Você está na página 1de 20

ABORDAGEM PRÁTICA

BOLETIM pet DO TRATAMENTO DA


ICC EM CÃES
Artigo revisado e aprovado pela Comissão Científica da Sociedade Brasileira de Cardiologia Veterinária.

Vet
Dr.a Lilian Caram Petrus
MV, MSc, PhD

Volume 3 2019
QUEM ENTENDE DO CORAÇÃO DELES,
SABE QUE TEM TODO O NOSSO RESPEITO.

Maleato de Enalapril

Comprimidos palatáveis
5 mg: 1 cp. / 10 kg / VO / a cada 12 ou 24 horas*.
10 mg: 1 cp. / 20 kg / VO / a cada 12 ou 24 horas*.
5 mg: 1/4 a 1/2 cp. / 5kg / VO / a cada 12 ou 24 horas*.
Vet
Dr.a Lilian Caram Petrus
MV, MSc, PhD

• Graduada em MV pela Universidade Paulista em 2001


• Mestrado em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP em 2006
• Doutorado em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP em 2016
• Sócia-proprietária e membro da equipe Pet Cor de

BOLETIM pet
Cardiologia
• Diretora-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Veterinária (triênio 2017-2020)

Volume 3 2019
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica, não uma doença, que resulta de uma
interação patofisiológica entre o coração e os sistemas endócrino e vascular. Quando o coração
não consegue bombear o sangue para suprir as necessidades metabólicas teciduais, ou o
faz com pressões de enchimento elevadas, o resultado será a piora da função dos órgãos,
redução da qualidade e do tempo de vida, e morte.1 Em cães, as doenças cardíacas que mais
comumente levam a ICC são a doença valvar mitral mixomatosa (DVMM) e a cardiomiopatia
dilatada (CMD).

DVMM - valvopatia mixomatosa mitral

“É a cardiopatia de maior ocorrência


em pequenos animais , além dos
cães da raça Cocker Spaniel.”

A DVMM, também denominada valvopatia mixomatosa mitral, doença valvar mitral


crônica, degeneração valvar crônica de mitral ou endocardiose, é a cardiopatia de
maior ocorrência em pequenos animais, sendo responsável por cerca de 75% dos
casos de doença cardíaca em cães.2, 3

Acomete principalmente cães idosos de raças de pequeno porte, sendo aproximadamente


1,5 vezes mais frequente nos machos do que nas fêmeas.4 A DVMM caracteriza-se pela
progressiva degeneração da valva mitral, de forma isolada ou em associação à da valva
tricúspide, promovendo a coaptação incompleta de seus folhetos com consequente
regurgitação valvar.6 Em torno de 60% dos casos, apenas a valva mitral é afetada, em 30% as
duas valvas atrioventriculares (mitral e tricúspide) são acometidas e, em apenas 10%, somente
a valva tricúspide está degenerada.6 A DVMM é considerada uma condição relativamente
benigna na espécie canina, devido à progressão lenta da doença e o baixo risco de morte
súbita. Em alguns casos, o cão pode ter a doença, porém, nunca evoluir para ICC.

4
CMD - cardiomiopatia dilatada
“Os cães de raça pura e de porte grande são os mais acometidos”

A cardiomiopatia dilatada (CMD) é uma doença miocárdica caracterizada por


contratilidade reduzida e dilatação de um ou ambos os ventrículos. Os cães de
raça pura e de porte grande são os mais acometidos, além dos cães da raça
Cocker Spaniel, que podem também apresentar a doença. A CMD pode acontecer
em cães de todas as idades, mas o risco aumenta em idades mais avançadas.
Assim como na DVMM, machos são mais acometidos do que fêmeas. A CMD é
uma condição grave e na qual a possibilidade de morte súbita é maior do que na
DVMM, principalmente naquelas raças como Dobermann e Boxer, que apresentam
grande quantidade de arritmias de origem ventricular.

A insuficiência cardíaca se refere ao coração que bombeia volume inadequado de sangue,


ou na má distribuição do sangue bombeado, resultando em entrega inadequada de oxigênio
tecidual. Neste caso, o retorno venoso cardíaco é adequado, o que diferencia a IC do choque.1
A IC congestiva é caracterizada por uma função cardíaca deficiente, com aumento das pres-
sões venosas e capilares, o que faz com que os órgãos fiquem congestos com sangue ou
carregados com fluido de edema.

