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(Bachelard)
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profissão nos leva a perguntar: não estaríamos recaindo na visão de um corpo
partido, reduzido, especializado que tão arduamente criticamos? Afinal qual é o
ocrpo que a terapia ocupacional trabalha, imagina, brinca?
É claro que sabemos que a mão tem um papel fundamental na vida
ocupacional das pessoas, mas a mãos só atuam porque há um membro superior
organizado que e integro. Também a postura do tronco e das pernas contribui
para estabelecer a relação do corpo com qualquer fazer. Em verdade, o copo
inteiro trabalha quando coloca uma linha no buraco da agulha: seguramos o
tronco, estabilizamos os braços, fechamos um dos olhos, apertamos o pé no chão
e suspendemos momentaneamente a respiração! É preciso estabilizar e deixar
todo corpo imóvel para que a mão atue precisamente ao passar a linha pelo
orifício minúsculo. Sem o controle do corpo, que produz uma postura
relativamente estática, seria impossível ao homem costurar. Todo fazer envolve
uma rede de posturas, tônus, organizações musculares redes neurológicas ao
ponto de não podemos dizer em que parte do corpo começa ou termina tal tarefa.
Visualizar apenas a mão de forma intensa num fazer, pode ser uma faceta, não
tão clara, de uma partição do corpo em unidades morfofuncionais, que é
incompatível com terapeutas que tentam trabalhar o humano em sua
complexidade. Terapia ocupacional trabalha com o corpo em todas as suas redes
e complexidades. Terapia ocupacional trabalho o corpo, dos pés a cabeça em
toda e qualquer atividade, fazer. Terapia ocupacional é a paixão de imaginar de
corpo inteiro, ou melhor, de produzir um corpo sonhador. A redundância de dizer
corpo inteiro é para enfatizar essa complexidade humana que não pode ser
reduzida a unidades distintas.
Um outro fato que desejo problematizar diz respeito a um certo receio de
clinicar com o corpo. O corpo seria algo difícil de se trabalhar, algo que mexe mais
com os conteúdos internos, algo perigoso de se lidar principalmente quando se
intensificam afetos com sua exploração. Mas que perigos tão terríveis, quase que
inabordáveis, pode produzir o corpo? Este mito do corpo como recursos perigoso,
proibido, despertador de formas negativamente intensas e ocultas me parece uma
reedição cristã do corpo como lugar do proibido, do demoníaco, do oncontrolável,
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do desconhecido. Temos ainda uma cristianização dos processos terapêuticos?
Mas a terapia ocupacional não seria sempre uma terapia com o corpo? Não
ocorreria este risco todo processo clinico que lida com a atividade, com o fazer? O
que percebemos também de alguma forma é que um certo protocolo hegemônico
vinculado à relação terapeuta-usuário foi estabelecida em todos os processos
terapêuticos. Este protocolo é oriundo de uma clínica que privilegia a fala e que
pouca relação estabelece com o corpo, pois o corpo só é visualizada como um
local do sintoma, e não como lugar de transformações. O que acontece é que, ao
se explorar um novo recurso – o corpo – permanecemos com o mesmo protocolo
na clínica. Ao trabalhar com o corpo temos qye tocas nosso usuário, ensinar,
mostrar como mover, como relaxar; manter um certo distanciamento é quase
impossível. Na impossibilidade de problematizar este protocolo, impossibilito o
recurso – o corpo -, numa tentativa de perpetuar formas, teorias, pragmáticas e
poderes hegemônicos nos processos terapêuticos. O corpo é perigoso, sim, não
para aquele que o explora, mas por esgarçar e colocar em crise a permanência
rígida nos saberes da clínica. Em minha clínica como terapeuta ocupacional,
atuando com oficinas de consciência corporal, da dança criativa e outros, o que
visualizei foram intensidades se apresentando, criando movimentos e formas,
fluxos de vida. Riscos sempre há, em qualquer clínica, fazer clínica é estar na
tensão, no risco.
Os textos que aqui se encontram tentar dar conta de uma terapia
ocupacional de corpo inteiro. Eles foram produzidos em épocas diferentes, ao
longo de minha trajetória de terapeuta ocupacional, o que pode comprometer um
pouco a linearidade do entendimento; contudo, há ideias e conceitos básicos que
perpassam todos os textos. Este livro, então, é uma tentativa de realizar algumas
reflexões que possam contribuir para questionarmos o papel do corpo na terapia
ocupacional. Alguns podem estranhar que o título contenha o termo arte, uma vez
que mencionamos apenas o tema corpo. No entanto, ao longo de deste nosso
trabalho, o leitor verificará que o conceito de arte para nós não se refere a um
grupo de atividade com determinados materiais ou critérios estéticos, mas a uma
postura existencial. Arte é criação constante de novas formas de estar no mundo,
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de recriar sua existência, sua vida de outras maneiras. Arte é criação constante de
si. Tomamos como uma das teses básica deste livro que todo fazer opera
mudanças no corpo, mas temos que possibilitar que estas mudanças sejam
significativas e levem os sujeitos a novas realidades que intensifiquem suas vidas.
Se isso ocorrer, produzimos a vida como obra de arte, a existência como criação.
Inspiro-me aqui na estética da existência de Foucault (1984). Cada fazer pode ter
essa significação de transformação dos sujeitos. Todo fazer é um fazer com o
corpo; logo, existência e corpo são uma só realidade, e todo fazer pode possibilitar
um ato de arte na vida do sujeito que o fez. Dizendo de outro modo, arte para nós
é essa capacidade do corpo produzir novas existências criativas, que podem ser
criadas nos atos mais simples e cotidianos ou nas atividades mais elaboradas e
eruditas da vida. Escovar os dentes, para muitos, chega ser um ato automatizado,
isto porque este fazer já é apenas uma repetição de uma organização que este
corpo já adquiriu; mas para os pais de uma criança que iniciou esta capacidade,
uma nova fase de sua vida foi iniciada, que pode produzir um júbilo de alegria e
felicidade. Todos os fazeres um dia foram obras de arte, quando foram recém-
inaugurados em nossos corpos de forma significativa, potencializando novas
formas de viver. Por isso termino esta introdução reafirmando que terapia
ocupacional é uma clínica do corpo inteiro.
Referências: