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PARTE I

AS FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Bibliografia. RODRIGUES QUEIRÓ A., Lições de Direito Administrativo,


Vol. I, Coimbra, 1976, pp. 289-408 ; CAETANO M., Manual de Direito
Administrativo, Vol.I, 10.ª Ed. (5.ª Re.) Livraria Almedina — 1991, n.º 35 e
seguintes; RIVERO J., Direito Administrativo, Livraria Almedina — Coimbra,
1981, n.º 43 e seguintes; CRETELLA JÚNIOR J., Direito Administrativo
Brasileiro, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2002, n.º 65 e seguintes ; GARCÍA de
ENTERRÍA E. e FERNÁNDEZ T.R., Curso de Derecho Administrativo, I,
Madrid, Ed. Civitas, 10.ª ed., 2000, p. 65 e seguintes; LARZUL T., Les
mutations des sources du droit administratif, Paris, L’Hermès, 1994; ROUSSET
M., Droit administratif, I — L'action administrative, PUG, Grenoble, 1994, p. 35
e seguintes; BÉNOIT F.P., Le droit administratif français, Paris, Dalloz 1968, n.º
9; CHAPUS R., Droit administratif général, Tome 1/7.ª Ed., Ed.
Montchrestien/E.J.A., 1993, n.º 43 e seguintes; ROUGEVIN-BAVILLE M.,
DENOIX de SAINT MARC R., LABETOULLE D., Leçons de droit administratif,
Paris, Ed. Hachette, 1989, p. 19 e seguintes; MOREAU J., Droit administratif,
Paris, PUF, 1989, n.º 385 e seguintes; FLAMME M.A., Droit Administratif, Tomo
I, Bruylant, Bruxelles, 1989, n.º 23 e seguintes.

A teoria das fontes do direito pode ser considerada como a base de


todos os estudos jurídicos. Com efeito, é essencial conhecer donde podem
provir as regras jurídicas, e qual é a razão que fundamenta a sua autoridade 1.

Todavia, a doutrina clássica do Direito Administrativo pouco se


preocupou em estudar, de forma aprofundada, as fontes do seu próprio objecto
de estudo. Será que o estudo das fontes, em Direito Administrativo, não tem
nenhum intresse? Pelo contrário, ????????????

Entende-se por Fontes do Direito, “os modos de formulação e de


revelação do direito objectivo, isto é, os diversos processos de gestação das
normas jurídicas”2. Por conseguinte, as fontes do Direito Administrativo, são os
processos pelos quais se elaboram as normas jurídico-administrativas 3 ou
“todo modo mediante o qual se formam regras jurídicas tendentes a levar o
Estado a cumprir seus fins não contenciosos”4.

1
ROUBIER P., L’ordre juridique et la théorie des sources du droit, in, Mélanges, Georges
RIPERT, LGDJ, 1950, p. 9.
2
MELO FRANCO J. e ANTUNES MARTINS H., Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos,
3.ª Ed., Livraria Almedina, Coimbra — 1993, vide Fontes do Direito. Sobre o conceito de
"Fontes" do Direito, vide, Archives de Philosophie du Droit, Tomo 27, "Sources" du droit, Paris,
ed. Sirey, 1982.
3
RIVERO J., n.º 43.
4
CRETELLA JÚNIOR J., Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., n.º 65.

1
Uma simples observação das fontes do Direito Administrativo, no seu
conjunto, revela, em mesmo tempo, a diversidade e a heterogeneidade dessas.
Com efeito, pode-se constatar que as regras jurídico-administrativas emanam
de diversas autoridades que têm por função elaborar e aprovar normas jurídico-
administrativas.

O estudo das fontes do Direito Administrativo pode fazer-se de várias


maneiras5 que não se exclui, necessariamente, do ponto de vista da
investigação científica. Pelo contrário, a combinação dessas aproximações
podem contribuir a determinar com mais precisões a própria origem da norma e
a sua genése o que terá, pelo menos, por consequências, de contribuir a sua
própria interpretação.

Assim, privilegiar-se-à, nesta parte, uma em particular aquela que opera


uma distinção entre as fontes matériais e formais do Direito Administrativo.

“Quando se encontra uma norma jurídica”, escreve René CHAPUS,


“pode-se tentar procurar porque ela existe, quais são as considerações que
favorizaram a sua aprovação, quais são as aspirações que ela tem a
preocupação de responder. Fazendo isso, procuram-se as fontes materiais da
norma”6. Tratando-se, por exemplo, do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro 7,
aparece que o referido diploma procede da preocupação do Governo de criar
uma Administração Pública ao serviço do desenvolvimento harmonioso do País
e das necessidades dos cidadãos e da sociedade em geral assim como da sua
própria modernização que necessita a prestação de melhores serviços e a
simplificação dos procedimentos administrativos e o aumento da qualidade da
gestão e funcionamento do aparelho administrativo do Estado.

Pode-se também procurar identificar qual é a autoridade criadora das


normas jurídicas – ou jurislador -, ou qual é o acto que editou tal norma. Trata-
se, neste caso, de determinar as fontes formais do Direito Administrativo. Com
efeito, existe uma relação estreita entre as autoridades habilitadas a produzir
normas jurídico-administrativas e os modos de produção dessas.

As fontes formais têm um carácter de abstracção que permite, ao


contrário das fontes materiais, variáveis e incertas, apresentar um quadro geral
das fontes do Direito Administrativo. É esta abordagem que será privilegiada
nesta PARTE.

Dentro dos interesses objectivos em estudar as fontes do Direito


Administrativo, existe um que é particularmente relevante e que é preciso
realçar aquí, é de que o estudo das fontes do Direito Administrativo contribui a
identificar o conteúdo da constitucionalidade, convencionalidade e legalidade
administrativa. Com efeito, o princípio fundamental que rege a acção da
Administração Pública é o princípio da juridicidade da acção administrativa 8. O
5
CRETELLA JÚNIOR J., op. cit., n.º 66.
6
CHAPUS R., I, n.º 43; MOREAU J., n.º 385.
7
Decreto n.º 30/2001 : Aprova as Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração
Pública e revoga o Decreto n.º 36/89, de 27 de Novembro, B.R., 15 de Outubro de 2001,
Suplemento, I Série – N.º 41.
8
?????

2
progresso maior da organização social foi e é constituido pela transição do
Estado de polícia para o Estado de Direito cujo princípio da juridicidade é um
elemento estruturante essencial.

Assim, conhecer o conteúdo da juridicidade administrativa ou, por outras


palavras, identificar as fontes do Direito Administrativo é de primeira
importância para delimitar a conformidade da actuação da Administração
Público em relação ao Direito em geral com todas consequências que isto
implica.

