Você está na página 1de 14

Infovias e educação

Mirza Seabra Toschi


Maria Emília de Castro Rodrigues
Universidade Federal de Goiás

Resumo

Este artigo relata os resultados da pesquisa Infovias e Educa-


ção, desenvolvida nos anos de 2000 a 2002, envolvendo qua-
tro cidades de Goiás. A finalidade desse estudo era a introdução
do uso de tecnologias na educação, em especial a informática,
de forma prazerosa, sem os anseios que, geralmente, têm acom-
panhado experiências desse gênero. O acompanhamento desse
processo, a identificação e análise das necessidades dos envol-
vidos estavam entre os outros objetivos desse projeto, assim
como ainda visava-se, a longo prazo, produzir conteúdos, tais
como textos, materiais didáticos, análise de vídeos e materiais
de apoio na formação de professores para disponibilizá-los na
rede goiana de informação. A metodologia foi qualitativa e vi-
sava à intervenção nos processos, execução de atividades,
acompanhando-as e analisando os resultados. Incluía ofereci-
mento de cursos, reflexões teóricas em grupo de estudos, jor-
nadas acadêmicas, consultorias com especialistas, produção
fotográfica e de vídeo e criação de home pages. Os resultados
obtidos foram três relatórios de iniciação científica, um CD-
Rom para uso em cursos à distância de didática, e a criação,
elaboração e publicação de um Museu Virtual da Educação. As
conclusões levaram à compreensão de que trabalhos que inclu-
em tecnologias na educação requerem atuação articulada de
três dimensões: acadêmica, técnica e de gestão, isto é, a exis-
tência de uma política institucional de uso das tecnologias na
educação.

Palavras-chave

Infovias  Rede de comunicação  Educação e tecnologia.

Correspondência:
Mirza Seabra Toschi
Rua A n. 219 - Andracel Center
75123-270 - Anápolis - Goiás
e-mail: mirzas@brturbo.com

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 313
Infoways and education

Mirza Seabra Toschi


Maria Emília de Castro Rodrigues
Universidade Federal de Goiás

Abstract

This article reports on the results of the study Infoways and


Education carried out from 2000 to 2002 involving four cities of
the State of Goiás (Brazil). The purpose of that study was the
introduction of the use of technologies in education, particularly
information technology, in a pleasurable way, without the stress
that usually accompanies experiences of this kind. Among the
other objectives of that study were following up the process,
identifying and analyzing the needs of those involved with it, as
well as, in the long run, producing contents such as texts,
didactic materials, video analyses, and support material to
teacher education that would be made available through the
State of Goiás information network. A qualitative methodology
was employed aiming at the intervention in the processes,
implementation of activities, following up on them, and
analyzing their results. It included offering courses, carrying out
theoretical discussions in study groups, organizing academic
events, consulting with experts, the production of photo and
video materials, and the creation of home pages. The results
generated were three undergraduate scientific training reports, a
CD-ROM for use in didactics distance learning, and the
conception, development and publication of a Virtual Museum
of Education. The conclusions led to the understanding that
works including technologies in education require the
articulation of three dimensions: academic, technical, and
managerial, that is, the existence of an institutional policy for the
use of technologies in education.

Keywords

Infoways  Communication network  Education and


technology.

Contact:
Mirza Seabra Toschi
Rua A n. 219 - Andracel Center
75123-270 - Anápolis - Goiás
e-mail: mirzas@brturbo.com