Portanto, o objetivo da presente revisão é entender como diagnosticar e tratar os cães com
IC. Para tanto, precisamos rever os mecanismos patofisiológicos da IC, e quais informações
os métodos de diagnóstico nos trazem sobre a doença cardíaca causadora da IC. A partir
do diagnóstico, veremos como selecionar os melhores fármacos para tratar o paciente com
sintomas da enfermidade cardíaca.

5
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

PATOFISIOLOGIA DA ICC

À medida que a doença cardíaca progride, há redução do fluxo que deixa o coração por
meio da artéria aorta (volume sistólico). Com isso, são ativados os sistemas compensatórios
(Figura 1) na tentativa de manter as necessidades vitais do organismo.

Estabelecimento da IC DC

PA estimula baroreceptores
Sinais para o cérebro

Da perfusão renal
Trânsito nervoso adrenérgico
NE circulante
FC e
Secreção de contratilidade
resina
Liberação
EPI Adrenal Liberação de vasopressina
ATI ECA
ATII
Constrição das arteríolas eferentes

SEDE Vasoconstrição
Aldosterona
Fração de filtração

Reabsorção de água

Reabsorção Na+
Pressão Venosa

Pré-carga: Pós-carga:
edema efusões Redistribuição de sangue

Figura 1: cascata de ativação neuro-hormonal na ICC. Adaptado Ettinger & Feldman, 2004.14
NE= noraepinefrina; EPI= epinefrina.

6
Esses mecanismos incluem:

• Aumento da atividade do sistema nervoso central e atenuação do tônus vagal, que


induzem aumento da frequência cardíaca e da contratilidade miocárdica, redirecionamento
seletivo do fluxo de sangue para os centros vitais e vasoconstrição arteriolar. Porém, a expo-
sição crônica a altos níveis de norepinefrina contribui para o desenvolvimento de mudanças
vasculares patológicas e do remodelamento cardíaco, promove arritmogênese, induz a mor-
te prematura dos miócitos e estimula o sistema renina-angiotensina-aldosterona.7

• Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona:8,9 a renina é secretada pelas


células justaglomerulares dos glomérulos renais em resposta a redução do volume circulante
efetivo de sangue. Esta condição é detectada pela redução da pressão arterial sistêmica, da
pressão de perfusão renal, ou da entrega de cloro para a mácula densa. A renina circulante
age no angiotensinogênio, produzido pelo fígado, levando a liberação da angiotensinaI, que
é convertida em angiotensina II (AT II) pela enzima conversora de angiotensina (ECA), locali-
zada na superfície endotelial e na circulação. A AT II causa vasoconstricção imediata e poten-
te, com aumento na resistência vascular periférica, além de estimular a reabsorção de sódio
pelo néfron e a síntese e liberação de aldosterona pela glândula adrenal. Já a aldosterona
estimula a reabsorção de sódio e água pelo túbulo coletor.4 Além disso, AT II é um determi-
nante primário de fibrose ao órgão final, enquanto a aldosterona é conhecida por piorar as
propriedades de lesão tecidual da ATII.5 Portanto, a exposição elevada a ATII e aldosterona
tem sido associada a pior prognóstico.5 Porém, o papel do SRAA é controverso, pois en-
quanto sua ativação mantém a pressão arterial na insuficiência cardíaca, ao mesmo tempo
constitui-se num dos fatores patofisiológicos no desenvolvimento da insuficiência cardíaca.8

• Liberação de peptídeos natriuréticos, incluindo ANP e BNP, liberados de seu estoque


atrial (pro-ANP e pro-BNP) pelo estímulo do estiramento atrial e ventricular, respectivamen-
te, têm efeito contrário ao do sistema renina-angiotensina-aldosterona,7 inibindo a liberação
da renina e aldosterona e apresentando efeitos vasorelaxantes, diuréticos e natriuréticos.
Os fragmentos N-terminais do proANP (NT-proANP) e proBNP (NT-pro BNP) são marcado-
res mais sensíveis da insuficiência cardíaca e podem ser utilizados para diferenciar doença
cardíaca de doença primária respiratória. Estudos demonstram aumento da concentração
plasmática de NT-proANP em cães, pouco antes da descompensação cardíaca secundária
à regurgitação mitral,9,10 e uma forte correlação positiva entre NT-proBNP com a fração regur-
gitante, com o aumento de átrio esquerdo e com o volume diastólico do ventrículo esquerdo
em cães com regurgitação mitral assintomáticos, sugerindo que esse marcador pode estar
relacionado com a gravidade e prognóstico da doença valvar.11

