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Robert Kurz

CINZENTA É A ÁRVORE DOURADA DA VIDA E VERDE É


A TEORIA
O problema da práxis como evergreen de uma crítica truncada do capitalismo e a
história das esquerdas
SUMÁRIO: 1. O mal-estar na teoria * 2. Adorno sobre pretensões de práxis
reduzida e sobre “pseudo-actividade” * 3. “Práxis teórica” e interpretação real do
capitalismo * 4. Tratamento da contradição e “práxis ideológica” * 5. Capitalismo
como transformação do mundo: crítica afirmativa e crítica categorial * 6. Teoria da
estrutura e teoria da acção * 7. “Modernização atrasada” e o postulado de uma
“unidade inseparável” entre teoria e práxis * 8. Razão instrumental * 9. A viragem da
teoria da acção. Marxismo ocidental e “filosofia da práxis” * 10. O “marxismo
estruturalista” e o politicismo da teoria da acção * 11. O pêndulo de Foucault. Do
marxismo de partido à ideologia do movimento * 12. O regresso do “sujeito”.
Metafísica dos direitos humanos e falsa autonomia * 13. Somos tudo. A miséria do
(pós-)operaismo * 14. Da capitulação da ideologia auto-referencial do movimento a
um novo conceito de “práxis teórica” * Bibliografia
“Os curtos relâmpagos das ‘Teses sobre
Feuerbach’ atingem com a sua luz todos
os filósofos que deles se aproximam, mas
qualquer pessoa sabe que um relâmpago
curto ofusca mais do que clareia, e que
não há nada mais difícil do que situar uma
luz relampejante no espaço da noite que
ela rompe. Um dia certamente será
necessário esclarecer o enigma dessas
onze teses.”
Louis Althusser, Pour Marx
1. O mal-estar na teoria
Na crise mundial da 3ª Revolução Industrial, a crítica radical do capitalismo encontra-se
perante um desafio sem precedentes. Para poder continuar a ser ela mesma, para fazer
jus ao nome, ela tem de se despedir de si na sua forma conhecida, distanciar-se,
suplantar-se e ir além de si mesma. Pois, tal como o capitalismo realmente esbarra num
limite interno absoluto, também a crítica até ao momento tecida contra ele torna-se
obsoleta e revela-se parte integrante do seu próprio objecto.
Em resposta a esta nova situação histórica, desenvolveu-se a partir da década de 80,
como é sabido, uma abordagem teórica da transformação da teoria de Marx e que dá pelo
nome de “crítica do valor”. Na sua perspectiva, tanto o movimento operário ocidental
como os próprios socialismos do Leste e do Sul ainda faziam parte da história da
ascensão e imposição do capitalismo. Tanto a reflexão teórica como a acção prática
moviam-se sob a capa do moderno sistema produtor de mercadorias, a forma fetichista do
valor. O marxismo do movimento operário assumira a ontologização desse contexto da
forma da Modernidade a partir da filosofia iluminista burguesa. Particularmente o
“trabalho” (“trabalho abstracto” em Marx), como substância da forma do valor, assumiu ao
longo desse processo um estatuto trans-histórico. Na crise mundial da 3ª Revolução
Industrial, o “modo de produção baseado no valor” (Marx) esbarra em seu limite interno
absoluto, precisamente pelo facto de minar a sua própria substância, o “trabalho”,
tornando-o obsoleto. As determinações supostamente ontológicas revelam-se
historicamente limitadas e decrépitas.
Tomando como ponto de partida essa teoria crítica radical, a nova reflexão
transformadora gerou uma crítica da forma do valor e da mercadoria, uma crítica que
devia necessariamente abranger a ontologia marxista do trabalho. A tal facto está
forçosamente associada uma profunda ruptura na fundamentação da acção
transformadora da sociedade: nesta evolução, a crítica do valor enquanto crítica do
trabalho, embora precise desenvolver-se a partir da imanência capitalista, já não pode
assumir qualquer critério ontológico de identidade, nem qualquer critério positivo de
interesse. Como Ontologia Negativa (cf. Kurz 2004), como crítica da ontologia capitalista,
o seu objectivo é uma “ruptura ontológica”. Tanto as ideias como as acções da nova
crítica são essencialmente negatórias, como digestão da experiência de sofrimento no
capitalismo de crise, enquanto as determinações positivas só podem ser desenvolvidas a
partir de tal negação, por meio dum movimento histórico de mediação, mas não como
uma estipulação a priori.
Todavia, a nova elaboração teórica da crítica do valor referia-se primeiramente às
determinações da forma geral do moderno sistema produtor de mercadorias, sem reflectir
sobre a sua conotação sexual. Contudo, o marxismo do movimento operário “herdara” do
protestantismo e do Iluminismo não apenas a metafísica moderna do trabalho, como
ontologia do trabalho e “ethos do trabalho”, mas também a relação entre sexos a ela
associada dum patriarcado objectivado em tais formas, no qual foram dissociados os
momentos da reprodução social que não dão certo no valor, tendo sido determinados em
larga escala como “femininos” e atribuídos às mulheres. Respondendo a isso, a crítica do
valor continuou a desenvolver-se ao longo dos anos 90 no sentido da crítica da relação de
dissociação associada ao valor. Segundo essa reflexão, a dissociação é “co-originária” à
relação de trabalho abstracto, isto é, ela não consiste num aspecto secundário nem
derivado. Constitutivos do capitalismo são não apenas as formas político-económicas com
aparência sexualmente neutra do moderno sistema produtor de mercadorias, mas
também, num sentido mais amplo, a relação de dissociação-valor como Sexo do
Capitalismo (Scholz 2000), ou patriarcado produtor de mercadorias.
Isto tem uma dupla consequência. Por um lado, abre-se uma nova dimensão
epistemológica, pois toda a história da teoria desde o Iluminismo, incluindo o marxismo,
está confinada no quadro de uma falsa universalidade assente na relação obnubilada de
dissociação. A linguagem moderna da teoria, com seu aparelho conceptual, está ligada a
esse quadro, ou seja, move-se num horizonte de conceptualização androcentricamente
universalista. O alargamento da crítica do valor à crítica da dissociação encerra, portanto,
a tarefa de rebentar o quadro conceptual moderno. Isto levanta enormes problemas de
exposição, ainda longe de estarem resolvidos. A dificuldade também se reflectiu na
pesada nomenclatura dupla da nova elaboração teórica a partir de então, expressa como
crítica da dissociação-valor [Wert-Abspaltungkritik].
Por outro lado, esta teoria da dissociação-valor implica também um alargamento
análogo da crítica para além do feminismo praticado até hoje que, à semelhança do
movimento operário, se limitara ao campo de acção da relação fetichista moderna. Pelas
razões acima apontadas, aplica-se aqui, na fundamentação da acção transformadora, a
mesma ruptura fundamental que na crítica do trabalho: a crítica da dissociação-valor já
não é um mero ponto de vista de identidade sexual ou de interesse, no invólucro da forma
dado, mas visa o rompimento desse invólucro e, por conseguinte, a suplantação do
patriarcado da Modernidade objectivamente inscrito nas formas gerais e abstractas da
sociedade.
Revela-se aí, na elaboração teórica e na determinação da acção transformadora, uma
relação tensa entre crítica do valor universalista-androcêntrica (portanto limitada,
incompleta) e crítica da dissociação-valor, uma relação que ainda tem de ser resolvida.
Essa diferenciação tensa da própria elaboração teórica da dissociação-valor é
acompanhada do desejo de auto-afirmação das teorias sociais de esquerda já
anacrónicas. Foi assim que se formou um campo complexo de confrontação teórica.
Todavia, a tal confrontação sobrepõe-se a colocação do problema referente à dimensão
da acção, que já não é meramente interior à teoria. Deseja-se que a crítica teórica se
torne crítica prática. Este telos imanente a toda a teoria crítica aplica-se também à crítica
da dissociação-valor, mas precisa de ser novamente determinado na perspectiva da
“ruptura ontológica”. Independentemente disso, a questão da dimensão da acção também
é apresentada externamente como “exigência de práxis” categórica. Não é tanto a nova
teoria crítica que está voltada contra a práxis social dominante, mas antes o postulado
indeterminado de uma chamada relação entre teoria e práxis que é “levado para dentro”
desta teoria, totalmente à velha moda e sem reflexão. A pretensão de práxis embebe a
elaboração teórica e ela própria se torna teoria quando da teoria se aproxima,
distorcendo-a e tornando-a quase irreconhecível.
Este postulado volta sempre a ser colocado; ele caracteriza tanto o marxismo tradicional
e seus actuais remanescentes como, de outra forma, as actuais teorias pós-modernas.
Durante muito tempo, a elaboração da teoria crítica da dissociação-valor, por sua vez,
poupou o “problema da práxis” ou o nível da acção; não por falta de sentido de um
“activismo” qualquer, mas por falta de abordagem do tema dentro da própria reflexão
teórica que se cansara na redefinição da sua relação para com a dimensão da acção sob
as condições modificadas. Pois “práxis” não é pura e simplesmente o agir, mas sim, ao
mesmo tempo, também é um conceito teórico a ser reflectido histórica e criticamente.
Para isso é preciso uma determinação teórica que se distancie coerentemente do
entendimento tradicional da “relação entre teoria e práxis” que foi feita sob medida para
os perfis de exigência de acção no invólucro da forma capitalista. Em primeiro lugar seria
necessário evidenciar teoricamente o que isso realmente significa, bem como a ruptura
que pode ser realizada através disso, uma ruptura que realize a quebra com a ontologia
do trabalho, a forma da mercadoria e a relação de dissociação sexual, também
relativamente a esta problemática.
Sob a pressão da pretensão de uma práxis irreflectida que é transmitida com o novo
conteúdo da crítica, todas as questões e confrontações interiores à teoria deixam de ser
apreendidas em seu próprio significado; o “problema da práxis” sobrepõe-se à elaboração
teórica e fixa o horizonte desta, não acontecendo o inverso. Corre-se o risco de não
passar de palavras a afirmação de que a teoria, enquanto teoria, é um momento
imprescindível precisamente em relação a uma transformação histórica prática, que
realmente toque as bases da ordem dominante e não reduza a “ruptura ontológica” a uma
mera frase.
A necessidade de aliviar-se “de qualquer maneira” na prática e de um activismo que não
quer receber e continuar a exercer a teoria enquanto tal, mas que a quer “realizar” de
forma imediatamente prática, e que a apreende em geral a priori num “horizonte de
aplicação” parece ser tão forte como a necessidade de urinar. Assim sendo, deter-se “na”
teoria provoca um mal-estar semelhante a uma bexiga cheia, mesmo quando ainda não
se empreendeu nem se apreendeu muito do ponto de vista teórico. Antes de se entregar à
nova problemática da reflexão, antes de desenvolver um pensamento teórico em geral, já
não é possível segurar-se e já se quer passar a “vias de facto”, o que geralmente acaba
por sujar a roupa. O importante é que seja “prático”. Uma tal incontinência no tocante à
tão invocada relação entre teoria e práxis aponta para um entendimento truncado, e
arraigado no marxismo tradicional, um entendimento que sempre liga a reflexão teórica a
uma “capacidade de acção” ou a uma práxis já pré-estabelecida. A teoria crítica deverá
então ser, por um lado, um “manual de instruções para a acção”, merecendo, nesse
sentido, gozar de estima; mas, por outro lado, como algo inferior e não-autónomo perante
a ominosa “práxis”, ela só deverá ter validade na relação de aplicação.
Para esse entendimento, sempre se torna necessário recorrer ao célebre trecho das
Teses sobre Feuerbach do jovem Marx (11ª tese): “Os filósofos limitaram-se a interpretar
o mundo de formas diversas; agora é preciso transformá-lo” (Marx 1983, escrito no ano de
1845, p. 7). Trata-se agora de saber que importância tem a teoria crítica como teoria
nessa transformação, pois o próprio Marx era antes de tudo um teórico, e suas obras são
tudo menos uma “manual de instruções para a acção” no sentido de qualquer
“possibilidade de realização” directa. A 11ª Tese sobre Feuerbach é frequentemente
colocada num contexto em que corresponderia mais a uma interpretação de filosofia de
vida da famosa sentença do “Fausto I” de Goethe: “Cinzenta, caro amigo, é toda a teoria,
e verde é a árvore dourada da vida” (Goethe 2000, 1ª ed. 1828, p. 57). Claro que é
precisamente Mefistófeles que, com tais palavras, leva ao engano um estudante ingénuo.
Sob essa óptica, tratar-se-ia apenas de um agir capitalista por todos conhecido, mas que
é ambíguo, se tiver de ser empregado como critério precisamente para o telos de uma
“ruptura ontológica”.
Se hoje partimos de um limite interno absoluto do capitalismo, ou patriarcado produtor
de mercadorias, então, pelo contrário, pode dizer-se nas palavras de Hegel que “uma
forma de vida envelheceu” e deixou de ser “verde”. Este último atributo caberia, sim,
precisamente à nova crítica teórica a ser desenvolvida, sem respeito pela práxis
dominante tornada cinzenta. Só na aparência a paixão irreflectida pela “práxis” constitui
um trunfo do marxismo ontológico, tradicional ou com carga pós-moderna, o qual retira da
cartola respostas que se tornaram imprestáveis, legitimando assim um falso activismo.
Quanto mais as contradições sociais se acentuam na nova dimensão da crise, menos
elas podem ser expressas no antigo campo conceptual. Nesta situação de nada adianta,
invocando a premência dos problemas da crise (“Não temos mais tempo”), tornar a buscar
uma sentença do “Fausto I” de Goethe: “Já foram trocadas bastantes palavras, deixem-
me agora, finalmente, ver também actos” (id., p. 8). Aqui, sintomaticamente, o porta-voz é
o director do teatro, e precisamente hoje, após o fim do movimento de modernização, a
pretensão de práxis reduzida e a necessidade de actos da esquerda estão
desembocando, a olhos vistos, apenas na encenação performativa. Precisamente assim é
que já não é possível abordar criticamente a dura realidade de crise no início do século
XXI. As piruetas da pretensão de práxis tradicional já são apenas confrangedoras. Na
situação mundial modificada, torna-se necessário trazer à baila o conceito de práxis até
agora vigente, reapresentar a 11ª Tese sobre Feuerbach à luz da crítica da dissociação-
valor e submeter a sua interpretação a uma crítica da ideologia.
2. Adorno sobre pretensões de práxis reduzida e sobre “pseudo-actividade”
Em muitos aspectos, a teoria crítica de Adorno constitui uma transição do marxismo do
movimento operário para a crítica da dissociação-valor, ainda que o próprio Adorno não
tenha dado o passo decisivo. Isso também vale para a relação entre teoria e práxis no
entendimento comum da esquerda, sendo que se trata sobretudo de esboços e
observações incidentais, em que Adorno se volta contra o costumeiro e incontinente “mal-
estar na teoria”. Na véspera do movimento de 68, em suas prelecções sobre Dialéctica
Negativa de 1965/66, Adorno chamou apreensivamente a atenção para a miopia
destrutiva da exigência categórica do “devir prático” imediato: “É um grande perigo que o
pensamento da práxis, por sua vez, agora se torne uma prisão do pensamento teórico;
que todos os pensamentos possíveis sejam interrompidos com a seguinte chamada de
atenção: Sim, para que serve isso na prática, o que é que posso fazer com isso? Ou até
mesmo: pois, com essas conjecturas estás até a impedir o caminho de alguma possível
práxis. Por exemplo, sempre se voltará a ver que, tratando-se dos terríveis limites de uma
práxis política intervencionista qualquer nas relações de produção e, de modo geral, nas
formas sociais a estas adequadas, – sempre se voltará a ver que, caso assim o
afirmemos, imediatamente nos virá uma resposta acompanhada daquele gestus de ‘sim,
mas...’, que considero um dos maiores perigos em assuntos do intelecto: Sim, mas aonde
é que vamos parar, a pensar assim? Sendo assim nada mais será possível, só nos resta
baixar os braços! E eu diria: O momento que hoje parece residir na aplicação, na
aplicação ininterrupta da Tese sobre Feuerbach é exactamente aquele momento de que a
própria teoria deve ser agrilhoada pelo terminus ad quem” (Adorno 2003, p. 77 s.).
Adorno insiste, portanto, em que não se entenda a 11ª Tese sobre Feuerbach como se a
teoria crítica devesse ser subsumida em pretensões não-declaradas de acção e desse
modo “ficar presa”. Para ele, a dialéctica de uma relação assim truncada consiste em que
a reflexão teórica não se possa expandir e desenvolver, precisamente em seu próprio
âmbito e em sua própria lógica, tão amplamente que se tornasse parte integrante de uma
transformação realmente libertadora do mundo. No pensamento de Adorno, a pretensão
de práxis reduzida na teoria não representa, de modo algum, o “concreto”: pelo contrário,
aqui a própria “práxis” torna-se um elemento abstracto, torna-se a “práxis em geral”, que é
confrontada irreflectidamente com a teoria enquanto tal. Mas, na qualidade de
reivindicação meramente abstracta, ela contradiz o seu próprio conceito, como deixa claro
Adorno na citada prelecção sobre a Dialéctica Negativa: “Mas o que aqui quero dizer,
quando não aplico o conceito de práxis como muitos fazem e como certamente deve ser
um tanto atraente para muitos de vós, é que não gostaria de deixar confundir a práxis com
a pseudo-actividade; e que quero evitar, portanto, que os senhores o façam – não pelo
facto de eu posar como autoridade, mas pelo simples facto de que reflexões que hoje
apresentei penetrem um pouco nas vossas mentes, e que os senhores, a partir de si
mesmos, também as executem um pouco; que os senhores não pensem que é pelo facto
de se fazer “algo” de uma maneira qualquer (por exemplo, como um organizer, como é
chamado esse tipo de indivíduo nos E.U.A., juntando pessoas quaisquer, promovendo
agitações e fazendo coisas desse tipo) que consequentemente se faria algo essencial eo
ipso. Em qualquer actividade é preciso ter presente a relação com a relevância, com o
possível potencial que ela contenha em si. É que nos nossos dias, porque a actividade
decisiva encontra-se impedida e porque, por outro lado, por motivos que já lhes dei a
entender com frequência, está paralisado o próprio pensamento, torna-se muito fácil a
práxis impotente e casual, como uma espécie de substituição do que não acontece. E
quanto mais profundamente se sabe que realmente não é a verdadeira práxis, mais
obstinada e apaixonadamente a consciência se agarra a tal práxis” (Adorno 2003, p. 83
s.).
Naturalmente, não se deve esquecer em que situação histórica Adorno formulou esta
crítica a pretensões de práxis reduzida. Eram os últimos anos do “milagre económico”
fordista após a Segunda Guerra Mundial, um tempo de calmaria político-social na RFA,
sem um movimento social com momentos transcendentes, com o qual a teoria crítica em
geral pudesse estabelecer uma relação. Havia, quando muito, engajamento “político-
partidário” na ala esquerda da social-democracia, no Partido Comunista (KPD) ilegalizado
e em outros grupos marxistas tradicionais, bem como no contexto do trabalho de
formação sindical. A referência que Adorno faz a uma “verdadeira práxis”, ao reivindicar
implicitamente “alguma outra coisa” perante os modelos em fim de linha do movimento
operário e do marxismo de partido, pode ter um momento legítimo nesse contexto; mas
parece assumir aí um discurso utópico, pois é tão pouca a possibilidade de haver uma
“verdadeira” práxis quanto uma “verdadeira” teoria, no sentido de algo definitivo. Uma
elaboração teórica crítica e um agir da crítica prática, entendidos sempre em relação com
a constituição capitalista, são antes de tudo ambos processos, um movimento da
imanência para a transcendência, com saída em aberto. Aí surgem pontos de mudança e
rupturas deles resultantes, mas que também não instituem nenhuma “verdade definitiva”
de teoria e práxis.
Em todo caso, o termo faz todo o sentido de outro modo, como se pode ler a partir da
problemática aludida por Adorno referente aos “terríveis limites de uma práxis
intervencionista”: ou seja, que a práxis só pode ser “verdadeira” enquanto tiver como meta
a transformação do modo de socialização capitalista negativo e destrutivo, ao passo que
toda a práxis que coloca seu telos debaixo desse modo de socialização torna-se
“inverdadeira”, por não se aproximar absolutamente do limiar de uma transformação
realmente emancipatória do mundo. Acaba por permanecer, bem de acordo com o termo
de Adorno, uma “pseudo-actividade”, que possivelmente ainda gostaria de bronzear-se e
estender-se à luz da Tese sobre Feuerbach.
É precisamente a dificuldade de intervenção crítica e transcendente no tocante ao
contexto totalitário da socialização que hoje conduz, mais do que nunca, ao “mal-estar na
teoria”, pois é precisamente este nível que representa o objecto da reflexão crítica na
nova elaboração da teoria crítica da dissociação-valor. Os indivíduos ávidos de “devir
prático” imediato vêem-se colocados pela crítica da dissociação-valor diante de uma
parede negra impenetrável, porque aqui já não pode haver a mera extrapolação de uma
prática pré-estabelecida dentro das formas dominantes. Por isso, a orientação para a
práxis reduzida gostaria de delegar de volta à teoria, de acordo com os padrões
arraigados, essa dificuldade imanente de intervenção para além das categorias
capitalistas até agora ontologizadas; e exigir da teoria uma forma e um modo de
apresentação em que o problema, que é um problema inevitável da própria práxis, fosse
teoricamente eliminado num golpe de magia, de modo que então tudo acontecesse
através de uma “aplicação”, como que “por si mesmo”, de forma pretensamente prática, à
semelhança do famoso homenzinho retratado num anúncio dos cigarros HB nos anos 70.
Nesta questão, continua válida para a actual situação, e particularmente para ela, a
conclusão apresentada por Adorno naquela prelecção: “E por isso gostaria de registar as
minhas reservas contra a pergunta precipitada acerca da práxis; a pergunta do
‘controlador de passaporte’, que agora já não exige de toda práxis a justificativa teórica –
o que certamente também está errado –, mas que, inversamente, já exige o visto a todo e
qualquer pensamento: Sim, o que é que podes fazer com isso? Penso que uma conduta
desse tipo não fomenta a práxis, mas lhe cria obstáculos. E ainda diria que a possibilidade
de uma práxis correcta, por sua vez, pressupõe em primeiro lugar a consciência integral e
completamente não-reduzida do carácter limitado da práxis. Se tomarmos como medida
directa do pensar a sua possível realização, então será agrilhoada a produtividade do
pensar. Provavelmente poderá tornar-se prático apenas aquele pensar que não seja
restringido pela práxis à qual deva ser directamente aplicado. Tão dialéctica, a meu ver, é
a relação entre teoria e práxis” (Adorno 2003, p. 84).
Deve-se observar que Adorno aqui também tira a conclusão inversa, ou seja, refuta não
apenas o “visto” da pretensão imediata de práxis reivindicada para a teoria, mas também
a imposição de se exigir de toda práxis a “justificativa teórica” de maneira igualmente
imediata. Em condições de vida capitalistas, e mais ainda em condições de crise novas
como hoje, constantemente aparecem zonas de atrito que fazem surgir diversas formas
de confrontação (até mesmo destrutivas e carregadas de ideologia negativa), nas quais
são descarregados os confrontos internos e os absurdos estruturais deste tipo de
socialização. Mas a luta por interesses de vida no capitalismo, que enquanto tal não pode
absolutamente ser negada, não é per se transcendente, para além da ontologia do
trabalho, do valor e da dissociação.
Precisamente aqui reside o problema para a crítica da dissociação-valor, pois ela
precisa de redefinir a relação existente com essas “lutas” encontradas, que já não podem
ser prolongadas de forma linear e sem rupturas em nome de uma perspectiva “socialista”
para além do capitalismo, como no contexto do marxismo da ontologia do trabalho e da
dissociação, e da sua “práxis” imanente à forma. Nesse sentido, a questão não é o “mal-
estar na teoria”, mas, pelo contrário, o “mal-estar na práxis”; o mal-estar na submissão do
pensamento crítico a necessidades de acção, sem dúvida existentes e de certa maneira
legítimas, mas que inevitavelmente precisam de retroceder para trás da exigência
historicamente amadurecida de se liquidar a ontologia capitalista. Exactamente por esse
motivo, nos dias de hoje tais “lutas” têm tão pouca força de penetração e são tão
impotentes. Daí resulta que não se pode fazer qualquer censura às necessidades de
acção dadas; elas estão diante do mesmo limite que a teoria. A censura tem de ser
dirigida contra a pretensão de querer torná-las, por sua vez, um limite para a reflexão
teórica, como infelizmente tem acontecido até agora.
3. “Práxis teórica” e interpretação real do capitalismo
Para encontrar uma orientação no tocante ao problema teoria-práxis, uma orientação
que suplante o marxismo tradicional e seus derivados pós-modernos, é necessário
primeiramente esclarecer de novo a dialéctica imanente na relação entre teoria e práxis
dentro da própria sociedade capitalista. Não se pode empreender a ruptura da ontologia
capitalista a partir de um ponto de vista externo; em vez disso, ela precisa de ser
trabalhada, e por que não dizer batalhada, a partir da imanência, mediante a negação. No
capitalismo, a separação entre reflexão teórica e acção prática que, segundo o
entendimento corrente, é criticada na Tese sobre Feuerbach, não é de maneira alguma
uma separação absoluta e externa, mas uma separação que paradoxalmente se alojou
num processo de práxis sobrejacente [übergreifend] do “sujeito automático” (Marx) e da
dissociação sexual a ele associada.
A reprodução capitalista é práxis social abrangente na qual entra a reflexão teórica. Com
isso, elaboração teórica no capitalismo não é nenhum “baixar os braços”, mas um agir,
ainda que seja um agir sui generis que pode ser entendido como “práxis teórica”. Esta
constatação, surpreendente e paradoxal para o senso comum quotidiano capitalista e
também para o de esquerda, já é um tópos na reflexão da crítica social, por exemplo em
teóricos como Adorno e Althusser, que em outros aspectos são tão antagónicos. Aqui o
conceito de “práxis teórica” geralmente confunde-se com as próprias exigências da crítica
social. Para se poder elaborar a diferença distintiva entre crítica e afirmação, é preciso em
primeiro lugar determinar o estatuto da “práxis teórica” em sua imanência capitalista.
Nessa medida, um aspecto essencial é o entendimento de que a própria elaboração
teórica representa um momento ou um campo específico de práxis social no capitalismo.
Isso não deve ser mal interpretado, como se a diferença e a tensão entre teoria e práxis
devessem ser eliminadas com um golpe de magia, numa rábula barata. A “práxis teórica”
confronta-se com a práxis nas relações sociais e no “processo de metabolismo com a
natureza”, mas como um factor diferente e separado da própria práxis social. Poder-se-ia
falar de uma práxis social de primeira ordem (reprodução material e social) e de uma
práxis social de segunda ordem (reprodução da reflexão teórica), ou ainda de uma
relação entre “práxis prática” e “práxis teórica”, separadas estruturalmente entre si.
Também esta formulação pode parecer paradoxal ao senso comum quotidiano capitalista,
mas aponta para o paradoxo real da relação social.
Por isso se põe a questão do motivo dessa separação estrutural, dessa diferença e
dessa tensão. O motivo reside em que a “práxis prática”, a acção social e a acção da
produção, é fundamentalmente pré-formada através da matriz a priori da constituição
fetichista; na Modernidade, através da relação de dissociação-valor, ou seja, mediante o
“sujeito automático” da valorização do valor, por um lado, e a dissociação sexualmente
conotada dos momentos da reprodução que nele não são absorvidos, por outro. Daí
resultam padrões de acção que parecem auto-evidentes e que não se submetem per se a
nenhuma reflexão: os padrões de acção da valorização do valor e da sempre simultânea
acção de dissociação sexualmente conotada, padrões determinantes do quotidiano de
“trabalho e vida”. É uma acção fetichista directa, isto é, as pessoas “agem antes de terem
pensado” (na formulação de Marx no capítulo sobre o fetiche); elas agem em relações já
constituídas e pré-estabelecidas da famosa “segunda natureza”, ainda que esse agir
realmente precise de passar pelas suas consciências.
Portanto, os padrões de acção já são estabelecidos a priori sem nenhum trabalho
intelectual reflexivo e consciente e, por conseguinte, são quase ontologicamente
pressupostos à reflexão. O que significa isso? Em relação a determinadas coisas ou
circunstâncias em separado, o pensar, enquanto “concepção”, planeamento, construção
intelectual etc., “na verdade” precede o agir (ou pelo menos assim deveria ser), como
estabelece Marx no célebre exemplo da diferença entre a abelha e o mestre-de-obras. No
tocante à relação social fetichista da dissociação-valor, todavia, dá-se exactamente o
inverso: relativamente ao seu próprio contexto social e aos seus “processos de
metabolismo com a natureza”, as pessoas não são mestres-de-obras, mas praticamente
“abelhas”. Por meio dessa inversão, fabrica-se uma estrutura na qual já não há unidade
entre “concepção” e “execução” na acção (nem mesmo “experimental”), pois esta última é
pressuposta a priori de acordo com sua forma, tal como no caso das abelhas. Sob essas
condições, a reflexão (teórica) surge forçosamente como esfera subordinada à “práxis
prática” e consequentemente dela separada. Por esse motivo, também se regista que as
pessoas, embora ainda capazes de reflectir, desesperam-se com as consequências
ecologicamente destruidoras das suas próprias acções compulsivas e apenas a posteriori
susceptíveis de ser reflectidas e “trabalhadas”.
Por outro lado, assim o pensar acaba por deixar de ser um acto conceptual “livre”, para
se ligar à pressuposta forma de agir “apiária” da reprodução social e material, de acordo
com a sua própria forma condicionada por essa estrutura. Dessa maneira, obtém-se uma
identidade entre forma de agir e forma de pensar precisamente mediante o “a priori tácito”
da primeira. Isso vale tanto para o pensamento do senso comum quotidiano capitalista
como para o pensamento da reflexão teórica. Na medida em que este último acontece
igualmente na forma de pensar constituída, só então se constrói o conceito moderno de
teoria enquanto “forma teoria”, a qual assim se torna parte integrante da socialização na
forma da mercadoria e, por conseguinte, como afirma Adorno na prelecção citada, uma
“forma de consciência reificada” (id. p. 83). Devido à identidade entre forma de pensar e
forma de agir, surgida através daquela inversão, vem à tona então novamente uma
“unidade” entre teoria e práxis, “por trás das costas” dos agentes pré-formados e, por isso,
por trás das costas dos pensantes pré-formados; trata-se, todavia, de uma unidade
paradoxal e arranjada de modo negativo precisamente pela separação estruturalmente
condicionada.
Essa unidade paradoxal condiciona uma objectivação inconsciente, tanto do agir como
do pensar (subordinado) que, de acordo com sua forma, é semelhante à da abelha,
enquanto a capacidade de reflexão, de concepção ou de “mestre-de-obras” das pessoas
se tornam meros apêndices secundários. Aqui a instância mediadora é a “forma sujeito”,
na qual as pessoas mais uma vez reproduzem na natureza e em si mesmos o “ a priori
tácito” de sua forma de constituição fetichista. Ao mesmo tempo que eles, nessa forma de
sujeitos agentes, transformam as coisas do mundo em meros objectos do movimento da
forma pressuposta, também eles se estão transformando em objecto. Por esse motivo, na
identidade negativa entre forma de pensar e forma de agir está incluída a identidade
negativa entre sujeito e objecto. Não é por acaso que o conceito de sujeito, que nos
parece óbvio, só surgiu no contexto de moderna constituição de fetiche. A forma fetichista
do valor e do seu movimento de valorização, que vai de par com a constituição do sujeito,
não surge enquanto tal, mas permanece, de acordo com Marx, “espectral”; a forma surge
sempre apenas indirectamente nas coisas e relações transformadas em mercadorias,
bem como nas instituições daí derivadas. Resulta daí a ilusão de que este sujeito
constituído de modo fetichista bem que poderia modelar “livremente” as condições do
mundo, quando ele se movimenta em sua matriz a priori e, como ainda se verá, faz uma
digestão ideologicamente afirmativa das contradições daí resultantes (esta é a outra face
do trabalho próprio do sujeito). A evocação frequente “do sujeito” contra a objectivação
negativa, tanto no pensamento burguês como no marxista, sucumbe à (auto-)ilusão
ideológica. A crítica da dissociação-valor continuou seu desenvolvimento coerente contra
isso, rumo à crítica da “forma sujeito”, que representa aquela unidade paradoxal e
negativa entre forma de pensar e forma de agir, entre teoria e práxis da constituição
fetichista.
