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BULLYING

BULLYING
MATANDO AULA
L. L. SANTOS

Combo Comyx – Studio Gardy


São Paulo – Francisco Beltrão – PR
2012
© 2011 L. L. Santos
Capa, diagramação: C. L. Santos
Revisão: C. L. Santos

Obra registrada sob o número 544.827 na


Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

“É livre a expressão da atividade intelectual,


artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença.”
Constituição de 1988, art. 5º, IX

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO DESTE LIVRO

É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios


do conteúdo desta edição. O infrator será processado na forma
da Lei n. 9.610/98. O autor que idealizou, criou e realizou este
projeto, tem inteira responsabilidade sobre a autenticidade e
originalidade de seu conteúdo. Esta é uma obra de ficção,
personagens, localidades e ações são frutos da imaginação do
autor, e não possui qualquer vínculo com pessoas e
organizações reais. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou
mortas (salvo exceções de algumas personalidades públicas e
históricas) é mera coincidência.
Este é para o César,
que me encorajou.
ÍNDICE

O Estampido ....................................................................... 11
Como Fazer ......................................................................... 13
O Último Dia de Aula ........................................................... 15
Carlinhos ............................................................................ 19
O Último Dia de Aula ........................................................... 25
Acontecendo ........................................................................ 29
André .................................................................................. 32
O Pavio ............................................................................... 38
O Último Dia de Aula ........................................................... 40
A Situação ........................................................................... 44
Marcelo ............................................................................... 46
A Velocidade da Informação ................................................. 51
O Último Dia de Aula ........................................................... 55
Nathanieli ........................................................................... 57
Informação .......................................................................... 62
O Último Dia de Aula ........................................................... 63
O Longo Caminho ................................................................ 70
Vendo ................................................................................. 74
O Último Dia de Aula ........................................................... 76
Palavras no Ar ..................................................................... 78
O Último Dia de Aula ........................................................... 82
O Penúltimo Dia de Aula ..................................................... 84
O Último Dia de Aula ......................................................... 100
O Último Dia de Aula ......................................................... 102
O Primeiro ......................................................................... 107
O Último Dia de Aula ......................................................... 111
Análise .............................................................................. 113
Observação ....................................................................... 117
O Penúltimo Dia de Aula ................................................... 120
Samuel ............................................................................. 132
O Último Dia de Aula ......................................................... 134
Gerusa .............................................................................. 137
Provocação ........................................................................ 144
Margarida ......................................................................... 148
O Último Dia de Aula ......................................................... 151
Clóvis ................................................................................ 154
O Último Dia de Aula ......................................................... 157
Tigela ................................................................................ 158
Algo .................................................................................. 166
Dioni ................................................................................. 168
O Penúltimo Dia de Aula ................................................... 171
O Último Dia de Aula ......................................................... 175
A Chegada ......................................................................... 182
A Escolha .......................................................................... 184
A Instrução ....................................................................... 187
O Último Dia de Aula ......................................................... 197
Carlinhos .......................................................................... 199
O Último Dia de Aula ......................................................... 207
Carlinhos .......................................................................... 210
O Último Dia de Aula ......................................................... 214
Espírito Empreendedor ...................................................... 218
O Último Dia de Aula ......................................................... 220
Enrique ............................................................................. 226
O Último Dia de Aula ......................................................... 231
O Último Dia de Aula ......................................................... 234
Alvo .................................................................................. 237
Carlinhos .......................................................................... 239
O Último Dia de Aula ......................................................... 243
Se Espalhando .................................................................. 247
Promoção .......................................................................... 249
O Último Dia de Aula ......................................................... 251
Carlinhos .......................................................................... 253
O Último Dia de Aula ......................................................... 255
Contagem Regressiva ......................................................... 261
O Último Dia de Aula ......................................................... 263
Carlinhos .......................................................................... 265
O Último Dia de Aula ......................................................... 267
Margô ............................................................................... 270
O Último Dia de Aula ......................................................... 278
Se Adiantando ................................................................... 282
O Último Dia de Aula ......................................................... 285
Reconhecimento ................................................................ 288
A Invasão .......................................................................... 289
O Último Dia de Aula ......................................................... 290
Missão Concluída .............................................................. 293
As Notícias ........................................................................ 294
O Último Dia de Aula ......................................................... 295

Posfácio............................................................................. 299
Bullying – Matando Aula

O ESTAMPIDO

Não era apenas uma viatura que estava nesse momento


estacionada em frente à escola. Mas dezenas. Mesmo policiais
de municípios vizinhos tiveram de vir até o local onde uma
grande tragédia aconteceria em poucas horas.
O cordão de isolamento não era suficiente para conter a
multidão de pais, alunos e curiosos que queriam saber o que
de fato estava acontecendo.
Os jornalistas de plantão dos meios impressos do interior
já apontavam suas câmeras digitais para o prédio que não
exalava qualquer sinal de perigo. Mas de alguma forma, com
seus bloquinhos de papel, já começavam a fazer perguntas
inúteis para escreverem apenas textos sem qualquer
informação de interesse real do público...

Mais policiais. Os bombeiros também se apresentavam. E


até mesmo soldados do quartel localizado do outro lado da
cidade chegavam já se posicionando.
Nunca se vira tantas armas em punho.
E o mais interessante...
Não havia nenhum negociador presente.
E outro fato ainda mais importante...
Ninguém ali sabia o que estava mesmo ocorrendo dentro
de uma das salas do terceiro andar. As janelas tinham as
persianas fechadas. E não houve qualquer contato.
Tudo o que se sabia, era que um monstro havia entrado
facilmente na escola.
Um monstro...
Ou seria um homem...

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L. L. Santos

Não era comum acontecer cenas como essas em


Francisco Alves do Sudoeste. A cidadezinha que ficava
localizada entre Francisco Beltrão e Pato Branco, no sudoeste
do Paraná...
Não era...
Mas nenhum lugar é imune contra o mal...
Nem o Reino dos Céus...

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Bullying – Matando Aula

COMO FAZER

A TV é ainda o mais poderoso meio da comunicação do


planeta. O rádio, a Internet e o que mais existe, ainda é um
reflexo.

O aparelho televisor estava sintonizado em uma emissora


aleatoriamente. O pequeno Carlinhos Silva brincava com seus
blocos de Lego na sala como uma criança qualquer aos sete
anos de idade. Estava no primeiro ano do ensino fundamental.
E isso já devia ter uns três meses. Mas ele olhava para a TV.
Mesmo sem muito entender. Na verdade, nada entendia. E
suas lembranças, com o passar dos anos seriam jogadas para
debaixo do tapete que fica em um canto dentro da caixa
craniana. Algo absolutamente normal.
O Jornal Nacional exibe uma matéria intitulada como A
Tragédia de Columbine. Uma universidade norte-americana,
onde dois alunos entram com armas e começam um verdadeiro
genocídio. Matando professores e outros estudantes. Um dos
assassinos sobe na torre de observação e de lá passa a atirar
em qualquer um que se mova pelo pátio.
No fim, ambos atiradores, cometem suicídio.
E no armário de um deles, é encontrado um romance de
Stephen King, intitulado Fúria. O que para muitos (e inclusive
para o autor, que proibiu novas impressões do livro) significou
que a obra fictícia agiu como um catalisador.
Tudo bem, estudantes norte-americanos não precisam de
romances para saírem atirando em tudo e em todos. Basta
terem interesse no ofício do terrorismo.

13
L. L. Santos

***

Carlinhos pôde até ter prestado atenção aquela


reportagem. Mas com o passar dos dias, dos meses, e dos
anos... esqueceu...

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Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Era aproximadamente 8:00.


A maior parte dos estudantes ansiava pelo recreio. Ali
poderiam ficar (um pouco) distantes das disciplinas. E como
era uma turma que estava no terceiro ano do ensino médio,
isso também significava que tinha aqueles e aquelas que
realmente queriam ir para o pátio apenas para namorar, se
amassar ou ficar. Ou até fumar um cigarro (ou baseado) nos
fundos do colégio que estava em constantes mudanças
arquitetônicas (reformas sem fim) para acolher mais e melhor
os estudantes.
Era uma escola do sistema público de educação. Ficava
em frente a uma universidade. E na mesma quadra (fundos)
existia também uma escola de ensino primário. O fundamental
era mesclado ao médio na outra instituição.
Eram bons colégios.
O governo municipal (e estadual) investira recursos
pesados para deixar tudo em pleno funcionamento. E as
reformas que nunca acabavam, sempre traziam melhorias. A
quadra esportiva coberta era uma delas. Sala de informática
com acesso a Internet. TVs de tela grande. Carteiras novas.
Quadros-negros em impecável estado. E a qualificação do
corpo docente.
Mas as escolas tinham diversos problemas. E estes não
eram restritos a nenhum sistema de ensino. Podia ser público
ou privado.

O pior de todos era conhecido como bullying. O termo


estrangeiro era muito parecido (se não idêntico) ao chamado

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L. L. Santos

bulinar. Os bulinadores existiam desde que as escolas


começaram a ser erguidas. E era sempre da mesma forma: os
grandões cuidando da saúde dos menores. Os valentões, altos,
gordos e fortes gostavam de mostrar a supremacia de seus
corpos. Entre os gordos, os únicos que não se davam bem,
eram justamente aqueles que não tinham interesse de
subjugar os outros. Era comum os alunos das séries
avançadas baterem e judiarem moralmente os novatos. Em sua
grande maioria, eram os meninos que eram os responsáveis
diretos. As meninas também tinham esse tipo de problema.
Mas nem se comparava a turma masculina...

Era verão quando aconteceu.


O Sol estava alto. As nuvens que eram poucas, corriam
rapidamente por um céu tão azul e límpido quanto o sorriso do
mais carismático dos alunos. Mas era só isso. O colégio mesmo
quando todos os estudantes estavam dentro de sala, ainda
assim tinha aqueles típicos barulhos: berros e berros. Como se
fosse um hospício onde alguns poucos monitores cuidavam
para que nenhum louco saísse para a rua e fizesse alguma
vítima com os dentes. E eles não usavam camisas de força.
Apenas o uniforme.

Os gigantes eram de certo modo uma das preocupações


frequentes de muitos alunos. Tinham idades variadas. E
davam a impressão de serem adultos quase deformados. Pois
cresciam muito rápido e também atingiam a altura de
jogadores de basquete. E isto facilmente intimidava aqueles
que eram miúdos ou simplesmente tinham aversão à violência.
Os alunos tinham conhecimento dos ataques de bullying
que corriam o mundo. Principalmente nas instituições de
ensino de Primeiro Mundo como os Estados Unidos.

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Bullying – Matando Aula

Mas isso era assunto de um dia e depois simplesmente


morria.
Não perdiam muito tempo de suas vidas discutindo um
assunto que parecia tão distante quanto encontrar um elfo
andando na rua...
Era real.
É real.

Mas o bullying não poderia mesmo ser lembrado na hora


em que a porta da sala fora escancarada por um homem
vestido de negro dos pés a cabeça. Era alto. Magro. E
levemente curvado. Suas botas de sola grossa pareciam com
aquelas usadas por militares. A calça não era larga. Mas
também não era apertada ao ponto de que sua virilha ficasse
moldada a mostra. Uma camisa com a estampa de uma caveira
sobre ossos cruzados lhes pareceu extremamente chamativo,
pois o cara poderia ser um roqueiro convidado a palestrar
sobre as dóceis letras de suas músicas. Mas ele não era um
cantor. As mangas curtas da camisa mostravam braços longos
e finos. Cobertos por cicatrizes de muitas profundidades. Em
alguns pontos, a carne mostrava-se amontoada ou esticada. As
pernas não estavam totalmente retas. Os joelhos projetavam-se
a frente, como se fossem dois rinocerontes prontos a atacar
qualquer caçador que perdesse a concentração antes do tiro
certeiro. A pele devia ser branca. Mas as manchas que a
cobriam eram feias e os alunos daquela sala do ensino médio
sentiram algo similar a dor quando olharam para todas as
marcas. Mas, o rosto? Que rosto? O pescoço também tinha
muitas feridas que deviam ter anos de bagagem. O rosto era
oculto por uma máscara de gás. Mas o cabelo e a nuca podiam
ser facilmente vistos. Era mais carne retorcida e tufo de
cabelos que caíam quase aos ombros. Era a deformidade em
pessoa. Um legítimo representante do Homem Elefante na

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L. L. Santos

Terra. Dava para sentir a respiração saindo pelo filtro. Era


arrastada e assustadora. Os olhos ficavam atrás de lentes
escuras.
O homem fechara a porta à chave e depois, só depois, os
alunos perceberam que aquilo não era nada bom. O homem
tinha um revólver em uma de suas ossudas mãos.

A professora (Dona Edite, graduada em Língua


Portuguesa, Pós-Graduada em Artes e a caminho de uma bolsa
de Mestrado), estava ocupada em sua mesa, conferindo a
redação que passaria a seus alunos. Ela gostava de incentivar
a leitura. De promover discussões acerca de textos gerais. Não
importava se saía no jornal, em alguma revista semanal, ou era
algum romance popular onde vampiros protagonizavam as
aventuras ou mesmo os Clássicos da Literatura Universal.
Ela era jovem. E também muito bonita. Há quem dizia
que ela devia ter seguido a carreira de modelo. Tinha a altura
ideal. O cabelo liso. Os olhos claros. Magrinha. Usava sob o
guarda-pó, uma blusinha branca com listras rosas. A calça era
estilo boca de sino. De cós baixo. Mas devido ao guarda-pó,
nenhum aluno poderia vislumbrar a beleza esculpida da bela
professorinha. Devia ter quase alcançado os 25 anos.
Mas disso, alguns jamais viriam a saber.
Ela estava tão concentrada em sua leitura nas miúdas
letras (usava óculos) que quando se deu conta, o homem da
máscara de gás já tinha trancado a porta.
Ela se levantou e ficou parada no lugar.
Talvez por impulso.
Ela acreditou que tinha visto os olhos por debaixo
daquelas lentes redondas e escuras. E que eles diziam somente
uma palavra: morte.

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Bullying – Matando Aula

CARLINHOS

Ele era franzino. Até demais. Os cabelos mais pareciam


como um amontoado de palha ou uma vassoura plantada de
ponta cabeça sobre seu crânio. A pele era branca. Com sardas
pendendo aqui ou ali. Não seria alto. E andava meio encurvado
(mas corrigiu isso com o tempo). Só aprendeu a amarrar os
cadarços depois de muitos anos de tentativas frustradas. Seus
olhos eram grandes e não muito redondos. Usava camisas de
listras. Dizia que gostava. Tinha um relógio que podia trocar de
pulseira. Era quase um luxo para alguns.
Seus pais não eram o melhor exemplo do mundo, mas o
amavam.
Carlinhos detestava a escola particular onde era odiado
pelos demais alunos de sua classe. E ele se perguntava o
porquê de tamanho ódio. Afinal, não era bonito. Não tinha
habilidades especiais para com as aulas de educação física (as
quais fazia o possível para não participar). Seu rendimento em
matemática era o mesmo que em português: péssimo.
Mas, era a primeira série. Ele não podia ser tão burro.
Mesmo Einstein só começara a falar muito depois de
terem achado que o mesmo fosse retardado mental.
Mas Carlinhos jamais se tornaria um gênio da física e
nem produziria alguma teoria sobre a irrelatividade. E ele nem
sonhava com tal assunto. Pois gostava de brincar. E era isso
que qualquer criança deveria fazer aos sete anos.
Mas, nem todas as crianças de sete anos assim pensam.
Algumas já detêm um cérebro mais desenvolvido. Sabem
a tabuada de cor e salteado. Começam a praticar atividades
físicas que as levarão um dia a participar das Olimpíadas. Ou

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L. L. Santos

como por milagre, trabalham e já começam a conhecer o


fabuloso mundo do dinheiro. E que ele prova o seu valor.
Mostrando que pode comprar quase tudo. Com algumas
exceções...

Carlinhos faria tudo para não ter passado pelas


diabruras do primeiro ano do primário. Mas, como era
praticamente impossível pular esta etapa da vida (a não ser
que ele fosse um cérebro extraordinário, com um desempenho
fora do comum e o lançassem direto para a Universidade mais
próxima, como acontecia com alguns gênios que nasciam as
vezes em vários cantos do mundo), ele não via alternativa.
E não eram somente alunos que o deixavam sem jeito.
Sua professora era a encarnação do Demônio. Não obstante,
ela sempre pedia para que o raquítico Carlinhos viesse até o
quadro e começasse a resolver as contas de mais e de menos.
Uma tortura, pois isso o impelia a um abismo profundo,
onde se encontravam seus piores pesadelos. Mas Carlinhos
conseguiria resistir.
Só não sabia até quando...

A privada do banheiro era um ponto importante em sua


vida. Por diversas vezes, foi colocado de ponta cabeça, para
sentir o quanto a água podia lhe clarear as ideias (como diziam
seus bons companheiros). Pois assim era uma forma de se
sociabilizar com outros de sua espécie. Apesar do termo
espécie não se aplicar a algumas condutas educativas, deduzia
ele depois que não mais ouvia risadas e saía do vaso sanitário
como um pinto molhado procurando pela granja mais próxima
antes que seu coraçãozinho parasse de bombear o tão sagrado
sangue da vida...

***

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Bullying – Matando Aula

O pátio onde as crianças normalmente brincavam, para


Carlinhos mais parecia o Coliseu Romano em época de
espetáculo. Onde tinha de fugir selvagemente dos alunos
grandalhões ou de meros burgueses que se sentiam os donos
do pedaço. Mas nem sempre Carlinhos conseguia sair ileso. E
quando entrava na sala, não acompanhado apenas pelo suor
da correria, mas por hematomas do tamanho de ameixas super
desenvolvidas. Engraçado que os professores sempre achavam
que ele tropeçava demais nos próprios cadarços...

Como não gostava das aulas de educação física,


procurava manter-se afastado. Sentava em um canto, e ficava
observando os outros garotos jogarem bola. As meninas
comumente optavam por vôlei. E Carlinhos, que não era dos
mais inteligentes (ao menos nessa época), era duramente
censurado pelo professor que mais parecia um exemplo de
quem ia explodir a qualquer momento. E Carlinhos sempre se
perguntou como um professor de educação física poderia ser
tão gordo (ou somente gordo. Ou apenas gordo. Ou meramente
gordo...). Que moral tinha um profissional desse? Carlinhos
achava que talvez ele fosse algo como um voluntário. E por
isso, uma vez, perguntou diretamente ao professor, como ele
conseguia dar aulas com todos aqueles pneus acoplados. Claro
que na realidade, não chegavam a ser aulas. Porque um
professor que apenas fica com o apito entre os tolos lábios e
observa sem muito interesse os alunos correrem atrás de uma
bola, não pode ser chamado de professor. É como uma
professora de Matemática que desconhece a tabuada...
A resposta do professor foi à melhor possível.
_ Isso não é da sua conta...
E botou Carlinhos para correr atrás da bola, entre os
gigantes que lhe espancavam entre um horário e outro...

21
L. L. Santos

***

Quando o sinal anunciava que era hora de se despedir da


escola e voltar para casa, isso só podia significar dois fatos
terrivelmente claustrofóbicos para Carlinhos: fugir de seus
perseguidores pelas ruas da cidade e fazer as chatas tarefas
das matérias (todas) que ele não compreendia... naturalmente
se dava (muito) mal nas duas posições...

Carlinhos tinha alguns bons amigos. Mas estes


geralmente faziam o possível para ignorá-lo pela sua conduta
estranha de não falar (muito) e não parecer (muito) socializável.
Bons amigos sim. Pois estes ao menos não o agrediam e o
faziam voltar para casa com manchas roxas e filetes de sangue
escorrendo das narinas. Era bom ter bons amigos. Mas
Carlinhos sabia que isso não iria durar muito caso ele viesse a
falecer devido a algum punho de outro aluno mais velho, maior
e propositalmente mais burro. Pois os burros comumente
acham que detém alguma inteligência para que seus
movimentos de golpes cheguem com força e direção para a
cabeça da vítima. Nesse quesito Carlinhos sabia que tinha algo
em comum com seus agressores: ele era burro e fraco. Os
violentos atacantes eram burros e fortes. E quando pensavam,
geralmente era com o auxílio de um cérebro extra. Algo
convincente nas escolas públicas e privadas. E que persistiria
até o Fim dos Tempos...

Entre algumas das boas situações que Carlinhos


passava, era ser xingado. E ele preferia publicamente ser
chamado de epilético (sem ter a vaga noção do que isso
representava na comunidade científica da medicina) do que ter
o pescoço torcido. Ao menos em sua mente esse tipo de dor
passava mais rápido. Ou assim ele achava. Dizia a si mesmo

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Bullying – Matando Aula

que não ia guardar rancores. Ele era filho de um casal católico


que exercia o ofício de ir à igreja nos santos domingos de
manhã. E por isso, aprendera desde cedo (inclusive teve aulas
práticas durante a Primeira Comunhão, ao conhecer o Corpo
de Cristo) que todos devemos perdoar a quem nos causa a
maldade física, verbal e moral. Porém, não era tão simples.
Para Carlinhos, Jesus deveria passar uns dias em uma escola
do mundo contemporâneo, para sentir na pele que carregar
este tipo de cruz deveria ser tão sofrido quanto andar pelas
ruas de Jerusalém em direção ao Morro do Calvário. Pois de lá,
ao menos Cristo ia ressuscitar. Mas ali, ali Carlinhos achava
que a história seria outra... Dar a face seria o mesmo que ter
de abaixar as calças no banheiro e sentir a fúria cilíndrica de
algum garoto do ensino médio em ação...
Mas ele tinha certeza de que por isso não passara...

Talvez o que ele mais odiasse, era receber apelidos novos


toda semana. Não sabia de onde os outros arrancavam tanto
conhecimento popular para lhe corroer até a alma. Achava que
se fosse possível reencarnar, nomes não lhe faltaria por mais
de mil anos.
Não é preciso transcrever os sebosos apelidos. Carlinhos
os ouvia e deixava que fossem para o ralo. Mas às vezes, o ralo
entupia. E em nada adiantava lembrar as palavras da Bíblia.
O que piorava a situação, era saber que ele se tornava o
centro do universo. Um ponto de referência global. Se alguém
quisesse inicializar-se no aprendizado de sacanear alguém,
esse alguém era Carlinhos.
Ele servia de exemplo porque era especial.
Tinha cara de doente. Jeito de doente. Postura de doente.
Mas para surpresa de muita gente, sua saúde era impecável. A
não ser pelas manchas escuras que cobriam sua pele pálida.

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L. L. Santos

Alguns alunos (e principalmente alunas) achavam que ele


era alguma espécie de homem leopardo pelas manchas. Até
insinuavam que era possível encontrar um felino
(extremamente dócil) chamado de Carlinhus na Enciclopédia
Barsa. Assim mesmo com a letra u. Pois era o nome ditamente
científico. Algo derivado do latim.
O Inferno é na Terra.

Há quem pergunte se os pais de Carlinhos não percebiam


todas aquelas incrustações no corpo do filho. Claro que
percebiam. Mas pouco ou nada adiantava fazer. Afinal, os
outros também eram menores de idade. Apesar de alguns mais
parecerem leitões. Os pais iam à escola e tentavam contato
com os pais dos agressores. Mas, em vão... e depois, com o
passar dos anos, toda aquela guerrilha foi diminuindo. Até que
acabou...

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Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

A professora sentiu a terra tremer sob seus pés.


Ainda não havia feito a chamada. E nunca perceberia
que um aluno ali não se encontrava ainda. Só lembraria dele
quando recebesse um tiro no meio da cabeça. O aluno. Não a
professora.
Sua formação não a preparara para uma situação como
esta que se desenrolava diante de seus arregalados olhos azuis
que poderiam muito bem estar se confundindo atrás das
lentes. Mas ela estava lúcida. Um pouco estressada, claro, mas
com o cérebro em ótimas condições de analisar o que era que
estava logo ali à frente.
Os alunos começaram a gritar.
Outros ficaram em silêncio.
O homem olhava para todos.
Se não fosse possível sentir a respiração sendo exalada
pela máscara, ninguém haveria de duvidar de que se tratava de
um cadáver posto em pé. Em mais uma aula de ciências ou
modelagem.
Mas quem quer que fosse, não estava a fim de falar.

Professora Edite logo pensou em terrorismo. Era o


assunto que permeava a imprensa de todo o mundo. E nada
além disso era o que mais ocupava as manchetes.
Norte-americanos gastando milhões para acabar com
uma guerra que eles mesmos haviam começado. Incentivando
o Oriente Médio ao fanatismo religioso.
E para a professora Edite, aquele homem ali, a apenas
alguns meros metros poderia ser um dos tão falados homens-

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L. L. Santos

bomba. E isso fez seu coraçãozinho acelerar. Se ela


continuasse viva, diria que nem mesmo pensara nos
estudantes. O temor que aquele homem causara, era tão
grande que não foi apenas um ou outro aluno que pensou em
correr para as janelas.
Mas elas tinham grades...
Não eram grandes. E com facilidade poderiam ser
burladas. Mas uma pessoa nervosa, encontraria sérios
problemas tentando sair para o vazio. Afinal, estavam no
terceiro andar...
E a professora também não lembrara deste detalhe.
Não importava.
Os gritos não pararam até que a professora também
abrisse a boca, pedindo por silêncio e controle. Pois aquele
estranho nada fizera além de fechar a porta. Se eram reféns,
isso podia significar algum tipo de negociação. Bastava
concordar com suas loucas e exigentes ideias e esperar em que
ia dar.
Mas a professora Edite não era instruída para lidar com
esse tipo de ser. Mesmo os alunos já eram quase insuportáveis
por suas ações. Então o que dizer de um homem daquele
tamanho? Armado. E com uma aparência que lembrava a um
sobrevivente de uma guerra nuclear em um filme de terror.

Ele continuou parado.


E aos poucos, sua cabeça foi se movendo. Parecia
estudar a sala. Como se para saber se tinha mesmo entrado no
lugar correto.
Então levantou o braço que continha o revólver entre os
dedos brancos.
Apontou para a professora e ela logo entendeu que devia
se manter no lugar. Sentou-se e ficou olhando para aquele
cano que não a abandonava.

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Bullying – Matando Aula

Os alunos tremiam.
Aconteceu tudo tão rápido.
Em um segundo, estavam conversando sobre assuntos
triviais. No segundo seguinte, o estranho que entrara e lacrara
a porta e agora apontava a arma para a professora que
começava a suar.

Os raios de sol quebravam as persianas. Do lado de fora


estava um tempo tão bonito e agradável que dava vontade de
sair correndo e se arrebentar na parede, pensaram alguns.
Mas o silêncio foi o que aconteceu mesmo depois do
homem ter baixado a arma e voltado seu olhar para aquelas
trinta e duas carteiras. Eram pelo menos vinte meninas. O
restante era dividido entre etnias e opções sexuais. Era uma
sala eclética. Onde não existiam somente héteros. Mas um gay,
algumas lésbicas e uma bissexual.
Também era um lugar onde se poderia encontrar
facilmente consumidores de drogas. Desde o simples baseado
ao crack. Ou mesmo o oxi.
Entre as meninas, era comum a prostituição.
Mas o que imperava, era o bullying.
Ele funcionava como um círculo completamente vicioso.
Quem era bulinado, costumava descontar em outro mais fraco
e assim por diante.
Tinha aqueles que adquiriam gosto pela ação e assim não
mais deixavam de praticar diariamente...

Todos (ou nem todos) ali naquela sala, tinham pecados.


E foi justamente nisso que a maioria ficou pensando
enquanto olhavam (os que tinham coragem) para o homem
armado e sua angustiante respiração.
Alguns eram católicos. Outros, evangélicos de várias
determinações: batistas, metódicos, e claro, das igrejas

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L. L. Santos

comerciais que permeavam as ruas da cidade como lojas de


conveniência e artigos (quinquilharias) vindos diretamente da
China. Renascer. Internacional da Graça de Deus. Universal.
Entre tantas outras.
A etnia também prevalecia. A maioria era de afro-
descendentes. Alguns branquelos. Um amarelo. E até dois
vermelhos.
Ninguém ali era religioso de fato. Nem mesmo os crentes.
Afinal, eram adolescentes. Estavam se encaminhando para o
mundo dos adultos. Mas o que queriam mesmo era diversão. E
para piorar a situação. Era sexta-feira.
Sabiam (tinham certeza como dois e dois são quatro) que
dali sairia alguém morto.
Mas a sala não era feita apenas de jovens bandidos.
Tinha gente boa ali no meio.

Deus.
Esta é uma das vantagens do ensino público. Qualquer
religião em qualquer sala de aula. Então, na cabeça de cada
estudante, mesmo sem ficar pensando em suas doutrinas, eles
imploravam para que o homem dissesse que aquilo não
passava de uma brincadeira. Que esse tipo de cena é comum
nos Estados Unidos. E não aqui, no Brasil.
Mas, a professora se perguntava, o que aquele indivíduo
queria?
Mais cedo ou mais tarde ele falaria.
Ou então faria algo...
Eles tinham perguntas e nenhuma resposta poderia vir à
tona.
A não ser que alguém perguntasse.
Mas isso poderia colocar tudo a perder...
Até que um idiota ergueu o braço...

28
Bullying – Matando Aula

ACONTECENDO

O policial ergueu a sobrancelha ao ouvir o que o pretinho


dizia.
Não era a hora de um garoto estar na rua. Era cedo. E
usava o uniforme da escola.
O soldado Antunes estava encostado na viatura enquanto
esperava seu companheiro (o novato Carlos) vir da farmácia.
Ele tinha constantes dores de cabeça e por isso não ficava sem
engolir pelo menos duas Sedalginas ao dia. Cefaléia era seu
sobrenome.

_ Do que você está falando, garoto?!


O menino devia ter uns treze anos, mas aparentava dez.
Era pequeno. E se expressava do melhor jeito que podia. O
soldado Antunes achava que ele devia frequentar mais a
escola.
_ Tem um hômi istranho na iscola! Eu vi ele na rua antis!
Pareci um monstro, cara! Ele entro lá e tinha uma arma na
mão! Achu qui era um 38. E...
_ Claro, claro, claro, garoto. Se acalma _ colocando as
mãos sobre os ombros caídos. _ Você não viu isso...
_ Vi sim, porra! Vai lá vê intão...

_ O pirralho te chamô de cara, Antunes... _ Carlos se


aproximava guardando os comprimidos enquanto engolia um _
Isso é desacato à autoridade, guri! É melhor tomar cuidado!
_ Vai tomá no cu!
Os policiais se olharam. Não admitiriam, mas estavam
loucos para darem umas risadas.

29
L. L. Santos

_ O garoto disse que um sujeito que mais parece um


monstro entrou na escola.
_ Deve estar drogado. Veja os olhos dele. Estão injetados
em sangue...
Estavam mesmo. O garotinho era usuário de drogas. E
era comum ter alucinações.
_ Se a força policial ir atrás de todo drogado que diz ter
visto um monstro, vamos ter um ataque de nervos _ Carlos era
mesmo novato _ Acho melhor a gente continuar a ronda. Nem
somos da Patrulha Escolar... _ e olhando para o menino que se
desvencilhara das mãos do outro policial _ Garoto... Eu vou ter
de lhe dar umas palmadas... o que você disse é muito feio.
Entendo que está fissurado. Viajando. Mas não tem desculpa.
Você deve saber que temos autorização legal para quebrar de
pau qualquer pessoa. Inclusive crianças sacanas como você.
Que na verdade não é criança, mas um bandido em
miniatura...

O soldado Carlos logo foi puxando o cassetete, mas


Antunes se achegou ao seu lado.
O menino saiu correndo e mostrou o dedo médio...
_ SEUS FUDIDOS FILHOS DA PUTA!!!

_ É por isso que somos Terceiro Mundo... _ disse Carlos.


_ Não é bem assim...
_ Monstro. Vai dizer que acreditou na história do
drogado?!
_ Não custa dar uma olhada.
_ Não ouço gritos ou sinal de fumaça... e custa sim.
Combustível e energia à toa...
_ O silêncio pode conter o que existe de pior... e quanto
ao gasto... bem, é nosso trabalho, Carlos...

30
Bullying – Matando Aula

_ Que se dane! São os impostos que pagam nosso salário


e gasolina...
Entraram na viatura e foram em direção à escola.
Quando pararam em frente, já existia uma multidão de
alunos que corria para fora...

31
L. L. Santos

ANDRÉ

Ele era como seu pai: gordo.


Mas fora isso, era bem diferente.
Não passava de um medroso assumido.
Antes de sair para a escola, tomava um poderoso café da
manhã. Cereal, pão, biscoitos, café, e o que mais pudesse
entrar por sua boca de elefante.
André era talvez o garoto mais rechonchudo do colégio.
Talvez porque tinha outros gordos em outras salas e
séries.
E era difícil saber quem era o mais pesado, pois todos os
gorduchos geralmente parecem ter a mesma massa.

Ele pensava em terminar logo a escola para poder


emagrecer. Achava que os estudos o impeliram a uma vida de
predicados gordurosos. Seus pais (principalmente sua mãe)
queriam que ele estudasse e trouxesse o primeiro diploma
universitário para a família.
Não que algum deles realmente se importasse com isso.
Era apenas para calar o bico de alguns parentes que gostavam
de palestrar a respeito dos conhecimentos de seus filhos. De
como conseguiram um certificado de nível superior e agora
eram (um pouco) mais que os outros.
Nenhum deles estava milionário, mas ainda assim, se
gabavam.
André talvez pudesse chegar lá.
Mas os pais sabiam que ele estava contando os dias para
que o segundo grau acabasse de uma vez por todas.

32
Bullying – Matando Aula

***

O cérebro do gordo geralmente funciona diferente. Deve


ser pelo acúmulo de gordura saturada que se move pelo corpo
e de alguma forma cientificamente misteriosa, acaba indo
direto para o cérebro, onde gosmentas placas se formam,
fazendo com que os neurônios morram mais cedo. E os que
conseguem sobreviver, acabam afetados.
Era isso o que André muito ouvira falar.
E se lhe pedissem o que ele achava a respeito,
confessaria que desconfiava com muita prática de todas
aquelas palavras.
Sentia-se burro. Agia como um burro. E era mesmo
burro. Herdara a parte física do pai. Mas a burrice ele mesmo
foi semeando desde que era um espermatozoide que ninguém
podia acreditar que tinha conseguido ganhar a corrida. Talvez
os outros fossem muito, muito piores, pensava ele e seus pais.

O gordo acordava graças à grande invenção do tempo


contabilizado através dos números em um aparelho
arredondado (ele achava que era provocação) onde ponteiros
tiquetaqueavam durante toda a madrugada até que as 6:00 da
manhã começasse o infernal barulho das sinetas que ficavam
sobre o despertador. Eram como as orelhas do Mickey. Mas ao
menos as do rato tinham somente a função de captar sons. E
não provocá-los.
Acordava sempre com o pijama empapado de suor.
Passava uma boa parte do tempo antes de dormir (e ele
dormia muito, muito tarde), batendo umazinha. Achava-se bom
nisso. E desconfiava que no dia em que fosse conhecer uma
garota de pernas abertas, não faria melhor...

***

33
L. L. Santos

No fundo ele achava que um dia poderia ser magro.


E mesmo sem ver seu pênis, acreditava que seria bom
dar uma olhada em seu inseparável amigo. Pois era
rechonchudo desde que estava na barriga da mãe. Na verdade,
estava acostumado. E isso era bom, diria Deus caso André
fosse uma de suas primeiras criações. Mas não era. André era
apenas o estímulo. O manifesto. Um impulso. O predicado da
má vontade. O contrário da boa obstinação.
E sinceramente: se ele não se importava (a não ser com o
sonho de ver seu instrumento), quem mais se preocuparia? Os
pais? De jeito nenhum. Eles apenas ambicionavam um diploma
superior para verem o filho balofo sorrindo em uma foto digital
que jamais amarelaria...

O gorducho fazia o único exercício físico aceitável: andar.


Não pegava o ônibus porque sua banha o impedia de
entrar. E não existia a possibilidade da empresa de transporte
público adaptar um veículo apenas para o Super-Homem da
gordura da cidade. Mesmo com outros obesos, André ganhava
disparado. Mesmo em alguns poucos quilos. Mas isso fazia
toda a diferença.
Então, andava.
E com o suor já escorrendo pela cabeça vermelha como
um pimentão, conseguia chegar a escola em apenas meia hora.
Vale lembrar que ele não era do tipo branquelo. Mas algo
semelhante ao papel pardo. Porém, de alguma forma
misteriosa, sua pele avermelhava-se com facilidade. Podia ser
de medo, cansaço ou excitação quando via alguma garotinha
na escola.
E imaginava-se a violentando enquanto ela berrava
pedindo por mais e mais. O gordo era terrível por dentro. E um
pouco por fora. Mas no geral, ele era perigoso somente a si
mesmo.

34
Bullying – Matando Aula

E durante o caminho escolar, ia devorando um pacote de


biscoitos. Mas não era todo dia que esse milagre ocorria, pois
sua mãe tinha o costume de esconder as delícias que o filho
adorava roer como um rato gigante do sistema de esgotos de
São Paulo.
E (quase) sempre, ela acabava o chamando de volta
assim que cruzava a porta da cozinha. Sentia dó da imensa
criaturinha. E dava-lhe o pacote. E assim, André e sua forma
redonda iam sumindo rua abaixo...

Ele era do tipo de poucos amigos.


Tanto dentro quanto fora do colégio.
Sentava-se em um canto, perto da janela para poder ficar
olhando os carros que passavam lá fora ou os estudantes que
circulavam pelo pátio. Também dava para ver a universidade
em frente. Onde as acadêmicas vestidas de branco o deixavam
com uma ereção diária sem falta.

Na hora do recreio, comprava um dos sanduíches


naturais e misturava a merenda que trazia de casa. Dizia que
fazia isso para equilibrar. E desta forma não perderia e nem
ganharia peso. Era como ingerir uma grande quantidade sal na
corrente sanguínea e depois adoçar com uma boa colherada de
refinado. Assim, não ficava nem bom, nem mal. Equilibrava. O
negócio era coordenar. Ele sempre se lembrava dessa frase
depois que vira um filme de Eddie Murphy. O negócio é
coordenar. Realmente...

Apesar de todo o seu peso e sua pouca inteligência (a não


ser aquela para o equilíbrio), ele tinha uma habilidade especial:
jogava xadrez como nenhum outro na escola. Não era o melhor
da cidade. Nunca entrara em competições. Mas gostava de ver
as peças se moverem com movimentos acrobáticos. Mas jogar

35
L. L. Santos

xadrez não dava lucro algum, diziam os pais. Não importava se


era o jogo dos Reis. No mundo real não existiam mais Reis. A
não ser uma Rainha na Grã-Bretanha que apenas ostentava
um título, pois existia um Parlamento repleto de engravatados
que decidiam o destino da Nação. Mas nem isso os pais de
André sabiam. E muito menos ele.
Era difícil de acreditar que no tabuleiro ele tinha um
cérebro rápido. E nem ali, durante aquelas partidas, tinha
amigos. Tinha somente jogadores do outro lado, controlando
peças pretas ou brancas. A bem da verdade, era como se
jogasse sozinho.
Talvez a habilidade de jogador fosse somente algum
desvio em determinado ponto do cérebro. E ninguém jamais
teve interesse em saber. O gorducho nem mesmo lembrava
como começara a jogar e gostar. E nem se tocava quando
alguém sentava-se a sua frente para uma partida. Mas ele
sabia que era bom e ganhava de qualquer um (em sua escola).

Mas ele nunca pensou que um dia acordaria para ter


conhecimento de que seria o último dia de sua vida. Morreria
virgem. Não pegaria o maldito diploma de curso superior que
seus pais insistiam em querer colocar em uma moldura e
dependurar na parede da sala (ou ao menos uma cópia, caso o
filhote realmente fosse utilizar-se da profissão. Fosse qual
fosse). Mas quanto ao certificado, André em nada se
importaria. Já via há tanto tempo aquela faculdade na frente
da escola que achava que nada teria a fazer lá se um dia fosse
entrar por aquelas portas de vidro escuro...
Mas ele poderia mudar de ideia se pudesse escolher entre
a vida e a morte. Tinha seus bons dezessete anos. E se pudesse
viver mais um pouquinho, seria honrável.
Só que ele não passaria daquela manhã.

36
Bullying – Matando Aula

A não ser que tivesse resolvido gazear aula. Como já


fizera vezes sem conta.
Mas hoje ele foi mais burro que o habitual.
E foi com o mais amarelo dos sorrisos direto para a sala
de aula. Pois a bela e simpática professora, Dona Edite, ia
aplicar uma prova em dupla. E isso lhe salvaria de uma
possível nota vermelha. A não ser que fosse colocado junto com
outra ameba de mesmo nível ou algo ainda pior...
E foi muito pior...

37
L. L. Santos

O PAVIO

Uma semana antes, o jornal de maior circulação da


cidade recebera um e-mail com estranho conteúdo. Tinha
informações de ataques terroristas e casos de escolas norte-
americanas onde alunos tinham feito verdadeiros massacres.
Mas, mensagens deste tipo circulam aos milhões na rede. E
nem tudo o que se encontra na caixa postal deve ser levado a
sério. Mas desta vez foi bem diferente. Pois a mensagem vinha
acompanhada de um questionário...

E o jornalista (e editor chefe) encarou aquilo como uma


brincadeira. Sequer concluiu a leitura. Pois o texto de pouco
mais de três mil palavras era demasiado grande. E no alto,
estava escrito que era uma exigência que a mensagem fosse
publicada.
O jornalista tentou responder o e-mail. Mas o endereço
servia somente para mandar mensagens e nunca receber.
Então, desta forma, a mensagem de resposta sempre voltaria.
E isso foi como provocar alguém que segura um estilete
no pescoço de um bebê. Restava agora apenas ver o sangue
sendo bombeado para fora e a carne abrindo-se como um bife
sendo rasgado após ser retirado da bandeja de isopor...

A mensagem era sobre bullying. Mas este era um assunto


que já estava ficando saturado. O Governo não encontrava
soluções. Os pais não achavam caminhos para sepultar o que
se tornara comum do dia a dia. E as escolas continuavam com
o inchaço do terrorismo juvenil.

38
Bullying – Matando Aula

***

O jornalista leu apenas o início. Viu que era uma crônica.


E mesmo tendo uma narrativa agradável e fluente, continha
um enredo (se é que podia mesmo assim ser nomeado)
macabro. Onde alguém que fora aluno de um tradicional
colégio particular, sofrera do lendário bullying antes de ser
conhecido dessa forma...
E logo no começo da mensagem, estava uma frase de
afirmação:

“Se este texto não for publicado, farei com que o mesmo
seja apresentado em alguma escola pública ou privada”

Ivo, o jornalista, achou graça e deixou que a mensagem


fosse direto para a lata de lixo do Windows. Quem quer que
tivesse perdido tempo escrevendo tal estupidez, não poderia ter
feito ameaça mais furada.

Depois, o jornalista se ajeitou em sua cadeira e começou


a escrever sua coluna semanal na página social. Também
estava cometendo o maior erro de sua vida...

39
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Quem erguera o braço, era uma menina. Ela era


conhecida como Tigela pelos colegas. Não gostava do apelido.
Mas também não tentava dele se livrar. Era uma prostituta que
desde o ensino fundamental vinha exercendo essa profissão
secundária. Pois achava que apenas estudar não seria o
suficiente. Não sairia daquela sala para entrar direto em
alguma faculdade (ainda mais a privada do outro lado da rua) e
depois de mais alguns anos estudando, sair com um emprego
que lhe custeasse as regalias que sonhava possuir sem (muito)
esforço.
Tigela era dona de uma inteligência invejável.
Era boa em todas as matérias.
E em muito mais.
Esteticamente falando, devia ser a terceira menina mais
bonita da escola (por coincidência, a mais bela – Gerusa –
pertencia a sua sala). Mas a mais difícil de alguém ter algum
relacionamento. Não pelo fato de que ela era popularmente
usável. Mas pelos seus preços. Tinha até uma tabela de valores
que circulava pelo submundo da escola.
Ela tinha algumas concorrentes. Mas nem se
comparavam. Tanto em visual quanto a prestatividade dos
serviços.

A prostituição era algo comum nos dias atuais.


Para uma simples comparação, países de Primeiro
Mundo (aqueles bem desenvolvidos) adotavam a prostituição
como algo de sua cultura. Claro que Governo algum admitiria
isso publicamente. Mas era a verdade. No Japão, meninas

40
Bullying – Matando Aula

desde o ensino comparado com o fundamental brasileiro, se


prostituem para poderem comprar roupas e acessórios. Saem
com homens que comumente poderiam ser seus bisavôs. Usam
uniformes ginasiais ou colegiais semelhantes a roupinhas de
marinheira. Com saias curtíssimas, e pregas que balançam
para lá e para cá.
Já nos Estados Unidos, as meninas preferem entrar na
universidade para só depois começarem a se especializar na
prostituição. Mas também há aquelas que logo no primeiro ano
de escola, já nos famosos ônibus escolares amarelos, aprendem
a arte do sexo oral. Chamam de arco-íris pelo fato de que
levam inúmeras cores de batom para decidirem só depois quais
vão usar no momento do ato.
É impressionante o quanto o Brasil é atrasado em tantos
pontos. Inclusive no da prostituição.
E Tigela não queria ficar para trás. Se tornaria um
exemplo. Revolucionaria o mercado do sexo.
Isto é, se continuasse viva...

Seu braço estava estendido como o pescoço de uma


girafa. O cabelo liso. Escorrido como a chuva que desce por
uma encosta era algo que os meninos gostavam de ver. E
mesmo de uniforme, ela era bastante admirável.

Não teve um único par de olhos que não a observaram.


Inclusive a professora que teve a sensação do coração saindo
pela boca.

O estranho também a olhou. E andou um passo a frente.


Isso gerou alguns gemidos.
A professora fez a cadeira se mover e um ruído alto ecoou
pelo ambiente.

41
L. L. Santos

Medo. Essa era a regra. Tenha medo e você pode viver


muito tempo ainda. E quem sabe, até contar para seus netos
algumas boas e assustadoras histórias reais. Mas que eles vão
achar que é lorota inventada por uma velha cabecinha branca
(se não careca) e gagá...

A professora esperava que ninguém fosse cometer algum


tipo de loucura. Ainda mais uma menina que já conhecia a
maior parte dos membros sexuais da escola. Talvez ela se
achasse esperta o suficiente para sair dali pedindo licença para
ir ao banheiro. E o homem que empunhava a arma não parecia
ter se incomodado com a atitude da garota. Mas a professora
estava com o coração na mão.

O estranho olhava para a sala como se estivesse vendo


um jogo de vídeogame. Mais precisamente um daqueles tantos
jogos de tiro de visão em primeira pessoa. Não haviam
marcadores mostrando quantas vidas tinha, a pontuação, um
mapa, a munição e as armas disponíveis. E nem mesmo as
mensagens em tempo real caso estivesse jogando via rede. Mas
era semelhante para seus olhos que tinham paredes escuras à
volta. A máscara lhe dava essa sensação. Ergueu a arma em
direção a Tigela e viu que realmente lhe parecia estar dentro de
um jogo. Justo ele que nunca fora (muito) chegado em games.
Apesar dos mesmos terem lhe feito companhia quando não
tinha condições de sair para brincar com os chamados amigos.
Mas isso foi há vários anos. E ele era uma criança.
Apenas uma criança.
E hoje...
Hoje ele era aquilo que estava deixando a sala
apavorada...

***

42
Bullying – Matando Aula

Tigela percebeu que tinha conseguido chamar atenção.


Gerusa poderia ter tido inteligência suficiente para
perguntar. Mas ela não se comparava a Tigela no quesito
loucura. E a jovem prostituta fazia questão de mostrar isso
para a turma toda...
Só precisava lançar sua estúpida pergunta e ver o que
aconteceria em seguida...

43
L. L. Santos

A SITUAÇÃO

Quando o soldado Antunes estacionou a viatura. Mal teve


tempo de conseguir pensar no porque de tantos (ou todos)
alunos estavam saindo pelo portão que desembocava na rua
como um escoadouro. E não ficou a pensar nas palavras do
pretinho que antes lhe preenchera de palavrões.
Carlos o olhou e deu um sorriso sem graça.
_ O que será que está acontecendo?!
_ Vamos!

As crianças e adolescentes saíam aos gritos. Professoras


e zeladoras quase eram atropeladas pelo mar de carne que
deslizava por entre aquele estreito portão de ferro. O
bibliotecário e as funcionárias da secretaria também já se
encontravam do lado de fora.
Ninguém tinha noção do que estava acontecendo.
Mas as conversas que flutuavam, apontavam para a sala
que ficava no terceiro andar, vista de frente da escola, no canto
do prédio, onde as persianas estavam fechadas.
E em meio aos berros, testemunhos de alunos e alunas
que viram algo parecido com um monstro entrando na escola e
seguindo em direção ao corredor que levava as escadas para o
terceiro andar.