314 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003
O tempo presente é caracterizado não A Infovia consiste no backbone2 para
apenas pelo desenvolvimento técnico-científico acesso a redes de informação e, a partir de 1995,
que interfere em toda vida social, produtiva e teve o Ponto de Presença3 – da Rede Nacional de
pessoal, como traz consigo um novo vocabulá- Pesquisa (RNP) – estabelecido formalmente em
rio que ao mesmo tempo em que é assimilado Goiânia. A instalação das Infovias foi estruturada
pelos jovens com muita facilidade, pouco a pela necessidade de atender grandes e pequenas
pouco penetra no mundo das diferentes gera- cidades do estado tendo em vista o futuro uso
ções: software, hardware, bits, cibercultura, das infovias por projetos federais, como o Progra-
hipertexto, era digital, tempo real e virtual, e- ma Nacional de Informática na Educação, e esta-
mail, etc., além de estar presente nos diálogos duais, sendo que a Infovia, objeto deste estudo,
contemporâneos. atende 35 cidades no interior do estado de Goiás
Silveira (2001, p. 8) observa que a revo- para permitir a conexão de usuários institucionais
lução tecnológica atual tem recebido várias deno- à RNP. A pesquisa contou com recursos da Secre-
minações. “Castells a chamou Revolução das taria Estadual de Ciência e Tecnologia. Os traba-
Novas Tecnologias de Informação, Negroponte lhos foram desenvolvidos em dois anos, de maio
preferiu denominá-la Revolução Digital, Jean de 2000 a junho de 2002.
Lojkine nomeou-a Revolução Informacional e O objetivo do estudo era estabelecer
Jeremy Rifkin a apontou como a Era do Acesso”. conexões em projetos de pesquisa em parceria,
Lévy (1998) chama o atual momento de tempo em cinco pontos do estado, nível II (cidades
informático-mediático. com alta densidade populacional e incluída na
E esse novo universo tecnológico gera RNP – Redes Regionais). Foram escolhidas ci-
uma nova relação dos homens com as máqui- dades e instituições que possuíam, teoricamen-
nas. A esse respeito, Santaella (1997) identifi- te, as melhores condições técnicas de operação
ca três níveis na relação dos homens com as nas Infovias e que tinham curso de formação de
máquinas: o das máquinas musculares, o das professores na área de Pedagogia. Fizeram
máquinas sensórias e o das máquinas cerebrais. parte as cidades de Goiânia, Anápolis, Jataí,
Enquanto as máquinas musculares da Revolu- Catalão e Rio Verde. Devido a problemas de
ção Industrial substituíram a força física do ordem administrativa, essa última cidade ficou
homem; as sensórias, como a câmera fotográ- pouco tempo com a equipe e os laços de co-
fica, funcionam como extensões dos sentidos municação foram interrompidos.
humanos, simulando o funcionamento dos ór- Em Goiânia, esse projeto de investiga-
gãos sensórios. Santaella as denomina de “apa- ção incluiu três subprojetos de Iniciação Cien-
relhos” pelo fato de serem construídas com tífica e dois subprojetos de pesquisa. Um deles
auxílio de pesquisas e teorias científicas.
As máquinas cerebrais, como o com- 1. Essa equipe contou com professores da Faculdade de Educação da
putador, trouxeram a imitação e a simulação de Universidade Federal de Goiás(FE/UFG), da Universidade Estadual de Goiás
processos mentais do homem e funcionam (UEG) e do campus avançado de Jataí da Universidade Federal de Goiás
(CAJ/UFG), e também dos alunos dos cursos de Pedagogia, Comunicação,
como extensões de nossas capacidades cere- Engenharia e Artes Visuais da UFG. Além das autoras deste texto, são eles:
brais, daí a sua capacidade de processar símbo- as professoras Cleide Aparecida Carvalho Rodrigues, Verbena Lisita, Eva
Aparecida de Oliveira, Regina Maria de Araújo Tomaz Netto, Wolney Honório
los. Penetrar neste universo simbólico do perío- Filho, Maria Aparecida Almeida e Juçara Gomes de Moura; as alunas de
do das máquinas cerebrais para desvendá-lo, Pedagogia, bolsistas de Iniciação Científica, Silvia de Fátima Azevedo
atuar e produzir conhecimento de interesse da Coelho, Crystiane Ribeiro Mendes, Juliana Guimarães Faria, de Artes Vi-
suais, Eva Cordeiro e de Comunicação, Emmerson Kran.
área de educação, a partir desses referenciais, 2. Backbones são “portas” de acesso à internet. Funcionam como a
foi o desafio da equipe1 que elaborou, desen- espinha dorsal de uma rede de comunicação.
3. Ponto de Presença vem do inglês Point of Presence (POP ou PoP) e
volveu e executou cada parte desse projeto, o é o termo utilizado para indicar o ponto físico de uma determinada rede de
Infovias e Educação. comunicação em um determinado local ou cidade.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 315
objetivava instalar intercâmbio entre professo- Pela tecnologia, diz a autora, o homem
res de História da Educação dos cinco pólos passa a ver o mundo de outra forma. O mun-
criando vínculos de discussão e intermediação do vai, aos poucos, sendo transformado e a
de experiências sobre o ensino da disciplina, tecnologia passa a ser algo que modifica os
organizando um catálogo de referências de indivíduos e os faz ver e viver diferentemente
material audiovisual para uso na disciplina. (Rodrigues, 1999, p. 103).
Outro projeto pretendia criar nos cinco pólos A presente pesquisa, ao mesmo tempo
um campo de investigação pedagógica para em que permitiu formar pessoas, conhecer pro-
produção de materiais midiáticos sobre conhe- cessos, possibilitou o desvelamento de dificul-
cimentos acerca do processo ensino-aprendiza- dades que extrapolam a tecnologia em si. Ques-
gem destinados à formação de professores, na tões políticas, de gestão de processos e admi-
modalidade de ensino a distância. nistração de instituições, interferem sobrema-
neira em ações que envolvem as tecnologias,
Educação e tecnologia: limites em especial quando as tecnologias estão em
e possibilidades um ambiente no qual as ações com elas desen-
volvidas ainda não fazem parte do processo de
Faz-se necessário superar a visão reduzi- formação dos docentes, onde não há espe-
da que se tem das tecnologias, pois a compreen- cificidade da tecnologia para fins educacionais,
são mais presente, tanto na sociedade como nas isto é, as tecnologias que existem nas escolas
escolas, é de que tecnologia se restringe ao apa- são as mesmas que circulam na vida social e
rato tecnológico, sem levar em conta sua dimen- familiar, diferente, por exemplo, das tecnologias
são cultural, ética e estética. Não é comum a com- em uso na área da saúde, que são adequadas
preensão da tecnologia como criação humana, e, ao processo de trabalho dos que a utilizam. A
no caso das tecnologias de ponta, de que elas tra- tecnologia na educação exige uma série de
zem agregadas em si a dimensão cultural do co- adaptações que se caracterizam como mais um
nhecimento, tanto porque são criações humanas obstáculo ao seu uso.
e também porque são veiculadoras de informa- Castells (2003, p. 255) diz que a rede
ção, daí serem conhecidas como tecnologias da das redes de computadores, a internet, é mais
informação e comunicação (TIC). Por essa dimen- do que uma tecnologia, é um meio de comu-
são invisível torna-se mais difícil entendê-las além nicação, de interação e de organização social.
de sua dimensão física, mas, vale ressaltar, que não “A Internet é tecido de nossas vidas neste
é a materialidade que define uma tecnologia e sim momento”, observa o autor, por isso ele chama
o sentido e o uso que se tem e se faz dela. essa nova forma de organização societária de
Rodrigues (1999, p. 102-103), ao dis- sociedade em rede. Conhecer essa rede, parti-
cutir como a tecnologia promove a homo- lhar de sua dinâmica e produzir conhecimento
geneização dos traços culturais e de como vi- nesse processo era o objetivo da investigação.
vemos numa época de concepção mais ampla Ao expor sobre a geografia da internet,
de razão, cita Heidegger e reflete sobre o ser Castells (2003) alerta que nessa grande rede
da tecnologia, sua essência, e observa que ele são os usuários que definem o tipo de aplica-
não está no conhecimento intrínseco à tecno- ção e de desenvolvimento da tecnologia. Os
logia mas “no fato de que a tecnologia nos faz que chegarem depois, diz Castells (2003, p. 263),
perceber uma verdade que estava encoberta”. “terão menos a dizer sobre o conteúdo, a estru-
“A tecnologia é uma nova forma de ver o mun- tura e a dinâmica da Internet”. Mas quando a
do, de ver as coisas [...] é um desvelamento de tecnologia é nova demais e não é bem com-
inúmeras possibilidades de ser que não eram preendida é normal a resistência e a criação de
antes percebidas.” diferentes mitos sobre ela.