7
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

Apesar de necessários a curto prazo para manter a perfusão sanguínea nos


órgãos mais importantes, os mecanismos compensatórios acabam por piorar a
condição hemodinâmica, sobrecarregando assim o coração já doente. Por isso, o
tratamento da insuficiência cardíaca baseia-se em combater esses mecanismos,
reduzindo com isso a retenção de líquido e melhorando a perfusão sanguínea em
todo o organismo. Portanto, a doença causadora da IC não é o foco do tratamento,
mas sim as suas consequências cardiovasculares.

CLASSIFICAÇÃO DA ICC

O sistema de classificação mais conhecido para IC em cães e gatos foi proposto pelo
“International Small Animal Cardiac Health Council - ISACHC”,12 e separa os animais de acordo
com a presença ou não de remodelamento cardíaco e de sintomas, como descrito abaixo:

Classe IA Doença cardíaca presente, sem manifestações clínicas, sem sinais de compensação
(sem aumento de câmaras ou sinais de sobrecarga).
Classe IB Doença cardíaca presente, sem manifestações clínicas, mas com sinais de
repercussão no ecocardiograma ou radiografia torácica (sobrecarga de volume
do VE ou aumento do AE).
Classe II Doença cardíaca presente, com sinais manifestações clínicas discretas ou moderados
de IC, sinais de baixo débito na agitação. Ao descanso, nenhum sinal de disfunção
sistólica. Indicado tratamento.
Classe IIIA Doença cardíaca presente, com sinais de IC avançada. Manifestações clínicas até mesmo
ao descanso. Cardiomegalia significativa ao ecocardiograma e radiografia de tórax. Morte
provável ou debilitação grave caso não seja tratado. Tratamento em casa é possível.
Classe IIIB Doença cardíaca presente, com sinais de IC avançada. Sinais clínicos até mesmo
ao descanso. Cardiomegalia significativa ao ecocardiograma e radiografia de tórax.
Morte provável ou debilitação severa caso não seja tratado. Necessário internação
e tratamento intensivo.

Atkins et al.   publicaram o Consensus Statements of the American College of


Veterinary Internal Medicine (ACVIM), em que sugerem um novo sistema de
classificação específico para cães com DVMM, adaptado do sistema de classificação
para humanos de 2001 do American College of Cardiology/American Heart
Association.4 Keene et al. (2019)13 publicaram uma atualização deste sistema que
descreve quatro estágios da doença e consequente insuficiência cardíaca:

8
ESTÁGIO A Identifica pacientes com alto risco de desenvolver doença cardíaca, mas que ainda não
apresentam alterações estruturais identificáveis no coração (p. ex.: cães Cavalier King Charles
Spaniel sem sopro cardíaco).
ESTÁGIO B Identifica pacientes com doença cardíaca estrutural, mas que nunca desenvolveram
manifestações clínicas de insuficiência cardíaca. Este estágio é subdividido em:
Estágio B1: pacientes assintomáticos, que não apresentam evidências radiográficas
ou ecocardiográficas de remodelamento cardíaco em resposta à doença valvar, assim
como aqueles cães cujo remodelamento está presente, mas não é importante o
bastante para início de tratamento.
Estágio B2: pacientes assintomáticos que apresentam regurgitação valvar mitral
hemodinamicamente significante, evidenciados por achados radiográficos e
ecocardiográficos de aumento de átrio e ventrículo esquerdos. Este grupo de paciente
inclui apenas indivíduos que apresentem, ao ecocardiograma, a relação átrio esquerdo/
aorta > 1,6 e diâmetro diastólico interno do ventrículo esquerdo normalizado para o
peso corpóreo > 1,7.

ESTÁGIO C Pacientes com sintomas clínicos prévios ou atuais de insuficiência cardíaca associados
à alteração estrutural do coração.
ESTÁGIO D Pacientes com doença cardíaca em estágio final, com sinais de insuficiência cardíaca que
são refratários à terapia principal. Esses pacientes necessitam de estratégias de tratamento
especiais ou avançadas para se manterem confortáveis, independentemente da presença
da doença.

DIAGNÓSTICO DA ICC

O diagnóstico da IC baseia-se na avaliação das manifestações clínicas, exame físico e


pesquisa da doença cardíaca e suas consequências, por meio de exames complementares.

