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170 ENSAIO | ESSAY

Reflexões bioéticas acerca da promoção de


cuidados paliativos a idosos
Bioethical reflections about the promotion of palliative care for
elderly

Rosely Souza da Costa1, Adriana Glay Barbosa Santos2, Sérgio Donha Yarid3, Edite Lago da Silva
Sena4, Rita Narriman Silva de Oliveira Boery5

RESUMO Considerando o crescente número de pessoas idosas que, por vezes, são acometidas
por condições crônicas de saúde e estão fora de possibilidade terapêutica, é salutar compreen-
der a relação dos princípios da bioética nas demandas que permeiam os cuidados paliativos a
pacientes idosos, na perspectiva de poder oferecer uma sobrevida digna. A abordagem a partir
dos fundamentos da bioética principialista propõe a garantia dos princípios da beneficência,
não maleficência, justiça e autonomia, a fim de proporcionar dignidade, qualidade e conforto
1 Universidade Estadual do aos idosos em terminalidade da vida. Desta forma, este artigo tem como objetivo propor uma
Sudoeste da Bahia (Uesb), reflexão acerca dos cuidados paliativos aos idosos à luz da bioética.
Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem e Saúde –
Jequié (BA), Brasil. PALAVRAS-CHAVE Cuidados paliativos; Envelhecimento da população; Saúde do idoso;
rosely-souza@hotmail.com
Bioética.
2 Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (Uesb),
Programa de Pós-Graduação ABSTRACT Considering the growing number of elderly people who sometimes are affected by
em Enfermagem e Saúde – chronic health conditions and are out of therapeutic possibility, it is beneficial to understand the
Jequié (BA), Brasil.
adrianaglay@hotmail.com relationship of the principles of bioethics in the demands that permeate palliative care to elderly
3 Universidade Estadual do
patients, in the view of offering a dignified survival. The approach from the fundamentals of the
Sudoeste da Bahia (Uesb), principialist bioethics proposes the guarantee of the principles of beneficence, non-maleficence,
Programa de Pós-Graduação justice and autonomy, in order to provide dignity, quality and comfort to the elderly in terminally
em Enfermagem e Saúde –
Jequié (BA), Brasil. life. Thus, this article aims to propose a reflection about palliative care for the elderly in light of
syarid@hotmail.com bioethics.
4 Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (Uesb), KEYWORDS Palliative care; Demographic aging; Health of the elderly; Bioethics.
Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem e Saúde –
Jequié (BA), Brasil.
editelago@gmail.com

5 Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (Uesb),
Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem e Saúde –
Jequié (BA), Brasil.
rboery@gmail.com

SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 40, N. 108, P. 170-177, JAN-MAR 2016 DOI: 10.1590/0103-1104-20161080014
Reflexões bioéticas acerca da promoção de cuidados paliativos a idosos 171