316 Mirza S. TOSHI e Maria Emilia C. RODRIGUES. Infovias e educação.


Para atingir o objetivo da pesquisa que contratação dos serviços de bolsistas. Dois
se referia à incorporação prazerosa das tecno- meses depois de iniciada a pesquisa foi pu-
logias na educação, ações paralelas tiveram de blicada a home page.
ser tomadas. A primeira delas referiu-se à ten- Paralelamente a esse projeto, desenvol-
tativa de articulação, física e conceitual, dos via-se o contato com as cidades que iriam pro-
espaços físicos da videoteca e do laboratório de duzir coletivamente o trabalho. Inicialmente,
informática de forma a permitir uma compreen- não havia o hábito de uso de troca de comu-
são mais ampliada de tecnologia na educação, nicações por e-mails. Os contatos iniciais foram
na qual estão incluídos o vídeo e a televisão, pelo telefone. Quando se pedia o endereço
atraindo professores e alunos que, tendo pou- eletrônico para continuação dos contatos pela
ca familiaridade com as tecnologias, poderiam rede de computadores, era comum o titubear:
iniciar este acesso pelo vídeo e, aos poucos, dizia-se que não o sabiam de cor e que depois
incluir a informática. dariam o endereço. Por um bom tempo se
Vale lembrar que esse é um processo mantiveram os contatos por telefone. Isso é
longo e que requer muita disposição da área indicativo de pouco uso e familiaridade com
acadêmica (professores e alunos), do setor admi- essa nova tecnologia e seu suporte, o compu-
nistrativo da instituição e do suporte técnico. O tador e seus softwares de comunicação.
interesse com o projeto de integração é possi- As questões administrativas dos pro-
bilitar um trabalho articulado entre as três di- cessos organizacionais e tecnológicos começa-
mensões citadas: o administrativo, o técnico e o ram a surgir desde o início. Quando o endere-
pedagógico. As falhas de um projeto se devem, ço era institucional, os problemas ocorriam pela
em muito, à falta de articulação entre elas. dispersão da mensagem. Acredita-se que o res-
Mesmo que a instituição seja dotada de boas ponsável pelo laboratório, ou a pessoa que abria
condições técnicas, se não houver articulação a caixa postal eletrônica, não encaminhava os
conceitual e de ações entre o suporte técnico, o e-mails, deixando a mensagem se perder. Nova-
institucional e o acadêmico, dificilmente as ações mente, o uso do telefone se fazia necessário
serão realizadas a contento. para alertar que se lesse o e-mail que havia
Em relação ao âmbito pedagógico e sido enviado.6 Entretanto, consideramos normal
acadêmico, Libâneo (1998, p. 71) alerta que esse procedimento inicial, uma vez que as
“há, inclusive, indícios de que o uso do com- mídias somente aos poucos vão sendo incorpo-
putador nas escolas dificilmente ultrapassa a radas culturalmente pela sociedade. Embora o
experiência de aprender ‘sobre’ o computador, telefone tenha cem anos de vida, ainda hoje há
raramente ‘no ou por meio’ do computador”. pessoas que têm dificuldade de usá-lo, não
Junte-se a isso a necessidade de saber pela complexidade de seu uso, mas pela pou-
manusear, conhecer, para saber criar. Sem co- ca familiaridade com essa tecnologia. O telefo-
nhecer o equipamento e suas possibilidades, ra- ne é uma tecnologia disseminada, culturalmen-
ramente o professor será inventivo e criará ati- te assimilada, mas mesmo assim não se pode
vidades pedagógicas mediadas pelo computador. generalizar, acreditando que ele já é familiar ao
Buscando alterar a compreensão mecâ- conjunto da sociedade. Conforme Silveira (2001),
nica da tecnologia, uma das primeiras ações na
pesquisa foi a elaboração e publicação da home
page4 da instituição coordenadora do projeto. 4. O termo inglês homepage significa, literalmente, “página casa”. É a
expressão que designa a página de abertura de um site.
Vale comentar a dificuldade deste início. 5. Os responsáveis técnicos pela elaboração eram acadêmicos da Fa-
Dois bolsistas 5 foram responsáveis culdade de Engenharia Elétrica, o que possibilitou o trabalho multidisciplinar.
6. Vale anotar que um dos pólos tinha outra característica. Seu coorde-
pela parte técnica do processo. A falta de es- nador sempre demonstrou facilidade no uso desta ferramenta de comuni-
trutura técnica e de funcionários levou à cação e esteve presente nas jornadas realizadas.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 317
cerca de um quarto da população mundial ain- O próprio convite aos cursos vinculados
da não teve acesso ao telefone e cerca de 40% às TIC, como no caso dos oferecidos no decor-
da população mundial não possui energia elé- rer da pesquisa, nem sempre tem os mesmos
trica. O que se dirá então do computador, que resultados. A resposta podia ser um enfático e
tem menos de sessenta anos de criação! O entusiasmado sim, como também um temeroso
computador, tecnologia básica para uso da e titubeante não. Trabalhar com quem diz não
Infovia, pode ser considerado uma tecnologia é mais difícil, pois pode ter diferentes significa-
de custo elevado, que atinge apenas cerca de dos: desde um não de quem não está dispos-
3,5% da sociedade brasileira. to a aprender mais alguma coisa, receoso de
Outro procedimento para aproximar a que isso possa significar aumento de responsa-
equipe foi a criação de uma lista de discussão. bilidades, como pode ser um não passível de
A instalação da lista de discussão aproximou ser revertido, uma vez que foi expresso por
mais o grupo, mas mesmo assim a participação quem ainda tem dúvidas quanto ao seu poten-
dos pólos, no início, foi ausente, tímida ou cial. Um coordenador desses processos de in-
aquém do que esperávamos. clusão de tecnologias precisa ser sensível a
A incorporação de uma tecnologia, en- essas manifestações.
tão, supõe, em primeiro lugar, o acesso a ela. Só
cria e desenvolve projetos quem conhece os Ações realizadas
instrumentos e suas possibilidades. Assim, foi
fundamental o oferecimento de cursos para pro- Cursos, jornadas, participação em con-
fessores, alunos e funcionários. Pois considera- gressos foram algumas entre as muitas ações
mos ser necessário que os funcionários, que dão da equipe executora da pesquisa. Os cursos
o suporte institucional para o desenvolvimento oferecidos pela pesquisa buscaram atender pro-
das atividades acadêmicas, sejam capacitados. fessores e alunos de graduação e pós-gradua-
Nesse sentido podemos dizer que, con- ção, bolsistas de Iniciação Científica e funcio-
forme observa Honório Filho “entre o ideal do nários. Foram promovidos os seguintes cursos:
Programa Infovias e a realidade do CAC/UDF, Educação para as mídias; Corel Draw; Hardware;
houve e ainda há um hiato”.7 Isso se expressa Introdução à linguagem HTML e Publicação de
pela inexistência de técnicos, especialmente de Home pages; Uso pedagógico das mídias;
nível superior, para dar assistência ao Programa. Macromedia Dreamweaver 3.0; Flash; Curso de
A carência de suporte técnico foi um dos filmadora: técnicas de gravação e edição; Curso
pontos mais frágeis do processo de pesquisa, de Hardware para cinco funcionários.
concretamente percebido na unidade executora Note-se que a preocupação no ofereci-
do projeto e nas outras participantes. Como foi mento de cursos abarcava desde a formação
expresso anteriormente, as três dimensões (téc- técnica até aquela relacionada à leitura crítica
nica, gestão e acadêmica) devem estar prepara- da comunicação.
das e devem atuar em sintonia, isto é, é preciso As jornadas presenciais foram idealiza-
ter um projeto institucional que incorpore e dê das para facilitar a interação e o intercâmbio
as condições técnicas e gerenciais de uso das com os participantes da pesquisa. No entanto,
tecnologias nas ações acadêmicas. É preciso que embora houvesse participação nos encontros e
os gestores dos processos comunicacionais, troca de intenções, faltaram ações conjuntas.
mediados por tecnologias nas ações educativas
escolares, compreendam a tecnologia para além 7. Em março de 2002, o professor Honório acrescenta que esse hiato
de simples aparato técnico, e que incorporem a “ao invés de melhorar está piorando. Hoje tem computadores que não fun-
cionam, os que funcionam estão desatualizados e a rede interna do Campus
idéia de que as TIC nas escolas alteram a cultura Avançado de Catalão (CAC) UFG ainda não atendeu todos os cursos” (men-
que caracteriza cada instituição. sagem veiculada na lista de discussão em 6 de março de 2002).

