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Palavras-chave
Correspondência:
Mirza Seabra Toschi
Rua A n. 219 - Andracel Center
75123-270 - Anápolis - Goiás
e-mail: mirzas@brturbo.com
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 313
Infoways and education
Abstract
Keywords
Contact:
Mirza Seabra Toschi
Rua A n. 219 - Andracel Center
75123-270 - Anápolis - Goiás
e-mail: mirzas@brturbo.com
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O tempo presente é caracterizado não A Infovia consiste no backbone2 para
apenas pelo desenvolvimento técnico-científico acesso a redes de informação e, a partir de 1995,
que interfere em toda vida social, produtiva e teve o Ponto de Presença3 – da Rede Nacional de
pessoal, como traz consigo um novo vocabulá- Pesquisa (RNP) – estabelecido formalmente em
rio que ao mesmo tempo em que é assimilado Goiânia. A instalação das Infovias foi estruturada
pelos jovens com muita facilidade, pouco a pela necessidade de atender grandes e pequenas
pouco penetra no mundo das diferentes gera- cidades do estado tendo em vista o futuro uso
ções: software, hardware, bits, cibercultura, das infovias por projetos federais, como o Progra-
hipertexto, era digital, tempo real e virtual, e- ma Nacional de Informática na Educação, e esta-
mail, etc., além de estar presente nos diálogos duais, sendo que a Infovia, objeto deste estudo,
contemporâneos. atende 35 cidades no interior do estado de Goiás
Silveira (2001, p. 8) observa que a revo- para permitir a conexão de usuários institucionais
lução tecnológica atual tem recebido várias deno- à RNP. A pesquisa contou com recursos da Secre-
minações. “Castells a chamou Revolução das taria Estadual de Ciência e Tecnologia. Os traba-
Novas Tecnologias de Informação, Negroponte lhos foram desenvolvidos em dois anos, de maio
preferiu denominá-la Revolução Digital, Jean de 2000 a junho de 2002.
Lojkine nomeou-a Revolução Informacional e O objetivo do estudo era estabelecer
Jeremy Rifkin a apontou como a Era do Acesso”. conexões em projetos de pesquisa em parceria,
Lévy (1998) chama o atual momento de tempo em cinco pontos do estado, nível II (cidades
informático-mediático. com alta densidade populacional e incluída na
E esse novo universo tecnológico gera RNP – Redes Regionais). Foram escolhidas ci-
uma nova relação dos homens com as máqui- dades e instituições que possuíam, teoricamen-
nas. A esse respeito, Santaella (1997) identifi- te, as melhores condições técnicas de operação
ca três níveis na relação dos homens com as nas Infovias e que tinham curso de formação de
máquinas: o das máquinas musculares, o das professores na área de Pedagogia. Fizeram
máquinas sensórias e o das máquinas cerebrais. parte as cidades de Goiânia, Anápolis, Jataí,
Enquanto as máquinas musculares da Revolu- Catalão e Rio Verde. Devido a problemas de
ção Industrial substituíram a força física do ordem administrativa, essa última cidade ficou
homem; as sensórias, como a câmera fotográ- pouco tempo com a equipe e os laços de co-
fica, funcionam como extensões dos sentidos municação foram interrompidos.
humanos, simulando o funcionamento dos ór- Em Goiânia, esse projeto de investiga-
gãos sensórios. Santaella as denomina de “apa- ção incluiu três subprojetos de Iniciação Cien-
relhos” pelo fato de serem construídas com tífica e dois subprojetos de pesquisa. Um deles
auxílio de pesquisas e teorias científicas.
As máquinas cerebrais, como o com- 1. Essa equipe contou com professores da Faculdade de Educação da
putador, trouxeram a imitação e a simulação de Universidade Federal de Goiás(FE/UFG), da Universidade Estadual de Goiás
processos mentais do homem e funcionam (UEG) e do campus avançado de Jataí da Universidade Federal de Goiás
(CAJ/UFG), e também dos alunos dos cursos de Pedagogia, Comunicação,
como extensões de nossas capacidades cere- Engenharia e Artes Visuais da UFG. Além das autoras deste texto, são eles:
brais, daí a sua capacidade de processar símbo- as professoras Cleide Aparecida Carvalho Rodrigues, Verbena Lisita, Eva
Aparecida de Oliveira, Regina Maria de Araújo Tomaz Netto, Wolney Honório
los. Penetrar neste universo simbólico do perío- Filho, Maria Aparecida Almeida e Juçara Gomes de Moura; as alunas de
do das máquinas cerebrais para desvendá-lo, Pedagogia, bolsistas de Iniciação Científica, Silvia de Fátima Azevedo
atuar e produzir conhecimento de interesse da Coelho, Crystiane Ribeiro Mendes, Juliana Guimarães Faria, de Artes Vi-
suais, Eva Cordeiro e de Comunicação, Emmerson Kran.