Porém, essa unidade negativa não pode ser entendida num sentido superficial, como
parte integrante da diferenciação das diversas “esferas” sociais estabelecida pela
moderna relação fetichista, em que o campo da práxis ou da reprodução da teoria surgiria
simplesmente “ao lado de” outros campos, tais como a economia, a política, a cultura, a
privacidade da família etc. A unidade paradoxal negativa entre teoria e praxis,
precisamente na sua separação, consiste também, mais exactamente, no facto de a teoria
conter em si, como seu objecto, toda a práxis de todas as esferas e da totalidade da
reprodução capitalista. Enquanto reflexão separada “sobre” a totalidade social mediada
consigo mesma, bem como sobre as partes e momentos desta, ela é teoria da práxis e,
na verdade, de toda a práxis dominante, inclusive de si mesma (isto é, também como
meta-reflexão afirmativa sobre o carácter da teoria em tais relações, da teoria enquanto
momento separado da práxis social).
Como a “práxis teórica” é subordinada à “práxis prática” enquanto forma de pensar, ela
reproduz em si mesma os modos de acção fetichistamente constituídos de relações
sociais e de produção na forma teórica ou como expressão teórica destes. Na medida em
que a teoria reproduz o contexto categorial da forma do capitalismo em si, ao contrário do
senso comum quotidiano capitalista não-reflexivo e por maioria de razão reificado, isso
também se passa com a relação de dissociação sexual; e também indirectamente, no
aparelho conceptual da própria forma teoria, o qual obnubila as respectivas estruturas de
base reais e “torna-as invisíveis” na sua intervenção, o que simultaneamente também se
repercute na teoria do conhecimento. Na classificação superficial mulher = natureza, a
dissociação é determinada per se como o não-conceptual, ou como um não-assunto, a
que não se pode ou não se “deve” dar nenhum conceito. Neste ponto, a moderna forma
de teoria é uma “forma de consciência reificada” não só no sentido das categorias reais
teoricamente reproduzidas de trabalho, mercadoria, dinheiro e capital ou, por outro lado,
direito, Estado e nação, mas também, ao mesmo tempo, no sentido da relação de
dissociação “co-origináriamente” reproduzida na teoria, a categoria “invisível”.
A moderna forma de teoria constituiu-se como desenvolvimento continuado do
protestantismo e das filosofias dos primórdios da Modernidade dos séculos XVI e XVII,
principalmente no pensamento do chamado Iluminismo dos séculos XVIII e XIX –
paralelamente ao desenvolvimento do capitalismo “sobre suas próprias bases” (Marx),
desde o período manufactureiro e o início da industrialização. Nesta forma, como resulta
do até aqui dito, ela sempre consegue ser apenas a interpretação do contexto social
ontologicamente pressuposto, como é abordado por Marx na Tese sobre Feuerbach.
Mas isso não significa de modo algum que a forma teoria, enquanto “forma de
consciência reificada” interpretativa, não seja per se relevante como práxis. Pelo contrário,
ela tem uma função eminentemente prática, desde logo como legitimação ideal da
constituição capitalista via ontologização. Mas a afirmação da matriz a priori fetichista
como “necessidade natural”, “razão” ontológica ou “essência humana” não aparece aí
simplesmente como argumentação externa justificadora, que também pudesse ser
diferente, mas já está contida a priori na forma de pensar, no modo de pensar e nos
próprios conceitos. Como legitimação a priori, ela já entra sempre no agir prático da
“forma sujeito” capitalistamente constituída. Assim o capitalismo pode ser entendido
inclusive como interpretação real do ser-aí [Dasein], em que a teoria interpretativa entra
como parte integrante e expressão reflexiva.
Aqui não se trata apenas da legitimação a priori do contexto da forma capitalista, como o
único imaginável para toda a eternidade, que praticamente sempre já deve ter existido
(ainda que de maneira incompleta no passado) e que deve representar o ser humano em
geral; mais que isso, a forma da teoria torna-se ao mesmo tempo a “fornecedora” de
ideias para a práxis capitalista de uma interpretação real permanente não apenas do
mundo em geral, mas também do próprio capitalismo em seu desenvolvimento
progressivo. Por via da sua constituição, as ciências naturais e as ciências sociais
fornecem padrões de interpretação para a modelagem prática das relações dominantes
no “processo de metabolismo” com a natureza, assim como nas relações sociais, com
base na matriz a priori teoricamente reproduzida; eles são sempre, simultaneamente, um
padrão de legitimação fundamental e um padrão de interpretação em permanente
desenvolvimento, para a “práxis prática” da interpretação real do capitalismo.
Aqui houve um deslocamento de prioridades no processo histórico: se no início a
reprodução teórica legitimatória da ontologia capitalista ocupava o centro, como sua
“auto-certificação” (frequentemente mal compreendida quase como auto-reflexão crítica,
por exemplo em Kant), com o desenvolvimento progressivo do capitalismo sobre as suas
próprias bases, a produção teórica de padrões de interpretação para a “acção” prática
passou a ocupar a posição principal (não raro mal compreendida como superficialidade
meramente positivista, quando o positivismo na verdade representa a consequência
interna plenamente coerente da auto-certificação ontológica originária). Nessa evolução, o
momento legitimatório da forma de pensar não se perdeu, mas apenas se adaptou, na
produção fornecedora de padrões de interpretação.
4. Tratamento da contradição e “práxis ideológica”
A unidade negativa assim arranjada entre teoria (interpretativa) e reprodução material e
social do capitalismo, como relação entre “práxis teórica” e “práxis prática”, não se refere,
porém, simples e unidimensionalmente às objectivações de pensar e agir pré-
estabelecidas pela relação fetichista. Esta pré-formação precisa de passar pela
consciência e não só, e por isso não se realiza de modo algum como os automatismos
físicos ou biológicos. Pelo contrário, a reprodução capitalista pré-formada pela matriz a
priori também é uma “contradição em processo” (Marx); uma “contradição em si” não
apenas conforme sua própria dinâmica progressiva, que constantemente volta a tornar
obsoleta a “velha forma” do capitalismo, mas ao mesmo tempo uma autocontradição
elementar, da qual resultam as crises periódicas e, por fim, o “limite interno” absoluto
(Marx). Por esse motivo, “práxis teórica” e “práxis prática” sempre já estão igualmente
imbricadas na autocontradição capitalista em constante processo. Esta última tem de ser
reflectida como interpretação teórica e manuseada como interpretação prática.
Assim existe, por um lado, uma “coacção muda” (Marx) em relação ao agir determinado
pela forma da valorização do valor ou ao agir da dissociação. Por outro lado, nesse agir
interferem numa escala cada vez mais elevada os dilemas da autocontradição capitalista.
Uma vez que os padrões de acção objectivados não são, de modo algum, realizados
“automaticamente” como no caso das abelhas, na consciência dos indivíduos agentes
também entram as contradições internas e as zonas de atrito a elas ligadas e decorrentes
da reprodução fetichista, as quais os desmentem permanentemente como “mestres-de-
obras”, tornando-os quase abelhas, embora não as sejam. O agir prático assim
constituído adquire, com isso, uma estrutura de certo modo aporética, ao submeter-se a
uma tensão permanente entre, por um lado, a objectivação apiária (“segunda natureza”)
e, por outro, a consciência ou as experiências (negativas) nela contidas. Em primeiro
lugar, isto significa apenas que o agir pré-formado pela matriz a priori nunca é a mera
realização de uma mecânica interna do “sujeito automático” e dos momentos dele
dissociados, mas sempre também o “tratamento” das contradições internas a ele
associadas. A reprodução capitalista não consiste apenas, linear e mecanicamente, num
agir de valorização e num agir de dissociação, mas ao mesmo tempo, inevitavelmente,
num constante tratamento da contradição [Widerspruchsbearbeitung].
As exigências deste tratamento da contradição acompanham todo o processo de
reprodução da “práxis prática”. Daí faz parte, por um lado, a administração de pessoas
nos âmbitos da gestão empresarial e da administração pública, que hoje, após a extinção
da capacidade de desenvolvimento capitalista interno, está se tornando uma
administração de crise permanente e em processo de agravamento. Por outro lado,
também as formas de “contrapráxis” imanente, a saber, as formas das lutas de interesses
em torno de necessidades vitais que sempre voltam a ser questionadas capitalistamente,
as quais desde logo nada mais são que uma componente imanente desse tratamento da
contradição. Na medida em que greves, movimentos sociais, protestos e lutas pela
manutenção de gratificações sociais ou contra a interrupção de possibilidades de
reprodução (fábricas, hospitais), projectos alternativos de todos os tipos, acções de
resistência contra a administração de crise etc. precisam de fazer parte do campo de
imanência capitalista (pois de outro modo nem poderiam existir), faz-se prevalecer as
necessidades vitais forçosamente nas formas capitalistas (na forma da mercadoria e do
dinheiro, assim como também na relação de dissociação sexual).
Seguindo essa linha de pensamento, temos aí uma “expressão” da contradição e
lidamos com um conflito permanente em torno da interpretação real do próprio
capitalismo. Não é apenas entre os detentores de cargos e funções capitalistas, na
política e na economia (por exemplo, keynesianos e neoliberais), que se desenvolve esse
conflito; ele também se dá como conflito interno entre a administração capitalista de
pessoas ou de crises, por um lado, e a “contrapráxis” imanente em diversos campos da
reprodução, por outro, sendo que as contradições capitalistas são postas em acção como
interpretação real. Com isso, as formas de “contrapráxis” imanente que sempre voltam a
surgir no tratamento da contradição são, pese embora a sua oposição externa à
administração de pessoas e à administração de crise, componente integrante da própria
reprodução capitalista e permanecem, desde a origem, forçosamente particulares; só são
críticas no tocante a fenómenos isolados do capitalismo e referem-se de forma “natural e
espontânea” (como costumava afirmar Marx) às formas sociais pré-estabelecidas. Isso,
em si, não é de modo algum emancipatório, no sentido de rebentar a ontologia capitalista.
Pelo contrário: nesse caso, o capitalismo deve mesmo ser interpretado de outra maneira,
de acordo com os encargos dos interesses vitais que sempre já se manifestam na forma
capitalista, esbarrando assim no limite dessa matriz a priori que enquanto tal não se
submete a qualquer reflexão. Por esse motivo, é precisamente através da práxis que o
mundo simplesmente é “interpretado de outra maneira” em sua constituição dominante, e
é exactamente isso que se repete na reflexão dos “filósofos” (teóricos), enquanto não se
reconhecer e não se romper a identidade negativa entre forma do pensamento e forma da
acção.
Na verdade, na medida em que a “práxis teórica” reproduz em si a totalidade da práxis
social, como sua expressão teórica interpretativa (e, neste sentido, como “forma de
consciência reificada”), ela também precisa de exprimir ou reproduzir teoricamente o
permanente tratamento da contradição, nas formas da administração de pessoas e da
“contrapráxis” imanente. Portanto, em seu âmbito específico, ela é uma parte constitutiva
do debate em torno da interpretação real do capitalismo, enquadra-se nos campos de
conflitos e fornece os respectivos padrões de interpretação opostos para o tratamento da
contradição, de que se torna um momento particular. Nessa medida, contudo, a “práxis
teórica” esbarra nos limites da matriz a priori da mesma maneira que a “práxis prática”,
mesmo no próprio pensar reflexivo.
Com isso se levanta o problema da ideologização. Pode-se entender ideologia
fundamentalmente como forma reflexiva de tratamento afirmativo da contradição na luta
pela interpretação real do capitalismo; de certo modo, como pretensão paradoxal de
“mestre-de-obras”, mas no estatuto não-suplantado e não questionado de “abelha”, em
que é mantida cegamente a inversão na relação entre o agir pré-formado e o pensar
(subordinado e, por isso, separado estruturalmente) que por sua vez é pré-formado pelo
primeiro. Talvez se pudesse dizer que a ideologia é composta de conteúdos de
pensamento reflexivos afirmativos “na” forma de pensar pré-estabelecida. Tais conteúdos
só são “conceptuais” enquanto reacções destrutivas à contradição vivenciada, mas não
relativamente à relação social subjacente. Esta reflexão afirmativa é formada a partir do
tratamento da contradição nos diferentes campos da práxis social, inclusive na teórica.
Precisamente porque, ao contrário do caso das abelhas autênticas, não são automáticas,
essas realizações também sempre contêm momentos de reflexão, “imagens do mundo”,
modos de imaginação, padrões de explicação etc. As pessoas precisam sempre de
encontrar explicações para aquilo que fazem socialmente.
Presa nos limites da matriz a priori fetichista e brotando natural e espontaneamente, a
tendência do pensar consiste na afirmação reflexiva como componente da vontade de
automanutenção nessas relações; consiste, pois, no esforço de encontrar tais explicações
para as relações (a “relação com o mundo” capitalista) ou de interpretar o capitalismo de
tal modo que o próprio indivíduo possa consistir nisso. Daqui decorre que a matriz a priori
é quase naturalizada, como é o caso de “ganhar dinheiro”, acontecendo o mesmo com as
atribuições à “feminilidade” [Zuschreibungen an „Weiblichkeit“]. Ademais, o tratamento da
contradição é ideologizado em processos de exclusão e inclusão no decurso da
concorrência universal, por exemplo em padrões de interpretação racistas e anti-semitas
que entram na luta pela interpretação real. Aqui se incluem também interpretações
culturais, atribuições aos estranhos e auto-atribuições, por exemplo no ideologema da
“pobreza alegre” ou em padrões dicotómicos da relação hegemónica (“Nós, as pessoas
humildes”, “vocês, os que estão por cima; nós, os que estamos por baixo”), em
subjectivações pejorativas (“os políticos são uns porcos”, “incapazes engravatados”) etc.
Não em último lugar, no tratamento da contradição, esses padrões ideológicos de
interpretação referem-se a uma leitura dicotómica do núcleo económico e de sua
autocontraditoriedade prisioneira da crise que se agrava, sobretudo na confrontação entre
“bom” capital produtivo (por gerar empregos) e “mau” capital financeiro especulador (por
ser supostamente associado a “rendimentos sem trabalho”); no regime nazi surgia como
dicotomia do capital “criador” (alemão-ariano) e do capital “rapinante” (judeu).
Trata-se, por um lado, de “ideologias do quotidiano” ou de “religiões do quotidiano” (que
não devem ser confundidas com a religião como relação fetichista e de reprodução pré-
moderna), de “criações de significado”, privadas ou colectivas, dos mais diferentes tipos.
Por outro lado, após 200 anos de desenvolvimento do capitalismo sobre as suas próprias
bases, as reflexões afirmativas da “práxis teórica”, principalmente as do pensamento
iluminista e de seus derivados contra-iluministas, mergulharam no bom senso quotidiano
da “normalidade”, por exemplo, a ideologia (da circulação) da “liberdade e igualdade”
(democracia), a ideologia da “nacionalidade” e do Estado nacional como padrão de
interpretação e quadro de referência, a “política” como forma de acção social do
permanente tratamento da contradição, a ideologização da relação fetichista universal
como “bem comum”, assim como hipóteses ontológicas e antropológicas fundamentais (“o
ser humano” como sujeito de interesses abstractos) etc.
Pode-se concluir que o tratamento da contradição no nível da “práxis prática” em suas
múltiplas esferas e mediações nunca é originário, directo e, por assim dizer,
reflexivamente inocente, mas em vez disso sempre prenhe de ideologia e embebido de
“teoria”, ainda que a consciência quotidiana não se dê conta disso. Na interpretação (real)
permanente e “sofrida” do capitalismo, “práxis teórica” e “práxis prática” são igualmente
práxis ideológica e unidas precisamente por isso. Esta “práxis ideológica” representa a
verdadeira relação mediadora da unidade negativa entre teoria e práxis; constitui um
componente fulcral da reprodução capitalista, uma vez que entra no agir material e social
constituído fetichistamente da valorização do valor e da dissociação. Somente a partir daí
é que se desenvolve toda a práxis reprodutiva, como interpretação real do capitalismo em
formas de percurso concretas, cuja forma mais terrível foi, até ao momento, o nazismo;
não como acidente de trabalho da história ou como “falsa superação” do capitalismo, mas
como sua interpretação real historicamente específica, a partir de uma determinada forma
de percurso (de maneira alguma determinada “objectivamente”) do tratamento da
contradição. A digestão ideológica da contradição não faz das pessoas “mestres-de-
obras”, mas sim, na pior das hipóteses, “abelhas assassinas”.
5. Capitalismo como transformação do mundo: crítica afirmativa e crítica
categorial
Após esta passagem sob a perspectiva da crítica da dissociação-valor, o problema da
Tese sobre Feuerbach apresenta-se muito mais complexo do que sói acontecer no
entendimento comum do organizer de esquerda. Mais complexo mesmo do que na
formulação de Marx de 1845, que ainda está longe de analisar criticamente a reprodução
capitalista e de tematizar as relações fetichistas como matriz a priori. Perante Feuerbach,
faz-se valer em primeiro lugar um programa que consiste em analisar genericamente o
“processo da vida real” historicamente específico no capitalismo e tomá-lo como ponto de
partida, em vez de partir da “pessoa abstracta” historicamente indeterminada. A
“transformação do mundo” deverá então resultar da revolução real desse modo de
produção e de vida capitalista histórico real, e não de uma mera “mudança no pensar” ou
de uma outra conduta da “pessoa abstracta” em relação ao mundo (como acontecia com
os jovens hegelianos). Isso nada tem a ver com uma relação entre teoria e práxis
transformada de forma “activista”, mas sim com um entendimento radicalmente
transformado da própria reflexão teórica.
Marx certamente não formulou a sua Tese sobre Feuerbach no sentido de um incipiente
“conceito de aplicação” da teoria. Pelo contrário, entendia a própria teoria precisamente
como oposição ao carácter meramente interpretativo de toda a teoria burguesa, isto é,
como crítica teórica. Não obstante, crítica é, nesse sentido, algo diferente de
interpretação. Em Marx, por um lado ela refere-se à economia política dominante, como
expressão teórica da práxis da vida capitalista historicamente específica, ou seja,
precisamente como crítica desta; e, por outro lado e em ligação com isto, refere-se ao
carácter interpretativo dessa elaboração teórica burguesa, como mera reprodução das
categorias ontologizadas, as quais, precisamente por esse motivo, já não podem surgir
como categorias históricas e consequentemente finitas.
Portanto, o critério distintivo reside em primeiro lugar no campo da própria teoria; e não
se trata de modo algum da diferença entre teoria e práxis em sentido comum, como
oposição externa entre reflexão teórica e acção directamente intervencionista, mas da
diferença entre teoria interpretativa-afirmativa e teoria crítica. Aí está contido o telos da
intervenção material. Porém, a questão é como se pode definir essa intervenção e onde
ela quer chegar. Enquanto a interpretação, como forma de pensar, pressupõe de modo
essencialmente positivo o seu objecto como tal, considerando possíveis apenas aquelas
transformações acidentais “adjuntas a” ele, a crítica, entendida como oposição à mera
interpretação, põe em xeque o seu objecto como tal e contém, por conseguinte, a
negação essencial deste, e também consequentemente a negação da forma pré-
estabelecida de acção e de pensamento. Todavia, entendida nesse sentido, a teoria
crítica ou crítica teórica (crítica em forma teórica) precisa de ser desenvolvida em seu
próprio campo, de forma tão radical que possa em geral ir além de si mesma, ingressando
numa revolução radical das relações reais a serem negadas essencialmente (não apenas
de modo interpretativo-acidental). Só que isso é algo totalmente diferente da
subordinação da teoria crítica a uma pretensão de acção externa enquanto tal, uma
pretensão não identificada no conteúdo da teoria.
Todavia, é mister que se trabalhe uma insuficiência na própria Tese sobre Feuerbach,
que tornou possíveis os mal-entendidos vulgarmente conhecidos. O ponto de partida é a
relação entre interpretação (teórica), por um lado, e práxis ou “transformação do mundo”,
por outro. Como se viu, a reprodução do capitalismo também é sempre tratamento da
contradição e interpretação real progressiva do mundo como si-mesmo – com isso,
contudo, também é uma transformação do mundo ela própria permanente, e
nomeadamente bem interpretativa. Ou seja: as formas categoriais do capitalismo e a
relação de dissociação são pressupostas ontologicamente, e a transformação do mundo
dá-se como interpretação real em processo de desenvolvimento histórico “junto a” esse e
“dentro” desse contexto da forma. Ademais, ao fornecer os padrões ideais de legitimação
e interpretação para isso, a própria “práxis teórica” entra nessa transformação capitalista
do mundo. A oposição comum e pouco profunda entre as sentenças “os filósofos
simplesmente interpretaram o mundo de maneira diferente” e “importa transformá-lo”
passa completamente ao lado da crítica do capitalismo, porque não está incluído o
carácter da transformação do mundo como interpretação real capitalista enquanto práxis
em si, e porque uma “práxis” por excelência indeterminada já se supõe dever contrariar a
mera “interpretação”.
Não obstante, se o contrário de “interpretação” não for “práxis” em si e de forma
genérica (“fazer algo”), mas sim crítica, ou mais precisamente crítica essencial, então a
problemática da Tese sobre Feuerbach reside no próprio conceito de crítica. Trata-se da
especificação exacta daquilo a que realmente se refere seu teor negatório. Mas com isso
o próprio conceito de crítica torna-se ambíguo, da mesma forma que os conceitos de
“interpretação” e de “transformação do mundo”. Na verdade, no carácter de interpretação
real da transformação capitalista do mundo também está incluída uma “crítica
interpretativa”. O conceito moderno de crítica deve seu surgimento originariamente à
própria história da imposição e da modernização capitalistas.
Afinal de contas, capitalismo é, de certo modo, “crítica” e, mais precisamente, crítica em
triplo sentido. Por um lado, ele transporta a crítica das relações pré-modernas, a partir das
quais ele se desenvolveu e as quais ele denuncia como “irracionais” (ou pertencentes a
um nível inferior da metafísica da “razão”). Em alguns aspectos, isso já se inicia com o
protestantismo. Por outro lado, nessa nova “relação com o mundo”, o pensamento
afirmativo sempre acaba por se transformar novamente em crítica, em oposição a
determinadas fases da própria história da imposição capitalista tornadas obsoletas; por
exemplo, na crítica do Iluminismo e das revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX ao
regime absolutista, mas cujos aparelhos, como observou Tocqueville, foram adoptados
com modificações e desenvolvidos posteriormente. Por fim, hoje pertence ao carácter de
crise do capitalismo, que se encontra totalmente desenvolvido como sistema planetário e
que esbarra em seus próprios limites internos, o surgimento de uma crítica dos sistemas
de segurança social e das condições de enquadramento expandidas historicamente no
próprio capitalismo (Estado social, infra-estruturas públicas etc.), e de uma
“desasseguração” na nova situação de crise defendida pelo neoliberalismo transpartidário
em nome da “liberdade” e da “autonomia do indivíduo”.
Em seu carácter legitimatório e interpretativo, afirmação e crítica são idênticas, na
medida em que a crítica vise precisamente a manutenção e prolongamento do processo
sistémico capitalista a qualquer preço. Nesse sentido, na Modernidade a teoria surgiu e
continua a existir, mesmo entre a esquerda, mediante seu carácter interpretativo,
enquanto “crítica afirmativa”. Afinal de contas, ela é reproduzida enquanto tal no
entendimento truncado da Tese sobre Feuerbach, ou seja, ainda numa crítica do
capitalismo que permanece modal, pressupondo ela própria ontologicamente as
categorias capitalistas fundamentais. Em contrapartida, o teor metacrítico (implícito) da
Tese sobre Feuerbach teria de ser radicalmente demarcado, precisamente do modus da
crítica interpretativa do capitalismo. Fazendo-se tal leitura, a exigência contida na Tese
sobre Feuerbach não significa uma mudança para o “devir prático” directo; significa, sim,
uma viragem na própria crítica que agora, enquanto crítica da transformação capitalista
do mundo, é revertida contra a sua determinação de interpretação afirmativa do
capitalismo, de certo modo como exigência de uma transformação do mundo constituído
fetichistamente, enquanto ruptura com a transformação do mundo como interpretação real
que é dominante.
Tal crítica é muito diferente da crítica imanentemente afirmativa, a saber, é uma crítica
categorial, uma crítica das próprias categorias capitalistas ontologizadas, sem esquecer a
relação de dissociação sexual tornada “invisível”, uma crítica que sempre precisa de ser
também crítica da ideologia. A crítica da ideologia em geral só pode vir a ser coerente
como crítica categorial. Nessa medida, pode-se falar de uma “crítica de segunda ordem”,
tal como ela está de facto contida na Tese sobre Feuerbach, se esta for lida à luz da
crítica do fetichismo na obra posterior de Marx. Somente a partir daí tal “crítica de
segunda ordem” abandona o quadro interpretativo e se torna a negação das
determinações capitalistas essenciais, ao afastar-se conscientemente da “crítica
afirmativa” e ao chegar à crítica categorial em forma teórica (para o que ela carece
primeiramente de um conceito dessa distinção). Somente à luz dessa outra crítica
também resulta a tarefa de uma transformação da “contrapráxis” imanente numa “práxis
de segunda ordem”, já não de interpretação real, mas que rompe a acção objectivada da
ontologia capitalista, tornando as pessoas, pela primeira vez, “mestres-de-obras” das suas
próprias relações.
Ora, é óbvio que a crítica marxiana da economia política, enquanto crítica categorial da
constituição fetichista moderna e, por conseguinte, enquanto crítica da ideologia na
expressão teórica da sua reprodução na economia política, aborda exactamente esse
“segundo nível” da crítica. Em Marx, como homem do século XIX, falta, porém, a crítica da
relação de dissociação sexual e não só. Ao mesmo tempo, ele é um “teórico da
modernização”, quando explica o capitalismo tanto como formação histórica “necessária”
e “progressista”, na metafísica da história hegeliana virada materialista, quanto como
“modelo de desenvolvimento” ainda não esgotado das forças produtivas no seu tempo.
Ora, na medida em que ele, enquanto “duplo Marx”, é simultaneamente crítico do
fetichismo e teórico da modernização e do desenvolvimento, vê-se também compelido a
alternar entre um entendimento de crítica categorial e um entendimento de crítica
imanentemente afirmativa, bem como entre um entendimento de práxis transcendente
para além da relação fetichista e um entendimento de práxis de tratamento da contradição
imanente (interpretação real). Trata-se de um problema que se arrasta ao longo de toda a
teoria marxiana. O marxismo tradicional ou do movimento operário transformou essa
contradição unilateralmente em crítica imanentemente afirmativa e em tratamento
praticamente imanente da contradição, ou interpretação real do capitalismo, enquanto a
crítica do fetichismo “dificilmente compreensível” passou para segundo plano. E foi
precisamente essa solução unilateral que acarretou aquele mal-entendido da Tese sobre
Feuerbach, um mal-entendido que, nessa medida, já se evidencia no próprio Marx.
Disso resulta, de forma insuportável para o entendimento identitário do marxismo, mas
também inevitavelmente, que a “luta de classes”, enquanto suposto eixo e pivot da crítica
do capitalismo, nada mais era que a “práxis histórica” do tratamento da contradição
imanente no horizonte da crítica afirmativa, ou seja, uma crítica associada às
determinações da forma da moderna constituição fetichista, uma crítica que se movia em
tal invólucro que, malgrado todos os “momentos de excesso” frequentemente
confirmados, de acordo com seu telos imanente e consequentemente com seu conceito,
tinha de excluir a “ruptura ontológica”. A ligação identitária da teoria crítica à “luta de
classes”, em sua qualidade de práxis processual de alcance limitado, só podia conduzir à
reprodução teórica das categorias capitalistas na “luta” pela interpretação real do próprio
capitalismo; a teoria associada a essa “luta de classes”, que exprimia essa luta,
permaneceu para essa práxis imanente como a respectiva teoria da modernização e do
desenvolvimento.
Em contrapartida, agora a crítica do valor surgida na crise mundial da 3ª Revolução
Industrial, que se desenvolveu como crítica da dissociação-valor, coloca novamente na
ordem do dia o nível crítico da constituição fetichista da sociedade, que ficara obnubilado
ou escondido e mutilado no marxismo do movimento operário, e desfaz a contradição na
teoria marxiana exactamente ao contrário. No “limite interno” histórico do próprio modo de
produção e de vida capitalista torna-se inevitável a tarefa da crítica categorial do próprio
contexto da forma, a qual, na história da imposição e desenvolvimento do patriarcado
produtor de mercadorias, sempre podia ser adiada e revertida, em favor do tratamento da
contradição imanente e da sua interpretação, no contexto da transformação capitalista do
mundo. Na mesma medida em que a capacidade de acumulação capitalista começa a
extinguir-se, extingue-se também essa possibilidade.
Exactamente por essa razão, os fenómenos de crise social e as contradições sociais
não podem mais ser expressos na categoria “luta de classes”. Não se regista um regresso
desta determinação da práxis após o final do período de prosperidade fordista; pelo
contrário, ela está historicamente obsoleta, já que a própria matriz da relação fetichista
moderna que a condiciona também está obsoleta. Com isso não desapareceu o
tratamento da contradição imanente, nem o debate em torno da interpretação real do
capitalismo em geral; mas deixou de existir, sem encontrar substitutos, o momento de um
processo continuado de modernização que impregnava a “luta de classes”, como também
a sua imposição em nome de uma perspectiva que implicava um “socialismo”
categorialmente imanente, como auto-engano no tratamento da contradição, na
interpretação real e na respectiva “contrapráxis”.
Uma vez que agora, apesar da matriz a priori pré-formadora do pensamento teórico e da
práxis da produção social, os dois modos de acção precisam de passar permanentemente
pela consciência e já não se realizam de modo automático, em princípio pode contar-se
com a possibilidade de, no tratamento da contradição, examinar e expor à crítica os
próprios padrões de acção obnubilados e constituídos na génese da forma, em cujos
limites esbarram tanto a acção do pensamento como a acção da práxis. No limite interno
de toda a própria práxis social dominante, essa possibilidade torna-se uma necessidade;
não no sentido de um determinismo lógico ou histórico, mas no sentido da sobrevivência
do ser humano e da natureza terrestre. Resta saber se a consciência reconhece que os
próprios limites sociais a que está submetida fazem parte de uma conexão que, por sua
vez, esbarra num limite absoluto. A consciência encerra essa possibilidade, cuja
realidade, porém, não é determinada e, por esse motivo, não é derivável. Pois o romper
da matriz fetichista seria, na verdade, o fim do “carácter apiário” da reprodução social; por
isso, ele está cheio de medo e não surge por si só, não brota naturalmente do “mal-estar
no capitalismo”. Tudo o que “brota naturalmente” em coisas sociais é uma digestão do
mal-estar própria da “segunda natureza” fetichista e per se ideológica. A crítica categorial
é inimiga de tudo o “que brota naturalmente”.
6. Teoria da estrutura e teoria da acção
Para nos aproximarmos mais do conceito de crítica categorial, é preciso primeiro
examinar com mais detalhe como o problema da constituição fetichista surge
indirectamente na “práxis teórica”. Ele apresenta-se fundamentalmente como a oposição
clássica entre teoria da estrutura e teoria da acção, uma oposição que se estende ao
longo de todo o processo de elaboração teórica a partir do Iluminismo e que ainda brilha
também em Marx e na conceptualidade da “luta de classes” no sentido mencionado. Em
sentido muito lato, entendo esses dois conceitos de teoria como os padrões principiais da
reflexão na forma de teoria burguesa, que se podem exprimir em configurações
completamente distintas. Na oposição entre estes dois padrões de teoria surgem as
contradições polares insolúveis da moderna constituição fetichista: a contradição e a
simultânea identidade negativa entre “liberdade da vontade” e determinação, ou entre
sujeito e objecto, ou ainda entre “práxis teórica” e “práxis prática”, e a mediação dessas
identidades polares.
