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Chantal de Tourtier-Bonazzi
O desenvolvimento da entrevista
A seleção da testemun½a
De modo geral, deve-se dar prioridade a entrevistas com pesso-
as de certa idade. Mas, nesse caso, é preciso levar em conta o cansaço
da testemunha, limitar o tempo das entrevistas e evitar perguntas
excessivamente meticulosas do ponto de vista cronológico. Pode aconte-
cer que, decepcionada por não poder responder, a testemunha se pertur-
be e interrompa ou abrevie a entrevista.
• l•:sté• art igo constitui o capítulo 2 da obra editada pelos Archives Nationales de France,
/,e 1t11110i,~1111!(t' oro/ aux orcuives: de la coiieae à la com11111nica1io11. Paris, 1990. Traduzido
p11111 o po1111}111l's d,• A1chlvos p,opfü•sws 11w1odolóHlt·ns. t listort« y 1:11, 1111• Ornl. ll!ut·,•
0
O lugar da entrevista Esta pode ser dirigida, não dirigida ou semidirigida, tendo cada
forma suas vantagens ou desvantagens.
O entrevistador tem diversas opções. Segundo O caso a entre-
Quando se elabora um questionário detalhado e preciso, é pos-
vista ocorrerá em casa do entrevistado ou no local de trabalho'. Neste 0
sível dirigir passo a passo a testemunha, mas assim ela fica presa a um
~r~uivista corre o risco de ficar tenso, por exemplo, diante de uma ~o-
roteiro preestabelecido que não lhe permite desenvolver seu próprio dis-
hcit~ç~~ de um colaborador ou de um superior hierárquico, ou diante da
curso.
p~ssibihdade ~e uma u_rgência no trabalho; entretanto, em casa, ele pode
Se ela for deixada totalmente livre, há o risco de se afastar do
cnar um ambiente mais favorável à conversação e receber melhor O en-
trevistado. tema tratado, reduzindo-se o papel do entrevistador a tentar precisar uma
data ou esclarecer uma passagem confusa.
. No loc~I d~ trabalho, o entrevistado pode ser influenciado pelo
A entrevista semidirigida é com frequência um meio-termo entre
ambiente e sentir diversas pressões. Em sua casa se sentirá mais à von-
um monólogo de uma testemunha e um interrogatório direto.
tade, ~u~ ambiente que conhece, cercado de recordações, fotografias
Numa conversa preliminar, entrevistador e entrevistado podem
su~cet1veis de avivar sua lembrança, e poderá ver seus familiares. Mas
esclarecer aquilo que interessa a ambos, sem que o entrevistado tenha
cmd~do com estes: a mulher ou as crianças podem às vezes substituir 0
de preparar ou redigir notas, o que tira a espontaneidade e o interesse.
depounento, falar em seu lugar, mesmo que o entrevistador esteja inte-
O arquivista ou o historiador, ao preparar a gravação, deve
ressado nesse depoimento. Essa presença pode ser positiva como no caso
pois definir sua problemática e escolher certo número de perguntas às
de uma entrevista realizada com um prisioneiro de guerra, no fim da
quais não deve renunciar. No caso de um corpus, deve fazer certo nú-
qual a mulher relata o que ela supôs ser o cativeiro do marido. Outras
mero de perguntas a todas as testemunhas, para poder fazer compara-
vantagens: o entrevistador obtém assim com a entrevista um melhor
ções. Deve também determinar o tipo de discurso e- de modelos de
conhecimento da testemunha. A casa, o ambiente em que se vive reflete
comportamento que irá analisar, considerando todas as variantes: sexo,
uma per~~~alidade. Por outro lado, numa visita como essa, pode obter
cartas, diários ou outros documentos. idade, origem social, profissão ou ocupação. Serão levados em conta
diversos fatores: sucesso ou fracasso na carreira, se está no começo ou
Qualquer que seja o lugar, convém evitar a ameaça do telefone
verdadeiro instrumento de tortura para o entrevistador. ' no fim, em atividade ou aposentado, influência da esposa, vida dos fi-
lhos, os que têm sucesso e os que não têm, motivos de felicidade ou
Em su_~ a, não existe recomendação particular quanto ao lugar,
tristeza. À medida que a entrevista prosseguir o roteiro terá às vezes
~as este c~ndic10na o depoimento colhido. É preciso ter consciência
que ser modificado; algumas questões se revelarão pertinentes, outras
disso e leva-lo em conta na análise, nunca esquecendo a influência que
improcedentes. Certas respostas fornecerão novas pistas e possibilitarão
pode exercer a presença do esposo ou da esposa e O ambiente, seja ck-
qual for. completar o questionário. Por outro lado, o entrevistador deverá adap-
tar-se à testemunha e nunca dar por encerrada uma entrevista antes de
acabar o questionário.