Manifestações clínicas

As principais manifestações clínicas apresentadas pelos cães cardiopatas são:


• Tosse e/ ou angústia respiratória (dispneia): acontecem devido ao aumento da pressão atrial
e venosa pulmonar, levando ao edema pulmonar e à compressão do brônquio principal;
• Fraqueza, síncope e/ou intolerância a exercício: acontece por redução do volume sistólico
ventricular esquerdo ou direito;
• Ascite e/ou efusão pleural: secundário a insuficiência cardíaca congestiva direita;
• Morte súbita: que ocorre após edema pulmonar agudo fulminante ou fibrilação ventricular.14
Com isso, as principais queixas do proprietário são diminuição da capacidade de exercício,
tosse e taquipneia ao esforço.

9
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

À medida que a congestão e o edema pulmonar pioram, a frequência respiratória em


repouso também aumenta.15 Nos casos mais graves, os animais ficam geralmente ansiosos,
não conseguem deitar para dormir, recusando-se a ficar em decúbito lateral e preferindo a
posição esternal (posição ortopneica).14 A tosse acontece principalmente à noite e pela
manhã, assim como quando o animal se agita ou durante o exercício. O edema pulmonar
grave provoca angústia respiratória e tosse, geralmente produtiva, podendo manifestar-se de
forma gradual ou súbita. Também é comum a manifestação de sintomas relacionados com
o edema pulmonar, intercalados com períodos de insuficiência cardíaca compensada, o que
pode acontecer por meses ou até mesmo anos.15

Episódios de fraqueza transitória ou síncope podem ocorrer secundariamente à presença


de arritmias, tosse excessiva, redução do volume sistólico direito ou esquerdo, hipertensão
arterial pulmonar ou esgarçamento atrial. Manifestações clínicas de regurgitação tricúspide,
muitas vezes subestimados por aqueles da regurgitação mitral, incluem ascite, efusão pleural
com esforço respiratório associado e, raramente, edema tecidual periférico. Sinais de doença
gastrintestinal podem acompanhar a congestão mesentérica.15

EXAMES COMPLEMENTARES

Radiografia de tórax

As radiografias torácicas podem indicar alguns graus de aumento atrial e ventricular, que
progridem em meses ou anos.15 Porém, a habilidade de avaliar o aumento de câmara cardíaca
pela radiografia de forma precisa é provavelmente superestimada. Variações no tamanho e
formato do coração podem acontecer por fatores técnicos, posicionamento e conformação
racial, e não apenas por aumento causado por doenças cardíacas.

As radiografias torácicas são o indicador clínico mais sensível da hemodinâmica pulmonar.


Com o aumento da pressão venosa pulmonar, as veias pulmonares distendem-se, tornando-
se mais evidentes centralmente e nos campos pulmonares periféricos.1 Com a evolução,
há o desenvolvimento de edema pulmonar, primeiramente intersticial e, posteriormente,
alveolar. A distribuição radiográfica do edema pulmonar cardiogênico é classicamente hilar,
dorsocaudal e bilateralmente simétrico; porém, uma distribuição assimétrica pode ser vista em
alguns cães (Figura 2). A presença e gravidade do edema pulmonar não se correlacionam,
necessariamente, ao grau de cardiomegalia.

10
B
A

C D

Figura 2: imagem radiográfica de paciente apresentando edema pulmonar de origem cardiogênica, antes (A e
B) e após o tratamento (C e D). Notar acentuado aumento da silhueta cardíaca esquerda e direita, sendo mais
evidente em topografia de átrio esquerdo, átrio direito e ventrículo direito com deslocamento dorsal da traqueia
e compressão do segmento terminal traqueal. Nas imagens A e B, os campos pulmonares apresentam padrão
radiográfico intersticial focal, mais evidente em lobo pulmonar caudal direito e esquerda. Foto gentilmente cedida
pela Dr.a Ariane Marques Mazini, diretora de publicidade da Sociedade Brasileira de Cardiologia Veterinária.