318 Mirza S. TOSHI e Maria Emilia C. RODRIGUES. Infovias e educação.


Apesar de liderar o processo, a instituição co- tudo selecionou oito escolas de Goiânia, sen-
ordenadora do projeto não conseguiu mobili- do cinco da rede estadual e três da municipal,
zar os professores dos outros pólos para pro- nas quais foram aplicados questionários aos
dução conjunta. Teve um pólo que nunca par- professores. Foram respondidos 85 questioná-
ticipou. Os e-mails sequer eram respondidos. rios, um número significativo para os objetivos
Numa visita à cidade ficamos sabendo da tro- propostos.
ca de direção e da não distribuição dos e-mails Foi possível elaborar o perfil dos pro-
que eram recebidos nos laboratórios. Esse fato fessores das escolas onde existe laboratório do
pode explicar a escolha de endereços eletrôni- ProInfo: mulheres, com média de 35 anos, mais
cos pessoais, não institucionais, para funciona- da metade possui curso superior e cerca de um
mento da lista de discussão. terço possui especialização. A maioria expres-
O formato das jornadas se fazia por uma siva atua no ensino fundamental e tem mais de
palestra no período da manhã, aberta a interes- dez anos de profissão, mostrando que os pro-
sados na temática, sendo amplamente divulgada, fessores se mantêm na carreira docente apesar
e à tarde o encontro com o palestrante era res- dos baixos salários e das condições adversas de
trito aos participantes da pesquisa, professores e trabalho. A maior parte das escolas pesquisadas
bolsistas, para que o palestrante atuasse como possui TV, vídeo, computador, retroprojetor,
um consultor para atendimento às necessidades máquinas fotográficas, filmadoras, etc.
dos pesquisadores Embora os professores respondam que
Participar e divulgar os trabalhos da usam as tecnologias, usam-nas muito pouco, o
pesquisa e resultados parciais dos subprojetos que demonstra que não basta ter o equipamen-
foi uma decisão tomada pelo grupo. Tanto os to, é preciso ter outras condições além da
professores como os alunos de Iniciação Cien- tecnologia apenas. No que se refere aos com-
tífica apresentaram comunicações em congres- putadores, mais da metade dos professores
sos científicos. Além disso, a concepção, orga- disse não usá-los. Os professores se mostraram
nização e execução de um seminário, por toda desestimulados ao uso dos computadores.
a equipe, ao final da pesquisa, possibilitou que Dos professores que sabem manusear
todos apresentassem seus trabalhos para a os computadores, a maioria diz usar o de sua
comunidade. O seminário permitiu, ainda, que residência e não o da escola. Fato semelhante
se denunciassem as dificuldades vividas na ocorreu na pesquisa Infovias e Educação, em
execução do projeto. relação aos professores das instituições-pólo.
Os professores preferem usar na lista de discus-
Subprojetos da pesquisa são e na troca de e-mails o endereço pessoal e
não o da universidade.
Softwares nos laboratórios do ProInfo – Mais da metade dos professores das
análise didático-pedagógica escolas de educação básica disse não ter par-
ticipado de cursos oferecidos pelo NTE, os
O projeto buscou investigar como vem Núcleos de Tecnologia Educacional, que são
ocorrendo a introdução das novas tecnologias estruturas descentralizadas de apoio ao proces-
nas escolas, em especial a informática. O obje- so de informatização das escolas. Muitos pro-
tivo inicial era identificar os softwares educativos fessores, apesar de estarem trabalhando em
mais utilizados nos laboratórios do ProInfo das escolas que possuem laboratórios do ProInfo,
escolas de educação básica. disseram desconhecer o projeto e nem sabiam
Em Goiás havia, à época da investiga- o que era NTE.
ção, 79 laboratórios instalados em escolas pú- Os softwares mais utilizados nas esco-
blicas da rede estadual e municipal. Esse es- las pesquisadas foram: Planilhas eletrônicas,