As abordagens da teoria da estrutura tomam aqui afirmativamente como ponto de
partida o carácter objectivado da matriz a priori ou da “segunda natureza”, explicando a
acção como derivada e determinada, enquanto os padrões da teoria da acção tomam
como ponto de partida, inversamente, o carácter subjectivo da acção, entendendo as
estruturas sociais como mera expressão dessa acção ou como “acção coagulada”. Ambas
as abordagens estão correctas, mas com base numa incorrecção que lhes é comum, ou
seja, a obnubilação da constituição fetichista e do contexto da sua forma. Poder-se-ia
também dizer que se trata, em ambos os casos, de abstrair da formação historicamente
específica “na” qual se pensa e se age, a fim de tomar como ponto de partida, a-
historicamente, por um lado, a “estrutura” ou “objectividade” em si mesma e, por outro
lado, a “acção” ou “subjectividade” em si mesma. Na verdade, as categorias de sujeito e
objecto pertencem estritamente, como se viu, precisamente ao moderno patriarcado
produtor de mercadorias; nestes conceitos reflecte-se o paradoxo da constituição
fetichista, segundo a qual todas as acções têm de passar pela consciência e
consequentemente também pelas determinações da vontade. Mas essa vontade e, por
conseguinte, também o agir, encontram-se simultaneamente numa forma a priori, sempre
já encontrada. Essa forma ou matriz a priori, por seu lado, volta de facto a surgir através
da acção humana, mas os seus resultados autonomizaram-se inconscientemente numa
impenetrável estrutura autónoma frente aos agentes.
A oposição entre teoria da estrutura e teoria da acção permanece insolúvel no carácter
interpretativo da elaboração teórica, ou seja, na identidade da forma a priori de agir e
pensar, pois o nível da crítica na própria constituição da forma, que só então gerará a
contradição interna, não pode ser alcançado na forma da teoria enquanto “forma de
consciência reificada”. Segundo a maneira como essa contradição central seja elaborada
teoricamente do ponto de vista interpretativo, desenvolvem-se a partir daí diversos
ideologemas que, por sua vez, se repercutem sobre a “práxis prática” e co-determinam a
forma real do percurso da contradição real em processo. A “práxis prática” é em si mesma
prenhe de ideologia, e sê-lo-á tanto mais quanto mais forte se revelar o efeito da “práxis
teórica” sobre ela, como elaboração teórica da ideologia ou elaboração ideológica da
teoria, no sentido da teoria da estrutura ou da teoria da acção.
Como “ciência interpretativa”, a teoria social burguesa é per se ideológica, porque ela
per se só pode ser afirmação científica teórica ou crítica afirmativa, como reprodução
teórica da ontologia capitalista pressuposta e do tratamento da contradição desta. É
verdade que Marx fez uma distinção entre ideologia e “cientificidade” (entendida como
reflexão “imparcial” que ele traslada para os primórdios da constituição da teoria
moderna). No entanto, também essa diferenciação pertence ao “duplo Marx”, deve-se aos
restos da própria parcialidade de Marx no pensamento iluminista. Não é o Marx crítico do
fetichismo que faz essa distinção, mas o Marx teórico da modernização, que queria
entender como “progresso” o capitalismo ainda não desenvolvido até à maturidade de
crise, consoante a metafísica da história herdada de Hegel. O que Marx ainda não reflecte
nesta distinção é o carácter fundamentalmente ideológico de toda a reflexão
interpretativa, que surge na insolúvel oposição imanente entre teoria da estrutura e teoria
da acção. No fim de contas, também as ciências naturais estão sujeitas a esse carácter,
por se integrarem na constituição social fetichista e se revelarem, por isso, tão pouco
“imparciais” como a teoria social.
É precisamente o modelo das ciências naturais que entrou de certo modo na reflexão da
teoria da estrutura. Por analogia com a natureza, a sociedade e a história devem ser
determinadas, no moderno entendimento de “leis naturais”, como processo que está
sujeito a “leis” objectivas que podem ser “empregadas”, mas não negadas nem
suplantadas. A acção humana é degradada à “execução” de “leis” inescapáveis. Reflecte-
se aí a “jaula de ferro” (Max Weber) da matriz fetichista, a priori, pré-formadora da acção.
A teoria da estrutura em sentido mais lato, dinamizada como teoria do desenvolvimento,
vai desde a metafísica da história iluminista sistematizada por Hegel até ao estruturalismo
e à teoria dos sistemas. Ela implica sempre uma “explicação” da sociedade e da história
segundo padrões (físicos ou biológicos) das ciências naturais.
Por outro lado, a reflexão da teoria da acção faz valer a independência da consciência
humana e a “dimensão da vontade” subjectiva (intencionalidade). As pessoas fazem, elas
mesmas, suas relações, por isso estas deverão ser transformáveis numa conexão de
acções de vontade ou de “intenções”. Desde Giambattista Vico que se proclama a
compreensibilidade e disponibilidade do carácter “autopoiético” da sociedade e da
história, em oposição à natureza externa não-antrópica. A teoria da acção no seu sentido
mais lato vai desde o próprio Iluminismo, quando ainda não era diferenciada da reflexão
da teoria da estrutura, passando pelo período romântico, pela filosofia da vida, pela
fenomenologia de Husserl, pelo pragmatismo e por abordagens sociológicas afins
(interaccionismo simbólico etc.), até ao existencialismo e seus derivados pós-modernos.
Ela implica sempre um “compreender” a sociedade e a história num sentido subjectivo de
intencionalidade, diferentemente daquele “explicar” caracterizado por uma determinação
quase de ciências naturais, a partir de legalidades [Gesetzmäßigkeiten] sobrejacentes.
Por essa razão, a reflexão da teoria da acção surge sempre como hermenêutica social e
histórica, que no historismo alemão (Dilthey, entre outros), no contexto da alvorejante
Ideologia Alemã, foi delimitada da metafísica da legalidade hegeliana, e deveria marcar a
oposição entre teoria das ciências naturais, por um lado, e teoria social e histórica, por
outro (“duas culturas”).
Como não pode deixar de ser numa elaboração teórica afirmativa e interpretativa, que
tem sempre o contexto da forma capitalista e da dissociação como pressuposto
ontológico, tanto a teoria da estrutura como a teoria da acção permanecem coladas, de
forma igualmente unilateralizante, às contradições da constituição fetichista. Ou bem o
nível da acção é eliminado em sua autonomia, e a acção é transformada positivamente
em mera “função” de um processo estrutural autonomizado ou quase natural; ou bem,
inversamente, o nível estrutural da matriz a priori é eliminado, e a acção é transformada
numa soma de actos de vontade, intencionalidades e interacções. Ambas as formas de
abordagem são inteira e igualmente ideológicas e consequentemente afirmativas. No
processo de permanente tratamento da contradição (também teórico), elas surgem como
“objectivismo” interpretativo e como “subjectivismo” interpretativo os quais, com a mesma
constância, sempre estão a transformar-se um no outro, sem poderem alcançar a
constituição fetichista que está na sua base.
Essa transformação mútua de ambos os padrões reflecte inconscientemente a
existência da matriz a priori obnubilada e ontologizada. Assim sendo, o modelo
objectivista da teoria da estrutura precisa, por fim, de “carregar como apêndice” a acção
intencional dos sujeitos, já que o processo social não se executa, de modo algum, como
reacções físico-químicas, deslocamentos geológicos de placas tectónicas, metamorfoses
biológicas ou mesmo acção instintiva animal como na abelha. Mas permanece
inexplicável por que motivo a “execução intencional” de algum modo é necessária, ela que
desmente, na verdade, a nua “legalidade”. Na realidade, a activação da vontade surge
então sobretudo como uma espécie de “impureza”, como fonte permanente de erro e
equívoco, através da qual se executa a marcha objectiva e “conforme as leis da natureza”
(apiária) das coisas sociais. A consciência humana tende a ser degradada a uma espécie
de “factor de perturbação” do seu próprio contexto social. Inversamente, o modelo
subjectivista da teoria da acção não pode ignorar por completo que o próprio agir se
objectiva em “estruturas”. Não obstante, essa objectivação é por sua vez “carregada como
apêndice” à intencionalidade, como aquela “acção coagulada” que se manifesta em
instituições sociais. Mas permanece inexplicável por que motivo essa objectivação
autonomizada acontece em geral, ela que na verdade nega a mera “intencionalidade”. É a
simples referência, que permanece implícita, de que aqui ainda intervém algo mais, ou
seja, uma constituição histórica da forma que reside numa área mais profunda que a mera
institucionalização de acções intencionais.
O problema também se mostra em Adorno, na sua última prelecção sobre a Introdução
à Sociologia, datada de 1968, em que ele se coloca contra a hipostasiação da teoria da
acção: “Mas se os senhores tiverem examinado um pouco a sociologia..., então acharão
que nem tudo aquilo que a sociologia faz agora tem a ver com agir social, mas que a
análise sociológica refere-se, em grande parte, a formas reais, objectivadas, que não se
podem transformar directamente em agir, portanto, a tudo aquilo que se pode designar no
mais lato sentido como instituições; e aí não há nenhuma diferença entre a análise
marxiana da forma da mercadoria objectiva e por exemplo o conceito de instituição
social... ou de tudo aquilo que Marx chama relações de produção; a diferença consiste
precisamente no facto de aqui não se tratar de um agir directo, mas sim, se quiserem, de
acção coagulada, de trabalho de algum modo coagulado; e trata-se também de algo que
se autonomizou perante o agir directo... Mas, desde logo, é necessário dizer... que esse
agir está muito mais dependente dessas instituições e só pode ser cabalmente explicado
a partir dessas instituições, do que se olhássemos para esse agir como o último substrato
directo e pensássemos poder explicar o social em geral a partir do agir social” (Adorno
1993, p. 177 ss.). Segundo Adorno, uma forma de abordagem dessa natureza implicaria
uma “versão subjectivista extraordinária” (id., p. 179) do entendimento.
Embora Adorno aqui teça uma crítica da redução do problema na teoria da acção, ele
também chega a um conceito de “agir coagulado” e sua “institucionalização”, sem
considerar as diferentes camadas profundas desse “coagular”, na relação entre
constituição fetichista e desenvolvimento institucional continuado. Seja como for, isso
jamais é possível no nível puramente sociológico. A análise marxiana da constituição
genética da forma é algo qualitativamente diferente da análise e conceptualidade mais
superficiais da institucionalização, que acontece e se transforma continuamente no
processo do desenvolvimento capitalista, do tratamento da contradição e da interpretação
real. As referências ao nível mais profundo do problema da constituição em Adorno são
apenas dispersas, já que ele nunca abordou esse problema sistematicamente. Seja como
for, na reflexão citada, permanece possível e ressalvada uma abertura para esse nível.
Porém, enquanto a reflexão crítica não avançar explicitamente até esse ponto, não é
possível suplantar a transformação mútua entre reducionismo da teoria da estrutura e
reducionismo da teoria da acção.
Dessa forma, é possível um “estruturalismo” de ambos os lados, só que com pontos de
partida distintos entre si e com conotações ideológicas diferentes. O que leva o nome de
“estruturalismo” na segunda metade do século XX, em parte é mesmo arranjado pela
teoria da acção, só que com a viragem para a determinação ontologizante de que o agir
intencional é por sua vez determinado “sempre” “em conformidade com as leis” por
estruturas objectivadas (que normalmente são equiparadas a instituições). É
precisamente no estruturalismo que ambas as abordagens começam a confundir-se. Será
que a estrutura objectivada é pressuposta, conforme padrões físicos ou biológicos a priori,
e a acção intencional é derivada daí, ou será que, exactamente ao contrário, a acção
intencional é pressuposta a priori, no sentido de um modo de ser especificamente
humano, e a estrutura objectivada é, por sua vez, derivada daí? Em ambos os casos, a
constituição histórica da forma da Modernidade capitalista permanece envolta em
escuridão ontológica e escapa à crítica.
Esse mecanismo de obnubilação e ontologização faz de ambas as correntes da teoria
da forma burguesa, tanto em sua contradição polar como em sua transformação mútua, a
matriz da “práxis ideológica”. A ideologia liberal, com sua origem no Iluminismo e na
fundamentação iluminista na economia política, insiste por princípio e precisamente
durante as crises nas “leis naturais [Naturgesetzlichkeit]” das formas capitalistas e, por
conseguinte, da história (daí resultante) da interpretação real do capitalismo e da
transformação do mundo como “processo social natural” imparável, ao qual é preciso
adaptar-se a qualquer preço, sob pena de derrocada. O tratamento da contradição, nesse
sentido, a partir da interpretação baseada na biologia e nas ciências naturais, desagua no
darwinismo social, como “lei” da luta pela sobrevivência (survival of the fittest), que
também é proclamada pelas ideologias conservadoras e fascistas, e relacionada com
meta-sujeitos racistas nacionalistas. Revela-se aí um momento comum do liberalismo e
do fascismo/nacional-socialismo, profundamente arraigado na metafísica da legalidade
fundamentada na teoria da estrutura. Por outro lado, a ideologia da teoria da acção, com
base na corrente da fenomenologia, da filosofia da vida e do existencialismo, insiste, a
partir da visão do sujeito intencional irreflectido, na crítica das “leis”, sem registar suas
condicionantes constitutivas. Assim se proclama uma intencionalidade “heróica” ou
mesmo uma intencionalidade “quotidiana”, cujo tratamento da contradição desemboca na
“busca de culpados” (intencionalidades negativas, hostis). O anti-semitismo e o nacional-
socialismo, podem ser assim entendidos precisamente como amálgama ideológico
irracionalista de metafísica da legalidade e metafísica da intencionalidade.
Na medida em que Marx, desde as Teses sobre Feuerbach, começou a negar a
moderna forma de teoria, como reprodução interpretativa da conexão capitalista da forma
e de seu carácter contraditório, o autor de O Capital abria o caminho para a crítica
categorial. Não obstante, esta crítica não foi tecida, de modo algum, conclusivamente.
Assim como a argumentação marxiana em O capital ainda oscila entre teoria da
modernização e teoria do fetiche, ela também oscila entre uma metafísica da legalidade
interpretativa da teoria da estrutura, na qual é abrigada a “luta de classes” como acção
intencional, e uma meta-teoria da acção que tem como alvo a crítica categorial a essa
própria legalidade, cuja relevância prática Marx às vezes mencionava como “enorme
consciência”. No prefácio de O capital já se pode ler, no sentido positivista de uma
reflexão de teoria da estrutura, a referência à “necessidade brônzea” das “leis naturais da
produção capitalista” que são comparadas às leis físicas, o que também corresponde à
metafísica da história de Hegel virada materialista.
Na mesma medida em que o marxismo do movimento operário e da luta de classes
mantinha em chama baixa ou obnubilava por completo a dimensão de crítica do
fetichismo da teoria marxiana (e ainda em seu entendimento truncado da Tese sobre
Feuerbach) também precisava de reproduzir em si mesmo a unilateralidade interpretativa
burguesa de teoria da estrutura e teoria da acção, sendo de notar que a primeira manteve
a superioridade durante muito tempo. Na social-democracia marxista, a transformação
para além do capitalismo foi cada vez mais objectivada como “lei”. A própria crítica parecia
objectivada, parecia “execução da história”: o próprio agir, o entendimento da
emancipação social valia como aquilo que havia “de objectivo”, e não como a ruptura da
falsa objectividade de “segunda natureza”. Também o entendimento da elaboração
ideológica foi assim reduzido a uma “função” de interesses “objectivos”, com
características quase de leis naturais, que simplesmente deveriam ser reconhecidos como
correctos; uma redução que deveria promover uma terrível vingança com a vitória do
nacional-socialismo anti-semita sobre o movimento operário alemão.
7. “Modernização atrasada” e o postulado de uma “unidade inseparável” entre
teoria e práxis
A penetração conceptual, em primeiro lugar forçosamente pesada, da problemática
contida implicitamente na Tese sobre Feuerbach e até hoje não resolvida talvez possa
ficar um pouco mais clara, se tomarmos como pano de fundo histórico aquela visão
perante a qual se desenvolveu a interpretação reduzida, no marxismo tradicional e na
esquerda. Nessa perspectiva, volto agora ao tema acima mencionado dos perfis de
exigência da acção no invólucro da forma do moderno patriarcado produtor de
mercadorias. Partindo da retrospectiva crítica proporcionada pela observação da nova
qualidade da crise hodierna, o horizonte de acção da esquerda e dos movimentos sociais
do passado apresenta-se como o problema da “modernização atrasada [nachholende
modernisierung]”.
Com este termo da teoria crítica da dissociação-valor pretende-se referir o conjunto de
todas as variantes do marxismo e do movimento operário tradicional na história da
modernização capitalista, como elemento e força propulsora desta. Característico do perfil
de exigência a isto ligado é o postulado de uma “unidade inseparável” entre teoria e
práxis, retirado directamente da Tese sobre Feuerbach. Pretende-se aqui rejeitar a
separação estrutural entre a reflexão teórica, como um “interpretar” meramente
contemplativo “dos filósofos”, e o agir prático intervencionista. A teoria deverá ser a priori
“conectada” e “integrada” na práxis histórica – a ela já pressuposta – da luta de classes, e
só a partir daí poderá conseguir a legitimação.
Para esclarecer a problemática deste postulado, é necessário recapitular com brevidade
o conceito crítico de “modernização atrasada”. Como já se referiu, não se tratava de
romper nem suplantar a moderna constituição fetichista; em vez disso, o esforço
emancipatório foi reduzido a uma “luta por reconhecimento” nas categorias da forma do
moderno patriarcado produtor de mercadorias, incluindo a relação de dissociação sexual.
Foi precisamente nisso que consistiu a práxis histórica da “luta de classes”. Por um lado,
tratava-se da imposição de direitos burgueses e de gratificações para os trabalhadores
assalariados na qualidade de sujeitos da mercadoria, do dinheiro e da cidadania estatal
(direito à greve, direito de voto, liberdade de reunião, melhoria das condições salariais e
laborais, medidas de amortecimento no âmbito do Estado social etc.) nos países
ocidentais já industrializados. Por outro lado, as revoluções e os movimentos nacionais de
libertação da “modernização atrasada” em países da parte oriental e meridional do
planeta tinham como meta, com base numa terminologia marxista, a “luta por
reconhecimento” como sujeitos nacionais do mercado mundial, independentes e
portadores de direitos iguais. Portanto, eram essencialmente “revoluções burguesas
atrasadas” (“carácter burguês” aqui não entendido no sentido sociologicamente reduzido,
mas como moderna constituição fetichista da dissociação-valor). Há muito tempo que esta
conexão vem sendo tematizada na teoria da dissociação-valor (v. por exemplo, Kurz
1991) e é para continuar a ser desenvolvida. Mas não é este o lugar para fazê-lo; trata-se
aqui de evidenciar a relevância do esforço emancipatório voltado para uma “luta por
reconhecimento” no seio da moderna relação fetichista para o entendimento da teoria e
da práxis.
Na medida em que a intenção da “modernização atrasada” do movimento operário
ocidental, da “luta de classes” e das revoluções periféricas possa ser decifrada como
tratamento da contradição no sentido acima descrito, ela alinha-se na interpretação real
do próprio capitalismo; não, porém, como tratamento da contradição “quotidiano”,
consuetudinário e institucionalizado, no seio de relações fetichistas capitalistas já
inteiramente desenvolvidas, mas sim como tratamento da contradição de certa maneira
na história mundial, e interpretação real no contexto do processo ainda não acabado da
constituição da Modernidade. Por esse motivo, aqui também não se pode falar de uma
simples “pseudo-actividade” no sentido adorniano; pelo contrário, tratava-se da
“transformação do mundo” sustentada para toda uma época e voltada para a
subjectividade burguesa para as massas, portanto no interior do próprio processo
capitalista sobrejacente de transformação do mundo. Era a contradição entre a
industrialização capitalista, por um lado, e as formas de direito e de Estado já não
adequadas a esta “transformação do mundo” na produção material, por outro; entre o
desenvolvimento do mercado mundial, por um lado, e a deficiente formação política das
nações instaladas na periferia (em função de sua participação no mercado mundial), por
outro. Como último aspecto, fez-se valer o paradoxo de que a ideologia da “luta de
classes” se transformou no meio de transporte para a implementação de uma relação
social que só então criou, em geral, a pré-condição de si mesma, ou seja, a generalização
do “trabalho abstracto”. A consequência disso é bem conhecida: a “classe operária”, como
agente da “modernização atrasada”, confrontava-se com a sua própria institucionalização
e via-se compelida, por assim dizer, a travar consigo mesma a “luta de classes” de forma
estatizada (como teria de ficar à vista nas contradições e movimentos sociais do
“socialismo real”).
Uma vez que, neste plano, se fizera a agulha dos esforços de emancipação para um
tratamento da contradição imanente na história mundial, teoria e práxis tinham de surgir
como “outra interpretação” das categorias capitalistas. Assim, a crítica do capitalismo
tornou-se a crítica imanentemente afirmativa, como parte integrante do próprio processo
de imposição do capitalismo; a ideia de “socialismo” foi aferida por ela; e precisamente
por isso a crítica do fetichismo de Marx foi reduzida ou totalmente obnubilada. O que
restou foi, como vimos, essencialmente a corrente de “teoria da modernização” da
argumentação marxiana, ao passo que foram eliminados os momentos opostos da crítica
categorial ou da “crítica de segunda ordem”, como foi exposto detalhadamente na
elaboração teórica da dissociação-valor (cf. Kurz 1999 p. 154-178, p. 237-249, p. 400-403,
p. 459-466). Por outro lado, no campo da “práxis teórica” isto provocou uma recaída na
dicotomia de interpretação burguesa, de teoria da estrutura e teoria da acção. Por esse
motivo, a objectivação da teoria da estrutura ganhou aí forçosamente um maior peso, pois
tratava-se realmente da imposição ulterior “interpretada diferentemente” da “segunda
natureza” moderna e da sua objectividade férrea. O marxismo da modernização confundia
sistematicamente, a partir de sua intenção implícita (que lhe parecia ser a única crítica
imaginável do capitalismo), a interpretação real das categorias capitalistas, no seu
processo de desenvolvimento na história mundial, com a suplantação do carácter
interpretativo da teoria em geral, quando a teoria marxista fora, na realidade, degradada a
fornecedora de interpretações para a “modernização atrasada”.
O marxismo do movimento operário e os marxismos do Leste e do Sul do capitalismo de
Estado da “modernização atrasada”, nesta constelação histórica, reportavam-se
veementemente às “leis sociais e históricas”, tal como Marx supostamente as tinha
descoberto; o momento crítico oscilante do próprio Marx neste processo, ou seja, a
abordagem com a crítica radical de uma sociabilidade que se move em forma de leis
pseudo-naturais, foi riscado no contexto da funcionalização da teoria da modernização e
tornado irreconhecível em benefício de um positivismo das categorias objectivadas. No
âmbito da actividade científica “do socialismo real”, que não passava (como tudo o mais)
de um estereótipo estrutural das respectivas instituições burguesas apostrofado com o
adjectivo “socialista”, esse entendimento positivista foi recebido por gerações de
“cientistas socialistas” em fórmulas francamente rituais sobre as “leis objectivas” da
economia e da história. Assim dizia um popular manual soviético sobre Leis objectivas e
direcção científica da sociedade: “As leis do desenvolvimento social foram descobertas e
formuladas pela primeira vez na história do pensamento humano pelos clássicos do
marxismo-leninismo... Tal como as leis naturais (!), estas leis expressam determinados
contextos e relações” (Jermolajew 1973, p. 30).
Também não é melhor a argumentação sobre o tema formulada pelo cientista-vedeta da
RDA, Jürgen Kuczynski. Em seu tratado sobre “leis sociais”, louva os fundadores da
economia política burguesa precisamente pelo facto de terem reconhecido as “leis
naturais” da reprodução (económica), incluindo todo o posterior desenvolvimento
capitalista: “A lei económica é tão perspicaz, clara e inflexível em seu efeito como uma lei
da natureza. Pois, se alguém se lhe opõe, ela derruba o adversário – ora de uma maneira,
ora de outra... É como uma lei natural que se impõe em todas as circunstâncias – ainda
que não seja tão claramente reconhecível” (Kuczynski 1972, p. 10). Aquela
intencionalidade humana em relação às próprias relações tem de surgir assim como a
mera “execução” de objectivações; um tal pensamento compreende a “... participação das
pessoas de certo modo como factor objectivo (!) – e também como factor subjectivo que
fomenta ou impede conscientemente a imposição das leis” (id., p. 12). A intencionalidade
reduz-se, portanto, a uma simples função de princípios pressupostos que funciona, mais
ou menos, de acordo com o grau de compreensão da “legalidade”. Esbate-se
expressamente em grande medida a diferença entre natureza e sociedade: “Distinguimos
entre leis da natureza e leis da sociedade – sem termos o direito, todavia, de exagerar
essa diferença” (id., p. 14).
Com este arrazoado, Kuczynski pode invocar Engels que, em seu ensaio Ludwig von
Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, também positivara a analogia com a
natureza: “Dessa forma, os choques entre as inúmeras vontades e acções individuais
produzem no domínio histórico um estado que é inteiramente análogo ao que reina
inconscientemente na natureza... Mas onde o acaso joga à superfície, sempre será
dominado por leis internas e ocultas, e a única coisa que interessa (!) é descobrir essas
leis” (Engels, 1969, 1ª ed. em 1886, p. 56). Pelo menos o Marx do capítulo do fetiche
deixa entrever que, pelo contrário, o que interessa é romper, seja como for, estas leis e
consequentemente a “legalidade” objectivada da sociedade, pois o “descobrimento” delas
deveria então coincidir com a crítica a um tal estado de coisas, caracterizado pelo facto de
as pessoas não “governarem” a sua própria conexão social (não é por acaso que Marx
menciona isto por analogia com a metáfora do “mestre-de-obras”). Aqui Engels é
realmente “marxista” naquele sentido em que Marx não o queria ser, pelo menos aquele
“outro” Marx da crítica do fetichismo para além da teoria da modernização.
Não obstante, é de certo modo surpreendente que Engels aqui fundamente o seu
“estruturalismo” ontologizante (o objectivo claro da formulação é que devesse ser
“sempre” assim) de forma extremamente intencional e com base na teoria da acção. Em
primeiro lugar, ele não se refere de modo algum a “leis naturais” a priori da sociedade,
mas ao facto de “leis ocultas” só surgirem a partir do “choque” das “acções individuais”
intencionais, como resultante destas, portanto, a partir de “acção coagulada”. Tal
resultante deverá, porém, acarretar um “estado inconsciente análogo à natureza”. Aqui já
se desvanece a oposição imanente entre o modo de proceder da teoria da estrutura e o
da teoria da acção, tal como se deveria repetir em toda a elaboração teórica posterior em
variantes sempre novas, embora a problemática tenha sido elaborada depois com mais
clareza do que na formulação “ingénua” de Engels, sem que, todavia, pudesse ser
resolvida. Engels aqui só mostra que pensa sem qualquer quebra na moderna forma da
teoria.
E, pese embora a fundamentação realmente na teoria da acção, o resultado pode ser
incorporado bem candidamente (não apenas em Kuczynski) na determinação pela teoria
da estrutura de um entendimento quase científico-natural, sem se falar de meras
“institucionalizações” da “acção coagulada”, mas de “leis” mesmo, as quais apenas ainda
precisariam de ser “descobertas” e depois “aplicadas”. É o que também já acontece no
escrito de Engels Do socialismo utópico ao socialismo científico, onde se diz a respeito do
futuro socialismo: “As pessoas então utilizarão (!), com total conhecimento da matéria, e
consequentemente dominarão as leis que regem a sua própria acção social, com as quais
se têm defrontado até ao momento como leis naturais estranhas e que dominam estas
mesmas pessoas” (Engels 1976, escrito em 1880, p. 226). Aí não se anuncia, portanto, a
suplantação da “segunda natureza”, mas a “utilização de suas leis”, não se anuncia a
crítica da objectivação, mas a sua “dominação” através de “conhecimento” positivo “da
matéria”. Passados quase 20 anos da primeira publicação de O capital de Marx, Engels
continua obviamente sem ser tocado pela compreensão da constituição fetichista da
história e alegremente ontologizado à toa, ao não determinar o “choque” das “acções
individuais” intencionais e a resultante objectivada destas como modo de vida
especificamente capitalista-moderno, declarando, pelo contrário, tal resultante objectivada
como “lei natural” universalmente válida, também para todo o futuro.
Assim não se deve apenas à constituição “do socialismo real” nas categorias fetichistas
modernas não-suplantadas, mas também já se deve ao próprio marxismo do movimento
operário no horizonte da modernização do século XIX, que Kuczynski em parte
ontologize, em parte historize a “legalidade social”, sem conseguir criticá-la enquanto tal:
“As leis da sociedade em parte têm efeito eterno (!), são comuns a todas as sociedades, e
em parte têm efeito por um breve espaço de tempo, em geral determinado pela duração
de uma formação social específica” (id., p. 16). O que deverá ser “eterno” é, obviamente,
sobretudo a categoria da substância capitalista, o “trabalho”, a cuja abstracção nominal,
como princípio trans-histórico, se agarrou a ontologia marxista do trabalho, extinguindo
assim até o teor crítico radical do conceito marxiano de “trabalho abstracto”. Se o
“trabalho” ontologizado no marxismo do movimento operário do século XIX ainda fora
pensado na perspectiva de uma suplantação meramente abstracta e positivista da forma
do valor (justamente em Engels, por exemplo no Anti-Duhring), nas relações de
reprodução “do socialismo real” até a forma fetichista do valor surgia, consequentemente,
como princípio ontológico. A intencionalidade do planeamento, que supostamente se
estendia para além do capitalismo, foi reduzida à moderação e ao “comando” da
burocracia estatal ou à “utilização consciente” das categorias fetichistas não-suplantadas;
um contexto que, logicamente, mais uma vez foi interpretado como “lei” de uma espécie
de “socialismo das abelhas”.
Partindo deste contexto, agora também fica claro por que e como a respectiva
interpretação da Tese sobre Feuerbach pôde levar ao postulado de uma “unidade” a priori
“entre teoria e práxis” no marxismo do movimento operário. Isso era inevitável, pois, no
contexto da “modernização atrasada”, como tratamento da contradição na história
mundial, a unidade capitalista paradoxal entre “práxis teórica” e “práxis prática”, como
identidade negativa de forma da acção e forma do pensamento, tinha de ser reproduzida
na continuidade da “ciência burguesa”, precisamente em sua separação. É parte
constituinte da essência de toda a “cientificidade” moderna o facto de ela levar a natureza
transformada em objecto à forma de “leis”, transpondo estas para a própria sociabilidade
real objectivada. O “socialismo científico” suplantou o pensamento utópico apenas no
sentido da “crítica afirmativa” da teoria da modernização. Ali onde volta a ser objecto de
um pensamento por ela constituído, a sociabilidade fetichistamente objectivada reproduz-
se na “práxis teórica”.
O postulado de unidade a priori entre teoria e práxis mais não podia ser, portanto, do
que a vinculação da teoria (marxista) às categorias e aos critérios da matriz ontológica, às
supostas “leis naturais” de sociabilidade ontológica e histórica, que se moveram para um
estatuto trans-histórico ou, em todo caso, não criticável por um tempo inimaginável. Mas,
se a crítica categorial deixar de existir, também deixará de existir a tensão entre teoria
crítica e “contrapráxis” imanente na resolução das contradições capitalistas, já que o
mesmo a priori é determinante de ambos os lados. Dessa maneira, o postulado da
“unidade inseparável” entre teoria e práxis reflectia apenas a ênfase especial que as
intenções da “modernização atrasada” e da “luta por reconhecimento”, como “segunda
volta” da constituição capitalista, precisavam de dar à execução consciente das “leis”. Isso
deixa claro que o postulado desagua precisamente no contrário da Tese sobre Feuerbach,
na medida em que esta seja entendida no sentido da crítica categorial.