área de educação, a partir desses referenciais, 2. Backbones são “portas” de acesso à internet. Funcionam como a
foi o desafio da equipe1 que elaborou, desen- espinha dorsal de uma rede de comunicação.
3. Ponto de Presença vem do inglês Point of Presence (POP ou PoP) e
volveu e executou cada parte desse projeto, o é o termo utilizado para indicar o ponto físico de uma determinada rede de
Infovias e Educação. comunicação em um determinado local ou cidade.
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objetivava instalar intercâmbio entre professo- Pela tecnologia, diz a autora, o homem
res de História da Educação dos cinco pólos passa a ver o mundo de outra forma. O mun-
criando vínculos de discussão e intermediação do vai, aos poucos, sendo transformado e a
de experiências sobre o ensino da disciplina, tecnologia passa a ser algo que modifica os
organizando um catálogo de referências de indivíduos e os faz ver e viver diferentemente
material audiovisual para uso na disciplina. (Rodrigues, 1999, p. 103).
Outro projeto pretendia criar nos cinco pólos A presente pesquisa, ao mesmo tempo
um campo de investigação pedagógica para em que permitiu formar pessoas, conhecer pro-
produção de materiais midiáticos sobre conhe- cessos, possibilitou o desvelamento de dificul-
cimentos acerca do processo ensino-aprendiza- dades que extrapolam a tecnologia em si. Ques-
gem destinados à formação de professores, na tões políticas, de gestão de processos e admi-
modalidade de ensino a distância. nistração de instituições, interferem sobrema-
neira em ações que envolvem as tecnologias,
Educação e tecnologia: limites em especial quando as tecnologias estão em
e possibilidades um ambiente no qual as ações com elas desen-
volvidas ainda não fazem parte do processo de
Faz-se necessário superar a visão reduzi- formação dos docentes, onde não há espe-
da que se tem das tecnologias, pois a compreen- cificidade da tecnologia para fins educacionais,
são mais presente, tanto na sociedade como nas isto é, as tecnologias que existem nas escolas
escolas, é de que tecnologia se restringe ao apa- são as mesmas que circulam na vida social e
rato tecnológico, sem levar em conta sua dimen- familiar, diferente, por exemplo, das tecnologias
são cultural, ética e estética. Não é comum a com- em uso na área da saúde, que são adequadas
preensão da tecnologia como criação humana, e, ao processo de trabalho dos que a utilizam. A
no caso das tecnologias de ponta, de que elas tra- tecnologia na educação exige uma série de
zem agregadas em si a dimensão cultural do co- adaptações que se caracterizam como mais um
nhecimento, tanto porque são criações humanas obstáculo ao seu uso.
e também porque são veiculadoras de informa- Castells (2003, p. 255) diz que a rede
ção, daí serem conhecidas como tecnologias da das redes de computadores, a internet, é mais
informação e comunicação (TIC). Por essa dimen- do que uma tecnologia, é um meio de comu-
são invisível torna-se mais difícil entendê-las além nicação, de interação e de organização social.
de sua dimensão física, mas, vale ressaltar, que não “A Internet é tecido de nossas vidas neste
é a materialidade que define uma tecnologia e sim momento”, observa o autor, por isso ele chama
o sentido e o uso que se tem e se faz dela. essa nova forma de organização societária de
Rodrigues (1999, p. 102-103), ao dis- sociedade em rede. Conhecer essa rede, parti-
cutir como a tecnologia promove a homo- lhar de sua dinâmica e produzir conhecimento
geneização dos traços culturais e de como vi- nesse processo era o objetivo da investigação.