Introdução Mesmo quando preservar ou salvar a vida


no sentido biológico não é mais o foco da
O estudo do envelhecimento humano é uma assistência ao paciente, o viver, no que se
temática de grande relevância no meio aca- refere às relações entre pessoas, continua
dêmico, pois a busca da promoção de uma sendo um tema fundamental (WITTMANN-VIEIRA;
velhice digna, ativa e saudável torna-se fator GOLDIM, 2012). Dessa forma, é possível compre-
relevante para a sociedade e para os diversos ender a íntima relação entre os cuidados
espaços onde a pessoa idosa está inserida. paliativos e a bioética, principalmente no
Alguns idosos podem ser acometidos por que se refere ao cuidado das pessoas idosas
condições patológicas, tais como câncer, que estão em condição de dependência no
doenças osteomusculares e neurológicas cenário do fim da vida.
crônicas, acarretando dependência funcio- A bioética, portanto, considerada uma
nal para a realização de atividades básicas, ciência relacionada à sobrevivência humana,
que, junto ao declínio da condição de saúde, voltada a defender a melhoria das condi-
passam a necessitar de cuidados paliativos. ções de vida, vislumbra reflexões sobre o
Na perspectiva de cuidar da condição pela agir humano, buscando assegurar o bem-
qual passa o paciente e seus familiares, visto -estar e a sobrevivência da humanidade
que já não há possibilidade de tratamento da com base em seus princípios fundamentais:
doença, surgiu o cuidado paliativo, a fim de autonomia, beneficência, não maleficência e
tornar a sobrevida menos árdua (SILVEIRA ET AL., justiça. Nessa perspectiva, a bioética admite
2014). que todo avanço no campo das ciências bio-
Segundo a Organização Mundial da médicas deve estar a serviço da humanidade
Saúde (OMS) (WHO, 2014), o cuidado paliativo e apresenta-se como uma nova consciência
é aquele prestado ao paciente cuja enfermi- ética, na busca de respostas equilibradas
dade não responde mais aos cuidados cura- diante dos conflitos éticos atuais (FREITAS;
tivos, ou seja, ele visa a melhorar a qualidade SCHRAMM, 2013).
de vida do paciente e de sua família por meio Levando-se em consideração o crescente
da identificação e do alívio da dor, conside- número de pessoas idosas que precisam e
rando a morte um processo natural, sem, no venham a precisar de cuidados paliativos,
entanto, acelerá-lo ou retardá-lo, devendo, essa temática constitui relevante questão de
também, proporcionar o cuidado nos aspec- saúde pública (BURLÁ; PY, 2014), sendo, portanto,
tos psicológicos, espirituais e emocionais do imprescindível a discussão, à luz da bioética,
paciente e de sua família. a fim de buscar a sensibilização dos cuidado-
Os autores Gutierrez e Barros (2012) ad- res e profissionais de saúde para essa fase do
vertem que cuidados paliativos são aqueles ciclo vital da pessoa humana. Dessa forma,
prestados aos pacientes considerados fora este estudo tem como objetivo propor uma
de possibilidade de cura, cuja doença tem reflexão acerca dos cuidados paliativos aos
poucas chances de resposta positiva à te- idosos à luz da bioética.
rapêutica curativa, sendo imprescindível,
nessa fase, o controle da dor e o alívio do
sofrimento em todas as dimensões do ser Cuidados paliativos em
humano, sejam elas físicas, psíquicas, sociais idosos
e espirituais. Desse modo, o cuidado deve
ser diferenciado, individualizado, levando- O aumento da expectativa de vida e a lon-
-se em consideração a singularidade e a gevidade tornaram-se uma realidade im-
necessidade de cada pessoa que se encontra portante em nossa sociedade e têm como
em condição de dependência. uma de suas causas os avanços técnicos e

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científicos na área da saúde. Entretanto, vida humana (WHO, 2014).