No desenvolvimento histórico do movimento operário e da “modernização atrasada”,
essa ligação e essa “prisão” da teoria na identidade objectivadora de forma da acção e
forma do pensamento figuravam como o célebre “primado da política”. A elaboração
teórica era subordinada às “exigências políticas” do tratamento prático da contradição, tal
como elas resultaram dos processos de juridificação, formação do Estado e da nação. A
“luta por reconhecimento”, como sujeitos do direito e do Estado, e por auto-afirmação nas
formas de “trabalho abstracto”, mercadoria, dinheiro e dissociação tornou-se o politicismo
relacionado com o Estado, sob a forma de cujo telos surgiu a “formação do Estado” da
classe operária, da libertação nacional etc. As supostas “leis próprias” do socialismo
assim entendido na verdade deveriam consistir em nada mais que “planeamento” e
“comando” das próprias categorias básicas.
Com isso a “questão do poder” passou para o centro, entendida como canalização
política dos esforços de emancipação, para chegar às “alavancas de comando” do poder
estatal. As diferenças entre democratismo social ocidental e leninismo oriental
aconteceram no seio deste paradigma; e, se o foco de interesse estiver voltado para a
sua crítica histórica, tais diferenças podem ser amplamente ignoradas. Em ambos os
casos, a “forma política” burguesa, enquanto forma de tratamento da contradição, tornou-
se a instância central da “transformação do mundo”, para submeter as categorias
ontologizadas do moderno patriarcado produtor de mercadorias “diferentemente
interpretado” a uma regulação político-estatal supostamente amigável para com as
pessoas, sem suplantar as categorias enquanto tais. Como movens desta instância
política interposta, figurava o partido político (partido operário, partido do trabalho etc.).
A “prisão” da teoria crítica na reprodução teórica interpretativa das relações fetichistas
surgia, por isso, como a sua inclusão na forma da política, e o postulado da “unidade
inseparável” a priori entre “teoria e práxis”, como a submissão externa, institucionalizada,
da “práxis teórica” à “práxis política” do partido, tal como sinalizava o famigerado slogan “o
partido tem sempre razão”. A elaboração teórica perdia o carácter crítico e o valor próprio;
a “práxis teórica”, tal como a “contrapráxis”, era reduzida a uma “militância partidária”, a
um “partidarismo” em sentido bem cruamente politicista no contexto do tratamento da
contradição imanente. Ela transformava-se, abandonava a elaboração teórica crítica e
voltada para o todo da socialização capitalista negativa, para ingressar na mera teoria da
legitimação de uma acção “política” externa, pré-estabelecida; e, por conseguinte, para
ingressar na justificação teórica da respectiva “linha de partido”, numa função de razão de
partido.
Enquanto teoria da legitimação da “modernização atrasada”, a “práxis teórica” do
marxismo teve de coagular numa forma historicamente específica de “práxis ideológica”.
Todo o pensamento imanentemente teórico, continuado até aos limites da forma da teoria
interpretativa, sempre voltava a ser tolhido administrativamente, por ironia precisamente
em nome da Tese sobre Feuerbach, como ficou claro, por exemplo, na capitulação de
Georg Lukács perante a pretensão partidária. O marxismo da “modernização atrasada”,
que se restringia à corrente da teoria da modernização da argumentação marxiana, era
um “marxismo de partido” para o qual a via da crítica categorial permanecia vedada. A
saída desta constelação estava pré-programada como colapso da legitimação ideológica,
logo que todo o sistema global do moderno patriarcado produtor de mercadorias
começasse a esbarrar no seu limite interno absoluto na 3ª Revolução Industrial.
8. Razão instrumental
Como “forma de consciência reificada”, a “práxis teórica” do marxismo de partido de
diferentes tendências era uma forma de “razão instrumental” (Horkheimer 1985, 1ª ed.
1947). Em nome do postulado da práxis de uma “transformação do mundo”
categorialmente imanente, a “práxis teórica” foi transformada num mero instrumento para
fins pré-estabelecidos a priori, os quais, em si, já não podiam ser submetidos a qualquer
reflexão. Essa redução da teoria a relações pré-estabelecidas de meio e fim é o resultado
inevitável de todo o pensamento na moderna forma de teoria, que sempre se extingue no
positivismo, no qual sempre se extingue a dicotomia existente entre reflexão com base na
teoria da estrutura e reflexão com base na teoria da acção, caso não seja transformada
em crítica categorial. Precisamente como “ciência positiva” (institucionalizada) com a
marca de Engels, o marxismo de partido teve de fazer o caminho de toda teoria burguesa,
como refere Horkheimer no prefácio da edição alemã da sua Crítica da Razão
Instrumental: “A razão vem a si ao negar-se a própria qualidade absoluta de razão em
sentido enfático, entendendo-se apenas como mero instrumento” (Horkheimer 1967).
Mas em que sentido a “razão”, entendida como pensamento reflexivo, se torna “mero
instrumento” na Modernidade? O carácter instrumental resulta do carácter interpretativo
da forma da teoria, na medida em que esta se torna a já referida fornecedora de ideias
para a interpretação real do capitalismo, o tratamento da contradição e a transformação
interpretativa do mundo, como “competência” positivista. O fornecimento de padrões de
interpretação para o handling da matriz a priori e de sua autocontradição em processo é
per se instrumental para um fim pressuposto a priori, o processo de fim em si mesmo da
relação de dissociação-valor. Deve-se fazer uma distinção analítica entre isto e o carácter
legitimatório da “razão” para esse fim em si mesmo enquanto tal que, porém, é igualmente
interpretativo e consequentemente instrumental, num outro nível da reflexão, a saber, no
nível da constituição desta relação. Em sua reprodução teórica meramente interpretativa,
contudo, não se pode reconhecer a “reflexão” dessa relação, pois tal significaria tornar a
relação fetichista enquanto tal objecto do pensamento, o que geralmente apenas é
possível como crítica deste objecto. Todavia, uma vez que reproduz este objecto como
forma de pensamento / modo de pensamento e conceptualidade, e assim podendo ser em
si apenas legitimatória, a forma da teoria moderna permanece instrumental também ao
nível da constituição. Por essa razão, na “práxis teórica” como parte integrante das
relações de reprodução, fundem-se o momento fundamentalmente legitimatório e o
momento positivista-interpretativo continuado. Aqui também fica claro que toda a relação
de “utilização” ou “transformação” da teoria faz parte per se da interpretação real do
capitalismo e consequentemente possui per se carácter instrumental, pois “utilização”
sempre pressupõe leis quase naturais a serem reconhecidas.
Com o seu conceito de “razão instrumental”, Horkheimer vai ao ponto nevrálgico do
problema, embora ele mesmo não chegue de modo algum a uma crítica categorial da
moderna constituição fetichista. Na verdade, ele tematiza o problema muito na
generalidade: “Este tipo de razão pode ser chamado de razão subjectiva. Esta tem a ver
essencialmente com meios e fins, e também com a adequabilidade de modos de
procedimento a objectivos mais ou menos aceites e que supostamente se entendam por
si sós. A ela pouco importa se os objectivos enquanto tais são razoáveis” (Horkheimer
1985, 1ª ed. em 1947, p. 15; itálico de Horkheimer). Mas Horkheimer permanece na
determinação superficial de uma relação de meio e fim, sem olhar para a “natureza”
histórica ou para a essência daqueles objectivos ou fins “aceites”, sem analisar seu
estatuto categorial como matriz a priori da reprodução, e sem indagar por que motivo a
“razão”, enquanto “razão subjectiva”, é degradada, nessa constituição de pensar e agir, à
condição de mero instrumento de um fim cegamente pressuposto.
Horkheimer falha a crítica categorial ou “crítica de segunda ordem” porque declara o
outro lado da mesma relação, a mera reprodução afirmativa da falsa objectividade, como
“razão objectiva”, a qual “alguma vez” teria servido de base a toda filosofia e agora estaria
positivistamente liquidada: “Grandes sistemas filosóficos, tais como os de Platão e de
Aristóteles, a escolástica e o idealismo alemão, tiveram seu fundamento numa teoria
objectiva da razão. Seu objectivo era desenvolver um sistema abrangente, ou uma
hierarquia de todo o ser, inclusive o ser humano e seus fins. O grau de razoabilidade da
vida de um ser humano podia ser determinado conforme sua harmonia com essa
totalidade. Sua estrutura objectiva, e não apenas o ser humano e seus fins, deveria ser o
critério de todas as ideias e acções individuais” (Horkheimer, id., p. 16). Por um lado, aqui
é unificada trans-historicamente uma filosofia de “razão objectiva” que, apesar de todos os
momentos de continuidade, pertence a constituições históricas totalmente distintas, e
confrontada abstractamente com o positivismo e o pragmatismo da “razão instrumental”
subjectiva. Por outro lado, deixa-se de considerar que aí sempre se tratava da
(respectiva) “razão objectiva” de relações fetichistas, tratando-se na Modernidade da
reprodução teórico-filosófica da falsa objectivação destas relações num pensamento
objectivador.
Ao constatar que “esse conceito de razão” nunca teria “excluído” a “razão subjectiva”,
mas tê-la-ia determinado como “expressão restrita de uma razoabilidade abrangente” (id.
p. 16), Horkheimer apenas designa o dilema de matriz e intencionalidade a priori inscrito
em todo pensamento e acção fetichistamente constituídos, dilema que é reproduzido
idealmente na moderna dicotomia de teoria da estrutura e teoria da acção. E quando ele
aponta que o postulado de “razão objectiva” ainda estaria voltado para determinar
reflexivamente os próprios objectivos e fins, em vez de pressupô-los cegamente e de
“formalizar” instrumentalmente o pensamento, Horkheimer está a esquecer que aí, do
ponto de vista histórico, se tratava precisamente da reprodução afirmativa da objectivação
fetichista, como “fim enquanto objectivo”, reprodução à qual a intencionalidade designada
como “razão subjectiva” deveria estar submetida. A diferença apresentada por Horkheimer
consiste simplesmente no facto de que só na constituição e imposição histórica das
relações fetichistas modernas a própria “objectividade” destas foi justificada e postulada
como “razão objectiva”, ao passo que, com a continuação, elas puderam ficar
consolidadas com a quotidianidade pressuposta de “trabalho e vida”, cuja reflexão ulterior
tinha de parecer desnecessária e até mesmo perigosa.
De certo modo Horkheimer faz menção disso, mas no tocante ao contexto interno e de
modo não-crítico: “No fundo, a actual crise da razão consiste no facto de o pensamento,
num determinado nível, ou ter perdido a capacidade de conceber uma tal objectividade
em geral, ou ter começado a contestá-la como se ela fosse uma ilusão” (id., p. 18). Pois
bem, na verdade é precisamente isto: ao longo do seu processo de imposição, a reflexão
meramente reprodutora da objectividade fetichista como “razão objectiva” extingue-se na
medida em que se “realiza” como transformação capitalista do mundo; e a reflexão
continuada neste nível é contestada “como ilusão”, exactamente porque já não se pode
dar um abanão na razão moderna constituída como relação fetichista, porque já é
pressuposta como “necessidade natural” e como “lei objectiva”. Isso é assim
precisamente porque não se tratava de uma “concepção” livre e sem pressupostos, no
sentido do “mestre-de-obras”, mas da legitimação ideal de um processo de constituição
essencialmente cego, em cuja forma de percurso esse pensamento legitimatório na
verdade ingressou activamente, mas não no sentido de se constituir um pressuposto para
as concepções intelectuais. É precisamente por essa razão que o próprio pensamento
objectivador, em sua identidade formal com o agir constituído fetichistamente, “veio a si”
agora como “razão instrumental”, como simples meio para o “fim” da reprodução das
ideias outrora ainda carecido de “auto-certificação”.
Horkheimer ainda pretende entender o dilema no sentido do conceito de Dialéctica do
Iluminismo, de certo modo como nostalgia iluminista: “Destinar à razão uma tal posição
subordinada está em clara contradição com as ideias dos precursores da civilização
burguesa, dos representantes intelectuais e políticos da classe média ascendente, que
declaravam unanimemente que a razão desempenha um papel dirigente na conduta
humana” (id., p. 20). Mas o resultado não pode ser medido nos seus próprios
pressupostos, nem o efeito positivista e pragmático pode ser criticado em nome da “razão
objectiva” que é a sua própria causa. Isso ainda fica mais claro quando Horkheimer
começa a entoar uma apologia trivial de Kant: “Na verdade, seria cometer uma injustiça
contra Kant, caso se quisesse responsabilizá-lo por esse desenvolvimento. Ele tornou o
conhecimento científico dependente de funções transcendentais, não de funções
empíricas. Não liquidava a verdade equiparando-a às acções práticas de verificação, nem
ensinava que o significado e o efeito são idênticos. Em última instância tentou estabelecer
a validade absoluta de determinadas ideias per se, ou seja, em função delas próprias” (id.,
p. 49 s.). Mas a transcendentalidade de Kant é precisamente a cifra filosófica para a
relação de dissociação-valor, e essa “verdade” negativa na realidade não podia ser
equiparada “às acções práticas de verificação”, não podia ser determinada como meio
para outra coisa, mas apenas como o fim supremo, como fim em si “do sujeito
automático”. A “verdade” kantiana reproduz idealmente a “validade absoluta” da moderna
constituição fetichista, isto é, o significado desta que teve de ser “estabelecido” e que não
podia ser idêntico ao mero “efeito” prático. O sujeito da transcendentalidade kantiana
inclui a “razão objectiva” da matriz a priori e a “razão subjectiva” do pensar e do agir por
ela constituídos. Nessa medida, Kant bem pode ser “responsabilizado por esse
desenvolvimento”, ou seja, pode ser co-responsável pela fundamentação da reprodução
deste na “práxis teórica”. As suas duas críticas formam o padrão filosófico de toda a crítica
afirmativamente imanente desde então, na qual se representam a relação e a contradição
em processo de “funções transcendentais e empíricas”, como tratamento histórico da
contradição.
É a moderna dialéctica sujeito-objecto, que em Kant surge pela primeira vez
inteiramente bem trabalhada, isto é, a objectivação do mundo como interpretação ou
transformação capitalista do mundo e a auto-objectivação dos sujeitos constituídos por
ela; a “forma sujeito” burguesa constitui a “razão subjectiva” como agente da “razão
objectiva” capitalista e, consequentemente, como instrumento ou meio desta para os
padrões de acção pré-estabelecidos da matriz a priori. De certo modo, Kant pensou até
ao fim o positivismo e o pragmatismo, precisamente por já pressuporem o carácter
absoluto dos seus postulados, que acabaram por se tornar a “coacção muda” prática.
Para a crítica categorial, não interessa opor a glória da sua própria constituição como
“razão objectiva” à “razão subjectiva” instrumental como suposta forma de decadência.
Pelo contrário, interessa libertar a própria intencionalidade social da “razão objectiva”.
Todavia, isso só é possível se a intencionalidade, por sua vez, não tiver de ser
imediatamente mobilizada na constituição fetichista obnubilada, tal como já surge também
no positivismo e no pragmatismo, e tal como é constatado por Horkheimer, sem que ele
possa descortinar a razão disso: “No aspecto formalista da razão subjectiva, como é
ressaltado pelo positivismo, é realçada a sua falta de relações com um conteúdo
objectivo; em seu aspecto instrumental, como é enfatizado pelo pragmatismo, é
sublinhada a sua capitulação perante conteúdos heterónomos. A razão está totalmente
atrelada ao processo social” (id., p. 30). A obnubilação da constituição fetichista positiviza
as categorias, o que aparece então, paradoxalmente, como falta de relações de
intencionalidade com um conteúdo objectivo ainda susceptível de reflexão, conteúdo que
já assumiu a obviedade de uma base natural; e, no pensamento e na acção instrumental
de proveniência pragmática, a heteronímia desse conteúdo objectivo torna-se a condição
prática, o critério do “sucesso”.
Uma libertação da intencionalidade já significaria confrontá-la com sua degradação e
prisão à “razão objectiva” da constituição fetichista, e ter como meta o rompimento desta
jaula. Decidir sobre o emprego dos recursos sociais comuns conforme as necessidades,
seria exactamente o contrário de uma absolutização da “razão objectiva”, e também já
não seria qualquer “razão subjectiva” que ainda implicasse a sua própria objectivação.
Horkheimer gostaria de libertar de seu carácter instrumental a “razão subjectiva” enquanto
tal, precisamente ao evocar mais uma vez a constituição objectiva da própria razão
subjectiva e ao declará-la como remédio, quando na realidade se trata das duas faces de
uma mesma relação que no processo histórico se fundiram entre si e que por essa razão
esconderam o seu carácter instrumental conjunto. Se esta problematização em Adorno
ainda se manteve até ao fim em aberto, em Horkheimer fechou-se completamente.
Ironicamente, a metafísica da legalidade do marxismo do movimento operário e do
“socialismo real” parece-se com a “razão objectiva” de Horkheimer legitimada em Kant, a
ponto de ambas se confundirem e terem até as mesmas raízes. De certa maneira, a
intenção de “modernização atrasada” tinha de fundamentar reprodutivamente em todas as
suas facetas precisamente aquela “razão objectiva” com terminologia marxista; onde, não
por acaso, a “herança” do Iluminismo desempenhava um papel importante, como
apontava Kuczynski, por exemplo, em relação às “leis sociais”. Mas como a
“modernização atrasada” já aconteceu num alto nível de desenvolvimento do moderno
patriarcado produtor de mercadorias, do mercado mundial e da industrialização, surgiu
simultaneamente, por assim dizer no mesmo fôlego, a “razão instrumental” já apoiada no
tratamento interpretativo da contradição, e precisamente sob o postulado da “unidade
inseparável entre teoria e práxis”: portanto, na expressão de Horkheimer, de certo modo
como unidade entre forma de constituição e “forma de decadência”.
A “unidade” entre razão objectiva e subjectiva na forma de mediação político-estatal
também balançava para a teoria da acção, quando por vezes a intencionalidade política
era tão enfatizada e tão malbaratada, como se pudesse comandar e modelar a seu bel-
prazer (como um falso “mestre-de-obras”) as categorias fetichistas não-suplantadas. Não
obstante, essa oposição imanente em relação à metafísica da legalidade da teoria da
estrutura depressa fracassou. O debate sobre reforma, ao longo de décadas, no
“socialismo real” e em outros regimes de “modernização atrasada” foi marcado pela
sucessiva capitulação perante a “coacção muda” das pseudo-“leis naturais” das relações
sociais, que se faziam valer mediante a matriz a priori. Dessa maneira, a referência de
Kuczynski à “inflexibilidade” da “lei económica” revelou-se como self-fulfilling prophecy
[profecia de auto-cumprimento]. “Ela sempre derruba o adversário”, logo que seja
reconhecida como matriz a priori. Por isso a “unidade inseparável entre teoria e práxis” do
marxismo de partido conseguiu, quase sem interrupção, dissolver-se no capitalismo
planetário de crise, numa variedade “de trazer por casa”.
No entender da crítica radical, com isso se encerrou praticamente a interpretação
reduzida da Tese sobre Feuerbach. Teoria como “manual de instruções”, o postulado de
uma “utilização” ou “realização”, de uma “fusão” a priori com qualquer tipo de práxis, é,
per se, razão instrumental; onde houver “instruções de uso”, tratar-se-á apenas de
tratamento capitalista da contradição, cujo espaço de acção já perdeu a sustentabilidade
histórica. Com isso se encerrou também, ao mesmo tempo, toda a evocação da “razão
objectiva” como suposta oposição, a qual na verdade fora a primeira a programar esta
marcha das coisas e que, sob as novas condições de crise, só pode repetir a mesma
queda a um ritmo cada vez mais acelerado.
9. A viragem da teoria da acção. Marxismo ocidental e “filosofia da práxis”
Na crítica de esquerda do capitalismo, produziu-se na segunda metade do século XX (já
havia rudimentos desde o período entre as duas guerras) uma cisão, ou pelo menos uma
diferenciação, que foi muito mais importante do que o cisma ostensivo no seio do
marxismo de partido, entre a social-democracia e os bolcheviques. Para a periferia global,
o processo de “modernização atrasada” permaneceu determinante até ao seu colapso na
3ª Revolução Industrial. As contradições do “socialismo real” do Leste e dos regimes de
desenvolvimento “de revolução nacional” nos países do Sul foram sustentadas no
horizonte ideológico das ideias de transformação tradicional pelos “partidos operários” que
se tinham tornado Estados. O marxismo-leninismo dogmaticamente paralisado foi-se
esboroando sob a pressão da práxis económica das “leis” da produção moderna de
mercadorias e do mercado mundial, voltado para concessões tecnocráticas sucessivas
feitas à lógica e à dinâmica próprias das categorias reais capitalistas não-suplantadas, até
que a fachada ideológica se desfez repentinamente em fumo no ponto de viragem de
1989. Quase da noite para o dia, os dogmáticos marxistas-leninistas de fachada mudaram
de pele, para neoliberais igualmente dogmáticos, só que no terreno de regimes mafiosos
em colapso, nas paisagens em ruínas da “modernização atrasada”.
Nos países ocidentais desenvolvidos no capitalismo, pelo contrário, o impulso de
modernização do movimento operário tradicional já começara a esgotar-se a partir da
Primeira Guerra Mundial. E, após a derrota contra o fascismo e o nacional-socialismo,
fazia-se notar uma total desmoralização das respectivas ideias de transformação. No
fordismo do pós-guerra, a função de modernização passou então, em larga escala, do
movimento operário tradicional e de seus aparelhos partidários para o Estado de
regulação keynesiana, no qual sindicatos e partidos operários foram integrados
corporativamente, já sem serem vanguarda histórica. A social-democracia transformava-
se no sistema de partidos do “povo”, o comunismo de partido social-democratizava-se, e
os funcionários do paradigma do marxismo de partido ingressavam em grande parte na
“classe política” do patriarcado produtor de mercadorias.
A erosão do marxismo de partido apresentou-se, portanto, de forma singularmente
oposta no socialismo real do Leste e do Sul e no Ocidente. Os regimes “socialistas”
(capitalistas de Estado) “de modernização atrasada”, que só então passaram a implantar
socialmente o “trabalho abstracto” e as modernas relações de “dissociação-valor”, tiveram
de debater-se, ao longo desse processo, com as contradições da “economia política” não
suplantada. Por esse motivo, o seu tratamento da contradição específico permaneceu até
ao fim acoplado àquela metafísica da legalidade com características quase de ciências
naturais e mediada pela teoria da estrutura (no sentido amplo introduzido acima), de
modo que esses países, consequentemente, acabaram por desembocar “de acordo com
as leis” no capitalismo de crise global. Todavia, nos países ocidentais “trabalho abstracto”
e relações de dissociação-valor há muito tempo já se tinham tornado a “base natural” da
sociedade; desde o início que as funções de “modernização atrasada” do movimento
operário e do marxismo de partido aqui se tinham limitado ao nível jurídico-político do
tratamento da contradição, no sentido de “luta por reconhecimento” (incluindo os campos
de acção nos sindicatos e no Estado social); ou seja, estavam reduzidas, na terminologia
truncada e mecanicista do materialismo histórico, à “superstrutura”. Nesta linha se moveu
também o processo de erosão ideológica no Ocidente.
Na senda da extinção da função de modernização imanente a partir da Primeira Guerra
Mundial, desenvolveu-se, primeiramente ainda no âmbito do marxismo de partido em
erosão, uma formação ideológica chamada marxismo ocidental. Apesar de todas as
distinções e diferenças internas, sobre as quais não é possível pormenorizar aqui, havia
um aspecto caracterizador comum. Para o marxista inglês Perry Anderson, como observa
em seu ensaio sobre o tema, era “o silêncio intencional do marxismo ocidental sobre
aqueles domínios que tinham estado no centro das tradições clássicas do materialismo
histórico” (Anderson 1978, 1ª ed. em inglês 1976, p. 71). Em primeiro lugar ele menciona
a “análise das leis do movimento económico do modo de produção capitalista” (id.).
Na realidade, no marxismo ocidental fazia-se valer uma tendência de sucessivo
abandono da crítica da economia política em sentido estrito. Passada a época das
guerras mundiais e da crise económica mundial, extinguiam-se no Ocidente os grandes
debates marxistas sobre a teoria da acumulação e da crise, sobre a “teoria económica” da
transformação e do socialismo/comunismo; nestas questões só restavam ainda combates
esporádicos de retaguarda sem grande importância. Tal evolução era acompanhada
externamente pela prosperidade fordista do pós-guerra no Ocidente, que empurrou
aqueles questionamentos para segundo plano. Esse bloco ideológico continua a produzir
efeito até hoje, na crise mundial da 3ª Revolução Industrial, como “crença” da esquerda
na capacidade imanente do capitalismo para se auto-eternizar. Naturalmente, o pavoroso
desenvolvimento do “socialismo real”, incluindo o seu colapso, também contribuiu para
obscurecer os velhos paradigmas.
O sub-reptício abandono dos “duros” questionamentos político-económicos e
consequentemente da problemática da forma social básica em geral seguia, sobretudo, a
lógica interna do próprio marxismo ocidental da modernização, na sua limitação à esfera
jurídico-política do tratamento da contradição, em cujo âmbito se inscrevia também o seu
entendimento truncado da crítica da economia política. Daí advém também o fracasso da
“revolução” no Ocidente que, nesse sentido, era desprovida de objecto. Não havia
quaisquer critérios para a revolução nem para a transformação de um sistema já
desenvolvido de “trabalho abstracto” no contexto do paradigma da modernização
imanente, ou seja, do tratamento da contradição no sentido da ideologia da luta de
classes.
A viragem do marxismo ocidental foi preparada e fundamentada pela chamada “filosofia
da práxis”, também designada “pensamento da práxis”, “conceito de práxis” ou “teoria da
práxis”; um conceito que é representado, em diferentes aspectos, principalmente por
Ernst Bloch e Antonio Gramsci, e que se efectivou de modo multifacetado. Em primeiro
lugar, de modo bem marxista tradicional, “filosofia da práxis” significava reivindicar como
objecto da elaboração teórica, em oposição externa à reflexão meramente “histórico-
espiritual”, as relações de vida e de reprodução “verdadeiras” ou “materiais”, visando a
intervenção prática. Esse é, certamente, um entendimento iniludível do “materialismo
histórico”, formulado por Marx e Engels pormenorizadamente na Ideologia Alemã. E note-
se que esta obra constituiu-se, ao lado das Teses sobre Feuerbach, na referência central
dos filósofos da práxis. Mas assim foi amplamente obnubilida a constituição fetichista da
“verdadeira” práxis da vida ou da “actividade da vida sensível” (Teses sobre Feuerbach),
cujo conceito também ainda não estava de modo algum presente na Ideologia Alemã e só
surge em Marx com “O capital” e seus trabalhos preparatórios. Por conseguinte, à
semelhança do que acontece no marxismo de partido clássico, também se evidenciou o
mal-entendido ainda ancorado nas próprias Teses sobre Feuerbach, que hipostasia de
forma não-crítica a “actividade humana sensível” e a toma como campo indeterminado da
“práxis” por excelência.
Mas o que havia mesmo de novo na “filosofia da práxis” do marxismo ocidental? Com
sua interpretação específica das Teses sobre Feuerbach e da Ideologia Alemã, a filosofia
da práxis pretendia retirar do conceito de práxis um paradigma transformado. A teoria
marxiana em sentido amplo surgia aí num alto nível de abstracção como “filosofia da
práxis” (do agir social) por excelência, cujo carácter teria sido até então mal interpretado.
Essencial para a nova interpretação era o entendimento de que o agir deveria ser
libertado do determinismo que dominara até então. Assim se expressou, por exemplo,
Gramsci nos extensos Cadernos do Cárcere: “No que concerne à função histórica
exercida pela concepção de fatalismo da filosofia da práxis, poder-se-ia proferir aqui um
necrológio... A morte do ‘fatalismo’ e do ‘mecanicismo’ marca uma grande viragem
histórica” (Gramsci 1994, 1ª ed. em italiano em 1975, escrito em 1932/35, p. 1392 s.) Com
isso se proclamava um movimento de desengajamento do marxismo ocidental em relação
à metafísica da legalidade até então vigente. Todavia, o problema da “legalidade” do
desenvolvimento social não foi transformado em crítica categorial da constituição
fetichista histórica, mas sim arquivado. Em seu lugar, o conceito de “práxis” começava
então uma nova carreira, que provocaria uma transformação totalmente ilusória e por
maioria de razão bem afirmativa do pensamento marxista tradicional.
Para o novo entendimento tornou-se fulcral o conceito de “economismo”. Na opinião dos
“filósofos da práxis”, o marxismo até então vigente teria dado uma exagerada ênfase
mecanicista ao papel determinante “da economia”. Mas essa crítica também estava ligada
ao abandono da crítica da economia política em sentido estrito, constatado mais tarde por
Perry Anderson (que, por sua vez, segue uma argumentação mais tradicional). Realmente
pode-se ligar o “economismo” marxista clássico à ideia de que o desenvolvimento da
acumulação de capital foi entendido equivocadamente como determinismo histórico
imediato, na sua relação com a “economia” empírica e, na maioria das vezes,
complementado pela “luta de classes” a ela acoplada. Engels já tentara uma correcção
desse economismo mecanicista, ao determinar “a economia (objectiva)” como um “factor”
que só seria determinante “em última instância”, mas que seria modificado e transformado
nas formas de percurso real, mediante desenvolvimentos (subjectivos) políticos,
ideológicos e culturais etc. Todavia, essa correcção era pouco profunda e compartilhava,
no fundo, os falsos pressupostos. Isso devia-se principalmente ao facto de o problema da
moderna constituição fetichista ter permanecido, para Engels, um livro fechado a sete
chaves. Por isso ele também teve de fracassar na crítica do determinação “económica”,
ao suavizar e modificar a metafísica da legalidade não-rompida apenas através dos
floreados retóricos da determinação económica “em última instância”.
À luz de uma crítica da matriz fetichista a priori, uma crítica ligada ao “outro” Marx, a
crítica do economismo clássico tem de ser vista de modo completamente diferente.
Determinante não é a “economia” nem tampouco a “luta de classes” a ela associada, nem
imediatamente nem “em última instância”. Em vez disso, “a conformidade com a lei” está
na matriz a priori da metafísica real moderna e do contexto da sua forma, uma matriz que
serve de base a toda a acção no capitalismo, inclusive ao seu tratamento da contradição,
e que sempre é reproduzida nesse agir (forma da mercadoria e dissociação sexual, e a
correspondente identidade de forma do pensamento, forma da acção, forma do sujeito,
forma da teoria, forma da política etc. enquanto formas de reprodução). Essa constituição
tem raízes mais profundas que todos os movimentos e desenvolvimento empíricos
(também institucionais) “em” sua conexão. Não adianta muito querer transformar o
problema na influência e penetração mútua das diversas esferas “relativamente
autonomizadas” entre si, ou dos “sistemas parciais ou subsistemas” (para usar a
terminologia da teoria dos sistemas). O conceito de todo, ou de totalidade social, passa a
ser então a mera “soma” das esferas ou áreas parciais; o conceito de “sistema” passa a
ser vazio e a representar apenas um floreado retórico.
A definição “da economia” como determinante – não interessa se imediatamente ou “em
última instância” – é uma formulação completamente truncada e distorcida do problema e
permanece aconceptual. A dissociação-valor constitui, sim, uma ampla categoria real
básica, a partir de onde, só então, aquela “completa diferenciação” estrutural será
colocada em esferas sociais “relativamente autónomas”. “A economia” em sentido
empírico não determina, mas ela própria é determinada pela matriz a priori sobrejacente
da constituição fetichista e pela sua “lógica”, que produz uma “legalidade” segundo um
padrão quase igual ao das abelhas (também no seio da “economia”). A adequada crítica a
esta “legalidade” só pode constituir-se negando o modo de socialização enquanto tal, que
implica o dualismo existente entre “economia” e “política” em geral, e ao qual está ligada
também a dissociação sexual.
A crítica truncada do “economismo” feita pela filosofia da práxis compartilhava, tal como
Engels, o pressuposto equivocado; por isso há uma frequente repetição da referência à
formulação de Engels sobre a “relativa autonomia” das esferas ou áreas parciais da
socialização capitalista que, enquanto tal e em sua conexão, acabou por sair
paulatinamente do campo de visão. Por essa razão, o “novo pensamento” dos filósofos da
práxis não provocou uma crítica ampliada e mais profunda à matriz a priori da constituição
fetichista, mediante a crítica da metafísica da legalidade e do “economismo” clássico. Em
vez disso, distanciou-se dela, indo de certo modo noutro sentido, na direcção da corrente
da teoria da acção da ideologia burguesa.
