão e ficar 1unto dele.
&sta personagem apresenta a evolu#ão psicológica, pois o seu amor motiva as suas
esperan#as e os seus desalentos, oscilando entre emo#6es que faem vibrar a sua dimensão
<umana. "ofre em sil5ncio pelo amor não correspondido e no fim suicidase, morrendo também
por amor.

! -oão da Cru.
@ uma personagem que se aproxima bastante do protótipo do <omem popular portugu5s. $ela
antítese das emo#6es que experimenta e pelas atitudes que apresenta, é considerado o tipo do
8bom bandido9. &le é, simultaneamente, bondoso, grato, cora1oso e violento. Caracteriamno,
ainda, a sua linguagem de cari popular, pelo realismo da expressão.
! Baltasar Coutin/o
@ a personagem que, pelos seus defeitos, se op6e a "imão, faendo sobressair as qualidades
exemplares do <erói. @ cobarde, mesquin<o e vingativo. A sua vaidade tornao incapa de
esquecer o seu orgul<o ferido e de compreender o amor que "imão e 3eresa sentem um pelo
outro.
epresenta os valores sociais instituídos e fossiliados, contribuindo para a tragédia final.

! Tadeu de Albu0uer0ue e +omingos Botel/o

epresentam
suas decis6esoeantagonismo
baseiamse no motivado pelo orgul<o
seu próprio preconceito
e nasdesuas
<onra social. "ão inflexíveis
conveni5ncias sociais. nas
$referem perder os fil<os, reduindoos > dimensão de ob1etos, a perder a dignidade social.

! +1 )ita Preciosa
epresenta a convencionalidade do sentimento materno B age mais por obriga#ão familiar do
que por motivos afetivos% a1uda "imão porque esse é o seu papel e não porque o amor de mãe
a leve a perdoar e a compreender as atitudes do fil<o.

! )itin/a
;istinguese das outras irmãs de "imão pela sua capacidade afetiva. epresenta, para "imão,
o único la#o familiar genuíno. $orque é conduida por aquilo que sente e não pelas
conven#6es que l<e são impostas. A sua liga#ão a "imão levaa a ser ela a relatora da sua
<istória ao autor da obra, quando este era crian#a.

! 2nteração das ersonagens centrais:


 Afastamento crescente dos amantes, partindo de uma rua até > despedida de 3eresa que
parte para o convento de *onc<ique%
 Adiamento do encontro dos amantes no Céu4 representa#ão metafísica e rom:ntica do amor.
 *ariana cada ve se aproxima mais de "imão, apesar de classes sociais diferentes, desde o
primeiro encontro até ao suicídio de *ariana%
 *ovimento ultrarrom:ntico, <- a liga#ão em vida e após a morte.

Os tri*ngulos amorosos
Oma das rela#6es é entre "imão3 Teresa e ,ariana, sendo que o sentimento dos dois
primeiros é mútuo, enquanto *ariana não é correspondida. 3ambém se pode considerar o
tri:ngulo composto por Teresa3 "imão e Baltasar )altasar não é correspondido.
Apesar dessas quatro pessoas envolvidas pelo amor !ou sentimento equivalente+, interessa >
narrativa somente a união de 3eresa e "imão, figurando )altasar como um antagonista e
*ariana como uma segunda <eroína !ao lado de 3eresa+, cu1a marca é a abnega#ão da
realia#ão amorosa em prol da felicidade do ser amado. Até o final do romance, todos esses
personagens morrem4 o amor teve como consequ5ncia a perdi#ão de todos os envolvidos.
A briga entre $amílias
&sta, podese dier, é a causa da impossibilidade da união de "imão e 3eresa. @ porque os
pais de ambos teriam tido uma discussão <- algum tempo que as duas famílias passaram a ser
inimigas.
A situa#ão encontrada em Amor de perdi#ão pode ser comparada a uma cl-ssico drama tr-gico
do século 0D4 omeu e ?ulieta, de "<aPespeare. &m ambos, a persegui#ão das famílias tenta
abafar o amor dos 1ovens, tendo como consequ5ncia a morte de ambos. &sta analogia
demonstra como o comportamento e os sentimentos <umanos são constantes, ficando
indiferentes >s mudan#as exteriores do mundo. ( <omem, desde sempre, procura e agradase
com a mesma espécie de sensa#ão !no caso, a tragédia amorosa+.

O /er(i rom*ntico
(s <eróis são completa e indiscutivelmente bons, enquanto nos antagonistas, ou maus, não se
encontra sequer uma qualidade. ( <erói da narrativa !"imão+ pertence a uma família nobre. (s
seus pais tin<am, se não o poder do din<eiro, pelo menos o status do sangue. 2a abertura,
podemse obter estas informa#6es4 ita $reciosa <avia sido dama do $a#o, enquanto seu
esposo, ;omingos, é mencionado como 8fidalgo de lin<agem, dos mais antigos solarengos de
0ila eal de 3r-sos*ontes9. Assim, o sangue é a primeira marca do <erói de Amor de
perdi#ão, além de todos os sinais de personalidade e persist5ncia que "imão vai demonstrar
no decorrer da <istória. Muanto > personalidade, então, "imão é um 1ovem que, como muitos
outros, desafia o mundo > guerra contra a tradi#ão, a religião, a nobrea, a monarquia.
&stereótipo do <erói rom:ntico, nele sempre a emo#ão predomina sobre a raão. $odese dier
que ele é a representa#ão da burguesia que aspirava > aristocracia
As mul<eres da narrativa também são <onradamente descritas 3eresa e *ariana. A primeira é
o ob1eto de amor de "imão4 digníssima, mas fr-gil. ?- *ariana vai desempen<ar o papel de
mul<er da aldeia, forte, que considera a felicidade de "imão mais importante do que a sua

própria.
dois Assim, sem
enamorados esperar
!3eresa recompensa
e "imão+ e apesar
ven<am deeam-lo,
a unirse *ariana
a ser felies, fa decartas,
levando tudo para que os
emprestando din<eiro e até mesmo cuidando de "imão.

Críticas 4 sociedade
0ida nos conventos  em ve de constituírem, como se espera, santu-rios de purea e
fraternidade, revelamse antros onde reinam o egoísmo, a cobi#a, a gula e a intriga. $rimeiro,
essa crítica aparece na surpresa de 3eresa ao se encontrar em semel<ante lugar.
Casamento B &ra muito frequente os casamentos da altura serem por conveni5ncia e como um
negócio sendo que os fil<os tin<am de permanecer submissos > vontade dos pais.
Cargos sociais não 1ustificados
?usti#a Corrupta

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