_ Monstro _ Carlos era fumante. Queria largar o vício.


Mas não se ajudava. E ainda o fazia em serviço. Não devia fazer
isso ali. Em frente aos cidadãos. Mas fez _ Quer saber,
Antunes?! Pelo visto estão colocando drogas até na merenda...

44
Bullying – Matando Aula

_ Apaga isso, Carlos. Eu não tenho ideia do que está


acontecendo. Mas é algo sério.
_ Bastante...
Jogou no chão e pisoteou... deveria ter jogado na lixeira...

A escola ficou parcialmente deserta. A exceção da última


sala do terceiro andar. E demorou um pouco até que as
professoras percebessem isso.

Os policiais começaram com as perguntas e quando


ouviram que algumas professoras disseram ter visto um
homem vestido de preto usando uma máscara (e que de fato se
parecia com um monstro), acharam que as palavras do
pretinho eram reais.
E o monstro também portava uma arma.
Só não entendiam o porquê de ter escolhido aquela sala.
Talvez pela localização.
Era a mais fácil de ser vista.
E quem quer que lá estivesse, também teria um
maravilhoso ponto de observação.

Antunes voltou para o carro e pediu reforços...


E Carlos mal podia esperar para poder usar seu
revólver...

45
L. L. Santos

MARCELO

Ele não era tão troncudo quanto seu pai fora na


juventude. Mas tinha dotes especiais. Era baixinho. Mas com
músculos bem definidos. Era inteligente. Mas não para com os
estudos. Mas sim para com a vida. Tinha o costume de ficar a
maior parte do tempo na oficina do pai. Desde pequeno teve
contato com motores. E era isso que muito gostava.
Aprendera os números e as cinco contas essenciais.
Então isso lhe servia como um trampolim. O pai admirava a
inteligência de Marcelo. Ele era arruaceiro quando mais novo.
Mas hoje, quase saindo do ensino médio, era praticamente um
adulto com maus costumes.
E achava que enquanto ainda permanecesse dentro do
colégio, teria de impor as suas normas. Desacatando
professores, agredindo moral, verbal e fisicamente alunos mais
novos e querendo comer qualquer menina que lhe apetecesse.
Era um dos clientes de Tigela. Mas ele ambicionava a
doce Gerusa.
Sabia que ela era virgem. E valia muito mais investir seu
dinheiro em uma buceta desconhecida do que na popular
Tigela que já lhe satisfizera todas as fantasias.
Ele não tinha certeza sobre Gerusa. Pois era cada vez
mais raro encontrar uma garota do colegial com a pureza
intacta. Mas Gerusa tinha jeito, olhar e andar de virgem. E
segurava os cadernos junto dos pequenos seios com uma
ardência compulsiva. Alguns garotos tinham até medo dos
olhos dela.
Pois dava a nítida impressão de que Gerusa poderia
lançar um feitiço e dar cabo de todos que a desejavam.

46
Bullying – Matando Aula

Ela não tinha muitas amigas. Tinha uma. A moreninha


Ellen. E assim mesmo pouco falava com ela.

Mas Marcelo não pensava apenas em conseguir pegar


Gerusa.
Queria ser o melhor mecânico da cidade. Seu pai tinha a
tradição. Era respeitado e conhecido. Fazia um trabalho de
qualidade. Mas também gostava de tirar vantagens dos
clientes, não importando se os mesmos fossem recentes ou
mesmo os antigos. Sempre dava um jeito de trocar peças ou
fazer com que os serviços saíssem muito mais caros. Até
simulava algumas cortesias. O filho aprendia com o pai a arte
do banditismo comercial. E pelo visto, Marcelo ia longe. Com
um professor do calibre de seu pai, só não subiria na vida a
base da malandragem se não quisesse. Mas para isso, ele teria
de ser um bom profissional. Não bastava apenas saber da
teoria. O domínio da prática era essencial.
E isso ele já mostrava fazer muito bem.
O pai lhe pagava um bom salário (e boa parte dele
desaparecia no meio das pernas de Tigela). Não como alguns
dos funcionários mais antigos. Mas era algo que ele tinha
orgulho em saber que aparecia graças ao seu esforço em torno
da graxa e serviço pesado.

O pai confiava tanto nele que muitas vezes deixava


grandes serviços por conta. Sabia como fazer um motor novo
sem auxílio algum. E este era talvez o que mais lhe chamava a
atenção. Saber exatamente como funcionava cada peça. Não
importava quanto tempo levasse (e ele era rápido), para fazer
com que um motor que tinha passado dos 300 mil quilômetros
voltasse a fazer o mesmo percurso mais uma ou duas vezes
nesta vida. Ou como ele gostava de afirmar: Enquanto o cliente
vivesse.

47
L. L. Santos

Mas sempre de algum jeito dava para surrupiar maior


lucro. Inclusive do pai.
Era o sangue. Não havia dúvida. E Marcelo com toda a
certeza faria o mesmo com seu filho.
Se ele pudesse conseguir conceber.
Pois a vida dele terminou no momento em que o estranho
entrou na sala de aula...

Ele não saía apenas com Tigela. Mas com outras garotas
mais novinhas do ensino fundamental. Gostava de vê-las o
tratar como se fosse um cara (muito) mais velho. E já se
imaginava de cabelos brancos, tendo no colo alguma
adolescente louca para poder mostrar a ele o que ela sabia
fazer com a boca...
Seu pai também era assim.
A mãe sabia, mas nada fazia.
Se resolvesse se rebelar contra o marido, a vida viraria
um Inferno. De certo modo, já era. Mas assim era mais fácil.
Pois o que aconteceria a ela que não era nada além de uma
cansada dona de casa? Sem remuneração. Sem estudo. Sem
nada além de ter mais dois filhos pequenos. Gêmeos.
Então, dava um jeito de suportar.
Mas quando não aguentava. Explodia em brigas
violentas.
E isso só piorava a situação.
O marido lhe batia e saía de casa para a zona.
Marcelo saía também.
Dizia que não suportava ver os pais brigarem.
Ou o correto seria: não ver a mãe ganhando alguns
hematomas.
Era uma família em cacos.
Mas não era a única...

48
Bullying – Matando Aula

Marcelo tinha a mania de jogar futebol a noite.


O ginásio coberto era uma das conquistas do bairro. Ali
eram disputados jogos da série prata do futsal. O time da
cidade costuma treinar semanalmente. E Marcelo não apenas
ia assistir aos treinos como aproveitar e tentar mostrar seu
talento.
Tinha pernas fortes que faziam os veteranos e artilheiros
do time passarem vergonha.
Várias vezes jogou com eles. E sempre fazia bonito.
Só não participava do time por que não havia vaga
alguma. Talvez no próximo ano, lhe dissera o treinador certa
noite.

Então, com os amigos, disputava partidas noturnas.


E a arquibancada, repleta de garotas era algo que o
incentivava.

Ainda faltavam alguns meses para que os 18 anos


chegassem. E assim, poderia fazer a carteira de habilitação. No
entanto, desde os 11 anos já dirigia. Seu pai o instruíra para
que fosse esperto o suficiente na direção. Afinal, costumava
guiar boa parte dos carros que cuidava na oficina.
E mesmo sendo menor de idade, o pai lhe liberava o
carro de passeio para que Marcelo fosse tranquilamente a
escola.
E isso era outro chamariz para o puteiro que ficava de
olho quando ele chegava com seu som automotivo explodindo
os tímpanos. Na saída não era diferente. A polícia jamais
conseguira por as mãos nele. Mas algumas vezes houve
perseguições...
E ele sempre conseguira cair fora...

***

49
L. L. Santos

No entanto na manhã em que o estranho adentrara a


sala de aula, ele não conseguiria em hipótese alguma sair
ileso... e nem conseguiria fazer um filho para seguir a sua
doutrina herdada do pai...

E quando viu a arma na mão do homem mascarado,


apenas pensou em se levantar de mansinho e saltar sobre ele.
E também achava que ontem, deveria ter ido mais longe.
Se tivesse sido expulso, não estaria ali hoje, sentindo o sangue
congelar...
O estranho era alto. Mas de aparência frágil.
A não ser pela arma que continuava apontada para
Tigela...
Que ironia, ela havia lhe dado uma chupada ontem
mesmo...

50
Bullying – Matando Aula

A VELOCIDADE DA INFORMAÇÃO

Se as pessoas de década de 1950 soubessem da


quantidade de formas que poderiam utilizar-se de comunicação
pouco depois do início do Segundo Milênio, achariam que seria
impossível de praticar tais possibilidades.
Internet.
Celular.
Mensagens de texto.

Foi o que pensou seo Mariposo. O avô que tem mania de


querer saber como funciona isso ou aquilo. Querer se manter
conectado as novas tecnologias.
Não recebia com frequência mensagens de texto no
celular. Mas quando acontecia, tinha vontade de dar pulos de
alegria. Afinal, foi à grana que ele desenvolveu ao longo dos
anos que deu a chance de seus netos terem acesso a tantas
quinquilharias modernas que muitos outros vovôs preferiam
manter distância. Mas não seo Mariposo. Ele adorava navegar
pela Internet. Cuidar diariamente de seu perfil no Orkut e
procurar por imagens pornográficas (principalmente lésbicas)
no Google...
Era um cara antenado...

Era descendente de italianos. Na verdade, seus pais eram


da terra de Pisa. E para cá vieram quando a oportunidade de
entrar no navio se fez. Queriam saber como seria a vida no
Novo Mundo. Pois o Velho andava um tanto saturado das
mesmices e do outro lado do oceano seria uma experiência que
poderia mudar tudo.

51
L. L. Santos

O casal ainda não tinha filho algum.


Mas depois de fixarem residência, todo ano aparecia um
novo descendente. Foram no total 14 filhos. Dez eram
mulheres. Todos se deram muito bem na vida.
Mas seo Mariposo foi muito além.
Tinha a vontade de mostrar aos pais que dava valor as
suas raízes. E acabou por fazer uma vinícola.
Um dos maiores produtores de vinho do país. E no
Estado, era mesmo o número um.

Ele nunca rejeitou nada que pudesse ser aplicado as


suas uvas. Adotava toda a tecnologia que melhorava o
desempenho da produção, a conversão da fruta em bebida e
estocagem. As embalagens exclusivas. Com garrafas que
faziam a cabeça de milhões de bebedores mundo afora.

Quando adquiriu a primeira máquina de escrever, o


primeiro telefone, rádio, televisão, vitrola, fax, computador,
celular, notebook, todos os outros de sua família, acreditavam
que ele estivesse estocando equipamentos que não tinham
qualquer utilidade real.
Mas ele olhava para o futuro.

E hoje, depois de décadas de trabalho duro, ainda


cuidava de toda a contabilidade da empresa. Tinha seus filhos
que se davam muito bem. Mas ele era o fundador e continuava
com o cérebro em funcionamento impecável.
Mesmo sendo um tanto depravado.
E assim os negócios continuavam a todo vapor. Cada vez
mais próspero.
E às vezes imaginava se a empresa continuaria existindo
depois que ele morresse...

52
Bullying – Matando Aula

Os filhos eram responsáveis. Mas os netos...


Deixavam a desejar. A não ser por Margarida.
Uma jovem dedicada aos estudos. E que insistira em
querer estudar em escola pública. Sua inteligência era próxima
a do avô. E isso o motivava a fazer com que ela usasse essa
inteligência o máximo do possível.
A menina trabalhava na empresa desde pequerrucha.
E isso era talvez a melhor de todas as notícias para o
velhote.
No próximo ano prestaria vestibular, e ambos estavam
confiantes que ela ia conseguir passar facilmente. Era uma
universidade pública federal com concorrência de milhares por
uma vaga.
Margarida tinha vontade.
Chegaria lá.
Era isso que seo Mariposo pensava (mesmo quando
entrava em algum site proibido).

Mas nesta manhã, ele estava a conferir os parreirais de


suas grandes uvas rubis. E seu aparelho vibrou alertando que
uma mensagem havia chegado.
Tirou do bolso de sua amarronzada calça de tergal e
ajeitou os óculos ao ver que vinha de sua neta. Ele sorriu com
seus dentes ainda naturais e abriu a mensagem na tela de
cristal líquido com apenas um mover de dedos. Gostava de
trocar com frequência o aparelho. Mas o número era sempre o
mesmo.

A mensagem lhe tirou o sorriso.


Era curta.
E o suficiente para que deixasse tudo de lado e corresse
para dentro do prédio onde seu escritório ficava há tantos
anos...

53
L. L. Santos

“1 TRORIST NA SCOL”

54
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

_ Vai nos matar!?!


Era preciso muita coragem para fazer esse tipo de
pergunta a um estranho muito estranho que ainda apontava o
revólver para o centro dos olhos de quem se julgava esperta o
suficiente para soltar as palavras em voz alta...
Tigela tinha voz firme. E nenhuma outra pessoa ali
presente acreditava que ela tinha conseguido falar daquele
modo. Sem gaguejar. Com voz baixa e arrastada ou
demonstrando medo.
Ela falou como sempre falava.
Com sua voz sexy e de garota que se achava melhor que
as outras.

O gordo a olhou de esguelha, como se também quisesse


seguir o exemplo e perguntar o mesmo.
Marcelo estava quieto, pensando ainda em como
desarmar o estranho.
Margarida recém havia enviado a mensagem ao avô.
A bela Gerusa sentia as pernas de sua melhor amiga
(Ellen) tremendo, enquanto ambas ainda tentavam tirar da
cabeça a cena que ocorrera no dia anterior no pátio. Marcelo
poderia morrer nas mãos do estranho, pensavam as duas de
uma forma coletiva que lembrava o quanto o ser humano pode
talvez ser telepata.

O restante da classe ficou em silêncio absoluto.

***

55
L. L. Santos

Lá fora, gritos irrompiam o ar.


Os alunos olharam em direção as janelas.
O estranho fez um movimento com a mão esquerda,
significando que as demais persianas que não estavam
devidamente baixadas, deveriam seguir o caminho das irmãs...
Obviamente não entenderam na hora, mas a professora
Edite, sim.
E ela mesma se levantou e foi até as persianas, fazendo-
as desenrolarem-se como a casca de uma imensa laranja em
direção ao chão lustroso de tacos de madeira.

Depois ela voltou a sua mesa. O homem estava com a


arma abaixada.
Andou de costas até o quadro-negro e recostou-se, como
se quisesse descansar.
Depois começou a desafivelar a máscara...

56
Bullying – Matando Aula

NATHANIELI

Ela não era das mais bonitas. Mas isso não significava
que fosse feia.
E também já estava meio consumida pelo alcoolismo.
A mãe era solteira. Nunca soube quem fora seu
progenitor. Mas Nathanieli achava que um dia ele apareceria.
Talvez assim que ela completasse 18 anos para vê-la entrar na
faculdade.
Mas, pensando bem, ele não aparecera na festa de 15
anos. Não debutou com a filha. Não teve o pai como o par ideal
daquela noite que jamais acontecera. Afinal, a mãe solteira já
sofrera o suficiente para cuidar da educação da filha. Não
tinha condições de lhe arrumar um vestido branco, uma tiara e
sapatinhos de cristal.
Então restava o sonhar. Ao menos isso era de graça. Ou
passava essa impressão de ilusão.

Ela era alta. Magrinha. E usava óculos. Se não fosse


pelos programas de saúde da prefeitura, estaria a muitos anos
sem saber o que se passava pelo mundo. Era míope. E o que às
vezes parecia ser o contrário. Se ela pudesse, usaria lentes de
contato. Pois as lentes dos óculos e a armação eram um tanto
grandes e desajeitadas demais. Nathanieli tinha um rosto
bonito e aparentava uma idade menor que a real. E ela era um
alvo constante de colegas que a consideravam como um imenso
observatório usado pela NASA.
Ou também era vítima das constantes piadas pelo fato de
ser alta. Mas os óculos a deixava em uma situação ainda mais
embaraçosa. Se ao menos a armação fosse mais flexível. E as

57
L. L. Santos

lentes menores e menos grossas. Se sentiria melhor. Mas ao


menos podia ler e enxergar longe. E isso a fazia se sentir
menos estressada com as provocações.

Ela procurava emprego a pelo menos dois anos.


Sabia que não era tão simples quanto se dizia.
E não queria seguir o caminho vertiginoso de Tigela. Ela
lhe dava nojo.
Teve um namorado certa vez. E ele era de baixa estatura
se comparado a ela. Durou seis meses. Mas pareceu bons 10
anos. Era um relacionamento amoroso verdadeiro. Ou assim
ela acreditava. Mas ele de repente sentiu que devia dar um
tempo.
Quando Nathanieli ouviu as palavras, sentiu-se
repudiada.
Todos aqueles meses jogados fora? Sim.

Uma semana depois ela viu que ele estava indo ao


cinema com outra garota. E desta vez ele era mais alto. Até que
fazia sentido, pensou ela tristemente.
Mas a bebida não entrou em sua vida por causa deste
episódio.
A mãe bebia. E a incentivava. A garotinha acabou
gostando e não mais largou. Desconfiava que o álcool ingerido
na infância lhe prejudicara a visão. Ela não bebia até cair. Mas
às vezes ia além e sentia que suas pernas tinham dezenas de
metros de altura. E milagrosamente parava.

Ela era mais fina que a Olivia Palito. Não tinha bunda
nem peito. Os cabelos lisos eram tão finos quanto seu
esqueleto. E costumava ficar meio corcunda quando andava ou
ficava parada.

58
Bullying – Matando Aula

Às vezes tinha vontade de fumar maconha. Mas achava


que isso só complicaria sua vida.

E nesta manhã, quando sentiu que algo especial ia


acontecer (talvez conhecer o amor de sua vida – mas não na
escola. Lá só tinha escrotos como seu ex-namorado que nem
mais estava estudando, pois havia desistido e fora trabalhar
em uma metalúrgica. Mas quanto a esse destino ela em nada
sabia. E nem tinha interesse em saber), ela pensou...
As mulheres têm o sexto sentido. E pelo que parece, não
são todas. Apenas algumas muito especiais. E Nathanieli era
uma dessas.
Acordara em sua cama (que não comportava suas
compridas pernas. E por isso ela dormia de forma muito
desconfortável. Ou com os membros para fora, pendendo como
galhos moles de alguma árvore frutífera completamente
carregados ou então encolhida em posição fetal) e assim que se
levantara e tirara a blusinha (dormia só de blusinha e
calcinha. Uma combinação letal), de repente, foi como se
tivesse uma visão. Apalpou a cabeceira e encontrou os óculos.
Sentiu o coração acelerar e achou que poderia ser o resultado
de mais um copo que ela andara ingerindo ilicitamente da
geladeira.
A mãe gostava de manter seu estoque em dia.

Independente do que pudesse acontecer a filha.


E ela ficaria sabendo. E nem se importaria. Pois com
certeza a bebida a faria desviar-se a realidade.
Ela dizia que podia beber até cair porque pagava suas
garrafas.
Era empregada doméstica. Mas não durava muito nas
residências.

59
L. L. Santos

E como a lei está do lado dos trabalhadores (mesmo os


bebuns). Ela sempre saía com seu dinheirinho direto para a
bodega...
E falava com convicção para a filha que o dia em que ela
começasse a pagar a própria cachaça, então também poderia
cair em desgraça como a mãe...

Nathanieli nunca fora bêbada a escola. Mas todo mundo


sabia de seu vício.
A juventude estava perdida. Nada mais havia a fazer.
A escola que deveria comportar cérebros e corpos sãos,
detinha na verdade, mentes em declínio em corpos dominados
pela loucura social...

No meio do caminho, Nathanieli quase desistiu de ir à


aula nesta manhã. Lembrou-se do acordar. Algo a advertindo.
Admitia que estava um pouco tonta ainda. Tinha exagerado
mais uma vez. Queria parar. Mas não ia conseguir esta vitória.
A vida lhe estava a preparar uma festa inesquecível.
E ela de fato parou em uma esquina e ficou a observar o
trânsito. E se perguntando para onde iam todos aqueles
carros. De quanta gente que comprava seus 1.0 em suaves (e a
se perder) prestações que consumiam anos de trabalho por
causa de quatro rodas, uma pintura metálica e alguns
apetrechos de plástico.
Ela também queria comprar um.
E achava que se conseguisse um bom trabalho, teria
condições.
Afinal, ainda não estava decidida a sair de casa. Então
com seu salário, poderia pagar as prestações. Teria de assumir
uma dívida em 100% mais os juros. E como não pagavam
aluguel, então isso significava que poderia mesmo se lançar a

60
Bullying – Matando Aula

uma aventura no comércio. A casa onde morava com a mãe


pertencia aos falecidos avós.

E foi ali, sobre o meio-fio, enquanto olhava para todos os


carros, que ela viu um homem estranho andando do outro lado
da rua. Era alto e vestido de preto. Se não fosse por sua
aparência horrível, ela diria que ele seria um par perfeito. A
começar pela altura. Mas o rosto. Não era nada agradável de se
olhar. Mas o homem andava normalmente, como se não fosse à
maior das aberrações da natureza a solta pela superfície
terrena.
Até que ela desviou o olhar e então não mais o vira.
A não ser no momento em que ele adentrara a sala com
sua arma em mãos...
E Nathanieli percebeu que tinha previsto algo ruim.
Muito ruim. E que a situação iria piorar devido à pergunta de
Tigela. E ainda mais pelo que veio em seguida...

61
L. L. Santos

INFORMAÇÃO

Seo Mariposo não permaneceu muito tempo no escritório.


Depois de fazer uma ligação para a escola e não ter nenhuma
resposta. Tratou de ligar para a delegacia. E soube que todas
as viaturas já haviam sido mandadas para frente da
instituição. Nada mal, pensou ele, mas tinha de ir até lá
também. Mesmo sabendo que seria somente mais um a fazer
parte da multidão que se acumulava para saber o que de fato
estava acontecendo.
Pulou para dentro de sua pick-up F-1000 prata cabine
dupla (restaurada e customizada a pedido de um neto louco
por carros antigos. Apesar da caminhonete não ser tão antiga
assim), de algum ano perdido da década de 1980. E saiu em
disparada, do interior para a cidade.

Ele sempre teve alguns medos da juventude: drogas,


gravidez, rebeldia entre outras mais. No entanto, não
acreditava que a escola pudesse se tornar um terreno de
perigo. Mas se tornou. E isso já vinha acontecendo muito antes
de um possível terrorista entrar pronto para explodir tudo.

62
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Ser apanhado de surpresa não é a melhor experiência de


nossas vidas.
Nathanieli assim pensou quando o homem que ela vira
anteriormente entrou em sua sala.
A princípio, achou que estivesse tendo alguma
alucinação.
Mas ela olhou a sua volta (apesar de sentar lá no fundão)
e sentiu pelos olhos esbugalhados de seus colegas que ela não
era a única a ver o estranho de corpo deformado que se
posicionava a frente com um bom revólver engatilhado.
Era a mais alta da turma, e por um momento, para ela,
era como se fosse à única representante da classe. Sozinha
com um homem estranho. Talvez um maníaco sexual que
esperava se dar bem na sala de maior conteúdo étnico, físico e
religioso da escola...

Um dos alunos era filho de um pastor da Assembleia.


Ontem mesmo ele fora humilhado por Tigela e Marcelo.
Margarida, a patricinha com inteligência suficiente para
estudar em qualquer universidade do mais alto nível, lhe dera
uma mãozinha. Mas ele não gostara nem um pouco. Sentiu-se
derrotado.
Hoje ele até chegou a desconfiar que o estranho pudesse
ser um anjo redentor... mas isso não durou mais que um
segundo em sua religiosa mente. Pois a realidade era bem
diferente. Deus não enviaria um de seus arautos para a escola,
a fim de resgatar a honra de um dos fiéis seguidores da
doutrina.

63
L. L. Santos

Aquele ali só poderia ser um terrorista.


E mesmo sabendo que o que estava acontecendo poderia
ser resolvido com o auxílio da polícia, pensou com seus botões
se não era melhor convocar o poder do Senhor Deus. Se
ajoelharia e oraria. E em seguida receberia um tiro no meio de
sua oca cabeça de cabelos espessos.
Hoje não usava uniforme.
Mas em casa, adotava a roupa tradicional de sua ordem.
Dizia que Deus lhe contara em sonho que devia se vestir
como alguém que traria as palavras do Céu. Em seu caso, ele
usava calça social, camisa social, sapato social, e até uma
gravata. Era uma cópia carbono de seu adorado pai que a essa
altura, já estava começando o culto matinal para levar mais
algumas boas almas para o lado luminoso da vida.
E como só tinha um exemplar da roupa escolar (que
ficara suja e um pouco rasgada por causa do incidente de
ontem), teve de vir à escola hoje com seu traje favorito.
Esse foi o único ponto positivo do dia.
Poderia morrer sorrindo.
Seu nome era Samuel.
E como era de sua denominação, andava com sua mini
Bíblia debaixo do braço, tentando evangelizar os demais
estudantes no momento do início ao fim do horário destinado
ao consumo da merenda.
Não era de se espantar que ele jamais conseguira uma
conversão.
A escola era um lugar destinado à libertinagem. E não a
conversas com o Criador. Por isso o Estado é laico. E ele dizia
para seu estimado pai, que quando crescesse (mas ele nunca ia
crescer, mesmo tendo chegado aos 17 anos), faria o possível
para fazer o Governo enxergar com os olhos do coração...
Bem, ele dizia isso desde a primeira série...

64
Bullying – Matando Aula

E agora que estava se despedindo do ambiente escolar


(não faria faculdade enquanto Jesus não lhe fizesse uma visita
em seus sonhos para lhe auxiliar em um bom caminho
profissional. Apesar de querer continuar com o trabalho
evangélico), achava que tinha falhado em alguns aspectos.
Entre eles era justamente ter ido parar em uma escola
pública onde tudo acontece.
No início ele achava que seria um teste. Mas depois viu
que o sistema não se adequava as normas bíblicas. E foi
tentando até que desistiu.
Agora, com as mãos sobre sua Bíblia, e orando em sua
mente, achava que esta era a grande oportunidade da vida.
Um pecador de grande envergadura pairava a sua frente.
Teria de fazer contato. Usar as palavras corretas.
Mas só depois de saber se o que Tigela perguntara, teria
efeito...

Gerusa não tremia como sua melhor amiga (Ellen, que a


essa altura, talvez já tivesse deixado a urina descer até os
joelhos).
Torcia para que Marcelo levasse um estouro no meio das
ideias. Pois ela estava ainda com vergonha da cena que
acontecera a menos de 24 horas atrás.
Coitadinha, se ela soubesse que mil Marcelos não se
comparavam ao homem que estava usando a mascara de gás,
ela começaria a tremer muito mais. O choque do dia anterior
fora positivo sobre a cena de há pouco. Mas não funcionaria
plenamente. Apenas enquanto ela ainda visse Marcelo
esmagando seu pulso...
E entre este pensamento, outros se formavam a grande
velocidade...
Começava a sentir receio do que ia acontecer.
Ela era adotada.

65
L. L. Santos

Nunca soube quem eram seus pais.


Mas desconfiava que fora abandonada.
Os motivos eram irrelevantes.
Não sonhava em sair pelo mundo à procura de seus
progenitores. Era feliz com os pais adotivos. Apesar do homem
a que ela fora educada para chamar de pai ser um tanto afetivo
demais com ela. Principalmente quando estavam sozinhos. E
isso desde que Gerusa era apenas uma menininha.
Ela não era alta como Nathanieli ou baixinha como
Tigela. Mas tinha seus atributos que a tornavam única. Era a
garota número um em beleza. Usava pouca maquiagem. E isso
significava inveja para as demais estudantes. Inclusive a
terceira mais bela, Tigela, que era usuária de um bom baú de
cosméticos para ampliar suas qualidades: corporal e facial.
Visualmente falando, era como uma guerra sem fim. Com
ataques invisíveis.

A sala era a única da escola onde existiam poucas


amizades. A maioria desconhecia seu colega. Ou por motivos
banais ou por meros assuntos os quais não gostavam de frisar.
E Gerusa, era mais ou menos assim.
Uma moça boazinha. E sabia que detinha o título de
mais bela.
Nunca participara de nenhum concurso de beleza, mas
desconfiava que se participasse, poderia se dar bem.
Ellen, sua melhor (e na verdade única ali no colégio)
amiga não podia ser comparada a ela. No ranking de beleza
visual, a melhor amiga talvez ficasse entre as 50 mais.
E isso era positivo. Pois a escola tinha no total, quase mil
alunos. E destes, mais da metade, pertenciam ao reino
feminino.
Gerusa sonhava em casar. Não pensava em ter filhos.
Achava que isso traria malefícios ao corpo bem desenhado. E

66
Bullying – Matando Aula

até lera certa vez (praticamente sem querer, pois não gostava
de ler absolutamente nada além das revistas de fofocas das
celebridades) um conto (por causa de um trabalho de
Português) onde belas senhoritas do século XVII usavam
espartilhos apertadíssimos para que seus vistosos corpos não
inchassem devido à gravidez (a maioria indesejada). No
entanto, Gerusa se encheu de horror ao descobrir que aquilo
deformava os bebês, fazendo com que nascessem com formas
deploráveis. Monstros que as mães vendiam a circos a peso de
ouro.
Não é a toa que ela permanecia virgem aos 17 anos.
E sua mente também...

Quando o estranho entrou, Gerusa podia jurar que


aquilo também era uma das monstruosidades, resultante de
uma gravidez que sentira o aperto de vários cintos até o dia em
que veio a luz...

Samuel ainda tentava se conter. Queria se levantar e


falar algumas passagens. Mas por um momento, talvez a linha
de pensamento de Gerusa tivesse feito contato (indireto), e o
jovem evangélico passou a pensar que o que se encontrava a
alguns metros a frente, era na verdade o próprio Diabo...

Tigela baixara a mão devagar. Ela olhava para o homem


que se recostava a parede. A mão esquerda sobre a máscara
que lentamente tivera suas fivelas soltas.
As lâmpadas estavam apagadas. Ainda era cedo. Mas as
janelas tiveram suas persianas abaixadas. E o Sol adentrava
com raios finos e esparsos.
Lá da rua, vinha o som de sirenes.

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L. L. Santos

Dava para sentir que o colégio fora esvaziado. E a única


sala que ainda retinha seus alunos, também estava ocupada
por uma entidade maligna.
A professora, Dona Edite, estava bem ao lado da primeira
janela.
E o estranho, no canto da sala, quase ao lado da porta. O
quadro-negro sentindo sua presença.
E sua máscara aos poucos sendo removida...

Tinha um aluno que começava a se desesperar. Mas não


como os outros, pois ele, independente do que viesse a ocorrer,
poderia morrer de um jeito ou de outro.
Seu nome era Dioni.
Ele tinha uma estranha doença sanguínea.
E por isso, precisava desesperadamente tomar a injeção.
Quem a aplicava, era a tia da enfermaria.
Quatro vezes ao dia ele tinha de sentir a picada. Isso era
essencial para sua sobrevivência. Mas o que ele sentia? O que
era injetado em seu braço?
Para Dioni, essas perguntas eram completamente inúteis
nesse momento...
E o mais dramático: a professora Edite talvez tivesse se
esquecido disso. Nem todos os alunos tinham conhecimento da
doença de Dioni, mas o corpo docente inteiro sabia. Para
facilitar suas indas e vindas. Mas, parece que desta vez, seria
apenas uma viagem sem volta...

E em um canto, sem parecer preocupado, um rapaz


alegre chamado Enrique, ficava pensando no porque de ter
vindo justo hoje na aula. Afinal, ele tinha mais faltas que
presenças. E teria sido mais inteligente se tivesse topado sair
com um garoto que conhecera em um colégio particular na
semana passada... um garoto muito bonito, aliás. Será que

68
Bullying – Matando Aula

morreria sem poder vê-lo mais uma vez? Isso estava


esmagando seu coração...

69
L. L. Santos

O LONGO CAMINHO

Ele acordara disposto a fazer uma grande virada em sua


vida. Dormira bem. Pois há dias não dormia. E quando
precisava, recorria a comprimidos. Mas desta vez fora
diferente. Ele conseguira dormir. E até sonhar.
Sonhou que era criança outra vez. E tudo tinha tomado
um destino melhor. Para ele e seus semelhantes. Não
precisaria recorrer à violência. Caçar quem lhe fizera mal na
infância.
Apenas levar a vida como qualquer pessoa comum.
Mas ele não era comum. E também não era mais uma
pessoa.
Nem por fora, nem por dentro.
O mudaram.
E ele teve de se adequar as mudanças físicas e psíquicas.
Não tinha volta.
Depois de ter sido empurrado abismo abaixo, era só
esperar e ver o quanto sentiria de dor ao se chocar contra as
rochas. Mas ele não ia se arrebentar sozinho. Tinha uma
corda. Uma corda longa. Muito longa e forte o suficiente.
Amarraria tantos quanto pudesse e traria a todos para aquela
boca cheia de espinhos que fica na entrada do mundo dos
mortos. E todos juntos de mãos dadas, seguiriam para o
Inferno...

Como uma boa noite de sono transforma o pensar.


Faz com que se olhe tudo de maneira pura, sem
ressentimentos ou ambição. Mas não no caso dele. Ele que
tivera uma noite agradável e sonhara com o impossível. Já que

70
Bullying – Matando Aula

não tinha meios de viajar no tempo e dar cabo de seus


problemas através das fundas raízes que proliferaram por
outras mãos e cabeças.

Ele vivia em um porão.


Seus pais morreram há poucos anos.
Não importa o que os levara.
Importa que eles fizeram o possível para que o filho fosse
feliz.
Ou ele acreditava que eles tivessem tentado.
Nunca soube ao certo.
Vivia de uma pensão de morte do pai.
Se não fosse por esse benefício, já teria desaparecido do
mundo há muitos anos. E na verdade, isso era o que ele mais
desejava. Era só lembrar os tempos de escola que sua mente se
transformava em um animal selvagem, pronto a degolar
qualquer pessoa que aparecesse a sua frente. Mas isso nunca
acontecia. Por que ele vivia sempre ali, dentro do escuro porão.
O dinheiro da pensão, quem lhe trazia, era uma senhora
que também ia ao banco todo quinto dia útil do mês para
receber seu amargo dinheirinho que o governo respeitosamente
depositava na mesma data a mais de dez anos.
Ela fazia as compras para ele, e assim, deixava a porta,
quando a noite, braços brancos como os de um cadáver
espreitavam para fora, abrindo pouco antes que alguém
pudesse ver o que ali vivia...

Ele estava ligado ao mundo. Tinha televisão (um velho


Toshiba preto e branco), rádio a pilha, um telefone e um
computador, mais amarelo que os dentes de alguém que
jamais vira escova e creme dental. Às vezes recebia o jornal. E
uma vez até ligou para uma das garotas de programa que eram
comumente chamadas de acompanhantes nas páginas dos

71
L. L. Santos

classificados. Quando a moça chegou, teve o maior susto de


sua vida...
E claro, ele teve de enxotá-la antes que um mar de gente
começasse a inundar a rua.
Uma cena deplorável. E ele ainda a tinha advertido de
que ele não possuía o rosto mais simpático da cidade. Ela deve
ter achado que fosse brincadeira. Ou que ele estivesse bêbado.
Tentou outras vezes... com mulheres que cobravam
menos... aquelas que não tinham o status de prostitutas de
luxo... mas...
Chegou à conclusão de que nem as prostitutas mais
baixas tinham coragem de dormir com ele, pois sua cabeça
deformada fazia qualquer pessoa perder a sanidade...
Mas aquela primeira (assim como todas as outras), nem
que fosse em coma alcoólico o encararia...
Até que foi melhor assim.
Ele imaginou se a moça por acaso engravidasse.
O que era bem difícil, pois o ramo de atividade dela
excluía esse tipo de serviço...
Mas podia acontecer, pensava ele depois ao pé do fogão,
com o forno em uso para se aquecer...

Mas esta é a manhã de sua vida. A última. Não


importava o que viesse a acontecer. Suas esperanças já haviam
descido pelo ralo. Então não iria ficar sozinho. Tomou seu café
enquanto o revólver ficava ao lado do pote de biscoitos Maria.
Gostava de café com leite. Não muito doce. E também era
indispensável às fatias de salame.

Gostava de ouvir as notícias pelo rádio. Sempre gostara


de estar ao lado daquele aparelho onde o som mostrava o
mundo como nenhum outro meio de comunicação. Você tinha
de imaginar as cenas. As pessoas. Os assuntos eram mais

72
Bullying – Matando Aula

misteriosos. As cores estavam dentro de sua cabeça. Era uma


época de transformações políticas, sociais, econômicas,
culturais. Tudo estava começando a correr muito mais rápido.
Tudo acontecia num piscar de olhos. E isso lhe dava enjoo.

Nem sabia quantos anos haviam se passado desde que


nunca mais colocara os pés para fora de casa. Não tinha essa
intenção. Pois ele se dava bem consigo mesmo. Quando
criança, muito brincava com seus carrinhos e bonecos
articulados. Sozinho. Sempre sozinho.

Mas ele já tivera alguns amigos. Há muito tempo. E


estes, o abandonaram...

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L. L. Santos

VENDO

As pessoas se amontoavam para poder ver a escola. Claro


que dava para perceber a presença da mesma a quadras de
distância. Francisco Alves do Sudoeste podia ser pequena se
comparada ao Rio de Janeiro. Mas para uma cidade do
interior, mais de setenta mil habitantes era um número
estrondoso. E vendo a escola de longe, apenas olhando sem
interesse, dava a impressão de que tudo estava normal. Apenas
se aproximando, dava para sentir (e ver) o contingente de
policiais (e também soldados do exército que foram chamados
para reforço – devido à possível presença de um monstro...) e
viaturas.
Os comentários mais comuns, eram com relação ao carro
do IML que estava se aproximando com as sirenes desligadas.
Dava a sensação de arrepio.
Um jornalista recém-formado perguntava a um jovem da
escola, como ele achava que aquilo (que nem sabiam ao certo o
que era) iria terminar.
_ Com os cara do IML tirando os corpo! Depois a gente
vai vê as foto na TV! Sangue pra todo lado, tá ligado?!

Sim, qualquer um ficaria ligadão em saber que os filhos


estavam em uma tremenda enrascada. Justamente na escola,
um lugar que deveria comportar tudo de bom. E segurança.
Mas os alunos a muito já não necessitavam de tamanha
necessidade, pois eles eram geradores de violência.

Mesmo quem nada tinha a ver com a cena, parava ali em


meio a multidão e começava a trocar informações. Que em

74
Bullying – Matando Aula

seguida se transformavam em agressões verbais e por fim,


socos e pontapés. No caso das mulheres, o bom e velho puxão
de cabelo era extremamente útil.
A polícia que já se estressava em descobrir quem (ou o
que) mantinha uma sala inteira como refém, ainda tinha de
separar os brigões que se perdiam entre todo aquele alvoroço.

Não fora feito nenhum contato. E havia dúvidas sobre a


autenticidade do caso. Mesmo com as falas sem fôlego de
algumas professoras que juraram ter visto um homem
estranho andando lentamente no corredor. E deram graças a
Deus (mesmo as que eram ateias) por aquilo não ter parado e
olhado para o lado, e perceber que a porta estava aberta...
Não existia nenhuma câmera de vigilância nas salas.
Apenas na entrada e em alguns corredores. Na sala da direção,
dos professores e biblioteca. E claro, o pátio.
Então, era só conferir as imagens, pensaram os policiais.
Estavam perdendo tempo.
Deveriam contatar a central de monitoramento.
Mas as imagens não iam a uma sala assim, de uma
empresa. E sim, ficavam dentro da escola, na sala da
diretora...
Bastava ir até lá.
Mas as ordens de algum superior (que ainda não havia
chegado) eram de que ninguém tentasse contato. Se realmente
tivesse um sujeito armado lá dentro, na sala do canto no
terceiro andar, ele se manifestaria. Afinal, estávamos na era da
comunicação instantânea. Era questão de esperar.
Mas para agonia de pais, professores, funcionários e
alunos, fora toda aquela gente reunida, esperar quanto?

75
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

A turma ainda não tinha lanchado, mas todos (sem


exceção) acreditavam que poderiam vomitar o café da manhã
(aqueles que detinham essa mania – ou luxo como afirmavam
alguns), o jantar ou mesmo algum bolinho que tivessem
apanhado horas antes...
Eles eram jovens. Já fora provado cientificamente que a
maioria dos jovens em todo o mundo (principalmente os norte-
americanos) simplesmente amam filmes e livros de terror.
Porém... na vida real, sentir o macabro lhe rasgando as
entranhas, não é a melhor das experiências.
O horror.
Eles já estavam apavorados (mesmo Tigela que ousou
levantar o braço e abrir a boca. Bem, talvez fosse o costume...).
Mas quando o estranho se permitiu a começar a tirar a
máscara e agora a deixava revelar lentamente toda a sua
doentia deformidade, os alunos e alunas do ensino médio (nem
um pouco interessados – em sua maioria – em fazer o
vestibular) agora dariam a alma para poderem fazer a mais
terrível das provas de matemática (ao menos aqueles que
detestavam a matéria dos números. Outros preferiam
português ou mesmo educação física) sem ao menos se darem
ao trabalho de verificarem que tipo de frações seriam
apresentadas...

A sala apesar das persianas baixas, não estava na


penumbra. O Sol esforçava-se para poder entrar e trazer todo o
seu brilho e calor. Mas não era necessário que tivessem a mais
potente das lâmpadas ali naquela manhã.

76
Bullying – Matando Aula

As cadeiras friccionadas contra o piso de tacos de


madeira (era a única escola pública conhecida com este tipo de
assoalho) rangiam como cães de caça que fuçavam a presa a
quilômetros de distância floresta adentro.
Tudo ali parecia encolher-se. A sala ficava menor como
um cubo onde o maior de todos os mágicos faria sua escapada
miraculosa. Uma ilusão para vermos até onde a mesquinhez
humana é capaz de chegar com muito treino.
No entanto, não havia qualquer ilusionista na sala. Era
apenas um homem aparentemente doente. Tragicamente
desligado da realidade. Ou então ele era o único que estava de
acordo com o mundo real. Isso dependia do ponto de vista.

Alguns alunos já haviam assistido A Hora do Pesadelo ou


mesmo Sexta-Feira 13. Lembravam com nojo e pavor da cara e
pele de Freddy. Ou mesmo do jeito que Jason usava a máscara
e de seu horrendo rosto coberto por vermes.
O sujeito que deu a alegria aquela sala nesta manhã, não
era muito parecido com os personagens cinemáticos. Mas
detinha algum carisma pelo fato de que ainda não falara uma
única sílaba. Seu primeiro ato de fato não fora entrar, fechar a
porta ou apontar a arma. Ele sequer havia começado.
Ou começava agora, quando todos viram que a máscara
já se encontrava em suas nodosas mãos que pulsavam com
veias azuis...

E todo mundo gritou...


Inclusive Dioni. Mas não de medo, mas de dor...

77
L. L. Santos

PALAVRAS NO AR

Os berros foram altos. Era como se um louco tivesse pego


a melhor motosserra da Bosch e tivesse feito um teste de
qualidade no vendedor que insistia em dar aquele sorriso
amarelo sem nenhuma convicção.

A multidão em frente à escola berrou junto. Não se ouviu


nada além dos berros que pareciam estourar as paredes.
Os policiais e soldados se perguntavam se houve algum
tiro.
Mas eles tinham certeza de que não era nada disso.
A não ser que quem estivesse no comando da sala,
estivesse utilizando uma arma com silenciador.
Foi o primeiro momento que pensaram em invadir. Mas
isso estava fora de cogitação.
O delegado, Mendonça, fora a última autoridade
portadora de uma arma a chegar no local.
Depois apareceu o prefeito e alguns vereadores. Fora todo
o mundaréu de gente que se espremia na esperança de ver
algum corpo sendo retirado da instituição...

O delegado não tinha experiência com esse tipo de


operação. Mas decidido estava a mostrar competência. Mandou
que vários homens começassem uma varredura. Não
acreditava que se existisse um louco lá em cima, ele estivesse
na altura da janela observando a movimentação.
O único ponto onde os policiais não adentrariam, seria o
terceiro andar.

78
Bullying – Matando Aula

Teriam de esperar o suficiente para saberem o que


podiam (ou não) fazer...

Até que Mendonça pegou o mega-fone...


_ AQUI É O DELEGADO MENDONÇA! _ ele adorava falar
o próprio nome. Achava que isso valorizava a situação em prol
daqueles que lutam pela justiça _ SE EXISTIR ALGUM
FERIDO, VOCÊ VAI SE VER COMIGO! _ ele esperava que isso
jamais viesse a acontecer _ SOLTE AS CRIANÇAS E SAIA COM
AS MÃOS PARA O ALTO! _ o delegado sabia que na verdade,
não se tratavam de crianças. Eram marmanjos e peitudas.
Alguns com quase dois metros de altura. E até ficha criminal.
No entanto, achava que não devia fazer da forma incorreta.
Pois existia a possibilidade de algum representante dos
Direitos Humanos aparecer como uma pomba da paz. Mas
vinda de helicóptero. E pensando nisso, mudou um pouco o
tom _ VAMOS NEGOCIAR! ENTRE EM CONTATO CONOSCO!
TENHO CERTEZA QUE APARELHOS CELULARES AÍ DENTRO
NÃO FALTAM! MEU NÚMERO PRIVADO É... _ e ele disse meio
a contragosto. Assim que aquela situação acabasse
(independente do resultado), mudaria o chip o mais rápido
possível...

Tinha muita gente se ajoelhando nas calçadas ou mesmo


na rua. Oravam e pediam a Deus que o maníaco (era assim que
o estranho já estava sendo chamado, apesar de muita gente
duvidar de sua existência) não fizesse maldade as crianças.
Bem, era mania chamar qualquer um que ainda fosse para a
escola (ainda mais de manhã, e com uniforme) de criança. Mas
eram adultos. Todos com 17 anos. Não eram mais nem
adolescentes. E tinham de encarar a realidade da melhor forma
possível.

79
L. L. Santos

***

Uma Kombi do Conselho Tutelar estacionou muito atrás


da multidão. E os conselheiros (uma mulher gorda, um homem
esquelético, e um jovem cravejado de espinhas) saltaram como
se fossem soldados em missão de paz em algum país em
conflito no Oriente Médio.
Atravessaram o mar de pessoas mostrando seus crachás.
Achavam que com seus abastados conhecimentos,
poderiam realizar um milagre. Mas, se não faziam isso nem
atrás de suas engorduradas mesas, por que acreditavam que
fariam ali? Em meio ao caos?
Mendonça não gostava daquele trio. Eles tinham a mania
de dizer que os menores eram totalmente inocentes em
qualquer ocasião. E nesta não seria diferente.
Mas para o delegado, as cenas que se desenrolariam com
o tempo, eram (quase) justificadas...

_ DELEGADO! QUE HISTÓRIA É ESSA DE NEGOCIAR


COM UM ASSASSINO!?! HÁ CRIANÇAS LÁ DENTRO!
A gorda tinha fôlego, mas o delegado sabia que isso não
era devido às atuais circunstâncias. E sim, o dom natural da
mulher.
Ele queria era meter um murro bem no meio dos dentes
que facilmente se notavam o quanto eram postiços entre toda
aquela carne avermelhada e suarenta. Mas achou que isso
seria apenas perder um tempo precioso...
Ele olhou para o crachá que estava virado para os seios
volumosos como duas velhas melancias que haviam descido
um barranco depois de caírem do caminhão da feira.
_ Senhora...?...
_ Senhorita! _ e ela virou o crachá. Era difícil dizer quem
assustava mais. A Antonieta real ou a impressa.

80
Bullying – Matando Aula

_ Ah... senhorita Antonieta. Isso não se resolve com


palavras apenas. E quanto mais tempo aqui ficarmos, isso vai
significar muito sangue derramado...
_ As pessoas estão dizendo que houveram gritos!
_ É...
_ Então o maníaco atirou em uma das crianças...
_ Não houve nenhum tiro. E não há crianças lá dentro,
mas adolescentes que já são adultos...
_ Estão na escola! Portanto são crianças! Se fossem
adultos, não estariam lá agora...
_ Tem adulto que volta a estudar...
_ Supletivo ou algum curso técnico...
_ Olha... não é hora para discussões banais... _
Mendonça olhou para os outros dois conselheiros e suspirou _
Levem essa intrometida daqui antes que eu a coloque no
camburão!
_ O SENHOR NÃO TEM O DIREITO DE FALAR ASSIM
COMIGO! SÓ PORQUE TEM UMA ARMA, ACHA QUE SABE
COMO RESOLVER A SITUAÇÃO! E... HÊI!?! O QUE PENSAM
QUE ESTÃO FAZENDO!?! ME SOLTEM! SEUS PILANTRAS...
Alguns policiais a recolheram para longe...