com a mudança do perfil demográfico da A população de pacientes idosos que
população, cresce, também, o adoecimen- necessitam de cuidados paliativos tende
to crônico e/ou degenerativo, a exemplo a ser cada vez maior em decorrência
do câncer, das doenças cardiovasculares, da nova tendência demográfica. Dessa
neurodegenerativas e osteomusculares, maneira, torna-se salutar melhorar o
que acometem, preferencialmente, a po- acesso de pessoas idosas a essa modalida-
pulação idosa, causando prejuízos à sua de de cuidados, pois a iniciação precoce
capacidade funcional, tornando-a depen- dos cuidados paliativos a indivíduos em
dente na realização de Atividades de Vida idade avançada impõe-se como funda-
Diária (AVDs) (BURLÁ; PY, 2014). mental para a garantia de melhores expe-
O acometimento da população idosa riências ao fim da vida (GARDINER ET AL., 2011).
por condições crônicas de saúde e sem Infelizmente, o cuidado paliativo ainda é
possibilidade de cura ocorre em decor- pouco compreendido por grande parte dos
rência do declínio das funções orgânicas, profissionais da saúde no Brasil devido à
levando-a à circunstância de terminalida- falta de incentivo à educação paliativa,
de da vida, o que requer a necessidade de o que influencia a formação técnica e a
cuidados paliativos (FRATEZI; GUTIERREZ, 2011). prática profissional (GUTIERREZ; BARROS, 2012).
Nessa condição, o paciente idoso Em sua maioria, os profissionais têm a
demanda cuidados básicos como qual- formação na perspectiva da cura, o que
quer outro, tais como: cuidados higiêni- não os torna preparados para lidar com
cos, alimentares, alívio da dor, tratamento questões como a finitude da vida. Quando
farmacológico para alívio de sintomas ocorre a morte, essa é muitas vezes vista
(náuseas, vômitos, diarreias) e apoio como uma falha, um insucesso.
emocional, tanto para os pacientes como O profissional, então, não preparado
para a família, que acompanha todo esse para lidar com tais situações, depara-se
processo. com o sentimento de impotência e frus-
Sendo o cuidado paliativo um modelo tração, tendo dificuldade para reconhecer
interdisciplinar de cuidados ativos e que algo ainda pode ser feito, como pro-
integrais prestados a pacientes com mover qualidade de vida e cuidados. Esse
doenças em fase avançada ou terminal, tipo de sentimento poderia ser diferente
ele é essencial para a população idosa, se os profissionais fossem preparados por
que é acometida por diversas modifica- meio da implantação de programas de
ções fisiológicas e de saúde, o que a torna educação permanente acerca de cuidados
dependente de tais cuidados (GUTIERREZ; paliativos, buscando valorizar as experi-
BARROS, 2012) . ências práticas e o conhecimento teórico
Nessa perspectiva, essa modalidade sobre o assunto (VASQUES ET AL., 2013).
de cuidado vai além da condição física. Não apenas os profissionais, mas
Perpassa os aspectos psicológicos, sociais também os familiares necessitam de in-
e espirituais, na busca da humanização, formações sobre o que são os cuidados
do respeito a seu semelhante e da pro- paliativos, haja vista que essas são pessoas
moção de uma morte digna, pois tem a fundamentais na vida do idoso e podem
função de garantir uma atenção à saúde contribuir, expressivamente, para a busca
que sobreponha a terapêutica curativista, de melhores condições de vida durante
na medida em que compreende a neces- os processos de adoecimento, dependên-
sidade da comunicação, do respeito ao cia e morte. Compreender que esse tipo
paciente e de consciência da finitude da de cuidado pode ser oferecido de forma

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interdisciplinar, por profissionais da entender e resolver os conflitos morais


