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Resumo
Desde o grande impacto advindo das teorias do capital cultural, caras a Pierre Bourdieu, a
sociologia da educação tem sido fortemente influenciada por suas assertivas. Não obstante,
fenômenos relacionados ao processo de globalização cultural e econômica têm empreendido
grandes desafios para as pesquisas sociológicas na medida em que as exceções tornam-se cada
vez mais freqüente: cada vez mais pesquisas têm demonstrado diversos mecanismos que
favorecem indivíduos provenientes de meios populares no sucesso escolar. Tais pesquisas têm
se apoiado nas sociologias do indivíduo. A referida vertente teórica têm criado diversos
conceitos e argumentações que impactam diretamente na pesquisa educacional. Diante desse
cenário, o objetivo do trabalho consiste em apresentar algumas ideias de três importantes
autores da sociologia do indivíduo, quais sejam, François Dubet, Bernard Lahire e Danilo
Martuccelli e, em seguida, ponderar acerca da contribuição de cada uma das perspectivas para
a pesquisa na área da sociologia da educação. Tal pesquisa se justifica tendo em vista o
grande crescimento das pesquisas baseadas epistemologicamente na perspectiva do indivíduo,
mas que não necessariamente dialogam com as diversas perspectivas existentes entre o
compêndio de autores vinculados à sociologia do indivíduo. Foram feitas leituras de algumas
obras importantes dos referidos autores e a sistematização de alguns dos conceitos que podem
ajudar de forma profícua na pesquisa educacional. Como conclusão, percebe-se que as teorias
do indivíduo ajudam profundamente para a compreensão das peculiaridades locais e alguns
dos conceitos cunhados, tal como o de prueba, de Danilo Martuccelli, afiguram-se enquanto
profícuo mecanismo de análise para a perspectiva em questão.
Introdução
educação tomaram uma direção praticamente comum. O principal objetivo das pesquisas
passou a ser a demonstração de como os resultados escolares simplesmente reproduziam a
estrutura social previamente estabelecida. Porém, com o passar dos anos, devido a diversas
transformações sociais advindas do processo de globalização, as teorias bourdieusianas
passaram a ser questionadas tendo em vista o crescente surgimento de exceções à regra: era
cada vez mais comum verificar que indivíduos desprovidos de capital cultural se saiam bem
nas escolas.
Diante do cenário de crise do modelo clássico da sociologia surgem as discussões da
sociologia do indivíduo, transformando radicalmente o olhar do pesquisador. O ponto de
partida epistemológico sai da noção de socialização e entra na ideia da experiência individual.
Tal transformação do olhar produz mudanças nas pesquisas na área da sociologia da
educação. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é apresentar algumas das vertentes
teóricas vinculadas à chamada sociologia do indivíduo e apontar a implicação de cada uma
delas para as pesquisas educacionais.
Para tanto, foi realizada uma pequena introdução das ideias de Pierre Bourdieu e, em
seguida, apresentou-se alguns dos pressupostos da crise de suas teorias, assim como daquelas
vinculadas à sociologia clássica. Posteriormente foram apresentadas algumas ideias de três
importantes autores que trabalham a partir da perspectiva do indivíduo, quais sejam, François
Dubet, Bernard Lahire e Danilo Martuccelli.
Destaca-se como conclusão que tal movimento possibilita a compreensão das
realidades educacionais específicas de forma mais detalhada, favorecendo a apreensão dos
processos de produção de desigualdades escolares em um mundo no qual o discurso e o papel
do indivíduo ganha maiores proporções frente à ideia genérica de socialização. Argumenta-se
que o conceito de prueba, de Danilo Martuccelli é um fecundo operador analítico para
compreender os fenômenos sociais a partir da perspectiva do indivíduo na medida em que está
para a sociologia do indivíduo assim como o conceito de habitus está para as teorias
bourdieusianas.