Todavia, é preciso delimitar previamente as fontes formais do Direito


Administrativo em relação a outras fontes que não têm este estatuto mas que
não se deve afastar sistematicamente do nosso conhecimento dogmático do
estudo do Direito Administrativo.

Em primeiro lugar, é claro que a doutrina, isto é o “pensamento dos


autores“9, não pode criar o direito 10; não é uma fonte de Direito em geral e não
é uma fonte de Direito Administrativo em particular. Mas, ela pode ajudar e
apoiar a sua criação por a sua reflexão sobre o estado de direito e sobretudo
por uma reflexão sobre o direito (fonte material) numa perspectiva de lege
ferenda.

Em segundo lugar, as práticas administrativas e os usos 11 na


Administração Pública não são, em princípio, fontes de Direito Administrativo,
sob reserva de que a autoridade competente para criar normas de direito,
inspira-se dessas práticas ou usos, para regulamentar um determinado domínio
da vida social ou que a lei especialmente o determina. Por exemplo, o número
1 do Artigo 3 do Código Civil estabelece que: “Os usos que não forem
contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o
determine”.

9
GUILLIEN R. e VINCENT J., Lexique de termes juridiques, Paris, Dalloz, 5.ª. ed., 1981, vide
Doctrine.
10
Não foi sempre o caso. No direito romano, era possível pedir um parecer a um juriscondulto
conhecedor do direito cuja a opinião imponha-se ao juiz. Nesta medida, a doutrina era uma
fonte de direito (STARCK B., ROLAND H., BOYER L., Introduction au droit, Paris, Litec, 2.ª Ed.,
1988, n.º 422; ROUBIER P., L’ordre juridique et la théorie des sources du droit, op. cit., p. 24).
Do mesmo modo, em Portugal, nas Ordenações Afonsinas (1446) a opinião de BÁRTOLO e a
Glosa de ACÚRSIO, ficaram a constituir o direito subsidiário aplicável no Reino: "2. E se o caso
de que se trata em prática não fosse determinado por lei do Reino ou estilo ou costume suso
dito ou leis imperiais ou santos cânones, então mandamos que se guardem as Glosas de
Acúrsio, encorporadas nas ditas leis. E quando pelas ditas Glosas o caso não for determinado,
mandamos que se guarde a Opinião de Bártolo, não embargante que os outros doutores digam
o contrário; porque somos bem certo que assim foi sempre usado e praticado em tempo dos
reis, meu avô e pai, da gloriosa memória" (Ordenações Afonsinas L. 2.º, T. IX). Na fase do
direito moderno, o Estado com a pretensão de controlar todo o mundo do direito proclamará a
redução do direito aos factos jurídicos por ele promulgados, identificando o direito com a lei.
Como escreve António Francisco de SOUSA, "o jurista deixa paulatinamente de ser prudente
para converter-se em burocrata, essencialmente colocado ao serviço dos fins políticos e
administrativos do Estado", in Fundamentos históricos de Direito Administrativo, op. cit., pp. 10-
11.
11
TEBOUL G., Usages et coutume dans la jurisprudence administrative, Paris, LGDJ, 1989.

3
Em terceiro lugar, é preciso excluir das fontes formais do Direito
Administrativo as cláusulas contratuais, as decisões individuais e as sentenças
dos tribunais; como escreve René CHAPUS, “devemos ver com ela fontes de
situações jurídicas (ou fontes “de direito”), e não fontes do Direito” 12.

Finalmente, o Artigo 1.º do Código Civil vigente em Moçambique 13


parece ultrapassado no que diz respeito à concepção das Fontes do Direito
que ele consagra em relação à realidade jurídica moçambicana de hoje.

Por um lado, ele abrange normas que não existe em Moçambique como
fontes de Direito, trata-se mais particularmente das normas corporativas. Por
outro lado, nesta disposição a palavra lei é empregada num sentido material o
que não é o conceito consagrado pela Constituição da República. Pelo
conrário, a Lei Fundamental consagra um sentido formal da Lei. A manutenção
na ordem jurídica desta disposição pode e cria de facto certas confusões e
desvaloriza o verdadeiro sentido da palavra Lei ("Lei municipal", "Lei
provincial", etc...).

Uma vez identificadas as fontes do Direito Administrativo (TÍTULO I),


será necessário interrogar-se sobre a hierarquia que se estabelece entre elas
(TÍTULO II).

12
CHAPUS R., I, n.º 44.
13
Artigo 1.º
(Fontes imediatas)
1. "São fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas.
2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos
estaduais competentes; são normas corporativas as regras ditadas pelos
organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais,
económicas ou professionais, no domínio das suas atribuições, bem como os
respectivos estatutos e regulamentos internos.
3. As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de carácter
imperativo".

4
TÍTULO I
AS DIFERENTES FONTES DO DIREITO
ADMINISTRATIVO

Distingue-se tradicionalmente entre as fontes escritas (CAPÍTULO I) e as


fontes não escritas do Direito Administrativo (CAPÍTULO II).

5
CAPÍTULO I. AS FONTES ESCRITAS DO DIREITO
ADMINISTRATIVO

Como fontes escritas do Direito Administrativo, estudar-se-à, no quadro


deste desenvolvimento, as fontes escritas nacionais (SECÇÃO 1) e as fontes
escritas não nacionais (SECÇÃO 2).

SECÇÃO 1. AS FONTES ESCRITAS NACIONAIS DO


DIREITO ADMINISTRATIVO.

Enquanto fontes escritas nacionais, apresentaremos a Constituição da


República (§1), a Lei (§2) e o Regulamento Administrativo (§3).

§1. A Constituição da República.

Bibliografia. SIMANGO A., Introdução à Constituição Moçambicana,


AAFDL, Lisboa 1999; CARRILHO J.N. e RICARDO NHAMISSITANE E., Alguns
aspectos da Constituição, Departamento de investigação e legislação – Edicil –
Ministério da Justiça, Maputo – 1991 ; STIRN B., Les sources constitutionnelles
du droit administratif, Paris, LGDJ, 3.ª., ed., 1999.

A Constituição da República como “lei básica de toda a organização


política e social na República de Moçambique” 14 é a fonte directa e indirecta de
todas as atribuições e competências que se exercem na ordem jurídica
administrativa (A). Mas contém, além disso, um certo número de disposições
fundamentais que interessam à actividade administrativa e desde logo se lhe
impõem (B). A obrigação de conformidade à Constituição da acção da
Administração Pública é sancionada, no caso contrário, pelo juiz administrativo
(C).

A. As regras de atribuições, competências e de procedimentos.

Vários artigos da Constituição da República estabelecem disposições


directamente relacionadas com a organização administrativa (regras
organizativas institucionais), o funcionamento ou o contencioso da
Administração Pública.