Os achados pulmonares podem ser inconclusivos, pois alterações radiográficas


iniciais de edema pulmonar intersticial e o padrão radiográfico brônquico
de doença crônica respiratória podem ser semelhantes. A tendência é de
se diagnosticar um maior número de casos de edema pulmonar de origem
cardiogênica. Portanto, é importante ter uma série de radiografias, se possível,
e avaliar a presença de outras evidências de insuficiência cardíaca esquerda,
como por exemplo, distensão venosa pulmonar, antes de dar o diagnóstico
definitivo.14

11
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

Eletrocardiograma

O traçado eletrocardiográfico em cães com doença cardíaca pode ser normal; porém, pode
denotar aumento de câmaras cardíacas, principalmente atrial e ventricular esquerdas. Na IC
direita, pode haver sinais de aumento atrial direito, ventricular direito e desvio do eixo elétrico
cardíaco para a direita. Nos casos de doença cardíaca avançada, pode-se observar a presen-
ça de arritmias, pelo estiramento das câmaras e hipóxia do miocárdio, especialmente taquicar-
dia sinusal, complexos supraventriculares prematuros, taquicardia supraventricular sustentada
ou paroxística e fibrilação atrial. Complexos ventriculares prematuros e taquicardia ventricular
são achados mais comuns na cardiomiopatia dilatada. Essas arritmias podem estar associa-
das com descompensação da doença cardíaca, desenvolvimento de quadros congestivos,
fraqueza ou síncope.15

Nos estágios iniciais da doença cardíaca, o cão geralmente mantém a arritmia


sinusal. Já nos casos de insuficiência cardíaca, a perda da arritmia sinusal e o
desenvolvimento de taquicardia sinusal são comumente observados.14

Ecocardiograma

A ecocardiografia tem um papel importante na avaliação cardiovascular, fornecendo


informações não invasivas sobre a função e estrutura cardíaca e a dinâmica do fluxo de sangue.
O exame ecocardiográfico é utilizado para se obter um diagnóstico definitivo da doença
cardíaca e suas consequências para o coração; porém, não pode diagnosticar insuficiência
cardíaca, cujo diagnóstico é clínico e baseado em um conjunto de informações que englobam
história clínica, exame físico e exames complementares.

Além do diagnóstico da doença cardíaca, o exame ecocardiográfico pode auxiliar


no reconhecimento precoce da ICC, com otimização da terapia medicamentosa,
e facilitar o monitoramento terapêutico.16 Sabe-se que os cães cardiopatas
que apresentam edema pulmonar são aqueles que têm aumento significativo
de átrio esquerdo (Figura 3), aumento ventricular esquerdo, e alterações no
enchimento ventricular esquerdo que refletem o aumento da pressão atrial
esquerda e, consequentemente, venosa pulmonar. Portanto, pacientes com
doença cardíaca, porém, com tamanho normal de coração, têm possibilidade
quase nula de desenvolver, naquele momento, um quadro congestivo.

12
A B

Figura 3: imagem ecocardiográfica, janela paraestermal direita, corte transverso, com foco na avaliação do
tamanho do átrio esquerdo (AE). Notar a diferença do tamanho do AE em cão estágio B1 (A) e cão estágio C.

TRATAMENTO

A maioria dos esquemas de tratamento de cães com IC são baseados em manifestações


clínicas e achados radiográficos. As informações sobre o tamanho do coração, grau de regur-
gitação e/ou grau de disfunção de contratilidade fornecidos pela ecocardiografia em conjunto
com a história, exame físico, eletrocardiograma e radiografia de tórax permitem um acesso
mais cuidadoso à gravidade da doença e à necessidade de tratamento.

A terapia utilizada é, basicamente, medicamentosa, com objetivos principais de


aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida.1

13
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

PACIENTES SINTOMÁTICOS

Os pacientes com IC sintomáticos têm o tratamento baseado no uso de inibidores da enzima


conversora de angiotensina (iECA), pimobendan e diuréticos.

Inibidores da ECA (iECA) –

Os inibidores da ECA são as medicações mais utilizadas em cães no tratamento de insuficiência