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 319
recursos da internet, Hipermídia (Everest), professores disse não ter feito o curso. Os profes-
Power Point, Logo, Visual Class (rede estadual) sores desconhecem o que é ProInfo, sendo que
e Office, Microsoft Word e Excel (rede munici- a coleta de dados foi feita apenas em escolas que
pal). Por aí se pode verificar que não há pro- possuíam laboratórios do Programa. Os professo-
gramas especificamente pedagógicos nos labo- res que participaram do curso consideram que o
ratórios do ProInfo. Os professores que fazem tempo é pouco, que o curso deveria ser mais
cursos no NTEs são capacitados para trabalhar amplo, que falta internet, mas 27% deles afirmam
com os aplicativos do Windows, que não con- que o curso está entre ótimo e bom.
templam os conteúdos escolares. Os professores carecem de um acompa-
nhamento maior pelos multiplicadores dos
Laboratórios do ProInfo e NTEs. Embora mais da metade dos responden-
necessidades dos professores tes ter informado que recebeu acompanhamen-
to dos multiplicadores, os professores afirmaram
Esse projeto objetivou caracterizar as que a freqüência desse acompanhamento acon-
experiências de formação docente realizadas tece de forma variada entre sempre, algumas
nos laboratórios do ProInfo em Goiânia e ana- vezes e raramente.
lisar se elas suprem as necessidades dos profes- Questionados sobre a contribuição do
sores, segundo as perspectivas dos próprios curso para uso pedagógico do computador,
professores, de forma a destacarem os aspectos mais da metade (60%) deixou a questão em
positivos e negativos do processo de formação. branco. Mas, nas questões abertas do questio-
Mais da metade dos 83 professores que nário aplicado, os professores pedem cursos
responderam aos questionários atua no ensino mais longos, com conteúdos pedagógicos e
fundamental e mais de 70% tem formação oficinas. Os professores ressentem de orienta-
superior, com um bom percentual realizando ou ções didático-pedagógicas para uso do compu-
tendo já concluído curso de especialização. Este tador na escola.
dado é interessante uma vez que elimina a
retórica de má formação do corpo docente para Criação em rede de materiais
atuar com tecnologias. Tendo a grande maio- para formação de professores
ria de professores com curso superior, esse
aspecto perde valor. Isso pode denotar a neces- Esse projeto teve como objetivos im-
sidade de formação específica para uso peda- plementar estudos e pesquisas voltadas para a
gógico do computador e não da formação Educação a Distância e a produção de materi-
docente em si. ais didáticos para cursos de formação de pro-
Dos 83 respondentes, 76 afirmaram que fessores, tanto para o ensino presencial como
sua escola possui computador, quase na mes- para o à distância.
ma proporção de vídeo e retroprojetor, mas Entendendo que a Didática, enquanto
somente 20% afirmam usá-lo com freqüência. disciplina que estuda o ensino, não pode igno-
Entretanto, dos 76 que responderam a essa rar as transformações provocadas pelas inova-
pergunta, disseram utilizar tecnologias somente ções tecnológicas nas relações cognitivas e co-
algumas vezes. municativas que ocorrem nos processos de
Apesar de as escolas terem computador, aprender e ensinar, investigou-se como a Didá-
possuírem laboratórios do ProInfo, esses rara- tica pode propor formas de condução do en-
mente são utilizados e os professores acabam sino em face das tecnologias de comunicações
mais por utilizar o equipamento em suas casas. inseridas no cotidiano escolares.
Quanto à participação do curso de forma- Uma possibilidade para isso foi a consti-
ção oferecido pelo NTE, mais da metade dos tuição de espaços para estudos e atividades prá-