Apresentar-se-à alguns exemplos:

1. No que diz respeito à organização territorial da República, o Artigo 4 7


da Constituição da República precisa: “1. A República de Moçambique
organiza-se territorialmente em províncias, distritos, postos administrativos e
localidades. 2. As zonas urbanas estruturam-se em cidades e vilas. 3. A
definição dos escalões e o estabelecimentos de competências no âmbito da
organização político-administrativa são fixados por lei”.

14
Preâmbulo da Constituição da República.

6
2. No que diz respeito à organização e competências no âmbito da
administração pública, o número 2 do Artigo 112 140 da Constituição da
República precisa: “A lei determina a forma, organização e competências no
âmbito da administração pública”; o número 2, al. r) do Artigo 133 179 da
Constituição da República precisa: “A Assembleia da República determina as
normas que regem o funcionamento do Estado (...) através de leis e
deliberações de carácter genérico”.

3. No que diz respeito às atribuições e competências das autoridades


politico-administrativas “constitucionalizadas”: o Presidente da República
(Artigos 120 159 e seguintes da Constituição da República), o Conselho de
Ministros (Artigos 149 204 e seguintes da Constituição da República), o
Primeiro-Ministro (Artigos 154 205 e seguintes da Constituição da República).

Assim, a Constituição da República determina as atribuições e


competências das autoridades que compõem o Poder Executivo, o Presidente
da República e o Governo.

4. No que diz respeito à definição do domínio público do Estado, o


número 2 do Artigo 35 98 da Constituição da República precisa: “Constituem
ainda domínio público do Estado: a) a zona marítima; b) o espaço aéreo; c) o
património arqueológico; d) as zonas de protecção da natureza; e) o potencial
hidráulico; f) o potencial energético; g) os demais bens como tal classificados
por lei”.

5. No que diz respeito ao procedimento de expropriação, o número 2 do


Artigo 86 82 da Constituição da República precisa: “A expropriação só pode ter
lugar por causa de necessidade, utilidade ou interesse públicos, definidos nos
termos da lei, e dá lugar a justa indemnização”.

6. No que diz respeito ao controlo da legalidade dos actos


administrativos, o número 1 do Artigo 173 230 da Constituição da República
precisa: “1. O controlo da legalidade dos actos administrativos ... cabe ao
Tribunal Administrativo”.

7. No que concerne ao Poder Local, o Título IV XIV da Constituição da


República (Poder Local) consagra, entre outras coisas, os objectivos do Poder
Local (Artigo 188 271), a existência das autarquias locais (Artigo 189 272), as
suas estruturas (Artigos 192 273), a autonomia local (Artigo 193 276) e a tulela
administrativa do Estado (Artigo 194 277)15.

B. As regras e princípios de fundo.

Alguns princípios e regras de fundo ou substanciais que devem nortear


e/ou limitar a actuação da Administração Pública directa ou indirectamente são
expressamente formulados na Constituição da República — só para dar alguns
exemplos :

15
CISTAC G., Manual de Direito das Autarquias Locais, Maputo, Livraria Universitária, 2001.

7
- princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei (alínea d) do Artigo 6
e Artigo 66 35 da Constituição da República16);

- princípio de não discriminação (Artigo 66 35 da Constituição da


República);

- princípio de igualdade de direitos entre o homen e a mulher (Artigo 67


36 da Constituição da República);

- princípio do respeito da vida privada (Artigo 71 41 da Constituição da


República);

- princípio da liberdade de expressão (número 1 do Artigo 74 48 da


Constituição da República);

- princípio da liberdade de reunião (Artigo 75 51 da Constituição da


República);

- princípio da liberdade de associação (Artigo 76 52 da Constituição da


República);

- princípio de liberdade de constituir em partidos políticos (Artigo 77 53


da Constituição da República);

- direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violam os seus


direitos (Artigo 82 70 da Constituição da República)17;

- princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados por


actos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções (Artigo 97 58 da
Constituição da República).

Se esses princípios ou direitos consagrados na Constituição da


República interessam o legislador em primeiro lugar, esses interessam também
todas as autoridades administrativas.

Um decreto do Conselho de Ministros, um diploma ministerial ou uma


postura municipal que desconheceriam esses princípios seriam contrários à
Constituição da República assim como qualquer acto de carácter individual que
concretizaria este desconhecimento.

Neste sentido, cabe ao Conselho Constitucional (no que diz respeito aos
actos normativos dos órgãos do Estado - Artigo 181 244 da Constituição da
República) e ao Tribunal Administrativo (no que diz respeito aos actos
normativos das autarquias locais e aos actos administrativos), cada um no seu
domínio de competências, exercer este controlo de conformidade à

16
Vide em matéria de Direito das Autarquias Locais, CISTAC G., Manual de Direito das
Autarquias Locais, op. cit., p. 162.
17
Acórdão TA-S : ANTONIO JOSÉ CARLOS PAULO MABUMO, 24 de Novembro de 1998,
Proc. 7/95-1ª, Col. I, p.

8
Constituição da República dos actos, susceptíveis de recurso, praticados pelas
autoridades administrativas acima referidas.

O Tribunal Administrativo, em particular, deverá zelar não só pelo


respeito das regras de competência, por exemplo verificar que o Poder
Regulamentar, no sentido geral, não se intrometeu no domínio da lei (prática de
um acto no âmbito das atribuições do Poder Legislativo - caso de usurpação de
poder), mas também verificar que o Poder Regulamentar, na sua actuação,
respeitou os princípios que constituem o fundamento do próprio ordenamento
jurídico moçambicano.

Por exemplo, em matéria de princípio de igualdade de direitos entre o


homen e a mulher (Artigo 67 36 da Constituição da República), um diploma
ministerial que restringiria o acesso à uma determinada categoria da função
pública das mulheres sem justificação objectiva em termos de natureza das
funções exercidas ou das condições nas quais deveriam ser exercidas essas
funções seria ferido de inconstitucionalidade por ser contrário ao Artigo 67 36
da Constituição da República18.

C. A obrigação de conformidade à Constituição da República da


acção da Administração Pública.

Bibliografia. Cf. em Direito comparado, CISTAC G., O controlo da


constitucionalidade dos actos administrativos em Direito Francês, in Luanda,
Anais VI Jornadas Técnico-Científica da FESA, 2002.

A obrigação de conformidade à Constituição da República da acção da


Administração Pública, entendida como um princípio de não contradição dos
actos praticados pela Administração Pública às normas constitucionais, é
sancionada pelo juiz judiciário e/ou pelo juiz administrativo, em particular,
quando a decisão administrativa constitui uma ofensa directa a Constituição da
República (a), ou quando a decisão administrativa constitui uma ofensa
indirecta a esta (b).

a) A ofensa directa da Constituição da República.

Do mesmo modo que “Todos os cidadãos têm o dever de respeitar a


ordem constitucional” (número 1 do Artigo 85 38 da Constituição da República),
as autoridades administrativas devem respeitar e acatar as normas
constitucionais. Não há nenhum obstáculo que pode impedir o juiz
administrativo de declarar a nulidade de um acto administrativo no fundamento
da sua desconformidade às normas constitucionais 19.

Por exemplo, no caso Bernardino CHALE MABJAIA, de 6 de Janeiro de


20
2000 , a Primeira Secção do Tribunal Administrativo, fundamentou, entre
18
Vide, por exemplo, em direito francês, L'égal accés des hommes et des femmes aux emplois
publics, Conclusions sur Conseil d'État, 11 de Maio de 1998, Mlle Aldige, RFD adm. 14 (5)
sept.-oct. 1998, p. 1011.
19
Cf. em direito francês, BATAILLER F., Le Conseil d'Etat juge constitutionnel, coll. Bibl. droit
public, vol. 68, Paris, LGDJ, 1966, p. 70.
20
TA-S : Bernardino CHALE MABJAIA, 6 de Janeiro de 2000, Proc. 18/96-1ª.

9
outros, a anulação do despacho que ordenou a exoneração do aparelho de
Estado do recorrente, no Artigo 100 da Constituição da República, nos
seguintes termos:

“Por fim, importa realçar que a Constituição da República promulgada


em 1990 veio, também, consagrar e reafirmar a garantia do exercício do direito
de defesa ao dizer no n.º 1 do artigo 100 62, o seguintes:

“Artigo 100

1. O Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos


arguidos o direito de defesa ...”. O destaque é nosso.

Mais ainda, nas suas “DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS”, a


revisão constitucional de 2004 Constituição de 1990 estabelece, no artigo 201
57, que “Na República de Moçambique as leis só têm efeitos retroactivos
quando beneficiam os cidadãos e outras pessoas jurídicas”.

Estes preceitos da Lei Fundamental hão-de, pois, aplicar-se, também,


aos actos factos que consubstanciam o presente recurso”.

Do mesmo modo, o Artigo 6 da Lei Orgânica do Tribunal Administrativo


(Lei n.º 5/92, de 6 Maio) obriga o juiz administrativo a recusar a aplicação de
normas contrárias à Constituição da República. Com efeito, esta disposição
precisa: “O Tribunal Administrativo deve recusar a aplicação de normas
inconstitucionais ou que sejam contrárias a outras de hierarquia superior”.

b) A ofensa indirecta da Constituição.

Se é bem claro que o juiz administrativo não pode controlar a


conformidade de uma lei à Constituição da República por via de acção
(processo da Lei reservado ao Conselho Constitucional) 21 — o juiz
administrativo julga a juridicidade dos actos administrativos não das leis —; não
lhe impede de censurar um acto administrativo fundamentado numa lei que lhe
aparece como não conforme à Constituição da República 22.

Com efeito, o Artigo 162 214 da Constituição da República institui a base


legal deste controlo: “Em nenhum caso os tribunais podem aplicar leis ou
princípios que ofendam a Constituição”, isto quer dizer que o juiz exerce neste
caso um controlo prévio de constitucionalidade por via de excepção.

§2. A Lei.

21
Nos termos da alínea a) do número 1 do Artigo 181 da Constituição da República: "Compete
ao Conselho Constitucional:
a) apreciar e declarar a inconstitucionalidade (...) dos actos legislativos ...".
22
Alguns sistemas jurídicos não admitem este tipo de controlo. É o caso do direito
administrativo francês, vide, GENEVOIS B., Le Conseil d'État n'est pas le censeur de la loi au
regard de la Constitution, RFD adm. 16 (4) juill.-août 2000, pp. 715-724.

10
Bibliografia. CISTAC G., Poder legistativo e Poder regulamentar na
Constituição da República de Moçambique de 30 de Novembro de 1990, Rev.
Jur. da Faculdade de Direito, Dez-1996.- Vol. I, pp. 7-29.

O estudo da elaboração da lei depende do Direito Constitucional, e, por


conseguinte, não é oportuno de desenvolver, no quadro desta Parte, esses
aspectos. Só é relevante realçar que a lei é uma fonte importante do Direito
Administrativo23. A lei, como o Regulamento Administrativo, representa a fonte
principal do Direito Administrativo escrito.

Tratando-se das normas gerais de direito escrito, é de lembrar que, são


normas ditadas pelas leis e regulamentos que disciplinam principalmente a
actividade da Administração Pública.

Mas, particularmente, as leis recentes sobre :

- o processo de descentralização em Moçambique (Lei n.º 2/97: Aprova


o quadro Jurídico para a implantação das autarquias locais 24, Lei n.º 7/97:
Estabelece o regime jurídico da tutela administrativa do Estado a que estão
sujeitas as autarquias locais25);

- a organização, o funcionamento e as competências do Tribunal


Administrativo de Moçambique (Lei nº 5/92 : Aprova a Lei Orgânica do Tribunal
Administrativo26);

- o processo administrativo contencioso (Lei n.º 9/2001: Lei do Processo


Administrativo Contencioso27);

- princípios e normas de organização, competências e funcionamento


dos órgãos locais do Estado (Lei n.º 8/2003, de 19 de Maio 28).

podem ser mencionadas como exemplos de leis “administrativas”.

§3. O Regulamento Administrativo.

Bibliografia. CISTAC G., Poder legistativo e Poder regulamentar na


Constituição da República de Moçambique de 30 de Novembro de 1990, Rev.
Jur. da Faculdade de Direito, Dez-1996.- Vol. I, pp. 7-29; RIVERO J., Direito
Administrativo, Livraria Almedina — Coimbra, 1981, n.º 65 e seguintes.

O regulamento administrativo é um acto geral e impessoal, como a lei,


mas praticado no exercício do poder administrativo.

23
Sobre o domínio de intervenção do Poder legislativo, vide, CISTAC G., Poder legistativo e
Poder regulamentar na Constituição da República de Moçambique de 30 de Novembro de
1990, Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Dez-1996.- Vol. I, p. 8 e seguintes.
24
B.R., 18 de Fevereiro de 1997, 2,º Suplemento, I Série — n.º 7.
25
B.R., 31 de Maio de 1997, 4.º Suplemento, I Série — N.º 22.
26
B.R., 6 de Maio de 1992, Suplemento, I Série - Nº 19.
27
B.R., 7 de Julho de 2001, Suplemento, I Série - N.º 27.
28
B.R., 19 de Maio de 2003, Suplemento, I Série – N.º 20.