cardíaca sintomática. Apesar dos inibidores da ECA não serem agentes vasodilatadores
arteriolares puros, sua habilidade em modular a resposta neuro-hormonal da insuficiência
cardíaca é vantajosa para uso a longo prazo, o que pode melhorar a tolerância a exercícios,
tosse e o esforço respiratório.15 Os estudos que avaliaram o uso do maleato de enalapril em cães
com ICC sintomáticos, tanto na DVMM quanto na CMD são conhecidos há bastante tempo.
Os estudos IMPROVE16 e COVE17 demonstraram que cães com DVMM ou CMD sintomáticos
apresentam melhora dos sintomas, por melhora nas condições hemodinâmicas, quando
tratados com maleato de enalapril na dose de 0,5 mg/kg BID, em comparação ao placebo.
O estudo IMPROVE16 foi o único que avaliou os efeitos hemodinâmicos dos iECA em cães
com ICC. Neste estudo, os cães que receberam enalapril tiveram redução na pressão capilar
pulmonar, frequência cardíaca, pressão arterial sistêmica média e pressão arterial pulmonar
média no início do estudo, mas não houve nenhuma diferença entre os grupos de tratamento
(enalapril 0,5 mg/kg BID em comparação a placebo) após 21 dias. Já o estudo LIVE18 mostrou
que a associação do enalapril no tratamento de cães com valvopatia mitral mixomatosa (VMM)
ou CMD é benéfica a longo prazo, com aumento significativo na sobrevida desses animais, e
menor falha no tratamento com recidiva da ICC nos cães que receberam o iECA.

O estudo BENCH19 avaliou a eficácia e a tolerabilidade da administração a longo prazo


do iECA em cães sintomáticos com ICC. Neste estudo, a taxa de sobrevida dos cães que
receberam o fármaco aumentou em 2.7 vezes em comparação ao placebo e, além disso, o
risco relativo do paciente morrer ou ser retirado do estudo por ter desenvolvido ICC foi reduzido
em 49% nos cães com VMM e 20% nos cães com CMD, quando esses animais receberam
o iECA19. Esses animais que foram submetidos ao tratamento com iECA obtiveram melhora
da tolerância aos exercícios e da condição clínica a curto prazo.19 A conclusão principal deste
estudo foi que o iECA aumentou a expectativa de vida dos cães com ICC discreta a moderada.

Portanto, são claros os benefícios de inibir o SRAA em cães com ICC. Por essa razão, é
recomendado pelo Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária a administração dos
iECA nos cães com DVMM e ICC.13

14
Pimobendan

Outro fármaco liberado para uso em cães cardiopatas é o pimobendan. Trata-se de medicação
com duplo efeito de ação: aumenta a contratilidade miocárdica por aumentar a sensibilização
do cálcio à troponina C e promove vasodilatação pela inibição da fosfodiesterase III.20 Seu uso
era inicialmente indicado nos casos de disfunção sistólica, pois se sabe que esses pacientes
podem ser beneficiados com o uso de inotrópicos positivos.21 Novas evidências levam a
acreditar que o pimobendan pode melhorar as manifestações clínicas provocadas pela doença
valvar crônica de mitral mesmo quando a função sistólica ainda não está prejudicada.21 Essa
medicação, em associação com a terapia convencional, pode aumentar o tempo de sobrevida
dos cães cardiopatas, reduzindo o insucesso no tratamento de cães com insuficiência
cardíaca congestiva secundária à doença valvar crônica de mitral, quando comparada ao uso
do benazepril com a terapia convencional.22 Além disso, a adição do pimobendan à terapia
convencional (Petpril e diuréticos) em cães com cardiomiopatia dilatada reduz a mortalidade e
pode ser usado como agente de primeira linha no tratamento dessa enfermidade.23

Diuréticos

A terapia diurética deve ser utilizada aos primeiros sintomas de insuficiência cardíaca
congestiva (ICC), com intuito de eliminar o excesso de líquido retido no organismo e aliviar a
congestão pulmonar.

Furosemida é o diurético de escolha para o tratamento da ICC por ser efetivo e bem
tolerado por cães. Trata-se de diurético de alça que reduz o volume de sangue circulante total
e, consequentemente, reduz a pressão no átrio esquerdo, proporcionando assim a melhora
clínica dos pacientes em quadro congestivo.24 Essa redução da pressão atrial esquerda em
cães é proporcional à dose administrada.24 Em casos menos graves, deve-se iniciar com a
menor dose e manter aquela com a qual o animal apresente mínimos sinais de ICC. Apesar
da dose média indicada para esses pacientes ser 2 mg/kg BID via oral, ela pode variar de 0,5
mg/kg via oral a cada 12 horas até 4 a 6 mg/ kg a cada 8 horas. Em casos de edema agudo
de pulmão e desconforto respiratório do paciente, é necessário a administração parenteral,
subcutânea ou intravenosa, e a escolha da dose e via de administração vai depender da
condição clínica do paciente.