vemos numa época de concepção mais ampla Ao expor sobre a geografia da internet,
de razão, cita Heidegger e reflete sobre o ser Castells (2003) alerta que nessa grande rede
da tecnologia, sua essência, e observa que ele são os usuários que definem o tipo de aplica-
não está no conhecimento intrínseco à tecno- ção e de desenvolvimento da tecnologia. Os
logia mas “no fato de que a tecnologia nos faz que chegarem depois, diz Castells (2003, p. 263),
perceber uma verdade que estava encoberta”. “terão menos a dizer sobre o conteúdo, a estru-
“A tecnologia é uma nova forma de ver o mun- tura e a dinâmica da Internet”. Mas quando a
do, de ver as coisas [...] é um desvelamento de tecnologia é nova demais e não é bem com-
inúmeras possibilidades de ser que não eram preendida é normal a resistência e a criação de
antes percebidas.” diferentes mitos sobre ela.
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cerca de um quarto da população mundial ain- O próprio convite aos cursos vinculados
da não teve acesso ao telefone e cerca de 40% às TIC, como no caso dos oferecidos no decor-
da população mundial não possui energia elé- rer da pesquisa, nem sempre tem os mesmos
trica. O que se dirá então do computador, que resultados. A resposta podia ser um enfático e
tem menos de sessenta anos de criação! O entusiasmado sim, como também um temeroso
computador, tecnologia básica para uso da e titubeante não. Trabalhar com quem diz não
Infovia, pode ser considerado uma tecnologia é mais difícil, pois pode ter diferentes significa-
de custo elevado, que atinge apenas cerca de dos: desde um não de quem não está dispos-
3,5% da sociedade brasileira. to a aprender mais alguma coisa, receoso de
Outro procedimento para aproximar a que isso possa significar aumento de responsa-
equipe foi a criação de uma lista de discussão. bilidades, como pode ser um não passível de
A instalação da lista de discussão aproximou ser revertido, uma vez que foi expresso por
mais o grupo, mas mesmo assim a participação quem ainda tem dúvidas quanto ao seu poten-
dos pólos, no início, foi ausente, tímida ou cial. Um coordenador desses processos de in-
aquém do que esperávamos. clusão de tecnologias precisa ser sensível a
A incorporação de uma tecnologia, en- essas manifestações.
tão, supõe, em primeiro lugar, o acesso a ela. Só
cria e desenvolve projetos quem conhece os Ações realizadas
instrumentos e suas possibilidades. Assim, foi
fundamental o oferecimento de cursos para pro- Cursos, jornadas, participação em con-
fessores, alunos e funcionários. Pois considera- gressos foram algumas entre as muitas ações
mos ser necessário que os funcionários, que dão da equipe executora da pesquisa. Os cursos
o suporte institucional para o desenvolvimento oferecidos pela pesquisa buscaram atender pro-
das atividades acadêmicas, sejam capacitados. fessores e alunos de graduação e pós-gradua-
Nesse sentido podemos dizer que, con- ção, bolsistas de Iniciação Científica e funcio-
forme observa Honório Filho “entre o ideal do nários. Foram promovidos os seguintes cursos:
Programa Infovias e a realidade do CAC/UDF, Educação para as mídias; Corel Draw; Hardware;
houve e ainda há um hiato”.7 Isso se expressa Introdução à linguagem HTML e Publicação de
pela inexistência de técnicos, especialmente de Home pages; Uso pedagógico das mídias;
nível superior, para dar assistência ao Programa. Macromedia Dreamweaver 3.0; Flash; Curso de
A carência de suporte técnico foi um dos filmadora: técnicas de gravação e edição; Curso
pontos mais frágeis do processo de pesquisa, de Hardware para cinco funcionários.
concretamente percebido na unidade executora Note-se que a preocupação no ofereci-
do projeto e nas outras participantes. Como foi mento de cursos abarcava desde a formação
expresso anteriormente, as três dimensões (téc- técnica até aquela relacionada à leitura crítica
nica, gestão e acadêmica) devem estar prepara- da comunicação.
das e devem atuar em sintonia, isto é, é preciso As jornadas presenciais foram idealiza-
ter um projeto institucional que incorpore e dê das para facilitar a interação e o intercâmbio
as condições técnicas e gerenciais de uso das com os participantes da pesquisa. No entanto,
tecnologias nas ações acadêmicas. É preciso que embora houvesse participação nos encontros e
os gestores dos processos comunicacionais, troca de intenções, faltaram ações conjuntas.