11
Todavia, a sua principal diferença com a lei é de natureza orgânica e
processual. Enquanto que a lei está aprovado pela Assembleia da República, o
regulamento administrativo está aprovado por uma autoridade administrativa
(exemplos, Conselho de Ministros ou Assembleia Municipal). Enquanto, a
aprovação da lei está sujeita a uma tramitação específica – o processo
legislativo - ?????, a aprovação do regulamento administrativo está sujeita a
uma tramitação também específica: o procedimento administrativo (vide, por
exemplo, em matéria de regulamento autárquico, ????? 29). vide art. 112 da Lei
n.º 14/2011, de 10 de Agosto

Depois do estudo da delimitação do dominio do regulamento


administrativo (A), apresentar-se-à os titulares do Poder regulamentar, isto é
das autoridades que têm a competência para aprovar regulamentos
administrativos (B).

A. A delimitação do domínio do Regulamento Administrativo.

Na concepção inicial da função normativa, só e apenas o legislador é


habilitado a aprovar regras gerais e impessoais; o Poder Executivo tem só um
papel de pura execução. Mas a história do Direito Administrativo comparado
demonstra que, sobretudo por razões práticas, aparece um poder regulamentar
derivado de execução das leis através de regulamentos de aplicação
complementares ou regulamentos executivos 30. É a noção mais antiga e mais
comum do Regulamento Administrativo.

Assim, para só apresentar quatro exemplos:

- no Direito do investimento, a Lei n.º 3/93 — Define o quadro legal


básico e uniforme do processo de realização, na República de Moçambique, de
investimentos nacionais e estrangeiros elegíveis ao gozo das garantias e
incentivos nela previstos31 — previa no seu Artigo 29 que: «O Conselho de
Ministros aprovará os diplomas regulamentares da presente lei». Assim, sobre
o fundamento do Artigo 29 desta Lei, o Conselho de Ministros aprovou o
Decreto n.º 14/93 — Aprova o Regulamento da Lei n.º 3/93, de 8 de Junho 32 —,
destinado a estabelecer os detalhes de execução desta lei;

- no domínio do direito da segurança interna, o Artigo 12 da Lei n.º 19/92


— Cria a Polícia da República de Moçambique, abreviadamente designada por
PRM33 — precisa: «Compete ao Conselho de Ministros aprovar o estatuto
orgânico e o quadro de pessoal da PRM». Na perspectiva de definir a estrutura,
competência e modo de funcionamento dos diversos órgãos que compõem a
PRM, o Conselho de Ministros aprovou o Decreto n.º 22/93 — Aprova o
Estatuto Orgânico da Polícia da República de Moçambique e revoga o Decreto

29
CISTAC G., Manual de Direito das Autarquias Locais, op. cit., p. ????????
30
Sobre esses aspectos, vide, CISTAC G., Poder legistativo e Poder regulamentar na
Constituição da República de Moçambique de 30 de Novembro de 1990, op. cit., p. 20 e
seguintes.
31
B.R., 24 de Junho de 1993, Suplemento, I Série-N.º 25.
32
B.R., 21 de Julho de 1993, Suplemento, I Série-N.º 29.
33
B.R., 31 de Dezembro de 1992, 3.º Suplemento, I Série-N.º 53.

12
n.º 6/79, de 26 de Maio34;

- no domínio do direito das telecomunicações, a Lei n.º 22/92 que define


as bases gerais a que obedecerà o estabelecimento, gestão e exploração das
infraestruturas e serviços de telecomunicações 35 é acompanhado do seu
"Regulamento Básico", adoptado pelo Conselho de Ministros sob a forma do
Decreto n.º 23/93 que aprova o Regulamento Básico de utilização de
rádiocomunicações36;

- em matéria de arrendamento, o artigo 33 da Lei do Arrendamento (Lei


n.º 8/79, de 3 de Julho37) previa que: "Compete aos Ministros das Obras
Públicas e Habitação, Estado na Presidência e Justiça aprovar o regulamento
da presente lei e estabelecer sanções que não constituam aplicação de penas
de prisão". É ao abrigo desta disposição legislativo que foi aprovado pelas
referidas autoridades, o Regulamento da Lei do Arrendamento 38.

O estudo do direito positivo vigente revela, todavia, um outro tipo de


regulamento administrativo: o regulamento administrativo independente 39.

Esta categoria de regulamentos merece uma definição prévia (a); o que


permitirá distinguir entre os regulamentos independentes "por natureza das
coisas" (b) dos que tem um fundamento na própria Constituição da República,
sem para tanto, ser autónomo (c).

a) Definição dos regulamentos administrativos independentes.

Deve-se entender por regulamentos administrativos independentes, os


que são totalmente independentes das leis ordinárias, isto é que "se não
necessitam de fundar-se em específicas leis anteriores" 40.

Todavia, se alguns autores assimilam regulamentos administrativos


independentes e autónomos, pode-se observar numerosas diferenças entre as
duas categorias de regulamentos.

O conceito de regulamento administrativo autónomo é ligado a


instituição de matéria reservada ao Poder regulamentar. Nestas matérias, o
princípio é de que não se deve existir lei 41 o que não é o caso na figura do

34
B.R., 16 de Setembro de 1993, I Série-N.º 37. Outro exemplo, no dominio do direito das
telecomunicações, a Lei n.º 22/92: Define as bases gerais a que obedecerà o estabelecimento,
gestão e exploração das infraestruturas e serviços de telecomunicações (B.R., 31 de Dezembro
de 1992, 3.º Suplemento, I Série-N.º 53) é acompanhado do seu "Regulamento Básico",
adoptado pelo Conselho de Ministros sob a forma do Decreto n.º 23/93: Aprova o Regulamento
Básico de utilização de rádiocomunicações (B.R., 5 de Outubro de 1993, I série, N.º 39).
35
B.R., 31 de Dezembro de 1992, 3.º Suplemento, I Série-N.º 53.
36
B.R., 5 de Outubro de 1993, I série, N.º 39.
37
Principal Legislação, Vol. VII, p. 27.
38
Vide, Diploma Ministerial n.º 71/80, de 30 de Julho.
39
CISTAC G., op. cit., p. 23 e seguintes.
40
COUTINHO de ABREU J.M., Sobre os regulamentos administrativos e o princípio da
legalidade, Livraria Almedina Coimbra — 1987, p. 62.
41
CHAPUS R., I, n.º 701. O regulamento autónomo não ser secumdum et intra legem do facto
que não há lei no seu espaço.

13
regulamento administrativo independente.

