Docente: Prof. André Disciplina: Direito Financeiro
Discente: Felipe Benvindo Barbosa Mello
Direito Financeiro e Covid-19
A inquestionável relevância dos Direito Financeiro no aporte para o desenvolvimento socioeconômico tem se tornado cada vez mais visível. Diante de uma pandemia com desdobramentos nunca vivenciados pela sociedade contemporânea, o Direito Financeiro está na linha de frente dos artifícios utilizados pelos governos mundo afora para lidar com essa grave crise sem precedentes. O presente texto visa apresentar contrastes das implicações dessa área do direto frente à pandemia da Covid-19 a luz dos princípios orçamentários. Não é novidade que vários dos recentes problemas decorrentes desse momento pandêmico desaguam no direito financeiro, seja no que diz respeito à contenção da doença, ou nos estragos econômicos que reverberarão por anos em nossa sociedade. Ademais, os orçamentos públicos que se materializam nas leis, onde estão presentes a previsão de receitas e a destinação dos gastos públicos para o exercício financeiro decorrente, sendo obrigatório o seu cumprimento, pois como qualquer outra lei, essa também é oriunda da vontade da sociedade referente ao uso dos recursos arrecadados e disponíveis. Nesse sentindo, é válido pontuar que a imprecisão dessa lei já é esperada, uma vez que o futuro é imprevisível e sua criação precede qualquer fato, precisando, muitas vezes, ser adaptada. Diante disso, as leis orçamentárias são bastante flexíveis, sendo essa característica elevada, por muitos doutrinadores, à uma condição de princípio. Fica evidente, diante da pandemia, que esse princípio é deveras necessário. A Lei Orçamentaria nº 13.978 de 2020, ano em que eclodiu a covid-19, foi elaborada em uma realidade sem pandemia em 2019, não havendo, portanto, condições de prever o que viria no ano subsequente. Dessa forma, essa Lei teve que se adaptar, utilizando-se de sua flexibilidade, respeitando ainda os demais princípios como o da legalidade. Apesar dessa atípica realidade, cabe ressaltar que a adequação às necessidades públicas oriundas de situações imprevistas não pode resultar em irresponsabilidades fiscais, nem deve haver o comprometimento da boa gestão das finanças públicas, isso porque o próprio ordenamento jurídico permite, através de princípios como o já mencionado anteriormente, ações que solucionem essas intercorrências sem ferir quaisquer institutos. Como reza o art.65 da Lei de Responsabilidade Fiscal “na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação: I. serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts.23,31 e 70; II. serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art.9º Dado exposto, fica evidente que a responsabilidade fiscal é compatível nas hipóteses de emergências, ainda que de grandes proporções como essa que vivemos. Ademais, pode-se observar que o Direito Financeiro não foi completamente surpreendido, como visto anteriormente já haviam instrumentos para lidar com conjunturas como a que se coloca atualmente. Em meio ao caos trazido por essa crise sanitária que assola o mundo, no direito financeiro, o uso de medidas excepcionais se fez necessário. Para o enfrentamento dessa situação atípica encontrou-se respaldo no sistema orçamentário constitucional, que possui um rol de normas sobre orçamento público. O art. 167, §3° da Constituição Federal coloca a possibilidade da abertura de crédito extraordinário unicamente para despesas imprevisíveis e urgentes, a hipótese de calamidade pública está entre os cenários em que será admitida essa postura. Mesmo em casos como o da EC n°95/2016, que adicionou os arts. 106 a 104 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo o Regime Fiscal do Teto dos Gastos Públicos, referente aos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, não conseguiu ignorar a conjuntura atual de excepcionalidade e imprevisibilidade. Enquanto viger essa medida não poderá existir crescimento real das despesas do ano anterior somente corrigidas pela inflação, e assim sucessivamente nos anos seguintes. Retornando à Lei de Responsabilidade Fiscal, deve-se entender que em seu art.65 a calamidade pública se qualifica enquanto uma situação excepcional, dessa forma permite-se, portanto, que algumas obrigações possam ser afastadas. Para tanto esse afastamento deve ser reconhecido pela respectiva Casa Legislativa, nos Estados, as Assembleias Legislativas e na União, o Congresso Nacional. Esse reconhecimento formal por parte de Poder Legislativo diante de uma ação do Executivo, decorre do princípio da democracia e equilíbrio fiscal, por meio do qual os representantes do povo autorizam a adoção de um regime de exceção na efetivação das normas gerais e regulares constantes da LRF. Ademais, diante da decretação de calamidade pública federal visando garantir as benesses do art.65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a saber, a dispensa do atingimento de resultados fiscais previstos na Lei de Diretrizes Orçamentos e a suspensão do mecanismo da limitação de empenho, além de, recentemente, o acionamento do STF objetivando o afastamento de outras atribuições que a LRF prevê. O Ministro Alexandre de Moraes, muito embora defenda que a responsabilidade fiscal seja um conceito indispensável, afirmou que a pandemia representa condição superveniente, imprevisível e de gravíssimas consequências, sendo fundamental que todas as autoridades da federação atuem em conjunto em defesa da saúde, da vida e, claro, da economia. Assim, é possível afirmar que os princípios do direito financeiro são fundamentais para manter a estrutura federativa mesmo diante de reiterados desafios. Muito embora a postura do executivo federal não seja razoável diante dessa catástrofe sem precedentes, os outros pilares da federação têm tentado diminuir os danos sofridos em decorrência da pandemia. Como se pode aferir no parágrafo anterior, o poder judiciário, respeitando a ideia dos freios e contrapesos, realizou papel fundamental diante de uma questão relativa a Lei de Responsabilidade Fiscal que aparece reiteradas vezes nesse texto. O princípio da flexibilidade ora supracitado pode ser analisado em um caso concreto, recente, em que o Ex-Presidente da Câmara, Rodrigo Maia em parceria com o Ministério da Economia tentaram criar a chamada “PEC do Orçamento de Guerra”, sendo a dívida pública o mecanismo supostamente adequado a financiar novos gastos para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, assim essa PEC tornaria mais flexível a estrutura orçamentária. De modo geral, é possível constatar a necessária participação do Direito Financeiro nas relações que dizem respeito à pandemia da Covid-19. Essa relação ganha desdobramentos mais complexos diante da evolução da crise sanitária e a postura irresponsável da União diante disso tudo. Além de uma evidente crise federativa, fica claro que é impossível sanar os problemas oriundos dessa pandemia sem a presença do Direito Financeiro. Prova disso são os inúmeros exemplos outrora citados nesse texto, a União entre os Poderes da República é fundamentais para superar essa grave crise de saúde pública com notáveis desdobramentos econômicos ao redor do mundo.
Referências:
DOMINGUES, José Marcos. Revista consultor Jurídico, 09 de março de