mediados por tecnologias nas ações educativas
escolares, compreendam a tecnologia para além 7. Em março de 2002, o professor Honório acrescenta que esse hiato
de simples aparato técnico, e que incorporem a “ao invés de melhorar está piorando. Hoje tem computadores que não fun-
cionam, os que funcionam estão desatualizados e a rede interna do Campus
idéia de que as TIC nas escolas alteram a cultura Avançado de Catalão (CAC) UFG ainda não atendeu todos os cursos” (men-
que caracteriza cada instituição. sagem veiculada na lista de discussão em 6 de março de 2002).
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recursos da internet, Hipermídia (Everest), professores disse não ter feito o curso. Os profes-
Power Point, Logo, Visual Class (rede estadual) sores desconhecem o que é ProInfo, sendo que
e Office, Microsoft Word e Excel (rede munici- a coleta de dados foi feita apenas em escolas que
pal). Por aí se pode verificar que não há pro- possuíam laboratórios do Programa. Os professo-
gramas especificamente pedagógicos nos labo- res que participaram do curso consideram que o
ratórios do ProInfo. Os professores que fazem tempo é pouco, que o curso deveria ser mais
cursos no NTEs são capacitados para trabalhar amplo, que falta internet, mas 27% deles afirmam
com os aplicativos do Windows, que não con- que o curso está entre ótimo e bom.
templam os conteúdos escolares. Os professores carecem de um acompa-
nhamento maior pelos multiplicadores dos
Laboratórios do ProInfo e NTEs. Embora mais da metade dos responden-
necessidades dos professores tes ter informado que recebeu acompanhamen-
to dos multiplicadores, os professores afirmaram
Esse projeto objetivou caracterizar as que a freqüência desse acompanhamento acon-
experiências de formação docente realizadas tece de forma variada entre sempre, algumas
nos laboratórios do ProInfo em Goiânia e ana- vezes e raramente.
lisar se elas suprem as necessidades dos profes- Questionados sobre a contribuição do
sores, segundo as perspectivas dos próprios curso para uso pedagógico do computador,
professores, de forma a destacarem os aspectos mais da metade (60%) deixou a questão em
positivos e negativos do processo de formação. branco. Mas, nas questões abertas do questio-
Mais da metade dos 83 professores que nário aplicado, os professores pedem cursos
responderam aos questionários atua no ensino mais longos, com conteúdos pedagógicos e
fundamental e mais de 70% tem formação oficinas. Os professores ressentem de orienta-
superior, com um bom percentual realizando ou ções didático-pedagógicas para uso do compu-
tendo já concluído curso de especialização. Este tador na escola.
dado é interessante uma vez que elimina a
retórica de má formação do corpo docente para Criação em rede de materiais
atuar com tecnologias. Tendo a grande maio- para formação de professores
ria de professores com curso superior, esse
aspecto perde valor. Isso pode denotar a neces- Esse projeto teve como objetivos im-
sidade de formação específica para uso peda- plementar estudos e pesquisas voltadas para a
gógico do computador e não da formação Educação a Distância e a produção de materi-
docente em si. ais didáticos para cursos de formação de pro-
Dos 83 respondentes, 76 afirmaram que fessores, tanto para o ensino presencial como
sua escola possui computador, quase na mes- para o à distância.
ma proporção de vídeo e retroprojetor, mas Entendendo que a Didática, enquanto
somente 20% afirmam usá-lo com freqüência. disciplina que estuda o ensino, não pode igno-
Entretanto, dos 76 que responderam a essa rar as transformações provocadas pelas inova-
pergunta, disseram utilizar tecnologias somente ções tecnológicas nas relações cognitivas e co-
algumas vezes. municativas que ocorrem nos processos de
Apesar de as escolas terem computador, aprender e ensinar, investigou-se como a Didá-
possuírem laboratórios do ProInfo, esses rara- tica pode propor formas de condução do en-
mente são utilizados e os professores acabam sino em face das tecnologias de comunicações
mais por utilizar o equipamento em suas casas. inseridas no cotidiano escolares.