Os regulamentos administrativos independentes não precisam de ter por


base ou fundamentos actos legislativos que definam a competência subjectiva
e objectiva para a sua aprovação, mas, em contraparte, não existe uma
"reserva regulamentar" formalmente consagrada na Constituição da República.
O Poder legislativo pode intervir nestas matérias.

Esta distinção é fundamental para compreender-se melhor a repartição


das competências normativas entre o Poder legislativo e o Poder regulamentar.

b) Os regulamentos administrativos independentes "pela própria


natureza".

"Pela própria natureza"42 das coisas pode ser a fonte de um poder


regulamentar independente limitado, mais particularmente, na organização de
um serviço administrativo.

É da natureza que algumas autoridades administrativas, mais


particularmente os chefes de serviço lato sensu (exemplos: Ministro,
Governador, Administrador, Presidentes do Conselho Municipal), dispõem do
poder de tomar decisões, gerais e impessoais — regulamentos —, necessárias
para o bom funcionamento da administração colocada sob a sua autoridade.

Fora de toda atribuição constitucional ou legislativa de natureza


regulamentar — é neste sentido que os regulamentos são independentes —,
as necessidades de um funcionamento regular dos serviços públicos
necessitam que o responsável do serviço disponha dos meios necessários ao
cumprimento da sua missão e ao respeito do princípio de continuidade do
serviço público. A função de responsável de um serviço público implica o poder
de organizar este serviço43. É a própria noção de Serviço Público que
fundamenta a existência desta categoria de regulamento administrativo.

Todavia, esta fonte do poder regulamentar independente se deve


conceber como limitada por seu objecto (organização do serviço).

c) Os regulamentos administrativos constitucionalmente


independentes.

REVOIR ARTIGO 153

Depois de apresenar os fundamentos constitucionais da intervenção do


Poder regulamentar (1), investigar-se-à, a prática vigente no País (2).

1. Os fundamentos constitucionais da intervenção independente do


Poder regulamentar.

42
M. ROUGEVIN-BAVILLE, R. DENOIX de SAINT-MARC, D. LABETOULLE, Leçons de droit
administratif, Paris, Ed. Hachette, 1989, p. 140 e seguintes.
43
ROUGEVIN-BAVILLE M., DENOIX de SAINT-MARC R., LABETOULLE D., op. cit., p. 140;
CHAPUS R., I, n.º 730 e seguintes.

14
O Artigo 152 203 da Constituição da República estabelece claramente
"1. O Conselho de Ministros assegura a administração do país, garante a
integridade territorial, vela pela ordem pública e pela segurança e estabilidade
dos cidadãos, promove o desenvolvimento económico, implementa a acção
social do Estado, desenvolve e consolida a legalidade e realiza a política
exterior do país".

Em primeiro lugar, pode-se realçar que em nenhuma ocasião o Artigo


152 203 da Constituição da República comporta o termo "lei" o que deixaria
supôr, se fosse o caso, que existiria uma certa relação de subordinação no
procedimento de produção normativa do Governo em relação ao Parlamento.

A segunda observação é de que o texto emprega os termos de


"assegura" a administração do país, "vela" pela ordem pública, "promove" o
desenvolvimento económico, "implementa" a acção social do Estado,
"desenvolve" e "consolida" a legalidade e "realiza" a política exterior do país.
Todos os verbos estão no presente do indicativo, o que significa "obrigação de
fazer". Nesta actividade material que se lhe impõe, o Governo pode
regulamentar por via de normas gerais e impessoais, e isto mesmo na
ausência de uma lei.

O caso da ordem pública é elucidativo. O Governo tem a obrigação de


assegurar a ordem pública e, isto, em virtude do número 1 do Artigo 152 203 e
da alínea b) do número 1 do Artigo 153 204 da Constituição da República. De
um ponto de vista prático, se a necessidade de assegurar a ordem pública
surge entre duas sessões da Assembleia da República e que não haja nenhum
texto legislativo no domínio em que o Governo quer ou deve
regulamentarmente intervir, que deve fazer o Governo 44? Deveria esperar por
uma lei que lhe habilitaria a intervir neste domínio?

Deve-se interpretar o texto no sentido de lhe dar a sua plena eficácia, o


que quer dizer, que existe a possibilidade, pelo Conselho de Ministros, através
do seu Poder regulamentar, de intervir nesta matéria na ausência de uma
regulamentação legislativa específica. Pertence, ao Governo, em virtude dos
seus poderes próprios, zelar pela preservação da ordem pública e, por
conseguinte, tomar as medidas de policia administrativa, de natureza
regulamentar, que são necessárias à manutenção da ordem pública.

Assim, o Governo, na ausência de intervenção prévia do legislador, pode


adoptar regulamentos da sua própria iniciativa em matéria de polícia
administrativa geral ou para assegurar o bom funcionamento dos serviços
colocados sob a sua autoridade. Por outras palavras, trata-se de assegurar as
condições necessárias para a continuidade da vida nacional, isto é, a
manutenção da ordem pública e do bom funcionamento dos serviços públicos e
isto, independentemente de uma intervenção prévia do legislador. Este
argumento da "necessidade regulamentar" do poder executivo em matéria da

44
O problema colocava-se em termos diferentes na Constituição de 25 de Junho de 1975 pois
a Comissão Permanente da Assembleia Popular podia assegurar a função de Assembleia
Popular entre os períodos da sessão da Assembleia (vide Artigo 51).

15
ordem pública é a fortiori válido em casos de circunstâncias excepcionais
(tempo de guerra)45. "É essência própria do papel da administração”, escreve
Romieu, “agir imediatamente e empregar a força pública sem prazo nem
procedimento, desde que o interesse imediato da conservação pública o exija;
quando a casa arde, não nos dirigimos ao juíz para pedir autorização de
chamar os bombeiros"46.

A esta necessidade prática pode acrescentar-se uma interpretação


meramente literal. Da expressão "desenvolve e consolida a legalidade" pode
deduzir-se um índice deste poder de regulamentação fora de uma
regulamentação legislativa. O constituinte moçambicano não emprega sómente
"consolida" o que poderia levar a acreditar que devia existir um texto legislativo
para fundamentar a sua acção porque só é possível "consolidar" uma causa já
existente.

Mas o constituite moçambicano utiliza o termo "desenvolve" que leva a


supôr que tem a competência de intervir pela sua própria iniciativa fora de um
texto legislativo para desenvolver a legalidade que deve ser interpretado aquí
como todo ordenamento jurídico moçambicano.