Foi essa a fundamental viragem para a teoria da acção, em que os debates realizados
pelo marxismo ocidental ou pelos filósofos da práxis sobre a análise das “leis do
movimento económico do modo de produção capitalista” deram lugar à ênfase “do
sujeito”, ou ao célebre “factor subjectivo”, em ligação com questionamentos da teoria da
cultura e do conhecimento e/ou epistemológicos. O positivismo da metafísica da
legalidade, derivado do paradigma das ciências naturais, apenas foi substituído pelo
positivismo de uma metafísica da vontade e da intencionalidade (adaptada, nos filósofos
da práxis, à sociologia das classes), positivismo este originário do historismo, da filosofia
da vida e da fenomenologia e/ou do existencialismo. Portanto, grosso modo, em vez da
execução da legalidade histórica, havia, doravante, vontade contra vontade, em vez de
acção com e conforme as “leis”, havia uma acção contra e apesar das “leis”, mas na
mesma constituição da matriz a priori de relações fetichistas não-rompidas e amplamente
irreflectidas. “Na verdade”, as “abelhas” já sempre devem ser “mestres-de-obras”, apenas
com “concepções” contrárias, cuja origem permanece obscura.
A partir daí, faz-se luz também sobre a erosão ocorrida, em sentido contrário, no
marxismo de partido dos socialismos reais do Leste e do Sul, que acabaram por colapsar,
e no Ocidente. Enquanto, no Leste e no Sul, a “intencionalidade socialista” levava com
força cada vez maior à matriz a priori não-suplantada, tendo por fim de capitular perante a
“legalidade” desta, a viragem ocidental da teoria da acção para a “práxis” enganava-se a
si mesma quanto ao problema. Isso só foi possível porque o marxismo ocidental não se
encontrava sob a pressão de uma suposta transformação real (na verdade de uma
implementação “atrasada” de relações de dissociação-valor) e já não se lhe colocava de
modo algum o problema da transformação, mas começava, sim, a perder-se no
tratamento da contradição e na interpretação real do capitalismo, na base duma formação
altamente desenvolvida de “trabalho abstracto” e socialização de dissociação-valor. Desse
modo, a oposição interna dicotómica da ideologia da teoria social burguesa reproduziu-se
no marxismo ocidental apenas como transição para o outro pólo, o pólo da teoria da
acção.
De maneira característica, Gramsci designou a Revolução de Outubro, numa célebre
formulação, como uma “revolução contra ‘O capital’ de Karl Marx”. Sem qualquer intenção
crítica, apenas no sentido de um suposto “triunfo da vontade”, entendido à luz da teoria da
acção, sobre a metafísica da legalidade e o “mecanicismo económico”. As contradições
sucessivas do desenvolvimento do socialismo real já pouco interessavam; o que
interessava era sobretudo a subversão revolucionária aparentemente lograda ao nível das
relações de poder na “luta de classes” (apesar das “leis” e também contra elas), enquanto
a questão das formas sociais básicas começava a sair de cena, sendo percebida apenas
no sentido de “instituições” jurídico-políticas.
A fórmula da “unidade inseparável” não-crítica e não-mediada entre “teoria e práxis”, que
só pode desaguar sempre na ligação aos padrões de acção ontologizados da matriz a
priori, precisava de ser reproduzida por maioria de razão; mas agora na versão de teoria
da acção da metafísica da intencionalidade. Assim, também Gramsci postulou o “enérgico
fortalecimento de uma unidade entre teoria e práxis” (Gramsci 1994, 1ª ed. em italiano em
1975, escrito em 1932/35, p. 1282). Formulação semelhante de Ernst Bloch, em seu O
Princípio Esperança, acerca das Teses sobre Feuerbach: “Assim, o pensamento justo
torna-se finalmente a mesma coisa que o feito da justiça” (Bloch 1968, 1ª ed. 1954-59, p.
83). É verdade que Bloch, em suas reflexões sobre as Teses sobre Feuerbach, volta-se
contra a interpretação pragmático-praticista de uma “autoconsciência pseudo-activa” (id.,
p. 87), nessa medida uma ressonância de Adorno, e quer demarcar a relação marxista
entre teoria e práxis dum entendimento burguês “...de mera ‘utilização’ da teoria” (id., p.
83). Mas com isso ele não pretende criticar a ligação da teoria a uma práxis pré-
estabelecida, ontologizada, antes pelo contrário: a teoria burguesa, segundo Bloch,
“...somente condescendia com a ‘utilização’ pela práxis, como faz um soberano perante o
povo, na melhor das hipóteses como uma ideia para a sua valorização” (id., p. 83). Mas a
“valorização” como critério já aponta precisamente para a subordinação da teoria a um fim
ontologicamente pré-estabelecido, irreflectido, e não para a sua “arrogância burguesa
(senhorial)”, como quer sugerir Bloch. Se a teoria, segundo o entendimento de Bloch, não
deve “condescender” com a práxis, então ele com isso quer dizer que a teoria,
inversamente, deveria fundir-se com a práxis (da luta de classes reformulada à luz da
teoria da acção), e não que ela necessite de distância em relação ao tratamento da
contradição imanente. Ao obrigar, como é o caso, a teoria à “parcialidade do ponto de
vista da classe revolucionária” (id., p. 90) e ao celebrar a “principal obra” de Marx como
“pura instrução para a acção” (id., p. 95), o seu próprio entendimento de teoria já se
encontra num “horizonte de utilização” de razão instrumental, cuja constituição fetichista
permanece inteiramente por reflectir.
Desse modo não é possível conseguir nem um conceito crítico da “forma teoria”, como
“forma” burguesa “de consciência reificada”, nem uma crítica da referência legitimatória e
de interpretação real vinculada a tal forma, do modo como tal referência já se encontra
colocada per se em todo e qualquer postulado de uma “unidade” a priori “de teoria e
práxis”, ainda mais num postulado modelado conforme a teoria da acção. Por essa razão,
tal como o marxismo de partido tradicional, os filósofos da práxis permaneceram
incapazes de fazer sobressair a diferença entre práxis dominante (fetichista) da vida,
“contrapráxis” particular como tratamento da contradição no campo da imanência
capitalista e práxis transcendente que exceda isso (arrombando a conexão constitutiva da
forma). É claro que assim o conceito de crítica também não podia ser separado de seu
teor imanente, herdado da história da imposição capitalista, para ser transformado em
crítica categorial. Mais do que nunca a teoria permaneceu “presa” ao tratamento da
contradição imanente, só que agora na viragem da teoria da acção. A práxis é a práxis é a
práxis...
Naturalmente que a metafísica do trabalho, enquanto ontologia do trabalho, continuava
aí sem interrupção, como observa Bloch ao fazer referência ao Marx teórico da
modernização no entendimento do movimento operário, e após definir a ontologia
burguesa do trabalho de Hobbes até Hegel, como “fase preliminar” de um “materialismo
ainda contemplativo” ou de um “idealismo objectivo”: “Nesse contexto, Marx naturalmente
deixa claro que a actividade burguesa ainda não é uma actividade completa, justa (!). Ela
não o pode ser, já que não passa de uma aparência de trabalho, pois a produção de valor
nunca parte do empresário, mas do camponês, do artesão, por fim do assalariado” (Bloch,
id., p. 67, itálico de Bloch). É de uma impressionante candura o modo como o problema
óbvio de uma ontologia do trabalho comum na Modernidade, que aponta para o facto de o
marxismo do movimento operário ser parte na forma burguesa, é reinterpretado como a
diferença aparente de que a ontologia burguesa do trabalho ainda não seria mesmo
“justa”. Para Bloch, assim como para o marxismo tradicional, a “verdadeira” metafísica do
trabalho, aquela que deverá suplantar a “aparência de trabalho”, só resultará da
identificação com a “verdadeira produção de valor” por parte dos dependentes, sendo de
notar, de passagem, que também surge uma ontologia da forma do valor que até é
expandida a todos os camponeses e artesãos (pré-modernos).
No entanto, a ontologia do trabalho de Bloch já não implica qualquer recurso à crítica da
economia política, nem à teoria da acumulação e/ou da crise, nem à problemática da
transformação social, onde a metafísica da legalidade do marxismo tradicional fizera
grandes esforços, para no entanto acabar por fracassar no “socialismo real” (em todo
caso, tomando como referência a pretensão de uma suplantação do capitalismo). A
ontologia do trabalho esconde-se agora numa ontologia da práxis historicamente
indeterminada, generalizada, ampliada, a qual é adaptada à teoria da acção e a partir da
qual a matriz a priori da constituição fetichista é sistematicamente reduzida. Para a
problemática da transformação, na medida em que ela ainda surge, isso significa, de certo
modo, recair num pensamento utópico. Mais que nunca, a relação de imanência e
transcendência, que faz batota com as contradições da ontologia do trabalho, permanece
indeterminada e desfaz-se nas expressões nebulosas do “utópico” (Bloch). A questão de
uma verdadeira suplantação da constituição fetichista capitalista é assim malograda, com
tanto maior certeza quanto alguma vez um teor “utópico”, supostamente transcendente, é
capaz de tentar encontrar significados escondidos na “contrapráxis” limitada do
tratamento da contradição imanente, antes de a práxis ter atingido o limiar de uma crítica
categorial. Por esse motivo, os conceitos das chamadas “utopias concretas” preferidos
pelos filósofos da práxis de diferentes tendências empancam forçosamente em factores
particulares infundamentados, que nem chegam a arranhar o modus da socialização
capitalista, ou então as formas fetichistas deste modus deverão ser reinterpretadas ou
“redefinidas” de alguma forma simpática para com os seres humanos. Assim sendo, o
“concreto” do utópico, ou é sempre a orientação para uma acção socialmente irrelevante
nos nichos da abstracção real capitalista, ou então esta última deverá ser coberta de
vestes ilusoriamente diferentes.
Mas a recaída num utopismo difuso, transbordante de metáforas sentimentalóides (por
exemplo, na mobilização do conceito de “Heimat [pátria]” em Bloch), constitui apenas um
aspecto parcial da viragem da teoria da acção. Maior importância e mais longo alcance
tem a reinterpretação (em vez de suplantação) do politicismo marxista juntamente com
essa viragem. A ligação da “forma teoria”, incompreendida em seu carácter burguês, ao
tratamento da contradição imanente levou, como é sabido, à sua integração na “forma
política” igualmente burguesa; e, desde logo, também entre os filósofos da práxis isso
continuou a ser a política de partido. Todavia, a partir da viragem da teoria da acção e no
contexto daquela crítica truncada do “economismo”, seguiram-se uma ampliação, uma
dilatação e, de certa maneira, uma autonomização do conceito de política, tal como se
anuncia em Gramsci: “Assim também se chega à igualdade ou à equiparação entre
‘filosofia e política’, entre pensar e agir, ou seja, chega-se a uma filosofia da práxis. Tudo é
política, também a filosofia ou as filosofias..., e a única ‘filosofia’ é a história em acção, isto
é, a própria vida” (Gramsci 1992, 1ª ed. em italiano em 1975, escrito em 1930/31, p. 892).
Já na terminologia se revela aqui uma certa dependência do pensamento da filosofia da
vida, em cujo horizonte os conceitos da Ideologia Alemã são interpretados. A imediata
“equiparação entre pensar e agir” (na verdade, o “amarrar” da teoria na identidade
negativa a priori da forma do pensamento com a forma da acção) deverá transformar a
reflexão directamente em “história em acção”, sendo de notar que as palavras “a própria
vida” surgem no lugar da crítica da constituição social. O enunciado chave é: “tudo é
política”.
Com isso se torna patente a diferença decisiva em relação ao pensamento até então
vigente do marxismo de partido no quadro da metafísica da legalidade. Neste
entendimento, a política não era absolutamente “tudo”, mas sim, ela própria, um “meio
para o fim”, ao qual a teoria, por sua vez, mais uma vez estava subordinada de forma
instrumentalmente legitimatória. O “fim” deveria consistir na transformação “conforme às
leis” e “historicamente necessária” (determinada) numa reprodução “planeada
socialistamente”. Mas como essa finalidade permaneceu abaixo do limiar da crítica
categorial e continuava a pressupor ontologicamente as formas capitalistas, ela precisava
de surgir na proclamação ilusória de um comando da política e do estatismo “socialista”
e/ou “proletário” sobre o contexto da forma afirmado positivistamente. Todavia, ou
precisamente por essa razão, continuava a existir uma distinção de conteúdo entre
política e transformação social, entre meio e fim. No sentido de uma suplantação
emancipatória da moderna constituição fetichista, era um meio inviável para um fim
inviável, só explicável a partir da constelação da “modernização atrasada”. Não obstante,
quando a viragem do marxismo ocidental para a teoria da acção eliminou todo o
questionamento, afogando-o numa crítica truncada do “economismo”, restou apenas a
política, por assim dizer, “sozinha em casa”. A fórmula “tudo é política” mostra o “meio”
política transformado no seu próprio “fim”, e com isso obscurecido e obnubilado o fim em
si mesmo pressuposto do “sujeito automático”, ainda mais que no entendimento truncado
do marxismo tradicional.
Portanto, a viragem da teoria da acção arrancou o politicismo marxista tradicional de seu
ancoramento na problemática da acumulação, da crise e da transformação, para com isso
o hipostasiar mais do que nunca. O floreado aconceptual da “última instância” económica
já não passava de mero adereço, para definitivamente deixar de levar a sério o contexto
da forma social basilar e transformá-lo em mero ruído ontológico de fundo. Restava a
ênfase à “relativa autonomia” (que se tornava palavra-chave inflacionária) das esferas,
áreas parciais e “subsistemas” sociais, da cultura etc. e especialmente da política. O
inflacionado conceito de política tornou-se tautológico, e até mesmo autista.
Simplesmente, já não se podia indagar o que a meta de uma suplantação social do
capitalismo realmente deveria conter; a determinação do conteúdo foi totalmente
substituída por uma metafísica da vontade e da intencionalidade fundamentada na teoria
da acção. Este entendimento realmente absurdo assemelha-se fatalmente à metafísica da
“determinação” heideggeriana, muitas vezes objecto de troça: “estamos soturnamente
determinados, só não sabemos a quê”. A política é a política é a política...
É por isso que também se vê em Gramsci, por exemplo, o já mencionado amplo
desinteresse pelas contradições da “sociedade do planeamento” burocrático-estatal
soviética (que, em todo caso, foram percebidas no sentido de um democratismo
superficial, sem atentar no paradoxo de um “planeamento do valor”), e a redução do
interesse ao revolucionamento das “relações políticas” em sentido lato. “Tudo é política”
também significava: tudo é “relação de poder”, ou “relação de forças”, até aos capilares da
sociedade. O conteúdo fetichista do poder, o “sujeito automático” da valorização do valor,
o “trabalho abstracto” e a relação de dissociação sexual, ou seja, o contexto da forma
social, como conteúdo a partir do qual é gerado poder em geral, caíram na completa
ignorância. O sociologismo tradicional das “classes”, que ainda tivera uma relação
positivistamente reduzida com a problemática da forma, era agora totalmente desonerado
e “desligado” disso. A metafísica da intencionalidade da teoria da acção desfez a
sociabilidade em geral em relações de vontade; portanto, vontade contra vontade, como
“classe contra classe” e como reconfiguração infinita das “relações de forças”, sem os
pressupostos da constituição da forma e sem o objectivo de uma ruptura com essa
constituição.
Nesse contexto, Gramsci cunhou um conceito muito esforçado de “hegemonia”, ou de
eterna luta em torno dela, o qual engoliu a forma fetichista comum da vontade e, com
isso, o conceito de relação capitalista, assim como o conceito de práxis: “A consciência de
ser parte de uma determinada força hegemónica (ou seja, a consciência política), é a
primeira fase de uma autoconsciência progressiva que vai além disso, em que teoria e
práxis constituem por fim uma unidade... E precisamente por isso, deve-se sublinhar
como o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, mais que um
progresso político-prático, um grande progresso filosófico, pois supõe e compõe
necessariamente uma unidade intelectual...” (Gramsci 1994, 1ª ed. em italiano em 1975,
escrito em 1932/35, p. 1384). Consciência em geral e crítica em geral tornam-se a pura
“consciência política” despida do seu condicionamento. Enquanto no “socialismo real” a
política foi recuando paulatinamente diante das pseudo-leis naturais da constituição
fetichista, para enfim capitular incondicionalmente perante elas, aconteceu precisamente
o inverso no marxismo ocidental, em que a mesma constituição social não-suplantada se
foi desfazendo ideologicamente aos poucos em “política”, e de facto ignorando
sistematicamente o fatal desenvolvimento do socialismo real. A proclamada “unidade
entre teoria e práxis” sob a fórmula “tudo é política” da teoria da acção transformou-se na
divisa “política é tudo”. Consequentemente, mais do que nunca a teoria foi degradada à
condição de teoria legitimadora de uma “práxis política” – a priori pressuposta à teoria –
de tratamento da contradição imanente, mas agora uma política arrancada de seu
ancoramento na constelação de “modernização atrasada” já sem razão de ser, uma
política que se transformou no ponto-morto histórico de eternas “lutas” no eterno
paralelogramo de “relações de forças”. Na verdade, isso também foi uma capitulação,
mas uma capitulação titubeada, negada e fingida: um auto-comprometimento implícito
com a moderna constituição fetichista definitivamente obnubilada, não obstante ainda
troando no peito como “consciência de luta”, em que o peito emproado da classe
proletária já só conseguia mostrar-se como um peito de galinha. As lutas são as lutas, são
as lutas...
10. O “marxismo estruturalista” e o politicismo da teoria da acção
A viragem do marxismo ocidental para a teoria da acção e a reinterpretação tautológica
do politicismo de esquerda a ela associada não teve um desenvolvimento ininterrupto,
uma vez que, no pensamento ideológico da Modernidade, a metafísica da
intencionalidade não consegue em geral emancipar-se da metafísica da legalidade, nem
vice-versa. Por isso, o marxismo ocidental também produziu uma versão “estruturalista”
após a Segunda Guerra Mundial, representada principalmente por Louis Althusser.
Contudo, o chamado estruturalismo do período pós-guerra, onde teve origem a “leitura
estruturalista de Marx” por Althusser, já não seguiu a metafísica da legalidade burguesa
clássica, mas desenvolveu-se em paradigmas linguísticos (Saussure) e etnológicos (Lévi-
Strauss). Embora aqui também se tenham revelado reduções pseudo-científico-naturais,
por exemplo em Lévi-Strauss, esses “modelos explicativos” estavam simultaneamente
orientados contra a metafísica iluminista e hegeliana da história. A “conformidade com a
lei” já não era considerada historicamente sobrejacente, ela estava reduzida às
“respectivas estruturas” e à “necessária autonomização” destas, sem componentes
teleológicos.
Isso lembra as citadas formulações de Engels, cujo enunciado, todavia, agora estava
despojado da metafísica da história e do conteúdo da crítica da economia política. Desse
modo, a “leitura estruturalista de Marx” feita por Althusser foi predominantemente
epistemológica e não de conteúdo. Nesse aspecto, pode muito bem estabelecer-se uma
convergência com os filósofos da práxis, embora o estruturalismo marxista seja tratado
como contrapólo, por exemplo em relação a Gramsci. A diferença reside realmente na
valorização oposta do “sujeito”. Enquanto os filósofos da práxis alcançaram uma ênfase
“humanista” do sujeito e uma metafísica da vontade, em oposição à metafísica da
legalidade, Althusser, por sua vez, adopta uma “concepção anti-humanista”, com a tese
fundamental “... de que se deveria eliminar toda a origem e todo o sujeito, e ousar afirmar
como absoluto apenas o processo sem sujeito, tanto na realidade como no conhecimento
científico” (Althusser 1974 a, 1ª ed. em francês em 1972, apresentado como discurso em
1968, p. 83 s.). Essa conceptualidade foi sobremaneira afirmada como recebida de Hegel,
no modo como ela teria “servido de base a todas as análises de ‘O capital’” (id., p. 82), e
tal conceptualidade sempre voltava a ser reforçada: “No próprio processo não existe um
sujeito: mas o próprio processo é sujeito, precisamente na medida em que não tem
sujeito... Se possível, elimina-se a teleologia e resta a categoria filosófica de um processo
sem sujeito adoptada por Marx” (id., p. 65).
É claro que essa determinação lembra o “sujeito automático” de Marx. Contudo, na
leitura de Althusser, essa categoria não é entendida criticamente, mas sim
positivistamente, como uma ocorrência de certa forma “eterna” (nessa medida, mais uma
vez como afirma Engels em sua formulação). A “luta de classes”, a suplantação do
capitalismo, o comunismo e em geral todo o futuro voltarão então a ser um “processo sem
sujeito”. A crítica do sujeito aqui não acarreta a crítica categorial da constituição fetichista,
mas conduz, por sua vez, à afirmação estrita da “objectividade” de processos estruturais
autonomizados, que apenas são “executados” por indivíduos, grupos e classes em acção;
simplesmente, “libertados” da metafísica da história. Trata-se, pois, de uma metafísica da
legalidade reduzida e “fraca” que apenas critica exteriormente toda a ênfase “humanista”
do sujeito, sem lançar luz sobre a conexão interna e a identidade polar entre forma de
sujeito e objectivação fetichista.
Assim, para o estruturalismo é impensável uma “ruptura ontológica”; a ontologia da
práxis transforma-se, sim, numa ontologia de estruturas e processos historicamente
indeterminados e autonomizados, na qual a humanidade se acha cativa para sempre. Não
admira que Althusser, sem quaisquer cerimónias, classifique o capítulo do fetiche de “O
Capital” como peso-morto hegeliano e aconselhe leitoras e leitores a saltá-lo. Para ele,
tanto o conceito de fetiche como o de estranhamento fazem parte “do período do jovem
Marx” (Althusser 1974b, 1ª ed. em francês em 1965, p. 191), cujos textos deveriam ser
ignorados (uma afirmação contrafactual, pois, como já foi dito, Marx só desenvolveu o
conceito de fetiche no período “maduro” da análise do capital). Portanto, a principal
diferença em relação aos filósofos da práxis consiste em que o “marxismo estruturalista”,
que só à primeira vista se aproxima do problema fundamental, torna explícita a
capitulação implícita e titubeada da filosofia da práxis perante a constituição fetichista a
priori, fornecendo-lhe mesmo a legitimação teórica.
Neste contexto, o conceito de ideologia althusseriano também é revelador. É verdade
que Althusser criou o conceito de “práxis ideológica” e também estabelece uma diferença
entre “ciência” e “ideologia”. Mas, em primeiro lugar, ele permanece preso a um conceito
positivista de ciência natural de cunho mais engelsiano, não reconhecendo com isso a
base ideológica de toda a ciência burguesa na “forma teoria”. Em segundo lugar, ele
positiva a “práxis ideológica”, como expressão “necessária” de uma espécie de primeiro
nível da “consciência do interesse”, assim se assemelhando muito ao marxismo de partido
tradicional, que também falou frequentemente sem cerimónias de uma “ideologia
proletária” positiva. Assim afirma Althusser: “Eu não condenei, de maneira alguma, a
ideologia como tal: pois, como diz Marx, na ideologia as pessoas consciencializam-se da
sua luta de classe e levam-na até ao fim...” (Althusser 1967, p. 10). Assim ele ignora
completamente o terrível poder negativo da ideologia, onde o interesse do ser-aí
capitalista, saindo do tratamento da contradição imanente, vincula-se às categorias
fetichistas ontologizadas socialmente sobrejacentes, submetendo-as a uma interpretação,
ou interpretação real, que vai até aos conteúdos assassinos do machismo, do racismo e
do anti-semitismo.
A ontologia de estruturas e processos autonomizados traz como consequência a
ontologia do ideológico: “As sociedades humanas segregam ideologia como um elemento,
ou atmosfera, imprescindíveis para a sua respiração, para a sua vida histórica” (Althusser
1974, 1ª ed. em francês em 1965, p. 182). Assim se inviabiliza uma crítica coerente da
ideologia, que só pode resultar de uma crítica categorial da moderna constituição
fetichista. O próprio Althusser o sabe: “E para não evitar a questão mais candente: o
materialismo histórico não pode imaginar que até mesmo uma sociedade comunista
pudesse passar sem ideologia...” (id., itálico de Althusser). A ontologização estruturalista
da ideologia reduz o problema a uma “teoria da ideologia” positiva, ou seja, a
classificações sociológicas superficiais (à semelhança do que acontece na sociologia do
conhecimento de Karl Mannheim). No seio do capitalismo, são precisamente as “classes”
que separam suas ideologias contrárias, e só interessa fomentar e fundamentar, ou
complementar cientificamente, a tendência ideológica “correcta”. Isso também combina da
melhor maneira com o facto de a filosofia da práxis farejar em busca de momentos
“utópicos” no eterno tratamento da contradição, o que também joga com a possibilidade
de um conceito positivo de ideologia.
A leitura estruturalista do marxismo está em plena conformidade com a viragem da
teoria da acção, na crítica tão reduzida como superficial do economismo clássico. Na
medida em que Althusser, subtraindo a teleologia da filosofia da história, se atém a uma
metafísica da legalidade reformulada no estruturalismo, esta deixa de referir-se a uma
“origem económica”, para aludir a um emaranhado de estruturas e processos de diversas
proveniências e das mais diversas esferas sociais. Por esse motivo, ele também postula,
“... que se deve deixar para Hegel a categoria da totalidade, reivindicando para Marx a do
todo” (Althusser 1977, 1ª ed. em francês em 1975, p. 65, itálicos de Althusser). O conceito
positivo de totalidade de Hegel não é suplantado enquanto tal, através de crítica
categorial à totalidade negativa incoerente (como foi desenvolvido pela crítica da
dissociação-valor), mas simplesmente preterido a favor da categoria
fenomenologicamente reduzida de um “todo” conceptualmente vazio, que nada mais pode
ser senão a mera “soma” de esferas e momentos sociais parciais.
Nesse processo, Althusser bate em retirada também em direcção à formulação de
Engels sobre a economia como “última instância”, que apenas indirectamente seria
“determinante”. No capitalismo, tratar-se-ia, portanto, de uma “estrutura com dominante”
(Althusser, 1974, 1ª ed. em francês em 1965, p. 146). Aí ele recorre ao termo
“sobredeterminação”, retirado da psicanálise freudiana: a famosa “última instância” seria
“sobredeterminada” (transformada e penetrada) por outras “instâncias” (políticas,
ideológicas, culturais). A verdade incontestável, mas superficial, de que a forma de
percurso real do processo da contradição social é co-determinada pela política e pela
ideologia, não representa, todavia, nenhum conhecimento teórico, se não ficar ao mesmo
tempo evidente que tanto a “economia” como a política e a ideologia etc. se referem à
constituição fetichista básica da relação de dissociação-valor, a partir da qual, só então,
se pode explicar o momento “determinante” de uma legalidade da forma (e de uma
dinâmica de crise). Ao reduzir, tal como Engels e os filósofos da práxis, o problema à
“economia” como “última instância”, Althusser apenas chega ao entendimento tautológico
de que “base” e “superstrutura”, “economia” e política/ideologia “se determinam” mesmo
reciprocamente (sobredeterminação), com o que ele então pode afirmar: “É o
‘economismo’ (o mecanicismo), e não a tradição marxista genuína, que põe de pé, de
uma vez por todas, a hierarquia das instâncias” (Althusser 1974, 1ª ed. em francês: 1965,
p. 160). A “hierarquia das instâncias”, porém, é apenas uma percepção reduzida e
deformada, por falta de um conceito crítico de totalidade que o próprio Althusser nega
expressamente.
O resultado é então inequívoco: “Nunca bate a hora solitária da ‘última instância’...”
(Althusser, id., p. 81). Mas não é no sentido reduzido do “economismo” clássico; pelo
contrário, com isso também desapareceram, na argumentação althusseriana, a totalidade
negativa como tal, a lógica interna do modo de socialização, o momento determinante em
geral no sentido de uma dinâmica objectiva, a fronteira interna da valorização do capital,
do “trabalho abstracto” e da relação de dissociação, bem como o problema da
transformação como arrombamento da constituição da forma. O que resta é, exactamente
como nos filósofos da práxis, a “relativa autonomia” das esferas e dos subsistemas. A
questão sobre o que a “estrutura com dominante” na verdade ainda deveria significar não
é explicada no seu conteúdo conceptual e analítico; em vez disso, esta pergunta é evitada
e, por sua vez, dissolvida em “práxis”. Althusser, após ter obnubilado a constituição
fetichista, tal qual os filósofos da práxis, simplesmente afirma que o problema “... foi
tornado supérfluo através de toda a práxis política de Lenine” (Althusser 1977, 1ª ed. em
francês em 1975, p. 87). Não encontramos nada, portanto, senão a mais bela capitulação
da teoria perante a práxis histórica do tratamento da contradição no sentido da
“modernização atrasada”. “A solução do nosso problema teórico”, dizia Althusser, “já
existe há muito tempo em estado prático na práxis marxista” (id., itálico de Althusser, p.
102). Segundo ele, só interessaria “exprimir” essa “solução” também “teoricamente” (id.).
Exactamente como nos filósofos da práxis, essa “expressão” teórica, por sua vez,
também almeja, por um lado, deixar a suposta “determinante” económica ser
determinante de algum modo e, por outro lado, tem por objectivo persistir na
permanentemente chamada “superstrutura”, ou seja: persistir na fórmula “tudo é política”
ou “política é tudo”, sendo que Althusser dá a conhecer mesmo explicitamente a seguinte
referência pertinente: “Finalmente eu pude entender a grande teoria de Marx, Lenine e
Gramsci: que a filosofia é fundamentalmente política” (id., itálico de Althusser p. 204).
Nesse sentido, Althusser também tenta entender o estalinismo não só como mero
“equívoco”, mas também como puro fenómeno da superstrutura, o que para ele “...explica
de modo muito simples, teoricamente, que a base socialista pôde desenvolver-se
essencialmente sem prejuízos (!) durante esse período de equívocos que atacaram a
superstrutura...” (id., itálico de Althusser, p. 193). Aqui se mostra também em Althusser, de
maneira mais que clara, a ignorância colectiva do marxismo ocidental perante o conteúdo
da crítica da economia política, na qual se esconde o problema da constituição fetichista
da forma. Por conseguinte, a leitura “estruturalista” e ignorante dos conteúdos que
Althusser faz de Marx desagua também no politicismo compatível com a teoria da acção,
tautológico e auto-referencial; o processo social como “práxis” ontologizada desfaz-se em
“... inúmeras forças entrecruzadas, um número infindo de paralelogramos de forças...”
(Althusser 1974, 1ª ed. em francês 1965, p. 89).
Assim, Althusser também oferece o seu conceito verdadeiramente elucidativo de “práxis
teórica”, uma vez que não pode continuar a desenvolvê-lo até à conexão interna com a
constituição da forma social. Esse conceito, segundo afirma Althusser, na verdade
“possibilitou a tese da relativa autonomia da teoria..., portanto, o direito para a teoria
marxista já não ser tratada como pau para toda a obra das decisões da política
quotidiana...” (Althusser 1977, 1ª ed. em francês 1975, p. 55), mas destacando também
especialmente que “...unitariamente ligada com a práxis política e outro tipos de práxis”
(id.). Em suas diversas autocríticas, Althusser já tinha “revisto”, com pertinência, seus
conceitos: “É verdade que falei na unidade entre teoria e práxis na ‘práxis teórica’, mas
não abordei a questão da unidade entre teoria e práxis na práxis política” (Althusser 1967,
itálico de Althusser, p. 14).