320 Mirza S. TOSHI e Maria Emilia C. RODRIGUES. Infovias e educação.


ticas na elaboração e organização das temáticas monstra o desafio de produzir material para a
da área de Didática e Prática de Ensino em cur- educação a distância. Um dos aspectos desafiado-
sos de formação de professores em rede. res refere-se à linguagem e metodologia específi-
Compreendendo a prática pedagógica ca, outro se refere à construção de um trabalho
como propulsora da transformação do cotidia- coletivo em que são agregadas diferentes áreas do
no do saber fazer didático, atribuiu-se um conhecimento, tais como a da informática e a da
grande valor a essa pesquisa como possibilidade comunicação. Enquanto estes profissionais muitas
de articulação entre teoria e prática. vezes não dominam as concepções pedagógicas e
A metodologia de trabalho proposta apresentam dificuldade de articular seus conheci-
inicialmente previa o intercâmbio e produção mentos técnicos com o acadêmico, os professores
coletiva envolvendo professores de diferentes não dominam o conhecimento técnico. Nesse sen-
instituições de ensino superior, ou seja, dos tido, a sintonia entre os diferentes saberes exige
pólos definidos pelo projeto Infovias e Educa- paciência, respeito e muita determinação.
ção. Entretanto, vários fatores impossibilitaram a Entendemos que criar um campo de
realização plena dessa proposta, entre as quais investigação pedagógica integrada com outras
destaca-se a falta de participação dos pólos. áreas do conhecimento propicia uma produção
O pólo de Goiânia conseguiu reunir de múltiplos olhares, mas temos que reconhe-
três professoras de Didática que definiram cer que é também um grande exercício de
como temática de estudo e objeto de pesqui- redimensionamento do próprio saber.
sa a elaboração de material didático a propos-
ta da disciplina de Didática e Prática de Ensi- Intercâmbio na área de História
no do ensino fundamental ministrada no cur- da Educação
so de Pedagogia adequando-os a linguagem
web , pois a linguagem e metodologia utilizada Esse subprojeto teve um bom desenvol-
em EaD são específicas. vimento desde o seu início. A coordenadora fez
A definição desse tema ocorreu depois coleta dos planos de ensino desenvolvidos na
de várias reuniões, nas quais foram levantadas instituição que sediou a pesquisa durante vá-
as temáticas estudadas na disciplina, seus de- rios anos, fez análise das alterações que ocor-
safios e seus avanços. A partir dessa definição reram no processo e disponibilizou esses dados
iniciamos o processo de levantamento dos aos outros pólos que fazem parte da pesquisa.
materiais didáticos produzidos por esse grupo Um dos pólos também disponibilizou seu pla-
em consonância com a dinâmica da disciplina. no de ensino. Entretanto, além do ausente re-
Após esse levantamento desenvolveu- torno dos pólos, a professora que coordenava
se a seleção e organização desses materiais. esse subprojeto, por ocupar a pasta da Secre-
Todo o processo de construção desse material taria Municipal de Educação, deixou a pesqui-
em um CD-Rom, propiciou ao grupo proponen- sa, bem como sua parceira, que saiu do Esta-
te o exercício de reflexão sobre a própria prá- do para fazer o doutorado. Vale lembrar que,
tica e a função da disciplina de Didática e Prá- na época em que a pesquisa iniciara, o grupo
tica de Ensino na formação inicial e continua- não dispunha de uma lista de discussão e isso
da de professores. era um fator que limitava mais ainda a interação
Este CD-Rom constitui-se de reflexões via e-mail.
e descrição da proposta pedagógica desenvol- Devido ao desinteresse de outros pro-
vida na disciplina de Didática e Prática de fessores da área assumirem a coordenação, o
Ensino no Ensino Fundamental. projeto foi suspenso e iniciou-se a construção
Apesar das condições acima apresentadas, de um outro subprojeto para substituí-lo, o
consideramos que o resultado desse trabalho de- Museu Virtual da Educação de Goiás. Acredita-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 321
va-se que este Museu teria mais chances de ria, que se revela em materiais didáticos, fotos,
mobilizar os pesquisadores das instituições documentos, textos e manuais escolares e não-
envolvidas, uma vez que dependia da localiza- escolares, nos livros produzidos para alfabeti-
ção de peças e documentos nas várias cidades zar jovens e adultos, nos diplomas e boletins
do estado. Essa mobilização realmente ocorreu. amarelados, nos cartazes cuidadosamente ela-
Duas cidades tiveram participação bastante ati- borados por educadores, entre outros acervos
va na construção dele. que precisam ser resgatados e preservados na
A pesquisa histórica dispõe atualmente memória da educação do estado de Goiás, pois
de diferentes suportes técnicos para garantir a trata-se de uma história riquíssima, porém
memória histórica e preservação de documen- muito pouco registrada.
tos e peças. As tecnologias têm interferido nas Segundo Olga R. M. V. Simson (2000,
pesquisas históricas, não apenas pela rapidez p. 63-74):
com que permitem a preservação de acervos,
como também pelas mídias disponíveis que A memória é uma capacidade humana de reter
permitem a digitalização de imagens e sons. A fatos e experiências do passado e retransmiti-los
linguagem informática permite a divulgação e às novas gerações através de diferentes suportes
preservação de acervos históricos, numa com- empíricos (voz, música, imagem, textos, etc.).
preensão da tecnologia que leva em conta a Existe uma memória individual que é aquela
dimensão cultural, ética e estética do acervo, guardada por um indivíduo e se refere às própri-
enquanto uma criação humana. E, no caso das as vivências e experiências, mas que contém
tecnologias de ponta, a elas está agregada a também aspectos da memória do grupo social
dimensão cultural do conhecimento, sendo onde ele se formou [...].
também veiculadoras de informação, as TIC. Há também aquilo que denominamos de memó-
Esta foi a compreensão que possibilitou ria coletiva que é aquela formada pelos fatos e
viabilizar na Faculdade de Educação da Universi- aspectos julgados relevantes e que são guardados
dade Federal de Goiás (UFG), o Projeto de Pesquisa como memória oficial da sociedade mais ampla.
Infovias e Educação que deu origem ao Museu Ela geralmente se expressa naquilo que chama-
Virtual da Educação em Goiás. Com ele a amplia- mos de lugares da memória que são os monu-
ção da divulgação de acervos fotográficos, relatos mentos, hinos oficiais, quadros e obras literárias
orais, documentais e de peças da história da edu- e artísticas que expressam a versão consolidada
cação em Goiás possibilitou difundir a sensibilidade de um passado coletivo de uma dada sociedade.
com a cultura da preservação de forma a não deixar [...] existem as memórias subterrâneas ou margi-
perder o que existe, aquilo que já foi catalogado nais que correspondem a versões sobre o passado
ou aquilo que ainda não é conhecido do público. dos grupos dominados de uma dada sociedade.
Estas memórias geralmente não estão monu-
Museu Virtual da Educação em mentalizadas e nem gravadas em suportes con-
Goiás cretos como textos, obras de arte e só se expres-
sam quando conflitos sociais as evocam ou quan-
É necessário refletir sobre a nova lin- do pesquisadores [...] criam condições para que
guagem informática que permite a divulgação elas emerjam e possam ser registradas, analisadas
e preservação de acervos históricos. Gerar acer- e passem, então a fazer parte da memória cole-
vos e disponibilizá-los ao público em geral era tiva de uma dada sociedade.
e (e ainda é) o objetivo do subprojeto de pes-
quisa Museu Virtual da Educação em Goiás. Na sociedade atual, o ritmo acelerado
Preservação de uma dimensão da cul- do trabalho somado à rapidez dos meios de
tura brasileira, ainda muito escondida na histó- comunicação tem levado o homem a consumir