O roteiro das entrevistas
Caso se trate de uma só testemunha, o material, provavelmente
. Nenhuma entrevista deve ser realizada sem uma preparação 111 j muito rico, será analisado qualitativamente. Se a entrevista for bem-en-
nuc10_sa: consulta a arquivos, a livros sobre o assunto, à vida do dCf)Ol'II caminhada, chegará um momento em que as perguntas não serão ne-
te, le~tura de suas obras, se houver alguma, bem como referências sol",. ccssárias; a testemunha, mergulhada em seu passado, se sentirá perfei-
as pnncipais etapas de sua biografia. Cada entrevista supõe ,1 nlwr111111 tamente à vontade e, esquecendo a presença do microfone e do
de um dossiê de documentação. A partir dos clcrn intos cnlhirlos, l'illhn entrevistador, d11rn l11,w1s 1'is recordações. Quanto ao entrevistador, caso
ra-sc um roteiro de pcrgunt;rs do qual o inforrnonl(' dcvi• 1,s1111 c11,1111 n 1·11tn•vis10 1-w prc,11111>111,-. lms1111r\ que n icstcrnunhu tcnhn e •1·10 1:il<•1110
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que ele se sinta transportado i't épo('II vvoc:idn, lo11w• di· s11.is p11,01,11p,ic;o,·~ lnl;111do de• c I il 111 l11t1•11",~lllll1•~• N1·sSl' cnso, u11111 ~t'►',\l1ld,1 1•1111 c•vil,t;1 pod1·
e de sua vicia cotidiana. pcrruit h lt'll>lll,11 ,1', (J\lt'',l(l('S IWO gravadns 11,1 ('11\i't'VÍSl;J illi\('l ioi.
O grande perigo são as recordações rcpct idarn .ruc cvocudns, 0
epi~ó~~o mi~ vezes repetido, desprovido de espontaneidade, o julgumcnm A transcrição
definitivo. E o que acontece especialmente com as testemunhas que cs
Temos aqui duas concepções: a dos historiadores e a dos ar-
c_reveram suas memórias. Quando o entrevistador se deparar com esse
quivistas.
tipo de informante, deverá ajudá-lo a livrar-se de todas essas "consiru
Para os primeiros, somente o confronto dos textos escritos per-
ções", para tentar reencontrar a espontaneidade, a autenticidade de seus
mite analisar o conteúdo do discurso e a seleção das palavras, enquanto
sentimentos e ideias.
a escuta do oral, pela sua brevidade, não permite penetrar o significado
Quando o interesse do pesquisador se concentra apenas num
das palavras gravadas. Resumindo, eles gostariam de ter nos arquivos
aspecto concreto ou numa época da vida da testemunha, ele pode ficar
transcrições dos depoimentos gravados.
tentado a limitar seu questionário a esse projeto imediato. A nosso ver
Os arquivistas, mesmo compreendendo esse ponto de vista,
iss~ seria um erro. Não é supérfluo conhecer as origens familiares (avós:
não podem satisfazê-lo. Estima-se que a transcrição requer pelo menos
pais, lugar de nascimento), a formação, o ambiente, os gostos, as vívên-
cinco vezes mais tempo do que a gravação, o que obrigaria a mobilizar
c~as coti_dianas, saber que se trata de um deputado, professor ou comer-
muita gente e seria portanto extremamente oneroso. Como disse Saliou
ciante. E preciso visar à elaboração de um relato de vida, fonte de valio-
Mbaye no XI Congresso de Arquivos: "Até agora os arquivistas não au-
sas informações. Essa é uma das razões pelas quais o trabalho de um
mentaram as microformas, não transcreveram os documentos medievais
historiador e o de um arquivista são diferentes. O segundo não visa senão
nem as atas notariais dos séculos XVI, XVII ou XVIII, por exemplo. Foi
à criação de uma nova fonte: ouve e faz falar seu informante sem querer
preciso que os pesquisadores se adaptassem ao documento. Com os ar-
demonstrar nada, só trabalha em função de uma temática concreta. Suas
quivos orais devia acontecer a mesma coisa". O segundo argumento,
perguntas são menos específicas, exceto quando conhece detalhadamente
menos circunstancial, baseia-se na riqueza da oralidade. O fato de ler
um tema, mas por isso deixa que a iniciativa caiba antes ao seu interlo-
em vez de ouvir priva o historiador de muitas contribuições da forma
cutor.
oral: entonação, ênfase, dúvidas, rapidez ou lentidão nas reações, risos,
O historiador especifica mais o tema, certamente o aprofunda,
repetições; e portanto corre-se o risco de privilegiar a leitura a ponto
mas corre o risco de paralisar a testemunha contradizendo-a ou critican-
de renunciar à escuta. Por outro lado, toda transcrição, mesmo ben-
do-a. Ele organiza a entrevista em função de um objetivo preciso e ime-
feita, é uma interpretação, uma recriação, pois nenhum sistema de es-
diato, enquanto o arquivista leva em conta que a entrevista será ouvida
crita é capaz de reproduzir o discurso com absoluta fidelidade; de cer-
por múltiplos pesquisadores com interesses distintos.
ta maneira, é uma traição à palavra.