Althusser acusa-se a si próprio repetidamente de “teoricismo”, o que apenas indica que
se esquivava do verdadeiro problema. Não se trata, em absoluto, de remoer as palavras
“autonomia relativa” da teoria (para isso não é preciso o conceito de “práxis teórica”). A
teoria não é uma “esfera” ao lado de outras na ciranda da “autonomia relativa”; pelo
contrário, ela é mesmo a teoria da práxis, nomeadamente da práxis dominante, fetichista,
a “expressão teórica desta. E enquanto tal deve ser usada negatoriamente, mesmo contra
si própria como “forma teoria”, o que, porém, nada tem a ver com uma “unidade” a priori
“de teoria e práxis”, e muito menos com uma fusão com a “política”. Pelo contrário, o que
importa é criticar a práxis, precisamente a práxis do eterno tratamento da contradição na
forma política. A difusa ontologia da práxis enevoa precisamente essa tarefa, e com isso
amarra a teoria a esse tratamento da contradição imanente, de que não tem qualquer
conceito. É indiferente se o ponto de partida é a nua metafísica da intencionalidade dos
filósofos da práxis ou a “fraca” metafísica da legalidade do estruturalismo althusseriano.
Através da sua crítica truncada do economismo clássico, ambas as abordagens do
marxismo ocidental desaguam num politicismo tautológico, sem objectivo de conteúdo, de
“lutas” eternas e eternas “relações de forças”, na jaula da matriz a priori.
11. O pêndulo de Foucault. Do marxismo de partido à ideologia do movimento
A partir dos anos 60, a dissolução da crítica de esquerda do capitalismo, na linha da
filosofia da práxis e do marxismo “estruturalista” althusseriano, prosseguiu na “práxis
ideológica” da elaboração teórica pós-moderna, também chamada “pós-estruturalismo”.
Como representante exemplar dessa linha temos Michel Foucault, cujas reflexões tiveram
recepção mais forte na esquerda. Também em Foucault se encontra o postulado da
“unidade inseparável” entre teoria e práxis. Assim, de modo expressivo, ele faz valer,
contra a Escola de Frankfurt, “uma outra via” “que tem uma orientação empírica mais
forte..., mas também significa uma ligação mais estreita entre teoria e práxis” (Foucault
2005a, 1ª ed. em inglês em 1982, p. 243).
No entanto, o antigo postulado é aí reformulado diferentemente, ao surgir a ontologia da
práxis na forma das célebres “práticas discursivas”. O conceito característico de “práticas”
usado por Foucault, que conheceu diversas formulações nos diversos períodos de seu
desenvolvimento (por exemplo, nas definições de “episteme” ou de “dispositivo”), pode
muito bem, em combinação com suas copiosas análises materiais sobre a história da
constituição, da disciplinação e da interiorização da Modernidade, ser integrado numa
teoria crítica da dissociação-valor; nesse sentido, fazendo uso de mais uma metáfora de
Foucault, poder-se-ia falar de uma “microfísica” das relações fetichistas. Mas foi
precisamente uma referência dessa natureza que Foucault não conseguiu produzir com
sua abordagem; pelo contrário, ele desenvolveu um esquema teórico que conduziu para
ainda mais longe de uma teoria crítica da constituição da forma histórica.
Foucault também assume a crítica do “economismo”; ele exige “libertar-se dos
esquemas económicos ao fazer a análise do poder” (Foucault 1978, Prelecção de 1976,
p. 72). Contudo, diferentemente dos representantes do marxismo ocidental, ele também
recusava definir a “economia”, fosse como fosse, como uma “profunda e única última
instância” (Foucault, Conferência de 1978, p. 36). Ao rejeitar esses floreados dos
marxistas ocidentais em dificuldade, ainda usados apenas na diplomacia teórica com
base na formulação evasiva de Engels, Foucault também corta a última e ténue ligação
com a problemática da matriz fetichista a priori. Afinal, ele não trata criticamente a
definição reduzida de “instância económica”, optando simplesmente por eliminá-la; na
verdade, ele já não se interessa pelo capitalismo nem pela crítica do capitalismo. Ao
surgirem em seu livro “As Palavras e as Coisas” (Foucault 1976, 1ª ed. em francês em
1966) questões sobre a crítica da economia política, Foucault, tal qual Althusser, não lida
com elas do ponto de vista do conteúdo, mas apenas de forma puramente
epistemológica; e doravante inteiramente desligado da teoria de Marx.
Pela sua postura, Foucault já é um “pós-marxista” de esquerda, que força o movimento
pelo desengajamento do marxismo de partido, mas numa direcção que é precisamente o
rumo equivocado. A sua crítica da ideologia do sujeito, que ele inicialmente compartilhava
com o estruturalismo (bem como todas as suas ontologizações), e a crítica do Iluminismo
que lhe estava associada, apenas têm por objectivo negar, em geral, toda e qualquer
teoria abrangente dos contextos histórico-sociais; volta-se contra as “teorias globais,
totalitárias” (Foucault 1978, id., p. 58), sobretudo o marxismo, afirmando: “(Toda e
qualquer) retoma das categorias da totalidade teve, na realidade, um efeito de travagem”
(id., p. 59). Se Althusser já renunciara ao conceito de totalidade como “hegeliano”, em vez
de o transformar criticamente, Foucault, por sua vez, já nem sequer chega a distinguir
esferas ou subsistemas sociais “relativamente autónomos”. Ele retira também até a casca
vazia do “todo” e deseja, em vez disso, “... manter-se no campo de imanência das puras
singularidades (!). Portanto: ruptura, descontinuidade, singularidade, pura descrição...”
(Foucault 1992, id., p. 36).
As “instituições, as práticas, os discursos” (Foucault 1978, id., p. 58) enquanto tais já
não são compreendidos “em” um contexto social sobrejacente, nem mesmo em áreas
parciais, mas como singularidades, portanto, mais do que nunca, de modo positivista: “A
análise das positividades... que não relaciona puras singularidades a uma espécie ou a
uma entidade, mas sim a condições banais de aceitabilidade (!), desenvolve uma rede
causal que ao mesmo tempo é complexa e limitada... (Por esse motivo) as relações
precisam de ser multiplicadas, os diversos tipos de relações, as diferentes necessidades
de encadeamento precisam de ser diferenciadas, processos heterogéneos precisam de
ser observados em sua sobreposição” (Foucault 1992, id., p. 36 s.). “Não a
essencialidade”, mas “condições banais de aceitabilidade”: aqui está um programa
reducionista. Está rompido todo e qualquer conceito e, por conseguinte, toda e qualquer
crítica de uma definição da essência social. Na verdade, já nem sequer existe qualquer
sociedade (e muito menos qualquer história), mas sim apenas um emaranhado
impenetrável formado por “singularidades” ou pelos chamados ensembles, na “lógica de
um jogo de relações interactivas com suas margens de incerteza em constante mudança”
(id., p. 38). O conceito de capitalismo tornou-se sem sentido e, consequentemente,
também a crítica do capitalismo.
O que resta, como definição geral a-histórica e vazia de conteúdo, é, em compensação,
o conceito de “poder”. De alguma maneira, todas as relações sempre já são “relações de
poder”, que agora se desenvolvem enquanto aqueles ensembles de singularidades, e já
não na oposição das “classes” (sociologisticamente reduzidas, separadas de sua conexão
constitutiva) como nos filósofos da práxis. À luz da crítica do fetiche, o fluido do poder não
tem fundamento antropológico (ou mesmo biológico), nem pode ser entendido como
relação de vontade sem pressupostos entre classes ou grupos e baseada apenas em
meios de poder externos (por exemplo armas). Poder que se exprime em dominação
desenvolve-se, sim, a partir de uma história de relações fetichistas, nas quais a respectiva
matriz a priori que abrange a todos os indivíduos estabelece, a partir de si mesma, uma
hierarquia funcional de relações de dominação, cujos “agentes” (em Marx: “máscaras de
carácter”) executam os imperativos de formas de acção pressupostas, sem serem seus
portadores “conceptuais”. Mas como, em Foucault, está liquidado todo e qualquer
resquício de um conceito de essência para além do marxismo, o fluido do “poder” revela-
se-lhe como uma ontologia sui generis, já não fundamentada, mas pressuposta
positivistamente.
Assim, tudo é sempre “poder” sem fundamentação; a “lógica de um jogo de relações
interactivas” surge como um eterno “jogo do poder” no espaço das “singularidades”, nas
quais também se dissolvem a política e a economia da Modernidade. Por essa razão, o
quadro referencial teórico da ontologia do poder abstracto de Foucault já não é Marx, mas
explicitamente Nietzsche e implicitamente Heidegger. Quanto mais os conceitos analíticos
das “práticas” e as análises materiais com eles relacionadas podem ser integrados
criticamente na teoria da dissociação-valor, mais intransigentemente deverá ser
combatido o esquema teórico daquele quadro referencial subsidiário da Ideologia Alemã
(que é, em geral, constitutivo da “práxis ideológica” pós-moderna). Afinal de contas,
Foucault, com sua atomização coerente da sociedade e da história, leva ao extremo a
obnubilação do contexto da forma categorial, já preparada no seio do marxismo ocidental,
abandonando, com isso, o campo da crítica radical em geral; sua concepção acaba num
posicionamento e numa práxis “de esquerda” com uma ontologia “de direita”.
Desse modo, para Foucault, também o conceito de ideologia e, por conseguinte, tanto a
teoria positiva da ideologia como a crítica da ideologia são sem sentido e supérfluos. Se a
sociologia do conhecimento ainda tinha transportado um conceito positivista de ideologia,
tal como ele fora compreendido pelos filósofos da práxis e pelo “marxismo estruturalista”
de Althusser, para afirmá-lo para o lado supostamente “correcto” (proletário), em Foucault,
juntamente com a última referência vazia de conteúdo à forma social, também
desaparece o problema da ideologia, desfazendo-se em “produções de verdade”
alternantes, a cuja relatividade paradoxalmente absolutizada não subjaz qualquer
objectividade constituída, nem sequer negativa. Em vez disso, trata-se ainda, apenas, de
“práticas discursivas” no fluido do “poder”, nas quais, de certo modo, sempre é
“verdadeiro” apenas aquilo que se impõe em processos complexos como “aceitação”, até
isso ser novamente questionado e uma “outra produção de verdade” empreender sua
marcha. Assim, os “jogos do poder” sempre são também “jogos da verdade” (Foucault
2005b, 1ª ed. em francês em 1984, p. 274). Na teoria crítica da dissociação-valor, o
conceito de “produção da verdade” também pode ser tomado nesse sentido crítico e
tornado fértil, ao mostrar, nas análises detalhadas de Foucault, os mecanismos da
ideologização em todos os níveis sociais. Mas, em Foucault, tais mecanismos existem
explicitamente por si, numa percepção positivista; não são mecanismos “de algo” e “em”
uma referência à constituição da forma social que acabou por ser dissolvida naquelas
“singularidades” de relações de poder e jogos de verdade.
Por isso, no contexto das “singularidades” descontínuas, para Foucault já só existe a
possibilidade de “críticas descontínuas, particulares e locais” (Foucault 1978, id., p. 58).
Esse “carácter local da crítica” (id., p. 59) significa agora, mais do que nunca, um
politicismo da “práxis”, mas um politicismo ainda mais reduzido que o do marxismo
ocidental, e com o mesmo mantra de uma “transformação das relações de forças” (id., p.
72), que agora já nem podem ser sequer as relações entre classes sociais ou outras
meta-entidades sociais. Nesse processo, trata-se da “criação de uma relação permanente
de forças” (id., p. 73) num arco de “condições de aceitabilidade” (Foucault 1992, id., p. 40)
que constitui aquele “campo de imanência” das singularidades e “... para um campo de
aberturas e indeterminações possíveis, de eventuais inversões e deslocamentos, o qual a
torna frágil e instável” (id., p. 40).
Esse conceito de “deslocamento” fez carreira na esquerda pós-moderna. O politicismo
aconceptual tornou-se então a “estação ferroviária de deslocamento” de infinitas lutas
particulares e “periféricas que surgem em vez do derrube falhado do centro” (Dosse 1999,
1ª ed. em francês 1992, p. 306). Mas se já não há uma definição de essência, também já
não pode haver um “centro”; em vez da definição marxista reduzida de essência social,
não surge a reflexão ampliada desta última, mas a negação doravante absoluta do
contexto da forma social em geral, cuja tematização é denunciada como “essencialista”.
“Trata-se”, afirma Foucault, “de lutas ‘imediatas’, e isso por dois motivos. Em primeiro
lugar, as pessoas criticam as instâncias de poder que estão mais próximas delas e que
têm um efeito sobre cada indivíduo. Não buscam o ‘inimigo nº 1’, mas o adversário
imediato. Em segundo lugar, elas não pensam que a solução dos seus problemas estaria
algures no futuro (ou seja, na promessa de uma libertação ou de uma revolução, na
esperança do fim da luta de classes)...” (Foucault 2005a, 1ª ed. em inglês em 1982, p.
244). Pode-se reconhecer claramente que se trata de um reducionismo da crítica no seio
da metafísica da intencionalidade da teoria da acção, na qual o estruturalismo de Foucault
subitamente se deverá transformar; no lugar do inimigo “central” (de classe) surgem agora
inimigos “locais”, na diversidade particular de instâncias singulares de poder, em vez de
se alcançar, através da crítica do sociologismo (tanto da teoria da acção como da teoria
da estrutura) de relações sociais intencionais, a crítica da matriz a priori socialmente
sobrejacente.
A capitulação ocidental da crítica radical do capitalismo foi assim levada a cabo no “anti-
essencialismo” pós-moderno, o qual agora já não precisava de nenhum argumento para a
obnubilação sistemática da totalidade social negativa. Depois de o problema do todo
social – que em geral justificaria o conceito de formação do “capitalismo” – se encontrar
desfeito numa ontologia a-histórica do poder, a particularização da crítica pôde ser
associada sobremaneira a uma “proibição” de toda e qualquer crítica do “todo”, já não
compreensível nem mesmo na fórmula conceptualmente vazia de Althusser ou da filosofia
da práxis: “Foucault deixa o político fluir para a dimensão alargada de um campo de poder
que se estende até às margens externas... Em todo o caso, o conceito de poder de
Foucault dilui a dimensão política, quando ele a lança no infinito... Ela circula numa rede
entre os indivíduos, funciona em cadeias atravessadas por eles, antes de voltar a juntar-
se para formar um todo. Se não há uma encruzilhada do poder, também não pode haver
um lugar de resistência contra o poder. Como ele é omnipresente, não pode ser
esvaziado, ele está em cada indivíduo. Como tudo é poder em toda a parte, ele não está
em nenhum lugar. A resistência contra o seu exercício deixa de ter razão de ser” (Dosse
1999, 1ª ed. em francês em 1992, p. 307 s.).
O desaparecimento das determinações da forma histórica concreta do capitalismo, bem
como da “economia”, da “política” e de “instituições” em geral na ontologia do poder, torna
sem valor o conhecimento sobremaneira existente de que a oposição social e o conflito
social não são nada de sociologicamente externo; em vez disso, reproduzem-se, de modo
abrangente, “em cada indivíduo” (por exemplo, a concorrência e as ideologizações a ela
associadas). Uma vez que o “poder”, que tomou o lugar do conceito de capitalismo e do
conceito de formações sociais em geral, é considerado, recorrendo-se a Nietzche e a
Heidegger, permanente e intangível, ele também não pode ser criticado enquanto tal. Isso
só daria certo se ele não fosse tomado por si próprio, mas se fosse reconhecido como um
factor de constituição social historicamente específica. Mas uma vez que todos os gatos
são pardos na noite do “campo de poder” omni-abrangente, já só há o “deslocamento” de
poder no espaço das “singularidades”, isto é, de fenómenos sociais particulares. Desse
modo, o inflacionamento do conceito de política (de sua “propagação infinita” sem o
contexto da forma) também continua a ser mantido para além do marxismo ocidental.
Não é possível aqui promover um debate alargado com Foucault (o que permanece um
desejo da elaboração teórica da crítica da dissociação-valor), mas apenas situar as suas
reflexões no contexto da ontologia da práxis. E nesse aspecto pode afirmar-se que, com
Foucault, o movimento do pêndulo da esquerda ocidental é forçado na direcção do
paradigma da teoria da acção; e doravante consideravelmente desacoplado, de forma
coerente, da crítica marxiana do capitalismo. Ao mesmo tempo, transformou a
“coagulação” das acções sociais para além do institucionalismo, reduzindo-as a
“singularidades” fluidas. O momento objectivista da abordagem da teoria da estrutura, que
no estruturalismo do pós-guerra já estava desligado dos resquícios da filosofia da história
e também do entendimento reduzido de um “centro económico”, divide-se, por um lado,
na meta-objectividade “supérflua” da ontologia do poder, já não passível de ser reflectida
concretamente, e, por outro lado, na objectivação descontínua de “relações interactivas”
micrológicas, as quais, à luz da teoria da acção, já só são acessíveis a “deslocamentos”
permanentes.
A eterna luta por “condições de aceitabilidade” em eternas “produções de verdade” de
cunho particular-relativista permanece sem objectivo histórica e socialmente. Foucault
forçou o amarrar da teoria ao tratamento da contradição imanente, uma vez que a
questão da própria essência social foi mesmo substituída e totalmente liquidada pelos
reduzidos esquemas institucionais e político-económicos do marxismo ocidental. Com
isso, a tarefa de uma “ruptura ontológica” distanciou-se ainda mais. Entende-se por si só
que a dissociação sexual, como determinação da essência, teve de permanecer
impensável, já que ela reside no nível da constituição obnubilada da forma fetichista. A
moderna relação entre os sexos pode surgir, no melhor dos casos, como mais uma
“singularidade” no “campo do poder”, e Foucault interessava-se por isso, ao contrário do
marxismo ocidental.
A sua transformação redutora do modus da socialização negativa em “práticas
discursivas” desconexas desligou-se do paradigma da “luta de classes”, na direcção
errada, na linha da viragem (flanqueada pelo estruturalismo) da teoria da acção; o
problema do tratamento da contradição imanente, inclusive da “unidade entre teoria e
práxis” a priori não foi examinado criticamente, mas sim atomizado. Para o tratamento
atomizado da contradição, agora também já não era preciso nem partido nem
solidariedade partidária; mas apenas porque estava enterrada a questão da totalidade
social e, por conseguinte, da transformação social para além do capitalismo. O que era
meramente implícito nos marxistas ocidentais torna-se explícito em Foucault. Com a sua
oscilação mais ampla que a reformulação do estruturalismo do pós-guerra na teoria da
acção (nessa medida também chamado de “pós-estruturalismo), o “pêndulo de Foucault”
marcou a transição do marxismo de partido para a ideologia do movimento na esquerda.
Todavia, o preço pago por essa “suplantação” foi a “localização” da crítica em fenómenos
isolados descontextualizados.
12. O regresso do “sujeito”. Metafísica dos direitos humanos e falsa autonomia
Na época do desenvolvimento muitas vezes interrompido do pensamento de esquerda
de Gramsci a Foucault, cujo nexo interno não foi até hoje elaborado criticamente por falta
de um conceito suficiente da moderna constituição fetichista no contexto da
“modernização atrasada”, houve uma posição que não deu certo na viragem da teoria da
acção do marxismo ocidental (incluindo o momento estruturalista). Foi a Teoria Crítica da
chamada Escola de Frankfurt, sobretudo na formulação detalhada de Adorno. É verdade
que Adorno foi muitas vezes incluído no marxismo ocidental (por exemplo, por Perry
Anderson). Mas essa percepção superficial não consegue ver as diferenças decisivas.
Como já se fez notar, era precisamente Adorno que rejeitava à partida, no sentido da
crítica radical, a “unidade” a priori “entre teoria e práxis” constante no marxismo, embora
ele não tenha aprofundado o problema. Seu conceito específico de “práxis teórica”
também não se restringia, como no caso de Althusser, ao postulado superficial de uma
“autonomia relativa” da teoria crítica, enquanto “esfera” ao lado de outras, mas era
mediado, pelo menos embrionariamente, com uma tematização da constituição fetichista.
Daí também as citadas observações críticas acerca da redução promovida pela teoria da
acção na sociologia. Muito menos pode Adorno ser casado com a práxis ideológica pós-
estruturalista e com a ontologia do poder foucaultiana: enquanto esta tem uma referência
essencial na filosofia de Heidegger na linha da Ideologia Alemã, a posição deste para
Adorno era claramente entre os seus maiores inimigos.
O próprio Adorno não abordou sistematicamente o problema da matriz a priori
sobrejacente enquanto tal; aqui não é o lugar para averiguar seus deficits que, nesse
aspecto, em parte estão na linha da ideologia da circulação (sobre os rudimentos de uma
crítica, cf. Kurz 2004). Mas a sua teoria deixou esse questionamento em aberto até ao fim
e foi, nesse contexto, não apenas para além do marxismo tradicional, mas também para
além do marxismo ocidental, que a tinha simplesmente deitado fora. Se, a partir de então,
esse questionamento, que normalmente estava obnubilado, voltava a cintilar, quase
sempre o fazia em referência a Adorno. A crítica da dissociação-valor, cuja elaboração
teórica se tinha dirigido pela primeira vez fundamentalmente a esse nível, só podia
compreender-se como transformação da teoria adorniana (cf. sobretudo Scholz 2000).
Esta teoria existia paralelamente aos trabalhos de Althusser e de Foucault nos anos 60;
a última grande obra de Adorno, a Dialéctica Negativa, foi publicada em 1966. Quando a
Nova Esquerda se formou, antes e com o movimento de 1968, os textos da Escola de
Frankfurt faziam parte das referências teóricas centrais na RFA. Mas essa recepção
estava esquisitamente mesclada com elementos marxistas tradicionais originários da
social-democracia de esquerda (por exemplo em Oskar Negt, que até hoje ainda se lhe
agarra em seu Livro do Partido) e não só. Sobretudo, a compreensível ênfase dada ao
movimento deixou os protagonistas também receptivos ao recurso directo às Teses sobre
Feuerbach no horizonte da viragem da teoria da acção, viragem que, por maioria de
razão, permanecia totalmente irreflectida na esquerda de 68. A recepção de Adorno foi
subordinada a uma pretensão de “práxis” directa e, por isso, sem respeito para com o
conteúdo teórico. O problema da constituição da forma fetichista, presente mas não
elaborado em Adorno, só surgia marginalmente e, na maioria das vezes, em formulações
sobretudo existencialistas ou morais. Em vez disso, a pretensão de “práxis” na teoria foi
desde o início virada contra a suposta mera “contemplação” da Escola de Frankfurt de
forma extremamente crua.
Nesta questão, o verdadeiro debate aconteceu então com Habermas, sendo de notar
que sintomaticamente não se tratou da apreensão do conteúdo do pensamento crítico na
jaula do democraticamente admissível, mas sobretudo da “acção imediata”, à qual toda a
reflexão teórica deveria estar ligada. É assim que Arnhelm Neususs, em sua antologia
intitulada A esquerda responde a Jürgen Habermas, escreve com o contra-ataque
correspondente: “É indubitável que Habermas defendeu posições muito progressivas, na
medida em que o interesse era interpretar o mundo de modo diferente. Hoje é claro que o
conceito de práxis por ele empregado nunca foi outra coisa senão uma categoria teórica.
Se a teoria tenta tornar-se realmente prática, então ela passa a ser um aborrecimento
para ele. Para ele, a transformação do mundo deve acontecer pela via contemplativa”
(Neususs 1968, p. 57). Aqui, o problema da relação entre teoria e práxis é tomado de
maneira inteiramente unidimensional e directa, sem nenhuma diferenciação no tocante às
diferentes formas de práxis e sem reflexão sobre a relação entre imanência e
transcendência. Já aqui se pode ver que a referência crítica e continuadora a Adorno
(inclusive contra Habermas) foi soterrada pelo critério da “acção”.
Involuntariamente, o famoso “líder estudantil” Rudi Dutschke deixou claro que este ponto
de vista da “práxis” estava ligado à viragem irreflectida da teoria da acção: “Tudo depende
da vontade consciente das pessoas em finalmente tornar consciente a história sempre
feita por elas mesmas..., ou seja, Professor Habermas, o seu objectivismo não-
conceptualizado fulmina o sujeito a ser emancipado… eu apenas confio nas actividades
concretas de pessoas práticas e não num processo anónimo” (Dutschke 1980, palestra
proferida em 1967, p. 76, p. 81). Do ponto de vista da crítica do fetichismo aqui defendida,
Dutschke apresenta como num livro aberto o modo como a dialéctica real capitalista de
objectivação e subjectivação não é transformada criticamente, mas simplesmente é
reduzida à metafísica da intencionalidade (a acusação contra Habermas, cuja teoria foi
marcada em muitos aspectos pela teoria da acção, revela ignorância nesse aspecto).
Essa crítica truncada ao velho objectivismo da legalidade, com o qual Habermas é
identificado sem mais, não conduz à crítica da forma, nem portanto à crítica da “forma
sujeito”, mas, pelo contrário, dissolve-se totalmente neste sujeito, na linha dos filósofos da
práxis (Dutschke estava próximo de Bloch). O subjectivismo igualmente não-
conceptualizado, apenas virado para o outro lado, “fulmina” a “práxis teórica”. Esse
amarrar da reflexão às “actividades concretas de pessoas práticas” já significava o auto-
bloqueamento inconsciente na “crítica afirmativa” e no tratamento da contradição, que
tinha de conduzir obrigatoriamente ao exacto oposto do postulado de uma “história feita
de modo finalmente consciente” e precisamente à subsequente auto-entrega a um
“processo anónimo”.
O caminho para uma renovação, expansão e transformação da crítica da economia
política estava barrado pela pretensão imediata de “práxis”. Na medida em que a análise
do capital passou a ter importância no marxismo da nova esquerda dos anos 70, ela
permanecia em grande parte um assunto da ala esquerda dos social-democratas no
âmbito académico e movia-se na via do velho entendimento categorial positivista. Mas
naquela época o mainstream do movimento já começava a separar pelo menos o conceito
de crise da teoria de Marx e a subjectivizá-lo abertamente no contexto do procedimento
truncado da teoria da acção. Dessa forma, o jovem Claus Offe afirmava contra Habermas,
na antologia já mencionada: “Nesta constelação, não apenas se pode imaginar uma
acumulação de sintomas de crise, sem que esta pudesse ser simplesmente prognosticada
nos modelos de decurso das teorias tradicionais da crise, mas talvez também até se
possa provocá-la mesmo, mediante a correcta expansão estratégica de problemas
sistémicos e mediante o trabalho prático colectivo de esclarecimento por minorias
políticas (!)... Mas não seria pensável que o alcance e, por conseguinte, a área de
competência de teorias do tipo marxista tivesse encolhido...? Então, a aparência
transformada do processo capitalista teria como consequência o facto de aqueles
aspectos e tendências desse processo, dos quais inicialmente a teoria ainda pôde
assegurar-se com suas próprias forças, teriam de ser constituídos hoje em dia ao nível da
práxis (!). Também a relação entre análise e acção seria então circular. Sob tais
condições, também se extingue simplesmente a autoridade de juízos teóricos sobre se
uma situação histórica concreta é ‘revolucionária’ ou não... A tal questão só poderemos
responder na trajectória de um pragmatismo disciplinado da acção (!)...” (Offe 1968, p.
110 s., itálicos do próprio Offe).
O problema, já contido naquela formulação pejorativa sobre “teorias do tipo marxista”,
ou seja, a diferença existente entre teoria da modernização e crítica do fetichismo, situa-
se fora das possibilidades do pensamento; o que resta é a redução da crítica da economia
política à práxis do movimento, é o abafamento da reflexão teórica no “pragmatismo da
acção”. Mais do que nunca, a teoria é reduzida legitimatoriamente à ideologia do
movimento (“constituída no nível da práxis”), e a “crise” é separada da objectivação
fetichista (virada contra Marx) e transformada em mera função da “vontade”. Uma vez que
a relação capitalista de fetiche é agora totalmente relegada ao “sujeito”, a “crítica” tinha de
permanecer mesmo apática, porque não estava voltada para a lógica da essência, ou
seja, para o nível categorial.
No contexto do movimento europeu e mundial de 68, houve apenas duas abordagens
que conseguiram avançar para esse nível categorial. Uma delas desenvolveu-se nos
países de língua alemã, como tematização da “lógica do capital” por alguns, poucos,
discípulos de Adorno, que se voltaram para a crítica da economia política de modo bem
diferente dos representantes que dominavam na ala esquerda social-democrata (v.
Backhaus 1969; Reichelt 2001, 1ª ed. em 1870). Por mais que sejam ainda meritórios e
parcialmente não esgotados no tocante à crítica, esses trabalhos limitaram-se em grande
medida ao nível abstracto da estrutura formal do capital, acabando por permanecer sem
mediação com o desenvolvimento histórico concreto do moderno patriarcado produtor de
mercadorias e com a história do marxismo do movimento operário inserida nesse
desenvolvimento. Por essa razão, também só podiam ser percebidos pelas pessoas do
movimento como mero “esoterismo” académico, sem constituir uma nova elaboração
teórica abrangente, que também tivesse podido acarretar uma reflexão crítica da
pretensão reduzida de “práxis”.
A segunda abordagem foi a dos situacionistas franceses, principalmente nos textos de
Guy Debord, que (talvez os únicos) chegaram até à crítica da forma da mercadoria e da
constituição fetichista moderna, de modo totalmente independente da Teoria Crítica de
Adorno. Não é aqui o local (tal como acontece com as análises de Foucault) para um
debate mais detalhado sobre a teoria situacionista, da qual ainda se podem “desviar”
sempre algumas sugestões (para usar um termo situacionista). Interessa-nos, sim,
abordar a importância que o problema da “práxis” detém nessa teoria. É verdade que os
situacionistas também falaram de uma “práxis da teoria”, mas ela ficava ambígua em
relação ao conceito de “práxis teórica”. Ambiguidade que consistia, em última instância,
na incompletude da crítica categorial. Em Debord, a crítica da forma fetichista
sobrejacente ainda estava mesclada com a práxis ideológica do paradigma da luta de
classes, ou seja, do ponto de vista da crítica da dissociação-valor, ainda se encontrava
misturada com a corrente da teoria da modernização presente em Marx. Por esse motivo,
a limitação à “luta por reconhecimento”, ou ao processo de “modernização atrasada”,
também não se apresentava como a essência da história do movimento operário, mas
sim, de certo modo, como falta de cumprimento de uma tarefa ontológica do “proletariado”
visando à sua auto-superação.
Os “desejos” não libertados, não realizados e amputados pelo capitalismo, por terem
ficado cativos na forma fetichista em processo, ainda foram localizados num lugar social
sociologicamente imanente e ontologizado (mesmo que apenas difusamente
determinado), a partir de onde poderiam ser libertados, via “luta de classes”; e, por
conseguinte, a forma fetichista não era reconhecida coerentemente como sobrejacente a
todas as classes. No fim de contas, ficou por resolver a redução do problema à “oposição
de classes”, baseada simplesmente em categorias de poder de sujeitos sociais, feita pelo
marxismo do movimento operário. Desse modo, a relação entre “vontade de classe”, por
um lado, e constituição fetichista a que também se submetiam os funcionários da
representação do capital, por outro, só pôde ser entendida em Debord (no tocante ao
capitalismo de Estado do Leste), de forma paradoxalmente imanente, como afirmação “de
que a burguesia criou um poder autónomo, o qual... pode ir tão longe que consegue
sobreviver sem burguesia” (Debord 1978, 1ª ed. em francês 1967, p. 56). Por isso, o
desenvolvimento real do movimento operário e do “socialismo real” capitalista de Estado
surgia (tal como acontece parcialmente em Adorno) como história de derrotas e de uma
“recuperação” capitalista sempre nova (os situacionistas cunharam o termo recuperation).
O amarrar da crítica do fetichismo à ideologia da luta de classes também restringia a
crítica situacionista do trabalho à fenomenologia capitalista no quotidiano do “trabalho
abstracto”, enquanto a ontologia do trabalho como tal permanecia intacta; assim sendo,
Debord falava de modo totalmente acrítico da “produção do ser humano pelo trabalho
humano” (id., p. 73). Esta afirmação ontologizadora da “forma trabalho” levou
coerentemente ao mesmo resultado no tocante à “forma sujeito”: “O desenvolvimento da
classe proletária como sujeito”, diz Debord, “é a organização das lutas revolucionárias”
(id., p. 45). Mas infelizmente: “Subjectivamente, esse proletariado ainda está longe da sua
consciência de classe” (id., p. 65). Se, por essa razão, Debord denuncia explicitamente o
estruturalismo como “sonho frio” e como “pensamento garantido pelo Estado” (id., p. 112),
essa recusa não saiu precisamente da crítica do fetichismo, mas foi consequência, sim,
das reflexões dos filósofos da práxis; de resto, na mesma medida em que Debord censura
a Marx “que ele tenha criado a base intelectual do economismo” (id., p. 45).