Desenvolvimento
social e os resultados escolares. Nesse sentido, sendo a escola um local “igual” para todos, o
olhar se volta para as famílias e os estudantes a partir de uma perspectiva meritocrática, ou
seja, buscava-se compreender quais eram os elementos concernentes aos indivíduos das
classes baixas que os prejudicava em relação ao desempenho escolar.
Diversos trabalhos, porém, principalmente a partir de meados da década de 60, na
França, surgiram através de diálogo crítico direto com as teorias meritocráticas norte-
americanas. Pierre Bourdieu é sem dúvida um dos maiores críticos da perspectiva
meritocrática (assim como autores marxistas, como Mézáros, por exemplo). Ademais, a
proposta aqui elaborada focará em parte as argumentações bourdieusianas, conhecidas
popularmente, no tocante da sociologia da educação, como “teoria do capital cultural”.
Tal nome se dá devido aos argumentos cunhados por Bourdieu, radicalmente opostos à
teoria meritocrática norte-americana. Na perspectiva do referido autor, a escola, ao contrário
de ser um espaço neutro e que permite ao indivíduo, a partir de seu esforço, a possibilidade de
ascensão social, teria responsabilidade direta no “fracasso” de seus estudantes. Isso porque
sua organização, estruturalmente falando, ao contrário de valorizar o aprendizado dos
conteúdos escolares propriamente ditos (o mérito de cada educando em apropriar-se de tais
conteúdos), aprecia outras características dos estudantes, socialmente constituídas e anteriores
à escola, a saber, o chamado “capital cultural” (BOURDIEU in NOGUEIRA & CATANI,
2008, p.39). Nesse sentido, a escola não é um espaço igual a todos, não é um campo de
disputa neutro, incapaz de produzir interferências nos jogadores. Ao contrário, ela possui
papel ativo e direto na produção de diferenças do desempenho educacional dos estudantes.
Dentro dessa perspectiva, o conceito de “arbitrário cultural” é central na discussão
(NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2006). Através de uma perspectiva antropológica da cultura,
na qual não há hierarquização entre as culturas, Bourdieu demonstra como a escola, ao
“eleger” pontos específicos da cultura geral de uma nação (geralmente provenientes das
classes dominantes), exclui aquelas pessoas que, em seus meios de socialização não dispõem
facilmente desses critérios escolhidos e encontrados nos locais de socialização dos indivíduos
das classes dominantes, ou seja, são desprovidas de capital cultural.
O conceito de capital cultural diz respeito a uma quantidade de informações adquiridas
pelos indivíduos, de forma indireta, durante toda sua trajetória de vida, completamente
relacionada com as estruturas objetivas que envolvem o indivíduo, ou seja, possui certa
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Sociologias do indivíduo
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O termo Sociologia Clássica está sendo utilizado na concepção de Danilo Martuccelli presente no livro Cambio
de rumbo. La sociedad a escala Del individuo.
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produtivo vigente, quanto por uma perspectiva funcionalista, na qual o indivíduo é senão a
incorporação do social, assim como a partir da sociologia compreensiva, tendo em vista que
existem tipologias de ação relacionadas a épocas ou grupos diferentes.
Paulatinamente as pesquisas sociológicas influenciadas pelas concepções da sociologia
clássica passaram a se deparar com exceções cada vez mais rotineiras. Categorias que antes
eram extremamente fecundas para a explicação de certos comportamentos como, por
exemplo, religião, profissão, e classe social perderam força ao longo do tempo. Em um
mundo globalizado, no qual os processos de “importação” cultural são constantes, o indivíduo
se vê imerso por uma série de possibilidades antes improváveis ou mesmo impossíveis. A
difusão dos meios de comunicação tem tornado acessível informações antes restritas a grupos
muito específicos. Em suma, as clivagens culturais passam a ser regras da experiência dos
indivíduos, o que gera sérios problemas para interpretações baseadas nas teorias clássicas da
sociologia. Como pensar o processo de socialização de indivíduos que perpassam por
experiências culturais radicalmente distintas?