Segundos depois, o celular de Mendonça vibrou...


Acompanhado por uma melodia gauchesca...

81
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

_ Ah...
Era a voz dele.
Parecia extasiado.
Como se tivesse tomado um gole d’água após uma
extenuante caminhada pelo deserto... o deserto de sua vida
pessoal. Era isso que se assemelhava ao vazio moral e social.

Cada estudante olhava de um jeito diferente. E pensava


algo muito diferente. A professora não quis encarar e jogou o
rosto entre as duas mãos.
A cabeça deformada não lembrava um ser humano. Na
verdade, Freddy e Jason eram mais modestos. O estranho
ainda tinha os olhos, mas estes estavam parcialmente
encobertos pela carne que se movera como os continentes em
um mapa em 3D. O nariz não existia. Era apenas uma cratera
formada por algo que muito se assemelhava ao câncer. E dava
a entender que logo comeria o restante daquilo que não devia
ser chamado de face. Um dos olhos aparecia um pouco melhor.
Mas dava a impressão que a testa havia caído por sobre a cara
do indivíduo. A boca era grande o suficiente para que uma
colher tamanho família entrasse de lado. Haviam poucos
dentes em uma gengiva de cor escura. A língua estava caída
por sobre um dos poucos e desagradáveis dentes que ainda
resistiam em permanecer em sua terra de origem. Onde uma
vez existira (se é que realmente tenham existido) as maçãs do
rosto, agora permeavam pontos profundos. Como se fosse um
cânion sendo observado do alto. Toda a geografia facial estava
destruída. E em alguns lugares, o crânio branco, reluzia

82
Bullying – Matando Aula

fazendo força para abrir passagem entre a pele que era


chamuscada, rasgada, esticada e perfurada.
Não existia qualquer fato que denunciasse que ali já
havia sido tentada alguma cirurgia. Era como jogar alguém no
forno, depois tirar, colocar dentro de uma máquina de lavar
roupas, depois tirar mais uma vez, e finalmente lançar para
debaixo das rodas mais possantes que pudessem estar
transitando. O que restasse da cara, poderia ser comparado a
massa que se distribuía no estranho.
Mas ele respirava.
Também via e ouvia.
E se tinha a arma em punho, era porque a mente ainda
trabalhava de uma maneira que ele entendia perfeitamente
bem o que estava fazendo.
E sua voz, saiu...

_ Não vou matar vocês...


Ninguém sabia o que podiam pensar primeiro: sobre a
voz que era realmente normal (e bonita). E fluía como a de
qualquer aluno. Ou assim deveriam imaginar.
Ou no que ele acabara de dizer: eles não morreriam...

Alguns até sorriram. A professora já começava a sentir as


lágrimas sendo expelidas. Ela não acreditava naquelas
palavras.
E foi aí que a voz de Mendonça irrompeu o ar...

83
L. L. Santos

O PENÚLTIMO DIA DE AULA

A manhã dificilmente trazia alguma novidade em relação


à escola. Era só chegar, entrar e estudar. Ou ao menos isso é o
que costumavam fazer os estudantes que iam para a
instituição com interesse real em aprender.
Os outros, pouco ligavam.
Usavam o colégio para transação de drogas, prostituição,
contrabando, receptação de todo tipo de objeto roubado, e
claro, a violência em os mais diversificados significados da
palavra.
Fora da escola, alguns indivíduos eram ninguém.
Dentro da mesma, se tornavam algo comparável aos
chefes do tráfico.
Mas isso não acontecia de forma explícita.
Se assim fosse, a escola não mais estaria em pé.
E possivelmente, o Governo tomaria providências para
dar um fim no caos.
Mas tudo acontecia de uma maneira que os muros
continuassem calados.
Afinal, era uma boa escola, com professores de qualidade
e geralmente, tirava notas razoáveis nas inspeções do MEC.
Tanto no sistema de direção, quanto ao conhecimento da
maioria dos alunos.
Do Provão ao Enem.
A escola que o estranho decidira invadir, era pública,
mas de qualidade comprovada. Qualquer outro
estabelecimento de ensino privado também detinha problemas,
mas não pareceu ser adequado o suficiente para que pudesse
ser invadido.

84
Bullying – Matando Aula

***

Um dia antes, tudo estava na mais completa e dominante


mesmice.
Os alunos bocejavam em suas salas. Iam a biblioteca
procurar por algum livro relacionado a algum evento Histórico
da cidade devido a algum cinquentenário qualquer.
Praticavam esportes (que geralmente não passava de
futebol a vôlei ou mesmo o esporte da mente, o xadrez).
Se reuniam em grupos para leitura.
Trocavam informações acerca de equações complicadas.
E se fosse só isso, já bastava.

Mas tinha os outros que fumavam baseado (os meninos)


ou ficavam falando de experiências sexuais (as meninas).

A escola tinha dois lados: o claro e o escuro.


Alguns não tinham opção de escolha. Ou iam por conta,
ou eram arrastados com violência para as sombras.

Todo mundo trocava conversas na sala de aula. Mas era


na hora do recreio que se tinha liberdade total para falar...

Gerusa tinha o costume de ficar olhando para o celular


enquanto ouvia as falas de Ellen. Na verdade sequer prestava
atenção a amiga. Achava que no fundo, estava fazendo um
favor a si mesma. Ela se adorava. Com sua beleza de princesa
de concurso de festa da uva, podia conseguir o homem (e não
garoto) que quisesse. Mas ela apenas se achava. Não era
estúpida ao ponto de querer transar e acabar de barriga. Ainda
mais em uma escola onde a maioria era pé de chinelo. Claro
que ela não tinha necessidade de ter um namorado ali dentro.

85
L. L. Santos

Mas às vezes sentia vontade de ter com quem conversar de


forma mais íntima que com a boa e querida Ellen.
Um cara de fora do colégio seria a solução.
Mas ela não saía para fora do portão de casa nem para
levar o lixo. Então isso acabava complicando, e o único lugar
onde via seres do sexo oposto, era na escola. E às vezes, olhava
para um ou outro homem na rua, quando ia e vinha da aula.
Mas eram olhadas rápidas e sem qualquer denúncia. Não era
idiota ao ponto de fazer pensarem que estava se oferecendo.
Ellen dizia que Gerusa era sua melhor amiga porque a
ouvia com interesse. Elas eram mesmo amigas íntimas e
sempre que Gerusa fazia alguma pergunta (por mais estranha
que pudesse parecer), Ellen detinha a resposta. Ambas eram
inteligentes, mas não se comparavam a Tigela.
Mas Gerusa sonhava em conhecer alguém especial.
Ela nunca poderia imaginar que na manhã seguinte,
seus sonhos de princesa iriam desaparecer sob os escombros
do castelo escolar.
Mas tudo bem, o amanhã ainda era apenas o amanhã
sem qualquer novidade. E Gerusa andava com Ellen pelo pátio
de pedrinhas em direção a um banquinho de cimento
localizado ao lado de uma bela árvore. Um Cinamomo. Ou
árvore de bolinhas verdes, como era costumeiramente
chamado por muitos moradores da região. E ainda havia quem
chamava de Cinamão...
O celular dependurado por uma correntinha no pulso
nunca tocava. Era impressionante que a garota mais bonita da
escola estivesse sozinha.
Ellen falava às vezes que seu namorado (que nunca dera
as caras, e Gerusa já começava a formar a ideia de que ele não
existia. Ou então existia apenas na cabecinha de Ellen) era
mais velho que ela. E por isso ele nunca aparecia na escola...
_ Diriam que é meu irmão mais velho...

86
Bullying – Matando Aula

_ Ele é muito mais velho que você!?!


_ Ai... nem sei... mas acho que tem mais de trinta...
Gerusa achava engraçado que Ellen não soubesse. Mas
se de fato esse homem existisse, ela desconfiava que a
diferença de 17 para 30 não era tão grande... ainda mais pelo
fato de Ellen não ser tão bonita... e ela tinha uma carinha de
mulher mais velha. Passava fácil, fácil por uns 25 anos.
_ Já faz um tempo que vocês namoram...
_ Ai... deve ter uns seis meses...
Toda vez que falava algo do misterioso namorado, Ellen
ficava vermelha e colocava as mãos no rosto. Parecia querer se
esconder como uma avestruz.
Ela não era tão branca quanto Gerusa ou Tigela, mas
assim como o gorducho do André, também mudava de cor com
facilidade.
_ Essa escola é um saco, Ellen. Como eu queria ir
naqueles colégios particulares...
_ Mas lá só tem burro, Gerusa...
_ Eu sei... mas tem status, mesmo entre os burros...
_ Vai fazer vestibular?!
_ Não sei. Talvez eu tente algo...
_ Como o que?!
_ Estética. E você!?!
_ Tava pensando em Pedagogia...
_ Você é louca...
_ É uma área onde se consegue fácil uma vaga...
_ Por uma merreca de salário, não se esqueça!
_ Mas é um trabalho, Gerusa... e Estética... só tem na
faculdade particular... como vai pagar!?!
_ Nem me toquei quanto a isso, Ellen, nem me toquei...

***

87
L. L. Santos

Marcelo olhava de longe para Gerusa. E imaginava se não


poderia ir até ela, fazer Ellen ir dar uma volta com algum
amigo e tentar convencer Gerusa a sair com um cara boa
pinta.
Mas estes pensamentos às vezes apenas ficam girando na
cabeça.
Às vezes.
E Marcelo começou a andar...

Samuel tinha dado uma olhada na cantina. E agora


achava que seu estômago não mais suportava aquela dieta
educacional sem gordura. Em casa ele tinha o costume de
comer além da conta (mas a noite orava pedindo perdão por
sua gulodice. Seu pai dizia sempre que funcionava caso orasse
com o coração e sentindo arrependimento verdadeiro), já que
no colégio, não teria alimento suficiente para poder continuar
construindo sua ideologia cristã. Ele era magro, e pelo visto, os
gorduchos acreditavam que era seu fanatismo que o fazia
perder todas as calorias que ingeria.
Ele estava do outro lado do pátio.
E seus olhos correram em direção a Gerusa.
Ela representava beleza e inteligência (Samuel a achava
inteligente). E não se misturava. E claro que não ia se misturar
com um representante da Assembleia.
Mas Samuel tinha certeza (creia no impossível, filho,
falava seu pai em qualquer momento) que neste último ano de
colégio, conseguiria converter alguma alma. E se fosse Gerusa,
seria algo que tocaria o coração de Deus.
Ela não era puta como Tigela. E não se envolvia com
nenhum garoto. Estava sempre na dela. E com a amiga. Não
poderia ser lésbica. Pois as meninas que gostavam de meninas
andavam de mãos dadas e se agarravam em alguns cantos ou
mesmo nos fundos da escola.

88
Bullying – Matando Aula

Gerusa era alguém especial. Só era preciso saber como


chegar.
Quem sabe ela até se interessasse pelo evangélico.
Mas não era bem assim.
Seus passos foram levando-o mesmo com a cabeça
flutuando em outro lugar. E não percebeu quando levou o
murro...

André fusionava sua merenda caseira com aquela


originalmente produzida na cozinha da cantina. Obteria um
resultado satisfatório. E isso era produzido em um dos bancos
que ficavam próximos ao portão de entrada.
As crianças que passassem naquele horário por ali,
poderiam jurar que estavam em visita (gratuita) a um zoológico
humano com espécimes muito parecidos com hipopótamos...
Mas esse pensamento não existia na cabeça arredondada
de André.
Ele comia parecendo com um porco.
As garotas que por ele passavam, tomavam cuidado para
não serem acertadas pelos fragmentos de pão e salsicha que
voavam como pedras de um vulcão ativado por propulsão
atômica artificial. Dava nojo. Ele se lambuzava como se fosse
uma criança de três anos. Talvez fosse isso mesmo. Afinal, seu
cérebro desenvolvido apenas para a prática do xadrez não mais
podia assimilar algo mais sociabilizável como se alimentar com
os devidos modos.
No entanto...
Não se importava. Nada importava.
Gostava de comer.
Sentir a comida sendo acumulada na pança como se
fosse um elástico saco de lixo que a qualquer momento iria
rasgar com tantas quinquilharias abarrotadas.

89
L. L. Santos

E enquanto o lanche era triturado entre seus estragados


dentes (já tinha perdido alguns. Outros eram detentores de
buracos), olhava para as meninas. E ficava confabulando em
seus porcos sonhos, que se pudesse, agarrava a primeira que
se aproximasse demais. Não importava se fosse uma das
pretas. O que lhe importava, era ter buceta. A cor pouco
importava.
E enfiava os dedos sujos e engordurados na boca que se
movia como uma borracha que vai e vem.
Samuel passava em frente e André não pôde deixar de
dar um sorriso de desdém. Um imbecil que só estava com o
uniforme da escola porque era a norma. Mas se fosse possível,
estaria com o uniforme da igreja. E a Bíblia debaixo do braço.
O gorducho queria lhe perguntar se algum dia já lera de
verdade todas aquelas colunas com letrinhas miúdas. Ou se
aprendera tudo vendo os programas das igrejas rivais em
horário nobre ou durante a madrugada.
Mas... o pensamento passou tão rápido quanto as
passadas das pernas finas de Samuel.
André voltava a olhar para as meninas. E sem que
quisesse, seus olhos dirigiram-se para Gerusa. Ela não estava
muito longe. E talvez até tivesse dado uma olhadela. De nojo,
claro. Afinal, um cara com 17 anos que se empanturrava
achando que o mundo acabaria logo em seguida sem nem ao
menos ter um guardanapo, era um tanto demais.
Mas ele não ligava.
Como poderia emagrecer?
E viu quando Samuel foi de cara no chão... a Bíblia foi
para um lado e o crente para outro...

_ Perdão, irmão... não senti que Jesus falava de você.


Mas ele me alertou sobre uma possível presença demoníaca a

90
Bullying – Matando Aula

poucos metros. Então, resolvi dar um jeito de poder ajudar os


próximos a não toparem com a sua graça...
Marcelo estava com o punho direito jogado a frente.
Deu um soco tão poderoso em Samuel, que para ele,
mais parecia que tinha acertado uma folha seca que era
despedida de alguma árvore no início do outono.

Muita gente viu. Aliás, todo mundo que estava no pátio.


Mas quem iria ser trouxa o suficiente para arrumar briga?
Nenhum tolo se julgaria o ideal, o exemplo da escola para
poder ir até um valentão e querer fazer justiça. Mas era
Samuel. E como era crente. Não tinha amigos ali.
Não demorou para se por de joelhos. E olhou para o
céu...

Nathanieli estava olhando para a rua. Se apoiava no


muro com facilidade. Pensava em intensificar sua procura por
emprego. E de alguma forma, a tarde poderia recomeçar pelas
lojas do centro. Poderia ser vendedora de calçados. Era o que
mais existia profissionalmente falando. A maioria das meninas
sempre começavam por esta categoria. Afinal, esperar que
alguém entrasse na loja, pedisse por algum calçado, e procurar
pelo mesmo entre todas as milhares de caixas não poderia ser
tão complicado. Talvez fosse até divertido. E ajudasse na
coordenação motora. Acreditava que com a prática, o que
levaria quinze minutos no início, depois evoluiria para menos
de três...
Quando se voltou para dar uma olhada para o pátio
(tinha medo que alguém lhe atacasse enquanto estava de
costas. Algo extremamente comum para judiar com surpresa),
viu o crente se esborrachando em meio às pedrinhas. A cara
ficou com as marcas e também caiu um rápido filete de sangue
do nariz.

91
L. L. Santos

Nathanieli teve o pensamento de ir ajudar. Mas...


Será que alguém a ajudaria?
Ainda mais contra Marcelo...
Talvez pudesse fazer algo depois. Quando o brigão
estivesse longe de vista. Mas agora, era impossível...
Tinha medo de que ele fizesse o mesmo com ela. Então
desviou o olhar e ficou de olho na rua.
Era mais um exemplo de zoológico: agora a girafa com
seu olhar sem graça que era observada pelas pessoas que
passavam pela calçada...

Gerusa ainda trocava palavras com Ellen quando Marcelo


a cobriu com sua sombra. O Sol o deixava maior. Ellen se
sentindo intimidada, ficou quieta. Gerusa não pareceu se
incomodar. Mas apenas olhava para o celular, como se fosse
receber a qualquer momento a ligação da sua vida.

Margarida fora a última da sala a sair para o pátio.


Segurava um livro de astrofísica. E simulava em pensamentos
o vestibular. Quando Samuel levantou poeira com sua cara
fina, ela viu. E parou por um momento. Nunca tivera qualquer
problema naquele colégio desde o primeiro ano. E achava que
era bom se despedir dele do mesmo jeito que entrara. Ela era
uma das raras pessoas que podiam (mesmo) agradecer a Deus
por nunca ter sido bulinada.
Mas ver outras pessoas sendo massacradas, nunca lhe
pareceu tão cruel. Costumava conversar sobre isso com os pais
e com o avô.
Ela poderia ter estudado desde o início em uma escola
particular, mas ela queria mostrar seu desempenho. E desde
pequenina, sua inteligência mais parecia com uma versão
afeminada de Einstein. Então, por que não tentar?

92
Bullying – Matando Aula

Afinal, as escolas públicas não representavam perigo


algum.
No passado.
Mas no presente...

A neta de seo Mariposo não compactuava da religiosidade


de Samuel. Mas ela achava que não conseguiria suportar
aquela cena. E se dispôs a fazer algo...

Tinha um garoto tentando levar Tigela no bico.


Mas ela já avisava com antecedência que era ela quem
escolhia com quem saía. E nunca, jamais em hipótese alguma,
faria fiado. Era sempre adiantado e em dinheiro. Nada de
cheque ou algum tipo de vale alimentação...
Ela não dava a mínima para o bullying. Desde que não
fosse na sua pele. Podia ser uma prostituta, mas era respeitada
por uma boa parcela dos estudantes. E claro, existiam aqueles
que a chamavam de todos os pseudônimos possíveis que eram
facilmente convertidos para palavras pouco obscenas. Mas
Tigela tinha uma grande vantagem. Muitos garotos davam
cascudos nos bulinadores que queriam se mostrar para cima
de Tigela. Ela tinha escudeiros, mas isso custava alguns
descontos em seus serviços. Tudo bem. Era um investimento a
longo prazo. Afinal, ainda tinha mais alguns meses de aula...
E ela riu desdenhosamente ao ver Samuel beijando as
pedrinhas.
Algo a fez querer se mexer, e andou nada discretamente
em direção ao crente...

Margarida chegou um segundo depois de Tigela.


E se apavorou quando a mesma meteu um chute na
cabeça de Samuel que estava de olhos fechados e falava algo
(uma possível oração) muito baixinho.

93
L. L. Santos

_ Tá olhando o que, patricinha!?! Você não pertence a


esse mundo! É muito otária achando que estudou todos esses
anos e vai sair com a pele sem uma esfoladura!
_ Está me ameaçando!?!
_ Está me ameaçando!?! Cai na real, cadela!
Tigela ficou ao lado de Samuel que se contorceu.
Margarida não sabia se o ajudava a se levantar. Alguém
tinha de tirá-lo dali.
O que impressionava, era que mesmo o pátio sendo ali,
praticamente em frente à rua, ninguém estranhava toda a
violência que se desenrolava. Nenhuma das muitas professoras
havia aparecido. Ninguém.

_ Gerusa. Eu sô apaixonado por você, gatinha.


A fala de Marcelo não trouxe Gerusa para a realidade.
Ellen continuava muda. E tremia.
_ Como é o seu nome mesmo!?!
_ Ellen...
_ Nome bonito. Pena que não combina com a cara e nem
com o corpo. CAI FORA! Esse é o último ano, Gerusa. E já tá
na hora de você perder esse cabaço...
Ellen era realmente a melhor amiga de Gerusa. Mas não
queria voltar para casa com um braço quebrado ou em estado
pior. Se levantou e nem disse nada a amiga que parecia estar
em transe...
Marcelo sentou-se ao lado de Gerusa e a enlaçou com
seu braço musculoso. As tatuagens em forma de raios
adquiriam nova vida agora que sentia o calor da virgem.
Gerusa sentia frio.
O estômago estava tão gelado quanto os cubos que ela
tirava da geladeira de uma porta para jogar em seu copo de
limonada natural.
Não se sentia nada bem em ter um calhorda a agarrando.

94
Bullying – Matando Aula

Se gritasse, tudo poderia se resolver. Mas tinha medo.


E pela primeira vez, olhou para Samuel que estava entre
uma Tigela gargalhenta e uma Margarida com cara de tacho...

André nunca prestara atenção a Nathanieli.


Mas sem querer, seus pensamentos seguiram em direção
ao seu esquelético corpo juvenil. Ambos eram altos. Mas com
diferenças visuais, intelectuais e morais gritantes.
Ela tinha lá seus traços de inteligência. Mas parecia meio
lerda. Assim como o gordo. Mas era magra. E bebia. Ele nunca
ousara colocar um copo de álcool na boca. Achava que isso lhe
traria algumas complicações em seu tão apressado coração.
Às vezes sonhava que tinha um ataque.
Com médicos chegando em seu quarto e constatavam a
seus pobres pais que o filho tinha morrido devido ao acúmulo
de gordura nos vasos sanguíneos. O que ocasionalmente fez
seu músculo cardíaco estourar, fazendo se espalhar pelo corpo
mais substância amarela que vermelha...
Não, não era sonho.
Era o pesadelo da vida real.
E vendo Nathanieli ali, encostada no muro (olhando
sobre ele). Achou que ela era abençoada. Pois sua magreza lhe
salvaria de uma cena como aquela do sonho...
Mesmo bebendo...

Ela se voltou e ficou a olhar para o pátio, mais


precisamente para o crente que sentia agora além das dores no
rosto, uma dor lancinante de um lado da cabeça.

Tigela adorava usar botas de couro com salto plataforma


(não apenas por ser uma pessoa de baixa estatura, mas pelo
visual que os marmanjos gostavam) e detalhes em metal no
calcanhar.

95
L. L. Santos

Assim como grande parte das mulheres, ela tinha a sua


coleção de calçados. E como o uniforme escolar era composto
por uma calça preta larga, a bota podia ser usada sem
problema algum.
Na carteira (ela sentava ao lado de uma das janelas),
encostava-se a parede e ficava mascando seu chiclete sem
pouco prestar atenção a matéria. Seu cérebro tinha facilidade
descomunal para assimilar as informações. Por esse lado, era
um exemplo.
E fazia os joelhos se encontrarem, a ponta dos pés se
juntarem e os calcanhares se distanciarem. Como se fosse uma
linguagem secreta que somente as meninas conhecem e usam
para provocar quem quer que esteja olhando.
É uma maneira sexy de mostrar quem ela é.
E se algo fazia Tigela se orgulhar, era com relação ao seu
temperamento de jamais levar sapos para serem lavados em
casa.
Continuava rindo como uma louca.

Nathanieli observava pasma. E ela via nos olhos


incrédulos de Margarida que aquilo não podia continuar. Mas
continuava... pois se alguém interviesse, poderia ter
problemas...

Marcelo sentia o calor emanado do corpo virgem de


Gerusa.
Estava tendo a maior ereção de sua vida.
Já havia descabaçado outras meninas mais novas. Mas
Gerusa lhe parecia diferente. Pois com a idade que tinha, seria
uma experiência sem definição. Poderia durar horas, pensou
ele, já se vendo abrindo as pernas da doce Gerusa que pediria
por mais e mais...
No entanto...

96
Bullying – Matando Aula

_ Fica longe de mim, pervertido...


_ Olha só. Você gosta de falar comigo, Gerusa. Escuta _ e
aproximou a boca da orelha dela que estava vermelha como o
mais perigoso dos pimentões. _ Se quiser, eu pago pela sua
virgindade. Te dou até um carro, gatinha...
O que Gerusa queria fazer, era dar uma de Mike Tyson e
separar a orelha de Marcelo da cabeça. Era só querer. Mas isso
significaria uma tormenta de problemas. E se o papito dela
soubesse, em casa a situação se tornaria escura. Pois as
nuvens negras já pairavam há muitos anos. Só faltavam
explodir com a mais ferrenha das tempestades.
Mas... confessou a si mesma que ganhar um carro para
simplesmente sentir uma penetração, poderia ser algo sem
igual... E que pelos comentários de outras garotas (que de
alguma forma, chegavam aos ouvidos sempre atentos de
Gerusa), Marcelo não era nada impressionante. Não durava
mais que três minutos. Mas também haviam boatos de um
minuto.
E ela ganharia um carro por isso?
E uma gravidez de brinde.
Não confiava nos métodos anticoncepcionais.
Achava que aqueles comprimidos pudessem lhe causar
algum tipo de câncer. Então...
_ Um carro... eu teria de ser muito inocente para
acreditar em uma lorota dessas, cara...
_ Você é inocente _ e lhe dava um prolongado beijo na
orelha. _ Hum... eu quero saber o sabor da sua boquinha tão
pequena. Da sua bucetinh...
PAF!
Gerusa era uma pedra em brasa. E por isso, desferiu um
tapa tão forte quanto o soco que Marcelo mandou em direção a
cara de Samuel.
Muitos alunos viram.

97
L. L. Santos

Ninguém fazia isso.


Era pedir para morrer.
Marcelo sentiu que algum osso da face tinha saído do
lugar. Ou apenas achava isso. Então sorriu.
_ UAU! TEM JEITO DE PUTA!
Gerusa foi lhe dar outro tapa, mas o rapaz agarrou seu
braço com força. E estava a fim de comê-la, mesmo com os
dois braços engessados...

Tigela não gostava de Gerusa.


Mas se sentiu ofendida quando Marcelo comparou a
garota mais bonita da escola com a que ocupava o top.
Não era por ele estar ali. Era porque ser chamada de
puta em público não era nada bom. E se Gerusa tinha jeito de
puta, então que nome poderia ser atribuído a Tigela?
Ela apenas olhou para trás e berrou, enquanto Margarida
se encorajou e ajudou Samuel a se levantar em definitivo. Mas
suas pernas mais pareciam uma planta mole pedindo por
rega...
_ VÊ SE CALA ESSA BOCA, IMBECIL! E FALA COM
RESPEITO COM A ÚNICA VIRGEM DA ESCOLA, PORRA!
E mais uma vez, desabou ao rir como a mais tresloucada
do colégio...

A essa altura, André tinha engolido o último fragmento


de comestível.

Nathanieli deixava o muro para trás e andava até


Margarida.

E Samuel sentia que podia ver o espírito do Senhor...

***

98
Bullying – Matando Aula

Era verdade que dentro da sala que ficava no canto do


terceiro andar, não existia amizade de fato. E que Gerusa e
Ellen eram parcialmente as únicas que trocavam palavras. Mas
antes do último dia de aula, existiu esse evento, onde alguns
deles, tiveram de fazer contato a força...
E muito ainda faltava para a manhã terminar...

99
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Gerusa tinha a sensação que a manhã de ontem, estava


a léguas de distância. Arrepiava-se ao lembrar do braço de
Marcelo em sua cintura. Seu hálito de menta extra forte na
boca grande e larga o suficiente para engolir uma pizza de
porte considerável, ainda estava presente na sua imaginação. E
o fato de que ele poderia tê-la estuprado no pátio sem qualquer
pudor. Ninguém a defenderia. Até Ellen, sua melhor amiga,
teve de sair. Era compreensível. Mas um tanto intimidador.
Agora ela se perguntava o porquê do valentão não ir para
cima do deformado que os olhava com mais atenção do que
nunca. Seria maravilhoso que aquele revólver cuspisse uma
bala que adentrasse entre os olhos e separasse aquela linha
preta (Marcelo tinha apenas uma sobrancelha, e por vezes
tentou raspar com o aparelho de barbear. Mas sua mãe o
advertira desde pequeno que isso poderia ocasionar em um
derrame cerebral. E ele de alguma maneira acreditou) com
uma marca vermelha e se alojasse confortavelmente no
cérebro. Mas não o matasse. Apenas o deixasse inerte para o
resto da vida. Gerusa daria risinhos se pudesse vê-lo em uma
cama ou cadeira de rodas e bebendo através de canudinhos ou
uma sonda.
Marcelo usando fraldas.
Poderia aparentar barbárie para outras pessoas o fato de
que uma jovem garota tinha apenas esse pensamento em
andamento, mas ele era um porco. E os porcos comumente vão
para o espeto...
Ele tinha de pagar por seus pecados.

100
Bullying – Matando Aula

E se o simples pensar fosse também um pecado, Gerusa


achava que poderia conviver com isso. Bastava se concentrar
em sua vida. Sem ressentimentos, cara.

Ellen ainda estava com receio de olhar para Gerusa.


Nesta manhã ainda não haviam sequer trocado um
cumprimento de olhar. E ela se sentia arrasada em ter deixado
Gerusa nas mãos de Marcelo. Ela devia tentar compensar. Mas
não sabia como...

André estava com o estômago cheio. E isso era comum.


Mas tinha a nítida sensação de que nunca mais poderia
realizar uma nova refeição. E se disso soubesse com
antecedência, teria comido até realmente explodir.

Os demais estavam sem pensamentos.


A não ser Tigela que tinha vontade de repetir a pergunta.
Mas ela, inteligente como era, desconfiava que isso lhe
causasse alguma dor rápida e depois nada mais sentisse...

O estranho segurava a máscara e pareceu sorrir... e


finalmente disse...
_ Eu tenho uma missão...

E eles ouviram... de um jeito como jamais prestaram


atenção (e nem nunca mais poderiam) a qualquer aula...

Dioni continuava se contorcendo em silêncio...


Tá certo que ele era meio lerdo. Mas assim era pedir para
morrer mesmo...

101
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Anteriormente fora afirmado que existiam 32 alunos na


classe. E isso de todo não pode ser considerado como uma
mentira. Pois se olharmos com atenção, será possível constatar
que existe uma carteira vazia... aquela onde a professora Edite
também não tinha prestado atenção. Já que não pôde iniciar a
aula normalmente com a chamada.
Mas, em uma turma daquelas, quem se importava com a
falta de alguém? Fora a professora. E ela admitiria em um
tribunal, se fosse intimada, que a maior parte dos alunos
realmente não faria falta alguma...
Só que... para algumas pessoas...
No máximo Tigela faria falta. Assim como Gerusa...

Ele não tinha a mania de chegar atrasado. Mas hoje foi


muito diferente. Na noite passada, comeu além do limite e teve
algumas complicações estomacais. E estas se estenderam até
as partes baixas. Mais precisamente, aos intestinos.
Chegara no horário. Mas não foi até a sala, e sim, ao
banheiro que era localizado no fim do corredor do terceiro
andar. Era algo espontâneo. E que os estudantes podiam
usufruir constantemente sem ter medo de chegarem atrasados,
pois banheiros em cada andar, significava maior rendimento
escolar. Não se perdia tempo descendo e subindo escadas para
poder achar o alívio. Bastava saber que banheiros não faltavam
em qualquer andar para qualquer eventual emergência.
E para Clóvis Deividison, isso não era exceção.
Antes que o sinal para que entrassem na aula fosse se
manifestar, ele já se trancara no banheiro. E começou o ritual

102
Bullying – Matando Aula

de sólidos e líquidos. Sem contar que ainda tinha elementos


gasosos.
Alguém poderia dizer que ele estava tão apavorado com o
que acontecia em sua sala, que não teve coragem de sair do
trono. Mas isso não é verdade. Ele nada ouvira. Nem berros,
nem sirenes. Nem a voz poderosa de Mendonça e seu mega-
fone profissional.
Clóvis, popularmente conhecido como Picolé de Asfalto,
Pretinho Sombrio, Falha Celeste e quaisquer outros carinhosos
apelidos, estava não apenas concentrado em expulsar o mal de
seu corpo, mas também ouvindo suas músicas favoritas no I-
Pod. Gostava de estourar os tímpanos. E por isso, o mundo
simplesmente viria abaixo, e ele, cagando...

Mas isso não duraria a manhã toda.


Chegou o momento em que se sentiu leve.
Completamente vazio, como uma garrafa de Coca-Cola que foi
virada goela abaixo. Agora era só ver como estava sua cara
suarenta e depois entrar ouvindo seus fantásticos apelidos.
Era talvez o recordista municipal em receber bullying até
quando não estava presente.
Pois ele não gostava nem um pouco de ficar sendo
colocado naquela situação de que era a favor de cotas para
negros em todas as áreas da sociedade...
A culpa era dos políticos que faziam as leis mais
absurdas...
Mas Clóvis não negava que ser favorecido pela cor em
futuros concursos públicos, era uma beleza. Só não iria
admitir isso publicamente...
E o que ele achava que ainda ia acontecer, era o Governo
colocar preservativos nas escolas. E isso sem deixar de lembrar
que as bixas (populares chupetas, dizia Clóvis) iriam se
esbaldar nos banheiros. Talvez nem desse mais para entrar... e

103
L. L. Santos

Clóvis imaginava Enrique pagando um boquete ali mesmo,


naquele pequeno espaço...
Deu a descarga e saiu aliviado...

Com os fones enfiados em suas orelhas de abano, ele


seguiu para a sala. Nem se deu conta que as portas que
deixava para trás, pertenciam a salas vazias, com carteiras
jogadas no chão. O caminho era sagrado. Não havia desvio. E
tinha a mania de andar com os olhos fechados. A trilha já
estava moldada em um mapa virtual dentro de seu cérebro que
era um dos mais rápidos da escola...
Até que chegou a porta...

Não ia tirar os fones. Bastava ir entrando. Sem bater. A


educação estava lá no fundo do poço. Se ele fosse contra a
maré, poderia estar demonstrando fraqueza aos outros que o
desconsideravam como ser humano.
Ele não era assim até um tempo atrás.
Mudou como (quase) todos os outros.
E por isso, não perdeu tempo em qualquer pensamento e
fez sua mão apertar a maçaneta como sempre fizera.
Mas...

A porta não se moveu.


Tentou de novo.
“ _ Ué!?!”
Mais uma tentativa.
Ficou parado enquanto o único movimento aparente
provinha de seu aparelhinho de som.
E deu uma pancada.
Achou que não deveria.
E também se perguntou se por acaso não tinha entrado
no corredor errado.

104
Bullying – Matando Aula

Olhou para a porta.


“ _ Sala 013...”
Apesar do jeito, ele não era usuário de drogas. Mas
achava que talvez a fumaça dos baseados estivessem
começando a fazer efeito em sua mente. Pois não era fácil
circular em uma escola onde a maior parte dos alunos tinha
esse hábito de soltar fumaça sobre os outros como se fossem
cusparadas de humilhação. É, talvez fosse isso mesmo.
Deu outro murro na porta.
_ Não tem ninguém aí, porra!?!

Dentro da sala, tanto professora Edite quanto sua turma


de renegados estavam com medo daquelas batidas. Pois logo
desconfiaram que pudesse ser algum policial. E isso poderia
desencadear um ato de loucura naquele deformado.

O estranho olhou para a porta e sua mão ficou mais


firme sobre o revólver.
Estava trancada. Para entrar, só com uma chave-mestra,
derrubando ou então fazendo uma atuação tão convincente
quanto Jack Torrance Nicholson em O Iluminado com seu
machado de incêndio.
Porquinhos?!
Porquinhos, eu vou soprar, vou bufar e sua casa
derrubar...
Ou era mais ou menos assim...
O estranho assistira o filme. E lembrava o quanto ele o
considerou violento. Violento demais. E ele prometera a si
mesmo que jamais pensaria na possibilidade de fazer maldade
a alguém. Nunca desejara isso.
Mas as pessoas mudam.
Para o bem ou para o mal...

105
L. L. Santos

_ Ô CARALHO! NUM TEM NINGUÉM AÍ!?!


Clóvis consultou o celular.
Pelo horário. Já deviam estar quase se preparando para a
terceira aula.
Tinha uma câmera no canto do corredor, onde a sala
mostrava ser o fim do mesmo. E Clóvis, por algum movimento
involuntário, olhou para a lente...

106
Bullying – Matando Aula

O PRIMEIRO

A sala da diretora ficava do outro lado da sala onde um


pessoal estava olhando um cara muito estranho. E isso era
bom para Mendonça. Pois ele fez questão de entrar
pessoalmente junto com alguns soldados.
Tinham de por as mãos nas gravações.
Precisavam ter alguma noção de quem era o indivíduo
que estava desafiando o sistema.
Não fora problema chegar à sala. Foi rápido.
Mas com toda precaução.

A sala da diretora continha todo o arquivo de vídeo de


vigilância. Ou parcialmente. Pois mesmo com todos os
investimentos em muitos setores da educação, o dinheiro
destinado a vigilância por câmeras não era dos mais atraentes.
Todos os vídeos eram gravados em fitas cassetes VHS.
E a escola tinha uma caixa enorme abarrotada de
retangulares pedaços de plástico preto com faixa desgastada.
Então, isso significava que era feito uma espécie de
rodízio.
As fitas gravavam o máximo possível com uma qualidade
questionável de visualização. As imagens eram borradas e não
existia som.
Ou seja, assim que uma fita ficava cheia, era usada em
uma regravação.
Mas Mendonça não tinha conhecimento desse sistema
visionário da educação estadual.
Tudo bem.

107
L. L. Santos

Ele se surpreenderia assim que colocasse os olhos nas


imagens.
Mas ele apenas ia chamar de imagens por que não tinha
ideia do que poderia batizar todos aqueles arranhões na tela...

O computador que transmitia estava ligado.


Um dos peritos em informática sequer precisou usar seus
dons digitais para localizar todas as câmeras que se perdiam
em pátio e corredores além da biblioteca.
Ao lado do PC, um videocassete desbotado fazia alguns
estranhos sons.
_ O que isso significa!?! _ Mendonça ia realmente ter a
melhor surpresa da sua vida.
_ Senhor... todas as câmeras estão conectadas a somente
uma fita. Isso quer dizer que teremos várias telas pequeninas
para analisar.
_ Como naqueles videogames onde quatro jogadores
dividem a tela!?!
O perito nunca imaginou que Mendonça pudesse dizer
isso. Mas, ele teve filhos viciados em games. E isso significava
que eles muito gostavam de mostrar essas bizarrices ao pai.
Mas o perito não fez questão de perder tempo interrogando o
delegado.
_ É... e está gravando ainda. Mas se não me engano,
nesse sistema, as imagens são apagadas depois de serem
vistas uma vez. Mas com toda certeza, o que aqui tem, é
apenas as gravações que iniciaram hoje...
_ Isso está ótimo. Claro que se tivéssemos acesso a dias
anteriores, dava para saber se aquele cara – que ainda não
temos certeza de que existe mesmo – lá na sala já não andara
passeando por aqui. Eu vi que uma das câmeras do pátio está
voltada para a rua...
_ Tem um porém, senhor...

108
Bullying – Matando Aula

Mendonça estava muito longe da aposentadoria. Mas


acreditava que o máximo que conseguisse entupir em seu
currículo, o ajudaria a apressar o processo por qualidade de
serviço.
_ Algumas câmeras não estão em funcionamento.
O perito deu uma rápida mexida no teclado e as várias
telinhas de péssima resolução se mostraram como o mais
tímido dos conquistadores.
A maior parte dos retângulos estava na escuridão.
E restavam somente três que exibiam cenários...
Um era do pátio. Mas não estava posicionada para onde
Mendonça queria. A cantina aparecia ainda de janela fechada.
A segunda, mostrava a biblioteca.
E a terceira, um corredor. Ou melhor, o final do mesmo.
Tinha um preto ali.

Aquele cara estava sendo mostrado em tempo real.


Mendonça logo concluiu que aquela era a sala do terceiro
andar.
O perito disse o mesmo, pois na minúscula legenda que
ficava no rodapé da imagem, era mostrado o andar. Então não
precisava ser o melhor dos profissionais para ter certeza.
Tinha um preto ali.
Tinha.
Pois a imagem mostrava que ele acabara de receber algo
que atravessara a porta.
Uma correspondência em linha reta. Entregue
diretamente. Sem escalas.
Um tiro.
Não dava para ter certeza.
Mas o garoto só poderia ir de encontro à parede por um
baque violento.

109
L. L. Santos

E a câmera logo recebeu respingos de sangue que


explodiram de sua cabeça.
O corpo caiu enquanto manchas vermelhas começavam a
formar uma poça.
Se Marcelo soubesse que isso ia acontecer, teria dado um
jeito de ter mandado uma surra no preto antes do início da
aula ou então ontem mesmo...

Mendonça sabia que tinha de agir.


Mas precisava fazer do jeito certo.
Caso contrário, o preto seria apenas o primeiro...

110
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

O corpo de Clóvis não seria visto pelos outros alunos.


Mas a culpa fora inteiramente dele. Caso não tivesse
interrompido a palestra do estranho, ainda poderia estar
ouvindo seus batidões...

A turma olhou diretamente para a porta quando o preto


tinha mexido na maçaneta. E sentiram-se com ansiedade aos
estrangular quando o mesmo resolveu começar a bater na
madeira. E a situação ficou pior quando a voz atravessou...
O estranho tinha apenas balbuciado algumas curtas e
pouco explicativas palavras, e não estava afim de ser
interrompido de forma brusca.
Se alguém quisesse testemunhar com toda a calma,
bastava ir até a porta e observar por aquele recente olho
mágico e teria aí a mais importante revelação da vida.
O estranho não blefava em nada.
Nada tinha dito de interessante. E não entrara na sala
anunciando suas mortes.
Mas...
Alguém tinha morrido.
E pela voz, alguns reconheceram se tratar de Clóvis.
Tanto que para não se perderem em dúvidas, olharam
para sua carteira.
A professora sentia o ataque de nervos flutuando em
torno de sua cabeça. Se ela não mantivesse o controle, muito
menos o restante do pessoal.
E o estranho baixou a arma.
Deu um sorriso e recomeçou o palavrório.

111
L. L. Santos

Mas de um jeito totalmente diferente...

112
Bullying – Matando Aula

ANÁLISE

Mendonça voltara para fora.


Foi avisado de que um detetive de outra comarca estava
presente.
E que já tivera experiência semelhante em São Paulo.
Mas não fora em uma escola, mas sim, em um
apartamento, onde um casal de namorados teve alguns atritos.
Ela deveria ter lá pelos seus 15 anos. Ele estava prestes a
completar 22.
Portanto, o representante masculino era adulto.
Mas, como o próprio detetive trataria de dizer a
Mendonça, a polícia paulista, estava tratando o cara como uma
criança. Um erro.
O resultado?
O cara matou a namorada. E depois meteu uma bala na
cabeça que não mais teria motivos para estar ali.
E isso tudo segundos antes dos policiais invadirem.
Obviamente que os atiradores de elite tiveram o
assassino em alvo positivo inúmeras vezes, mas muita gente foi
contra a morte do rapaz.

Resumindo: o assassino não poderia ser morto porque


ainda não era um assassino. Apenas estava praticando algo
semelhante ao cárcere privado televisionado. Um show de
audiência para qualquer emissora.
Mas ali, naquela cidade, não existia nenhuma TV.
Rádio e jornal predominavam.
No entanto, isso bem poderia significar que quem quer
que estivesse na sala do terceiro andar, quisesse aparecer

113
L. L. Santos

sorrindo na primeira página ou então ser entrevistado pelo


radialista gaúcho número um de algum programa policial da
faixa AM.

E quanto ao caso de São Paulo?


Era uma criança, diria o detetive. Apenas uma criança.
E crianças não detém pouca maldade.
Seria essa explicação que Mendonça alcançaria.

Quando o delegado chegou ao pátio, deu uma parada e


fitou as janelas da sala onde estava o assassino. Se era um
monstro, então ao menos uma fração já estava provada. Mas o
que Mendonça queria saber, era o porquê, e como resolveria
sem que nenhum outro aluno fosse morto.
E ainda tinha de recolher o corpo.
Mas só quando tudo acabasse.
E quando isso acontecesse, Clóvis não seria o único a
fazer uma visita à mesa gelada do IML...

O detetive paulista tinha se mudado para o interior do


Paraná por motivos simples: segurança e tranquilidade.
Cansado se encontrava daquela vida em cidade grande,
repleta de poluição e violência.
Ele não era dos mais velhos. Mas toda a ação que já
passara por seus olhos o fizera receber rugas e cabelos
grisalhos muito antes do tempo previsto.
Quando encontrou-se com Mendonça, estendeu a mão...
_ Delegado Mendonça?!
_ Eu...
_ Detetive Aniclécio, muito prazer.
_ O prazer maior será se você puder nos dar uma
mãozinha meu chapa...
_ Eu ouvi algo que se assemelha a um tiro...

114
Bullying – Matando Aula

_ Pois é. Vamos conversar dentro do furgão. Aqui não vai


ter jeito, detetive...

_ Aqui não é São Paulo, detetive. Estamos em Francisco


Alves do Sudoeste. Uma cidade que nem consta no mapa da
Quatro Rodas. Mas isso não quer dizer que nossa gente possa
ser tratada de um modo diferente por causa de um louco que
entrou nesta escola.
_ Delegado, o que quero dizer, é que se este homem for
como todos os outros, então a única saída, é uma invasão. Pela
localização da sala, é praticamente impossível usarmos um
único atirador de elite.
_ Você está propondo que a gente entre atirando. Com
tudo. E sem se importar caso algum daqueles marmanjos vier
a cair junto com o assassino.
_ Eu sei que lhe pareço insensível. Mas pode ficar pior!
Muito pior! Ele pode começar a matar a qualquer momento.
Isto se já não dizimou a sala inteira e quem sabe até já não
está planejando se matar daqui a pouco.
_ O que facilitaria o nosso trabalho.
_ Deixando os alunos vivos. Mas, o que me impressiona,
é que ele tenha matado aquele rapaz sem ao menos abrir a
porta.

Mendonça narrou à cena com mais detalhes do que seria


possível de se ver no vídeo. E achava que o preto sequer vira a
morte. Pois caíra rapidamente e não fez qualquer outro
movimento. A essa altura, o sangue já deveria ter se esvaziado
completamente do corpo que começava a ter uma cor
azulada... os fones tinham caído para um lado qualquer, e
possivelmente, algum funk ainda ecoava pelo corredor...

***

115
L. L. Santos

_ E se por acaso ele perceber!?!


_ Podemos invadir, delegado.
_ Isso se ele não varar os policiais a tiros como fez com o
rapazinho afro...
_ O garoto fez barulho. E isso mostra que aquele cara lá
dentro, tem uma mente perigosa ao extremo. Se descontrolou.
Mas nós, nós vamos nos aproximar em silêncio. E vamos pegá-
lo desprevenido.
_ Me diz um negócio...
_ Sim...
_ Não tem como a gente acertá-lo pelas janelas!?!
_ Já lhe disse que é impossível. A localização não é das
melhores para nenhum atirador. E fazer isso às cegas, pode
acabar matando algum inocente...
_ Tá certo que atirar no garoto com a porta fechada não
foi problema pra ele. E o cara nem mesmo saiu ou abriu para
ver de quem se tratava. Então, mesmo sendo desequilibrado,
ele tem um cérebro muito bem desenvolvido.
_ Os criminosos são assim...

116
Bullying – Matando Aula

OBSERVAÇÃO

Antunes e Carlos estavam cuidando do cordão de


isolamento.
Não gostaram (principalmente Carlos pavio curto) de
terem sido colocados ali para uma função tão monótona.
Esperavam fazer parte dos homens selecionados para entrar na
escola. Mas não só ir até a sala da diretora e conferir os vídeos.
Nada de oficial circulava sobre o que seria mesmo feito.
Mas eles tinham seus pensamentos. E sabiam o quanto
uma experiência dessas enriqueceria o currículo.
Antunes poderia dar uma reformada na casa que já
carecia de uma boa pintura, telhas, forro do teto e assoalho
novo em diversos pontos. Mas não queria subir de vida à custa
da vida de outrem.
Para Carlos, poderia ser até a própria mãe sendo mantida
refém por um gigante negro de um dente só. Ele entraria,
mataria o cara e o que sobrasse da mãe, enterraria no
cemitério municipal através da lei de facilidade de despacho de
corpos sem utilidade.
Os vereadores de Francisco Alves tinham a mania de
fazer todo tipo de leis absurdas. E o povo não reclamava. Até
achavam engraçado. Casamentos comunitários e enterros
comunitários. A maior parte da população era idosa. Porém,
nessas bandas ninguém tinha conhecimento das palavras que
designavam a melhor idade. Eram véios e acabou-se.
Ninguém se incomodava com isso.
A não ser quando a artrite e outras complicações
incomodavam...
Mas era natural...