Mas estas interpretações podem ser contestáveis e devem ser apoiadas


pela interpretação do Artigo 153 204 da Constituição da República. Com efeito,
o Artigo 153 204 da Constituição da República é, nesta matéria, mais explícito
que o Artigo 152 203. O estudo das alíneas e f), h) e i) do número 1 do referido
artigo permitirá fundamentar melhor a nossa argumentação.

A alínea e) do número 1 do Artigo 153 204 da Constituição da República


precisa que "Compete, nomeadamente, ao Conselho de Ministros: e) promover
e regulamentar a actividade económica e dos sectores sociais". Nesta alínea, o
constituinte moçambicano emprega o termo "regulamentar" (e não “legislar”). O
Conselho de Ministros pode regulamentar a actividade económica e a dos
sectores sociais.

Não se pode ser mais explícito. O texto constitucional atribui ao


Conselho de Ministros a competência de intervir directamente nestes sectores,
sem a existência de um diploma legislativo prévio.

Quais são os sectores económicos e sociais?

sectores económicos peu développer donner une definition


générale

A Constituição dá alguns exemplos na sua alínea h) do número 1 do


Artigo 153 204 no que diz respeito aos sectores sociais: "os sectores sociais do
Estado, em especial a educação e a saúde". Se pode aproximar, também, a
alínea h) da i) que está redigida nos seguintes termos: "dirigir e promover a

45
Vide, LONG M.e Al., Les grands arrêts de la jurisprudence administrative, 10 eme ed., Éd.
Dalloz, 1993, p. 183 e seguintes.
46
T.C. de 2 de Dezembro de 1902, Société immobilière de St-Just, Rec. 713; D.P. 1903.3.41,
anotação HAURIOU.

16
política de habitação" que é também um sector social. Assim, pode-se
interpretar esta redacção como dando competência ao Conselho de Ministros
para regulamentar os sectores da educação, da saúde e da habitação.

Neste estado da análise, pode-se fazer duas observações. A primeira é


referente ao termo "nomeadamente" no início da redacção do Artigo 153 204
da Constituição da República. A segunda abrange a relação "sectores
económicos e sociais" da alínea e f) do número 1 do Artigo 153 204 da
Constituição da República e "questões básicas da política interna e externa do
país".

1. Com efeito, o início do Artigo 153 204 da Constituição da República


precisa "1. Compete, nomeadamente, ao Conselho de Ministros...". Isto pode
ter dois sentidos. Num sentido lato, pode significar que o domínio de
intervenção do Conselho de Ministros não é limitado e, por isso, pode estender-
se a outras matérias (sentido exemplativo da palavra “nomeadamente”). Isto
quer dizer, também, que a competência formal que o Governo detém de
regulamentar, essencialmente em virtude da alínea e f) do número 1 do Artigo
153 da Constituição da República pode estender-se a outros domínios sem que
possamos distinguir os limites formais. Aliás, a alínea h) do número 1 do Artigo
153 da Constituição da República emprega o termo "em especial" o que
significa que é possível ao Conselho de Ministros regulamentar outros sectores
sociais que os da educação, saúde e da habitação. No segundo sentido,
“nomeadamente”, é sinónimo de enumeração taxativa, isto significa que, só é
apenas enumeradas nos números 1 e 2

2. A segunda observação é relativa à ligação das expressões "sectores


económicos e sociais" da alínea e f) do número 1 do Artigo 153 204 da
Constituição da República e "questões básicas da política interna e externa do
país" do número 1 do Artigo 135 da Constituição da República.

A aproximação destas duas expressões realça a possível concorrência


da produção normativa do legislador e do Poder regulamentar. Com efeito,
como não compreender na locução "questões básicas" os termos "sectores
económicos e sociais"? Os sectores económicos e sociais estão evidentemente
integrados nas questões básicas da política interna. Assim, pode-se realçar,
por um lado, a verdadeira concorrência ao nível da produção normativa, e, por
outro lado, o fundamento formal destas competências. Enfim, se os sectores
económicos e sociais são questões básicas, o Conselho de Ministros pode
regulamentar questões básicas da política interna e externa do país que não
são, então, da competência exclusiva do legislador.

De uma maneira geral, na medida em que a Assembleia da República


não toma a iniciativa de legislar em qualquer ponto desse campo, ficará o
Governo com o direito de aprovar regulamentos administrativos independentes
sob reserva das matérias constitucionalmente reservadas ao legislador.

Com efeito, o regulamento administrativo independente não pode intervir


nas matérias absolutamente reservadas à competência do legislador (por

17
exemplo, conforme ao Artigo 50 100 da Constituição da República: "Os
impostos são criados ou alterados por lei, que os fixa segundo critérios de
justiça social").

2. A prática do Poder regulamentar em Moçambique.

Esta interpretação literal de algumas disposições da Lei Fundamental


parece estar fortificada pela observação e análise da prática do Poder
regulamentar nesta matéria. A exposição de alguns exemplos significativos
recentes bastará para demonstrar a adequação entre a interpretação literal da
Lei Fundamental acima referida e a prática regulamentar vigente.

1. O primeiro é referente à regulamentação do exercício das actividades


de transporte aéreo e trabalho aéreo públicos. Nos termos do Decreto n.º
39/98, de 26 de Agosto47: “Tornando-se necessário o estabelecimento de um
quadro jurídico que regule o desenvolvimento do sector da aviação civil no
País, usando das competências que lhe são conferidas na alínea e) do n.º 1 do
artigo 153 da Constituição da República, o Conselho de Ministros decreta:

Artigo 1. É aprovado o Regulamento do Exercício das Actividades de


Transporte Aéreo e Trabalho Aéreo Públicos, em anexo, que é parte integrante
deste decreto”.

2. O segundo é relativo à fixação das normas para o exercício de


actividades de formação profissional por pessoas singulares ou colectivas que
processeguem fins lucrativos ou comunitários. criação do Instituto de Cereais
de Moçambique48.

O fundamento jurídico do Decreto do Conselho de Ministros que


regulamenta esta matéria consta na última alínea da exposição dos motivos:
"ao abrigo da alínea e) do n.º1 do Artigo 153 da Constituição da República, o
Conselho de Ministros decreta:...".

