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Eu sinto medo de você...

Sei que isso pode parecer no mínimo bolo, porém não é pra mim, se faço faço
por medo, e se não faço é pelo mesmo motivo, penso com frequência sobre o que você vai pensar de
mim, e também no que não vai.

Medo, irracional, ilógico talvez, porém medo, sua fala me amedronta, sinto que o instante que você cala
e apenas me observa pode devorar minha alma, o que diz, o que pensa, sinto meu chão tremer quando
você se aproxima ou quando sei que terei que comunicar algo a você.

Dois anos, são dois anos de convivência com você, não intrínseca, pois acho que se o fizéssemos assim,
o mais provável é que eu estivesse morto, ou esse medo tivesse se fundado, agora estou aqui sentado e
enquanto tomo um café ouvindo músicas animadas e aguardo a chegada do nosso pequeno, só posso
pensar em você, sua fala, seu olhar, seu pensamento, seu sorriso e a maneira com que olha pra mim,
nunca pude decifrar o que pensa de mim é sempre uma descoberta, "Um convidado em minha casa",
"Um amigo da família..." já lhe ouvi dizer tudo isso ao meu respeito, mas de fato o que pensa de mim?
Fica esse questionamento.

Certo dia me peguei enquanto transava pensando em você, comovai me julgar, o que vai pensar de
mim? Formulei mil coisas enquanto atuava.

Todos os meus projetos, falas e pensamentos passam pelo seu crivo, ao menos em Ilha mente eles
passam, como um canastrão que trabalha pra melhorar, assim sou eu repassando inúmeras vezes o meu
texto, meu posicionamento, milhares de vezes em milionésimos de segundos tudo para que abrande sua
crítica, mas não sei se abranda, como não sei se há uma crítica, como disse é um medo, como as
crianças têm do escuro, ou do temível monstro em baixo da cama, eu o tenho de você, o que vai dizer,
como vai me olhar, como me criticará, por que o fará e por que não o fará... Não sei, mas tenho medo,
por que tenho medo? Sim você pode me perguntar e eu lhe responderei amedrontado, cresci negro,
pobre e na periferia, tive que lutar pra crescer, lutar pra me libertar e pra me desconstruir, porém o fui
criado com medo de gente branca e rica, o ranço ficou, os anos estudando várias línguas, filosofia,
moda, etiquetas, economia, não puderam mudar ainda isso, olho pra casa grande e ainda sinto medo do
seu julgamento, não que eu precise do seu julgamento, ou que você me julgue, mas digo que sinto
medo, pois vi brancos e ricos levantarem e destruírem sistemas e governos apenas com seu brandir de
mão, sei que por mais que o tempo passe eu nunca vou ser um dos seus, engraçado falar disso pois um
dia uma amiga sua, cuja a qual eu também tinha medo, me perguntou descaradamente como era ser o
primeiro da minha família, leia-se negra e pobre, a entrar em uma universidade, uso isso para ilustrar o
porque do meu medo, tenho medo dos olhares, da humilhação, dos julgamentos, eu sei distanciar o
prosseco do champanhe, mas de nada serve, pois eu serei sempre o com olhar diferente, o filho da
empregada, o "nigrinho".

Então acredite quando digo que sinto medo, pois ele está lá, no meu sorriso, ele está lá, na minha fala,
ele está lá, na minha cordialidade, etiqueta, modéstia, ao sentar na mesa, ao levantar o cálice, ao
escolher o entretenimento, ou na abstenção, ele está lá, a máscara está firme, porém o medo está lá.

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