322 Mirza S. TOSHI e Maria Emilia C. RODRIGUES. Infovias e educação.


a informação, muitas vezes de forma acrítica, rado ou “traste velho”, são descartados ou se
sem uma seleção, comprometendo uma das encontram em péssimas condições de conser-
importantes funções da memória humana, a vação. Um outro traço que pôde ser percebido
capacidade de selecionar, de escolher o que é o caso da apropriação individual de documen-
deve ser preservado, como lembrança importan- tos, informações ou materiais, justificados pela
te e necessária, separando daqueles fatos e preocupação de zelar por eles. Além disso, há
vivências que podem e devem ser descartados. casos em que, pelas circunstâncias históricas, a
Ao perder esse poder de seleção nas socieda- ausência de registros ou apagamento destes, se
des atuais, contribui-se para a formação do que restringiu a pessoas, individualmente, o conhe-
se chama de sociedade do esquecimento. cimento de fatos importantes, gerando um
É a cultura de uma sociedade que for- vácuo no nosso passado cultural.
nece os filtros através dos quais os seres huma- Buscou-se com a criação do Museu
nos que nela vivem podem exercer seu poder Virtual preservar a memória não apenas da
de seleção. Nas sociedades da memória, exis- educação escolar, a história do ensino que nela
tentes no passado ou ainda naquelas que ain- se faz, mas resgatar a história da educação
da existem, a memória é organizada e retida popular, especialmente de acervos importantes
pelos seus membros, em especial os mais ve- da memória da Educação de Jovens e Adultos
lhos, que se incumbem de transmitir às novas (EJA) em Goiás. No estado de Goiás, onde a
gerações as memórias guardadas. Contudo, ao pesquisa se desenvolveu, acumula-se uma sig-
longo da história, especialmente das sociedades nificativa gama de documentos de história na
ocidentais, o papel social do idoso, à medida área de alfabetização de adultos relativa à di-
que se diversificaram e sofisticaram os supor- tadura militar que o país viveu de 1964 a 1985.
tes para o registro da memória (desde a inven- Num país em que a memória tende a ser
ção da escrita, da imprensa, da fotografia, desprezada, consideramos que é dever da univer-
vídeos, discos, CDs, DVDs, disquetes, entre sidade, em especial de uma Faculdade de Educa-
outros) enquanto divulgadores da cultura, ção, preservar a história da educação, especial-
aquela foi se perdendo. mente daquela que está desconhecida, cujos ele-
Vivemos num país em que predomina o mentos que a compõem não estão organizados,
sucateamento da memória. Segundo Peixoto uma vez que se encontram dispersos em coleções
(2000), temos presenciado nos processos de particulares ou guardadas nas gavetas de pesso-
investigação, especialmente no que se refere à as que participaram da história, mas não têm
educação, dois aspectos que nos chamam a como organizar peças e documentos.
atenção: o rápido descarte de material impor- Organizar esse material histórico e
tante para a preservação da memória e a gran- disponibilizá-lo em rede eletrônica, além de ser
de dispersão e pouca organização de dados, uma possibilidade inédita, garante a preserva-
registros e documentos sobre a história da ção visual da memória educacional e amplia e
educação, o que além de dificultar os proces- democratiza o acesso aos materiais coletados.
sos de pesquisa, inviabiliza a possibilidade Isso, porém, não descarta a preservação de
destes fazerem parte da memória coletiva, tor- peças reais, em museus que ocupam espaço
nando-se patrimônio cultural. físico e se abrem à visitação presencial do
Em função de uma falta de mentalida- público e de turistas.
de construída em relação à importância da Segundo Castells (1996, apud Peixoto,
memória histórica, materiais pedagógicos tais 2000, p. 86), uma das principais características
como livros adotados, textos produzidos, car- da sociedade atual é a organização em redes
tazes de leitura, atas de reunião, planos de que se apresentam como “estruturas abertas,
aula, etc, por serem vistos como material supe- capazes de expandir de forma ilimitada, inte-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 323
grando-nos, desde que consigam comunicar-se história da EJA em Goiás. O grupo que atuou na
dentro da rede, na medida em que dominem a elaboração deste link pretende manter o traba-
mesma linguagem”. Um museu da história da lho de resgate do material e produzir novos
educação de Goiás disponível na rede mundial documentos com eles.
de computadores amplia infinitamente a divul-
gação das ações dos que criaram a educação Considerações finais
no estado.
Mais do que um depositário de coisas Nem todos os objetivos da pesquisa
antigas, um museu deve traduzir a dinâmica da Infovias e Educação foram alcançados. Muitos
sociedade e do período histórico que os objetos deles tiveram respostas negativas. Isso, porém,
representam. Além disso, um museu virtual, pe- não é desalentador, uma vez que faz parte do
las possibilidades tecnológicas existentes, pode processo de construção do conhecimento tanto
tornar-se mais vivo e significativo à sociedade. a confirmação, a refutação de hipóteses, como
O projeto Museu Virtual da Educação ainda a ausência de respostas.
buscou garantir essa preservação viva, dinâmi- A pesquisa deu-nos uma grande lição:
ca. Objetivou-se, além de fotografar digitalmen- a do caráter cooperativo que ações dessa na-
te objetos, fotos antigas, tecnologias, arquite- tureza devem possuir. O acelerado desenvolvi-
tura de escolas, documentos relativos à educa- mento científico e tecnológico traz perplexida-
ção no estado, videogravar entrevistas com des (Dreifus, 1996), uma vez que a ação cole-
pessoas que guardam a história em suas memó- tiva se faz baseada em mensagens e símbolos
rias, verdadeiras memórias vivas que podem e e não apenas em ações concretas, palpáveis.
devem ser preservadas. Essa mobilização simbólica (Castells,
A preservação digital, em mais de du- 1996, p. 28) se faz em processos de represen-
zentas fotos, possibilitou a hospedagem desse tação do espaço dos fluxos, imagens e redes.
material em home page feita anteriormente. O Essa imaterialidade, ou materialidade virtual,
site se organiza em seis links: fotos, documen- deixa-nos pasmos, perplexos, uma vez que
tos, objetos, tecnologias, arquitetura das escolas contraria os mecanismos usuais de comunica-
e Memória Viva. Um link para a Memória Viva de ção interpessoal.
Educação de jovens e adultos (EJA) criou uma Junto a esse mecanismo de fluxos, ima-
possibilidade infinita de pesquisa e preservação. gens e redes acontecem as relações pessoais
Memória Viva é um museu dentro de outro e dentro do mesmo espaço. Cada pólo teve suas
nele se discute a EJA, com destaque dado ao vivências pessoais e interpessoais. Mas também
vídeo-documentário com entrevista de algumas se comunicou em rede com seus pares de outros
pessoas que participaram intensamente dos pólos. Uma semente foi lançada, e como semen-
movimentos populares de EJA da década de tes carecem de solo fértil real, certamente elas
1960 em Goiás, entre eles a Escola Radiofônica, frutificarão em cada espaço-tempo real.
o Centro Popular de Cultura (CPC) e o Movimen- Aprendemos nesse processo, produzi-
to de Educação de Base (MEB). Movimentos mos saberes, formamos técnica e teoricamente
estes que, devido ao golpe militar de 1964, pessoas e atraímos adeptos à temática. A apre-
foram interrompidos abruptamente, sendo seus sentação de quatro produtos em dois anos de
coordenadores cassados e exilados do país. O trabalhos, além de outros impossíveis de serem
Memória Viva é um convite a fazermos uma materializados, é demonstração da seriedade,
viagem por histórias vividas, mas silenciadas, que rigor e produtividade do grupo. Os resultados
não estão escritas em relatórios e que consegui- foram produções coletivas, não tão amplas
mos registrar por meio da memória ainda viva na quanto pensávamos ser possível realizar, mas
mente daqueles que contribuíram fazendo a foram coletivas.