Quanto à participação do curso de forma- Uma possibilidade para isso foi a consti-
ção oferecido pelo NTE, mais da metade dos tuição de espaços para estudos e atividades prá-
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va-se que este Museu teria mais chances de ria, que se revela em materiais didáticos, fotos,
mobilizar os pesquisadores das instituições documentos, textos e manuais escolares e não-
envolvidas, uma vez que dependia da localiza- escolares, nos livros produzidos para alfabeti-
ção de peças e documentos nas várias cidades zar jovens e adultos, nos diplomas e boletins
do estado. Essa mobilização realmente ocorreu. amarelados, nos cartazes cuidadosamente ela-
Duas cidades tiveram participação bastante ati- borados por educadores, entre outros acervos
va na construção dele. que precisam ser resgatados e preservados na
A pesquisa histórica dispõe atualmente memória da educação do estado de Goiás, pois
de diferentes suportes técnicos para garantir a trata-se de uma história riquíssima, porém
memória histórica e preservação de documen- muito pouco registrada.
tos e peças. As tecnologias têm interferido nas Segundo Olga R. M. V. Simson (2000,
pesquisas históricas, não apenas pela rapidez p. 63-74):
com que permitem a preservação de acervos,
como também pelas mídias disponíveis que A memória é uma capacidade humana de reter
permitem a digitalização de imagens e sons. A fatos e experiências do passado e retransmiti-los
linguagem informática permite a divulgação e às novas gerações através de diferentes suportes
preservação de acervos históricos, numa com- empíricos (voz, música, imagem, textos, etc.).
preensão da tecnologia que leva em conta a Existe uma memória individual que é aquela
dimensão cultural, ética e estética do acervo, guardada por um indivíduo e se refere às própri-
enquanto uma criação humana. E, no caso das as vivências e experiências, mas que contém
tecnologias de ponta, a elas está agregada a também aspectos da memória do grupo social
dimensão cultural do conhecimento, sendo onde ele se formou [...].
também veiculadoras de informação, as TIC. Há também aquilo que denominamos de memó-
Esta foi a compreensão que possibilitou ria coletiva que é aquela formada pelos fatos e
viabilizar na Faculdade de Educação da Universi- aspectos julgados relevantes e que são guardados
dade Federal de Goiás (UFG), o Projeto de Pesquisa como memória oficial da sociedade mais ampla.
Infovias e Educação que deu origem ao Museu Ela geralmente se expressa naquilo que chama-
Virtual da Educação em Goiás. Com ele a amplia- mos de lugares da memória que são os monu-
ção da divulgação de acervos fotográficos, relatos mentos, hinos oficiais, quadros e obras literárias
orais, documentais e de peças da história da edu- e artísticas que expressam a versão consolidada
cação em Goiás possibilitou difundir a sensibilidade de um passado coletivo de uma dada sociedade.
com a cultura da preservação de forma a não deixar [...] existem as memórias subterrâneas ou margi-
perder o que existe, aquilo que já foi catalogado nais que correspondem a versões sobre o passado
ou aquilo que ainda não é conhecido do público. dos grupos dominados de uma dada sociedade.
Estas memórias geralmente não estão monu-
Museu Virtual da Educação em mentalizadas e nem gravadas em suportes con-
Goiás cretos como textos, obras de arte e só se expres-
sam quando conflitos sociais as evocam ou quan-
É necessário refletir sobre a nova lin- do pesquisadores [...] criam condições para que
guagem informática que permite a divulgação elas emerjam e possam ser registradas, analisadas
e preservação de acervos históricos. Gerar acer- e passem, então a fazer parte da memória cole-
vos e disponibilizá-los ao público em geral era tiva de uma dada sociedade.
e (e ainda é) o objetivo do subprojeto de pes-
quisa Museu Virtual da Educação em Goiás. Na sociedade atual, o ritmo acelerado
Preservação de uma dimensão da cul- do trabalho somado à rapidez dos meios de
tura brasileira, ainda muito escondida na histó- comunicação tem levado o homem a consumir
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grando-nos, desde que consigam comunicar-se história da EJA em Goiás. O grupo que atuou na
dentro da rede, na medida em que dominem a elaboração deste link pretende manter o traba-
mesma linguagem”. Um museu da história da lho de resgate do material e produzir novos
educação de Goiás disponível na rede mundial documentos com eles.
de computadores amplia infinitamente a divul-
gação das ações dos que criaram a educação Considerações finais
no estado.