Torsemida é um diurético de alça desenvolvido recentemente, com atividade mais potente e


de maior duração do que a furosemida.25 Ela é caracterizada por ter maior meia vida (8 horas),
duração de ação (12 horas) e biodisponibilidade (80 a 100%) do que a furosemida; além de seu

15
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

efeito diurético, tem outras ações benéficas, como propriedades vasodilatadoras e melhora
da função e remodelamento cardíaco pelo seu efeito antialdosterona.25 Estudo mostrou que
torsemida administrada a cada 24 horas é efetiva em cães com ICC discreta a importante
secundária a DVMM. A dose atual recomendada de torsemida para cães é 0,1-0,2 mg/Kg
SID ou BID, ou aproximadamente 5 a 10% da dose total da furosemida administrada naquele
período para o paciente.13

Estudo realizado em cães com DVMM sintomáticos demonstrou que a adição da espirono-
lactona (2 mg/kg SID) no protocolo de tratamento convencional (inibidor da ECA com furose-
mida ou digoxina, se necessário) reduziu em 55% o risco de morbidade e mortalidade desses
pacientes, podendo chegar a mais de 69% de redução quando apenas as causas cardíacas
de morte são consideradas.26

A Espironolactona é um antagonista seletivo do receptor da aldosterona. Sabe-se, atual-


mente, que a aldosterona, além de mediar a retenção de sódio e água, também promove
fibrose do miocárdio e do endotélio vascular, o que é considerado deletério na doença car-
díaca. Os inibidores da ECA suprimem a cascata do SRAA, porém, a supressão da enzima
conversora de angiotensina parece ser insuficiente para prevenir completamente a secreção
de aldosterona em cães com insuficiência cardíaca congestiva recebendo a terapia conven-
cional.26 Portanto, atualmente recomenda-se a adição da espironolactona na dose de 2 mg/
kg SID em todo paciente sintomático com doença degenerativa crônica (estágio C e D), em
associação à terapia com inibidores da ECA.

Resumindo, atualmente as recomendações de tratamento do


cão com IC incluem Petpril (inibidor da ECA), pimobendan e
diuréticos. A espironolactona é recomendada nos cães com
DVMM devido ao seu efeito cardioprotetor e não diurético,
porém, a mesma função em cães com CMD ainda não foi
comprovada, apesar de acreditarmos ter o mesmo benefício
nessa enfermidade.

16
Outros Tratamentos

Quando o tratamento padrão não é capaz de manter o paciente estável, temos que fazer
uso de outras manobras na tentativa da estabilização.

O uso de dieta hipossódica pode diminuir a necessidade do uso de diuréticos e, conse-


quentemente, reduzir a ativação neuro-hormonal. Porém, até mais do que o cuidado na inges-
tão de sódio, deve-se preocupar com o risco de caquexia nos estágios mais avançados da
doença cardíaca (Figuras 4). A liberação de citocinas inflamatórias e a redução da absorção
adequada de nutrientes devido à congestão do trato intestinal podem induzir o cão com IC à
redução exagerada de peso com perda significativa do escore corporal. Para evitar que isso
aconteça, devem ser oferecidas dietas altamente palatáveis, hipercalóricas e que contenham
proteína de alta digestibilidade.

A B

Figuras 4: cão da raça Boxer portador de cardiomiopatia dilatada. Notar escore corporal ruim, com intensa
perda de massa muscular. Foto gentilmente cedida pelo Dr. Lucas Navajas, diretor de regionais da Sociedade
Brasileira de Cardiologia Veterinária.

Outro caminho que podemos usar é a adição de outros fármacos vasodilatadores ao tra-
tamento inicial. Esses medicamentos agem reduzindo a pressão arterial sistêmica, facilitando a
saída de sangue do coração pela artéria aorta e aumentando, assim, o volume sistólico e débito
cardíaco. Com isso, há redução da pressão atrial esquerda e veias pulmonares, melhorando o
quadro congestivo. Devemos apenas ter cuidado de não utilizar esses fármacos em pacientes
hipotensos. Os fármacos mais conhecidos deste grupo são a hidralazina (0,5 a 2 mg/kg BID) e a
amlodipina (0,05 a 0,1 mg/kg SID ou BID).

Pacientes que apresentem arritmias devem ser avaliados e tratados especificamente de acordo
com o tipo e gravidade da arritmia detectada.