Atenção Básica, da unidade hospitalar, existentes e com implicações de práticas
mas também em seu próprio domicílio, é no âmbito do viver e da saúde, respeitando
fundamental para a disseminação dessa sempre os valores de uma sociedade demo-
prática. crática e secular (FREITAS; SCHRAMM, 2013).
O ato de cuidar requer um planeja- Mediante essas implicações, a bioética se
mento no que se refere às técnicas, mas apropria de conflitos e dilemas morais exis-
também à atenção dispensada ao pacien- tentes nas relações humanas, entendendo o
te e à sua família, orientando-os sobre as ser humano como indivíduo possuidor de
adversidades a serem enfrentadas e os competência cognitiva e moral, capaz de
meios para lidar com os sofrimentos que atuar de forma livre e ser responsabilizado
acometem os envolvidos. Para tanto, é pelos seus atos. Portanto, são essas ações
fundamental a comunicação clara e cons- que podem ter, ou não, efeitos significativa-
tante entre a equipe de saúde, o pacien- mente irreversíveis sobre outros humanos. E
te e a família, a fim de estabelecer uma essas ações, muitas vezes, estão imbuídas de
relação de confiança, essencial na prática interesses ou de valores que irão refletir em
de cuidados paliativos (OLIVEIRA; CARVALHO, conflitos entre os envolvidos (SCHRAMM, 2007).
2008) . A investigação biomédica requer uma
reflexão orientada pela ética, na medida
em que a bioética, enquanto nova ciência,
Abordagem a partir da combina características como humildade,
bioética principialista responsabilidade, competência interdiscipli-
nar e intercultural, além de potencializar o
O termo ‘bioética’ surgiu a partir da segunda senso de humanidade (WITTMANN-VIEIRA; GOLDIM,
metade do século XX, mediante os extraor- 2012). A dignidade do ser humano se edifica,
dinários avanços tecnológicos nas áreas da possibilitando suscitar outros princípios
biomedicina, sobremaneira no campo da que corroboram as tomadas de decisões,
genética, da biologia molecular, dos trans- intervenções e as relações interpessoais de
plantes e, concomitantemente, dos cuidados todos os seguimentos e pessoas envolvidas
paliativos. Com a ascendente incorporação de forma inequívoca (NUNES, 2008).
da tecnologia e da informática, ampliaram- Para tanto, entre as várias tendências exis-
-se de forma significativa as possibilidades tentes na bioética, pode-se destacar a bioé-
de intervenção nas condições de saúde do tica principialista proposta por Beauchamp
ser humano, e, paulatinamente, surgem e Childress (2002), que estenderam a preocu-
questões éticas derivadas da aplicabilidade pação dos seres humanos participantes das
dessas ciências, corroborando um poder de pesquisas para a área clínico-assistencial,
intervenção sobre a vida e a natureza (KOERICH; aplicando a ela o ‘sistema de princípios’,
MACHADO; COSTA, 2005; NUNES, 2008). como a beneficência, a não maleficência, a
A bioética, campo salutar da ‘ética aplica- autonomia e a justiça. Esses princípios, por
da’, preocupa-se com o uso correto das novas sua vez, proporcionaram uma nova forma
tecnologias na área das ciências médicas e de dialogar com os profissionais da área da
da solução adequada dos dilemas morais por saúde.
elas apresentados (CLOTET, 2003), possibilitando O princípio da beneficência requer que
a aplicação dos princípios éticos aos proble- sejam atendidos os interesses importantes
mas relativos à prática médico-assistencial e legítimos dos indivíduos e que, na medida
(BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Dessa forma, busca do possível, sejam evitados danos, através da

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utilização de conhecimentos e habilidades à sua família. Esses cuidados voltados aos