Consequentemente, a tematização situacionista da constituição fetichista tinha de
aportar, mais uma vez, ao postulado tradicional da “unidade entre teoria e práxis” a priori:
Segundo esse postulado, já não seria possível “entender o desenvolvimento e a
comunicação de uma tal teoria sem uma práxis estrita” (id., p. 113). E no famoso panfleto
dos situacionistas Da Miséria no Meio Estudantil, já se chegava a fazer a seguinte
afirmação: “Como Lukács viu com razão (mas aplicado a um objecto indigno: o partido
bolchevista), a organização revolucionária é a mediação necessária entre teoria e práxis...
As tendências e divergências ‘teóricas’ têm de ser imediatamente (!) transformadas na
questão da organização, se quiserem apontar o caminho da sua realização. A questão da
organização será o Juízo Final do novo movimento revolucionário... A dissociação entre
teoria e práxis era o escolho atravessado no caminho do antigo movimento
revolucionário...” (Da Miséria no Meio Estudantil, 1995, 1ª ed. 1966). Transformar
“imediatamente” a teoria crítica e até mesmo divergências teóricas em “organização” de
luta era um programa condenado ao fracasso, que apenas levou à auto-atomização,
através de cisões e exclusões em série, e consequentemente ao “Juízo Final” dos
próprios situacionistas. Ao contrário da opinião situacionista, na verdade fora exactamente
o postulado da “unidade entre teoria e práxis” a priori que barrara ao movimento operário
o caminho para a crítica da matriz fetichista a priori. Contra o eterno tratamento da
contradição no interior do capitalismo, cujo carácter permanece indeterminado e que na
verdade é negado, há nos situacionistas um maximalismo imediato da pretensão de
“práxis”, que tinha de acabar a rodar em falso.
Para o novo “activismo” da ideologia do movimento, resultante da viragem do marxismo
ocidental para a teoria da acção, o problema da “estrutura” e do “sistema”, como um todo,
passou a ficar cada vez mais em segundo plano, o que também correspondia à
conjuntura teórica de então. O Foucault tardio regressou à ontologia do sujeito; numa
conversa mantida com Ducio Trombadori em 1980, ele afirmava que “... as pessoas, ao
longo da sua história, jamais tinham parado de se autoconstruir, ou seja, de modificar (!)
permanentemente a sua subjectividade, de se constituir numa infinda e múltipla série de
diferentes subjectividades” (cit. a partir de: Brieler 2001, p. 176 s.). A ontologização do
poder é agora completada com a ontologização da forma sujeito, e o momento
estruturalista, não suplantado criticamente no pós-estruturalismo, simplesmente é deixado
de lado sem ter sido despachado. François Dosse faz a seguinte constatação: “Realmente
o sujeito está de volta... O facto de Barthes, Todorov ou Foucault terem evoluído, a partir
de meados dos anos setenta, para uma problematização do sujeito, anuncia uma
profunda corrente que varre as ciências sociais, para bem longe das margens em que um
dia esperaram poder ancorar a sua cientificidade: as margens do sistema, da estrutura.
Via-se agora que o recalcado, o sujeito, de quem se acreditava ser possível desviar-se,
estava de volta. Sob diversos nomes e como portadores de também diversas
metodologias, os indivíduos, os agentes, os actores, exigem atenção num determinado
momento em que as estruturas se desvanecem no horizonte teórico” (Dosse, 1ª ed. em
francês: 1992, p. 426 s.)
No entanto, o regresso do “sujeito” na teoria, um regresso doravante geral, indicava
apenas que a sua crítica no estruturalismo permanecera reduzida e incompleta,
precisamente porque o pólo oposto da objectivação fetichista não fora incluído nessa
crítica, mas tão-só positivado numa metafísica da legalidade “fraca” particularizada.
Precisamente por isso, o pêndulo de Foucault regressava não apenas ao pólo da teoria
da acção, mas também, nessa direcção, dirigia-se coerentemente ao pólo do “sujeito”.
Todavia, já não se tratava de um meta-sujeito (“classe”), como ainda ocorria nos filósofos
da práxis e nos situacionistas, sendo de notar que, com o auxílio de antigas filosofias da
“arte de viver”, por exemplo nas prelecções de Foucault sobre a Hermenêutica do Sujeito
(Foucault 2004, prelecção realizada em 1981/82), já se anunciava o impulso pós-moderno
de individualização social. “O sistema, a estrutura”, a objectividade social transformou-se
então, por sua vez, no “recalcado”, de quem “se acreditava ser possível desviar-se”.
Ligada ao activismo dos movimentos, a nova ênfase do sujeito conheceu, em várias
ondas, diversas formas de manifestação de politicismo inflacionado. A partir do movimento
de 68, desenvolveu-se primeiramente um revivalismo fantasmagórico do marxismo de
partido, como abandono provisório da ideologia do movimento na forma de seitas
comunistas de cunho marxista-leninista, trotskista e maoísta, mas um revivalismo que não
podia ter longa duração, já que não havia mais nenhuma relação social real para tanto.
Desde o final da década de 70, os partidos-fantasmas voltaram a transformar-se em larga
escala nos chamados “novos movimentos sociais” que se configuravam, de pleno acordo
com o paradigma pós-estruturalista, como movimentos monotemáticos particulares e
fenomenologicamente limitados (por exemplo, o movimento contra as centrais nucleares).
As diversas formas de manifestação do capitalismo que eram alvo de crítica
permaneceram sem nexo porque, devido à viragem da teoria da acção e ao consequente
regresso do “sujeito” doravante particularizado, já não podia haver qualquer conceito
crítico da totalidade negativa.
Nesse contexto também entra o novo feminismo, na forma como evoluiu com base nas
primeiras abordagens no movimento de 68. Não por acaso, a relação entre os sexos, no
contexto global da viragem da teoria da acção, não tinha tido qualquer importância ou
apenas tinha desempenhado um papel secundário. A dissolução da antiga metafísica da
legalidade marxista ficou, em todas as variantes, irreflectida na “forma teoria”
androcêntrica unidimensional, cujo universalismo abstracto não fora suplantado, mas
apenas (também em Foucault) particularizado e atomizado. A formulação adequada de
um conceito do moderno patriarcado produtor de mercadorias só teria sido possível em
combinação com uma penetração teórica da constituição fetichista, a qual, contudo, só
fora tocada tangencialmente e, no fim de contas, deixada de lado. Em seu esquema
teórico, o novo feminismo, apesar de muitos estudos meritórios de cunho histórico ou
crítico das ciências, permaneceu aferrado ao sistema de categorias androcêntricas não-
reconhecido como tal; ele próprio parecia um simples movimento monotemático, e a
relação entre sexos, um objecto “relativamente autónomo” ou até mesmo uma
“singularidade” no sentido de Foucault. Na prática, esse entendimento tinha como alvo um
mero tratamento da contradição nas categorias capitalistas androcêntricas, e o feminismo
reduzia-se a uma “luta por reconhecimento”, mais ou menos conforme o modelo do antigo
movimento operário, sendo que, após as mulheres conquistarem o direito de voto, facto
ocorrido há bastante tempo, restava bem pouca margem de acção (por exemplo,
regulamentação de quotas etc.). Por essa razão, a crítica desse novo feminismo, por isso
designada “crítica afirmativa”, logo foi compelida a esgotar-se e a encontrar o seu lugar na
ordem geral da ideologia do movimento, o que hoje provoca efeitos amargos, na crise
mundial do patriarcado produtor de mercadorias.
Assim como a metafísica da intencionalidade, na constituição fetichista pressuposta
acriticamente, não logra separar-se de seu pólo oposto, que é a metafísica da legalidade,
também o particularismo e o “atomismo” sociológico não conseguem largar seu pólo
oposto, a saber, o universalismo ou “holismo”, que corresponde à matriz a priori do
contexto da forma capitalista. Por esse motivo, o regresso do universal não-suplantado e
androcêntrico por natureza, na forma burguesa e de maneira análoga ao regresso do
“sujeito”, teve realmente de ser realizado de modo acrítico; no lugar da crítica da
constituição fetichista deixada de lado, logo entrou uma nova metafísica dos direitos
humanos, na qual a esquerda teoricamente desarmada começou a ligar-se
clandestinamente com o neoliberalismo oficial em ascensão. François Dosse mostra um
exemplo disso em Foucault: “Anteriormente ele marcara a Modernidade com a nova figura
do ‘intelectual específico’ que renuncia ao universal para engajar-se especificamente nas
novas situações que despontam à margem dos sistemas... Só que Michel Foucault, sob a
impressão de mudanças radicais actuais, na prática deveria voltar a ligar-se
paulatinamente àquela figura de que se separara, a figura do intelectual global que luta
pelos valores da democracia... No final dos anos 70 e início dos anos 80, a luta de
Foucault estava portanto voltada para os direitos humanos... Com esse posicionamento,
ele distanciou-se claramente do seu engajamento inicial de outrora, proclamando, pronto
para o combate, a sua solidariedade com os valores da democracia, que até então tinham
sido considerados o supra-sumo da paliação... As intervenções de Foucault realizavam-se
nas novas lutas em que os interesses estavam voltados para a solidariedade com os
princípios universais dos direitos humanos” (Dosse, id., p. 410 s.).
O universalismo burguês abstracto da metafísica dos direitos humanos, que fora
criticado em sua essência pelo jovem Marx de forma demolidora (mas ainda sem poder
perceber seu carácter androcêntrico), preencheu, pois, o aborrecido lugar vazio de uma
crítica radical teoricamente reflectida à totalidade sistémica da socialização capitalista e
juntou-se às “críticas locais” atomizadas de diversos fenómenos sem a devida análise; foi
o que aconteceu com o Foucault tardio através de súbitas acções de solidariedade com
os boat people da Ásia, com o “movimento operário neoliberal” do Solidarnosc da Polónia
e com a saída islâmica da revolução iraniana, cuja “dimensão espiritual” o impressionara
(Taureck 1997, p. 115). As acções irreflectidas como “turismo de movimentos”, com a
presença tanto de celebridades como de activistas, apontavam para a incapacidade de
uma análise crítica do contexto em que “algo estava em movimento”; o importante era que
se actuasse, de alguma maneira, “contra o poder no poder”, cuja forma histórica já não
podia ser registada de maneira nenhuma.
No amálgama formado, por um lado, pela crítica particular ou pela referência superficial
aos movimentos cuja relatividade histórico-social permaneceu desconceptualizada e, por
outro lado, pelo universalismo dos direitos humanos, reproduziu-se a polaridade burguesa
formada pelo carácter particular do tratamento da contradição e pelo carácter geral e
abstracto dos ideais da circulação de “liberdade e igualdade”, por trás dos quais espreita a
concorrência eliminatória. Daí veio o regresso ao parlamentarismo na forma de “listas
arco-iris”, em combinação com o politicismo desapegado de qualquer crítica do contexto
da forma social. No fim de contas, o resultado foi o Partido Verde, não apenas na RFA:
agora já não como revivalismo do marxismo de partido, mas como partido sem marxismo,
entupido com ideologia do movimento do tipo mais parco oriunda de “críticas locais”
somadas superficialmente; e na RFA aperfeiçoado com interpretações de filosofia da vida
e de vitalismo, na ideologia da alternativa. Esse paradoxal “partido de movimentos” logo
se desfez do seu peso-morto ideológico (“democracia de base” etc.) e da militância
activista inconsistente, para cair, da mesma maneira que seus antecessores do marxismo
de partido, na rápida passagem à “busca da pátria” da classe política do patriarcado
produtor de mercadorias. O regresso da metafísica dos direitos humanos desaguou,
consequentemente, na ideologia de legitimação das guerras capitalistas de ordenamento
mundial e das contra-reformas neoliberais; desenvolvimento esse em que Foucault,
certamente, não teria participado.
Porém, uma vez que o longo processo da viragem da teoria da acção permanecera
fundamentalmente irreflectido no marxismo ocidental, o deplorável resultado só pôde ser
criticado externa e moralmente. Na medida em que a ideologia do movimento guiada pela
metafísica da intencionalidade tinha continuidade paralelamente à constituição do
parlamentarismo verde, ela apenas lograva conjurar o fraco “sujeito” de uma falsa
“autonomia”, que na verdade permaneceu determinado de forma totalmente heterónoma.
O conceito dessa “autonomia” (implicitamente concebida na teoria da acção) era, desde o
início, difuso; ele transportava uma pretensão, de modo nenhum declarada, de abrir uma
margem de acção directa, contra o curso das coisas capitalistas enquanto tal
incompreendido (na forma de movimentos ou de contextos de vida), uma margem de
acção que logo foi frustrada com o início da crise mundial da 3ª Revolução Industrial.
13. Somos tudo. A miséria do (pós-)operaismo
O facto de eu ser paranóico está longe de querer dizer
que não esteja a ser perseguido.
(Woody Allen) 
A viragem do marxismo ocidental para a teoria da acção, uma viragem que na práxis
ideológica pós-moderna se tinha desacoplado da teoria de Marx em geral, em vez de
continuar a desenvolvê-la, deixou um esqueleto no armário, a saber, a crítica da economia
política, a crítica que se ocupa com as complicadas “legalidades” da máquina social
capitalista na base da constituição fetichista, a análise continuada do processo capitalista
“transformador da sociedade”, na sua unidade de objectivação e tratamento (subjectivo)
da contradição, incluindo ideologias assassinas. A solução aparente dessa problemática
não liquidada produziu a corrente talvez mais importante da Nova Esquerda, surgida em
Itália, paralelamente ao “marxismo estruturalista” de cunho althusseriano e à atomização
foucaultiana da crítica: o chamado operaismo. O ponto de partida foi a situação específica
da jovem população oriunda do Mezzogiorno, que afluía às indústrias fordistas do norte
de Itália nos anos 60 e ainda não internalizara a disciplina fabril do “trabalho abstracto”.
Enquanto os regimes de “modernização atrasada” de capitalismo de Estado, na periferia
do mercado mundial, tinham imposto a chicote essa acção disciplinadora em nome de
uma ideologia de legitimação “marxista”, na Itália, a partir de uma situação semelhante,
desenvolveu-se uma determinada “militância operária” contra o regime fabril fordista-
ocidental; uma resistência legítima, da perspectiva aqui adoptada, mas desde logo
também uma forma específica de tratamento limitado da contradição, o qual, na sua
imediatidade, pôde tornar-se um campo de referência teórica para intelectuais de
esquerda.
O pensamento do operaismo (“obreirismo”) surgido desse modo, como ideologia de
legitimação dessa militância directa, assume agora um percurso peculiar. A luta contra o
regime do trabalho fordista apresentava-se como “luta contra o trabalho”; mas isso era
uma embalagem enganadora. Afinal de contas, o que se visava era apenas a
manifestação específica da disciplina fordista, não se tocando na moderna ontologia do
trabalho enquanto tal, como no caso dos situacionistas; na verdade, a “luta contra o
trabalho” fenomenologicamente limitada nunca saiu do paradigma tradicional da
“libertação do trabalho” (ontológica). Partindo-se de uma ligação directa ao tratamento da
contradição “do militante operário” (que, sem surpresa, deveria voltar a evoluir em breve),
não era de modo algum possível uma crítica da ontologia do trabalho. O que restou foi
uma práxis ideológica específica do operaismo que levou ao extremo o entendimento
truncado da teoria da acção, transformando a relação de capital em pura subjectividade, e
que a partir dos anos 70 passou a exercer influência em muitos países na “esquerda do
movimento”.
A ideia velha e relha da ontologia do trabalho, de que a “classe operária”, como
“subjectividade proletária e operária”, seria uma “exogenidade sempre presente no
sistema” (Negri 1977, p. 41), ou seja, existiria simultaneamente “no interior” do capital,
enquanto sujeição, e “no exterior” do capital, enquanto ontologia do trabalho, exclui à
partida um conceito crítico da constituição do moderno patriarcado produtor de
mercadorias sobrejacente às classes. Desligado da sua função limitada e tornado
supérfluo historicamente como “luta por reconhecimento” na relação de capital, o conceito
de luta de classes passa por um processo de des-historização e, de maneira semelhante
à dos filósofos da práxis, recebe uma carga de mitologia do sujeito abstracto, para além
de seu antigo domínio de objecto real. Agora não “há” mais nenhuma objectividade
(negativa) de desenvolvimento capitalista, já só há a luta de classes “sozinha em casa”.
Como diz Mario Tronti: “Também nós vimos em primeiro lugar o desenvolvimento
capitalista e depois as lutas operárias. Isso é um erro. É preciso inverter o problema,
mudar o sinal, voltar ao princípio: e o princípio é a luta de classes do proletariado” (cit. a
partir de Birkner/Foltin 2006, p. 11). Segundo Martin Birkner e Robert Foltin em seu
trabalho sobra o tema, isso seria “o elemento de ligação das diferentes nuances
operaísticas..., que representa a diferença básica em relação ao objectivismo da ortodoxia
marxista” (Birkner/Foltin, id., p. 24). Todavia, o objectivismo da antiga metafísica da
legalidade não é criticado como entendimento positivista e consequentemente afirmativo
da objectivação capitalista plenamente real; pelo contrário, tal objectivismo é
simplesmente invertido imanentemente na teoria da acção subjectiva.
Isso, por si só, não é nada de novo. O operaismo, porém, dá um passo decisivo adiante
do marxismo ocidental. Ele não põe de lado as categorias da crítica da economia política
(e por conseguinte as categorias reais); pelo contrário, integra-as directamente na
viragem da teoria da acção. As classes sociais e sua “luta” imanente (o mero tratamento
da contradição no interior do capitalismo) já não surgem constituídas pelas categoriais da
matriz a priori desenvolvidas e objectivadas num processo histórico, como em Marx; dá-se
exactamente o contrário, pois agora considera-se que tais categorias são por sua vez
constituídas subjectivamente pela “luta de classes”. Isso significa (de certo modo com
base em Althusser) instituir a “luta de classes” como princípio, o qual primeiramente gerou
e gera as ‘classes’ ininterruptamente, como seu ponto de partida” (Birkner/Foltin, id., p.
58). Bastante paradoxal: a “luta de classes” deverá então existir antes e
independentemente das classes; ela é elevada à condição de “princípio” metafísico
constituinte, tomando assim o lugar da constituição fetichista. Esse “princípio” é
positivizado e ontologizado, exactamente como as antigas “leis sociais objectivas”, mas
precisamente numa feição subjectivizada, que apenas recai no outro pólo da metafísica
real capitalista.
A dissolução da objectivação fetichista em meras relações de vontade de “sujeitos”
ontológicos, consequentemente já insusceptíveis de serem indagados sobre a sua
constituição e acabando por tornar-se o a priori tácito, abrange coerentemente a própria
forma da mercadoria. Assim, referindo-se à teoria marxista, surge “o famoso primeiro
capítulo da primeira parte sob o título ‘A mercadoria’ como análise e crítica do poder
político (!) de uma classe sobre outra” (Birkner/Foltin, id., p. 81). Aquilo a que aí se alude
como posição do “marxismo autónomo” norte-americano de Harry Cleaver é válido para o
operaismo como um todo. De certo modo, a crítica marxiana da economia política é
violentada pela teoria da acção, e o ponto de partida da crítica marxiana da forma da
mercadoria, do dinheiro e do trabalho abstracto simplesmente foi virado de pernas para o
ar. O resultado é a subjectivização integral das categorias capitalistas, como finalização
“coroando” a viragem da teoria da acção, celebrada pelos operaístas como “viragem
copernicana” da teoria crítica. “A relevância dos momentos subjectivos”, afirma Antonio
Negri, “e o surgimento do ponto de vista subjectivo de classe tornam-se agora o elemento
mais importante” (Negri 1977, p. 38). Dessa forma, enquanto a constituição fetichista é
levada a desaparecer do modo até aqui mais consequente, fecha-se a última via estreita
para a formulação de uma “ruptura ontológica” em referência directa às categorias da
reprodução capitalista (que em Foucault simplesmente são obnubiladas e emudecidas).
Na pura luta de “sujeito contra sujeito”, o sujeito metafísico “classe operária” leva,
porém, uma vantagem ontológica, enquanto ontologia do trabalho; de maneira absurda,
ele é nomeado demiurgo tanto da constituição como do desenvolvimento continuado do
capitalismo. É “abelha” e “mestre-de-obras”, num só, para toda a eternidade. Toda a
“legalidade” se dissolve em funções da “luta de classes”, quer seja a forma da mercadoria
enquanto tal, o trabalho abstracto e o processo de valorização, quer seja a composição
orgânica do capital, a queda tendencial da taxa de lucro etc. A “coação muda da
concorrência” (Marx) desaparece como categoria sistémica sobrejacente na simples “luta
de classes”; a concorrência entre os capitais e as economias nacionais é obnubilada, ou
deixada de lado como mero factor perturbador, do mesmo modo que a concorrência entre
assalariados/as.
A “classe operária” ontologizada, sempre vista como “lutadora”, é considerada a “força
motriz” central “do desenvolvimento” (Birkner/Foltin, id., p. 82), verdadeiramente a única
força motriz. Afinal de contas, o capital, como “contra-sujeito” (em vez de relação social
fetichista), reage supostamente sempre apenas às “lutas”, e daí resulta “tudo”. A
existência de uma inegável participação da “luta de classes” no processo de
modernização capitalista, como “luta por reconhecimento” e tratamento da contradição
imanente, não só é hipostasiada desmesuradamente, mas também é tomada de modo
totalmente acrítico (mais uma vez à semelhança dos situacionistas) como identidade
positiva imediata de imanência e transcendência. Neste constructo radica também aquele
conceito de falsa “autonomia”, que desde a década de 80 grassa na ideologia do
movimento.
Assim, o sujeito metafísico “classe operária” é autor não só das suas próprias
actividades, mas também das de seus opositores e de todo o processo histórico-social em
geral; torna-se doravante a “última instância” subjectiva, em vez da “economia” objectiva –
uma interpretação não menos reduzida e unidimensional, apenas invertida. “Somos tudo”,
eis como poderia ser formulada a profissão de fé desse meta-sujeito alucinado ou, melhor
dizendo, paranóico; segundo o pensamento de Adorno, um assentamento no máximo da
lógica da identidade, ao mesmo tempo uma deturpação clownesca da crítica marxiana da
economia política e uma incrível expansão do poder de vontade sem pressupostos. De
certo modo, a “classe” figura, como em Lukács, enquanto sujeito-objecto da história, só
que, diferentemente de Lukács, enquanto dissolução mais ampla da objectividade
histórico-social no sujeito sem pressupostos. O facto de essa “classe operária”
demiúrgica, enquanto super-homem da história, ser de algum modo incorporada e
subordinada ao seu próprio princípio metafísico da “luta de classes” (aquele empréstimo
obtido de contrabando junto do estruturalismo althusseriano), só lembra de longe o
problema da constituição fetichista, por assim dizer como “resto reificado”.
Não admira que Negri, à semelhança de Althusser, simplesmente declare sem mais a
problemática fetichista obsoleta, chegando mesmo a proclamar “o fim da validade da lei
marxiana do valor” (Birkner/Foltin, id., p. 88). O que resta, como generalidade social
abstracta, é o eterno “paralelogramo de forças” de meras relações de poder, como nos
filósofos da práxis e em Althusser; e, nessa medida, o fluido de uma ontologia do poder,
como em Foucault, a qual é pensada ideologicamente emancipada das leis categoriais da
forma da relação de capital. Aqui se deve lembrar que o antigo marxismo do movimento
operário já reduzira a relação de capital essencialmente a um poder jurídico-político da
“classe capitalista”, determinada apenas sociologicamente, sobre o sujeito ontológico do
trabalho (enquanto “propriedade privada dos meios de produção” e “apropriação da mais-
valia” etc.). Também aí a famosa “viragem copernicana” do operaismo pôs um ponto final
na teoria da acção, quando o conceito de poder foucaultiano foi transferido directamente
para a relação de capital, que em Foucault se tornara simplesmente sem interesse: um
entendimento já não inserido na linha de Marx, mas na linha de Heidegger.
Há muito tempo que o antigo politicismo e “estatismo” marxista preparara essa
dissolução, no contexto do entendimento positivista da economia política: a partir da
concepção social-democrata do “capitalismo organizado”, criada por Hilferding no período
entre as duas guerras, o Estado já não surgia como factor “relativamente não-autónomo”
da reprodução capitalista, mas como “soberano” abrangente das categorias, com ilimitado
poder de comando. A teoria do “estatismo integral” e da suposta eliminação da esfera da
circulação, ideia criada por Horkheimer sob a impressão do estalinismo e do “Estado
planificado” nacional-socialista, também caminhava na mesma direcção; embora
implicitamente frustrada pela insistência de Adorno na temática da “falsa objectivação” e
na problemática do fetiche. Ainda que o Estado regulador keynesiano do pós-guerra não
passasse de um débil reflexo desse estatismo e logo devesse esgotar-se na nova
dinâmica do mercado mundial, o politicismo de esquerda tinha prosseguido essa
interpretação ideológica, até ao completo desacoplamento da crítica da economia política.
No momento em que o operaismo começou a alimentar essa corrente com a ontologia do
poder heideggeriana de Foucault, o Estado passou a surgir totalmente como a própria
expressão directa de dominação do “poder”; e já não como “soberano” absoluto sobre as
categorias da reprodução, mas como pura vontade do “sujeito” capitalista contra as “lutas
operárias” e movido por estas, portanto para além de toda a objectivação fetichista.
Para Negri, com isso, o Estado, sob o postulado da dissolução da relação de capital
numa luta imediata de “sujeito contra sujeito”, deixa de ser “regulador interno”, passando
então a afirmar que “a sua função consiste em substituir a relação automática de capital”
(Negri 1977, p. 23). O “sujeito automático” desapareceu e, portanto, também a possível
crítica a tal sujeito. Segundo Negri, “valorização capitalista”, “reprodução do capital,
circulação e realização tendem a identificar-se na categoria da dominação política” (id., p.
25).; o capitalismo nada mais seria senão uma forma de “dominação directa (!) do sistema
estatal” (id., p. 28), e inclusive de uma “valorização política” (id., p. 47). Desapareceu
também o conceito marxiano de crise: “A análise da relação entre desenvolvimento e crise
... transforma-se – sem resquícios de ilusões objectivistas – nos conceitos de uma relação
inteiramente política” (Negri 1972, p. 73). Na evolução subsequente, as crises, para o
operaismo, são apenas “meios específicos da luta de classes a partir de cima”
(Biorkner/Foltin, id., p. 80); a crise económica mundial de 1929 é entendida, numa
percepção que chega a ser grotesca, como “resposta tardia à Revolução Russa de
Outubro de 1917 e às lutas de classes dos anos 20” (id., p. 80), ou seja, como função das
“lutas operárias” e como reacção a tais lutas que, por sempre já se posicionarem
supostamente “contra a relação de capital, conduzem-no a uma situação de crise” (Negri
1977, p. 23). Como acontece no jovem Offe, a crise surge como mera expressão do
choque entre intenções de vontade subjectivas.
Consequentemente, o operaismo também dissolveu completamente a elaboração
teórica nas “lutas operárias” e radicalizou o postulado da “unidade entre teoria e práxis” a
priori, em vez de questioná-lo. A teoria foi reduzida à “análise operária”, “ciência operária”
ou “análise militante” sociologicamente reduzida, que eternamente reflecte ou pondera de
modo reflexivo os “ciclos das lutas” e a “recomposição do proletariado”, ou a
reconfiguração do capitalismo daí resultante, sem poder desenvolver ainda nenhum
conceito de ruptura da relação social basilar, “no interior de” cujas categorias acontecem
as “lutas”. Assim, acabados os antigos debates sobre a transformação objectivista da
teoria da estrutura, o conceito de “suplantação” do capitalismo ficou totalmente vazio e
tornou-se apenas uma expressão desprovida de conteúdo. Das “lutas”, que ainda
poderiam durar mil anos, alguma coisa havia de vir; o “sujeito” ontológico apenas
precisaria de fazer-se valer o bastante, quando na verdade permanece amarrado às suas
condições constitutivas. Dessa forma, a reflexão teórica ainda está ligada, para além do
marxismo ocidental, à rotina do eterno tratamento da contradição, e degradada (mais uma
vez com referência a Foucault) à mera condição de “meio e instrumento de trabalho”,
enquanto “parte da organização da classe” (Birkner/Foltin, id., p. 8 sg.) na “contrapráxis”
imanente imediata. Com isso, o operaismo também concluiu o carácter da reflexão crítica
supostamente radical como “razão instrumental”, assim desmentindo involuntariamente a
sua crítica superficial da “legalidade”.
Se, com a teoria da acção, o operaismo dissolveu as categorias historicamente
específicas do capitalismo enquanto tais, inclusive as económicas, no sujeito e na
ontologia heideggeriana do poder de Foucault, então desde logo só restou, ao contrário
de Foucault e da sua atomização da crítica em “críticas locais”, e à semelhança do
marxismo ocidental, o sujeito metafísico “de classe”, como única referência de toda a
sociedade; o que foi inicialmente formulado à maneira do marxismo de partido e em
ligação com tentativas de fundação de partidos. Porém, no processo da 3ª Revolução
Industrial, a obsolescência desse velho meta-sujeito não podia passar desapercebida.
Através de diversos passos intermédios, nos quais a ideologia operaísta se dispersou do
paradigma de produção da fábrica para cair nas diversas “esferas sociais”, ele acabou por
se transformar paulatinamente. A “adopção de teorias pós-estruturalistas”, dentre as quais
se podem citar as de Foucault e de Deleuze/Guattari” (Birkner/Foltin, ibid., p. 33),
complementa desde então a ontologia geral do poder, também mediante a
particularização e a fragmentação do sujeito de classe, entendido outrora como “unitário”.
O “pós-operaismo”, doravante assim chamado, não suplantando o velho paradigma da
luta de classes no sentido da crítica do fetichismo, mas apenas dispersando-o numa
pluralidade superficial de “situações sociais” imediatas e começando a bazofiar da
“iniludível multiplicidade dos sujeitos (Birkner/Foltin, ibid., p. 34), logra, por um lado, a
atomização foucaultiana da crítica, a qual, por outro lado, continua sob a capa de um
conceito na lógica da identidade: em sua desconexão empírica (cuja verdadeira conexão
permanece, sem reflexão, na relação de dissociação-valor e na concorrência universal),
as “subjectividades” sociais incorporadas indistintamente deverão ser conectadas, de
modo puramente externo, no novo meta-sujeito a-histórico e difuso da chamada multitude
[multidão] (Hardt/Negri 2002). Sejam migrantes africanos que se afogam no Mar
Mediterrâneo em busca de possibilidades capitalistas de “trabalho”, sejam prestadores de
serviço de “trabalho afectivo” com um sorriso forçado nos lábios, seja a “boémia digital” do
capitalismo via Internet, sejam assalariados defendendo neo-nacionalistamente a sua
existência na indústria do armamento, ou a clientela do caudilhismo baseado no petróleo
de um Chávez – todos já integram sempre a “multitude em luta”. E agora do outro lado já
não se encontra o Estado (nacional), mas um Empire [Império] global com carácter
igualmente difuso (Hardt/Negri 2002), sendo que o novo “imperialismo global ideal” (cf.
Kurz 2003) não é analisado na dialéctica da crise entre Estado nacional e globalização
capitalista na 3ª Revolução Industrial, mas surge imediatamente como expressão global
directa da ontologia do poder.