17
BOLETIM pet
ABORDAGEM PRÁTICA DO TRATAMENTO DA ICC EM CÃES

PACIENTE ASSINTOMÁTICO

O tratamento de pacientes com doença cardíaca, sem sintomas de insuficiência cardíaca


descompensada, constitui-se num grande dilema. Os inibidores da enzima conversora de an-
giotensina (inibidores da ECA) – Petpril eram frequentemente prescritos para cães com DVMM
antes do início da manifestação de insuficiência cardíaca. Porém, não há evidências de que a
administração dessa medicação a um paciente com DVMM tenha um papel preventivo no de-
senvolvimento e progressão dos sinais de insuficiência cardíaca, ou que aumente a sobrevida.

Nas diretrizes atuais para doença valvar, alguns especialistas indicam o uso
do iECA naqueles animais que apresentem aumento marcante no tamanho do
átrio esquerdo em avaliações ecocardiográficas sucessivas, e com alto risco de
descompensação.13 Nos cães com CMD, pouco se sabe sobre os benefícios deste
fármaco nos pacientes assintomáticos. Estudo retrospectivo realizado em cães da
raça Doberman Pinscher assintomáticos com CMD mostrou benefícios no uso do
inibidor da ECA, com aumento do período pré-clínico dos animais que receberam
este grupo de fármaco.27

Porém, estudos prospectivos são necessários para validar esses achados, tanto em cães da
raça Dobermann Pinscher, como em outras raças.

Já na DVMM, um estudo realizado com cães em estágio B2 (que apresentam aumento de


AE e VE) demonstrou que o tratamento com pimobendan aumentou em quase 15 meses o
período pré-clínico, com segurança e boa tolerância pelos cães.28 Em cães com CMD, a admi-
nistração do pimobendan prolongou de forma significativa (média de 9 meses) o tempo para o
início da ICC ou morte súbita.29

Não há evidências de que cães com DVMM em estágio B1 (sem aumento de câmara car-
díaca ou com aumento hemodinamicamente insignificante) se beneficiem com qualquer tipo
de tratamento. Os tutores cujos cães se apresentam assintomáticos em estágio B1 devem
ser orientados com relação ao início das manifestações clínicas de insuficiência cardíaca e,
no caso de animais reprodutores, alertar que a doença pode ter caráter genético importante
envolvido. Neste estágio, a doença deve ser monitorada a cada três a 12 meses, na depen-
dência do grau de regurgitação. Além disso, cães assintomáticos não precisam de restrição
dietética ou de exercícios, porém, exercícios muito exaustivos ou dietas com muito sal devem
ser evitadas.14

18
CONCLUSÃO

O diagnóstico da IC em cães é baseado em um conjunto


de informações, que englobam manifestações clínicas
e exames complementares como radiografia de tórax e
ecocardiografia. O tratamento vai depender do estágio
da IC, porém, tem como principais fármacos o Petpril
(iECA) e pimobendan, sendo os diuréticos restritos para
os pacientes em congestão.

19
Maleato de Enalapril

Comprimidos palatáveis
5 mg: 1 cp. / 10 kg / VO / a cada 12 ou 24 horas*.
10 mg: 1 cp. / 20 kg / VO / a cada 12 ou 24 horas*.
5 mg: 1/4 a 1/2 cp. / 5kg / VO / a cada 12 ou 24 horas*.

DERMATOLÓGICOS

Creme pós-banho com óleo de Xampu com ácido lático, Solução otológica com ácido lático,
macadâmia, ceramidas e silicones. glicerina, germe de trigo, alantoína, extrato de aloe vera.
queratina hidrolisada e
Após o banho, lipossomas. Higiene: 1 a 2
remover o excesso de água. vezes / semana*.
Banhos 1 a 2
Aplique o produto em todo
vezes / semana*.
o corpo do animal.
Não é necessário enxaguar*.

COLÍRIO
*ou a critério do Médico Veterinário.

Colírio lubrificante com


carboximetilcelulose sódica.
Nutriente para pele e pelos à base de
Ureia, combinação de silicones ômegas 3 e 6, biotina, selênio, zinco, Instilar 1 gota em cada olho
e óleo mineral. vitaminas A e E.
afetado / 4 vezes ao dia /
Aplicar 1 a 2 vezes 1 cáp. / 10 kg / VO / a 7 dias consecutivos*.
ao dia, até melhora do quadro*. cada 24 horas / 4 a 8 semanas*.

Consulte sempre um Médico Veterinário.


Material dirigido direto e unicamente a profissionais Médicos Veterinários e equipe de vendas.

Você também pode gostar