Mais do que um depositário de coisas Nem todos os objetivos da pesquisa
antigas, um museu deve traduzir a dinâmica da Infovias e Educação foram alcançados. Muitos
sociedade e do período histórico que os objetos deles tiveram respostas negativas. Isso, porém,
representam. Além disso, um museu virtual, pe- não é desalentador, uma vez que faz parte do
las possibilidades tecnológicas existentes, pode processo de construção do conhecimento tanto
tornar-se mais vivo e significativo à sociedade. a confirmação, a refutação de hipóteses, como
O projeto Museu Virtual da Educação ainda a ausência de respostas.
buscou garantir essa preservação viva, dinâmi- A pesquisa deu-nos uma grande lição:
ca. Objetivou-se, além de fotografar digitalmen- a do caráter cooperativo que ações dessa na-
te objetos, fotos antigas, tecnologias, arquite- tureza devem possuir. O acelerado desenvolvi-
tura de escolas, documentos relativos à educa- mento científico e tecnológico traz perplexida-
ção no estado, videogravar entrevistas com des (Dreifus, 1996), uma vez que a ação cole-
pessoas que guardam a história em suas memó- tiva se faz baseada em mensagens e símbolos
rias, verdadeiras memórias vivas que podem e e não apenas em ações concretas, palpáveis.
devem ser preservadas. Essa mobilização simbólica (Castells,
A preservação digital, em mais de du- 1996, p. 28) se faz em processos de represen-
zentas fotos, possibilitou a hospedagem desse tação do espaço dos fluxos, imagens e redes.
material em home page feita anteriormente. O Essa imaterialidade, ou materialidade virtual,
site se organiza em seis links: fotos, documen- deixa-nos pasmos, perplexos, uma vez que
tos, objetos, tecnologias, arquitetura das escolas contraria os mecanismos usuais de comunica-
e Memória Viva. Um link para a Memória Viva de ção interpessoal.
Educação de jovens e adultos (EJA) criou uma Junto a esse mecanismo de fluxos, ima-
possibilidade infinita de pesquisa e preservação. gens e redes acontecem as relações pessoais
Memória Viva é um museu dentro de outro e dentro do mesmo espaço. Cada pólo teve suas
nele se discute a EJA, com destaque dado ao vivências pessoais e interpessoais. Mas também
vídeo-documentário com entrevista de algumas se comunicou em rede com seus pares de outros
pessoas que participaram intensamente dos pólos. Uma semente foi lançada, e como semen-
movimentos populares de EJA da década de tes carecem de solo fértil real, certamente elas
1960 em Goiás, entre eles a Escola Radiofônica, frutificarão em cada espaço-tempo real.
o Centro Popular de Cultura (CPC) e o Movimen- Aprendemos nesse processo, produzi-
to de Educação de Base (MEB). Movimentos mos saberes, formamos técnica e teoricamente
estes que, devido ao golpe militar de 1964, pessoas e atraímos adeptos à temática. A apre-
foram interrompidos abruptamente, sendo seus sentação de quatro produtos em dois anos de
coordenadores cassados e exilados do país. O trabalhos, além de outros impossíveis de serem
Memória Viva é um convite a fazermos uma materializados, é demonstração da seriedade,
viagem por histórias vividas, mas silenciadas, que rigor e produtividade do grupo. Os resultados
não estão escritas em relatórios e que consegui- foram produções coletivas, não tão amplas
mos registrar por meio da memória ainda viva na quanto pensávamos ser possível realizar, mas
mente daqueles que contribuíram fazendo a foram coletivas.
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Recebido em 05.10.03
Aprovado em 20.11.03
Mirza Seabra Toschi é doutora em Educação pela Unimep. É professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
FE/UFG, onde atua na Linha de Pesquisa Formação e Profissionalização Docente. Tem pesquisado sobre mídias e formação
de professores.
Maria Emilia de Castro Rodrigues é mestre em Educação Brasileira pela UFG. É professora da Faculdade de Educação da
UFG onde é responsável pelos programas de extensão. Tem pesquisado sobre educação de jovens e adultos e prática de
ensino.