Partindo dessa posição, a crítica da ideologia e até mesmo a teoria da ideologia
positivista tornaram-se totalmente impossíveis, tal como em Foucault, já que deixou de
existir uma referência à constituição social, que se transformou numa pluralidade de
meros actos de vontade, tendo a ontologia do poder como pano de fundo. Não obstante,
quando essa “multiplicidade” empírica de “subjectividades”, diferentemente de Foucault,
volta a ser submetida a uma conexão com a expressão vazia da multitude na lógica da
identidade, são possíveis incorporações não apenas sociais, mas também incorporações
inteiramente arbitrárias do ponto de vista do conteúdo ideológico, incluindo sujeitos
islâmicos assassinos. Não existe mais nenhum critério de distinção de conteúdos. Tudo o
que se mexe e movimenta é “aceite” quase sem distinção: até anti-semitas “crítico-
sociais” são, em caso de dúvida, filhos da grande mãe multitude! Extingue-se toda e
qualquer diferenciação na falta de conteúdo do conceito de multitude. Nessa lógica aditiva
absurda, consciente e explicitamente antidialéctica, é indiferente se o bárbaro atentado
terrorista de 11 de Setembro foi perpetrado pela parte islâmica integrante da multitude ou
se (segundo a teoria da conspiração) se trataria de uma “reacção” do Empire, que teria
destruído ele mesmo as torres gémeas como “resposta” às gloriosas “lutas”: agora é
mesmo a multitude que sempre faz e provoca “tudo”. “Somos tudo” – o meta-sujeito
alucinadamente des-historizado tornou-se, na sua multiplicidade, definitivamente
paranóico.
Se o operaismo transformara as categorias da crítica da economia política na mera
subjectividade da “luta de classes” e concluíra a viragem da teoria da acção, o pós-
operaismo continua nessa base o “amarrar” da teoria a uma práxis pré-estabelecida, até
ao completo desarmamento perante ideologias assassinas, que brotam na múltipla
“diversidade” de “subjectividades” de crise. Nesse processo, o verdadeiro ponto crucial é
constituído pelo repúdio explícito do conceito de fetiche, que ameaça como último
“fantasma de Marx”, após a dissolução do contexto categorial da reprodução capitalista na
metafísica da intencionalidade. Dar o golpe de misericórdia nesse escândalo foi o
objectivo assumido por uma outra variante do pós-operaismo, que tem como
representante sobretudo John Holloway. Em seu livro Mudar o mundo sem tomar o poder
(Holloway 2002), o autor em primeiro lugar põe em contraste, mais uma vez, em
recapitulação, a conexão marxista tradicional de metafísica da legalidade (objectivismo),
tomada do poder político e planificação estatal versus a metafísica da intencionalidade da
ideologia do movimento. Não obstante, diferentemente do pós-operaismo de Negri, o
autor lança mão do conceito marxiano de fetichismo, como determinação essencial das
relações capitalistas, e tenta reformular esse mesmo conceito pós-operaisticamente; e
recorrendo precisamente a Adorno.
Na argumentação de Holloway, o desenvolvimento do conceito de fetiche faz um
percurso peculiar. Por um lado, tal como faz todo o operaismo, prolongando o conceito
marxista tradicional de capital na teoria da acção, ele parte da dominação jurídico-política
directa dos sujeitos capitalistas: “Isso é o capital: a afirmação do comando sobre outros na
base da ‘propriedade’ do feito e, em consequência, dos meios de fazer, da condição
prévia do fazer daqueles que se comanda.” (Holloway, id., p. 44). De modo bem
proudhoniano, fala-se aí de “roubo” (id., p. 46) que é perpetrado contra trabalhadoras e
trabalhadores. Por outro lado, quase no mesmo fôlego, ele constata lapidarmente a
objectivação fetichista em sentido marxiano: “Na sociedade capitalista, o sujeito não é o
capitalista... O sujeito é o valor” (id., p. 48). Ambas as afirmações se mantêm sem
interrupção e sem qualquer mediação.
À semelhança dos filósofos da práxis, Holloway trabalha aí com um conceito ontológico
a-histórico do “fazer” (social), cujo “fluxo criativo” foi permanentemente rompido no
capitalismo pelo “poder instrumental” (id., p. 41). Esse “fazer criativo” invocado
constantemente funde-se, em princípio, com o conceito de trabalho, que no fim de contas
é afastado da determinação da relação fetichista. O fetiche da mercadoria surge no
sentido totalmente truncado do marxismo do movimento operário como mero
obscurecimento da origem da formação do valor no trabalho perpétuo: “A mercadoria
assume vida própria, em que se extingue a sua origem social no trabalho humano” (id., p.
62). Como acontece em Negri & Cª, Holloway atém-se aqui à ontologia do trabalho num
modo de expressão hesitante. Daí se segue uma formulação do oposto social, que segue
inteiramente o entendimento jurídico-político (posteriormente, o entendimento da ontologia
do poder) da ideologia da luta de classes: “O poder instrumental rompe o reconhecimento
mútuo: aqueles sobre os quais se exerce o poder não são reconhecidos” (id., p. 43).
Involuntariamente, Holloway aqui faz alusão à “luta por reconhecimento” nas categorias
capitalistas, uma luta historicamente já sem razão de ser e há muito esgotada, que
inviabilizara precisamente a percepção e a crítica da constituição fetichista.
A definição deficitária que Holloway faz do conceito de fetiche continua numa ideologia
positiva do sujeito, que segue igualmente o desenvolvimento geral que vai do “sujeito
objectivo de classe” do marxismo de partido para o sujeito puro e afinal fragmentado da
ideologia do movimento. A crítica do sujeito do estruturalismo, insuficiente e seguindo um
objectivismo meramente particularizado, mais uma vez não é suplantada pela crítica da
constituição fetichista, mas simplesmente é dividida em si, visando a “salvação do sujeito”;
ela na verdade era “compreensível”, mas realmente apenas foi cunhada para o conceito
burguês de sujeito, enquanto “identidade” com o “poder instrumental” (id.; p. 89), e o
sujeito não coincide com isso: “Se se identifica o sujeito burguês com a subjectividade
como um todo, no entanto, está-se, de modo assassino (!), a deitar fora o bebé com a
água do banho” (id., p. 89). Mas o que é mesmo que deve ser essa “subjectividade como
um todo”? Holloway contrapõe ao sujeito constituído na forma da Modernidade um sujeito
“existencial” que supostamente jaz de algum modo “por baixo”, o qual surge no lugar da
“classe”; ou seja, uma espécie de ontologia do sujeito com cunho mais heideggeriano.
Assim, a “forma sujeito” também é excluída do conceito de fetiche; não admira que a
abordagem de Holloway, baseada na ontologia do trabalho e do sujeito, permaneça no
horizonte androcentricamente universalista, e que a dissociação sexual no nível
conceptual do “valor” (por conseguinte também o capitalismo como patriarcado produtor
de mercadorias) seja para ele impensável. A relação capitalista entre os sexos é
continuadamente escamoteada nos conteúdos e surge apenas genericamente naquele “a”
do feminino usado como political correctness gramatical, qual apêndice sem importância.
Nessa linha de pensamento, o conceito de fetiche não apenas permanece
androcentricamente universalista; ele também não acarreta uma análise do contexto da
forma fetichista e de suas leis do movimento negativamente objectivadas, no sentido do
“sujeito automático” de Marx, que Holloway cuidadosamente tenta evitar tematizar. Uma
vez que é abolida a mediação entre objectivação e intencionalidade, exactamente como
no restante (pós-)operaismo, o discurso das “formas fetichizadas, alienadas, definidoras
do capitalismo” (id., p. 165), que todavia é um discurso elevado, permanece inteiramente
vazio e indeterminado. De onde é mesmo que vêem essas “formas alienadas”? Foram
imaginadas por “esquizofrénicos”, surgiram da vontade de apropriação de sujeitos de
dominação não constituídos, ou será que o sujeito da autenticidade “existencial”-
ontológico de algum modo se enganou a si próprio, numa espécie de acidente de trabalho
histórico? Quando Holloway formula a crítica caracteristicamente com o postulado de que
teríamos de “nos libertar do feitiço da bruxa” (id., p. 109) (talvez as mulheres sejam
culpadas de tudo?), então com isso ele mostra apenas a sua completa falta de ideias no
tocante à constituição fetichista, que enquanto tal não desperta nele qualquer interesse.
O “fetiche”, seja ele o que for, continua uma expressão vazia. No fundo, trata-se de outra
coisa: segundo ele, a objectividade negativa não deveria ser analisada criticamente com a
finalidade da sua suplantação histórica, mas sim “eliminada com um golpe de magia”.
Para isso é agora instrumentalizada a crítica que Adorno faz da lógica da identidade e do
“pensamento identificador”. Em Adorno, a lógica da identidade, violadora de todo o
conteúdo e negativamente “definidora”, é derivada epistemologicamente da forma
fetichista do valor (já fiz referência à redução à ideologia da circulação que aí acontece).
Numa espécie de truque astucioso, Holloway tenta agora “aplicar” a crítica da lógica da
identidade à própria conexão constituinte da forma: a objectividade negativa, por sua vez,
não deverá ser “identificada” como tal, já que isso seria uma “abordagem de rígido
fetichismo” (id., p. 101), uma “fetichização do fetichismo” (id.) Na realidade, trata-se-ia da
“natureza do fetichismo em contradição consigo próprio” (id., 101). A auto-contradição em
processo do capitalismo não é percebida como tal no interior da constituição fetichista
(nem, por conseguinte, no interior da lógica da identidade), mas, em vez disso, passa a
ser dividida, por um lado, na “forma alienada” e, por outro, na autonegação desta, que é
supostamente imediata e já se abre per se “emancipatoriamente”.
Depois de ter “aberto”, desse modo, o conceito de fetiche com reduções conceptuais,
Holloway prossegue o abastardamento e a retroflexão afirmativa da crítica adorniana da
lógica da identidade, ao voltar-se contra toda e qualquer “separação entre a constituição e
a existência” (id., p. 99): “A forma do valor, a forma do dinheiro, a forma do capital, a forma
do Estado etc. não são estabelecidas de uma vez por todas no princípio do capitalismo.
Pelo contrário, estão constantemente em discussão (!), são constantemente questionadas
(!) como formas das relações sociais ...” (id., p. 109). A constituição histórica do
capitalismo, do século XVI ao século XIX, foi realmente uma luta de imposição permeada
de inúmeras rupturas, que conduziu no entanto nos dois últimos séculos a um processo
de internalização, em que a constituição fetichista moderna foi ancorada como “segunda
natureza”. Com falsa imediatidade, Holloway estabelece um curto-circuito entre o
sofrimento incessante dessa socialização negativa e o “questionamento” supostamente
permanente da mesma, já em função da mera “existência” em suas formas. O facto de ele
colocar a “constituição” historicamente “combatida” num patamar imediatamente idêntico
ao da “existência quotidiana” (per se já sempre suposta como “resistente”) no capitalismo
há muito tempo imposto até hoje, do mesmo modo que a “experiência (...) da fetichização
e da desfetichização” (id., p. 101) – isso mesmo é uma definição no mais alto grau da
lógica da identidade.
Desse modo, na medida em que as categorias capitalistas são “entendidas como
categorias em aberto e ininterruptamente objecto de luta” (id., p. 114), Holloway equipara
a camada profunda da constituição com cada movimento superficial actual (por exemplo,
transformações institucionais), ou seja, com a “transformação do mundo”, a interpretação
real e o permanente tratamento da contradição imanentemente capitalistas; um contexto
do qual ele não tem a mínima ideia. Ele ilude-se com a luta pela interpretação real, como
se fosse precisamente um “estar em luta” das próprias categorias, o que, evidentemente,
não é o caso. É o que se vê também nos seus exemplos bastante tolos: “O valor, como
forma em que nos relacionamos reciprocamente”, afirma Holloway, já seria posto “em
questão”, “cada vez que uma criança pega num doce numa loja sem se dar conta de que
devia dar dinheiro em troca, cada vez que trabalhadores se negam a aceitar que o
mercado dite que o seu local de trabalho deveria ser fechado ou que deveriam perder os
empregos ...” (id., p. 109). Nem a socialização das criancinhas dentro da forma do valor,
nem muito menos a “luta por postos de trabalho” tem minimamente a ver com a crítica
categorial. Como no caso dos filósofos da práxis, interpreta-se ou supõe-se ilusoriamente
o eterno tratamento da contradição como o “totalmente diferente”, as categorias não-
suplantadas que, devendo representar sempre imediatamente o seu próprio contrário,
poderiam ser arbitrariamente “redefinidas”: “o dinheiro”, afirma Holloway, “é (!) a batalha
devastadora de monetarização e anti-monetarização” (id., p. 110).
Uma vez que Holloway equipara, na lógica da identidade, a auto-mediação contraditória
da relação fetichista com uma contradição supostamente em constante latência contra as
categorias dessa relação, ele acaba por eliminar também a mediação da crítica radical,
que só pode constituir-se num contraprocesso histórico, a partir da experiência do
sofrimento. Para Holloway, numa espécie de conceito heideggeriano de “existência” como
“resistência directa”, “quotidianamente” a “desfetichização” a qualquer hora dá uma
guinada na esquina numa “enorme tempestade de imprevisibilidade” (id., p. 118). Claro
que isso só pode acontecer porque ele, apesar da declaração constantemente repetida de
que não haveria nenhum “sujeito inocente” (id., p. 167, entre outras), na realidade
pressupõe, como já foi assinalado, um sujeito-“existência” ontológico (quase não dá para
esconder sua masculinidade) escondido “sob” as categorias, prometendo por isso a
“reconstrução da subjectividade perdida” (id., p. 131).
Na medida em que a “existência” no capitalismo per se já deva trazer sempre consigo
uma “desfetichização”, tanto mais Holloway desarma a crítica perante as ideologizações
assassinas que emergem do tratamento da contradição “existencial”; seguindo aqui,
totalmente, a linha do restante (pós-)operaismo. “O desenvolvimento actual do
capitalismo”, afirma Holloway quase no fim do seu ensaio, “é tão aterrorizante que
provoca uma resposta terrorista [...], resposta que, sendo bastante compreensível (!),
simplesmente reproduz as relações de poder que busca destruir (!). E ainda assim esse é
o ponto de partida (!), e não a rejeição deliberada do capitalismo como forma de
organização (!)” (id., p. 236). Crítica radical e terrorismo islâmico ou de outro tipo,
emancipação e barbárie já são quase idênticos no “grito do não” existencial (como se
depreende das ininterruptas metáforas vazias de Holloway), o que de modo nenhum pode
ser escamoteado com formulações-álibi.
Holloway põe um ponto final, agora realmente último, no longo processo de viragem da
teoria da acção, tal como este se realizou desde os filósofos da práxis, passando pela
obnubilação pós-estruturalista das categorias capitalistas até à sua subjectivização
operaística, subjectivizando existencialistamente o próprio conceito de fetiche até então
rechaçado. Com isso ele não rompe, como pretende, o velho dualismo de metafísica da
legalidade e metafísica da intencionalidade, que designa, nas suas palavras, como
dualismo de “leis objectivas” e “lutas subjectivas” (id., p. 143), ou de “determinismo e
voluntarismo”; em vez disso, desterra o último “fantasma de Marx” para um voluntarismo
ideologicamente radicalizado da “existência” imediata.
Dessa maneira, Holloway fornece à consciência inculta do movimento uma verdadeira
teoria da hostilidade à teoria, uma vez que ele, ultrapassando o (pós)-operaismo restante,
nem sequer amarra o pensamento teórico ao tratamento da contradição imanente, mas
degrada-o imediatamente a “parte da expressão da nossa existência quotidiana como
luta” (id., p. 125). Para Holloway, a teoria já só pode ser “reflexão directa (!) da (e não
‘sobre a’) experiência” (id., p. 37). Nesse empirismo da “existência”, “conhecimento acerca
de” é per se “simplesmente a outra face do poder instrumental” (id., p. 78). Na verdade,
aqui ainda se fica aquém da razão instrumental, porque a reflexão já não é sequer
instrumentalizada por uma finalidade social imanente, mas sim pelo ser-assim [Sosein]
imediato. Até a altura do voo de uma galinha já é considerada uma “subida” reprovável, e
o esforço do conceito, que não pode coincidir com a “existência” encontrada, fica à mercê
da denúncia, como pretensão supostamente arrogante de “omnisciência”. Assim se cala
também a “reflexão sobre” a própria constituição social, proibindo à elaboração teórica
qualquer distanciamento.
14. Da capitulação da ideologia auto-referencial do movimento a um novo conceito
de “práxis teórica”
Os movimentos pós-verdes dos anos 90 ficaram presos até hoje no quadro de
referência teórico do pós-estruturalismo e do pós-operaismo que, não logrando construir
qualquer oposição ao universalismo burguês androcêntrico, continuam a esgotar-se na
particularidade de uma “crítica afirmativa” fenomenologicamente limitada. Esses
movimentos, marcados pelo desarmamento teórico pós-moderno, já são apenas órfãos de
uma história das esquerdas não-compreendida e não-digerida, que celebram em events a
própria impotência, precisamente por insistirem numa “unidade entre teoria e práxis”
degradada.
Quando aqui ainda se fala de “capitalismo” (por exemplo, no movimento de crítica da
globalização), ou se trata apenas de uma fórmula vazia e aconceptual, ou a crítica reduz-
se imediatamente ao “capital financeiro”. Mas até mesmo a eventual crítica contra essa
redução apenas consegue recorrer, quando muito, desamparadamente e sem mediação,
aos resquícios do marxismo tradicional, uma vez que o pensamento pós-estruturalista /
pós-operaístico, afogado na metafísica da intencionalidade, não dispõe de meios para
tanto (e ainda menos de meios para a crítica da ideologia). O activismo roda em falso e
tornou-se auto-referencial: o movimento é o movimento é o movimento...; e entretanto até
já figura como “movimento dos movimentos”, que se compõe apenas de uma soma
acrescida mecanicamente de pontos de vista de interesses particulares, “críticas locais” e
actividades de tema único, como se pode vê-los a palrar de modo desencontrado e
incoerente nos “fóruns sociais” internacionais, com centenas de milhares de participantes.
O importante é estar presente, embora isso não resulte em nada. A tão orgulhosamente
evocada “diversidade” de abordagens, acções, “diferentes práticas”, modos de auto-
representação e de expressão coincide com uma completa candura comum perante as
categorias capitalistas e a sua determinação negativa da essência, cuja tematização
como “pecado essencialista” sucumbe ao exorcismo dos caciques ideologizados pelo pós-
estruturalismo e à sua grelha de percepção reduzida com base na teoria da acção. Não
obstante, a soma das “intencionalidades” é igual a zero. Por isso, o “movimento dos
movimentos” não consegue desenvolver qualquer tipo de poder de intervenção; reduz-se
a um protesto simbólico que já nem sequer é capaz de tratar a contradição imanente real.
A designação desses activismos simbólicos como “lutas” é apenas um eufemismo
confrangedor. Uma vez que não chega a ser conceptualizado o conhecimento parcial de
já não se poder evocar nenhum “sujeito” a priori conforme o modelo da “luta de classes”,
as “diferenças” da diversidade social de “posições” no capitalismo mundial persistem, sem
perspectivas, no seu ser-assim atomizado capitalistamente imanente. Não se desenvolve
qualquer dialéctica entre “diferenças” encontradas e a serem levadas a sério, por um lado,
e uma integração transcendente visando uma determinação de objectivos históricos
comuns e uma transformação social mundial, por outro lado (cf. a este respeito: Scholz
2005).
Como a única coisa em comum é a candura teórica na diversidade da práxis dos
movimentos, já não é possível construir uma unidade de acção com capacidade de
intervenção precisamente na redução da teoria da acção. A antiga unidade de acção
(marxista tradicional) no contexto de “luta por reconhecimento” e “modernização atrasada”
já passou o prazo de validade, mas em seu lugar não pode entrar nenhuma nova
determinação de objectivos com capacidade de integração. A expressão vazia da
multitude apenas expressa a nulidade da desconexão de “subjectividades” parciais, que
esperneiam em sua própria forma social irreflectida, como um escaravelho virado de
costas. E o facto de essa forma também não ser integral, mas revelar-se (no sentido da
teoria da dissociação-valor) uma forma em si com múltiplas quebras, permanece assim
fora da reflexão crítica, já que o carácter fragmentário só seria reconhecível na
tematização da constituição dessa forma. Até uma essência fragmentada em si é uma
essência que, mesmo sofrendo uma desagregação na crise, ainda persiste na firmeza de
suas categorias, se tais categorias não forem criticáveis.
No fundo, a renúncia pós-moderna, ela própria dogmática, à crítica da essência
determina a imanência capitalista como inexcedível. Entretanto já se afirma isso quase
abertamente. Serve de veículo argumentativo o conhecimento pós-operaístico / pós-
estruturalista, parado a meio caminho, segundo o qual os próprios “dominados” estão
envolvidos no “poder”, que agora já não pode ser entendido como inimigo meramente
externo de um “bem” ontológico. Todavia, se Holloway exorta a que imediatamente
“critiquemos a nossa própria cumplicidade na reprodução desta sociedade” (id., p. 137),
então está a falar contra si mesmo, pois essa cumplicidade “é” precisamente a
“existência” capitalista que per se não contém, de forma alguma, “resistência”. Na
verdade, o sofrer com essa existência é digerido “naturalmente” na concorrência, em
ideologias projectivas. O esforço crítico deverá evoluir a partir deste acanhamento, num
processo doloroso; portanto, não coincide, de forma alguma, com a “existência”. O facto
de “nós”, segundo Holloway, já sempre estarmos “contra dentro e para além” (id., p. 118)
do capitalismo, apenas por “estarmos” no mundo, constitui realmente um argumento bem
“para além de” toda e qualquer crítica.
O reconhecimento da própria cumplicidade, como envolvimento inevitável na reprodução
capitalista (o que em Holloway não é tão inevitável, pois ele sempre traz escondido na
manga o seu sujeito-“existência” ontológico que está apenas com um pé “do lado de
dentro”) só pode levar a que se desenvolva uma sensibilidade nesse sentido, como por
exemplo a respectiva “cultura dominante” (Birgit Rommelsbacher) ainda tem efeito na
esquerda, ou como factores do “chauvinismo do bem-estar” (branco-ocidental, nacional
etc.) se fazem valer nos movimentos da “contrapráxis” imanente, até como concorrência
de crise. Nesse sentido, a “microfísica do poder” foucaultiana, por exemplo, pode muito
bem fornecer uma abordagem para que se possam examinar as complexas relações
internas nas formas do percurso capitalista. Mas já para fazê-lo é preciso um
distanciamento crítico em relação à própria existência imediata, que se repele.
O conceito de concorrência universal, amplamente ignorado pela ideologia do
movimento, aponta ao mesmo tempo para o facto de a “microfísica do poder” actuar num
sistema de referências sociais sobrejacente e não se representar directamente a si. Não
obstante, o conceito ontológico de “poder” é filtrado da conexão da condição
historicamente específica da socialização capitalista negativa e reduzido àquela
“microfísica”, enquanto a “macrofísica” das relações de dissociação-valor se tornou um
espaço vazio. Com Nietzsche mais Heidegger e contra Marx, o difuso fluido
ominosamente ontológico do “poder” toma o lugar de um conceito concreto de relação de
capital. Mas com isso não se suplanta a “concepção do mundo” dicotómica do marxismo
do movimento operário, que simplesmente é atomizada numa “diversidade” de dicotomias
sem conexão sobrejacente, sendo que a ontologia não-suplantada do trabalho abstracto
também passa por esse processo de atomização.
Fazer o reconhecimento da própria “cumplicidade” e do próprio envolvimento na
estrutura hegemónica sistémica tornar-se realmente produtivo seria tomar como alvo da
crítica radical não um suposto interlocutor externo na concorrência, mas a própria
determinação da forma social, ou seja, a forma do valor e a relação de dissociação a ela
ligada, a “forma política” e a “forma sujeito”. Mas no momento em que essa crítica
categorial é rechaçada e denunciada como “essencialista”, isto é, no momento em que
continuam a subsistir o inflacionamento do conceito de política e a incessante invocação
do “sujeito”, a crítica permanece vã perante a “transformação do mundo” que continua a
ser feita pelo capitalismo até à maturação de crise, e resvala do seu objecto tornado
intangível; seus protagonistas encontram-se aí “como uma encomenda não levantada”. O
resultado é a capitulação incondicional, clausulada de qualquer maneira na exposição
empolada da ontologia do poder.
Quanto mais fortemente se faz valer a objectividade negativa da barreira da crise, e
quanto mais brutais se tornam as digestões ideológicas à escala mundial, tanto mais
parece progredir a heideggerização da esquerda. Ela própria se torna assim factor de
barbarização ideológica, como produto da decomposição da “contrapráxis” imanente e da
“crítica afirmativa”. Em lugar da análise crítica, surgem expressões quase teológicas (por
exemplo, no falatório sobre “kairos” e sobre “o acontecimento”), em vez de um debate
sobre uma nova transformação, surge a evocação da “existência” e naturalmente da
“vida”, a qual de modo algum pode vir a ser uma “boa” vida aqui e agora. Esse “jargão da
autenticidade” (Adorno) virado à esquerda até pode ainda admitir uma forma de “revolta”
existencial a autores de atentados suicidas; já há muito tempo que ele se tornou
permeável aos clichés anti-semitas.
O que dá pelo nome de “crítica do valor” não está absolutamente imune a essa
tendência ideológica que é transmitida socialmente com a queda da nova classe média e
a crise da identidade masculina. Susceptível a uma recaída na ideologia é precisamente
uma crítica do valor ainda no universalismo androcêntrico, pela qual o problema da
dissociação sexual não é assumido de modo algum, ou é-o apenas como objecto
secundário, “derivado”, meramente empírico-histórico. Como até ao momento a dimensão
da acção na teoria da dissociação-valor foi no seu conjunto deixada de lado, há o perigo
de a antiga crítica do valor, uma crítica em seus primórdios objectivista nos termos da
teoria da estrutura e ainda de modo algum suplantada, sucumbir ela própria à viragem da
teoria da acção de que ainda não tomou consciência. Dessa maneira, o entendimento do
universalismo androcêntrico da “forma vazia” ameaça cair, seguindo os rastos de
Holloway & Cª, na evocação imediata da “existência quotidiana” com sua “qualidade de
resistente” supostamente dada per se e, por conseguinte, na heideggerização ideológica.
O conceito de constituição fetichista da forma permanece então uma “objectividade”
externa, cujo entrelaçamento com a “existência”, enquanto existência em si ideológica, é
amplamente obnubilado.
Para se fechar a porta a essa tendência, deve-se desenvolver, na crítica do fetiche, um
novo conceito de “práxis teórica”, que rechace toda e qualquer “fusão” da reflexão crítica
com a “contrapráxis” pré-estabelecida do tratamento da contradição imanente, ou até
porventura com a “metafísica do quotidiano”. A necessária tensão entre ambos os níveis
de acção tem de ser suportada. Qualquer exigência de transformar essa tensão
unilateralmente em acção de intervenção prática imanente e, com isso, querer silenciá-la
significa deixá-la entrar em colapso já antes de atingir o limiar de uma suplantação real do
capitalismo, sucumbindo por fim à “pseudo-actividade”. Para poder romper essa
constituição fetichista, tanto a “práxis teórica” como a “contrapráxis” imanente têm de
passar, cada uma delas no seu campo respectivo, por um processo de transformação, até
que ambos os lados vão além de si mesmos e possam fundir-se apenas no resultado.
Portanto, a célebre “unidade entre teoria e práxis” não pode ser já um pressuposto, mas
apenas telos imanente da crítica categorial; ela coincide com a transcendência real, ou
então não existirá.
Isso não quer dizer que até lá exista uma muralha da China entre a “práxis teórica” e a
“contrapráxis” imanente. O objecto de uma reflexão crítica é precisamente a práxis social,
incluindo o permanente tratamento da contradição. Mas apenas se a crítica categorial se
desenvolver firme e irreverentemente contra os postulados da práxis imediata, para se
transformar de mera interpretação e “crítica afirmativa” em “crítica de segunda ordem”, ela
terá ainda algo a dizer à “contrapráxis” imanente, e poderá contribuir para a sua
transformação. Também nesta práxis nem todos os gatos são pardos; em vez disso
importa distinguir que momentos se deixam abrir no tratamento da contradição para se
chegar aos limites desta e ir além deles, e que momentos são mais bloqueadores. Um
conceito crítico mais radical do moderno patriarcado produtor de mercadorias, o
desenvolvimento de critérios para uma outra socialização (mundial) para além das
relações de dissociação-valor e a análise da crise em desenvolvimento podem oferecer
um quadro de orientação e o necessário “longo fôlego” para isso, e até mesmo contribuir
para que novamente seja possível de algum modo um tratamento da contradição
empenhado em avançar vinculado a esta orientação e que não se esgote em encenações
simbólicas. Mas isso nada tem a ver com “realização” directa, nem com “aplicação”
instrumental, e muito menos com “manual de instruções”.
Não em último lugar, a crítica consequente da ideologia, só possível em conexão com a
crítica da constituição fetichista, pode contribuir para essa orientação, como momento
imprescindível da “práxis teórica”, através da análise dos repúdios da consciência no
processo da crise. Trata-se aqui de revelar de modo continuado a conexão interna entre a
matriz a priori, o tratamento da contradição e as ideologizações, pelas quais é co-
determinada a forma de percurso real. Isso nada tem a ver com pretensões de
“omnisciência”, nem com um suposto “ponto de vista externo”, nem com um imaginário
“heroísmo” da crítica teórica, como Holloway afirma repetidamente. Afinal de contas, a
elaboração teórica, enquanto crítica categorial, volta-se também contra si própria, como
forma de teoria interpretativa e prenhe de ideologia, ou seja, a crítica da ideologia também
é um factor de transformação no seio da própria reflexão teórica, um processo não-
concluído de luta para conseguir desprender-se, desde a matriz a priori das relações
fetichistas até à linguagem conceptual do universalismo androcêntrico. A passagem para
uma transformação real que suplante praticamente o contexto da forma da matriz
capitalista deve ser entendida, em certo sentido, como o fim da forma da teoria e como o
fim da forma da práxis no sentido até aqui vigente, não podendo, por isso, ser
determinada pela teoria imanente, nem ser desenvolvida linearmente a partir das formas e
campos de práxis existentes.
Uma verdadeira auto-presunção da reflexão teórica seria a pretensão de ainda querer
“derivar” a suplantação do capitalismo, pois isso significaria mesmo uma recaída na
objectivação da teoria da estrutura; todo o “derivável” permanece per se preso ao campo
da imanência capitalista. Inversamente, o mesmo vale para uma intencionalidade
“existencial” com base na teoria da acção e indiferente à objectivação real fetichista. Pelo
contrário, a intencionalidade de transcendência tem de enfrentar precisamente a falsa
objectivação dominante; e isso só é possível na medida em que a reflexão teórica,
enquanto tal, é firmemente praticada de modo continuado, até para além de si mesma.
Para isso é preciso uma distância consciente da teoria crítica em relação a toda a práxis
encontrada.
A pretensão ilusória de esbater essa distância vem de duas direcções. Por um lado, vem
dos “activistas” da própria práxis, que se indagam insatisfeitos acerca do “valor alimentar”
da teoria para os seus actos e feitos aparentemente auto-evidentes. Neste caso, muitas
vezes não se trata de portadores directos da resistência social nas frentes de crise da
socialização negativa, mas sim de poli-activistas, “círculos” etc. de esquerda, que
normalmente se encontram, eles próprios, muito mais numa relação externa em relação
às lutas sociais, ou que apenas as simulam. Falham na sua possível actividade de
mediação, ao agirem simplesmente como aqueles organizer de que falava Adorno. Mas,
por outro lado, a falsa pretensão de práxis também vem da própria elaboração teórica,
quando os seus portadores não mantêm a devida distância e anseiam por uma fusão com
formas de práxis existentes, que facilmente são mistificadas. Em ambos os casos, a teoria
crítica torna-se verdadeiramente supérflua, ou é transformada num mero “sermão
dominical”, como uma espécie de literatura edificante para a operação de um activismo
que, no fundo, também sem ela se difundiria, com a sua acção por si só legitimada, e quer
ficar à vontade na sua tacanhez. A crítica teórica até pode ser hostilizada a partir de tais
estados de consciência; como dizia Marx no prefácio à 1ª edição de O Capital, também
para ela tem de valer o “lema do grande florentino”: Segui il tuo corso, e lascia dir le genti!
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