Duas horas de entrevista são uma boa medida, já que um rela-
Assim, ao transcrever as entrevistas, convém observar certas re-
to e~ ~ro~undidade exige da testemunha esforços de concentração
gras.
consideráveis, e do entrevistador uma forte tensão, pois ele tem que evi- A transcrição deve ser feita o quanto antes, de preferência pelo
tar qualquer distração e formular as perguntas no momento adequado.
próprio entrevistador. Se não, este deve ao menos colaborar, ajudado ou
Também conviria não se limitar a uma única sessão. No fim da primeira
aconselhado por um filólogo, se necessário, quando se tratar de recom-
conversação, e depois de certo tempo, a testemunha pode constatar
pilação de tradições orais: contos, cantigas folclóricas. Pode-se recorrer,
e~quecimentos, perceber aspectos capazes de complementar O que foi
inclusive, a certas regras para tornar o texto mais claro.
dito. Quanto ao entrevistador, após ouvir a primeira gravação, pode so-
licita~ explicações para aspectos pouco claros. Frequentemente, uma vez • As passagens pouco audíveis podem ser colocadas entre colchetes.
termmada a entrevista e desligado o gravador, o entrevistado continua
Arquivos: Propostas Metodológicas 241
Usos & Abusos da História Oral
I 1\0
texto. síveis.
Alguns entrevistadores fazem um verdadeiro trabalho de escri-
• Os subtítulos podem facilitar a leitura. tor, elaborando, a partir da gravação, um relato literário, tentando res-
• Serão corrigidos em notas os erros flagrantes por parte do entrevistado: tabelecer O ritmo da palavra e as impressões recebidas na entrevista.
Linguistas e sociológos, ao contrário, publicam in extenso a
datas, nomes próprios etc.
transcrição, tentando reproduzir as palavras o mais fielmente possível.
Transcrições desse tipo apresentarão garantias suficientes para Entre essas duas posições, há uma intermediária, que parece a mais
serem utilizadas pelo pesquisador. Assim, por exemplo, os autores de uma conveniente a um historiador. Perguntas e respostas devem aparecer
ampla pesquisa sobre a eletricidade na França elaboraram um corpus de claramente, mas pode-se suprimir as repetições ou dar à entrevista uma
4 mil páginas provido de um índice temático, correspondente a 200 ho- ordem cronológica. O texto pode perder assim sua originalidade mas
ras de entrevistas, com 70 ou 75 depoimentos. ganha em legibilidade. É o método empregado por Laurence Bertrand-
Muitos historiadores e centros de pesquisa, como o Instituto His- -Dorlé av. que usa as entrevistas como peças justificativas de seu traba-
tórico da Resistência na Toscana, realizam uma transcrição literal. Numa lho, incl~indo-as no final. Outros, contudo, as utilizam como peça cen-
segunda etapa, submetem-na à testemunha, que pode acrescentar, su- tral do livro, como o autor de uma pesquisa sobre o forte de Portalet
primir, corrigir, complementar, resultando daí uma transcrição mais rica. (Pireneus Atlânticos), onde foram confinados os acusados do processo
Nesse caso, a fita da primeira entrevista e sua primeira transcrição devem ele RiorTI em 1941/42 e, posteriormente, o marechal Pétain em 1945·
ser conservadas para servir de referência. há nesse caso maior aproximação à linguagem falada e cada testernu-
Alguns, porém, por medida de economia ou discrição com rela- nha é apresentada com algumas linhas no início de cada entrevista.