Nesse cenário, o lugar do indivíduo, antes visto como o resultado de um processo de
socialização, é reconsiderado, saindo da margem para o centro das análises. Sendo assim, do
ponto de vista epistemológico, para compreender certos fenômenos sociais é necessário partir
da ótica dos indivíduos, pois são eles que, munidos de uma capacidade de escolha
relativamente autônoma, significam os fenômenos sociais. É cada vez mais difícil analisar os
fenômenos sociais a partir de uma concepção prévia das funções de cada instituição. Por mais
que as escolas sejam um local privilegiado para a difusão do conhecimento elaborado pela
sociedade para a juventude, os indivíduos se apropriam desse conhecimento das mais distintas
maneiras, fazendo com que essa “função” se diversifique.
Enfim, tendo como base comum as ponderações até aqui apresentadas, diversas foram
as teorias elaboradas tendo os indivíduos como o ponto de partida epistemológico. Sendo
assim, para compreender o impacto de tais teorias para a agenda de pesquisas na área de
sociologia da educação, faz-se necessária a apresentação de algumas ideias dos três autores
que, de certa forma, são referência nas pesquisas baseadas nos indivíduos. Comecemos, então,
por algumas considerações de François Dubet.
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Dos três autores selecionados para a discussão do indivíduo, Bernard Lahire é aquele
que mais explicitamente dialoga, criticamente, com as clássicas teorias bourdieusianas
relacionadas aos usos sociais da cultura, dito de uma forma genérica. Ou, mais
especificamente, dos mecanismos de apropriação do capital cultural por parte dos indivíduos.
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“verdadeiro” capital cultural, mas apenas aquelas práticas ligadas à cultura “legítima”. Lahire,
ao demonstrar que os indivíduos empreendem recorrentemente práticas completamente
distantes daquelas comuns em seu local de origem, problematiza fortemente a concepção
bourdieusiana de apropriação da cultura. Nesse sentido, é possível aproximar Lahire e Dubet,
na medida em que ambos destacam a grande heterogeneidade existente nas práticas dos
indivíduos na contemporaneidade.
Sendo assim, Lahire contribui diretamente para os estudos da sociologia da educação
que buscam compreender as razões do improvável, ou seja, os motivos pelos quais jovens
provenientes de classes desprovidas de catital cultural, nos termos bourdieusianos, conseguem
ter sucesso na trajetória escolar. Isso porque, conforme visto, para além da posição social do
indivíduo, para compreender a relação de cada pessoa com o sistema educacional é necessário
analisar as configurações sociais (as redes de relações) dos indivíduos e de outras estratégias
que podem por eles ser utilizadas, ao nível das biografias, e que estão além das características
objetivas, como situação funcional, renda e escolaridade dos pais.
nos diversos locais, pelos distintos indivíduos. E, segundo o autor, as pesquisas sociológicas
têm negligenciado tais fenômenos.
Sendo assim, não basta operacionalizar velhas categorias como profissão, gênero, raça
e religião para compreender a relação dos (as) estudantes com a escola em toda sua
complexidade. A difratação dos fenômenos impõe aos sociólogos a necessidade de
empreender suas análises a partir do nível dos indivíduos, uma vez que, a despeito de suas
posições objetivas na sociedade, os sujeitos são capazes de se apropriar e produzir
experiências individualizadas dos fenômenos sociais. E assim como Dubet, Martuccelli
considera que há diversas dimensões inerentes à ação dos indivíduos ao perpassarem por um
fenômeno, sendo as dimensões: do suporte, dos papéis, do respeito, da identidade e da
subjetividade. Em sua obra “Gramática do Indivíduo” o referido autor explana
especificamente sobre os significados e implicações de cada uma das dimensões. Porém, não
cabe, no presente artigo, elucidar cada uma delas, pois será o conceito analítico de prueba o
alvo do presente artigo, sendo que este será descrito em seguida.