324 Mirza S. TOSHI e Maria Emilia C. RODRIGUES. Infovias e educação.


Os projetos de Iniciação Científica rea- ações ligadas à temática educação, novas tec-
lizados durante a pesquisa e depois dela pro- nologias e formação de professores.
vocaram discussões em salas de aulas, apresen- Vale destacar os desdobramentos que a
tações em congressos, publicações, ampliaram pesquisa Infovias e Educação tem estabelecido
o número de pessoas envolvidas com o assunto na FE/UFG. Mais três planos de Iniciação Cien-
e isso, por si só, é uma significativa contribui- tífica foram desenvolvidos, motivados por in-
ção à incorporação prazerosa das tecnologias corporar a reflexão sobre as novas tecnologias
na vida acadêmica. na formação de professores. Esses três sub-
A reativação do Grupo de Estudos No- projetos8 investigam as relações que os alunos
vas Tecnologias e Educação (Gente) foi outra da licenciatura em Pedagogia estão tendo com
dimensão importante desse estudo. Manter in- tecnologias midiáticas durante sua formação,
tercâmbio entre diferentes campos do conheci- como acontece essa relação, importância dela,
mento, como é característica desse grupo, é como se manifesta na prática dos que já são
fundamental para o desenvolvimento de pro- docentes, e se há diferenças nos cursos que
gramas que incluem as tecnologias da informa- oferecem espaços curriculares para este estudo.
ção e comunicação. Além deles, outros três projetos de mestrado es-
Os encontros do Gente ocorreram no tão em desenvolvimento.
Núcleo de Formação de Professores (Nufop). Concluindo, entendemos que vencemos
Nesse local aconteceram as jornadas, mini-cur- obstáculos, produzimos saberes, e estamos
sos, apresentação de trabalhos ligados à pes- construindo as trilhas nas quais os jovens con-
quisa Infovias e Educação, o que possibilitou o tinuarão a caminhar nas estradas ou infovias do
fortalecimento desse núcleo que tem atendido Brasil e do mundo.
as expectativas das comunidades interna e ex-
terna, quanto à reflexão e desenvolvimento de 8. Estes projetos foram desenvolvidos por bolsistas de Pibic e de Prolicen.

Referências bibliográficas

CASTELLS, Manuel. Fluxos, redes e identidades: uma teoria crítica da sociedade informacional. In: ______. Novas perspectivas
críticas em educação. Tradução Juan Acuña. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 3-32.

_____. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, Denis de (Org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e
poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 255-287.

DREIFUS, René Armand. A época das perplexidades: mundialização, globalização e planetarização: novos desafios. 3. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1996. 350 p.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução Carlos Irineu da Costa. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1998.

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez,
1998. 104 p.

PEIXOTO, Ana Maria Casasanta. O Museu da Escola de Minas Gerais face aos desafios das novas tecnologias. In. FARIA FILHO,
Luciano Mendes de (Org.). Arquivos, fontes e novas tecnologias: questões para a história da educação. Campinas, SP: Autores
Associados, 2000. p. 75-88.

RODRIGUES, Ana Maria Moog. Por uma filosofia da tecnologia. In: GRINSPUN, Mirian; ZIPPIN, P. S. (Org.). Educação tecnológica:
desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1999.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 313-326, jul./dez. 2003 325
SANTAELLA, Lucia. O homem e as máquinas. In: DOMINGUES, Diana (Org.). A arte no século XX: a humanização das tecnologias.
São Paulo: Fund. Editora da Unesp, 1997.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

SIMSON, Olga Rodrigues de M. von. Memória, cultura e poder na sociedade do esquecimento: o exemplo docente de memória da
UNICAMP. In: FARIA FILHO, Luciano M. de (Org.). Arquivos, fontes e novas tecnologias: questões para a história da educação.
Campinas, SP: Autores Associados, 2000. p. 63-74.

Recebido em 05.10.03
Aprovado em 20.11.03

Mirza Seabra Toschi é doutora em Educação pela Unimep. É professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
FE/UFG, onde atua na Linha de Pesquisa Formação e Profissionalização Docente. Tem pesquisado sobre mídias e formação
de professores.

Maria Emilia de Castro Rodrigues é mestre em Educação Brasileira pela UFG. É professora da Faculdade de Educação da
UFG onde é responsável pelos programas de extensão. Tem pesquisado sobre educação de jovens e adultos e prática de
ensino.

326 Mirza S. TOSHI e Maria Emilia C. RODRIGUES. Infovias e educação.

Você também pode gostar