117
L. L. Santos

E tanto Antunes quanto Carlos queriam uma velhice


tranquila. E se a isso ainda ambicionavam, era bom irem se
preparando, pois mesmo jovens, sentiam que os anos corriam
como coiotes atrás de lebres.
E tanto um quanto o outro, davam rápidas olhadelas
para a sala do terceiro andar.
Tinha um monstro lá, lembraram das palavras do
pretinho.
Bem, eles tinham suas armas.
Bastava serem mais velozes.
Até que viram um velhote abrindo caminho entre a
multidão...
E não gostarem nem um pouco do jeito dele...

_ POLICIAL! _ berrou seo Mariposo que sentiu o cordão


de isolamento tocar em sua barriga mole como se fosse uma
corrente o impedindo de atravessar a rua para se deliciar com
alguns doces na confeitaria que anunciava amostras grátis. _
MINHA NETA! MARGARIDA!
_ Por favor, senhor, sei que estou pedindo muito, mas
acalme-se! _ Antunes não sabia onde já tinha visto a cara do
velhinho, mas o achava particularmente familiar...
Carlos sorriu e falou como se nada demais estivesse
acontecendo.
_ O senhor tem a sua efígie nas embalagens de vinho...
_ É, sou eu sim! Mas vim aqui saber de minha neta, e
não conversar sobre bebida, amigo!

O único pensamento racional de Carlos, foi sobre querer


saber o porquê de uma patricinha estar estudando em uma
escola pública. Com a fortuna que aquele velho tinha debaixo
da bunda, era bem possível que poderia construir a própria
universidade. Mas a neta, Margarida, se misturava com pretos

118
Bullying – Matando Aula

e pobres. Prostitutas e drogados. Carlos pensou se o velho não


era também mais um dos tantos drogados que começam a
profissão de usufruir de viagens astrais depois da
aposentadoria...
E se por acaso, o velho empresário não o recompensaria
se ele aparecesse com Margarida entre os braços. Sã e salva.
Isso mudaria sua vida.
Poderia se dedicar mais as festas e a bebida. Agradeceria
até ao rótulo.

Nesse momento, Mendonça e Aniclécio apareceram.


E claro, nenhum esboçava cara de quem achara a
solução.

119
L. L. Santos

O PENÚLTIMO DIA DE AULA

Gerusa sentia a dor aumentando. Seu braço parecia


querer estourar.
Marcelo jamais se aproximara dela como nesta manhã.
Das outras tantas vezes, ele nada além de bravatas atirava.
Mas agora, queria a todo custo. Não importava se isso lhe
custasse uma detenção ou algo mais extraordinário: expulsão.
Sabia que era possível de acontecer. Já vira outro aluno
ser jogado para fora uma vez. E isso no ano passado. Mas
Marcelo nem lembrava mais qual fora o motivo.

O aluno, que se chamava Gregório, estava no último ano


do ensino fundamental. Mas tinha uma mania cultivada desde
a quarta série: gostava de bulinar as belas professoras. Das
barangas ele mantinha distância.
E como desta vez, ele andara exagerando, escrevendo
bilhetes, encontrando a professora (a senhora Ana Claudia,
casada, mãe de uma linda menininha que estuda em um bom
colégio particular) em diversos lugares e sempre lhe falando
palavras vulgares a uma mulher que poderia ser sua mãe (e
que Gregório não se importaria, dizia aos colegas, pois Ana
Claudia era muito bonita apesar de já ter rompido a barreira
dos trinta).
Era o tipo de degenerado que sonhava com uma mãe
bonita para iniciá-lo na vida sexual. Mas isso jamais
aconteceria com a mãe de Gregório. Era a típica dona de casa
que tinha chegado ao limite de seu esgotamento mental devido
a anos de serviços prestados a uma família que não lhe dava o
devido valor.

120
Bullying – Matando Aula

Bem, e agora, com o filho que não mais estava


estudando, para ela, a vida acabara de chegar ao ponto crítico.
Bem no fundo do poço.
E Gregório, continuou do mesmo jeito, indo atrás da
professora.
Porém, o marido dela (Antônio, metalúrgico, 45 anos de
idade) andara dando um corretivo no adolescente. O que
resultou em um processo por parte de Gregório que foi até a
delegacia e fez queixa contra o marido de sua ex-professora...
E continuam procurando uma solução para o caso.
Até hoje...

Mas Marcelo pouco se importava com o que fizera


Gregório (não lembrava nem o nome do cara, não era
conhecido seu). Se importava com sua consciência. Se não
comesse Gerusa, poderia cometer alguma loucura contra ela.
Dentro ou fora da escola.
Ela já lhe dera alguns tapas.
Ele a largara. Se levantou.
Ela se encolheu no banquinho cinza.
Mas ele voltou a sentar-se.
Segurou de novo o braço que já tinha a marca de seu
musculoso punho e não soltou mesmo com uma nova
saraivada de tapas e socos por parte de uma Gerusa que se
mostrava na fronteira do desespero.
Até pontapés ela tentou.

E ninguém para ajudar.


Normal.

Samuel estava seguindo para a enfermaria.

121
L. L. Santos

Margarida o ajudava. Ao menos alguém que mostrava ter


coração. E principalmente, coragem. Porque depois viria o
resultado negativo por fazer o bem.

André se levantou e sentia que o ideal era dar uma


conferida na cantina. Mas as pernas estavam bambas. Achava
que poderia ser a próxima vitima de qualquer um ali presente.
E para ele, não existia diferença entre Marcelo e Tigela.
Deu um passo decidido a arriscar...

Nathanieli percebeu o pavor que escapava pelas axilas do


gorducho. Ele mais parecia estar andando sobre um tapete em
brasa.

Tigela olhava para Marcelo.


Não se interessou em dar uns croques em Margarida.
Ela queria era ver o que Marcelo faria com a mais bonita
garota da escola. A última virgem de uma geração.
E talvez a única moça de Francisco Alves que no dia
seguinte morreria antes de saber o que era de fato uma
trepada...
Mas, do jeito que Gerusa era, ela nunca iria para a cama
mesmo sabendo que sua vida seria extinta em menos de 24
horas. Ela era durona. Não como Tigela (em outros sentidos),
mas tinha sua convicção. Sua honra. E se respeitava.
Valorizava a si mesma. Podia até não ser um exemplo de
pessoa. Mas não era alguém que desejava a maldade aos
outros.
Talvez, no máximo, para Marcelo e quem mais já andara
lhe judiando.
E seu padrasto...

***

122
Bullying – Matando Aula

Na sala dos professores, um dos assuntos que mais


circulava nos momentos de folga, era com relação aos alunos.
Como poderia o Brasil ser herdado por bundões que nem
mesmo sabiam amarrar os próprios cadarços?
Jovens alcoólatras, viciados em todos os tipos de
entorpecentes, acostumados a ver a corrupção como algo do
dia a dia.
Uma juventude envenenada.
As cabeças brancas que dirigiam o país temiam o dia da
mudança. Quando seus cargos fossem finalmente deixados
para trás. Eles apesar dos pesares, ainda conseguiam manter o
ritmo.
Mas e os jovens?
O que eles fariam?
Estavam cada vez mais habituados a exercerem
trabalhos leves.
Não se interessam por profissões onde o exercício braçal
é requerido.
E se assim fosse continuar, o Brasil encontraria um
abismo largo e profundo. E depois, além da queda livre, ainda
teria o impacto contra as pedras da moralidade íntegra de um
país que outrora fora permeado por gente trabalhadora.
Os professores não tinham esperança naquelas criaturas
que ficavam arcadas sobre as carteiras.
Ninguém tinha.
E em Francisco Alves, isso era ainda mais perigoso.
Não por ser uma cidade do interior.
Afinal, produzia riquezas que eram mandadas para
diversas partes do país. Desde as uvas de seo Mariposo, que
eram transformadas no mais autêntico vinho italiano. As
plantações de milho, feijão, trigo. A indústria têxtil. E outros
campos que começavam a se desenvolver. Inclusive na área da
informática. Onde alguns programadores (veteranos) haviam se

123
L. L. Santos

reunido para produzir softwares de programas de sistema de


comércio. Isso facilitava em muito para os lojistas. E também
havia todo aquele esquema de suplementos eletrônicos. Talvez
fosse a única área de trabalho onde existiam alguns jovens
com interesse real.
E para os professores, isso significava alguns problemas.
Não era novidade que apesar da população de setenta mil
habitantes, uma boa parte da juventude decidia por estudar ou
mesmo ir embora para outras cidades. Principalmente
Curitiba, Londrina ou Cascavel.
Francisco Alves tinha três universidades.
Mas isso não parecia ser o suficiente para as garotas
quererem ali ficar estudando...

A sala dos professores tinha visão ampla do pátio. E eles


sempre viam tudo o que acontecia lá fora. Mas não eram
loucos de se intrometerem a ponto de precisarem descer as
pressas às escadas e separar marmanjos com hormônios a flor
da pele.
Isso era culpa dos pais molengas. E se os pais não davam
um jeito, muito menos os professores conseguiriam endireitar
todos aqueles pepinos...

Samuel nada dissera a Margarida. Não a agradecera. Se


ela nada fizesse, ele poderia estar em uma situação precária.
Ela o olhava enquanto uma moça passava o pincel de
Mertiolate em sua cara onde os arranhões das pedrinhas
resolveram desenhar um mapa ferroviário para vermes.
O crente sentia vergonha.
Era um homem.
E fora socado por uma mulher menor que ele.
Por uma prostituta.
Deus estava olhando para onde nessa hora?

124
Bullying – Matando Aula

***

Margarida sentiu-se inútil ali.


Fez o que era certo. Mas duvidou que Samuel se tocasse
quanto a isso. O que ele esperava? Perguntava-se ela saindo
sem olhar para trás. Que Deus mandasse um raio bem na
cabeça de Marcelo e depois fizesse cair uma chuva de pedras
direto no traseiro de Tigela?
Talvez se Margarida tivesse esperado mais um pouco. Só
mais um pouco. Só um pouquinho assim. Ela teria visto as
nuvens se abrindo e Jesus descendo em socorro de seu fiel
crente que não largara a Bíblia em momento algum.
Não largara de forma metafórica. Pois o livro foi ao chão.
A alguns centímetros...
É, talvez acontecesse.
Mas Margarida logo tratou de esquecer o assunto ao sair
daquela salinha branca de azulejos encardidos...
E Samuel derramou algumas lágrimas...
A moça da enfermaria só disse algumas palavras...
_ Mocinho, homem não chora.
Ele teve vontade de meter um soco bem no meio da cara
de polvo que ela tinha... mas ficou só na vontade...

André já pensava em mandar para o espaço (mais uma


vez) sua iniciativa em querer emagrecer. Levantou-se com toda
a coragem que possuía e começou a atravessar o pátio.
Nathanieli fazia o mesmo. E por pouca distância, ambos
passaram em lados opostos de Tigela que continuava vendo
Gerusa tentar se desvencilhar de Marcelo.
Tigela não estava interessada em saber o quanto Gerusa
estava sofrendo. Estava interessada em saber o que
aconteceria com seu rosto perfeito. Seria fascinante se Marcelo
resolvesse meter um soco no nariz pequenino e rebitado. Ver o

125
L. L. Santos

sangue fluir sobre os lábios. A cara ficando tão (ou mais


deformada) quanto à do estranho que visitaria sua sala na
manhã seguinte.
Marcelo só precisava de um incentivo.
Gerusa não deveria ficar com o braço engessado. Mas
com a cara enfaixada.
E Tigela deu seu primeiro passo, quando sentiu seu
braço esbarrar em alguém. Alguém não. Algo que não parecia
humano...

_ Balofo... esse suor fedorento da sua banha encostou em


mim...
_ Impressão sua, Tigela...
Ele gaguejou. E foi tanto, que caso aqui fosse transcrito,
teríamos alguns problemas de continuidade narrativa. Também
foi a primeira vez que ele disse Tigela em voz alta. Sabia que
esse era apenas o nome de trabalho dela. E que as únicas
pessoas que a chamavam pelo nome de batismo, eram as
professoras na hora da chamada.
Os olhos de Tigela ardiam.
Ok, ela trabalhava com o corpo.
Mas isso era diferente.
Ela até já tinha provado de alguns gordinhos.
Mas não valia a pena. Não tinham nenhum valor. A não
ser pela grana gorda que tiraram do bolso para colocarem na
bolsa de uma Tigela que dava gargalhadas por dentro. Ela os
elogiava. Dizia que tinham desempenho memorável. Mas, eram
gordos. E raramente algum gordo conseguia se mexer o
suficiente. No máximo ficava estirado enquanto Tigela
trabalhava sozinha. E como trabalhava. Pois os gorduchos
sequer conseguiam manter seus membros eretos tempo o
suficiente para ela simular uma gozada. Então, assim como
eles se apressavam (mas não queriam em hipótese alguma), ela

126
Bullying – Matando Aula

também fazia o mesmo e os deleitava com seus gritos


possantes, deixando-os loucos e descontrolados com suas
mãozinhas de elefante...
Mas André.
Ela nem sabia o nome dele.
Mas sentia que ele era virgem pelo olhar pateta.
Por ela, ele poderia morrer assim. Não daria pra ele de
jeito nenhum. Mesmo que pagasse o dobro ou o triplo da
tabela.
Mas quanto a isso, Tigela podia se manter calma.
Nenhum deles estaria vivo amanhã à tarde...

André tremeu como uma palmeira que sofre com a


tempestade se aproximando.
Tigela meteu seus finos dedos na garganta e o apertou.
Nathanieli estava logo ao lado.

_ Gordo de merda! Pede desculpas, agora!


_ Eu não fiz nada, guria...
_ Me tocou... essa tua carne me dá nojo..
_ Então podia pará de me estrangulá, né!?!
Ele não sabia onde tinha arranjado toda aquela coragem
para falar assim.
Todos que circulavam pelo pátio também se
surpreenderam. Ele era mesmo louco e não tinha medo da
morte.
_ Você é um viado... talvez seja mais bixa que o Enrique
chupador de pau...
Tigela ia apertar mais o pescoço banhento. Mas seus
olhos seguiram para uma mão seca que rapidamente agarrara
seu braço e o puxara com força.

***

127
L. L. Santos

Nathanieli parecia uma torre se comparada a Tigela. E


respirava rápido. Seus olhos não estavam visíveis devido aos
reflexos das lentes de sua armação barata custeada pela
prefeitura. Mas ela tinha algo diferente no rosto. E Tigela logo
percebeu do que se tratava.
_ Você bebeu, girafa!?! Esse sorriso quase invisível não
me assusta! Mas sim, o seu corpo feio! Deformado e sem
valor...
Nathanieli deu um empurrão em Tigela que a fez
cambalear. Mas poderia ter sentido as pedrinhas do pátio em
seu bumbum caso caísse. E sem contar que seria humilhante
perder para um bagulho (em sua humilde classificação).

Marcelo puxou Gerusa para perto de si.


E sentiu o hálito gostoso dela.
Devia ser Tandy de morango, pensou ele lembrando
quando comprava a mesma marca para parecer mais tcham.
Ele tinha o cabelo escovinha. Talvez já estava pensando
em ir para o serviço militar. Não tinha dúvida alguma de que
seria aceito. Só as tatuagens é que poderiam ser um tanto
desconfortáveis para os oficiais. Mas do jeito que o país estava
desesperado por soldados, com toda certeza ele seria aceito.
Mas mesmo com o cabelo tão curto, foi ruim sentir que
os fios começaram a ser puxados por dedos lisos e suarentos.
E virou a cabeça para trás, quase a perdendo como se
tivesse sido decapitado, e viu um preto lhe agarrando e
socando suas costas.
_ FILHO DA PUTA!
O preto não falou nada além disso.
Não conhecia Gerusa. Estava ouvindo sua música. E
tomara a segunda decisão mais perigosa de sua vida até aquele
momento. A primeira, seria na manhã seguinte, ao tentar

128
Bullying – Matando Aula

entrar em sua sala de aula depois de passar um tempo


cagando contra a vontade.

Marcelo veio ao chão.


Estava tão excitado com Gerusa em suas mãos que
perdera a noção do equilíbrio.
E o preto saiu correndo as pressas.
O sinal estava tocando.
Gerusa se levantou e saiu em disparada.

Marcelo sentado, pôde sentir a dor nas costas.


O preto podia ser magro, mas deu um golpe
suficientemente esperto no grandão que esperava apenas o
momento de pegá-lo depois da aula. Na sala seria impossível.
Pois ser expulso por tentar passar a vara em Gerusa, era
tudo de bom. Mas por causa de um preto que nem sabia que
existia (de forma moral, pois lembrava de que pertenciam à
mesma sala), era a gota.

Alguns alunos riram e trataram de desaparecer. Não


queriam perder suas vidas.
Tigela andava de costas, se distanciando do gordo e da
girafa. Não vira o que acontecera a Marcelo. Mas ouviu quando
alguém berrou filho da puta. Isso era comum. Mas não tão alto
assim.

Quando ela se virou, viu Marcelo no chão. Ele ria.


Chegou junto dele e ambos saíram para um dos
banheiros.
Ela disse que tinha o remédio ideal para curá-lo da
vergonha.
Só que ele tinha de pagar adiantado.

129
L. L. Santos

E ela tão logo lhe abaixou as calças e começou a


trabalhar rapidamente.
Ele por um momento esqueceu. Mas depois passou a
falar enquanto Tigela se concentrava em caprichar...

Esse episódio não gerou nenhuma nova amizade.


Dentro da sala, tudo continuou como sempre fora.
E em seus pensamentos, Ellen pedia desculpas para
Gerusa que estava com o braço doendo como se um carro
tivesse passado por cima...
Os últimos a entrarem na sala eram justamente Marcelo
e Tigela. Como dois santos...
Clóvis recebeu o olhar de Marcelo como dois torpedos
que são lançados contra o navio encalhado a ponto de ser
removido de operação rapidamente.
Isso significava que teria de sair antes. Bem antes. E
talvez, o ideal era desaparecer da escola por uns tempos. Mas
ele era meio louco mesmo, e no dia seguinte, receberia um
sinal de que não deveria entrar na sala. O único problema, era
que ele não se fazia o melhor intérprete de profecias da
escola...

Samuel estava com a cabeça entre os braços. Quase


afundando na madeira de sua carteira. Como se a terra fosse
se abrir e o levar direto para os caldeirões do Inferno. Não
podia olhar para ninguém.

Margarida não se arrependia de seu feito. Mas achava


que pagaria um preço alto demais. E em se tratando de Tigela,
isso poderia ocorrer quando se menos esperasse.

***

130
Bullying – Matando Aula

O gordo e Nathanieli estavam quietos. Queriam apenas ir


para casa assim que o último sinal batesse. O dia de suas
mortes estava apenas começando...

E Dioni?
Bem, ele fora sortudo. Faltou neste dia que antecedia o
massacre pelas mãos do estranho. Ou sorte de verdade, teria
sido faltar no dia em que o estranho decidira que era o
momento de estourar algumas cabecinhas de vento.
Mas, não dá para saber tudo.
Então, podemos logo deduzir que Dioni estava
amaldiçoando a Deus por ter faltado justamente no dia
errado... e ainda por cima, sentindo dores terríveis...

E Enrique?
Aquele garoto que nesse momento, estava a pensar em
outro garoto.
Não, ele não aparecera no penúltimo dia de aula. Tinha
ido dar uma volta na pista de atletismo com o rapazinho do
colégio particular.

131
L. L. Santos

SAMUEL

Filho único. Os pais o consideravam a maior benção de


suas vidas. Deus lhes sorrira ao mandar um garotinho
saudável e cheio de energia por aprender sobre a religião e
salvar almas.
Porque foi isso o principal de sua instrução.
Desde bebê estava junto do altar. Com o pai vestindo seu
terno cinza. Segurando firme o microfone. Pedindo por
milagres. E recebendo em troca o dízimo que provava o
sacrifício dos cordeiros para poderem se tornarem o povo
acolhido por Deus no dia do Juízo Final.
Mas o pequenino Samuel sempre pensava (pois assim
fora sempre instruído dia após dia em um ritual sem fim
aparente) que o momento de se encontrar com o Criador seria
muito depois que ele ficasse velhinho.
Quando ele morresse por invalidez.
E não na sala de aula aos dezessete anos.
Se ele tivesse a mais leve desconfiança quanto a isso,
teria ficado em casa orando. Ou então, participado da palestra
matinal de seu pai.
Mas, desta vez, Jesus não lhe visitara em sonho.
Ao contrário. Teve um pesadelo, onde Tigela o cortava
com uma tesoura de ferro toda enferrujada. Ele corria dela
pelos corredores escuros da escola. Olhava para trás, e era
nesse momento que sentia o corte das lâminas. Doía. Como
doía. Ele achava que se Jesus tivesse sentido dor parecida,
então era como andar pelas labaredas do Inferno.
Mas ali não era o Inferno. Era um pesadelo tão real que
ele estava desesperado a ponto de fazer qualquer ato para se

132
Bullying – Matando Aula

livrar da tesoura de Tigela. Mas ele estava apavorado. E era tão


real. A sensação de dor. As pernas dormentes. O som de seus
passos largos. O fôlego se esvaindo. E o sangue sendo
arrancado a cada tesourada. E não encontrava a saída. Era a
escola que estudara por tantos anos. Mas ela parecia se
transformar em um labirinto sem portas e janelas. Não existia
saída. A não ser parar e ser cortado em tantos pedaços fossem
necessários para acalmar a fúria de Tigela. Até que ela o fez.
Conseguiu lhe dar um golpe tão profundo que não teve jeito a
não ser cair e berrar. Berrar, berrar e berrar.
A morte é algo horrível.

Quando acordou, teve medo de ir à aula.


Mas ele não vira Jesus. Então não existia forma de poder
se apresentar ao sistema. Nenhum mesmo.
Seus pais lhe pediram como adquirira as marcas no
rosto.
Até um evangélico usa da mentira mais comum do ser
humano: caí.
Falou com tamanha convicção que os pais acreditaram.
Bem, ele também era um adulto.
Mas, assim como a maioria dos pais, o pastor tratava o
filho como uma criança desajeitada. E desconfiou que Samuel
pudesse ter tido algum problema para sair tropeçando em uma
das escadas escolares...
Mas seria em vão continuar com a conversa.

Completamente inútil.
Pois nada sobraria do filho depois da visita do estranho.

133
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Existia um pensamento em algumas daquelas jovens


cabeças: e se todos corressem em direção ao estranho e
pulassem sobre ele? Com apenas um revólver, o máximo que
ele faria, seria matar um ou dois. Três no máximo. Mas... quem
se habilitava? E como seria possível trocar esse tipo de
informação?

Se havia algo que a turma ficava também a pensar, era


sobre as recentes palavras do estranho. Ele não agira como se
tivesse ouvido a fala de Mendonça. E se não estava a fim de
fazer contato, de conseguir algo em troca, então o que ele
poderia querer?
Não ficara claro em sua palestra, mas dava a entender,
que ele queria fazer um jogo. Onde nenhum dos participantes
sairia vencedor. Nenhum. Nem ele...
Ou então ele já se julgava um vencedor pelo fato de quem
detinha controle total naquela sala. E se ninguém aparecera
até o momento, mesmo depois do tiro que vitimou Clóvis, então
poderia seguir em frente com seu esquema a tanto planejado...

_ Como eu estava dizendo, vim aqui para fazer um


trabalho social. Vocês não são e nem nunca serão pessoas
melhores do que eu jamais fui. Lá fora tem uma multidão
aguardando pela saída de todos vocês. Limpos. Com saúde e
prontos para logo retornarem as suas vidas. Mas tem um quê
de indiferença ali. Não é possível viver para sempre. A não ser
que vocês se tornassem famosos. Imortais de forma moral e
cultural. Astros do rock por exemplo. Deixando suas vozes e

134
Bullying – Matando Aula

melodias se perderem até o Fim dos Tempos. O som fugindo


para a vastidão do universo infinito. Porém... vocês são nada. E
sempre serão nada. É inegável que muitos se lembrarão desta
sala. Mas estes muitos são justamente os que estão do lado de
lá destas janelas. Este dia será sempre lembrado. Mas não
seus nomes. E sim, o meu. Vão falar sobre mim. E
indiretamente os considerarão como as pobres vítimas de um
louco. Ou um simples ato de terrorismo, como anda em voga
ultimamente desde que derrubaram duas torres norte-
americanas. Mas eu não sou a favor dos atos de terrorismo. E
nem mesmo tenho apreço pela violência. Acabei de matar um
dos seus sem ao menos abrir a porta. Isto sim é um ato de
maldade. Pois o coitado, seja ele quem for, não viu a morte. E
um homem que não vê a morte, simplesmente não a merece.
Eu digo homem, como uma forma universal de Humanidade.
Pois não tenho interesse em abrir a porta e ver se é ele ou ela.
Não ligo se tinha filhos. Se seus pais viverão menos devido à
dor da perda. E vocês, pessoas que não poderiam em hipótese
alguma serem assim chamadas, não terão chance alguma de
saírem daqui com vida. Ou então eu posso mudar radicalmente
de ideia. Mas isso vai depender da colaboração de cada um
neste quadrado. Caso contrário. Vou realmente usar da minha
maldade que sempre dormiu. Vejam vocês, eu estou aqui por
uma razão. E esta razão se resume ao fato de que eu também
um dia já estudei. E fui um aluno razoavelmente bom. Não
cheguei a ser brilhante. E nunca ambicionei isso. Só que um
dia... eu fui transformado visualmente. Claro que se fosse pelas
outras pessoas, minha transformação poderia ser apenas por
fora. Mas devido a nenhuma aceitação por minha aparência,
fui transformado por dentro. Ouçam bem: eu não sou mau.
Quero somente realizar algo que os ajude. Para que vocês se
libertem. E saibam que isso pode lhes mudar drasticamente.
Mas, essa mudança, só virá se cada um de vocês

135
L. L. Santos

decididamente a desejar. E não creio que vocês consigam a isso


fazer. Vamos começar agora. Antes que eu possa vir a sentir
traços de maldade em meu coração. Vocês vão fazer
exatamente o que eu mandar. E independente do resultado,
minha consciência vai dar uma nota. E esta nota será crucial
para que cada um possa sair vivo desta sala. Mas confesso
deliciosamente para todos vocês, e inclusive a sua professora,
que eu não quero ver nenhuma destas carinhas saindo com
um lindo sorriso estampado por aquela porta. Eu quero é vê-
los desesperados. Perdendo a sanidade. Implorando para
poderem viver. Mesmo que isso signifique estarem aos pedaços.
Então, vamos começar garotada...

Nenhum deles teve coragem de falar. Mas jurariam de


pés juntos que serem chamados de crianças ou mesmo
garotada, era tão injustificável e desonroso quanto estarem ali,
presos a ponto de logo deixarem suas almas escaparem de
seus corpos...

136
Bullying – Matando Aula

GERUSA

Ela era bonita e inteligente. Não muito inteligente. Mas o


suficiente para tirar notas acima da média e nunca ter
reprovado ou ficado em recuperação. Não gostava do ensino
público. Acreditava do fundo de seu coração que o ensino
privado era melhor. Mais detalhado. Com uma visão mais
ampla dos estudos. Independente de qual fosse à disciplina.
Achava isso porque pensava sobre isso e via o quanto
comentavam sobre o assunto na TV e revistas.
Mas como ela só lia as revistas das personalidades, às
vezes a melhor (e provavelmente única) amiga Ellen tinha o
costume de falar com Gerusa a respeito dos estudos.
Ellen era mais lenta. Mas sempre mais precavida. Não
tinha a beleza e nem a virgindade de Gerusa. Mas era
verdadeira. Nunca falaram sobre homens como a maioria das
adolescentes. Curtiam conversar sobre assuntos ligados ao
entretenimento moral.
Ou Ellen falava. Pois Gerusa a maioria das vezes se
mantinha no mais absoluto silêncio.
Gerusa nunca fora do tipo de criança que saía da escola,
passava em frente a casas de desconhecidos e ficava a alastrar
palavrões. Ela sempre andava um pouco mais distante deste
tipo de estudantes (se é que realmente podiam assim ser
chamados). Porém, como quem está perto, também recebe a
acusação, não foram poucas às vezes em que Gerusa recebia a
visita de pessoas que queriam lhe dar umas palmadas.
Ela nunca proferiu uma única palavra.
Mas a mãe, e principalmente o padrasto, sempre
desconfiaram, mesmo com ela sendo tão quieta. Então, ela

137
L. L. Santos

acabava levando uma surra por causa dos outros e outras que
aprontavam e sempre saíam impunes.
E como passavam em bando na frente das casas, era
praticamente impossível saber quem provocava...

Em uma das ruas que levavam a casa de Gerusa (e isso


quando ela ainda estava no primário), tinha uma senhora que
costumeiramente estava a cuidar de seus crochês,
acompanhada por seu fiel gato listrado e cinzento.
Ela ficava na varanda geralmente no final do dia. Quando
as crianças voltavam da escola. Na verdade, ela não era uma
senhora de idade. Era jovem, pouco mais de quarenta anos,
mas costumava trabalhar com suas agulhas para fazer o
orçamento da casa melhorar um pouco. Tinha gosto pela
costura. E vivia sozinha. Pois era viúva. Seu nome era Eunice.
Então, Eunice convivia com um problema.
Quando as crianças passavam na frente de sua casa,
começavam a berrar...
_ VÉIA PUTA!
_ BRUXA!
_ MULÉ LÔCA!
_ VAGABUNDA!
E variantes.
Ela suportou isso por vários meses.
Até que decidiu ir à casa de algumas das crianças.
Seguiu um dos garotos. Ele entrou em uma casa onde
não morava e saiu pelos fundos. Esse era um dos exemplos
que mostravam o quanto se desenvolvia rápido um projeto de
larápio no Brasil.
Mas Eunice chegou à casa do bandido em miniatura,
depois de muito correr.
Quando lá chegou, o pirralho de apenas 10 anos, se
escondeu atrás da mãe que estava na garagem.

138
Bullying – Matando Aula

O mais inacreditável, foi quando o pequeno demônio


disse com toda a sua fúria...
_ VAGABUNDA!
E sabem o que a mãe fez?
Nada.
Nem um tapa ou uma repreensão.
Essa sim é uma verdadeira vagabunda criando um
bandido dentro de casa. Aliás, uma família de bandidos.
Que situação...

E o pior, Eunice foi à delegacia prestar queixa. Pois ela já


não mais suportava esse tipo de comportamento. Já tinha mais
de um ano que ela convivia com aquelas cenas.
E Eunice já estava até com trauma de ir sentar em sua
varanda.
Mas, o delegado (por coincidência, Mendonça) lhe disse
com todas as palavras que a lei em nada poderia ajudá-la. Pois
como o rapazinho tinha menos de 12 anos, não podiam intimar
os pais.
Portanto, o pirralho poderia entrar na casa de Eunice e
rasgá-la ao meio com a maior faca de cozinha do mundo que
nada aconteceria.
E se Eunice colocasse uma mão sequer no menino, iria
direto para a cadeia...
E as provocações continuaram...
E Eunice ficando cada vez mais estressada...

A única felicidade para Eunice, foi saber do massacre da


sala de aula do terceiro andar. Aliás, não foram poucas as
pessoas que sorriram ao saberem do acontecido. Não que estas
pessoas tivessem gosto pelo macabro. Que adoram saborear o
sofrimento dos outros. Mas convenhamos, a maioria daqueles
alunos não prestavam... e isso provavelmente serviria de

139
L. L. Santos

exemplo para outros que gostavam de aprontar da forma mais


vil possível...

Mas Gerusa nunca fez nada disso. O problema eram os


outros.
Ela até mudou o caminho para ir e voltar. Mesmo
levando mais tempo.
Mas o pai...
Bem, o homem que estava no lugar do pai que ela nunca
conheceria nem nos sonhos, já tinha implicância com ela.
E desde que Gerusa era um bebezinho, ele a
importunava.
Costumava dar banho a ela.
Passar seus grossos dedos em suas partes íntimas. De
machucá-la física e moralmente.
A mãe sabia o quanto ele era severo.
Mas nunca desconfiou que ele fosse atravessar alguma
fronteira da imoralidade.
E Gerusa, sempre quietinha, fazia o possível para se
manter trancada no quarto ou então ficar do lado de fora da
casa quando ele não estivesse trabalhando.
E ela agradecia imensamente a Ellen quando as duas
ficavam juntas.
Assim o padrasto não poderia importuná-la de maneira
alguma.

Mas não era sempre que Ellen podia aparecer. E Gerusa


se perguntava se ela podia confiar na melhor amiga, contando
o que o paizinho dela tanto desejava e de certo modo fazia. De
um jeito indireto, mas fazia...

***

140
Bullying – Matando Aula

Ora, Gerusa contava então com 17 anos. Era uma


mulher adulta. E não uma menininha. Ou uma garotinha. Ou
adolescente. Adulta. A-dul-ta!
Ela repetia isso a si mesma diariamente. Era como um
ritual.
A preparação.
A saída do ninho.
Mas ela não encontrava a porta. Eram apenas paredes.
E o paizinho com toda certeza aprovava isso.
E por diversas vezes, ele fez propostas indecentes a
enteada.
Ela jamais pensara em dizer qualquer palavra a mãe que
nem era sua mãe.
Por quê?
Ela sabia o quanto a mãe amava aquele imbecil que
ainda estava com ela porque tinha uma menina considerada
filha gostosa. E virgem.
O padrasto (mas nunca chamara a mãe de madrasta, até
por que, não tinha como...) a avisava compulsivamente sobre
ter um relacionamento sexual. Isso a faria embarrigar. E
depois teria de se casar com o idiota que jorrou o jato de
esperma dentro de sua apertada buceta.
Uma conversa nada familiar.
Mas ele dizia que isso era para o bem dela.
E que não dava para confiar em preservativos.
Tanto para os caras como para as garotas, era como
chupar bala com a embalagem. Então, o negócio era lutar
contra o desejo.
Bem, Gerusa nunca teve tesão de verdade.
Por ninguém.
E isso o padrasto (pai, ou seja lá como ela mais podia
chamá-lo) percebia. E gostava.

141
L. L. Santos

Mas só não ia gostar de saber que ela gostava mesmo era


de outras meninas. E nem Ellen jamais tivera qualquer
desconfiança.
Gerusa era católica.
E nem sonhava em cometer o pecado da carne.
Ainda mais em sua versão deformada.

E o padrasto ainda tentava. Até já aparecera pelado na


frente dela. Ele, completamente excitado. Ela, sem o menor
interesse. A não ser o de fugir.
Ela queria ficar quieta.
E às vezes se sentia tão deprimida, que achava que o
ideal era falar a verdade. Mas desconfiava que o paizinho fosse
lhe matar. Pois ele adorava lhe esbofetear quando ficava
nervoso sem motivo aparente.
A mãe dizia que isso fazia parte de uma boa conduta
educacional.
Mas... Gerusa era boazinha. Até demais...
E continuava apanhando mesmo agora, que se
aproximava dos 18 anos...

O que lhe dava maior ódio, era ver sua mãe amando
aquele traste. Que se Gerusa quisesse, poderia viver com o
padrasto sem problema algum. Pois ele daria um bom pé na
bunda da esposa e sumiria com a filha...
Já não bastava ser adotada?

Agora, ali naquela sala, Gerusa achava que tinha


cometido alguns erros. E um deles, foi justamente esconder-se
de si mesma...
Olhou para Ellen.
A melhor amiga retribuiu o olhar, mesmo sem muita
coragem de virar o rosto, achando que o estranho pudesse

142
Bullying – Matando Aula

cometer um verdadeiro ato de loucura metendo tiros para


todos os lados.
Gerusa parecia lhe falar algo com os olhos.
Ellen não conseguiu interpretar, mas achava que eram
palavras de despedida.
Ok, Ellen não era lésbica. E tinha seu namorado mais
velho que Gerusa jamais vira. Mas, e daí?
Se tivesse coragem o suficiente, pularia em cima de Ellen
e lhe daria um abraço apertado e a beijaria com vontade.
Mas, ao invés disso, apenas estendeu a mão.
As carteiras eram próximas.
E Ellen apenas se sentiu feliz em saber que Gerusa
estava querendo compartilhar aqueles últimos momentos com
ela.
Mas Gerusa imaginava que fosse diferente. Bem
diferente.
Pois hoje, agora, estamos aqui.
E Amanhã?

Fora justamente isso que levara o estranho a entrar na


sala do terceiro andar... talvez a oportunidade nunca mais se
fizesse...

143
L. L. Santos

PROVOCAÇÃO

O jornalista Ivo Antônio Pereira foi um dos últimos a


chegar. Não teve qualquer peso em sua futura matéria. Pois
como ninguém (de fato) sabia com que louco estavam lidando,
Ivo logo pôs o cérebro formado em jornalismo dinâmico para
funcionar. E com alguma dificuldade, lembrou-se de um e-mail
recebido há algumas semanas. Talvez fosse coincidência.
Talvez. E nem tinha como saber. Dava apenas para especular.
E enquanto esteve circulando entre civis e policiais,
descobriu que ainda não havia nenhuma descoberta sobre a
identidade do cara que mantinha aquela sala lá do canto do
terceiro andar sob a mira de um calibre qualquer.

Como ele era um profissional prevenido, andava com o


gravador do celular sempre ligado. Afinal, nunca se sabe
quando alguma palavra bomba vai sair da boca de alguém.
Ainda mais de um oficial envolvido em uma operação deste
nível.
Era um jornalista gente boa. Mas, como todos de sua
raça (jornalística), ansiava por poder colocar na primeira
página algo que valesse o esforço. E não depender apenas de
manchetes extraídas da Folha de São Paulo ou do MSN.
Francisco Alves podia ser uma cidade pequena. Sem
destaque nacional em nenhuma área. A não ser, salvo parte de
sua indústria, mas isso não ficava perambulando pela mídia.
A cidade precisava de algo para despontar no cenário
nacional. E Ivo sabia que se soubesse o que escrever a respeito
deste perigoso evento, faria toda a diferença. Inclusive na
região.

144
Bullying – Matando Aula

O Diário de Francisco Alves não tinha a maior das


tiragens.
Era menor que o jornal de maior circulação de Francisco
Beltrão.
E sequer chegava na maioria das vezes, a sair do
município.
Tinha até um site caprichado. Com belas imagens em
flash para atrair leitores. Mas era jornal de interior.
Seu lucro maior provinha das publicações oficiais da
prefeitura.
E isto representava algo tão perigoso quanto uma criança
que fica balançando um vidrinho de nitroglicerina. Uma hora
pode explodir.
Mas a prefeitura de Francisco Alves estava bem em suas
finanças.
A captação de impostos aumentava a cada ano.
Mas, se um dia, por acaso as atas oficiais não mais
pudessem ser publicadas, o Diário de Francisco Alves
afundaria.
Há quem diga que com as assinaturas e anúncios, o
jornal poderia continuar sua pacata vida.
Mas isso, quem sabia, e de verdade, era o editor que
agora andava com a câmera na mão como uma adolescente
ansiosa para tirar mais uma foto e pregar na parede virtual do
Orkut.

Colher informações com a multidão que se amontoava,


era como pedir a um cego que o guiasse por um deserto em
chamas ou na mais movimentada avenida de Curitiba.
O que Ivo precisava, era encontrar alguém como
Mendonça.
Ou um idiota como Carlos que estava fazendo um
remendo na faixa de isolamento.

145
L. L. Santos

Ivo não perdeu tempo...

Quando Carlos viu o crachá da imprensa, pensou que


não seria a melhor das ideias. As informações ainda eram
precárias. Isto é, as suas informações, porque com toda e
brutal certeza, Mendonça e aquele detetive paulista, já
deveriam ter algo bom em mãos. Pois passaram um bom tempo
dentro de uma das Kombis usadas para centro de operações. E
depois saíram de lá com as caras fechadas. Na linguagem da
informação policial, Carlos sabia que isso significava saber de
algo. Ou fazer cara de quem não sabia absolutamente nada
para não chamar a atenção. Bem, de qualquer maneira, ainda
assim chamavam atenção.

Com seu celular preparado, Ivo logo se achegou a Carlos


que fez cara de desinteresse com o jornalista.
_ Olha, não tem como você passar, ok!?!
_ Eu só queria fazer algumas perguntas, policial.
_ Não tem respostas, amigo!
_ Bem, a polícia montou uma grande operação. Até
cidades vizinhas mandaram reforços. O batalhão do exército
também está aqui. É apenas um homem que está lá dentro
com as crianças?!
Crianças.
Mais um imbecil que se referia a marmanjos desta
maneira ignóbil.
Carlos deu um sorriso forçado. E ele não se conteve...
_ São adolescentes que acabaram de entrar na vida
adulta, amigo! Não há crianças! E se quer tanto saber, existe
um monstro lá dentro!
_ Lá dentro!?! Um monstro?! Bem, se for um psicopata,
então pode mesmo chamá-lo de monstro, e...

146
Bullying – Matando Aula

_ É claro que é dentro... puxa, vocês jornalistas falam


besteira, hein!?! E é um monstro sim! Com a cabeça toda
deformada! Agora, cai fora porra...

Tinha muita gente ali. Era um falatório sem fim.


Ninguém prestara atenção à conversa deles. A não ser o
celular.
Ivo começou a procurar os figurões da operação...

E Carlos, que se aproximava de Antunes, pensava se


tinha falado da forma correta. Sempre quisera ver seu nome no
jornal. Mas achava que este episódio só lhe traria algum
benefício, caso conseguisse entrar, e salvar ao menos um dos
marmanjos...

147
L. L. Santos

MARGARIDA

Desde pequenininha ela demonstrava um nível de


inteligência muito superior às outras crianças.
Tinha sua própria iniciativa.
E foi um susto quando ela disse que queria estudar em
uma escola pública aos sete anos. Tão novinha. Tão inteligente.
Aprendera a ler quase sozinha. Mas, os pais a motivavam. E
sempre estiveram ao lado da filha.

Mas... quando a levaram a uma escola particular,


tiveram uma surpresa.
Ela dizia não se sentir bem naquele ambiente.
Achava que o mesmo prejudicaria sua concentração.
E mesmo assim, os pais a deixaram lá por um mês.
Um mês inteiro de agonia.
A psicóloga não encontrava solução para a tristeza da
jovem Margarida.
Mas a menina falava todo dia com seus pais (e às vezes
com o avô, seo Mariposo) que tinha de estudar em uma escola
diferente.
Um lugar onde não existissem porcos bípedes arrotando
o tempo todo.
Uma escola pública.

É assustador.
Foi o que passou pela cabeça dos pais.
Assustador.
Mas seo Mariposo apoiou o que a neta tanto insistia em
querer.

148
Bullying – Matando Aula

Ela era dona da maior inteligência da família. A


sucessora verdadeira e definitiva de seo Mariposo. Ela herdaria
todo o império que ele levantara.
Ela continuaria levando o nome da família aos quatro
cantos do Brasil.
Mas ela era pequena.
E se queria tanto estudar em uma escola pública, era um
sinal de que queria dar uma prova grande à família e a ela
mesma.
Era criança.
Mas uma criança de atributos especiais.
Filha única. Tinha diversos primos e primas.
Todos enclausurados atrás de muros de tradicionais
colégios da região.
Mas todos burros. Ignorantes completos. Sem faltar um
único acessório.
E Margarida (talvez querendo simular a luta de Cristo)
mostrou-se extremamente competente ao entrar na sala da
entidade pública.
Não era o sistema, já dizia ela pequenina. Eram os
alunos e alunas que não tinham interesse algum em levar as
aulas a sério.
E ela dizia que quando fosse prestar vestibular, seria
também em uma universidade pública. O ensino privado
detinha tantas falhas (e ainda contava com estudantes
deformados) que ela tinha nojo ao ouvir falar do mesmo.

Mas ela parecia ser única.


Pois seus colegas de classe, reclamavam dizendo que
dariam (quase) tudo para poderem estar sentados em carteiras
privadas. Com quadros-negros digitais. E tantas outras
quinquilharias que apenas atrasavam o desempenho dos mais
estúpidos.

149
L. L. Santos

Ela se sentia uma vitoriosa.


Obviamente que ela via diversas anomalias no sistema
público. Mas era desse jeito mesmo.
E suas notas jamais se comportaram de forma errônea.
Era a estudante modelo.
Mas queria se manter distante de ser considerada um
estereótipo.
Sentia orgulho de si mesma.
Mas isso não a levava a querer aparentar ser a única, a
melhor e sempre a frente de um colégio inteiro.
Margarida estava quase saindo dali.
Sobrevivera a alguns problemas (nunca causados por
ela).
Mas gostava da escola em que passara tantos anos
estudando.
Não tinha amigos de verdade nela. Mas achava que
mesmo assim, sempre teria algumas boas lembranças.

Ela só não contava com aquele estranho...

150
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Eles poderiam ter gritado. Mas isso serviria para algo?


Achavam que não.
Mesmo que a maioria fosse um amontoado de covardes,
acreditavam que se colaborassem com o estranho, ele os
deixaria viver.
Bem, mesmo que matasse um, dois ou mesmo três (não
contavam Clóvis), ainda assim sairiam no lucro. Para o ar livre.
A liberdade.
E tinha alguns cérebros que ficavam imaginando se era
dessa mesma forma que os condenados norte-americanos se
sentiam ao receberem a notícia de que seus cus torrariam na
cadeira elétrica. Não devia ser nada bom mesmo.
A não ser que o cara condenado não desse a mínima.
Pois na hora, é desesperador. No entanto, espera-se alguns
anos na fila. Alguns esqueceriam que o dia finalmente chegaria
e teria de sentar pela última vez? Talvez.
Mas quando o momento chegava, mesmo o mais terrível
dos assassinos derramava lágrimas. Não de arrependimento.
Mas de pavor. Sentiria sua carne queimando. Estalando. A
eletricidade percorrendo o corpo a uma velocidade espantosa.
E depois, estaria livre para vagar no Mundo dos Mortos...
Ou assim dava para pensar...

Marcelo tinha no bolso um canivete. E ele não tinha ideia


de como o estranho sabia disso. Talvez enquanto ele estava
mexendo no bolso, o cara com o revólver em punho tivesse
visto de relance. Mas Marcelo tinha toda certeza da vida que
acabaria em breve que em nenhum momento cometera a

151
L. L. Santos

cagada de tirar o objeto cortante para fora, e deixá-lo exposto


como um troféu para os olhos do invasor. Tinha certeza sim.
Mas ficou em dúvida quando ouviu o cara dizer...
_ Você, cinturinha...
Marcelo tinha porte atlético. Mas como a maioria dos
homens musculosos, a cintura era tão fina quanto à da Barbie.
E ia tomando a forma de um funil em medida que ia subindo
até os ombros largos. Quase como uma pirâmide lançada ao ar
que depois aterrissou de cabeça para baixo. Ou ponta cabeça
no caso egípcio.
_ Eu!?!
Ele olhou a sua volta. Poderia ser com qualquer um. Mas
fora com ele. Os outros tinham certeza disso porque o
encaravam com olhos de desdém.
_ Você idiota, vem cá, e tira o canivete do bolso. Vem logo
antes que eu resolva espalhar a sua imbecilidade sólida no
chão para depois as zeladoras poderem trocar piadas a respeito
do valentão que se lascou por ser otário o suficiente em não
obedecer a uma simples tarefa...
Levantou-se tão lerdamente, que parecia flutuar.
O canivete já aparecia entre os dedos. Era um trabalho
artesanal muito bom. E mostraria se era tão funcional quanto
aparentava.
Se aproximou do estranho.
Ficou a frente dele.
Ele era alto. Mas sua musculatura frágil fez Marcelo
pensar...
“ _ Eu posso dominar esse corno! É um fracote! Ele se
acha macho por que tem um revólver na mão! Como foi burro
em me chamar... seguro o braço com a arma para cima e enfio
a lâmina no pescoço... Deus! Eu sempre quis fazer isso! Ver o
sangue de alguém escorrer até que a vida fosse embora
também... serei considerado o herói da cidade... E como

152
Bullying – Matando Aula

prêmio, vou querer o cabacinho da Gerusa... eu sei que posso,


que consigo, vai haver luta por parte dele, claro que vai... mas
eu vou sair vencedor...”
Que pensamentos corajosos, Marcelo...

O estranho estava pronto para começar. A arma


apontava para o chão. Um erro mortal, incluíra Marcelo no
livreto que escrevia aos garranchos em sua mente que acabara
pegando alguns músculos emprestados em troca de neurônios
que ele supostamente não usava. A não ser em suas
fantásticas habilidades na oficina...
Até que se pôs em movimento.
Agarrou o braço do estranho. Era fino e ressecado.
Não levou mais que um segundo para em seguida jogar o
canivete contra o pescoço.
O estranho se surpreendeu.
O aluno tinha tutano.