ção à testemunha, chegam a apagar a fita. É evidente que essa prática Outros, ~inda, po~ c~nsiderarem as entrevistas longas demais para
deve ser condenada. Em vez disso, o pesquisador deve propor que o uso 1 rnnscreve-las por 1~te1ro, decidem fazer um relato na primeira pessoa,
da fita necessite de autorização da testemunha, assim como nem todas como fla~ry Rodenck Kedward, que descreve dessa forma o perfil de
as fontes escritas estão imediatamente disponíveis para todos. 18 enrrev1stados.1
Para concluir, esclarecemos que a posição francesa é a seguinte:
a fita constitui o original; a gravação é pois o documento original que se
deve consultar. A testemunha pode, a posteriori, dizer que não forneceu ' V1·1 1Jl'1·111111<I lloilc\11r, l.111111•11et•. l listoire ele l'art: orâre national, traditions et modemités.
nenhuma informação: nesse caso, é imprescindível recorrer fira, à 11111 IN, l<Jllh, '1', l 11, 11' /•1111 t/11 1'01 /(1/(,/. '/'<f111oi~11a~e.< i11écli1s, no boletim nº 4 da Association
Finalmente, para encerrar a questão das unnscrtçõcs, qu,111(10 M,·•11u,l11• t:nll1•1 ll\1 1•11 11,1,1111, p11•1ikh1•1 dt· A111H· ('•11'1t•r1
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\'/,/11', /1)/II /1)/ 1 ,,, .. ri 111,,111,11111 11• 111•v~~l'I, t•m•J 'l'tlp {1'11'1111)11• tl1• ,11'1111 1'l1'111' A11l11111 J
d11d1• cln'I 1t•1<10:i t' 1·0111p111v111 ,,1111 q1utlld11d1•, I;\ q11t• 11 1t••a1•111111tl1n pnd,·
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Como om lodo I rahnlho dt• t•d11;110, o lti.¼101 i11do1 d1·v1• 1·11t·o1111111 lkil 111111111•1 1•111 d1:1 1•sst'H f1rl1,11 los. 1,:,111t•1,11110, t•lt•s 1•vi1111111111 qt11· u,1111
um meio-termo entre duas cxig ncins: 11 máx imn fiddidiidt· ;io dij('lll:lo mesma t1·s1<·1111111ha lossc 1'11tn·vist11d11 ro111 111uit,1 trcquênciu, passando as-
e a necessidade de torná-lo acessível ao leitor, sim a dcrnonst rar certo cansaço, ou pelo menos permitiriam que o entre-
É preciso não esquecer que é mais delicado publicar u111 doeu vistador, ames de entrevistar uma testemunha, ouvisse as entrevistas con-
mento sonoro que um escrito. cedidas anteriormente e retificasse ou adaptasse o roteiro da sua.
pesquisadores, arquivistas e historiadores será uma garantia de eficácia. explorados na transmissão de conhecimentos. Um relato e um filme são
O arquivista tem a responsabilidade de conservar documentos que sejam bem recebidos e têm muito a dizer às gerações habituadas ao som e à
úteis à história, tentando imaginar como eles servirão aos pesquisadores; imagem. Cabe-nos assegurar que a mensagem assim comunicada seja fiel
ele tem tudo para fazer o mesmo com relação às fontes orais. à verdade histórica à qual servimos.
Além disso, caso disponha de tempo, inclinação e pessoal ca-
pacitado - não é proibido sonhar de vez em quando -, o arquivista
pode realizar ele mesmo as entrevistas, selecionando os temas prioritá-
rios.
Pode querer enriquecer o conteúdo dos arquivos escritos conser-
vados: a história dos grandes órgãos do Estado e de suas administrações,
inclusive as mais modestas, será facilitada pela existência conjunta de
fontes escritas e orais. Assim, a classificação dos arquivos de um tribunal
de exceção, por exemplo, uma corte de justiça na época da Libertação,
seria facilitada por uma entrevista com um de seus magistrados, que po-
deria explicar a composição de seu acervo, sua organização, suas lacunas.
A gravação de seu depoimento seria ouvida com proveito pelo historiador
que viesse a consultar esses arquivos. O mesmo vale para os documentos
provenientes de uma instituição financeira, de uma embaixada e assim
por diante.
O arquivista também pode optar por preencher as lacunas im-
portantes de suas coleções. Um colega de Manitoba interroga os chilenos
imigrantes nessa província do Canadá e constata que não dispõe de ne-
nhuma fonte escrita sobre eles.
Resta colocar à disposição do público o material compilado
(redação de fichários, inventários) e conservá-lo adequadamente (locais
apropriados, realização de cópias). Deve-se entender por público não
só os historiadores cujas pesquisas devemos orientar e alimentar, mas
também, cada vez mais, uma grande variedade de pessoas atraídas pela
cultura.
Nossas gravações de história oral serão utilizadas em montagens
sonoras de exposições4 ou de alunos e estudantes de história. É surprccn
dente constatar quão ineficaz pode ser uma aula, enquanto a voz ele u0111
rcsrcrnunha que conta sua vida - ou, ainda melhor, sua imagem - pod ·
impressionar um jovem e ressuscitar para ele, de forma insubst itufvel,
um acontecimento ou uma época. A voz possui uma carga emocional ,.
um poder de cvocnção incompru :~v,•is que não foram s11ficlt111< nw111,• 1