técnicas para minimizar riscos e maximizar idosos, um dos grupos populacionais mais
benefícios aos pacientes idosos. A não male- fragilizados de nossa sociedade, exigem co-
ficência estabelece que qualquer interven- nhecimentos e ações pautadas em princípios
ção profissional deve evitar ou minimizar bioéticos, os quais irão vislumbrar a busca do
riscos e danos, o que implica não fazer o mal, bem do outro, respeitando a dignidade indi-
em qualquer hipótese. Esse é considerado vidual e a humanidade presentes também no
por muitos o princípio fundamental da tra- idoso em terminalidade de vida.
dição hipocrática da ética médica, que pre- Os autores Pessini e Bertachin (2005) desta-
coniza: ‘cria o hábito de duas coisas: socorrer cam os princípios fundamentais dos progra-
(ajudar) ou, ao menos, não causar danos’ mas de cuidados paliativos publicados pela
(BEAUCHAMP; CHILDRESS 2002; CRIPPA ET AL., 2015). OMS, em 1986, e reafirmados em 2002, com
O respeito à autonomia também se con- os quais estabelecemos uma discussão frente
figura como um dos princípios e refere-se à vertente principialista.
à liberdade de ação. As pessoas autônomas Inicia-se essa alusão ao princípio da be-
são capazes de escolher e agir de acordo com neficência, que outorga o dever de fazer o
seus próprios anseios, e o respeito a essa bem, de ajudar os outros a ganhar ou a ter o
autonomia é indispensável, desde que não seu benefício, relacionado ao cuidado palia-
resulte em danos aos demais. A pessoa deve tivo, que valoriza atingir e manter um nível
possuir razoável maturidade e consciência ótimo de dor, com acesso a toda a medicação
de suas escolhas (NUNES, 2008). necessária.
O princípio da justiça diz respeito à dis- Os cuidados paliativos não negam a bio-
tribuição coerente e adequada de deveres e tecnologia, como muitos pensam, pois eles
benefícios sociais, apoiando-se na equidade oferecem uma modalidade de tratamen-
voltada à distribuição de benefícios da me- to altamente intervencionista, que utiliza,
dicina ou da saúde em geral, salientando-se quando necessário, avançadas propostas da
que situações idênticas devem ser tratadas farmacologia para a efetividade do controle
igualmente, e as que não são iguais, de forma de sintomas, que constituem uma resposta
diferente (CLOTET, 2003). ativa aos problemas decorrentes da doença
Portanto, conhecer esses princípios é prolongada, incurável e progressiva (BURLÁ; PY,
de grande relevância para estabelecer uma 2014).
relação entre a bioética e os cuidados palia- Estudo realizado por Crippa et al. (2015), ao
tivos, frente à necessidade de utilizá-los para verificarem a eficácia do uso de antibióticos
aprimorar a qualidade de vida de idosos que em pacientes portadores de câncer, em uni-
se encontram em condição de fim da vida. dades de cuidados paliativos, demonstrou
que a utilização desses fármacos apresentou
um melhor prognóstico, principalmente, em
Cuidados paliativos ao pacientes com infecções no trato urinário,
idoso à luz da bioética assim como a importância do uso de sedati-
vos para alívio das dores. Contudo, é impor-
principialista tante destacar que os profissionais precisam
estar cientes das limitações do uso desses
A essência dos cuidados paliativos aporta-se medicamentos e de que a participação dos
para aliviar os sintomas, a dor, o sofrimento profissionais de saúde deve oferecer a esses
de pacientes com patologias graves ou em idosos, de forma significativa, ferramentas
fase final da vida, buscando oferecer melhor que amenizem sintomas, como náuseas,
qualidade de vida ao paciente, assim como vômitos, depressão e outros sofrimentos,

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promovendo um cuidado mais humanizado. sua liberdade de decisão. Do mesmo modo,