153
L. L. Santos

CLÓVIS

Sim, ele continuava encostado à parede. Morto.


Mas fora uma contribuição para o estranho. Ele apenas
não sabia.

Clóvis era mais um dos milhões de adeptos das redes


sociais. Tinha perfil no Orkut, Twitter, FaceBook, e tantos
outros que permeavam como uma doença incurável que se
alastra como a mais poderosa das epidemias. Mas, com a
vantagem de valer alguns bilhões de dólares norte-americanos.
Os usuários faziam esses números inacreditáveis
existirem.
Se eles não usassem seus perfis, as redes seriam apenas
como loteamentos abandonados criando mato, e sendo usados
por algumas pessoas que gostavam de desovar corpos de todas
as etnias e classe sociais possíveis.
Mas na rede, os únicos corpos deixados para trás, em
total abandono, são os perfis, quando hackeados, ou apenas
pelo simples fato de que o usuário não os usa mais.
Geralmente não desabilitam a conta e um defunto virtual fica
lá perdido na rede...
Mas Clóvis não era assim.
Todo dia ele entrava em todos os seus perfis.
Gostava de manter tudo atualizado.
Amigos, seguidores e o que mais existisse para designar
outras pessoas adicionadas a seus eu’s digitais.
Adorava postar fotos.
Os vídeos eram em sua maioria de Black Music.

154
Bullying – Matando Aula

E ia desde os famosos rappers americanos até os funks


dos morros cariocas.
Ele usava um medalhão dourado.
Com o típico cifrão monetário.
As calças largas.
Camisa grande o suficiente para pular de um avião sem
paraquedas ou andar sem cueca.
Mas ele tinha o costume de usar a calça tão caída
(quando usava regata) que sua roupa íntima ficava a mostra.
Não era como ver as meninas que usam calcinhas
escritas, Capricho.
Era uma visão do Inferno.
Ele fazia parte de um famoso grupo.
Não era emo.
Mas tinham um nome.
Dado pelos outros, claro.
Os Bundas Caídas.
Mas tanto ele quanto seus amigos, não davam à mínima.
Se achavam importantes neste sentido. Uma tribo tem de ter
um nome. Seja ele qual for...

Passava a maior parte do dia conectado.


Conhecia muita gente (como ele. Se vestiam do mesmo
jeito. Gostavam das mesmas músicas...) e claro, a grande
maioria, não era de Francisco Alves.
Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Salvador e até fora
do país.
Trocavam informações inúteis.
E isso era algo que o deixaria louco caso a Internet fosse
extinta por um meteoro...
Mas, o único a ser extinto, é o usuário, jamais a rede...

***

155
L. L. Santos

E Clóvis continuava lá na parede. Com o sangue já


coagulado.
Havia formado um novo assoalho. Seu reflexo era bem
desenhado.
Quem diria.
Os amigos comentariam que ele tivera uma morte
horrível.
Morrera completamente triste.
Usando o uniforme escolar...

Foi no Orkut que Clóvis conheceu um cara.


Um cara estranho.
Não havia novidade alguma quanto a isso.
Mas o cara não tinha nenhum outro amigo além de
Clóvis.
E o mesmo não falava muito de si.
Apenas que gostava das mesmas músicas.
E o preto muito falou sobre sua sala de aula.
Mesmo sem ter amizade lá dentro, sabia muito sobre
muitos...
E a única imagem do perfil de seu novo amigo estranho,
era a foto de um homem usando máscara de gás...

156
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Marcelo viu que a lâmina praticamente encostara na pele


branca e toda arranhada do estranho. Mas foi só isso...
A mão esquerda do estranho esmagou as bolas que por
tantas vezes Tigela já dera uma olhada, fazendo Marcelo urrar
como o porco que sabe o porquê de estar ganhando peso extra.
A dor foi tanta que largou no mesmo instante o braço que
não largara a arma. E o canivete caiu no chão. Fazendo um
som bastante auditivo para qualquer par de orelhas que
quisesse continuar funcionando.
_ Eu te chamei porque sabia que você é o mais burro
dessa turma, cara! É pior que o doente do Dioni, ou a bêbada
da Nathanieli! Ou mesmo o covarde balofento do André! Sem
contar o restante...

É. Ele detinha conhecimento profundo sobre a identidade


de cada aluno e aluna. Eles não tinham saída. Se pudessem,
gostariam de saber como ele sabia.
Nathanieli ficou tão rubra quanto o Sol em crepúsculo de
verão. O sangue nunca lhe parecera tão nítido. A temperatura
poderia cozinhá-la e ela viraria uma réplica daquelas altas
fogueiras de São João.
André sentiu os olhares de gozação...
No entanto, para quem mais olharam, foi para Dioni que
estava mais encolhido do que nunca, e a professora Edite se
lembrou do remédio...

157
L. L. Santos

TIGELA

Dizem que a prostituição é conhecida popularmente por


vida fácil.
Mas não é tão fácil assim.
E Tigela aprendera isso ainda pequerrucha.
Não é preciso fazer uma dissertação de mestrado para
chegar à simples conclusão do por que ela era conhecida como
Tigela. E isso poderia ser explicado com apenas duas ou três
palavras.

Se fosse preciso saber quem era a maior vítima de


bullying da escola, bastava lembrar de Tigela. Não agora, no
terceiro e último ano do ensino médio. Mas antes.
Lá no fundamental. Ou mesmo no primário, quando ela
já olhava de uma forma completamente diferente para os
garotos.

Tigela morava apenas com o pai.


Ela o amava.
Mas ele tinha um probleminha: tinha sofrido um acidente
de trabalho e acabara perdendo as pernas que lhe foram
esmagadas. O que sobrara, foram os cotos pouco acima dos
joelhos não mais existentes.
É verdade que ele recebeu uma indenização da
metalúrgica. Mas o erro foi dele. Acabou fazendo o que não
devia e quando percebeu, já berrava e fechava os olhos. A dor
de sentir a carne sendo esmigalhada fora algo que o
traumatizara para o resto da vida.

158
Bullying – Matando Aula

Além de ter ficado inválido, era viúvo. Pois a mãe de


Tigela morrera um ano antes do acidente do pai. Ela tinha
câncer. E já tinha se alastrado o suficiente. Era na laringe,
faringe e boa parte do estômago.
Passara os últimos meses da vida (se é que alguém teria
coragem de dizer vida na frente dela) deitada na cama. Mas
não era na cama de casal. Pois como a doença já avançara
demais, e ela estava perdendo boa parte do pescoço, nariz e
barriga, o cheiro estava insuportável.
Então, ficava em um quarto improvisado na despensa.
Não era maldade.
E ela sabia disso. Pedira para ficar fora da visão do
marido e da filha.
Não tinha cura. Era só esperar. Uma espera cheia de dor
e angústia.
Até que um dia, ela não acordou.
Tigela cuidava da mãe.
E quando foi tentar acordá-la, viu que parte do rosto
afundara, transformando-se em uma cratera muito parecida
com aquelas vistas nas enciclopédias, que mostravam como
ficava a superfície terrestre depois de sofrer um impacto de
alguns megatons devido a uma pedra que caiu do céu. Na
verdade, o rosto de sua mãe estava em um estado pior. E o
pescoço. E a barriga.
Quando foram tirar o corpo, parte dele ficou ali.
Foi à cena mais nojenta da vida dela e de seu pai...

E se ele acabou tendo um acidente no serviço, existia a


possibilidade da tristeza que não passava. Pois muito pensava
na esposa que morrera de uma forma tão brutal e desumana...
Bem, ele acabou se tornando um pouquinho como ela...

159
L. L. Santos

E agora que passara a ser um inválido sustentado pelo


Governo, isso mostrava claramente que Tigela teria de crescer
mais rápido.
Moravam no mais pobre bairro de Francisco Alves.
E o índice de violência ali, na época em que ela tinha
meros nove anos, era alto demais para uma cidade pequena
que devia ter em torno de quarenta mil habitantes.
A cidade crescia rápido.
E Tigela teria de acompanhar o desenvolvimento.

Ela não sabia o que era prostituição.


Mas ouvia falar.
De mulheres que vendiam o corpo. Dinheiro por alguns
minutos de prazer para homens de todas as idades e classes.
No seu entender, ela acreditava que as mulheres vendiam
o corpo uma vez. Mas depois, acabou por descobrir que na
verdade, apenas simulavam uma venda. Porque o que as
prostitutas faziam, era alugar o que elas tinham entre as
pernas. Depois os caras devolviam.
Simples assim.

E no bairro isso era comum.


O pai que já não se sentia bem pela morte da esposa
quando ainda tinha as pernas, agora não mais se considerava
homem. Estava preso a uma cadeira de rodas. Não queria sair
de casa. Nem ir até a varanda. Um homem que não funciona
da cintura para baixo, não é um homem. É isso que ele ficava
dizendo enquanto assistia TV. Bebia. E ficava olhando para
Tigela. Tão bonita. E agora, praticamente sozinha. Ou
parcialmente, já que ela achava que o pai estava apenas
passando por uma crise. De cabeça, e não das pernas que lhe
faltavam.

160
Bullying – Matando Aula

***

E como ele passava a maior parte do tempo dentro de


casa. E nem dava a mínima do paradeiro da filha, Tigela
acabou por sair para alguns lugares. Sendo influenciada. E
descobrindo que podia aumentar a renda. E claro, talvez até
ajudar o pai.
Nem completara os 10 anos e já tivera a primeira relação.
Fora com um homem que estava na casa dos quarenta. E
quando percebeu que já estava fazendo aquele serviço pela
segunda vez, era um acadêmico de direito.
Eles pagavam bem.
Tigela aprendeu rápido o valor do dinheiro.
Mas ela não ficava com tudo.
Quem a iniciara, havia sido uma cafetina muito esperta,
que sabia muito bem quanto custava uma menina. Uma
criança. Ainda mais pelo fato de que era virgem.
Tigela não teve ideia do quanto faturara a velhota. Mas
ela voltou para casa dolorida e com um bom maço de dinheiro.
Ela até explicara o porquê de querer trepar tão cedo: ajudar o
pai.
A velhota apenas disse...
_ Que bunitinha...
É, Tigela era mesmo bunitinha...

E aprendera rápido. Fazia de tudo.


Era tão requisitada quanto ela imaginava que poderia
ser.
Mas às vezes passavam-se semanas ou mesmo meses em
que ela não podia de forma alguma aparecer.
A polícia recebia denúncias sobre prostituição infantil e
saía para fazer batidas.
A pedofilia era algo comum em Francisco Alves.

161
L. L. Santos

Que ironia. Tigela achava que fosse a única menininha.


Mas ela ficou sabendo de pais que alugavam as filhas já
aos dois, três, quatro anos para ganhar uma boa grana em
troca.
E que as crianças costumavam fazer o mesmo com os
progenitores.
Seria nojento se não fosse real. Mas era além de nojento.
E Tigela nunca faria isso com o pai.
Podia ter se tornado uma puta infantil.
Mas de certa forma, achava que seria por um tempo.
Um tempo que se tornara seu cotidiano.

Os caras sempre queriam tirar fotos dela.


Mas Tigela nunca topou. Se sua imagem caísse nas ruas,
ela estaria perdida. Ainda mais com a popularização da
Internet.

Ela foi crescendo e vendo que entrar no ramo era fácil.


Mas o sair às vezes jamais poderia vir a se realizar.
A cafetina era também um problema.
Vivia sozinha em uma casinha que lembrava aquela de
João e Maria.
E era lá que aconteciam muitos dos encontros. Mas a
maior parte dos caras, gostava de levar Tigela para algum
motel ou mesmo hotel. Os donos destes estabelecimentos
lucravam muito. E não queriam perder sua fatia dos bolos que
comumente eram comidos em seus quartos.
A velhota sempre dizia a Tigela que era sua dona.
E que se ela quisesse sair, teria de pagar um valor
estrondoso.
Mas Tigela, que já estava chegando aos 12 anos, apenas
pensava em se livrar da velhota. E não seria com dinheiro.

162
Bullying – Matando Aula

Ela até imaginava algumas conversas com determinados


clientes, que insistiam para que ela os chamasse de paizinho
enquanto brincava com seus bilaus.
Acreditava que alguns deles poderiam dar cabo da
velhota.
Mas nunca fez a proposta.
Em troca eles poderiam querer ficar com ela para
sempre.
Ou então, aparecer algum problema futuro.
Então, a solução era Tigela trabalhar com suas próprias
mãos para dar um jeito na velhota.

O pai de Tigela nunca perguntara a filha o que ela


andava fazendo para engordar o orçamento familiar. A cabeça
dele estava em tão bom funcionamento quanto suas pernas
invisíveis.
E ela apenas pensava em como fazer a cafetina
desaparecer.
Até que um dia, ela fez...

Tigela costumava aparecer em diversos horários.


A velhota não dava bola pelo fato de que a menina
aparecia de surpresa na maioria das vezes. Isso era comum. E
era muita sorte jamais ter sido pega por alguma ronda policial.
Ou mesmo pelos policiais que por debaixo dos panos,
também faturavam com o sexo infantil... mas destes, a própria
cafetina queria distância, e sempre dizia isso...

Tinha de agir depressa. A velhota não era a mais ágil da


melhor idade. E por isso, quanto mais rápido fosse o serviço,
mais fácil seria resolver esse episódio de sua vida.
O ser humano tem a violência como parte primordial de
sua existência. O ódio. A injustiça. A vingança. Foram estes os

163
L. L. Santos

alicerces que outrora deixaram a Humanidade seguir seu


longínquo caminho. Não o amor. O amor apenas foi uma
consequência.
Tigela descobrira que as guerras mantiveram o mundo
em seu giro sobre o eixo imaginário. E que todas as discussões
políticas serviram para estabelecer padrões de sobrevivência.
Então, o que ela andara fazendo, não era muito diferente
de Cleópatra. E de certa forma, até Maria, mãe de Jesus, que
teve seu bebê Salvador aos 13 anos, também detinha algum
sinal que mostrava que até mesmo Deus era um tanto
impetuoso e aprovava o fato de que uma adolescente se
tornaria a progenitora do Messias.
Tigela fora recriada por uma velhota gananciosa.
Talvez se ela não tivesse encontrado essa megera, ela
vagasse direto para outro caminho. O da fome e miséria. Ou
devido a algum milagre, o do sucesso e fortuna.
Se Maria ficara grávida ainda virgem...
Por que Tigela não poderia conseguir algo semelhante?

E para ela, o semelhante, era ver um milagre. E este


milagre era a cafetina morta.
O que a velhota mais gostava de ver, era a novela. E por
vezes sem conta, Tigela ficara esperando clientes com a velhota
na sala, em um dos belos e caros sofás de cor caramelo.
Quando Tigela chegou, a velhota estava justamente
vendo a sua novela. E disse a menina para pegar um pote de
biscoitos. Em seguida era para ela aguardar que seria feita
uma ligação. Homens dispostos a comer uma garota de 12
anos é o que mais existe no mundo. Seria questão de minutos
para Tigela ser levada dali em direção a algum quarto em
qualquer canto da cidade ou mesmo para além dos limites do
município, como acontecera outras tantas vezes.
Mas ela não estava mais a fim de seguir ordens.

164
Bullying – Matando Aula

Se fosse abrir as pernas, poderia fazer quando bem


quisesse.
Tinha consciência disso.
E por este módico motivo, puxou os cabelos tingidos de
louro platina da velhota para trás, e fez a melhor faca
Tramontina rasgar a garganta em um único golpe...
A velha nem teve tempo de gritar. Apenas o esguicho de
sangue voou em direção a novela, fazendo Tony Ramos e Glória
Pires adquirirem uma cor avermelhada por estarem andando
tempo demais nas areias de Copacabana...

Tigela saiu como um raio...

E agora, ela lembrava da cena. Olhando para Marcelo


que tremia como o maior covarde da Terra. Aquele estranho
estava ali para punir a ela. E a todos os outros.
Ninguém escaparia.
Ela conseguira finalmente entender isso.
Todos mortos.
O que poderia fazê-la esboçar um sorriso, era saber se
cada um teria uma morte diferente. Original.
Clóvis recebera seu tiro.
Tinha mais 31 para serem executados.
Sem contar à professora que muito provavelmente seria a
última...
E Tigela tinha apenas mais um desejo: ver a morte de
todos os outros. Mas principalmente de Gerusa. A mais bela e
última virgem da escola...

165
L. L. Santos

ALGO

Seo Mariposo olhava com ansiedade para o celular.


Esperava que a neta mandasse alguma mensagem.
Ele não seria louco de escrever. Se o maluco que lá
dentro se encontrava, ouvisse a vibração (ou seria
musiquinha?) do aparelho, ele poderia muito bem meter-lhe
um tiro. Ou jogá-la pela janela.
Margarida. Uma flor encantada caindo rente a parede e
se transformando em uma massa sem traços reconhecíveis em
seguida...

Era o pensamento que boiava na cabeça do velhinho. E


se por acaso algum familiar ou conhecido tentasse estabelecer
contato? Isso poderia ser o fim. Será que a polícia já tinha
pensado nisso?

A uma distância não muito concreta, Mendonça estava


decidido a tentar contato mais uma vez. Pegou o mega-fone e
falou...
_ AQUI É O DELEGADO MENDONÇA! VOCÊ, SEJA
QUEM FOR, JÁ CONSEGUIU SEUS MINUTOS DE FAMA! SE
NÃO ENTRAR EM CONTATO, ISSO APENAS IRÁ COMPLICAR A
SUA SITUAÇÃO...
O detetive Aniclécio achava as palavras de Mendonça a
maior furada. Isso não era ameaça alguma.
_ VOU PASSAR MEU NÚMERO NOVAMENTE...

***

166
Bullying – Matando Aula

Algumas pessoas chegaram ao cúmulo de pensar que


não existiam aparelhos celulares dentro da sala do terceiro
andar. Pura fantasia.
Ou então, por que nenhum aluno tentara mandar
alguma mensagem de texto?

Seo Mariposo tinha recebido uma mensagem. Mas até o


momento, ainda não havia conseguido falar com Mendonça.
Pois Carlos e Antunes simplesmente o deixaram de lado. De
alguma maneira, desconfiaram que aquele velho não fosse o
homem das uvas convertidas em vinho.
Mas seo Mariposo era porreta. E seguiu a voz amplificada
de Mendonça.
Até que sua barriga foi parada pelo cordão de isolamento.
E o velho viu que tinha um cara diferente perto do
delegado.
Era o detetive paulista.
Mariposo chamou. Mas não obteve resposta.
Até que passou por debaixo da faixa e logo foi segurado
por Carlos e Antunes que estavam de olho nele...
_ O QUE ESTÃO FAZENDO!?! PRECISO FALAR COM O
DELEGADO! MINHA NETA ESTÁ LÁ!
_ Entendemos, senhor! _ disse Antunes. _ Mas não é o
único a sofrer! Por favor, não faça isso de novo...
Carlos ia dizer alguma besteira quando Aniclécio
apareceu e viu a cara repleta de suor de Mariposo.
O velho mostrou o celular.
_ Minha neta mandou uma mensagem!

Logo depois, eles estavam dentro da Kombi.


E Carlos pensando imprecações ao lado de Antunes.

167
L. L. Santos

DIONI

Toda instituição de ensino tem algum tipo de aluno


modelo. Pode ser sobre os estudos. Visual. Dependência
química. E tantas outras variações. Mas Dioni não se
encaixava em nenhuma delas. Ele era o modelo de alguém que
decaía aos poucos. Era doente. E precisava tomar seus
medicamentos para que não levasse um tombo direto para a
morte.

A doença dele encaixava-se no rol das chamadas


misteriosas.
Ou apenas uma parte dela assim fosse.
Ele tinha pedrinhas do tamanho de azeitonas gigantes
nos dois rins. E isso doía tanto quanto sentir o Diabo cutucar
enquanto o caldeirão ferve.
O SUS, até poderia lhe render uma boa cirurgia a laser.
Bastava que ele ficasse deitado, e zum.
Seus problemas iriam para o espaço.
Mas... como já fora afirmado, ele era um caso raro.
E tinha um, porém... não podia ser anestesiado. Era
completamente alérgico a qualquer tipo de anestesia.
Mas, não havia necessidade de anestesia para ser
operado a laser.
E no caso dele, até a técnica que impedia dos médicos de
usarem o bisturi, lhe causava dores secundárias.
Então, uma cirurgia convencional, seria colocá-lo no
caixão.

***

168
Bullying – Matando Aula

Desta forma, ele tinha de conviver com a dor.


Às vezes, a dor simplesmente desaparecia. Mas as pedras
continuavam lá, flutuando em seus inchados rins.
E o que lhe fazia se sentir melhor, era uma boa dose de
Buscopan.
Mas era impossível aplicar na veia.
Então, ficava a base de cápsulas.
O efeito era o mesmo.
A diferença, se comparado a uma injeção, era sobre o
tempo que levava para fazer efeito.
E demorava. Por isso, ele tinha a mania de tomar em
momentos que a dor ainda não lembrara de retornar.

Isso era viver no Inferno.


E o que lhe deixava mais possesso ainda, era saber que
além de doente, tinha um dos cérebros de menor rendimento
da escola.
Sofria bullying como qualquer outro.
Mas quase ninguém via.
Enquanto os outros podiam ser considerados públicos,
Dioni sentia-se privado. Bulinar um burro doente era
sacrilégio. Mas não o perdoavam.
E isso o fazia entrar cada vez mais na lagoa de merda que
se formava em sua mente.

Era comum ele ficar até uma semana sem aparecer na


escola.
Ontem mesmo ele teve de ficar em casa porque a dor
estava tão forte que não tinha condições de andar.
E quando a dor atacava, era para valer. Mas a mesma era
comum à noite, impedindo seu sono.
E na escola, era mais difícil de acontecer.

169
L. L. Santos

Mas hoje, nesta manhã em que receberam a visita de um


estranho mascarado, armado e louco para matar, Dioni estava
dolorido como nunca. Ainda não havia soltado um único
gemido. Mas não dava mais para segurar... logo as lágrimas
cairiam e ele sentiria o assoalho de madeira em seu rosto. E
finalmente gritaria...

A professora Edite olhou para ele.


Seu rosto estava tão molhado quanto ao de alguém que
sai do banho sem se secar. Suava como um motor em pleno
inverno. Ela pressentia que ele ia ter um ataque. E isso geraria
o caos. O fim de todos ali dentro da sala do terceiro andar.
E o único pensamento que a professora poderia formular,
era o fato de que Dioni deveria ter faltado à aula. Não veio
ontem. Por que não ficou sentindo as fortes dores em casa?
Mas pelo visto, ele queria era dar um jeito em definitivo
para que nunca mais pudesse sentir qualquer traço de dor que
o fazia se mexer como um rato esmagado pela ratoeira...

170
Bullying – Matando Aula

O PENÚLTIMO DIA DE AULA

Além de tomarem cafezinho, fazer alguma rápida revisão


ou apenas jogarem conversa fora, o corpo docente às vezes
confabulava sobre o quanto era criticado pela mídia ou mesmo
pelas famílias de seus milhares de alunos.
Ficavam com as orelhas quentes na sala dos professores.
E queriam explodir sua fúria, mostrando que (alguns
deles) realmente faziam o possível pela educação. O ensino de
qualidade que muita gente não acreditava existir.
Era comum algumas mães virem a escola para perguntar
se a professora não estava dando aula.
Por quê?
Porque minha filhinha de cinco anos não sabe ler nem
escrever! Então a culpa é da professora que não é uma boa
professora! Não tem competência para professorar e blá, blá,
blá...
Se ouvia muito disso...
Mas a mãe talvez não soubesse que fazia parte dela
também ajudar no aprendizado em casa. O pai não ficaria
atrás.
Mas eram da geração mole.
Moleza prolongada.
Pais que jamais deveriam ser pais. Mães que não valiam
um tostão.
Ambos apenas pensavam em seus trabalhos. Suas
diversões. E claro, às vezes era apenas o nada.
Simplesmente porque não tinham paciência e interesse
em fazer algo pelo filho.
Ou faziam.

171
L. L. Santos

Mas da maneira errada.


Não dando tapas.
Não batendo em hipótese alguma.
Acobertando as traquinagens da criança.
Deixando que o rebento fizesse tudo o que lhe desse na
telha.
E os pais ainda riem das atrocidades.
Dando tudo de bens materiais, mas deixando de lado a
educação.
Mães que deixam os filhos em lan houses e saem com
seus amantes para o motel. Ou mães que fazem verdadeiros
tours pelos salões de beleza e compras no shopping Center...
E pais que apenas levam os filhos a locais de lazer para
ficar de olho sobre deliciosas adolescentes que fazem o possível
para usarem o mínimo de roupas, e estão sempre prontas para
darem para aqueles homens, em troca de uma boa gorjeta...
Ou seja, a maior parte dos homens que é pai, apenas
queria manter o sexo em dia, não importando o quanto a
educação de seus filhos fosse prejudicada...
E as mães, querendo se tornar eternamente jovens...
Mas isso era impossível...

Na sala dos professores, a frase mais comum era esta:


“Os professores estão aqui para ensinar o bê-á-bá! E não
para educar! Olha como essa cambada é sem-vergonha...”

É engraçado como as pessoas confundem educação


sistemática com educação familiar...

Mas era uma grande verdade que alguns professores não


fossem dos melhores. Estavam ali em frente ao quadro-negro
apenas para não morrerem de fome. E pouco ligavam para as

172
Bullying – Matando Aula

criaturas que se encontravam sentadas em todas aquelas


carteiras.
E também existiam os profissionais que se importavam.
E até falavam com todo aquele mundaréu de alunos hipócritas.
Conversavam sobre educação. Que na rua, deveriam respeitar
as pessoas. Que fossem gentis. Que não tivessem vergonha de
serem educados.
Mas... isso esgotava. E eram poucos os estudantes que se
enquadravam entre aqueles que detinham a educação que
viera do berço.
E estes, não precisavam de chamadas ocasionais de suas
professoras...
Eram sempre os outros.
E estes, não tinham cura.
Seriam assim para o resto de suas apáticas vidas.
Não importando a que classe pertenciam.
Eram futuros representantes do crime que ainda
boiavam na manta de uma sociedade quebrada e corruptora.

Mas algumas professoras, ainda tentavam.


E isso às vezes, as transformavam em vítimas de
agressões morais e físicas.
Tinha de ser louco ou corajoso para querer dar aula.
Um salário de fome em alguns casos. Ou na maioria
deles.
A grande massa de professores admitia que já não
estavam vendo muita diferença entre dar aula para crianças,
adolescentes ou mesmo adultos.
O cérebro dos estudantes era apenas uma massa fecal
constituída por alguns neurônios que os fazia pensar que eram
seres humanos.
E desde a pré-escola até a faculdade, a mentalidade
pouco ou nada evoluía...

173
L. L. Santos

***

Lá no pátio, sinal de encrenca.


Marcelo era reconhecível de longe.
Uma das professoras, estava de olho.
Outras apenas fizeram comentários de que elas em
hipótese alguma deveriam intervir.
Não queriam deixar de bater o cartão.

Mas, e se alguma tragédia ocorresse?


Nenhuma escola estava a salvo destes indivíduos.
Os próprios alunos se tornaram ameaças.

No dia seguinte, certas professoras acreditariam que o


que estava acontecendo na sala do terceiro andar, funcionaria
como um incentivo para que os alunos mal-encarados
mudassem seu jeito de ser...
Mas elas também acreditavam que se nenhuma vítima
fosse feita, isso seria ainda melhor.
Pois era de um bom susto que aquela turma precisava...
Algo que os fizesse pensar.
Mas eles não pensavam. Não da forma como
verdadeiramente deveriam...

174
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Marcelo estava parado. Ou quase.


No chão, ele se contorcia de uma forma similar a Dioni
durante seus ataques de dor compulsiva.
Se encolhia.
O estranho o olhava.
Depois, virou o rosto em direção à professora e disse
calmamente...
_ Não se preocupe, professora... ele nada fez de errado...
Mas com toda certeza, apenas acelerou o processo do jogo...
venha cá... agora, por favor, professora...
Ela veio.
E os alunos viam facilmente que ela tremia. Tinha medo.
Pavor. Estava a ponto de berrar. Ela pensava nas dores de
Dioni. Pensava em Clóvis estirado do outro lado da porta. E
queria parar de pensar. Isso fazia a cabeça doer. Precisava de
um comprimido urgente.

Dioni estava com a cabeça voltada para a carteira.


Parecia um milagre. A dor estava passando. Ou ele achava que
tinha chegado ao nível intermediário que situava a fronteira da
dor com a morte. Não gemera nenhuma vez desde que o
estranho entrara.
Aliás, nunca dera esse vexame na sala de aula.
Não queria ser um fiasquento.
Ser mais um motivo de chacota.
O pessoal ali não tinha dó. E ele aprendera isso muito
cedo.
Sempre tinha saído quando sentia a primeira pontada.

175
L. L. Santos

Desta vez, o que ele sentira era leve.


Mas de repente, a dor cessou.
E por um momento, ficou feliz.
Mas também preocupado. Pois isso acontecia, a dor
reaparecia com força total, fazendo-o dar pulos olímpicos.
Mas ele implorava a Deus que desta vez demorasse. O
suficiente para que pudesse sair dali de cabeça erguida.
Pois continuava com o rosto suado entre os braços.
Ninguém olhava para ele.
Apenas a professora Edite...

Ela não precisou se esforçar para percorrer aqueles


metros.
Mas achava que quanto mais tempo levasse, mais tempo
os alunos teriam de vida. Ou seria ao contrário?
Ela levantou os olhos para poder encarar aquele rosto
deformado.
Sempre tivera medo dos filmes de terror.
Nunca conseguira assistir algum até o fim.
Admitia que vários tinham enredos chamativos e
inteligentes. Mas o sangue. Todas aquelas imagens horríveis.
Era preciso aquilo para contar uma boa estória?
Não precisamente.
Mas era um algo a mais.
E ela que era fã de cinema (preferia as comédias
românticas), achava que se um dia o cinema fosse extinto, os
historiadores se perguntariam o porquê das pessoas gostarem
tanto de tais produções.
Queriam a paz. Buscavam a paz. O amor. A harmonia.
Mas em troca, não faziam apenas em filmes as cenas de
horror.
Elas existiam no mundo real.
E a vida e a arte se espelhavam de forma magistral.

176
Bullying – Matando Aula

***

A professora Edite sabia que uma boa parte da turma da


sala do terceiro andar, quando não frequentava o cinema,
gostava de baixar filmes na Internet. E ela ouvia tanto os
rapazes quanto as moças, conversarem sobre estórias (e
histórias) de todos os tipos. Mas as mais comuns eram sobre
violência. E geralmente, violência contra a mulher.
E pelo visto, no cinema isso era algo importante a
formação de uma nova geração.
Um catalisador de possíveis psicopatas. Era isso que a
professora Edite muitas vezes formulava.
E talvez, aquele estranho fosse um dos adeptos. Ou seria
vitima? Influenciado pela mídia. Por filmes. Jogos. Músicas.
Livros.
Ou apenas por uma educação bizarra que sua família
insistiu em impor...
Mas agora, em nada adiantava estudar o caso.
Ela não era psicóloga. Muito menos psiquiatra.
Era a professora Edite. E dava suas 60 horas-aula
semanais e rezava para que pudesse chegar viva em casa. Todo
santo dia...

Os olhos vidrados do estranho lhe causaram dor.


Mas ela assim mesmo, encorajou-se e queria perguntar o
que ele queria que ela fizesse. Mas no fundo, sabia exatamente
o que era.
Ele já havia soltado Marcelo.
O rapaz não poderia usar seu instrumento por um bom
tempo. E não conseguiria se levantar sem ajuda.
A professora Edite achou que era isso que devia fazer.
Mas foi interrompida pelo cano do revólver e a voz do estranho.

177
L. L. Santos

_ É para se abaixar, professora... Mas deve pegar o


canivete, e não levantar esse monte de merda...
Por um segundo, os olhos de Marcelo cruzaram com os
da professora. Ambos estavam embalados pela sensação de
terror que corria em suas veias. Estavam atordoados.
Apavorados. E o restante da sala em silêncio.
A voz de Mendonça irrompeu o ar novamente.
A professora não teve coragem de pedir para o estranho
responder. Ela não queria morrer. E aquele lunático não
hesitaria em atirar por causa de uma conduta como aquela que
ela estava pensando em usar.
Ter tentado ajudar Marcelo já tinha deixado a voz do
estranho mais grossa.

A máscara ainda estava pendurada em sua mão


esquerda.
Mais precisamente uma das fivelas que se enrolava no
dedão. Ele não parecia querer deixar que ela fosse colocada
fora de alcance.
Era como um segundo estranho ali. Ou o primeiro, caso
se analisasse por ordem de chegada.

A professora Edite apertou o canivete em sua branca


mão.
E não gostara da sensação de poder que o objeto de
metal lhe instigava.
Poderia tentar a loucura que Marcelo fizera há pouco.
Mas nem ele, sendo grande e forte, foi capaz de fazer uma
só ferida no corpo franzino do estranho. Então, ela, professora
que só estava pensando se um dia conseguiria voltar as suas
aulas, teria alguma chance?
Não. É claro que não.
Era jovem.

178
Bullying – Matando Aula

Mas não era ignorante como seu aluno.

Se levantou e mostrou o canivete para ele que se curvou


um pouco para ver melhor os olhos dela atrás das lentes meio
empapadas de umidade. A sala estava ficando quente demais...
_ Pegue este objeto cortante, e comece a arrancar tiras de
carne deste marmanjo que está prestes a se mijar, professora...
Ela e todos ali sentiram o que jamais saberiam poder
existir: o medo real que os faria implorar a qualquer custo para
poderem continuar vivos...
_ Mas, preste atenção: ele não deve morrer! Deve sofrer!
E gritar! Muito, muito e muito! E quando a morte acabar por se
mostrar em face para todos nesta sala, ele deve ser deixado de
lado... e a professora vai passar este canivete para um destes
alunos! E o escolhido, deverá escolher outra vítima, e assim
por diante! Até que o círculo se feche... mas não será a
professora a fechar o círculo, e sim, fazer o centro do mesmo...
entende o que quero dizer, professora Edite?
Ela não soube onde reunira tamanha coragem (ou
loucura) para pronunciar...
_ Você é louco...
_ Não, aqui os loucos judiam uns dos outros! E você faz
parte deste seleto grupo! Pois é loucura querer ensinar algo aos
loucos! E por este motivo, estou instruindo de uma forma
doente, o que vocês loucos devem fazer...
_ Por favor, ligue para aquele delegado! Fale com ele!
Tenho certeza de que você sairá em segurança daqui! Ele pod...
_ Não tenho interesse em sair em segurança, professora!
Olhe para mim! Para meu rosto! Meu corpo! Acha que vão fazer
o que comigo? Me tratarem mentalmente? Vão me matar!
Apenas isso... mas eles nem se deram conta, de que eu já fui
morto uma vez...

179
L. L. Santos

Ela queria falar mais. Ganhar tempo. Mas tempo para


que?
A polícia não parecia disposta a querer entrar a força.
Estavam querendo antes dialogar.
Talvez se ouvissem novos gritos, ousassem entrar com
tudo.
Mas eles não estavam era a fim de adquirirem mais
problemas do que já tinham em seus currículos.

E a professora ficou pensando se o estranho não era um


ex-aluno da escola querendo obter vingança. E ia perguntar
quando ele mostrou que não estava disposto a conversa mole.
Atirou sem dificuldade contra uma garota negra que
estava sentada ao lado da porta que recebera o tiro que foi
encaminhado direto para a cabeça de Clóvis.
A menina morreu na hora.
Os berros explodiram.

_ POR QUE NÃO NOS MATA DE UMA VEZ SEU


DESGRAÇADO!?! POR QUE!?!
Ela se embebeu em lágrimas.
Marcelo ainda não tinha forças para se levantar.

E em sua carteira, Dioni começava a sentir as dores


pontiagudas.

Margarida tomava todo o cuidado para escrever alguma


mensagem via SMS. Não tinha ideia de onde o avô estava. Mas
achava que se ele recebesse a mensagem, talvez viesse à frente
do colégio e tentasse algo. Mas tentasse o que? Imaginava ela.
Mostrar para o delegado, talvez?
Que eles ainda estavam vivos?
Mas que aos poucos, começava o massacre?

180
Bullying – Matando Aula

E independente de ser com um revólver ou um canivete,


não era nada agradável de se olhar.
Ela suava e tinha medo como qualquer outro ali. Mas
estava mandando uma mensagem. A segunda.
E desta vez, escreveu apenas o que seus trêmulos dedos
suportaram...

“EST COMCAND A MATR 1 POR 1”

Até que aconteceu algo que Margarida não esperava...


_ Menina... _ disse o estranho gentilmente enquanto
estendia a mão com a máscara dependurada. _ Eu quero o seu
celular...

181
L. L. Santos

A CHEGADA

Ivo e sua incansável câmera continuavam a postos para


qualquer novidade. Mas, para sua tristeza, a única novidade de
fato naquela manhã (além do evento repleto de sangue) fora
avistar a van da maior emissora de TV estacionar atrás da
multidão. Era a RPC, afiliada da Globo.
Logo, quilômetros de fios começaram a ser desenrolados
e uma equipe de jornalistas saiu como um vendaval das portas
escancaradas da van.
A mini antena parabólica no teto girava como um pião.
Não começaram com as típicas perguntas, mas sim, com
uma breve apresentação. E claro, ao vivo para todo o Brasil.
Obviamente que algum âncora de São Paulo ou Rio de
Janeiro anunciou em cadeia nacional o que estava por vir,
então perguntou a repórter que recebia as informações em seu
microscópico fone enterrado na orelha...
_ A situação não é nada boa! Um rapaz entrou a cerca de
duas horas nesta escola estadual, onde mantém uma sala
inteira mais a professora como refém. Segundo informações
extraoficiais, pelo menos um aluno teria sido baleado. Mas
nada confirma se o mesmo falecera.
Ela tomou fôlego e começou a embaralhar.
_ A cena chocante, transformou a pacata cidadezinha de
Francisco Alves do Sudoeste...
Pacata? Ora, o que ela sabia dessa cidade?
Cidadezinha?, pensaram algumas pessoas próximas.
Meu Deus! Francisco Alves (do Sudoeste) é um pólo da
indústria têxtil. Boa parte dos grãos que alimenta o país sai
desta cidadezinha (e de mais um monte de cidadezinhas).

182
Bullying – Matando Aula

Então por que tratar a bela e próspera Francisco Alves


como cidadezinha?
Muita gente torceu o nariz...
_ ... daqui a pouco voltaremos com novas informações! É
com você Bonner!
É, era com ele sim, pensou Ivo, o representante
jornalístico de Francisco Alves. Agora estavam em cadeia
nacional. Se tivessem sorte, alguns confeccionariam cartazes
com comerciais de suas riquezas naturais. Sem esquecer as
manufaturas.
A verdade do jornalismo, era o simples fato de que muito
do que era escrito, era simplesmente inventado. Ou melhor,
apenas estendido para que parecesse muito mais do que era.
Ou às vezes, muito menos.
E com essa ideia tão simplória na cabeça, Ivo começou a
rascunhar em seu bloquinho extra...
Outras sucursais de outras emissoras estacionavam...

183
L. L. Santos

A ESCOLHA

Mendonça e Aniclécio olhavam para as mensagens.


Seo Mariposo estava aflito. E não entendia como aqueles
dois homens da lei podiam se manter aparentemente tão
tranquilos.

O som de tiros.
Ou fora apenas um?
Ou talvez nada tivesse a ver com uma arma?
Não dava para saber.

Até que o aparelho vibrou...


E não era uma mensagem.
Mas uma ligação.
Mendonça ergueu o celular para que seo Mariposo
pudesse ver o display. Era o número de Margarida.
_ MEU DEUS! É ela! É ela!
_ Ou talvez o cara que está lá... _ disse o detetive.
_ Concordo _ emendou o delegado e atendeu _ Alô...
_ Sou eu... o homem que mantêm esses imbecis sob a
mira de um revólver... e você...?...
_ Delegado Mendonça! O que você quer!?!
_ Pergunte pela minha neta, por favor... _ seo Mariposo
teve de se controlar para não arrancar o aparelho das mãos de
Mendonça...
Mas o estranho ouviu as palavras de desespero...
_ Diga a esse aí seja lá quem for, que a neta dele está
viva... por enquanto...
_ Ele disse que sua neta está bem...

184
Bullying – Matando Aula

_ Quero falar com ela...


_ De jeito nenhum! _ disse o estranho, e desta vez,
Mariposo pôde ouvir claramente. _ Mas vamos conversar...
Você é o delegado? Claro, claro que é...
_ Sim...
_ Eu não queria lhe ligar... apenas ver onde esse aparelho
iria tocar... e também dei uma conferida nas mensagens
enviadas... são de causar lágrimas...
_ O que você quer para soltar os alunos!?!
_ Nada...
_ Tem de existir algo, homem! Pois não queremos invadir
e lhe meter um tiro na cabeça...
Aniclécio não achava que aquelas fossem as melhores
palavras em hipótese alguma. Se lá naquela sala do terceiro
andar tinha um psicopata, então tudo teria ido mesmo
abaixo...
_ Eu já matei dois! Um casal! E eu nem abri a porta para
estourar os miolos do crioulo! Eu sei quem ele era! E a pouco,
meti uma bala na cabeça de uma preta... eles são muitos...
podem causar problemas caso continuem se multiplicando...
Mendonça teve a impressão de que se tratava de um
psicopata racista.
_ Delegado... eu tenho apenas mais seis balas... e um
canivete... e vejamos... 30 idiotas para mandar para além
vida... e isso sem contar a professorinha... isso significa algo
para você?
_ Meu Deus... _ disse Aniclécio...
O estranho ouvira...
_ Opa! Tem mais alguém aí! Que bom, assim a notícia se
espalha como rastilho de pólvora! _ fez uma pausa _ Eu tenho
uma granada dentro de um dos meus bolsos! Na verdade, é no
esquerdo... e confesso que estou me segurando para não usá-la

185
L. L. Santos

antes de minha última bala... ou enquanto a lâmina do


canivete – cortesia de Marcelo, o burro –, não quebrar...
_ Se entendi o que quer dizer...
_ Entendeu sim, delegado... não importa o que
aconteça... todos aqui vão morrer...
E desligou...

_ Ele está blefando... _ disse Aniclécio...


_ Pensei que por ter vindo de uma cidade grande, você
fosse mais esperto, detetive... _ disse Mendonça devolvendo o
aparelho para Mariposo... _ Esse cara, é doente ao extremo!
Acho que seria muito mais fácil se aqueles alunos resolvessem
pular sobre ele...
_ E a granada estoura... _ disse Mariposo que apesar de
velho, parecia ainda mais velho...
_ Se é que ele tem mesmo uma granada...
_ E o que o faz pensar assim, detetive!?! O cara já matou
dois alunos! E um deles, eu vi explodindo através do monitor
de vigilância! Aquele louco nem precisou abrir a porta!
_ Temos de invadir... não existe outra opção...

Mariposo apenas ouvia. Sua mente queria se desligar. E


recomeçar tudo de novo. Mas desta vez, em um caminho
diferente.

186
Bullying – Matando Aula

A INSTRUÇÃO

Carlinhos podia ser rejeitado pelos outros. Mas em seu


íntimo, ele procurava encontrar forças para sobreviver aos
valentões. Ou patifes, como aprendera nos livros de Charles
Dickens. Costumava passar horas e mais horas brincando
sozinho. Afastado não apenas na instituição de ensino como
em casa. Tinha fascínio pelo fogo. O calor. As chamas que
lambiam o ar. Ele imaginava toda aquela criançada ardendo
em agonia, aos prantos, com berros surdos clamando por
ajuda a seus papitos. Mas os mesmos se encontrando a curta
distância, jamais conseguiriam chegar até os pimpolhos titãs
de agasalho cinza avermelhado. Então, que torrassem como
porcos no espeto. As pernas movimentando-se durante aquele
espetacular giro sobre as línguas de fogo que deixam suas
tenras e góticas marcas escuras para todo o sempre.

Não é exagero em afirmar que depois de um tempo,


Carlinhos começara a atear fogo em formigas, passarinhos,
sapos, gatos e cachorros...
E ansiava por ver como uma pessoa se manifestaria em
combustão...
Ele não tinha culpa.
Lhe injetaram o combustível do caos.
No fundo, ele não dava a mínima por ser considerado um
peso morto.
Seus ditos amigos apenas não lhe davam pancadas e o
cobriam de nomes injuriosos. Mas no fundo, apenas tinham dó
da criatura franzina que andava aos tropeços e tinha um olhar
de doente que fugira do hospital muito antes de conhecer alta.

187
L. L. Santos

***

Foi dito anteriormente que seus pais foram à escola para


procurar resolver o problema do filho. E que nada surtiu efeito.
Vale mencionar também que pais, na verdade, era somente a
mãe que fora algumas vezes. O pai mesmo, foi uma única vez.
E não pareceu se importar muito com a aflição do pequeno
Carlinhos...

E sobre suas brincadeiras secretas com fogo, Carlinhos


sempre cuidava para não ser pego em flagrante. Não foi do dia
para a noite que ele começou a incinerar. Ele começou mesmo
com inocentes formigas. Roubara uma das caixas de fósforo do
fogão e sempre que tinha oportunidade, não hesitava em ver
aqueles pontinhos escarlates indo de um lado a outro. A ideia
original não fora dele. Foi mais um incentivo que ocorrera nos
fundos da escola. E nem era o horário do recreio...

Carlinhos tinha mais um encontro com a psicóloga. Já


frequentava aquela sala pequena a mais de um mês. E até o
momento, ele não havia feito progresso algum. Obviamente que
a profissional de mentalidade infantil o testava com os bons e
velhos quebra-cabeças de 4 e 6 peças do tamanho do Cristo
Redentor. Ou seja, até quem não queria, acabava por montar a
paisagem ou o burrinho sorridente que mascava seu chiclete
esverdeado.
Ele não ficava ali para fazer contas. Apenas conversavam
um pouco e fazia alguns exercícios banais. Nada que lhe
apetecesse. Fazia porque sabia que tinha de fazer. Mas o que a
psicóloga queria saber, era por que diabos Carlinhos não
conseguia somar dois mais dois... nenhuma matéria entrava-
lhe na cabeça. Mas aquele jogo simples demonstrava que ele

188
Bullying – Matando Aula

tinha o cérebro em perfeito estado. Um funcionamento sem


falhas. Era o que a psicóloga dava a entender.
E foi depois de uma destas puxadas seções que Carlinhos
acabou indo para o caminho errado mais uma vez.
Em sentido físico e direcional, Carlinhos não voltou para
a sala de aula como era de costume e lei. Mas algo em sua
cabeça preenchida por um turbilhão de ideias o fez sair para o
pátio e de alguma forma, seguir para os fundos de um dos
prédios.
E lá, sentou em um canto e ficou a se contorcer em dor
emocional...

Não era um garoto apenas que gostava de bulinar com


Carlinhos. Eram vários. E toda a escola sabia que Carlinhos
era a área de testes de qualquer um que quisesse fazer novas
experiências. Mesmo com fogo.

Carlinhos continuava com seus sete anos. E não


percebeu que três sombras o cobriram...
Uma dessas sombras era grande o suficiente para se
acreditar que um elefante tinha fugido do zoológico. Mas só
havia um porém: na cidade de Carlinhos, os únicos zoológicos
existentes, eram os colégios.
Outra das sombras era menor, mas com o físico mais
avantajado.
E por fim, o mais curioso: a terceira sombra era de
aspecto quase idêntico ao de Carlinhos. Mas isso não era de se
surpreender. Pois desde que o mundo é mundo, existem todas
as formas de seres humanos não somente no intelecto, mas no
visual.
Mas todos os outros raquíticos da escola não eram
empalados como Carlinhos...

189
L. L. Santos

Sofriam um pouco, mas quando alguém que estava a


pegar no pé, percebia que a presença de Carlinhos era
próxima, deixava de lado sua vítima experimental para colocar
em prática todos os testes de seu laboratório do mal...

Carlinhos só percebeu o trio quando ouviu um


barulhinho sem muita importância.
O isqueiro.
Os atacantes chegaram de mansinho. Não fizeram um
único ruído. Mas ao ascender à chama, era praticamente
impossível que nada fosse proferido em áudio.
_ Olha só, cambada _ disse o do meio, aquele de aspecto
musculoso _ O Carlinhos tá dando uma cagada que nem
índio...
_ Então vamo dá a alegria do fogo pra ele _ o balofo...
_ Queima o cabelo dele! _ o magrelo...