Tendo como pressuposto as teorias de Martuccelli, o foco da análise deve partir, então,
da compreensão do processo de individuação dos sujeitos a partir de suas experiências no
mundo, ou seja, a partir das diversas pruebas por eles enfrentadas, pois “la individuación
define um tipo de sociedad y la define por el conjunto estandarizado e históricamente
variable de pruebas a los que somete a los indivíduos” (MARTUCCELLI, 2006). O que
seriam, então, as pruebas?
Segundo o autor, a noção de prueba possui quatro facetas. A primeira delas é que estas
se caracterizam enquanto uma situação difícil e dolorosa na qual os indivíduos são
confrontados, o que produz, fatalmente, distintas percepções dos processos vivenciados.
Sendo assim, o sujeito “percebe” quando está submetido a uma prueba. A segunda
característica do conceito em questão é que esse supõe a existência de particularidades dos
sujeitos. Os atores, ao confrontarem uma prueba, são capazes de produzir diferentes respostas
a elas. Os indivíduos possuem capacidade de resiliência, ou seja, capacidade de resistir a
situações, por vezes, traumáticas. A terceira noção das pruebas supõe a existência de um
caráter seletivo delas advindo. Ao serem defrontados pelas pruebas os indivíduos podem
obter sucesso ou falhar e o resultado do processo em questão produz diferentes
conseqüências. A quarta e última faceta aponta para a existência de certo conjunto estrutural
de desafios. Cada sociedade, em cada momento histórico, apresenta determinada
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racionalização das vivências. Nesse sentido, cada sociedade possui um conjunto de pruebas
mais ou menos pré-determinadas.
O conceito de prueba se configura enquanto um excelente operador analítico para
pesquisas que possuem o indivíduo como centro da análise, mas que buscam compreendê-lo
não apenas a partir da leitura de sua biografia (ou seja, mais próxima das teorias de Bernard
Lahire), e sim as relações do indivíduo e o espaço em uma dimensão distinta da ideia de
socialização e internalização de normas e valores.
Para finalizar, argumenta-se que tal conceito está para a sociologia do indivíduo assim
como o conceito de habitus está para a teoria bourdieusiana, sendo assim, o primeiro seria
uma espécie de subjetivação do segundo. Enquanto o habitus é a disposição criada a partir da
primeira socialização, internalizada inconscientemente pelo indivíduo, cara a um determinado
grupo social, as pruebas são alguns dos momentos chaves que perpassam a vida de
praticamente todos os indivíduos em um dado momento e espaço e que atuam, a partir da
subjetividade dos indivíduos, no processo de individuação dos sujeitos dependendo dos
resultados obtidos no enfrentamento de cada uma das pruebas.
Conclusão
esse modelo de pesquisa a explicação das “exceções” não mais fica de fora das teorias, mas,
ao contrário, ressignificam toda a lógica da relação dos indivíduos com seu meio de origem. É
necessário compreender as configurações sociais de cada indivíduo.
Por fim, argumenta-se que Martuccelli se apropria das discussões epistemológicas de
Dubet e expande ainda mais a pesquisa a partir do indivíduo, sendo capaz de cunhar conceitos
analíticos mais abrangentes para uma pesquisa que busque mais do que explicações da
trajetória de indivíduos isolados. Acredita-se que, nas disputas epistemológicas a respeito da
maneira pela qual deve-se compreender a relação dos indivíduos com o processo de
escolarização, o conceito de prueba assume um importante papel analítico, na medida em que
ele possui um papel homólogo, para a sociologia do indivíduo, ao conceito de habitus, dentro
da teoria do capital cultura, de Bourdieu.
REFERÊNCIAS
DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. 17. ed. São Paulo: Nacional, 2002.
NOGUEIRA, Maria Alice. A Sociologia da Educação do final dos anos 60/início dos anos
70: o nascimento do paradigma da reprodução. Em Aberto, n 46, abr/jun, 1990.
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