Entretanto, o processo de tomada de de- Crippa (2015) ressalta a importância de res-
cisões com relação ao tratamento de idosos peitar as suas aspirações, segundo o seu
em estado terminal pode ser complexo. O plano de vida e suas crenças particulares,
que se deve buscar é a defesa do princípio muito presentes na vida dos idosos.
da beneficência, em que o bem do paciente Outro princípio a ser destacado é o da
prevaleça, e que, dessa forma, possibilite-se justiça, que se reflete nos cuidados paliati-
uma melhora na qualidade de vida dessas vos aplicáveis ao estágio inicial da doença,
pessoas. concomitantemente, com as modificações
A não maleficência é outra vertente a ser dessas terapias que prolongam a vida (WHO,
analisada frente aos princípios fundamentais 2014). Essa reflexão se faz necessária e perti-
da OMS, pois ela está fundamentada em não nente em meio à necessidade de oferecimen-
fazer o mal, não causar dano. Reforçando o já to desses cuidados a pacientes com morte
descrito, não apressam nem adiam a morte. iminente, visto que, no tocante aos cuidados
Desse modo, os cuidados paliativos não de saúde, a justiça determina que se propor-
buscam abreviar a vida, assim como as novas cione equitativamente benefícios, levando à
tecnologias não devem prolongar a vida tomada de decisões prudentes. Para tanto,
de forma não natural, levando o paciente a torna-se inevitável o reconhecimento das di-
procedimentos/tratamentos muitas vezes ferenças de cada paciente e a adequação dos
considerados fúteis e onerosos, a exemplo cuidados às suas necessidades, que, de forma
das admissões muito prolongadas em unida- equitativa, irá oferecer mais atenção àqueles
des fechadas, que submetem o idoso à rotina que mais necessitam.
de procedimentos invasivos, como uso de Entretanto, muitos profissionais da saúde
sondas, excessivas coletas de sangue, entre se deparam com esses dilemas éticos e
outros. Isso causa sofrimentos por vezes evi- buscam respostas com base na autonomia,
táveis, que podem se tornar maléficos na au- na justiça e no respeito à dignidade, salva-
sência da vontade do paciente idoso e que se guardando a dimensão humana das relações
opõem à premissa de assegurar uma melhor e o respeito às necessidades impostas a cada
qualidade de vida, que prevê um final de vida ser. Igualmente, tentam, mesmo diante de
natural, por meio de conforto físico, emocio- grandes dificuldades, melhorar a qualidade
nal e espiritual (PESSINI; BERTACHIN, 2005; NUNES, do cuidado e humanizar suas relações im-
2008). plícitas, enfrentadas no dia a dia, frente à
A OMS propõe a oferta de um sistema de realidade de saúde dos idosos em nosso país
apoio para ajudar os pacientes a viver ati- (ALMEIDA; AGUIAR, 2011).
vamente até o momento de sua morte, en-
quadrando-se, dessa forma, no princípio da
autonomia, visto que os cuidados paliativos Considerações finais
asseguram condições que capacitam e en-
corajam os pacientes idosos a levar o fim da A longevidade humana traz consigo implica-
vida de forma útil, produtiva e plena, sendo ções, especialmente sociais e de saúde, que
garantido a ele o bem-estar físico, mental e merecem a atenção dos profissionais a quem
espiritual (PESSINI; BERTACHIN, 2005). competem, pois impõem demandas de cui-
Para Tavares, Pires e Simões (2011), é im- dados, a partir de um dado momento, tidos
portante permitir que o próprio paciente como paliativos, ou seja, aqueles capazes
escolha o que deve ser feito com relação ao de oferecer o cuidado básico de que o ser
seu tratamento e que não haja nenhum tipo humano necessita. Em decorrência dessa
de manipulação ou influência que reduza a longevidade crescente, aumenta, também,

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176 COSTA, R. S.; SANTOS, A. G. B.; YARID, S. D.; SENA, E. L. S.; BOERY, R. N. S. O.

a necessidade de melhorar o acesso ao olhar reflexivo sobre essas ações frente aos
cuidado paliativo por essa população, pro- princípios da bioética principialista. Entre
curando oferecer, desse modo, dignidade e os inúmeros problemas que afetam a saúde
qualidade de vida à vida que se despede. integral ao idoso, há de se destacar uma di-
O oferecimento de cuidados paliativos aos mensão moral, tendo em vista uma dívida
idosos em situação de terminalidade de vida sócio-histórica de pouco investimento por
tem relação estreita com os princípios da parte do Estado e uma incipiente formação
bioética: a beneficência, a não maleficência, de recursos humanos em saúde para o aten-
a autonomia e a justiça, pois as demandas dimento à população idosa.
que permeiam esses cuidados a pacientes Assim, urge a necessidade de mudanças
idosos, fora de possibilidades terapêuticas, e inovações na implementação dos cuida-
exigem do profissional uma atenção refina- dos paliativos voltados ao idoso, com maior
da, sensível e humanizada. efetividade e que garanta, através dos bene-
As ações de cuidados paliativos a pacien- fícios advindos da biotecnologia, a preser-
tes idosos, à luz da bioética, ainda são muito vação da dignidade humana e uma melhor
incipientes, o que, sobremaneira, aponta qualidade de vida, estando esta sempre atre-
para a necessidade de incorporação de um lada aos princípios da bioética. s

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Suporte financeiro: não houve
779, jul./set. 2013.

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