Carlinhos os olhou por um momento tão rápido, que logo


fechou os olhos e colocou a cabeça entre os joelhos como já
estava a uns bons cinco minutos.
Tinha medo. Achava que desta vez, a situação ficaria pior
que de costume.
_ Porra! _ o atleticamente vistoso _ Não vô colocá o
isquero na cabeça dele. Tinha que tê fósforo! Assim dava pra
jogá...
_ Dexa de sê otário _ gordo _ Se num tem corage, some
daqui... O magrão vai fazê o serviço.
Muita gente se perguntou o porquê de Carlinhos ficar ali,
quieto. Sem emitir palavra alguma de socorro. Ora, não
adiantaria. Não que aquele ponto da escola fosse uma área de
acesso mais complicado, ou algum funcionário não pudesse
estar passando por perto. Era porque Carlinhos estava
cansado. Seu primeiro ano escolar e já havia conhecido o

190
Bullying – Matando Aula

Inferno de cabo a rabo. Tinha perdido as esperanças. Não


conseguia explicar a si mesmo porque o elegeram como um
clone do Messias para ser surrado até a morte. Mas, no fundo,
ele queria berrar. E também queria poder socar o trio que
ainda discutia como deveriam fazer. Carlinhos estava
apavorado. Sentia seu coração colidindo com os ossos. Achava
que o melhor, seria morrer de medo... pois o medo, convertido
em pavor, mata... e Carlinhos estava em pânico. No entanto, os
valentões não se davam conta disso. Acreditavam que no
fundo, Carlinhos gostava de aparecer desta forma. O aparecido
da escola.
Essa seria a maior das lições.
Eles esqueceriam em pouco tempo.
Mas Carlinhos carregaria as marcas físicas e psíquicas
para o resto de sua vida.

A idade dos atacantes era variável. A escola comportava


do ensino primário até a conclusão do ensino médio. Mas no
tempo de Carlinhos isso não importava. E daqueles três, o
atlético tinha 16, o gordo 15 e o magrelo, aspirante a sucessor
de seus mentores, era pouco mais velho que Carlinhos: 9.

Carlinhos era criança. Os outros não eram. Poderiam ser


considerados como psicóticos socialmente louváveis. Pois
nenhum do trio jamais frequentara a sala da psicóloga. E se
isso acontecesse, com toda certeza eles de lá sairiam sem
dificuldade. Mesmo pela janela.
Mas era Carlinhos o anormal. A anomalia que deixava
toda a escola com vergonha. Ele tinha a dificuldade de
aprendizado. Então ele é quem deveria pagar por um erro
grotesco. Deveria ser condenado a roda.
Como alguns mais instruídos nas artes imaginavam.

191
L. L. Santos

Mas ali não era a Idade Média, com um castelo, e todos


os camponeses reunidos em torno dos seguidores do Inquisidor
para ver alguma bruxa sendo amarrada a uma roda onde
depois, seria esmagada por outra roda semelhante por um
carrasco devidamente desenvolvido fisicamente para suportar o
peso de tal instrumento de tortura e morte.

Não era.
Mas as pessoas se comportavam como se fosse normal
ver sangue escorrendo. Isso poderia ser classificado como o
resultado de uma educação familiar exemplar. Pais que em
nada se importavam se os filhos estivessem ou não em sala de
aula. Se estavam na rua brincando ou provocando qualquer
pessoa que estivesse passando. Ou fazendo certas criancices
ilícitas como qualquer larápio profissional.

Ali era o Brasil.


Em um Estado desenvolvido.
Com uma cidade modelo em termos de industrialização.
Mas, assim como qualquer lugar do mundo, sempre
existiam as ovelhas negras que acabavam por infectar todo o
rebanho com o ódio. E assim, faziam proliferar mais e mais
ovelhas escuras...

O magrelo não era o líder do bando. Nem o gordo. Mas o


fortão. No entanto, o magricela pegou o isqueiro e sem demora
se achegou de Carlinhos. O acendeu. E estava quente pra
cacete, diria ele depois. Ergueu a cabeça da vitima entre seus
finos dedos e o encarou nos olhos.
Para Carlinhos, era quase como se olhar no espelho.
A única diferença, era o comportamento.

192
Bullying – Matando Aula

Apesar de seus pais não lhe baterem (tanto), Carlinhos os


amava. E se eles não resolviam os problemas de sua vida que
ainda estava começando, então ele (um dia) teria de resolver.
Só não imaginava como.
Pois achava que jamais iria crescer. Seria aquele mirrado
para sempre. Pois ele era criança. Não era como os brutos que
lhe cobriam de porrada. Ele era mesmo criança e não uma
deformidade social em desenvolvimento físico e psíquico.
E era só maldade que Carlinhos viu nos olhos do
magrelo.

_ Venham aqui e segurem ele! Tapem a boca do bocó


enquanto eu coloco o glacê!
O gordo e o fortão não hesitaram.
E foi justamente quando Carlinhos ia começar a gritar
que sua voz foi brandamente interrompida.
_ Rápido! Só toma cuidado com a gente, porra! _ disse o
halterofilista.

O ser humano tem pré-disposição para atos de maldade.


Tem gosto pelo sinistro. Ama o macabro.
Mas a maioria diz que não.
No entanto, quando ocorrem acidentes automobilísticos,
sempre aparecem os grupos. Entre eles, estão aqueles que
querem ajudar. E também há os curiosos sempre sedentos em
saber se alguém faleceu. Como foi ou se existem pedaços
perdidos entre as ferragens.
O trio era do tipo que prefere provocar os acidentes. Ver
como o ser humano de fato o é por dentro. Com suas vísceras,
músculos e tendões a vista. Querem conhecer a anatomia
secreta que cada pessoa carrega como o mais importante
documento do mundo. Como se fosse à identidade real. E só

193
L. L. Santos

sangue representava a prova de que algo ali está fluindo da


forma mais correta possível.

Carlinhos se debateu. E não conseguiu compreender


como tinha ali chegado. Sabia que poderia ser alvo em
qualquer lugar a qualquer momento. Mas não achou que
fossem chegar tão longe. Obviamente ele imaginava estar
entrando em um caixão toda vez que via os punhos de alguém
indo direto contra seus olhos. Mas era apenas imaginação.
Afinal, desde crianças, estamos cercados pela morte. Sabemos
que vamos morrer um dia. Mas também não precisa ser tão
cedo e de forma tão horrível, pensava um Carlinhos
desesperado com as pernas para o ar...

Os agressores eram espertos para poderem deixar com


que Carlinhos se debatesse como uma rã. O fortão tapou sua
boca com uma das mãos. E a outra fez pressão sobre um dos
finos braços.
O gordo segurava o outro braço e também fazia aperto
sobre o peito.
O magrelo entre as pernas de Carlinhos fazia a chama
dançar como uma bailarina na noite de estreia do espetáculo
da dança do cisne branco que se banha em um ritual de
sangue.
E sorria como o mais louco assumido dos psicopatas.

As lágrimas escorreram pelo rosto de Carlinhos.


E pela primeira vez (de fato), viu a morte se mover bem a
frente de seus olhos arregalados. Mas depois, os fechou, pois a
mão do magrelo logo desapareceu e Carlinhos só via o braço.
Não tinha forças para sair dali. Não tinha forças para mover a
cabeça. E as pernas começavam a ficar bambas. Os braços
doíam.

194
Bullying – Matando Aula

Carlinhos não desmaiou, mas achou que logo entraria


em estado de graça.
E sentiu o calor que logo começou a lhe queimar alguns
chumaços de seu ralo cabelo.

O magrelo puxou o isqueiro de volta.


_ O que foi?! Perdeu a coragem, bundão?! _ o fortão...
_ Não... eu só quero fazer um teste... sabe, como acontece
nos crematórios...

Carlinhos já sentira muitos tipos de dor. Para ele, a dor


física era pior que a psicológica. Mas isso quando era apenas
um menininho. Uma criança que não sabia se um dia chegaria
à vida adulta. No entanto, ele aprenderia que a dor que fica na
alma é a pior de todas. Ela é carregada para qualquer lugar
que se vá. É como uma cicatriz invisível. Ou uma marca que se
tem debaixo da camisa. Ninguém vê. Mas você sabe que está
ali e nunca vai ir embora.
Nem com o trabalho do melhor de todos os cirurgiões
plásticos.
E neste caso, um bom cirurgião, seria um psicólogo ou
então um psiquiatra para poder dar conta de um caso tão
grave: ferida emocional profunda.

A pele do rosto pareceu ficar transparente para o trio.


Carlinhos era muito branco. As sardas ficaram como luzes de
uma cidade vista a distância. O rosto iluminado como por um
farol. A face repleta de agonia e terror. O fogo lambeu (não de
leve) uma de suas bochechas e logo uma mancha
acompanhada por bolhas começou a tomar forma. A desenhar
a nova geografia do rosto de Carlinhos.
O trio se surpreendeu com a força do menino.

195
L. L. Santos

Até a pouco, ele tinha desistido de lutar. Não existia mais


uma gota de energia em seu corpo que pudesse ser usada em
prol de sua liberdade. Mas agora, com o calor que lhe
queimava a carne. Era bem diferente. E o gordo e o fortão
tiveram de se esforçar mais. Caso contrário, Carlinhos
escaparia. Mas admitiam a si mesmos (e se encaravam) que
estava mais difícil de segurar o pobre Carlinhos.

Se Carlinhos pudesse ter visto seus olhos se abrindo com


a dor, teria plena convicção de que estava assistindo ao mais
puro horror na tela de seu aparelho televisor. E justo ele que
tinha aversão a tais produções visuais. Nunca se interessara
em ver filmes onde sangue, desmembramentos e sustos eram a
atração principal. Gostava mesmo era de ver os desenhos
animados. Principalmente do Pateta. E no fundo, achava que
talvez fosse o verdadeiro Pateta da vida real...

196
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Nathanieli ficou pensado sobre apenas seis balas estarem


dentro daquele tambor.

André já começava a ficar com a pele arrepiada só de


saber que se não fosse com um tiro, seria através do canivete.
Ou da explosão.

Gerusa se perguntou qual seria a porcentagem de


chances de sobreviver a uma queda direto contra o pátio de
pedrinhas. Isto é, desde que não restasse mais nenhuma bala
para ser gasta. E o estranho não fosse rápido o suficiente para
tirar o pino de segurança e... BUM!

Samuel tinha as palavras na ponta da língua. E estava


tentando a todo custo, querer puxar conversa com o estranho.
Dizer como Jesus sofrera. E mesmo assim, perdoara seus
maldosos inimigos. Mas...

Marcelo estava no limite entre a humilhação e a derrota.


Ser derrotado não era problema.
Era saber que não dava para ganhar todas.
Mas a humilhação, normalmente persegue um homem
até o último segundo de sua vida.

Margarida ainda tentava se controlar. O coração quase


lhe saltara pela boca no momento em que teve de se levantar e
levar o celular para o estranho... e ficou ainda mais apavorada
quando ele a chamou para devolver o aparelho... Depois, ele

197
L. L. Santos

disse para todos os outros que eles não tinham autorização


para usarem aparelhos celulares enquanto permanecessem
dentro da sala de aula...

Ellen não tinha pensamentos, apenas esperava pelo


pior...

Tigela se mantinha firme. Estava com medo. Mas não


como os demais alunos. Não havia como se separar desse
sentimento. E ela tentava pensar em algo que pudesse fazer ao
menos ser a última para poder apreciar todos aqueles corpos...
inclusive de Gerusa...

Dioni deu um gemido, alto o bastante, para que todos lhe


enviassem um olhar reprovador... e o estranho sem se
importar, disse a professora...
_ Se não começar logo, vou matar mais um...

Todos iam morrer de um jeito ou de outro...

198
Bullying – Matando Aula

CARLINHOS

Fora levado ao hospital depois que o encontraram


desmaiado nos fundos da escola. E os médicos se perguntavam
como alguém poderia ser cruel a tal ponto?
E se ocorrera dentro da escola, só poderia ter sido vítima
de algum funcionário ou... aluno?
Indagavam se isso seria possível.
Ou de alguém que conseguira adentrar os portões e
estava resolvido a querer sacrificar uma criança...

Corriam boatos sobre algumas igrejas evangélicas.


Que estas denominações estavam fazendo rituais de
magia negra.
Tudo em prol da ascensão financeira de seus fiéis. Mas
nada fora provado...

Carlinhos passou meses na UTI.


Seus pais o visitavam com os olhos cheios d’água.
O rosto retorcido não era fácil de ser encarado.
O que foi possível recuperar, através de enxertos, os
médicos o fizeram.
Tirando alguns centímetros de pele das pernas, braços e
até das costas.
Mas isso não ia fazer muita diferença a um rosto que
adquirira profundas depressões...

E sabe o que foi o mais curioso?


Carlinhos dizia não ter lembrança do agressor.
Mas ele ainda podia ver os agressores.

199
L. L. Santos

Apesar de afirmar que só tinha a vaga lembrança de um


vulto.
Mas eram três.
O fortão.
O gordo.
O magro.
A tríade escolar.

Na mente afetada de Carlinhos, algo lhe dizia


desesperadamente que se delatasse os três agressores, eles o
pegariam de jeito desta vez.
E por isso, ele ficaria calado para o resto de sua vida.
Mas sempre acreditando e pedindo a Deus que aqueles
vermes fossem punidos.
Os anos iam passar. E Carlinhos continuaria com suas
cicatrizes que o deixavam mais horripilante que Frankenstein.

Os pais pediram na escola para que algo fosse feito a


respeito.
Seu filho não voltaria a andar na rua com aquela cara.
E eles desconfiavam que ele fora vítima de algum aluno.
Carlinhos nem sempre confessava que levava bordoadas
verbais e físicas a mãe. Mas das poucas vezes em que dissera,
já não mais aguentava as dores que o consumiam. Tanto no
corpo, quanto no coração.
Mas sua mãe e seu pai achavam que isso ia passar.

E passou mesmo.
Pois agora Carlinhos não mais saía de casa. E era
impossível que alguém viesse atualizá-lo no bullying...

***

200
Bullying – Matando Aula

A polícia foi acionada. E um inquérito aberto.


Um menino quase fora assassinado dentro da escola.
Tinha saído da sala da psicóloga.
Alguns acreditavam que ele estava tão louco, que
resolvera atirar fogo a própria face, tentando dar cabo da vida
de uma forma que fosse impactante o suficiente para mostrar
que mesmo não estando bem da cabeça, ainda era corajoso.
Mas só no rosto?, diziam alguns.

Não, não era nada disso.


Toda a escola ficou de luto.
Inclusive o trio que se divertira com as chamas.
Não estavam arrependidos.
Mas sabiam que se demonstrassem um comportamento
contrário a situação, isso poderia colocá-los em maus lençóis.
E eles se safaram.

Carlinhos se despediu do mundo.


A escola agora seria representada por uma professora
particular.
Mas ele se recusou a ter de aprender algo dentro de casa.
Como se fosse um inválido.
Ele tinha saúde. Podia andar.
Seus braços e pernas estavam fortes.
Mesmo que sua musculatura fosse aparentemente frágil.
Ainda estava em fase de crescimento.
Apenas teve algumas dificuldades para reaprender a
respirar, já que seu nariz teve uma mudança no curso que
levava o oxigênio aos pulmões.
E ele não era dos melhores para respirar pela boca.
Ou seja, ele tinha saúde.
Mas a aparência...

201
L. L. Santos

***

Era o Monstro de Francisco Alves.


Ninguém o via. Apenas seus pais.
E eles sentiam medo e nojo da carne que estava
amontoada na cara do jovem filho. Seus olhos se mexiam como
se fossem bolas em uma mesa de sinuca após a tacada inicial
que dava rumo ao jogo.
Quando conversavam com ele, percebiam que os olhos
corriam em direções diversas. Mesmo que ele estivesse
prestando toda a atenção e respondesse a qualquer pergunta.
Dava medo ficar debaixo do mesmo teto que o filho,
pensavam os pais.
E a noite, eles perdiam horas conversando e chorando.
Carlinhos costumava ficar atrás da porta ouvindo.
E achava que se ele tivesse morrido, a vida seguiria
adiante de uma forma muito mais natural...

Em sua cama, ele gesticulava ideias.


E de forma alguma, gostaria de se encontrar com um
espelho.
Pois no hospital, ele se vira rapidamente.
Teve de ser sedado.
Os pais simplesmente se livraram dos espelhos.
Não tinham necessidade deles.
Nenhuma.
E Carlinhos achava que no fundo, eles queriam era que
ele se esforçasse em poder pedir por um espelho. Ver seu
reflexo completamente difuso. Com as linhas originais
adulteradas.
Mas nunca pediria por isso.
Ele se lembrava perfeitamente do estrago.

202
Bullying – Matando Aula

E sua dúvida maior era sobre o quanto as pessoas


deviam rir dele.
Principalmente na escola.
Ele era um menino simples.
Não era o mais bonito.
Mas também não era feio.
Deus apenas não resolvera lhe sorrir. Só isso...
E fez com que se tornasse feio. O mais feio de todos os
habitantes de Francisco Alves. E ele se detestava. Como se
detestava. Se odiava. Qual seria a serventia de um homem (se
ele um dia conseguisse chegar à vida adulta) com aquela cara?
Trabalhar no circo dos horrores. Se o salário fosse bom, ao
menos poderia se gabar que... que...
...

E aqueles três?
Ele dormia pensando nisso.
Fizeram isso a ele.
Poderiam aprontar para outro.
Carlinhos tinha medo de dizer que foram os três: gordo,
magro e fortão.
Eles poderiam aparecer em determinado momento e
terminarem com o serviço.

Ou então...
Ele dissera que não conseguia se recordar de como fora
atacado.
Agora poderia ser considerado mesmo um louco.
Procurando culpar alguém.
E os pais do trio não iam gostar nem um pouco de
ouvirem um monstrinho chamando seus queridos e fudidos
filhos de quase assassinos...
Quase...

203
L. L. Santos

Eles não o mataram, Carlinhos, insistia consigo mesmo...


Apenas o transformaram em um cadáver vivo...
Não o mataram, cara...
Não são assassinos...

Como ele sabia ler e escrever, não encontraria


dificuldades em ter deixado de continuar os estudos, mesmo
tendo recusado a ajuda da professora particular.
Brincava sozinho.
Lia seus gibis sozinho.
Fazia contas sozinho.
E com o passar dos meses, sua mente começou a
desenvolver uma atração doentia pelo poder do fogo.
Adorava pegar a caixinha de fósforos para atear faíscas
sobre formigas. Moscas. Pernilongos.
E assim foi tomando parte de seu tempo.
Os pais saíam e não se preocupavam com o filho.
Ele estava bem da cabeça.

A casa tinha um terreno de bom tamanho.


E isso culminava em um quintal bem cuidado.
Tinha até horta.
Nos fundos, duas árvores frutíferas. Um pé de ameixa e
outro de pêra.
Ele gostava de subir nas árvores quando tinha os frutos.
Comer lá no alto. E quando não havia fruto algum, ele subia do
mesmo jeito e lá ficava a observar a rua.
As pessoas que passavam.
As crianças com seus belos rostos.
Pessoas.

***

204
Bullying – Matando Aula

Ele não tinha nenhum animal de estimação. E não


acreditava que algum gato ou cachorrinho fosse gostar de ficar
com ele.
Mas era comum aparecerem gatos vadios por ali.
Os bons e velhos gatos magricelas cinza listrados.
E assim como conseguira queimar até passarinhos com
suas arapucas, Carlinhos começou a incendiar os pobres
felinos que entravam no terreno a procura de comida.
E foram muitos os gatos que ele fez se transformaram em
esqueletos brancos e lisos. Enterrava tudo e sorria não apenas
na mente. Mas com sua boca torta que tinha sido jogada em
direção ao lado esquerdo do rosto...
Ele pegara gosto pelas chamas.
E ver os bichos torrando era maravilhoso.

Não demorou para que pudesse se deliciar com


cachorros...
Boa parte da população pinscher de seu bairro (pois eles
escapavam com facilidade de suas casas), desapareceu sob
seus fósforos...

No entanto, enquanto deitava na cama, logo depois de


rezar o Pai Nosso, ele ficava pensando na dor que sentira
naquele dia. Naquela manhã que para ele parecia ter
acontecido ontem. Há poucas horas.
Dor.
Sentir dor era horrível.
A carne sendo esticada.
Rasgada.
O fogo.
O calor.
E nada poder fazer a não ser berrar.
Carlinhos sentiu aquela dor.

205
L. L. Santos

Suas mãos começaram a tatear a deformação de seu


rosto.
Ele queria fazer o mesmo com aqueles três.
Mas não tinha como ir até eles.
Eles não eram fáceis de se pegar como gatos e cachorros.
Eles eram espertos.
E por isso não eram vítimas de nenhum tipo de bullying.

Carlinhos só encontraria paz no dia em que pudesse


fazer algo.
Mesmo que fosse com qualquer outra pessoa.
O ideal era queimar aqueles três. Mas ele não
conseguiria.
Então, ficaria com a opção de qualquer outra pessoa...
Bastava ter uma chance...

206
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Mais um tiro.
Dessa vez fora um rapaz de pele avermelhada.
O único ameríndio da sala.
Alguns ficaram imaginando a alma do jovem índio saindo
do corpo e seguindo em direção ao céu, de encontro a Tupã...
Cinco balas.

Talvez não existisse nenhuma granada.


Era o que Tigela ficava imaginando.
Como alguém pode querer entrar em uma escola sem ter
mais que oito balas?
E ainda usar um canivete? De um aluno...
Tigela olhava para a calça do estranho.
Os bolsos deviam ser profundos.
Ela nunca vira uma granada, a não ser nos filmes
americanos.
Devia ser pequena na vida real.
Caso contrário, poderia ver o relevo arredondado (se é
que era arredondado) da arma que levaria a todos para o
Inferno.

Tigela lembrou de sua pergunta: Vai nos matar?


O estranho respondeu?, indagava ela.
Sim. Ele disse que todos iriam morrer.
Mas depois...
Depois disso que poderiam viver.
E depois...
Todos vão morrer...

207
L. L. Santos

Ele queria amedrontá-los.


Bem, ele já conseguira.
Três estudantes já haviam abandonado seus corpos e
agora gozavam do Paraíso. Poderiam dar um berro. Dizer o
quanto valia a pena morrer para poder comer de morangos
gigantes nos jardins suspensos do Reino dos Céus...
E não existia aquela escala no Purgatório.
Era apenas invenção da Igreja Medieval.
Então, por que temer a morte?
Tigela achava que talvez não pudesse ser tão ruim...
Mas não estava com pressa de descobrir...
E se fosse possível morrer sem dor...
Essa seria a sua escolha. Mas ela não acreditava que
alguém pudesse morrer sem dor alguma. Pois era a morte. E
esta sempre seria dolorosa. Mesmo com um ataque fulminante
do coração.
A morte era o oposto da vida, brincava ela às vezes.

Tigela sentiu algo semelhante ao tesão quando a


professora Edite começou a cortar o rosto de Marcelo. O
restante da turma, estava congelado.
Ele estava com as bolas doloridas, mas reuniu forças
para agarrar o braço de sua professora.
E os olhos dele seguiram outro caminho quando o cano
do revólver lhe foi apontado.
_ Não estraga a brincadeira, rapaz... você já é um
homem... ou ainda está a caminho?
Marcelo soltou o braço da professora e depois sentiu dor.
Muita dor.
E estava provando o quanto era homem. Mas não para os
outros. E sim, para si mesmo...

***

208
Bullying – Matando Aula

A professora Edite estava crendo em Deus.


Se ela fizesse o que o estranho mandara, ele poderia
deixá-la viver.
Isso talvez não passasse de sonho. Mas ela queria crer
em algo. E se torturar um aluno pudesse lhe garantir a chance
de continuar sua vida, ela faria isso à classe toda.
Mas também pensava sobre o que ele dissera: Você será a
última, professora.
Que vida.
Já tinha de aturar aquela turma (que não era a única
representação do Demônio). E agora precisava castigar um
deles.
Assim que terminasse com Marcelo (e ela queria saber
quando isso aconteceria, pois eram apenas alguns segundos
desde que começara a cortá-lo), o canivete teria de ser passado
a um dos alunos.
“ _ Que tarefa, Meu Deus...”

A turma se dividia. Alguns olhavam. Outros ocultavam o


rosto.
E Dioni gemia cada vez mais alto.
A professora parou... e apontou o canivete para o
estranho...
_ SE QUER TANTO VER ALGUÉM SENDO CORTADO...
FAÇA VOCÊ MESMO SEU MONSTRO...
_ Ah professora... _ disse o estranho...

209
L. L. Santos

CARLINHOS

Como ele passava o tempo todo em casa (e para sua


sorte, muros altos existiam), podia ficar a vontade.
Mas, mesmo assim, conseguia pegar os pobres cachorros
e gatos. A frente da casa não era murada. E isso representava
a entrada para a morte.
Carlinhos costumava deixar restos de comida por ali. E
assim adquirira a confiança das criaturinhas.
Mas ele estava farto.
E queria mais.
Queria um ser humano.

Por vezes, ficava tempo sem conta no alto de uma das


árvores enquanto analisava a situação.
Poderia ir até a escola.
Não sabia como chegaria lá com a sua cara atual (e
definitiva). Mas se conseguisse, botaria fogo em todo o prédio.
Algo lhe dizia com insistência que se assim agisse, seu coração
ficaria mais leve.
E não seria o único a andar com uma cabeça nem um
pouco atraente. A não ser para os apaixonados pelo bizarro.
Mas isso era também um sentimento de agonia.
Vingança.
Ele não morreu.
De certa forma.

Estava morto para os outros. E para ele mesmo.


E não tinha a intenção de matar.
Mas ele matara os animais.

210
Bullying – Matando Aula

Tomou gosto pelo serviço calorento.


Eles sentiam dor.
Não como um ser humano.
Mas era dor.
E Carlinhos sempre tornava a rever a chama em seus
sonhos.
E a dor.
Precisava causar dor de verdade.
Mesmo que isso trouxesse a morte ao invés de um rosto
retorcido.
E ele não sabia como exatamente.

É muito fácil imaginar-se se esgueirando até chegar à


escola.
No momento em que todos os estudantes estão metidos
em suas salas.
E cercar o terreno com gasolina ou querosene. E depois.
FOSH!
Era apenas ver o fogo cercando todas aquelas milhares
de cabeças.

A cena seria muito mais chamativa do que os fogos na


virada do ano.
Ou assim dava para imaginar.
Mas... o fogo seria contido facilmente.
Precisava que as chamas adentrassem rapidamente os
corredores e salas. Que nenhum extintor pudesse ser retirado
da parede.

Mas e os inocentes, Carlinhos?


Que inocentes?
As professoras. Os alunos que jamais causaram maldade
a você.

211
L. L. Santos

A mim não.
Mas outros também sofriam.
E estes vão morrer com os maus...
Todos morrem um dia.

A mente de Carlinhos estava tão deformada quanto sua


cara.
Ele apenas pensava na morte. Ver o colégio vindo abaixo.
Os gritos de horror. Os corpos derretendo. Sendo ressecados.
Ossos que se estilhaçavam saltando para fora da carne.
Milhares de mortos. Um assassinato coletivo de primeiro nível.
E lá dentro, entre todos, estariam os três que lhe marcaram. E
eles se lembrariam? Perceberiam? Amaldiçoariam Carlinhos?
Não.
Eles já o haviam feito.
Fora com fósforos ou com ou um isqueiro?
Engraçado.
Desse detalhe, Carlinhos realmente não conseguia se
lembrar. Somente a chama tremeluzindo. Em sua dança de
pavor que o fizera ver Deus em determinado momento. Ver um
túnel escuro com uma luz distante. Estava diante da morte. E
mesmo com Deus lá na frente. A sensação era horrível.

Os meses não lhe pareciam nada animadores.


Ele sorria para os pais. Ou eles nisso acreditavam, pois a
boca que agora era situada do lado esquerdo do rosto assim
lhes parecia.
Se não fosse pela aparência, Carlinhos seria somente
mais um garoto.
Mas ele não era.
Jamais viria a ser.
E nem nunca poderia se transformar em um adulto.

212
Bullying – Matando Aula

Era apenas uma crosta de carne com um cérebro meio


avariado.
Os médicos diziam que ele aos poucos se recuperaria do
trauma. Mas nunca em definitivo. E ainda mais pelo
isolamento. Teria de andar com uma máscara em público para
não chamar a atenção.
Apesar de uma máscara já se tornar o chamariz.
Só que ele não queria sair.
Preferia se manter enterrado em casa.
E começava a desacreditar que um dia pudesse se vingar.

Até o dia em que novos vizinhos aportaram. E Carlinhos


viu que eles tinham o que sua mente insana precisava para se
sentir melhor...

213
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Não dava para segurar mais.


Dioni soltou seu pior grito.
Aquele que denunciava o quanto ter pedras dentro da
carne era uma das mais desgraçadas maldições humanas.
E como a morte estava ali para todos (sem exceção),
Dioni logo concluiu que quanto mais cedo morresse, melhor
para ele e o restante da turma. Pois ficar ouvindo as lamúrias
de um doente que se contorce, é tão terrível quanto assistir a
uma mutilação espontânea.
Por isso, todos (sem exceção alguma e até com certo
assombro em alto nível de horror) sentiram-se espantados
quando Dioni disse aos berros...
_ ME MATA! PELO AMOR DE DEUS! ME MATA, CARA!
EU NÃO AGUENTO MAIS ESSA DOR! POR FAVOR! VOCÊ
DEVIA ESTAR ME MANDANDO PRO CÉU! ME MATA...
Ele falou mais. Muito mais.
Mas nada que fosse digno de ser mencionado.

Não houve nenhuma manifestação contra.


Mas, o próprio estranho sorriu quando Tigela falou em
alto e bom som...
_ MATA ESSE FILHO DA PUTA! POIS EU NÃO VÔ
AGUENTÁ FICÁ ESPERANDO A MINHA VEZ ATÉ ENQUANTO
ELE BERRÁ, BERRÁ E BERRÁ ASSIM... MATA ELE DE UMA
VEZ!
Mais da metade da sala concordava.
Mas não se manifestaram com suas vozes.

214
Bullying – Matando Aula

Margarida se levantou e foi a única a tentar algo


diferente.
A professora Edite ainda estava parada como uma
estátua de cera, pronta para passar o canivete a qualquer
outro que se dispusesse...

Margarida sentia um vento de gelo correr o interior de


seu corpo.
_ De jeito nenhum! Somos seres humanos! Temos a
capacidade única de raciocinar! Por que todo esse evento
macabro!?! O Dioni só precisa de uma dose de Buscopan...
_ EU ENGULO COMPRIMIDOS! NÃO POSSO TOMAR
INJEÇÃO...
_ E O IDIOTA NÃO PODIA TRAZER ALGUNS NO
BOLSO!?! _ Tigela que torcia para que o estranho usasse a
quarta bala para colocar Dioni em sono profundo.
Isso traria um tipo de paz ao ambiente.

Mas o estranho não estava a fim de simplesmente ir


descarregando o revólver. Queria mais. Se realmente possuía
uma granada em um dos bolsos, isso significava que não
importava se tivesse ou não o tambor sempre cheio. No
entanto, ele preferiu se manter em silêncio. E mesmo a
professora, ele pretendia deixar para depois. Ela não teria
coragem de tentar atacá-lo.
Era melhor que alguns alunos resolvessem seus
problemas agora. Assim, poderiam morrer com a consciência
tranquila.
O estranho andou em direção a mesa da professora e
sentou-se.
Se fosse possível Mendonça saber que o cara estava ali.
Um tiro não seria problema. Mas as malditas persianas eram
um grande problema.

215
L. L. Santos

***

A professora Edite abriu a boca para calar Tigela e até


mesmo Margarida.
Mas o estranho estava decidido a ver até onde a situação
poderia chegar.
E não pestanejou ao usar a quarta bala em uma das
pernas da professora que caiu como uma árvore depois que o
lenhador deu a machadada definitiva para a queda direto sem
escalas.
Edite agora poderia dizer a seus alunos o quanto um tiro
doía.
E o sangue que saía pouco abaixo do joelho direito, não
demoraria a ficar totalmente fora do corpo. Ela morreria de
hemorragia.
A promessa (fora uma promessa?) do estranho de que ela
seria a última a testemunhar, foi para o espaço.
Mas, o estranho tinha suas estranhas manias.

_ Você... _ disse ele apontando a arma para uma moça


gordinha que estava bem a sua frente _ Pegue um pedaço de
pano e amarre na coxa da professora Edite! Ande logo, chupeta
do Vesúvio! Ela pode morrer por sua causa...
A gordinha se moveu o mais rápido que pôde.
Mas não sabia onde pegar um pedaço de pano.
_ Tem corpos ali! Vê? Então...
Tirou a camisa de um deles e depois enrolou na coxa da
professora que gemia de dor.
Depois, a gordinha sentou em sua carteira como se
jamais dali tivesse saído.

***

216
Bullying – Matando Aula

E para muitos, uma das maiores surpresas do dia, foi


ouvir a vibração do celular de Margarida. O display denunciava
seu avô. Aparecia uma foto dele se esbaldando com suas
uvas...
O estranho apenas relinchou...
_ Se atender agora, você será a próxima a consumir outra
bala...
Margarida ignorou a chamada e a foto de seo Mariposo
foi substituída por um belo campo de flores amarelas... se
ligasse de novo, já saberia o que tinha de fazer...
Ele não perderia tempo dizendo que ela não deveria
mandar mensagens, por isso, seguiu em frente reclinando-se
na cadeira...
_ E quanto a vocês, continuem...

Tigela nunca falou tanto...

217
L. L. Santos

ESPÍRITO EMPREENDEDOR

O som dos tiros criava todo tipo de cena nas cabeças das
pessoas que estavam lá fora.
Não acreditavam que quem quer que fosse, pudesse ter
tamanha coragem e matar uma classe inteira. Isso era
desumano. A prova de que existiam delinquentes em qualquer
canto do mundo. Inclusive em Francisco Alves do Sudoeste.

A cidade já tivera algumas experiências nos mais vastos


campos da sociedade. Mas os cidadãos sempre tomaram todo o
cuidado possível para que tais informações não saíssem para
fora de suas fronteiras.
De certo modo, eles ambicionavam uma espécie de cidade
modelo. Talvez alguém tivesse se inspirado em Os Quinhentos
Milhões da Begun, de Júlio Verne.
Ou isso era apenas mera coincidência.
Mas Francisco Alves, apesar de não aparecer no mapa
(ao contrário de outra cidade chamada de Francisco Alves,
localizada na região noroeste do Estado, com seus pouco mais
de cinco mil habitantes...), fazia parte dele. E muitos viajantes
diziam jamais ter encontrado essa cidade. Pois os comentários
espalhavam-se entre Francisco Beltrão e Pato Branco.
Na década de 1950, Francisco Alves também foi uma das
vítimas das companhias de terra e desmatamento de pinheiros
Araucária.
Jagunços assassinando posseiros por pedaços de terra
que eram comprados e vendidos diversas vezes. A extração da
madeira. O conflito com indígenas.

218
Bullying – Matando Aula

Francisco Alves fazia parte da História Nacional. Só não


fazia questão em aparecer.
Tinha moradores ilustres. E eles dividiam-se entre
pioneiros, descendentes de pioneiros ou mesmo os famigerados
forasteiros pioneiros, os descendentes de forasteiros pioneiros e
claro, os forasteiros novatos...
As pessoas acreditavam que Francisco Alves seguiria em
frente até o dia do Juízo Final.
E principalmente, se sua gente fosse composta por
aqueles que edificaram a cidade. Plantando profundamente
seus alicerces, como raízes de um carvalho secular. Imune ao
mais terrível dos vendavais.

Mas, mesmo com uma população beirando os quase


oitenta mil habitantes, Francisco Alves ainda conservava
aquele ar de cidadezinha do interior. Claro que tinha ruas
asfaltadas. Uma bela praça central. Alguns prédios com mais
de dez andares. Uma torre com mais de cem metros de altura
ficava ao lado da igreja matriz.
Infraestrutura modelo. E que cidades vizinhas seguiam.
Escolas de Primeiro Mundo, como já fora mencionado há
algum tempo, eram impecáveis.
A geração de empregos batia recordes. Mas boa parte dos
jovens preferia mesmo era sair para fora... algo da juventude...
Indústria em constante expansão.
Agricultura que movimentava em torno de meio bilhão de
reais ao ano. E sempre crescia.

Francisco Alves só tinha alguns problemas.


E um destes, era o estranho que estava naquela sala do
terceiro andar.

219
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

_ EU QUERO MORRER SUA VAGABUNDA!


Dioni não percebia, mas quanto mais ele berrava, menos
sentia dor.
E Tigela, apesar da profissão não regulamentada
(informal), não gostava de assim ser chamada. Se fosse na
cama, quando estivesse pondo em prática suas habilidades
sexuais, obviamente que ser chamada de vagabunda fazia
parte de uma fantasia. Mas, ali não era lugar para trepar. E ser
chamada de vagabunda não era nada gratificante fora do
ambiente convencional trabalhista.
Tigela ia falar algo medonho para Dioni e Margarida
tentaria também dizer alguma palavra que pudesse ser levada
em consideração. Mas alguém entrou em meio ao palavrório
com a respiração ofegante, como se tivesse reunido toda a
coragem (e loucura) do mundo...
_ DEUS NÃO O ACEITARÁ NO PARAÍSO!
Samuel segurava sua Bíblia em direção ao teto.
Todos o olhavam e aos poucos, gargalhadas se faziam.
Ele se tornou vermelho, mas fez questão de continuar.
_ DEUS NÃO ACEITA OS COVARDES!
_ ENTÃO VOCÊ ESTÁ PERDIDO, MARICAS! _ Tigela...
Samuel ou não ouviu, ou esforçou-se para fingir não ter
ouvido e continuou.
_ O ASSASSINATO É UM PECADO TÃO GRAVE QUANTO
FALAR O SANTO NOME DE JEOVÁ EM VÃO!
_ JEOVÁ É DEUS EM HEBRAICO, OTÁRIO! _ disse
alguém que sentava-se atrás da mocinha que fora morta ao
lado da porta...

220
Bullying – Matando Aula

Mais uma vez, Samuel ignorou o comentário...


_ E TIRAR A PRÓPRIA VIDA, É COMETER ASSASSINATO
CONTRA A ALMA! CONTRA DEUS QUE NOS FEZ A SUA
IMAGEM E SEMELHANÇA!
_ ENTÃO EXPLICA PRA GENTE, MISTER ASSEMBLEIA _
gritou uma garota no meio da sala, mais precisamente, na
mesma fila que Samuel sentava _ SE SOMOS A IMAGEM E
SEMELHANÇA DE DEUS, SERÁ QUE OS MAGRELOS E
BANHENTOS TAMBÉM SERÃO REJEITADOS QUANDO
BATEREM PALMAS NA FRENTE DO PORTÃO DO ÉDEN!?!
Todo mundo aplaudiu.
_ AS PESSOAS ESTRAGAM SEUS CORPOS! MORADA
SAGRADA DO ESPÍRITO! COMEM PORCARIAS, INJETAM
SUBSTÂNCIAS PARA FICAREM MUSCULOSOS...
_ CALA ESSA BOCA, MEU! _ disse André que não se
levantou _ EU QUERO SABER SE ALGUÉM VAI É FAZER
ALGO PELO DIONI, PORRA! OU O MATAM OU LHE
ENTREGAM AS MERDAS DOS COMPRIMIDOS! _ ninguém
condenou as palavras do gorducho. Somente sorrisos de
aprovação.

É claro, os comprimidos. Mas para isso seria preciso sair


da sala. E o estranho não estava disposto em fazer um tour
pela escola em busca do Santo Graal industrializado que
cessaria por algum tempo as dores de Dioni.

_ VAMOS TODOS MORRER! _ disse Tigela _ LÁ FORA


DEVE TÁ ASSIM DE POLÍCIA! E OS CARAS NÃO TÊM
CORAGEM DE INVADIR! PORQUE ACHAM QUE SOMOS
CRIANÇAS!
_ SEGUNDO A ONU, SE É CRIANÇA ATÉ OS 11 ANOS! _
bradou um cara qualquer _ E ADOLESCENTE DOS 12 AOS 19!
BELEZA!

221
L. L. Santos

_ MAS NO BRASIL, JÁ TEM ALGUNS AFIRMANDO QUE


MESMO AOS 21, AINDA SOMOS ADOLESCENTES! _ disse
outro.
_ O QUE NÃO NOS DEIXA MUITO LONGE DA VERDADE!
_ outro.
_ CONCORDO! _ mais um _ MEU PAI TEM 60 ANOS,
MAS O JEITO DELE, É DE UM JOVEM ADOLESCENTE! ATÉ
UMA HONDA HORNET ELE TEM E SE ACHA COMO UM
GAROTÃO!
Esse último comentário serviu para fazer um comercial
do poder aquisitivo. Mas todo mundo riu a beça.

_ O PANACA DO DIONI QUER MORRER! EU


CONCORDO! _ disse Tigela. E depois baixou o tom de voz _
Mas não acredito que um tiro venha a calhar! Que tal esmurrá-
lo até a morte!?! Se não me engano, o que esse pateta tem, são
pedras nos rins! Dava para operá-lo sem anestesia!
Dione já começava a se arrepender por ter dito o quanto
desejava morrer. Mas a dor era insuportável. Por isso, foi ao
chão e começou a rolar. Alguns o chutavam como a um
cachorro sarnento...

Era o show dos horrores.


Apesar de boa parte dos alunos serem meio pineis, eles
achavam que começavam a ultrapassar o limite da sanidade.
Se tornando sombras do estranho.

Para o estranho, aquilo era normal. Ele sabia que não era
preciso ter a cabeça deformada para sair matando. Era apenas
necessário estar vivo e ter alguma condição psíquica para isso.
Pois, assim que fosse dado o primeiro passo, ficaria fácil repetir
o processo e se tornar algo que alguns chamavam de assassino
em série. Seria uma boa opção de lazer. Quando se estivesse

222
Bullying – Matando Aula

estressado ou sem absolutamente nada a fazer, era só pegar


uma faca ou revólver e sair matando. A sociedade
contemporânea adorava essas notícias. Procurava por elas. Era
muito estranho quando se passavam meses ou mesmo anos
sem que existisse algum assassino profissional em atividade.
Ainda mais aqueles que se julgavam espertos o suficiente para
mandar mensagens a polícia e dar dicas dos próximos crimes.
Era a chamada mente criminosa em ação. Não é a toa que
existia até o termo crime organizado. Pois esses caras
trabalhavam de uma maneira a inspirar outros a fazerem mais
e melhor.
Ninguém jamais viria a público e admitiria que a morte
era um fator importante da Humanidade.
O estranho ouvia aquela conversa e lembrava de uma
vizinha, que costumava dizer a sua mãe o quanto a morte era
dolorida para a alma. Perder um ente querido.
Mais precisamente um filho. Com toda a vida pela frente.
Essa senhora dizia a mãe do estranho que ela não sabia
o que era aquilo. Que teria de passar na pele a morte de um
filho.
E a mãe do estranho pensava se ter um filho deformado
em casa talvez não fosse ainda pior?
Estava vivo.
Mas não dava para chamar aquilo de viver.

E o estranho por vezes sem conta queria aparecer na


frente daquela senhora. Mostrar a ela que em boa parte das
vezes, a morte é uma benção. E que ela, sempre repetindo as
mesmas ladainhas...

“A gente morre e não leva nada...”

223
L. L. Santos

Deixava o estranho com os nervos à flor da pele. E ele


tinha uma vontade imensa em dizer a ela: Morra e seja feliz! Ou
seja feliz e só depois morra!
Para uma pessoa assim, não importava o que viesse a
escolher.
Afinal, ela queria o que?
Levar a casa para debaixo da terra? Suas cortinas? Seus
móveis? Jóias? Seu estúpido status?
Ou ela acreditava com todo o seu orgulho de que era a
única mãe de um defunto?
Ela deveria fazer um bem a si mesma.
Pegar todas as suas belas facas de cozinha (e o estranho
sabia que ela tinha um maravilhoso faqueiro que recebera de
presente de casamento, pois aquela senhora já havia passado a
informação nas tardes de chimarrão com a mãe dele), ajeitá-las
na frente da garagem (tinha uma subida com um lindo trilho)
com todo o cuidado. E depois subir no gramado barrado pelo
muro e se jogar. Seria uma cena cativante. Ela morreria
levando consigo tudo o que sempre amou. Inclusive, talvez até
se encontrasse com seu filho (vítima de acidente
automobilístico) no Inferno.
Morra feliz ou então seja feliz e morra.
Dava para escolher.
Não era preciso passar fome para saber o quanto isso
afetava a pessoa. Então, o que dizer da morte?
Foda-se aquela senhora. Era apenas uma coitada que se
achava alguém porque o filho se formara em medicina. Apenas
isso. Não conseguiu nem salvar a si mesmo. O que dizer dos
outros então?
Era uma das metáforas preferidas do estranho.
E ele se deliciava ao lembrar-se dela.
Mesmo agora, vendo a classe discutindo. Sabendo que de
qualquer maneira, todos iriam morrer, ele achava que eles

224
Bullying – Matando Aula

estavam decidindo entre morrerem felizes ou serem felizes e


morrerem...
Não importava nem um pouco o quanto discutissem...

Marcelo sentia suas forças voltarem. E também sentia o


ardor no rosto. A professora Edite não se dedicou muito, mas
fizera algumas tiras de pele ficarem carismaticamente caídas
como as folhas de uma mini bananeira.
E ele não a perdoaria por isso.
Fora obrigada? Fora.
Mas de repente. Ela estava apenas ali, parada feita uma
imbecil. E o canivete continuava em suas mãos.
Marcelo nada poderia fazer contra o estranho. Mas
poderia ir à desforra com qualquer outro. E achava que só
precisaria de mais alguns minutos para se recompor. As bolas
ainda doíam...

Tigela pegou um lápis e apontou. Não era muito adepta


da prática. Costumava usar somente sua Bic azul. Mas ela, em
seus pensamentos, achou que talvez até pudesse acreditar que
existia uma chance de sair ilesa. Ou ao menos viva o suficiente
para continuar sua vida...
Mas, só não contava que uma mão fosse colocada a sua
frente no momento em que ela decidiu avançar em direção a
Dioni...

225
L. L. Santos

ENRIQUE

Se existia algo que poderia ser considerado como


altamente complexo, irracional, bizarro e sem colocação social
decente, era ser bixa.
Nos últimos anos, a população gay estava crescendo de
forma descontrolada. Ninguém sabia como eles se
reproduziam. Começavam como garotos, orgulho dos pais.
Depois, quando chegavam à fase adolescente, mudavam de
time.
Começavam a se cuidar como se fossem garotas. Falam
de um jeito mais delicado. Enchem-se de acessórios. E claro,
de uma forma totalmente misteriosa, se multiplicam como a
AIDS em relações sem preservativo.
As meninas estavam mais machos que os meninos.
Dava para perceber desde cedo, quando ainda crianças
são, que os garotos se comportam de uma maneira diferente.
Não gostam de trabalhos pesados. Querem se manter
sempre limpos. Se dizem modernos. Homens do século XXI.
Mas os pais veem que eles têm uma falha.
Alguns são influenciados. E deixam-se levar. Talvez já
existisse alguma partícula defeituosa no genoma.
E os pais pagavam o preço.
Ao invés de verem o filho saindo atrás de uma garota,
viam a triste cena onde dois machos saíam de mãos dadas.
Se é com as meninas, ao menos dava para dizer o quanto
era uma cena delicada. Mas com os garotos, isso representava
o fim da moralidade.
Alguns até acabavam por se interessar em teatro. Se
vestir de mulher no carnaval ou de caipirinha na festa junina.

226
Bullying – Matando Aula

***

Francisco Alves (felizmente) não fazia parte das


estatísticas de ser uma das mais coloridas cidades do interior
do Paraná.
Francisco Beltrão e Pato Branco enfrentavam o problema
de olhos fechados. Era viado pra tudo quanto era lado.
Um perigo para os héteros saírem na rua. Pois os
homossexuais não se controlam, e fazem sempre o possível
para lançar uma cantada.
Ou seja, a cidade já tinha seus problemas complicados
de se resolver. Então, com tantos representantes que
anunciavam o Apocalipse, ficava mais triste levar a vida
adiante.

Porém... nem todos os viados eram uma representação de


negatividade. Existia um que possuía uma quantidade
considerável de amigos héteros (mas em sua maioria
mulheres). E ele achava que ainda estava longe o dia (se é que
fosse mesmo chegar) em que héteros e homossexuais fossem se
dar bem (nos dois sentidos, pensava ele).
Enrique.
Ele não era a bixa comum. Era um tanto diferente. Era
quase um protótipo de gay do Novo Milênio. Também lembrava
a um emo.
Ele não falava fino. Não andava como se estivesse
tentando parecer uma guirlanda. E se vestia como um rapaz de
família.
Resumindo: não parecia ser a bixa que era.
Não tinha feição gay. Não andava como um gay. Ele não
queria aparecer.
Simplesmente não dava para saber que ele dava o ré no
quibe.

227
L. L. Santos

Olhando (mesmo com muita atenção), qualquer um diria


que Enrique era o cara mais masculino da escola.
Masculino demais até.
Macho no sentido mais literal da palavra.
Ou seja, até assim alguns diziam que isso era um erro da
natureza.
Da natureza de sua conduta.
Pois ele dizia a todo mundo que gostava de homem.
Mas nunca foi visto agarrado a nenhum.
E ele respondia que era porque jamais encontrara o amor
de sua vida.
Até que fazia sentido.
Portanto, ele que deveria ser uma das maiores vítimas de
bullying, geralmente passava despercebido.

Afirmavam alguns: Bixa uma ova! Ele diz isso para andar
com mais gurias! E depois, creu!

Não. Nunca aconteceu nada disso.


Pois ele sempre dizia que gostava de sentar no pepino.
As conversas geravam risadas. Mas nenhum cara ficava
conversando sobre isso com Enrique. Ele dizia isso para as
meninas. E contava suas aventuras. Sua primeira vez, quando
um primo militar (expulso posteriormente por má conduta) o
chamara para acampar, apenas serviu para provar o quanto
ele sabia que pertencia ao outro lado.
Um lado perigoso. Mas ele gostava, oras.

As meninas lhe perguntavam se jamais experimentara o


corpo de uma mulher. E ele sempre afirmava que adorava as
mulheres, mas se dava melhor com elas apenas em sinal de
amizade azul. Não iria além desta cor.

228
Bullying – Matando Aula

Mas que ele não parecia viado, disso ninguém


discordava.

Talvez (fora suas conversas) o único sinal que pudesse


significar a evidência (prova fugaz), era o seu caderno. Onde a
capa tinha estampada a imagem de Brad Pitt, como Aquiles na
Guerra de Troia.
Para alguns, isso não significava nada... mas...

Fora sua bixice, Enrique tinha outro problema


comprometedor: faltava demais a aula. E quando aparecia,
sempre tinha um aluno aqui ou ali que desconfiava que fosse
um estudante transferido de outra escola.
Afinal, ele não era muito visto.
E mesmo na hora do recreio, costumava ficar na sala
para estudar.
Podia ser gay, mas era estudioso e realmente inteligente.
Bem, ninguém é perfeito.

Se um dia o Governo resolvesse dar um jeito na


homofobia escolar, escolheria Enrique como garoto
propaganda. E com certeza se dariam bem. Apenas a cidade de
Francisco Alves não ia gostar de ser ligada a bixarada... mas,
enfim...

Enrique se manteve quieto (e ele sempre era assim.


Quando falava algo em sala, era para perguntar ou responder a
professora) desde que o estranho chegara. Mas não se conteve
mais. Achava que teria de mostrar que podia agir como
homem. Nem que isso significasse algum tipo de humilhação
moral em sua turma...
Mas, lembremos: ele não parecia ser um queimador de
rosca...

229
L. L. Santos

***

E não, Enrique não parou de pensar no garoto do colégio


particular. Pois estas entidades privadas eram um dos ninhos
de onde se originavam a maior parte da população gay. Um
lugar onde os ovos eram botados diariamente por uma criatura
que almejava mudar o mundo. Levar os héteros a extinção e
marchar sobre os corpos (e mentes) que não os
compreendiam...
Afinal, Enrique raramente conhecera outros de sua
curiosa espécie na rede pública de ensino. Mas no sistema
privado, era o Paraíso...
Talvez este fosse um dos motivos de Margarida ter
permanecido no mesmo colégio...

E assim, Enrique, pôs-se a fazer algo simultâneo: pensar


em seu garoto e tentar botar alguma ordem na casa.
Que boboca. Era mais fácil convencer a todos que era
mesmo gay a controlar a situação...

230
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Quando Tigela viu que tinha uma mão segurando seu


braço firmemente, achou que fosse apenas ilusão. Mas não era.
Enrique a encarava como se lhe ordenasse para que ficasse
calada e voltasse a se sentar. Uma ordem com os olhos. Como
os verdadeiros pais faziam nos velhos tempos.
_ Ah... a bixinha que não parece bixinha...
_ Tigela, sente-se. Ou eu não vou me controlar...
_ Vai me sacudir bixa!?! Me dar um choque elétrico de
veludo!?! Ou umas palmadas no meu bumbum!?! VOCÊ É
BIXA! UM EMO MONGO DOADOR DE CU! UM VIADINHO! UM
CHUPADOR DE PAU! BOQUETEIRO! UM FILHO QUE NASCEU
DO LADO AVESSO...
_ Cale essa boca _ realmente, ele não falava como uma
bixa _ Ou eu vou ter de dar um jeito em você, Tigela.
_ É mais fácil você sair vivo daqui do que me machucar
bixa louca...
_ Tigela...
Construindo.
A professora Edite não estava com a mente
completamente destruída. Mas podia ter quase certeza de que
se ocorresse um milagre e ela pudesse colocar as pernas para
fora da sala e sair correndo, o faria sem hesitação de levar um
tiro. Ela tinha conhecimento da turma da sala do terceiro
andar há pelo menos três meses.
Mas já tinha ouvido (e muito) falar da personalidade
deles.
Que eram perigosos.

231
L. L. Santos

Existia um, dois, no máximo três alunos que se


salvavam. Mas três em uma turma de trinta e dois não era um
número (nem um pouco) vantajoso. Na verdade, era
provocativo. E motivo de galhofas, como diziam os eruditos. Os
cultos. Aqueles que morrem como estátuas. Cinzentos e sem
gosto algum.
Ou se tinham gosto, não era dos melhores.
Completamente sem sal ou açúcar.
Mas a professora Edite tinha sal e açúcar. E acreditava
que era na dose certa. Sem tirar nem por.
Seus alunos eram terríveis.
Em um dia normal, ela conseguia ver uma porcentagem
disso. Mas hoje, nesta manhã, com um pseudoterrorista em
sua mesa de trabalho, os alunos demonstravam o que
realmente eram.
Monstros.
Tão monstros quanto o estranho.
Tão sádicos e terríveis quanto ele.
Se não, pior.
Eles gostavam de sangue.
Queriam ver sangue.
Sentirem o cheiro e se possível, o gosto.
E Tigela, provavelmente ajudava a instigar esse instinto
selvagem.
Marcelo até tentara algo contra o estranho...
E Dioni, se mostrou como uma espécie de mártir de si
mesmo. Salvando a ele de uma morte com outra morte. Era
seis por meia dúzia. Mas ele topava.
E agora, Enrique que se mantivera em silêncio (pois
pensava ardorosamente no garoto do colégio particular),
resolveu participar também.

232
Bullying – Matando Aula

Mas o que eles não percebiam, e a professora Edite se


perguntava como poderiam ser tão imbecis, era o quanto o
estranho estava gostando daquilo.
Ele interrompera a mutilação de Marcelo. Mas logo iria
retomá-la caso os alunos se tocassem que estavam agindo da
forma errada.
Estavam praticamente ensaiando uma maneira de se
matarem uns aos outros. Se alguns deles tivessem revólveres,
com toda certeza, o tiroteio já teria feito as paredes desabarem.
“ _ ESSES ESTÚPIDOS! VAMOS MORRER MAIS RÁPIDO
ASSIM! E SE O ESTRANHO TIVER MESMO UMA GRANADA,
NÃO TERÁ OPORTUNIDADE DE USÁ-LA! A NÃO SER PARA
MATAR A SI MESMO...”

233
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Em uma carteira distante, uma menina magrinha, de


longos cabelos louros, disse sem esforço...
_ Tigela, faz de uma vez...
Enrique tinha vontade de largar o braço de Tigela e andar
até aquela menina. Dar um soco em seu nariz de papagaio e
pendurá-la pelas orelhas de Dumbo na janela. Mas não havia
como a isso fazer. Tigela estava fazendo estourar uma
revolução na sala. Ela seria aclamada a líder de uma tribo.
E sabe quais foram os pensamentos que passaram pela
cabeça de Tigela nesse mesmo momento?
O pai inválido que ela cuidava e o fato de que hoje era
sexta-feira. A balada teria de ser transferida. Não teria bebida,
nada de festa, sem diversão, sem...
Mas...
A sala estava ali.
E de um jeito macabro, era uma festa. A despedida do
mundo dos vivos. Entrariam mais cedo pela porta de barro que
Deus fez para os homens.
“ _ E para as mulheres! _ pensou Tigela que nem mais
sentia o aperto de Enrique _ Mas não para os viados... mesmo
você Enrique, que não se locomove como as bixas tradicionais:
parecendo um palhaço com molas no lugar das pernas.”

Dioni olhou para Tigela e sacou de forma meio lenta o


que ela pretendia com aquele lápis. Pois se a morte seria o
único caminho de todos ali presentes, então não importava
como isso se desse. Desde que nenhum deles acabasse por
escapar. O que era praticamente impossível

234
Bullying – Matando Aula

Tigela colocaria um fim na agonia de Dioni. Ela o


espetaria com aquele lápis Faber-Castell 6B.
Só era preciso saber em que ponto do corpo. Um lugar
onde ele apagasse logo. E que a dor o levasse para as
profundezas do abismo o mais rápido possível.
Com a ponta afiada daquele lápis de qualidade, Tigela
poderia impor força mediana e abrir um furo na testa. Talvez
na linha das sobrancelhas (se fosse com Marcelo, e ele ainda
tivesse apenas uma linha escura sobre os olhos, ficaria feliz
com a cirurgia – gratuita – de remoção definitiva). E isso
mostrava que o lápis entraria fundo, encostando nos
pensamentos e memórias de Dioni.
E como o cérebro dele já era um dos mais lentos do
ensino público (mas não tão lento quanto os alunos de escolas
privadas, onde seus cérebros – e traseiros – andavam para
trás), isso lhe traria o benefício de que algum dos circuitos
principais que o fazia funcionar, parasse de súbito devido ao
toque chocante do grafite.
Ou Tigela simplesmente faria como em livros e filmes de
horror: lançar o lápis como um míssil direto em um de seus
redondos olhos? E depois retirar rapidamente (ou o mais lento
que pudesse, na condição de poder observar com alta riqueza
de detalhes a bolinha gelatinosa que um dia servira de câmera
natural para um cara tão lerdo quanto um carro atingindo 100
quilômetros por hora em primeira marcha), ela meteria o lápis
(talvez o apontasse novamente se tivesse chance) no olho
restante. E em seguida, começaria a cravar o corpo todo de
Dioni com lapisadas. E não esqueceria de localizar os rins. Ia
querer castigar com vontade aquelas pedrinhas. Na verdade,
desejava retirá-las para mostrar as porcarias que o corpo
humano produzia devido à ingestão de lixo alimentício.
Doeria.

235
L. L. Santos

E Dioni achava que nesse momento em que a bichinha


segurava o braço de Tigela, a dor, as pontadas nos rins,
pareciam diminuir novamente. E isso o fazia querer continuar
vivo, na esperança de que a polícia ia entrar em segundos pela
porta e varar o estranho a tiros de 38. Se é que eles usavam
esse calibre.
Dioni até esboçou um sorriso acidental...

Tigela meteu um chute na canela esquerda de Enrique.


Ele sentiu a pancada. Soltou o braço e se afastou em
centímetros.
_ O idiota está sorrindo... eu não imaginava que o seu
sofrimento pudesse ser resolvido com tamanha facilidade...
E ela começou sua curta jornada...

236
Bullying – Matando Aula

ALVO

“EST N MSA D PROF”

A mensagem era clara como o dia que muito ainda tinha


para se alastrar.
E Mariposo não teve dificuldade alguma para saber o que
de fato devia fazer.
E quando mostrou a mesma para Mendonça e Aniclécio,
achou que eles fariam o que era certo.

_ Ok, ele está na mesa da professora _ disse Mendonça _


E mesmo assim, o cara devolveu o celular a sua neta. Isso não
é no mínimo estranho seo Mariposo!?!
_ Ela está pedindo para que vocês atirem na direção da
mesa, delegado...
_ Claro _ disse o detetive _ E se lá estiver a professora!?!
Ou algum dos alunos!?! Ou ainda: acha que é fácil fazer um
tiro entrar exatamente onde ele poderia estar sentado!?!
_ Não seria difícil... _ Mendonça não queria dar falsas
esperanças, mas achava que nada poderia ser ocultado _ Mas
vamos imaginar o quanto um atirador teria de ser
extremamente habilidoso. Um tiro praticamente às cegas. Claro
que com rápidos cálculos, dá para saber onde a mesa se
encontra, caso não a tenham removido em alguns centímetros.
Mas veja seo Mariposo, o tiro teria de acertar a cabeça do
indivíduo. E se a bala não encontrar o alvo, simplesmente vai
ser usada como um motivo a mais para outro ou outros alunos
morrerem...
_ Então por que ele deixou o celular com ela!?!

237
L. L. Santos

_ Simples... _ o detetive roía as unhas como um


garotinho ansioso para abrir seus presentes na noite de Natal _
Ele quer nos confundir. Nos enlouquecer. E claro, como já
disse: vai matar a todos os alunos. Não está se preocupando
com celulares.
_ Só é estranho que muitos pais ligaram para seus filhos
e sempre cai na caixa postal... _ Mendonça...
Ficaram imaginando um estranho, alto, com seu revólver
e mais a granada misteriosa, e andando entre as carteiras com
um saco aberto e pedindo encarecidamente que todos
contribuíssem para que no futuro não tivessem lesões
cerebrais cancerígenas devido ao uso desenfreado do
aparelhinho de comunicação. Um serviço de saúde pública.
Um bom homem que resolvera colocar em prática o que
ninguém mais se atreveria...
Mas o que era verdade, poderia soar como mentira, ou
mesmo piada.
Todos os aparelhos (a exceção do de Margarida) estavam
sem bateria. E não tinham sido poucos que não haviam
tentado mandar mensagens ou mesmo fazer uma ligação...

O tempo passava. Eles ouviram outro som de tiro.


Mariposo não aguentou e ligou...
E ficou desesperado ao perceber que após alguns
segundos de chamadas, a voz feminina destinada à mensagem
de telefone desligado ou temporariamente fora da área de
cobertura era tudo que seus velhos tímpanos captavam...

238
Bullying – Matando Aula

CARLINHOS

Ele não estava acostumado aquela vida quase carcerária.


Mas achava que a nova vizinha (aquela reclamona) não sabia o
quanto era mesmo feliz.
Claro que ela tinha seus problemas. Mas qualquer um
percebia facilmente o quanto os mesmos eram exclusivamente
neuróticos. E como ela não se ajudava, o marido não lhe dava
(muita) atenção, os filhos adolescentes queriam apenas se
divertir (tinha quatros piás entre 12 e 16 anos), então ela
sentia-se praticamente aniquilada em alguns segmentos.
Sozinha.
O que não era uma mentira.
De certa maneira.
Ela descobriu que estava grávida de três meses (mas sua
barriga era quase invisível). Nas gestações anteriores (dizia ela
para a mãe de Carlinhos enquanto bebiam chimarrão e
falavam da vida da vizinhança), ela percebera que estava com
peso extra antes de quinze dias. Mas desta vez, Deus resolvera
lhe pregar uma peça.
Sua religião não permitia nenhum método
anticoncepcional. Pertencia a Igreja Internacional da Graça de
Deus. Mas antes perambulara pela Universal, Renascer e até
fora espírita. E no início da carreira, era Católica Apostólica
Romana... se vivesse mais uns duzentos anos, talvez ainda
fosse seguidora da doutrina de Buda, ou procuraria se tornar
judia ou mesmo procurar a mesquita mais próxima para servir
a Maomé... ou até mesmo ser um Jedi by George Lucas... e
caso ficasse famosa, poderia recorrer a Cientologia e ser

239
L. L. Santos

acompanhante (secretária) de Tom Cruise ou qualquer tola


celebridade brasileira... opções não faltavam...
Mas ela afirmava (sempre) que tinha encontrado Deus
(desta vez).
Só faltava Deus se encontrar com ela...

Enfim...
Grávida mais uma vez. Pelo visto levava o ato da
multiplicação da espécie ao pé da letra. Não queria ter uma
família de poucos dígitos. E na igreja muito comum era a
prática de fazer esse tipo de conta.
E no que dependesse dela, o filho número cinco desta vez
não seria um libertinoso como os anteriores. Que sequer
tinham a acompanhado nas mudanças religiosas. Na verdade,
não acreditavam que o universo fosse uma criação de Deus...
A mãe já havia desistido de tentar convencê-los.
Pois nem as constantes visitas do pastor adiantaram.
Tudo bem, a igreja podia se virar desde que a mãe
continuasse com seu dízimo que pagava o horário nobre na TV.
E ela também ansiava que desta vez fosse uma menina
(talvez por isso não tivesse percebido antes que já carregava
mais um ser pensante na barriga).
E como a religião não permitia fazer ultrassom, teve de
esperar que a criaturinha saísse.

Mas ainda tinha seis meses pela frente.


E também uma dúvida sobre a vizinha, mãe de
Carlinhos.
Sabia que ela tinha um filho. Mas nunca o vira.
A mãe de Carlinhos sempre dizia que ele era tímido...
Era um dos raros momentos em que Carlinhos dava
risada. Mas também sentia-se rejeitado depois.
O que aconteceria se ele resolvesse aparecer de repente?

240
Bullying – Matando Aula

Aparecer na varanda no momento em que a cuia estava


chegando às mãos da vizinha neurótica.
Talvez ela e sua mãe desmaiassem.
Eram vizinhos novos, mas não moravam em Francisco
Alves antes. Eram de outra cidade. Carlinhos não sabia de
onde. Mas achava-se espantado que a vizinha (com a língua
que tinha) não soubesse que ele estava um pouco diferente dos
chamados garotos normais.

Normal.
O que é ser normal?
Ser um balofo é ser normal? Ou o magrão é normal?
Cabelo curto é para meninos. Comprido para meninas.
Calças para meninos. Vestidos para meninas.
Bermudas para eles. Saias para elas.
Mas então Carlinhos ficou a pensar na escola.
As meninas usavam calças. Bem mais largas que as dos
meninos. E mais caídas também.
E isso não as classificava como anormais.
Estavam dentro dos padrões da sociedade
contemporânea estudantil.
Mas...
Ele um dia fora normal.
Carlinhos achava que até sua vizinha neurótica não era
normal. Mas mesmo assim, ela podia andar pela rua.
Conversar com a vizinhança (a mesma que ela adorava falar
pelas costas). Ir ao mercado. Simplesmente poder aparecer.
Mas ele não.
Claro que seus pais não o mantinham em uma jaula.
Mas ele sentia-se mais seguro ali.
Se pudesse, já teria ido até a escola e metido uma tocha
no rabo daqueles três. Mas isso era impossível de ser feito.
Nem poderia contar com a ajuda de outra pessoa.

241
L. L. Santos

Aqueles que se diziam seus amigos nunca apareceram. E


ele também não fazia questão. Como alguém ia brincar com
ele?
Montar um castelo de Lego. Ou jogar xadrez (ele não
sabia como jogava, mas mesmo assim imaginava se alguém
estaria disposto a lhe ensinar com aquela cara). Montar uma
cidade de caixas de sapato para depois fazer seus carrinhos
andarem entre elas como se fossem grandes prédios
espelhados como via nos filmes americanos.
Quem seria louco?

E ele entendia perfeitamente.


Mas doía...
Só começou a dar alguns sorrisos quando queimava
algum gato ou cachorro. Mas eles estavam diminuindo...
A vizinha não tinha nenhum animal de estimação. Mas
Carlinhos achava que ela daria uma boa bola de fogo com
aquele seu temperamento.
E estava grávida.
Isso o excitava.
A casa ficava ao lado. Era apenas um muro de tijolos que
já nem possuía mais reboco. E as árvores serviam como
escada. Mas ele nunca pulara para o lado da casa da vizinha.
Saíra algumas vezes, tomando todo o cuidado para não ser
visto. Mas nunca pisara no gramado sempre cortadinho. Não
da casa da vizinha. Não daquela vizinha. Achava que nada
tinha a fazer ali.
Não tinha mesmo.
E acreditava que agora, depois de saber da gravidez, seu
pensamento quanto aos interesses pela casa ao lado, poderiam
nascer. Mas tinha de esperar. Alguns meses. Tudo bem. Não
iria a lugar algum mesmo...

242
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Tinha um garoto de aparência mediana sentado quase no


meio da sala. Ele se levantou e chamou a atenção de todos...
_ DIONI! TÁ AQUI A CURA PRA TUA PORRA DE DOR!
Levantou os braços para o alto, fechou três dedos de
cada mão, deixou o indicador reto e o polegar levantado, como
se simulasse revólveres e depois fez um lento movimento em
direção ao pênis, enquanto assobiava devagar para
acompanhar a coreografia tão comum das escolas do ensino
primário ao médio. E em alguns casos, no superior...
Não teve um que não deixou de gargalhar...
Bem...
A professora Edite se manteve quieta. O estranho
também. E claro, Dioni, que a essa altura estava quase, quase
se mijando...

André podia não ser o cérebro em atividade mais


possante da sala. Mas conseguia saber o quanto aquilo ia
durar. O estranho não teria pressa alguma. Pois se assim
continuasse, logo sobraria apenas Tigela e talvez a professora
Edite. Talvez porque a perna dela já começava a ter uma
coloração diferente. Ou se fosse melhor representado, uma
falta de cor. O sangue da coxa para baixo já tinha feito uma
viagem só de ida. E o restante do corpo logo começaria a pagar
por isso. A dor devia ser terrível, e ela estava suportando.
Talvez morresse antes do gorducho.
Pois o estrago da bala era feio. Bem diferente do que via
no cinema. Onde um cara com um buraco enorme (isso era

243
L. L. Santos

parecido) andava para tudo quanto é lado apenas dando umas


mancadas.
O gordo se desesperava por dentro. O que aconteceria a
ele? Era isso que o deixava com o corpo gelado. Apesar do
calor. Todos ali sentiam-se como bonecos de neve.
A não ser Tigela que se maravilhava com a situação.

Nathanieli tinha a visão privilegiada pela sua altura.


Mesmo sentada, tinha noção de todos os cantos da sala. E ela
logo pensou em correr até Tigela e desarmá-la.
Mas era um lápis.
Poderia ela fazer algo perigoso com isso?
O bastante.
Pois o estranho se acomodara. Assistia a tudo como se a
sua frente estivesse um monitor onde uma aventura televisiva
que ele a muito não via, estava sendo finalmente reprisada no
Corujão. E como era dublado, não dava para perder o foco.
Nem mesmo iria ao banheiro.
Mas Nathanieli foi assaltada pelo sentimento de mãe que
imperava ali: o medo.
Se ficasse quietinha, morreria. Se resolvesse falar e fazer
algo que o estranho (ou Meu Deus, Tigela) interpretasse como
sendo muito, muito errado, morreria.
E desconfiava que se a polícia tentasse um contato,
digamos, mais direto, morreria mais uma vez.

A escola sempre fora um bom lugar. Era por causa de


certos alunos que às vezes se tornava um território de
banditismo.
E era isso que era apresentado na sala.
Tigela não era de voltar atrás. E se ela desconfiava que
sua atuação pudesse ser convertida em salvação aos olhos
mortos do estranho, ela realmente não se enganava. Não, isso

244
Bullying – Matando Aula

não o influenciaria. Ela vira que ele era mesmo um psicopata.


Não importa o quanto fosse falado com esse cara.
Então, ela faria o melhor (ou pior, se fosse considerado o
ângulo de visão dos outros) que pudesse. Não existiriam
testemunhas.
Nada de processos.
Investigações.
Revirar gavetas.
Todos já teriam partido para junto de Jesus ou pulado
para dentro do caldeirão enquanto eram espetados na bunda.
Era só um empurrãozinho.
Ou um tempo a mais para ainda permanecerem vivos.
Mas Tigela sabia que o estranho logo se cansaria. E daria
um jeito neles sem que de repente a polícia entrasse e lesse
seus direitos. Como nos filmes?, pensava ela. Talvez.
Aqui a polícia dizia mãos ao alto vagabundo!
Ou era o que dava para imaginar.

Tigela lembrou que ele ainda tinha quatro balas.


Uma jogou fora, calculou ela olhando para a professora
Edite, que até pouco tempo atrás, era a autoridade máxima da
sala de aula do terceiro andar da escola agora cercada por
policiais e gente de tudo quanto era canto da cidade e região.
Era novidade. E chamava mais atenção que o Rock in Rio.
E foi isso que ela falou ao apontar o lápis, mas não para
Dioni que já começava a peidar devido à ansiedade e ao café da
manhã movido a sobras de feijão.
A garota apontou o lápis como um florete, ou mesmo
uma lança medieval em direção a Samuel.
_ VOCÊ, SEU CRENTEZINHO SAFADO! VOCÊ VAI SER O
PRIMEIRO DA MINHA LISTA! VOCÊ NÃO É JUDEU! MAS
TAMBÉM MATOU CRISTO! USANDO DA MENSAGEM DELE, A
SUA CORJA SE ALIMENTA E FICA MAIS FORTE A CADA DIA

245
L. L. Santos

PARA ERGUER UM IMPÉRIO FINANCEIRO QUE PODIA


ERRADICAR A MISÉRIA! MAS NÃO... A SUA RAÇA QUER
APENAS LUXO E TEMPLOS PARA ENCHER DE PORCOS! POR
ISSO EU VOU DAR UM FIM EM VOCÊ! VOU SIM SEU FILHO
DA PUTA!
Samuel olhou para ela e suspirou.
Ele tremeu de medo?
Sim.
Diria isso em voz alta?
Não.
Achava que alguém fosse defendê-lo?
Depende. Se alguém soubesse que existia a possibilidade
de salvação. Mas para Samuel, era mais fácil acreditar que
Jesus arrombasse a porta (ou talvez abrisse caminho através
do teto), o pegasse nos braços e claro, o levasse para a rua em
meio a toda aquela gente...
_ Depois da morte, vamos ver quem vai para o Inferno
sua prostituta...
_ TODOS VAMOS PARA O INFERNO, CRENTE! E VOCÊ
SERÁ O PRIMEIRO A SENTIR A CARNE DO CU QUEIMANDO
NA PONTA DO TRIDENTE DO DIABO! EU AO MENOS TENHO
CONSCIÊNCIA DISSO! MAS VOCÊ VIVE NA ILUSÃO!
Então, Tigela andou. E ninguém interferiu.

246
Bullying – Matando Aula

SE ESPALHANDO

Mendonça finalmente se convenceu de que era preciso


fazer algo.
O detetive optava pela entrada surpresa.
Seo Mariposo já se encontrava longe. Mas sempre sendo
observado por outros policiais. Talvez o velhinho fosse soltar
alguma informação para a imprensa, e isso não seria nada
construtivo.

_ Já pensou se com um tiro, atravessando a parede,


acertamos o cara!?!
_ Delegado, se onde o maluco estiver, for o local correto,
então não seria preciso atravessar a parede, mas apenas o
vidro e as persianas.
_ Pois é...
_ Mas e se tiver um aluno por lá!?! Ou se a mesa estiver
afastada de seu local original!?! O que nos resta!?!
_ ...
_ Invadir...
_ Então ele dá um sorriso de despedida e a granada leva
a todos para o mais alto possível...
_ Ele não tem granada nenhuma...
_ Como pode ter tanta certeza!?!
_ O cara é pinel! Se realmente carregasse uma bolota
explosiva no bolso, já teria usado...
_ Pode ser...
_ Vamos invadir, delegado! Sei que isso pode acarretar
em vítimas inocentes, mas ao menos salvamos a maioria...

247
L. L. Santos

***

É. Talvez até virasse feriado municipal.


Hoje comemoramos o dia em que uma sala de aula teve a
visita de um louco que conseguira matar alguns, mas felizmente,
a polícia da cidade de Francisco Alves do Sudoeste, teve êxito,
mesmo com a morte de outros estudantes por causa de sua
ousada invasão.
Fazia algum sentido...

Só precisavam escolher os homens mais competentes.


E que tivessem coragem em saber que isso os tornaria
heróis...
Mas em hipótese alguma, falariam para eles sobre uma
suposta granada.
Por isso, trouxeram seo Mariposo novamente.
E o botaram para dormir com a ajuda de medicamentos.
O velhinho estava mesmo precisando.
Só não imaginava que pegaria logo no sono.

248
Bullying – Matando Aula

PROMOÇÃO

Carlos e Antunes estavam cuidando do cordão de


isolamento, quando viram que seriam substituídos.
Receberiam algumas horas de folga, pois estavam de serviço
desde a madrugada.
E até chegaram a acreditar que seriam convocados para
fazerem parte de uma suposta equipe de resgate. Ou invasão.
Mas apenas foram liberados...

Na viatura, Carlos remoia as ideias. Antunes apenas se


concentrava em ver se pegava um pouco no sono. Mas não
pegou, Carlos começou a falar.
_ Vamos entrar e acabar com isso...
_ Do que está falando!?! Enlouqueceu!?!
_ Podemos fazer isso! É só um cara, Antunes!
Arrombamos a porta e sem demora o localizamos! Tenho
certeza que não vamos perder nenhum merda de aluno com
essa operação!
_ Claro, e mesmo que obtenhamos sucesso, ainda
teremos de responder a um processo por conduta
inadequada... por colocarmos em risco a vida de crianças...
esquece!
_ Todas aquelas tetas, bucetas, e caralhos desenvolvidos
e você ainda acha que são crianças!?! Meu Deus, Antunes!
Você mais se parece com uma criança! Lá a maioria é de
marmanjos super desenvolvidos! Ou vai me dizer que não
reparou no tamanho deles!?! Tem gente que agradeceria a
Deus, caso toda a sala fosse pelos ares...

249
L. L. Santos

_ Não é bem assim, cara... minha nossa, respeita a farda!


O juramento!
_ Foda-se o juramento! Pelo salário de fome que a gente
ganha, nem devíamos estar aqui agora...
_ É a nossa função... e se não fosse esse salário de fome,
pago com os impostos dos contribuintes, eu não estaria
saciando a saúde da minha família...
_ Tá, você sustenta sua casa, ok! Mas presta atenção,
Antunes: se entrarmos lá e pegarmos o cara, vivo ou morto,
seremos considerados heróis! E ser herói, quer dizer
promovido! Com um salário novo! Claro que se o matarmos
teremos de responder um processo porque invadimos uma sala
de aula contendo um grupo de alunos, uma professora e o
bandido. Então, o pessoal dos Direitos Humanos vai querer
nossas cabeças porque não demos nem mesmo a chance do
cara se defender dando um tiro em nossos rabos!
_ Meu Deus...
_ Alguém tem de salvar aquelas criancinhas, cara...

250
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

_ Vou atiçar os seus estímulos de sobrevivência _ disse o


estranho com as longas pernas esticadas sobre a mesa _
Samuel, se você sobreviver, poderá sair por essa porta! Então,
eu mato a Tigela, o que acha?

Conversa. Foi o que Samuel pensou. O estranho disse


vezes sem conta de que todos iam morrer. E agora dava a
chance do único evangélico da sala para se salvar?
Ou então...
Era Deus...
Jesus em outras palavras. Ele estava agindo de um modo
obscuro. Testando a fé de Samuel. Se não fosse isso, o que
mais poderia ser?

Tigela parou e encarou o estranho.


Alguns podiam jurar de pés juntos que ela ia dizer algo,
mostrando-se contrariada. Mas não. Nada saiu de sua
boquinha. Apenas franziu a testa alta e ficou a pensar. Não
tinha como perder para Samuel. Ele não ousaria ter de usar a
Bíblia como arma ou escudo.
Ou ele seria tentado a isso?
Só havia um jeito de saber...

Tigela virou somente o rosto, estando ainda voltada em


direção ao estranho. E viu que Samuel engolia o lábio inferior.
Ele lutaria. Com todas as suas forças. Seus olhos irradiavam
ódio. Nem Tigela teve aquele olhar nesta manhã. E isso era
fácil de se notar.

251
L. L. Santos

Na mão direita, Samuel segurava a Bíblia com força.


Dava a entender que ele poderia esmagar aquele calhamaço de
papel religioso sem muito se esforçar. O desejo de continuar
vivo dá forças ao mais franzino dos seres humanos. E não seria
diferente com o crente.
Seu suor mostrava o quanto sentia-se nervoso.
Se ele queria mesmo viver (ou ao menos sobreviver) teria
de botar toda sua fúria contra Tigela. Mas, um homem nervoso
apenas comete erros. E erros graves.

Tigela até quis falar o quanto o estranho estava a se


divertir com o crente. Mas resolveu continuar calada. Não
havia motivo. Logo seria um aluno a menos para se preocupar
em sair vivo daquela bizarra situação. Um aluno. E não aluna.
Isso ela fazia questão de deixar bem claro. Ela sairia vitoriosa.
Assim como Davi deu uma lenha em Golias usando uma
funda, a prostituta iria varar o aprendiz de evangélico com
apenas um lápis. Ele entraria sem olhos no Reino do Inferno.
Ela ao menos se morresse (e tinha certeza de que seria a
última, e não a professora Edite), passaria pelos portões
guardados por Cérbero fazendo-se de vesga... e se tivesse sorte,
continuaria a espetar Samuel...

Ela voltou o corpo de frente para ele.


O estranho aproveitou e disse calmamente...
_ Se qualquer um de vocês ousar se meter, leva
chumbo...

252
Bullying – Matando Aula

CARLINHOS

Quando a vizinha apareceu na varanda querendo


mostrar sua alegria ao poder revelar o dia do nascimento de
mais um filho (mas ela rezava todas as noites e pedia
encarecidamente a Jesus que fosse ao menos desta vez uma
menina), Carlinhos viu da janela que a mãe dava um forte
abraço naquela senhora histérica.
Talvez, para mostrar que ela também orava pedindo que
viesse a menina...
E o parto se daria em uma semana. Seria a semana mais
longa da vida da vizinha. E ela mesma creditava isso a sua
ansiedade. Nem parecia já ter sido mãe outras quatro vezes.
Lembrava a uma adolescente ou solteirona de primeira viagem.
Apesar de ser um tanto difícil de acreditar que uma solteirona
um dia pudesse embarrigar.
Mas, como dizia a vizinha de Carlinhos, para Deus nada
era impossível.
A mãe de Carlinhos até pensou em comprar meias ou um
tip-top. Mas como não sabia o sexo do bebê, isso complicava
um pouco.
Pois como a religião não permitia o ultrassom...
E ao menos a criança não ia passar vergonha sendo
vestida com alguma camisa de time de futebol assim como
tantos lunáticos faziam, disse a vizinha com um sorriso que
mostrava toda a sua falta de cuidado com os dentes restantes
que ainda eram naturais.
Isso fazia Carlinhos se sentir o John Travolta do sertão...

***

253
L. L. Santos

Carlinhos espiava a vizinha diariamente pela janela.


Ficava oculto pela cortina de renda branca e sorria para si
mesmo quando a via com aquela imensa barriga. Faltava
apenas uma semana para que de lá saísse um bebê...

254
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Um aluno qualquer pensou em dar uma sugestão:


poderiam fazer um círculo com as carteiras, e assim o Circo de
Roma ficaria mais bonito visualmente falando. E se tivessem
leões, os soltariam sobre os gladiadores para deixar tudo mais
divertido.
Aqueles que fossem caindo, seriam rapidamente
substituídos.
Não era algo bárbaro. Os alunos assim pensavam, já
vários deles (quase a maioria) tinham desejo de sangue.
O estranho somente serviu para provar isso a eles.
Era a lei do mais forte.

Tigela estava a uma distância considerável de Samuel.


Ela poderia saltar sobre a primeira fila e logo apenas
esticar o braço. Isto é, se a testemunha de Jeová continuasse
inerte. E era bem provável que Samuel começasse a se mover...
A tensão transparecia facilmente. Dava para ouvir alguns
corações batendo. A respiração alta. E um constante
engolimento de saliva.
O primeiro que tentasse algo para impedir, iria mais cedo
para o cemitério. E Tigela estava pedindo a Deus que não
existisse ninguém mais louco que ela. Mas naquela sala, isso
era quase impossível de saber...

Os alunos que estavam entre Tigela e Samuel, se


afastavam, empurrando uns aos outros em suas carteiras. A
gelidão que brotava na garganta e se espalhava pelo corpo era
insuportável.

255
L. L. Santos

Assim que um dos gladiadores caísse, outro ocuparia o


lugar.
E mesmo os alunos sendo quem eram (mas não todos),
achavam que deveria um limite ser imposto para que a morte
não mais se apresentasse.
A morte ao vivo. Real. Bem a frente de seus olhos, não
era nem um pouco agradável. E já tinham visto dois alunos
morrerem. Sem contar Clóvis e a perna da professora que já
mudava mais uma vez de cor. Ou mesmo a retalhação de
Marcelo que fora interrompida.
No início, tudo mais parecia um pesadelo.
E continuava sendo um pesadelo.
Mas um pesadelo que se testemunhava acordado.

Samuel reagiu. Não era vitima de assalto, mas reagiu. E


ele, que era um tanto magro, conseguiu esquivar do lápis
assassino e segurar o braço de Tigela fazendo-a arregalar os
olhos.
Mas o que Samuel não sabia (e ele se achou o máximo
por ter realizado a proeza de erguer o lápis para cima, longe de
sua cara fina), era que Tigela, assim como qualquer baixinha,
quando em fúria, tem a força ampliada. Tremendamente
ampliada, diga-se de passagem. E simplesmente conseguiu
livrar-se sem muito esforço dos dedos estreitos do crente e
empurrá-lo para trás.
Sentiu o baque de uma carteira e uma aluna que o
empurrou de volta sem nada dizer. Ninguém queria ficar no
fogo cruzado.
Com os olhos vermelhos de raiva e desespero, Samuel
avançou para cima de Tigela, empunhando sua Bíblia que de
nenhuma maneira iria deixar de lado.
Deus intercederia por ele. Mas o fiel precisava mostrar o
seu real valor.

256
Bullying – Matando Aula

O crente sentiu um aperto no coração ao lançar as


escrituras sagradas contra uma prostituta. E por um breve
momento, em seus pensamentos, acreditou que talvez pudesse
incinerar Tigela com a capa de couro preto do livro de páginas
de bordas vermelhas.
Mas isso era possível apenas em seus sonhos. Ou talvez
nem lá...
Tigela bloqueou a pancada com seu braço esquerdo e
logo puxou a Bíblia para baixo, fazendo-a percorrer um
caminho sem volta.
Samuel acabou ficando um pouco abaixado e apenas viu
pela última vez que uma garota com um (bom) lápis pode
causar um estrago danado a qualquer pessoa que ousar
enfrentá-la.

Alguns desconfiavam que fosse apenas sorte. Outros,


achavam que Tigela já andara se metendo em algumas brigas
sempre usando seu bom e velho Faber-Castell...
Pois ela o enterrou fundo contra o pescoço de Samuel,
fazendo um jato de sangue explodir no momento em que ela
rapidamente retirou o artefato educacional para o lançar agora
em direção a um dos olhos tão abertos quanto as grandes
portas da igreja do defunto que se formava a sua frente.

Ele gritou?
Claro que gritou.
Se mexia mais que uma aranha quando esmagada pela
sola do sapato.
Os alunos que observavam gritaram?
Sim, alguns.
Outros permaneceram no silêncio.
Enquanto Tigela continuava furando nesse momento o
outro olho e Samuel lutando para permanecer vivo.

257
L. L. Santos

Que estupidez da parte dele, imaginavam cruelmente


alguns. Todos morreriam. Lutar para que mesmo?

Tigela poderia ter deixado Samuel se debatendo. Vê-lo


morrer com toda a sua agonia. Mas não que ela não fosse
espirituosa. Até ia a igreja às vezes, se confessar (deixando o
padre apavorado com suas histórias), pedir perdão e o que
mais fosse preciso para que sua consciência se tornasse mais
uma vez tão límpida quanto o Céu.
Mas...
Ela gostava de fazer o sofrimento andar. Ainda mais se
fosse para com uma pessoa que de alguma forma se achava
melhor que os outros.
Samuel não era uma má pessoa. Apenas era um tanto
fanático. Só isso.
E Tigela se pudesse, acabava com qualquer fanático que
existia em Francisco Alves.
Ela pisoteou o corpo de Samuel por vários minutos que
mais pareciam horas aqueles que a admiravam. Ele não
morreria por causa dos olhos furados ou dos coices bem dados.
Mas por causa do buraco no pescoço.
Mas Tigela (que parecia a insanidade em pessoa), se
agachou, ficando sobre um Samuel que levaria ainda um
tempinho para perder os sentidos, e começou a furá-lo no
peito, cabeça, braços e depois, o saco...
Ela começou a gritar, dizendo palavrões para um Samuel
que sem que ninguém tivesse percebido, já começava sua
derradeira despedida final deste mundo. Ele bem que tentou se
defender, levantando os braços. Mas sentia dor. No pescoço e
onde uma vez existiram dois olhos. E ele não conseguia mais
pensar além de sentir a dor. Se debatendo com todo o
desespero que podia exalar... berrou alto.

258
Bullying – Matando Aula

Lá fora as pessoas ouviram.


E isso fez com que todos quisessem entrar para pegar o
louco que tinha entrado para matar.
Mas não era ele, era Tigela...
Adiantaria dizer isso a uma multidão?
Não.

Tigela estava ensopada. Nunca vira tanto sangue. Seu


rosto foi tingido pelo fluído da vida de Samuel. E isso a fez se
sentir enojada. Jamais se arrependeria de ter matado. Era ele
ou ela. E obviamente que Tigela nunca viria a ficar quieta em
sua carteira esperando que alguém fosse rasgá-la com um
lápis. Ela foi em frente. Quis viver mais um pouco. E isso até
poderia ser um ponto positivo. Se o estranho acreditasse que
ela assim que saísse da sala, continuasse massacrando alunos
em outras escolas.
Um pensamento bastante desvirtuado, admitia Tigela a si
mesma, mas ela gostava da sensação. Samuel era só um monte
de merda. Ela deixou o mundo mais bonito sem ele.
Caso ele continuasse vivo, quantos mais ele daria um
jeito de converter?
Ela fizera um favor a Francisco Alves.
Mas não precisava ser assim.
Não devia ter matado.
Mas... matou... e sentia-se feliz...
E pronta para despachar qualquer outro que ousasse se
levantar contra ela...

O estranho não saiu da mesa.


Mas aplaudiu, fazendo alguns elogios e também
condenando os movimentos rápidos de Tigela...
_ Ele sofreu... mas... você deve aprender – mesmo agora,
no fim de sua vida – que o mais interessante na arte do

259
L. L. Santos

assassinato, é poder trazer toda a escuridão a vítima. Ela deve


viver o suficiente para que os demais vejam o quanto é horrível
morrer... sempre...

Tigela se virou para ele. Continuava sobre o corpo sem


vida de Samuel...
_ Da próxima vez, eu acerto, cara... eu acerto...
E ela devia agradecer a Deus, pois chances não faltariam
até o último aluno em pé...

260
Bullying – Matando Aula

CONTAGEM REGRESSIVA

A gritaria de Samuel fez Mendonça pensar em um último


contato. Não imaginava o que estava acontecendo lá dentro. A
não ser sofrimento. E dos piores possíveis pelos sons que
atravessavam as janelas e chegavam fortemente à rua,
deixando as pessoas apavoradas e loucas para entrarem a
qualquer custo para iniciar o linchamento do assassino.

Se o evento tivesse ocorrido durante a noite, existia a


possibilidade de cortarem a energia elétrica, como uma forma
de intimidar o assassino. Ou então isso o deixaria ainda mais
louco do que eles já haviam testemunhado.
Não era nem um pouco encorajador ter de lidar com um
cara que a polícia até o momento não conseguira um único
segundo de sucesso. Não conseguiram intimidar...

A multidão ouvira os sons de tiros. E os gritos, claro.


Então, por que os policiais e soldados não invadiam de
uma vez?
Era essa a mais coloquial das perguntas entre os
milhares que se acumulavam em torno da quadra da escola.
E boatos já corriam por todos os lados.
De que todos os alunos da sala do terceiro andar já
estariam mortos.
Ou de que a polícia não podia simplesmente ir entrando
porque isso poderia significar a morte de algum estudante ou
mesmo do sequestrador. Pois de certa forma, havia
sequestrado uma turma inteira dentro da própria sala...

261
L. L. Santos

As pessoas clamavam por uma resposta. E se pudessem,


já teriam invadido o prédio.
Mas a força policial estava fazendo o possível para
impedir um estouro da boiada. E caso isso viesse a se
concretizar, seria praticamente impossível de impedir o avanço
das ondas...

E enquanto Mendonça corria para pegar mais uma vez o


celular de seo Mariposo, Antunes e Carlos se preparavam para
cometer a maior cagada de suas vidas...

Mais gritos...
Outros gritos...
E desta vez, alguém apareceu a janela... e segurava uma
cabeça...

A cena caberia perfeitamente em uma rebelião no


presídio mais próximo de Francisco Alves, nos limites de
Francisco Beltrão.
Uma cabeça com os olhos vazados. O sangue pingando
do pescoço rasgado, deixando um rastro vertical na parede
branca. Uma espinha vertebral balouçando. A língua
parcialmente pendida. E os cabelos e o restante do rosto
manchados por sangue já coagulado.
A menina que segurava a cabeça a mexia como se fosse
um boneco. Ou uma máscara recém utilizada em um desfile de
carnaval de rua. E não como aquelas da Marquês de Sapucaí.
Até que a cabeça foi lançada para o pátio e a garota
desapareceu sob as persianas.
Ninguém ousou se mexer para ir buscar aquele troféu...

262
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Tigela estava pegando gosto pela última profissão de sua


curta vida. Cortar a cabeça de Samuel fora um pouco
complicado. Pois além de arrancar o canivete das mãos da
professora Edite que já não estava mais se sentindo humana,
ainda teve de ralar para serrar a carne e puxar a coluna com
toda a sua força.
O esforço valeu. Mas quando ela disse que ia jogar a
cabeça pela janela, o estranho lhe falou calmamente...
_ Eu quero que aquela garota faça isso...
_ Então eu apenas fiz o trabalho sujo...
Tigela só decapitou Samuel por que o estranho disse que
se ela quisesse mostrar um trabalho realmente bem feito, teria
de separar a cabeça do corpo. E não apenas o furar em alguns
pontos. Qualquer um fazia isso. E se ela queria se mostrar
satisfeita, teria de agir como uma psicopata...
A reação na sala, foi de assombro.
O único objeto cortante presente, era o canivete de
Marcelo que continuava em poder da professora Edite. Mas ela
já começava a se tornar catatônica e tentou segurar entre suas
mãos o canivete quando Tigela se aproximou.
Não houve luta, mas uma breve resistência, até que a
professora deu-se por vencida.
E Tigela não esperou um único segundo para começar a
retalhar.
Fez um serviço de primeira, pensou ela.

***

263
L. L. Santos

Vários alunos berraram ante a cena.


Alguns até sorriram ao ver Samuel se movendo de novo.
Mesmo que por meio de um incentivo físico.

Mas, quando Tigela foi jogar a cabeça pela janela, e isso


ela deduziu que devia ser feito, o estranho apontou para outra
garota. E se ela não o fizesse, poderia ter certeza que seria a
próxima cabeça a ir dar uma voltinha...

Margarida pegou a cabeça e se dirigiu a janela. Além de


medo, estava com nojo de pegar naquela cabeça que ela tinha
salvado ontem do empurrão de Tigela, e que hoje, teve a
continuidade daquele golpe.
Ela pensou em protestar. Mas apenas seria a mais nova
morta da classe. Só isso. Então, que maldade havia em segurar
uma cabeça para fora da janela? Afinal, o carinha já se
encontrava morto...
Margarida só temia que a fizessem jogar o corpo
também...
E se perguntava o que seu avô pensaria ao vê-la...

Bem...
A cabeça se fora, mas o corpo continuaria ali, para
enfeitar a sala, dissera o estranho que estava escolhendo os
próximos a brincar em sua arena particular. Até que restasse
somente um para ele dar cabo no final...
E quando ele apontou para André e uma garota, ficou um
pouco irritado por ouvir a vibração do celular de Margarida...
_ Querem saber!?! _ disse ele _ Acho que vai ser você,
Margarida, contra o bolo-fofo...

264
Bullying – Matando Aula

CARLINHOS

Quando o bebê nasceu, Carlinhos pôde ouvir a festa na


casa vizinha. Só não soltaram fogos de artifício, pensou ele,
porque achava que ela os classificaria como algum tipo de
pecado, segundo a sua doutrina. E Carlinhos se divertia com
essas ideias...
Mas o que o deixava um tanto risonho (se é que com
aquela cara, era possível mostrar isso), era saber que a vizinha
às vezes dizia que não acreditava que Carlinhos realmente
existisse. Pois ela nunca o vira.
Tímido, dissera sua mãe.
Talvez o garotinho mais tímido do mundo.
Um monstro coberto pela timidez, era o que Carlinhos
pensava.
E se aquela evangélica o visse, o consideraria como o
filho de Satanás, o Anticristo e variantes.
E pelo que ele já conhecia da vizinha, ela não hesitaria
em pegar uma faca para acabar com a sua raça. Não mesmo. E
ele por um momento até acreditou que este fosse o caminho.
Bastava aparecer, e uma boa parte (na verdade, todos)
dos seus problemas seriam resolvidos como um passe de
mágica. Mágica evangélica. Com a benção de Deus. E até um
Jesus de terno e gravata para angariar os fundos
(popularmente conhecidos por dízimo) em prol de alguma
ONG...
Só que Carlinhos chegou à conclusão de que o mais
correto era descartar a possibilidade de fazer uma aparição...
Isso só faria sua mãe sentir dor.

265
L. L. Santos

E ele tinha a leve desconfiança que ela sofreria o Diabo


com isso.
Então, manter-se quietinho era a chave para continuar
levando a vida dos pais de uma forma mais amena e sem muito
os preocupar.
Promessa é dívida. Foi o que Carlinhos aprendera
quando era um garoto normal.
Assim faria até o fim. Não importando o quanto vivesse.
Mas ele só não esperava a surpresa que o pegaria pelas
pernas.
Não viveria o suficiente.
Ele estava fadado à morte.
Se tinha de fazer algo, teria de agir rápido.
E foi o que Carlinhos fez, sem nenhum momento de
arrependimento...

266
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

O celular de Margarida tinha viva-voz. E por isso, foi


possível ouvir o delegado Mendonça que estava tentando
ganhar tempo ou simplesmente fazendo todo o possível para
encerrar aquela manhã de terror sem que mais nenhum aluno
resolvesse pular pela janela só de cabeça pelas mãos de algum
colega...
O aparelho foi colocado em cima da mesa da professora
Edite. Ao lado das botas escuras do estranho. A voz fluía com
uma nitidez sem igual...
_ Alô!?! Estão me ouvindo!?! Vamos salvar vocês! Tenham
fé!
O estranho se manteve em silêncio.
Os alunos achavam que ele estava fazendo para provocá-
los. Para que fizessem alguma besteira. E aí: BUM! Ele
simplesmente estouraria com a sala.

Claro que entre alguns pensadores do ensino médio,


chegaram a imaginar que o estranho não possuía granada
alguma. Mas ele ainda tinha quatro balas. E se alguém
estivesse disposto a tentar algo (inclusive Marcelo), estava
rezando para que os últimos tiros saíssem logo.
_ ALÔ!!! Você está aí!?! O que foi aquilo na janela há
pouco!?! MEU DEUS! As pessoas aqui do lado de fora vão lhe
arrancar o couro meu camarada! Se entregue antes que fique
pior!

Pior para quem?


Foi o que outros gênios da sala se perguntaram.

267
L. L. Santos

Não existia probabilidade alguma daquilo ficar pior.


Todos já estavam condenados. Era só aguardar.

_ VAMOS, CARA! DEVE EXISTIR ALGO QUE VOCÊ


QUEIRA! E SE PUDERMOS CONSEGUIR, TENHA CERTEZA
QUE O FAREMOS! MAS NÃO MATE MAIS NINGUÉM!
O estranho piscou para a turma. E falou com seu tom
suave e calmo, mostrando controle impressionante da
situação...
_ Delegado Mendonça...
_ Fale...
_ Não há nada que vocês possam me dar porque não há
nada que eu queira! Portanto, estou aqui somente para me
despedir do mundo, e resolvi fazer essa festinha particular com
uma turma qualquer! Eles deviam agradecer a Deus por esta
oportunidade única! Alguns serão lembrados, serão sim! Mas
apenas como as vítimas, e eu como o libertador! O terrorista!
Sequestrador! O psicopata! E como o mais quiserem me
chamar! No entanto, se por um acaso eu fosse fazer algum
pedido, seria este: CAIAM FORA SEUS FUDIDOS!
Silêncio...
Mendonça não sabia mais o que dizer...
Mas o estranho sim...
_ E antes que eu esqueça: tentem invadir e até seus
policiais vão acabar mortos! Ah, espere, tem mais! A dona
desse celular pode ser a próxima a fazer uma viajem rumo ao
pátio caso ela não se dê bem na brincadeira! ADEUS!
O estranho pegou o celular, se levantou e o jogou contra
um dos alunos que recebeu o aparelho direto na cabeça. O
celular ficou em cacos, e a cabeça rachou mostrando que tinha
sangue de burro ali também. E já começara a chorar
desesperado.
O que aconteceria então?

268
Bullying – Matando Aula

Um tiro? Revelando que agora eram apenas três balas?


Esse seria o lado positivo, pensavam alguns.
Ao menos certos alunos estariam se despedindo da vida
sem ter de passar pelo sofrimento ritualístico de Samuel. Mas
ele não seria o único.
_ Hei, gorducho! Se quer continuar vivo, mate a mocinha!
E se você mocinha, quiser respirar por mais tempo, trate de
matar o gorducho!

269
L. L. Santos

MARGÔ

Carlinhos entrara sem dificuldade na casa da vizinha.


Tinha uma empregada doméstica que estava cuidando do bebê
enquanto a dona da casa ia ao mercado, fazia compras de
vestuário ou visitava o templo para orar. Ou simplesmente saía
para religiosamente não deixar que as fofocas acumulassem...

Mas, como a maioria das empregadas, esta não seria


diferente no quesito eficiência. Seu nome era Margô. Um tanto
idiota, estrangeiro demais, pensava ela. E não tinha
competência para cuidar de assuntos domésticos. Isso era,
digamos, um tanto pesado para sua cabecinha e corpo de
modelo. Se tivesse 16 anos, era muito.
Não ostentava responsabilidades. Mas mesmo assim,
conseguira o serviço de babá. Ela gostava de dizer que era
babá, e não empregada. Não estava ali para lavar roupa,
passar, cozinhar e todo o restante que envolve esse cotidiano.
No máximo, cuidar do bebê.
Cuidar.
Mas ela não cuidava.
Gostava era de assistir a Sessão da Tarde, sempre na
esperança que fosse apresentada mais uma vez a eterna
reprise de A Lagoa Azul.
Ao menos era uma adolescente que sonhava com o amor.
Ou com o sexo. Ela mesma não sabia. E por isso, entediava-se
com frequência.
Claro que com o valor que a evangélica lhe pagava, não
dava para fazer todo o serviço, por isso ela deixara bem claro
que cuidar do bebê era o fundamental.

270
Bullying – Matando Aula

Mas se alguém pedisse a ela como era a criaturinha,


Margô não saberia dizer. Se era mesmo pequenino, com ralos
cabelos, se tinha dois braços e duas pernas, uma cabeça e
claro, se ostentava a fisionomia humana. Ela simplesmente
jamais chegara a prestar atenção ao bebê.
Tudo bem.
Era só ver se ele dormia.
Se chorava por ter feito caquinha.
Se mijado todo.
Por fome.
Ou ainda por manha...
E era este último item que a deixava possessa.
Só não dava uns sopapos nele porque achava que assim
como já assistira no Fantástico, ali naquela casa também
poderia existir alguma câmera oculta.
Então, ela que já havia dito que era babá e não faxineira,
cuidava do bebê da melhor forma possível. Ou não cuidava se
assim preferir.
Simplesmente dava algumas olhadinhas e voltava para o
aparelho televisor. E fazia algum esforço para dar uma
arrumadinha na casa. Geralmente tirar o pó. E claro, dar uma
fuçada nos potes de biscoito. Se alguma câmera ali existisse,
ela achava que já a teriam pego em flagrante e a levado para o
delegado Mendonça.
Mas, ela estava ali há uma semana. O bebê tinha pouco
mais de quinze dias. Então, talvez fosse questão de tempo para
ela ver a própria cara na TV.
“ _ Desde que não seja no Domingo Espetacular...” _
pensava ela engolindo os biscoitos de chocolate Parati
enquanto fazia o Sinal da Cruz...

Carlinhos podia ter se transformado em um monstro.


Mas um monstro silencioso. E esta era a sua maior arma.

271
L. L. Santos

E até havia esboçado um plano para invadir a escola.


Não para causar pânico. Apenas para dar um jeito naquele
trio. Mas isso era bem mais difícil do que entrar
sorrateiramente na casa da vizinha.
Ele nunca entrara lá.
Esperava fazer isso agora, com a babá cabeça mole aos
seus estranhos olhos. Ela facilitaria tudo. Margô era a chave
para a fechadura que Carlinhos queria ver funcionando. Ao
menos uma única vez.

Na parte da manhã, a vizinha costumava ficar em casa.


Fazia uma fração do serviço (pois ela tinha de ao menos deixar
que Margô tirasse o pó) e cuidava de seu pimpolho recém
chegado a este mundo.
Isso significava que Margô estudava de manhã. E devia
falar às colegas que já tinha um trampo. E dos mais chatos.
Mas que lhe garantia um troco para sair e comprar acessórios.
Fundamental. Quase como precisar de oxigênio para respirar.
Ela chegava em torno da uma e meia da tarde. Não era
todo dia que a vizinha saía para bater perna. E isso deixava
Margô um tanto confusa, meio que sem saber o que fazer.
Assim como dizem os adolescentes: tipo.
Só isso.
Mas a vizinha nos últimos dias, estava bastante ocupada
com os preparativos para a chegada de um novo pastor direto
da Bahia. Ele prometia trazer a luz para que muita gente em
Francisco Alves se convertesse antes que fosse tarde.
A mãe de Carlinhos aturava as conversas da vizinha com
bom humor. Mas quando entrava em casa e fechava à porta a
chave, agradecia ao bom Jesus por finalmente ter alguma paz.
E agora com uma babá, isso representava mais
problema. Mais vizinha na varanda. Mais milagres para serem
narrados. E agora, a vinda de um pastor de Salvador...

272
Bullying – Matando Aula

***

Felizmente, isso tinha suas cobranças. E o peso da


responsabilidade de cuidar dos preparativos da festa de boas-
vindas, ficou a cargo da vizinha. Ela até poderia ter se mudado
para a igreja, pois já eram três dias seguidos que ela saía de
casa para cuidar de tudo.
O marido dela?
Bem, trabalhava em uma mecânica. Mas não era fanático
como a esposa. Sabia que isso gerava alguns empecilhos
sociais. E manter a boca calada era sinal de que ele tinha
interesse no serviço.
Saía de manhã cedinho. Na maioria das vezes não voltava
para almoçar. Pois era longe, e, portanto, levava marmita.
E quando voltava, já era escuro. Mesmo no verão.
Trabalhador.
Os filhos eram moleques. Mesmo sendo adolescentes. E
não paravam em casa. Sempre iam à casa de algum amigo.
Jogavam bola e o que mais desse na veneta.

Carlinhos sabia disso tudo. Conhecia os horários. E para


sua sorte, Margô era só uma bobalhona que estaria se
deliciando com sorvete (que ela mesma trouxe) enquanto, ele,
Carlinhos com toda a sua insanidade, procurava fazer o serviço
da melhor forma sem levantar suspeitas sobre ele mesmo.
E ele entrou.
Fácil.
Mesmo que tivesse produzido algum som que o
denuncia-se rapidamente, Margô jamais o ouviria, pois estava
usando neste dia um walkman. Seus fones de ouvido, grandes,
especiais para que nenhum som saísse (e principalmente,
entrasse) a fazia se tornar a última representante da raça
humana na Terra.

273
L. L. Santos

Carlinhos tinha de lembrar a si mesmo que pediria um


daquele para sua mãe. Pois como vivera um bom tempo
sozinho, a música era um de seus passatempos favoritos.
Mas o pai não gostava que ele levantasse o volume. A
solução eram os fones. Tinha certeza que ganharia. Como
nunca pensara nisso antes?
Porque estava com sua mente de psicopata em formação
extremamente ocupada.
Mas depois que concluísse com sucesso sua missão,
poderia se voltar a atividades de lazer mais comuns. O que
Margô fazia, por exemplo, como assistir TV e ouvir música (e
ainda pintava as unhas).
Carlinhos daria um jeito de levar uma vida... normal...

Se tivesse perdido as pernas, ele acreditava que não


estaria ali naquela casa agora. Não se esgueirando como um
bandido. Procurando pelo quarto do bebê.
E o motivo não seria propriamente a falta das pernas.
Pois caso quisesse, se arrastaria. Mas o problema maior era
sua cabeça. Nos dois sentidos. E alguns podem até alegar que
seu coração. Seus sentimentos. Algo fora extinto. Aquilo que o
conectava com o bem.
Mas quem lhe queimara o rosto também jamais teve
qualquer contato com a bondade. E a prova era a sua cara de
monstrinho.

Ele entrara sorrateiramente por uma janela baixa. E


deixara seu par de chinelos Havaianas ali, em meio as flores
que se amontoavam.
Sabia que Margô estava assistindo TV. Ele a vira por
outra janela. Os olhos da garota estavam hipnotizados.
Mas isso já era passado.

274
Bullying – Matando Aula

Carlinhos achava que seria impossível caso o bebê


estivesse com a babá. Mas não estava. Ele estava dormindo em
sua caminha. Um berço caprichado, onde um véu mosquiteiro
era movido graças à brisa que entrava pela janela entreaberta.
Encontrou o quarto rápido. A casa não era grande. E
aquela janela era mais alta. O lado da casa onde descia um
declive que dava vida a um porão. Por ali era impossível de
entrar ou sair. Bem, sair até dava, mas ele corria o risco de
quebrar algum osso.
Mas, o que era um osso comparado a cara?
Ele ficou alguns minutos olhando o bebê.
Era a menina que a vizinha tanto pedira a Deus. Era...
E trouxe consigo um isqueiro.
Ascendeu à chama e depois, tudo em sua vida mudou...

Quando Margô sentiu o cheiro, já era tarde demais. Com


o som no máximo, e os pensamentos o mais distante possível,
ela em hipótese alguma teria condições de ouvir os gritos do
bebê.
Mas sentir o cheiro de queimado, foi também um pouco
mais devagar.
Se levantou num susto, jogando os fones para um canto
e olhando para todas as direções, e depois, para o corredor que
ligava os quartos.
Fumaça, Margô, muita fumaça.
É o que ela diria mais tarde para o delegado enquanto
falava de forma atropelada.
Correu até o quarto do bebê, mas não se encorajou a
entrar.
O fogo se espalhara como um copo d’água que se
arrebenta ao encontrar-se com o chão ou a uma parede.

275
L. L. Santos

Mas ela conseguiu olhar diretamente para o berçinho. E


viu um desenho escuro em meio ao calor do fogo que lambia
até o teto.
Descontrolada, Margô saiu para fora da casa, correu até
a rua gritando por socorro. E por sorte, tinha gente andando
por ali naquela hora.
E foram alguns homens que tinham acabado de sair de
seu turno de uma empresa frigorífica que entraram na casa.
Uma tentativa de salvar o bebê.

Quando os bombeiros chegaram, ainda podiam salvar a


maior parte da residência.
E o bebê?
Não morrera. Mas sofrera o Diabo.
Ela não ficou como Carlinhos.
Mas sim, pior. Muito pior.
Carlinhos tinha apenas o rosto deformado.
O bebê foi completamente destruído.
Mais parecia um borrão de carvão em uma folha de papel
em branco.
Se sobrevivesse, poderia se tornar tão louco quanto
Carlinhos...

E por falar em loucura, a mãe de Carlinhos olhava para a


vizinha e a via enlouquecer. E em sonhos, ela sonhava que fora
o filho, o responsável pela quase morte de um bebê indefeso.
Mas não havia provas. E ela sequer queria pensar nisso.
A polícia investigou.
Nada encontraram.
Nenhuma digital.
Nem pegadas.
A casa era toda acarpetada.

276
Bullying – Matando Aula

***

E no fim, Margô acabou sendo acusada. Irresponsável.


Talvez estivesse tomando drogas enquanto na verdade, deveria
estar cuidando carinhosamente do bebê...

Carlinhos se lembrava e sorria para si mesmo. Quando


viu o bebê, ela dormia quietinha. Mas foi no momento em que
começou a queimar o mosquiteiro, o cobertor, o travesseiro e
as cortinas, que Carlinhos olhou com simpatia para a pequena
vida que estava ali. E o bebê lhe perguntou: o que Diabos um
cara feio como você pode querer comigo?
Bem-vinda ao clube menininha, respondeu Carlinhos...

277
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

O estranho lembrava bem dessa história. De um bebê


que fora torrado. E que sobrevivera. E se tornara uma espécie
de símbolo na igreja dos crentes.
Também sabia que existia um garoto de cara deformada.
E que este enquanto vivesse, faria qualquer loucura para poder
se vingar do mundo.
Ele conhecera Carlinhos.
E ficou triste quando descobriu que também seria uma
de suas vítimas...

O estranho parou de pensar no passado.


Não tinha mais volta. Tudo começara com o
desencadeamento daqueles três contra Carlinhos. Se o
tivessem apenas assustado, não apareceria um cara queimado
na escola nesta manhã. Ou talvez fosse um cara bem diferente
que faria isso em algum momento da vida. Não dava para
saber. Mas ele não existiria caso Carlinhos...

“ _ Chega de lembranças...”
Ele olhou para André e Margarida se engalfinhando.
Nenhum dava mostras de realmente querer lutar por sua vida.
Mais lembravam as baratas peças teatrais da região. E isso o
fazia pensar em usar de uma vez suas quatro últimas balas.
André suspirava. Ele não conseguia encarar Margarida.
Ela por sua vez, também tentava olhar nos olhos do
gordo.
Eles eram a grande atração do momento.

278
Bullying – Matando Aula

Se ao menos a polícia invadisse, eles poderiam ter a


chance de tentar sair com vida. O que o delegado estava
esperando?
Que todos os alunos estivessem mortos? Pois assim
poderiam entrar com a consciência tranquila e atirar a
vontade?
Se não fosse isso, o que seria?

Tigela olhava para Gerusa. Ainda segurava o canivete.


_ Ô cara! _ olhando para o estranho que estava a vontade
mais uma vez na mesa da professora _ Que tal a gente acelerar
o processo!?! A polícia pode aparecer de repente...
_ Faça então...

Tigela olhou mais uma vez para Gerusa. Mas não foi até
ela. Queria que a mais bela garota da escola fosse sua última
vitima. Por isso, Tigela começou a fazer um tour pela sala.

Com isso, acabou sendo formado dois grupos: aqueles


que queriam matar para viver. E aqueles que queriam viver
sem matar.
Uma guerrilha estava formada.
Então, socos e pontapés começaram a fazer parte da
rotina. Se não fosse o estranho na sala nesta manhã, aquilo
poderia ser considerado apenas mais uma cena de bullying
coletivo.
Mas desta vez, a morte era o objetivo da maioria...

Nathanieli era uma moça alta. E por isso, sofria em poder


ver a sala daquele jeito. Ela era alvo fácil.

Ellen e Gerusa estavam em um canto, quando um garoto


se aproximou para poder socar qualquer uma delas.

279
L. L. Santos

Mas as meninas ficaram apavoradas quando ele estacou,


ficando parecido com um boneco cheio de falhas nas
articulações.
Tigela o golpeara diversas vezes as costas, fazendo-o cair
de quatro sem saber o que estava de fato lhe acontecendo. E
ela continuou a rasgá-lo, tendo a mesma sensação de poder
que Samuel lhe conferira.
Quando parou, o carinha não mais se movia. O canivete
de Marcelo era mesmo útil, pensou ele vendo de longe.
_ Você vai ser a última, Gerusa! Você e a sua melhor
amiguinha... _ disse Tigela se levantando e correndo para
poder pegar outra menina pelo pescoço...

As janelas estavam fechadas. As persianas, abaixadas.


Porém... devido ao pandemônio, era possível ver lá de fora que
algo aterrador estava acontecendo. E às vezes, as persianas se
remexiam com violência...

A escola tinha dois tipos de janelas. De um lado, elas


eram grandes, com armações divididas em diversos retângulos.
Ou seja, praticamente impossível de tentar passar por
qualquer um desses buracos caso quebrassem os vidros.
Mas, a sala do terceiro andar (que já estava famosa), era
detentora de janelas mais do que grandes. Bastava abrir e
pronto. O ar entrava com vontade.

Para o estranho, o que em hipótese alguma podia


acontecer, era ver algum dos alunos tentando pular a janela. E
isso não podia significar um mergulho para a morte. Alguém
poderia sobreviver. Ou mesmo que ficasse aleijado do pescoço
para baixo, ainda assim continuaria vivo. Ou meio vivo. Mas o
estranho jamais aceitaria. Por isso, estava de olho. E quando
viu que uma garota tentou se jogar pela janela que ela abriu

280
Bullying – Matando Aula

rapidamente, ele atirou, fazendo com que o corpo dela ficasse


metade para dentro, metade para fora...
Três balas...
Tudo bem, os alunos estavam fazendo um bom serviço de
morte...

O primeiro a ter desaparecido nesta última etapa, foi


Enrique, que não parava de pensar em seu garotinho do
colégio particular...

281
L. L. Santos

SE ADIANTANDO

Carlos e Antunes sabiam como conseguir informações.


Alguns policiais e soldados já estavam se posicionando no
pátio. E eles não teriam dificuldades para passarem
despercebidos.
Conseguiriam entrar e subir para o terceiro andar.
Ou achavam que conseguiriam.
Pois ainda estavam na viatura fazendo uma última
avaliação. Informações preciosas vazaram da conversa de
Mendonça e Aniclécio.
Carlos olhava para o jornalista local (Ivo, que comia um
mandolate enquanto voltava a circular com seu bloquinho e
celular-gravador) e perguntava-se se daria (ou não) uma
entrevista depois que aquele macabro evento chegasse ao final
com uma cena mais ou menos feliz, já que possivelmente
alguns alunos já tinham deixado este mundo.
Antunes sentia o inverno dentro do corpo. Estava prestes
a cometer à maior (e única) loucura de sua vida. Ter Carlos
como companheiro, era até tolerável. Mas concordar com o que
ele estava decidido a realizar, apenas provava que Antunes era
um mero tolo. Ou um louco que não tinha conhecimento de
sua loucura.
_ É agora...
E eles saíram do carro. Com munição extra.

Quando chegaram ao portão. Nem foi preciso que


usassem palavras de convencimento. Era só chegar e entrar.
Mas quando atingiram a entrada do pátio, aí sim,

282
Bullying – Matando Aula

permaneceram alguns minutos na ansiedade. Outros policiais


já estavam a postos.
E depois, seguiram até o prédio onde a sala do terceiro
andar estava localizada. Se algum dos alunos estivesse
espionando o pátio, o estranho logo seria informado, pensavam
os policiais.
Mas também sabiam que o estranho não dava a mínima
para isso. Mesmo que lhe apontassem um canhão, ele
continuaria impassível.
E tanto Carlos quanto Antunes estavam sabendo disso.

Quando chegaram ao ponto onde estava um grupo


esperando ordens para poderem adentrar em definitivo, Carlos
logo foi falando. E sem demonstrar nenhum nervosismo.
_ O delegado Mendonça e o detetive Aniclécio logo estarão
aqui! Somente o soldado Antunes e eu, soldado Carlos,
podemos avançar até o segundo andar para darmos um
parecer antes da invasão!
Antunes achou que alguém ali iria contestar o palavrório
de Carlos. Afinal, eles eram policiais militares. E nunca seriam
admitidos para este tipo de missão. Ainda mais de
reconhecimento de terreno.
Mas, os soldados ali reunidos nada disseram.
Existiam policiais militares, civis e soldados do exército
envolvidos. Era bem possível que dois policiais militares de alto
nível estivessem aptos a fazerem parte da missão. E não tinha
nenhum que se oferecia, isso era verdade. Eram sempre
escolhidos.
Mas o delegado não avisara a ninguém.
Na verdade, a única comunicação, fora antes de entrarem
na escola.

***

283
L. L. Santos

Carlos verificou seu rádio e fez sinal de positivo. Assim


que estivessem no segundo andar. Faria contato. Depois
apenas subiria até a entrada do terceiro andar para confirmar
a localização de um possível corpo.
Todos concordaram.
E Antunes foi atrás de Carlos, já pressentindo que antes
do meio-dia, tudo teria acabado da pior forma possível...
Quando ouviram mais um tiro...

284
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

A sala tinha adquirido um novo tom: vermelho.


E tinha cheiro também: sangue.
Três balas ainda resistiam.
Três balas e apenas alguns poucos alunos.
Canetas e lápis serviram de arma.
Carteiras quebradas representavam lascas de madeira
que cortavam tão bem quanto uma faca.
Quem ainda se mantinha em pé, era André, que não
conseguiu continuar a socar Margarida...
Margarida, que não queria de forma alguma furar o
gorducho...
Nathanieli, que mesmo bastante machucada, conseguia
se manter em pé...
Ellen e Gerusa estavam agarradas a um canto. Ambas
derramando lágrimas sem parar. Não levaram um único tapa
graças a Tigela...
Marcelo, mesmo com as dores ainda o incomodando, fez
todo o possível para não deixar que alguém continuasse (e
concluísse) o trabalho da professora...
A professora Edite não foi alvo de ninguém. Pois o
estranho os havia advertido mais uma vez...
E Tigela...
Ela estava rindo. E vendo que talvez, as balas restantes
não mais fossem sair do tambor...

_ Assim está bem melhor... _ disse o estranho _ Apesar


da bagunça, vejo que se esforçaram... E os que sobraram, me
parecem merecedores de um prêmio! Pois eu achava que algum

285
L. L. Santos

idiota fosse tentar me acertar durante a confusão! Mas isso


não aconteceu! E sabem o por quê? Porque vocês são
facilmente manipuláveis!

Eles ouviram isso com devoção.

_ Eu não sei se foi coincidência... _ disse o estranho _


Mas o gorducho, o fortão e a girafa são descendentes dos caras
que me criaram... Eu não vou perder tempo explicando! Afinal,
daqui vocês não vão sair! Vejamos... tem um, dois três, quatro,
cinco, seis, sete, oito com a professora... até parece The King of
Fighters... com dois personagem a mais... mas com uma dose
de Mortal Kombat... Eu vim aqui para me vingar de um
amigo... ele já morreu há alguns anos... teve complicações
cardíacas... Mas, antes de partir, ele resolveu deixar também
os seus descendentes... e eu sou um deles... Não que eu tenha
orgulho disso! Mas confesso que também não repudio a
responsabilidade a mim cotada... Por isso, André, Marcelo e
Nathanieli, vocês devem morrer... e se a Tigela, a Ellen e a
gostosinha da Gerusa sobreviverem, podem ir embora... cansei
dessa merda toda... Eu sei, eu sei! Vocês devem estar se
perguntando o porquê de minha atitude! Eu podia ter entrado
e matado o trio! Bolas, é claro! Sim, por que não? Porque eu
conheço cada um de vocês... e mesmo que o único traste do
trio seja o Marcelo, o gorducho e a girafa carregam o sangue
dos caras que atearam fogo na cara do meu falecido amigo,
Carlinhos... Sabem, é como os judeus perseguidos por terem
crucificado Jesus Cristo, ou os descendentes de nazistas...
essas pessoas jamais terão paz em suas vidas... não importa
quantos séculos mais passem...

***

286
Bullying – Matando Aula

Tigela procurou sua carteira e sentou-se. Estava exausta.


_ Querem saber!?! _ disse ela _ Acho que o pessoal da
polícia passou pelo mesmo trauma! Apesar de eu não ter
entendido nada do que esse cara falou... caso contrário, já
teriam tirado a gente dessa encrenca...
_ Encrencada vai ficar você... _ disse André... _ Se a gente
saísse daqui...
_ Mas não vamos sair... _ Nathanieli _ A menos que
continuemos a matança...
_ Se o meu pai fez alguma cagada na vida _ disse Marcelo
_, isso é problema dele, e não meu, porra, tá ligado, cara!?!
O estranho o encarou...
_ Não piazão, eu não estou ligado! Há muito tempo a
minha cabeça foi desligada e o meu corpo passou a agir por
conta própria, assim como seu pai sempre fizera desde
pequeno, quando ele ascendeu o estopim com seus colegas
bixas... agora, façam o favor de morrer... e de preferência, os
descendentes que atearam fogo em Carlinhos...

Fora o estranho, não existia mais ninguém ali que


soubesse quem era o tal Carlinhos...
E o pouco que realmente entenderam, não ajudava a
pensar...
Isso não era problema.
O estranho se levantou e mirou na cabeça que mais lhe
chamou atenção...
Restavam três balas...

287
L. L. Santos

RECONHECIMENTO

Carlos e Antunes já estavam no terceiro andar. Em


poucos minutos, o restante dos soldados apareceria.
Esgueiravam-se como se fossem exploradores em uma
selva desconhecida e altamente perigosa, com feras podendo
lhes atacar de surpresa a qualquer momento.
_ Carlos... _ balbuciou Antunes com a arma em punho
sem a menor vontade de ter de atirar caso se deparasse com o
tal sequestrador...
_ Que!?!
_ A porta vai estar fechada... e pelo que a gente já soube,
o cara matou um aluno sem ao menos precisar abri-la... como
vamos fazer para entrar sem que ele mande chumbo na cabeça
de algum outro estudante!?!
_ Eu já lhe disse que é impossível sair vitorioso sem que
algumas cabeças rolem...
_ É... mas, e se por acaso, ele nos alvejar antes que
possamos arrombar a porta!?! Nisso você pensou!?!
_ Antunes, olha lá... tem um preto jogado contra a
parede...
O corredor era largo. Mas com um corpo lá no final, dava
a impressão que ficava estreito. A porta ainda não era visível.
Mas dava para ver lascas de madeira no chão. E não eram
poucas.
Seguiram devagar, na ponta dos pés...
Seriam heróis...

288
Bullying – Matando Aula

A INVASÃO

Mendonça e Aniclécio vestiram seus coletes a prova de


balas. E perguntavam-se sempre o que isso adiantava caso
levassem um tiro na cabeça. Formalidades, talvez.
Eles viram que tinha algo mais ocorrendo na sala. O
barulho e os berros eram maiores. E uma aluna dependurada
significava que se não adentrassem logo, então não faria
sentido algum se o fizessem mais tarde, quando o sequestrador
resolvesse fazer uma ligação para que pudesse sair em
segurança para o presídio mais próximo.
Era agora ou nunca.
O delegado e o detetive conferiram suas armas e
seguiram em direção a entrada da escola. Tinham de agir
rápido.
Mas eles não podiam saber que lá na sala do terceiro
andar, tudo já estivesse acabado...

289
L. L. Santos

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Gerusa continuou abraçada a Ellen que depois de


receber o tiro, era apenas uma boneca de pano. As mãos de
Gerusa sentiam o buraco na cabeça de sua melhor amiga.
Tudo tinha acabado. Esse era o fim. Ao menos para ela. Se
pudesse continuar viva, achava que até assistiria o famigerado
Altas Horas para perder preciosos minutos de sua vida...

Seis.
Dos trinta e dois alunos, restara seis.
E assim mesmo, o estranho os advertira de que este
número ainda continuava extenso demais.
A professora Edite não contava. Estava chorando e
achando que tinha enlouquecido...

Tigela não disse nada além de pular contra Nathanieli.


Ela era uma das culpadas pela manhã sangrenta.
Quem diria.
Se Nathanieli fosse morta antes, junto com André e
Marcelo, tudo teria tomado um rumo diferente.
Quando a lâmina penetrou na carne magra de
Nathanieli, Tigela sentiu um soco no rosto, ocasionado pelo
punho de Margarida.
André em seguida tratou de agarrar a neta de seo
Mariposo e lhe aplicar uma chave no pescoço...
Ela nem viu o que acontecera em seguida.
O canivete entrara em sua barriga enquanto era
sufocada...

290
Bullying – Matando Aula

***

Tigela puxou para fora e depois riscou a cara da


patricinha como se estivesse tentando resolver uma das mais
difíceis equações no quadro-negro. Mas no rosto de Margarida,
não seria possível passar um apagador. E ela caiu...
O estranho aplaudia...
André ficou olhando para Margarida enquanto pensava
no que fizera...
Tigela não precisou se mover muito para desferir os
golpes na ampla pança... e ninguém fez nada...
Nada...
Era o que devia ter acontecido no início...
O gordo e a girafa...
Agora faltava apenas o fortão...

_ Por causa do pau no cu do seu pai, a gente entrou


nessa, viadinho filho da puta...
Tigela estava vermelha com tanto sangue que derramara.
Marcelo acreditava que a essa altura, já se colocaria em
pé com facilidade. Mas suas bolas ainda doíam. E seu rosto
latejava com as tiras de pele caídas... nem acreditava que tinha
sobrevivido ao genocídio de a pouco...
Mas ele não se entregaria sem luta...

_ Sua vagabunda... _ bradou Marcelo...


O estranho atirou no traseiro do fortão que beijou o
assoalho como uma torre...
Ainda apontava a arma onde Marcelo estava a pouco, em
pé... e ficou a pensar no porquê de dar a oportunidade de
Tigela finalizar com aquele boçal...
_ Está demorando demais, Tigelinha...
Ela sorriu...

291
L. L. Santos

Sobrara apenas à professora Edite e Gerusa...

_ No fim, apesar de todo o planejamento _ disse o


estranho _ Ainda deu para se divertir... acho que a professora
não mais pode ser a última a testemunhar, professora Edite...

Tigela agiu rápido e cortou o pescoço da professora que


apenas chorava... a profissional da educação não saberia como
seria o final. E nem queria. Apenas desejava dali sair. E
conseguira. Mas de uma forma que ela também desconhecia...
A professora até chegou a imaginar os alunos se jogando
pela janela como os lendários ratos suicidas, lemingues...
talvez fosse a solução... talvez...

Gerusa ainda segurava o corpo de Ellen.


Se não tinha mais jeito mesmo, então queria morrer
rapidamente.
E pediu ao estranho que usasse a última bala.
Ele fez de conta de que não a ouvira.

Tigela sentiu o sinal verde e pulou sobre a última garota


virgem do sistema público de ensino...

292
Bullying – Matando Aula

MISSÃO CONCLUÍDA

Mendonça estava puto da vida. Quando lhe relataram


que dois policiais haviam subido, ele quase teve vontade de
abortar a missão de resgate. Mas não havia como voltar atrás.
Agora era o que Deus quiser. E pelo que o delegado pôde
entender, Deus estava com saudades das escrituras do Velho
Testamento. Pois a gritaria que existia minutos antes, agora
fora substituída pelo pesado som do silêncio fúnebre.
E quando Mendonça chegou ao terceiro andar, emitiu o
sinal pelo rádio. Poderiam os soldados do lado de fora lançar as
bombas de gás contra as janelas. A fumaça faria a maior
confusão e isso poderia colocar vidas em risco. Mas era a única
solução...
Mas se o sequestrador tiver mesmo uma granada...

O corredor que denunciava a sala, tivera mais um efeito


decorativo... um dos policiais que entraram sem autorização,
estava no chão, caído como um fruto maduro que quis
conhecer a força da gravidade...
A porta, aberta...
Lá dentro, a fumaça já fazia efeito...
E uma luz, de repente, cobriu a todos...

293
L. L. Santos

AS NOTÍCIAS

A imprensa não soube exatamente o que acontecera.


Apenas tiveram de se contentar com o que fora divulgado
pela operação.
Mesmo os familiares das vítimas, viveram com todas as
dúvidas possíveis. Mas ao menos receberam os corpos.
Antonieta, a balofa do Conselho Tutelar até chegou a
querer abrir um processo contra Mendonça. Mas isso era
impossível devido às circunstâncias...
Ivo preencheu sua matéria de mentiras. Afinal, ele
achava que ninguém no fim das contas saberia de nada
mesmo...
E algumas poucas pessoas que sabiam a respeito do
estranho, nunca fizeram qualquer esforço para tentar ajustar a
história...

E a cidadezinha de Francisco Alves continuaria seguindo


sua vida...

294
Bullying – Matando Aula

O ÚLTIMO DIA DE AULA

Carlos encostara-se na parede ao lado da porta no mais


absoluto silêncio. E por um segundo, olhou para o pretinho.
Clóvis parecia lhe sorrir com seus dentes brancos como
marfim.
Sua música estava baixa, mas as pilhas ainda
resistiam...
Antunes passou para o outro lado, onde a quina do
corredor servia perfeitamente para que ambos entrassem de
quase uma única vez.
Carlos era o inexperiente, mas nessa missão suicida, ele
estava no comando. E Antunes mostrou o quanto era
realmente trouxa.
Com um pontapé, Carlos abriu a porta violentamente.
E entrou como um relâmpago sem perceber que existiam
somente corpos ali. E quando se deu conta, viu o estranho que
estava em pé. Apontando a arma em sua direção. A última bala
penetrou profundamente a testa de Carlos.
Antunes que entrara em seguida, não teve tempo de
perceber o companheiro cair. Seu pescoço fora rasgado e
sentiu um lápis entrar em uma de suas pernas...

Tigela e Gerusa estavam ali. As duas preparadas para os


idiotas que haviam entrado...
O estranho as advertira. Se elas quisessem viver. Bastava
que dessem um jeito nos imbecis que achavam não terem feito
barulho algum... mas fizeram...

***

295
L. L. Santos

Duas alunas e o sequestrador.


O saldo ainda era positivo.

Quando ele adentrara a sala logo cedo, dissera que todos


iriam morrer.
Depois, mudou de ideia.
E mais uma vez, fizera alterações.

Mas Tigela e Gerusa continuavam ali. Vivas.


Mas... caso elas saíssem, uma seria indiciada como
assassina.
E Tigela não ia pegar leve com Gerusa.

A mais bela garota da escola fincou um lápis na perna de


Antunes. Queria viver. Antunes perdera o equilíbrio e jogara
suas mãos sobre o pescoço aberto. Acabara caindo para fora,
perto de Clóvis que não parava de sorrir.
Tigela interpretou aquilo, o gesto de Gerusa, como uma
forma de guardar segredo. De que ambas foram obrigadas a
matar para continuarem vivas.
E ele tinha uma granada, não tinha?

_ Está esperando o que, Tigela? Mate a menina e saia...


_ Você não tinha uma granada?
_ É óbvio que não...
E o estranho se dirigiu a janela...
_ Que operação de resgate, hein? Mandaram dois idiotas
para morrerem... se fossem espertos e quisessem mesmo salvar
o maior número possível de estudantes, bastava terem
invadido logo quando souberam de minha presença...

***

296
Bullying – Matando Aula

Tigela tinha alguns acertos para resolver com Gerusa.


Mas estes, poderiam ficar para outra oportunidade. Ela
decidida, correu em direção ao estranho. E com toda a sua
raiva, tentou fazer algum estrago nele...
Gerusa seguiu o exemplo e fez o mesmo. Apesar de ter
apenas um lápis como arma.
O estranho então simplesmente deixou que as meninas o
atacassem. Não tinha mais balas. Poderia ter batido com o
revólver. Mas não o fez. Sentiu vontade de lutar. Mas não se
mexeu. Apenas quis morrer.
E morreu feliz.
Pois estava cansado. E há muito, procurava uma
maneira de se despedir do mundo...

Tigela deixou que o canivete caísse no chão. Não fez


barulho algum. Tinha tantos corpos espalhados que era
praticamente impossível de ver o assoalho.
Gerusa se perguntava como seu lápis não quebrara.
As duas haviam se tornado sucessoras do estranho.
Só que ainda não sabiam.

E acharam engraçado quando os vidros das janelas


foram quebrados e bombas de fumaça começaram a expelir o
conteúdo branco.
Gerusa viu que Tigela parecia anestesiada.
Agiu rápido pegando o canivete.
Era tão fácil matar.
Tão gostoso ver alguém morrer.
Dava a sensação de poder.
Tigela nem mesmo gritou...
Mas estrebuchou...

***

297
L. L. Santos

E Gerusa, correu contra a janela, se jogando sobre o


vazio...

298
Bullying – Matando Aula

POSFÁCIO

É do cotidiano. Tiroteios. Mortes. Estupros. Pornografia. E


o que mais for preciso. É assim que estão nossas escolas,
colégios e Universidades. Não importa se é público ou privado.
Nenhum destes escapa. Tem solução? Claro que tem. Mas,
sinceramente, será que alguém realmente quer?

Vejam as crianças que percorrem quilômetros a pé, no


lombo de mulas, carroças ou no colo da mãe ou do pai.
Dezenas de quilômetros para adentrarem em uma escola onde
não existe telhado ou paredes. Onde a professora em muitos
casos não tem uma lousa. E dá aula para uma quantidade
enorme de alunos e alunas. E muitas vezes, na mesma sala (se
é que pode realmente ser chamada de sala), tem o dever de
ensinar simultaneamente matérias diversas para séries
diversas...
Crianças que andam não apenas grandes distâncias, mas
de pés descalços. E devido ao descaso da vida, acabam em sua
maioria, trilhando caminhos como o crime e a prostituição...
E na escola, aqueles que lá conseguem chegar... às vezes
não tem condições de poder absorver o que lhes é ensinado...
Não são poucas as situações, em que alunos têm a única
refeição do dia na escola. E não raras às vezes em que a
merenda não existe, devido a ações de corrupção ou simples
futilidades...

E pensar que existem crianças e adolescentes que não se


contentam com absolutamente nada em suas vidas. Querem
do bom e do melhor, mas nem isso mais consegue saciá-los...

299
L. L. Santos

querem calçados e roupas de grife, enquanto outras tantas


crianças nem sequer sabem o que isso significa... pois
trabalham pesadamente catando lixo reciclável onde o quilo
equivale a centavos de Real...
É comum cenas de meninos e meninas irem à escola
durante invernos rigorosos, e sentirem o frio em suas pernas e
braços. Ora por não terem blusas, calças ou calçados. Vão com
camisas de manga curta, bermudas ou chinelos...
E há os alunos-filhos que infelizmente dão risada do
colega... será que os pais desses energúmenos não veem isso?!
Estas criaturas não têm sentimentos?!
Não... e o que eles merecem, é passar por sofrimentos
muito piores que aquelas crianças que vivem na miséria
social...
A burguesia não faria falta alguma...

Mas, os estudantes que passam o Inferno sobre a face da


Terra, quando atingem a maioridade, participam de concursos
públicos, e vestibulares onde uma única vaga é concorrida por
milhares. E felizmente, aqueles alunos que passaram o Diabo
em péssimas condições de ensino, alcançam a vitória. Tiram as
notas mais altas do país. Surpreendem. E muitos se
perguntam o porquê do ensino não funcionar em regiões onde
as instituições escolares têm praticamente de tudo.
Pois as pessoas acreditam que com computadores,
Internet, salas com ar-condicionado, carteiras de alta
resistência e lousas digitais, tudo funciona melhor. Mas a
verdade, é bem o contrário...
Isso transforma os alunos em criaturas inertes. Não se
tornam seres que terão bom convício social. Os conhecidos
pestilentos...
Não digo para tirarem todas as regalias. Apenas extinguir
o que os transformara no que são hoje...

300
Bullying – Matando Aula

***

Já os estudantes, que usam a educação herdada de seus


pais para que a educação ensinada naquelas escolas em ruínas
funcione, nem sabem o que são regalias.
Os estudantes que tem de tudo, acabam se tornando
meros aproveitadores do sistema. Onde para eles (e seus pais)
nada é de bom agrado.
Frequentam cursinhos para qualquer fato. E quando
ingressam em uma universidade privada, soltam rojões (e
faixas) de alegria.
Já os estudantes sofredores... bem, estes não perdem
tempo com tais comemorações. Precisam aproveitar o máximo
disponível para que seus conhecimentos continuem em
evolução. Eles vencem em qualquer campo, com qualquer
adversário.
Mostram que tem talento e vontade.
E nunca, em hipótese alguma, culpam o sistema.
Pois eles são vencedores. E contam com a educação de
seus pais.
Pois é este o ponto primordial que fora perdido em grande
parte no nosso Brasil...

L. L. Santos
iniciou a versão final deste livro
em 23 de Maio de 2011 e concluiu
em 19 de Junho do mesmo ano.

301
L. L. Santos

302
Bullying – Matando Aula

Títulos do Autor

2012

1 – Bullying – Matando Aula


2 – Sonhos de uma Geração – Nem Tudo é o que Parece
Ser - A Ilha do Rio de Janeiro
3 – Perséffone – O Prelúdio de Pandemonium
4 – O Pensar – Pensamentos, Máximas e Reflexões
5 – Comos e Porquês do Entendimento Humano –
Crônicas do Entendimento Social

2013

6 – O Andarilho sem Pés – Pensamentos Críticos e


Palavras de Amor
7 – Quando Escrever...
8 – O Livro do Bardo – Uma Coletânea de Contos de
Horror
9 – Sonhos de uma Geração 2 – Nem tudo é o que Parece
Ser – As Realizações na Cidade Maravilhosa
10 – O Caminhante das Sombras
11 – Perséffone – O que Ficou para Trás...
12 – Sonhos de uma Geração 3.1 – Nem Tudo é o que
Parece Ser – Rumo a uma Nova Ordem Carioca

2014

13 – A Estrada sem Fim


14 – Ela é a Encarnação e o Sabor do Pecado – Uma Arte
Carnal intitulada Amor
15 – Princesa das Rosas
16 – Manuscritos de Pedra
17 – Poemas Esquecidos
18 – Mundo Underground

303
L. L. Santos

19 – Mais uma vez...


20 – X
21 – Completamente Fudido – ou fodido para os cultos e
eruditos
22 – 100 Poemas que esqueci de escrever
23 – Poemas após a meia-noite
24 – Mulher
25 – Aqueles Poemas Perdidos
26 – Perfeitas Imperfeições
27 – Enquanto eu tava lá do outro lado do mundo você
ficava aqui sonhando que eu não existia
28 – Longe de Tudo e de Todos

2015

29 – 12
30 – Poemas para Elas
31 – Entre 4 Paredes
32 – Detroit
33 – Sonhos de uma Geração 3.2 – Nem Tudo é o que
Parece Ser – Rumo a uma Nova Ordem Carioca
34 – Todas aquelas páginas escritas nas madrugadas
frias e chuvosas de um ano esquecido
35 – Um pouco mais de Mim
36 – Escrevendo ao acaso – Contos que formam um
romance
37 – Quando o vento levou todas as folhas com as
minhas poesias
38 – Poemas, contos e crônicas foi o que eu disse que
eram...
39 – Mais do mesmo outra vez...
40 – Sempre um pouco mais a ser dito...
41 – Todos aqueles textos que deveriam ter ficado
esquecidos em uma gaveta qualquer, mas acabaram se fixando
em minha carne que foi lida por quem em mim acreditou que
realmente valia o tempo...

304
Bullying – Matando Aula

42 – Sentei ao lado da janela e comecei a escrever tudo o


que estava oculto em minha alma de escritor do submundo de
uma mente labiríntica sem qualquer saída....
Meu refúgio eram as paredes de pedras onde o luar
desenhava as sombras que passaram a me alimentar nas
noites que se descortinaram quando eu acreditava não mais
ser possível continuar...
Mas a voz dela jamais abandonou meu sonho de deixar
as palavras aqui para que alguém um dia resolvesse se
aventurar pelos túneis da ficção real...
43 – Outras tantas novas palavras que encontrei em
minhas velhas gavetas...
44 – Sepultado em uma parede ornada pelos poemas da
minha vida...
45 – Já está mais do que na hora de caminharmos em
novas estradas com as asas que sempre deixamos guardadas
por medo de voarmos alto demais...
46 – Insisti um pouco mais nas mesmas palavras
47 – Princesa das Rosas – Volume 2
48 – Poemas para elas – Volume 2
49 – 22
50 – Livreto
51 – A Queda do Paraíso

2016

52 – Era uma vez um país chamado Brasil


53 – Encontrei uma caixa de ossos tatuados...
54 – Foi tudo planejado para que acontecesse...
55 – Cantinho do Bardo
56 – Novos velhos poemas...
57 – Full Fight
58 – Poemas Virtuais

2017

59 – 26
60 – Textos do exílio

305
L. L. Santos

61 – 28
62 – 29

2018

63 – Leiture-se
64 – 30
65 – 31

2019

66 – 32

Caso tenha interesse em algum título, visite a lojinha


onde os volumes impressos estão disponíveis:

https://www.clubedeautores.com.br/livro/bullying-
matando-aula#.XJPM8qBKjIU

Obrigado. ^_^

306
Bullying – Matando Aula

307

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