O último exemplo49, é relativo à modificação da regulamentação fiscal


47
Decreto n. º 38/98: Aprova o Regulamento do Exercício das Actividades de Transporte Aéreo
e Trabalho Aéreo Públicos, B.R., 26 de Agosto de 1998, 2.º Suplemento, I Série-N.º 34.
48
Decreto n.º 3/94: Cria o Instituto de Cereais de Moçambique, B.R., 11 de Janeiro de 1994, 2.º
Suplemento, I Série-N.º 1.
49
Poderíamos citar outros exemplos tais como a criação do Fundo Nacional do Turismo
(Decreto n.º 10/93: Cria o Fundo Nacional do Turismo, B.R., 22 de Junho de 1993, 4.º
Suplemento, I Série-N.º 24); A modificação dos estatutos do Fundo de Fomento à pequena
Indústria aprovados pelo Decreto n.º 3/90, de 12 de Março, B.R., 11 de Janeiro de 1994,
Suplemento, I Série-N.º 1; a criação da Comissão Nacional de Reinserção Social — CNRS
(Decreto n.º 22/95: Cria a da Comissão Nacional de Reinserção Social — CNRS, B.R., 6 de
Junho de 1995, 2.ºSuplemento, I Série—N.º 22); Decreto n.º 35/94: Aprova o Regulamento de
Certificação de Competência dos Marítimos, B.R., 1 de Setembro de 1994, Suplemento, I Série
— N.º 35; Decreto n.º 34/94: Cria o Serviço Nacional de Administração e Fiscalização Marítima,
B.R., 1 de Setembro de 1994, Suplemento, I Série — N.º 35; Decreto n.º 24/94: Define normas
reguladoras da prestação de trabalho contratado, B.R., 28 de Junho de 1994, Suplemento, I
Série — N.º 25; Decreto n.º 16/93: Cria o Subsídio de Alimentos e o Gabinete de Apoio à
População Vulnerável, aprova respectivamente o seu Regulamento e o Estatuto Orgânico,
B.R., 25 de Agosto de 1993, Suplemento, I Série — N.º 34; Decreto n.º 7/94: Cria a Comissão
Consultiva do Trabalho, B.R., 9 de Março de 1994, 3.º Suplemento, I Série — N.º 10; o sistema

18
sobre os combustíveis50. Perante a necessidade de proceder a um ajuste de
taxas em matéria de combustíveis, o Conselho de Ministros adopta um decreto
cujo fundamento jurídico não faz nenhuma dúvida quanto à sua forma: "no uso
das competências conferidas pela alínea e) do Artigo 153 da Constituição,
decreta:..."

Nestes exemplos diferentes, extraídos da prática regulamentar vigente, o


único fundamento jurídico da competência do autor do acto regulamentar é
com certeza uma disposição constitucional, essencialmente as alíneas e) e g)
do número 1 do Artigo 153 da Constituição da República e a) e d) do seu
número 2. Assim, verifica-se a adequação entre a interpretação literal da
Constituição da República e a prática concreta do poder regulamentar na
matéria.

B. Os titulares do Poder Regulamentar.

Se existe só um legislador51, há uma pluralidade de detentores do Poder


regulamentar.

1. No que concerne o nível nacional, os titulares do Poder Regulamentar


são o Presidente da República (por exemplo, em matéria de criação de
ministérios e comissões de natureza ministérial - alínea c) do Artigo 121 160 e

de classificação de estradas, Decreto n.º 50/2000: Aprova o sistema de classificação de


estradas, B.R., 21 de Dezembro de 2000, Sup. I Série - N.º 51.
50
Decreto n.º 8/93: Procede ao ajustamento das taxas constantes da tabela anexa ao
Regulamento do Imposto sobre os Combustíveis, B.R., 15 de Junho de 1993, Suplemento, I
Série-N.º 23.
51
Não concordo com a interpretação que o Dr. Vitalino CANAS faz do número 1 do Artigo 133
da Constituição da República. Este autor escreve, no seu trabalho «O sistema de Governo
Moçambicano na Constituição de 1990», “A delimitação das competências legislativas da
Assembleia não é facil. Parece seguro que ela não é o único órgão legislativo do Estado. Para
essa conclusão concorre não só o citado art.º 133, n.º 1, na medida em que aí se diz que a
Assembleia é o mais alto órgão legislativo e não que é o órgão legislativo da República, mas
também o facto de a CRM reconhecer competência ao Conselho de Ministros para produzir
actos normativos (art.º 157, n.º 1)”, in Revista-Luso Africana de Direito - Vol.I, 1997, p. 173. Em
primeiro lugar, o autor parece confundir a lei no sentido formal - o acto aprovado pelo
Parlamento — e a lei no sentido material - acto geral e impessoal que abrange a lei e o
regulamento administrativo. Assim, no sentido formal que é o sentido o mas relevante para
diferenciar a lei do regulamento, só a Assembleia da República aprova a lei. Em segundo lugar,
actos normativos não quer dizer sempre lei. Conhece-se o conteúdo polisémico desta noção.
Pelo contrário, é claro que é o legislador que legifera (“legislar” vide o número 1 do artigo 135
da Constituição da República) - por conseguinte aprova lei -, e que é o Governo que
regulamenta (“regulamentar” vide alínea e) do número 1 do Artigo 153 da Constituição da
República) - por via de regulamento. A Assembleia da República é só e o único órgão de
soberania competente para aprovar a lei no sentido formal; a função de fazer leis. A formulação
empregada - "mais alto órgão legislativo na República"-, seria admissível no caso em que o
poder executivo tivesse uma competência legislativa que se exercesse em domínios
constitucionalmente determinados sob a forma de decretos-lei como é particularmente o caso
nos artigos 115º e 201º da Constituição portuguesa de 1976 (GOMES CANOTILHO J.J., Direito
Constitucional, op. cit., p. 740 e p. 755; MIRANDA J., O actual sistema português de actos
legislativos, "Legislação. Cadernos de Ciência de Legislação", n.º 2 (Outubro/Dezembro) 1991,
INA, pp. 7-27) mas esta competência não é reconhecida ao poder executivo pela Constituição
moçambicana. A formulação empregada parece então em contradição com a competência
material real dos órgãos de soberania supra mencionados.

19
o número 1 do Artigo 117 146 in fine ambos da Constituição da República 52) e o
Conselho de Ministros (por exemplo, em matéria de regulamentação de de
actividade económica - alínea e f) do número 1 do Artigo 153 da Constituição
da República53).

Os ministros não têm, em princípio, poder regulamentar originário.


Todavia, podem ser investidos deste poder em dois casos.

Em primeiro lugar, podem ser habilitados a exercer um poder


regulamentar, quer pela lei54 (1.1), quer por um acto do Poder regulamentar
hierarquicamente superior (1.2).

1.1. No caso da lei, a título de exemplo, o artigo 33 da Lei n.º 8/79, de 3


de Julho (Lei do Arrendamento), prêve que: "Compete aos Ministros das Obras
Públicas e Habitação, Estado na Presidência e Justiça aprovar o regulamento
da presente lei ...".

1.2. No caso do Poder regulamentar hierarquicamente superior, a título


de exemplo:

- O Presidente da República define, ele próprio, as atribuições e


competências do Ministério e, por via de consequência, do Ministro como órgão
de decisão máximo do Ministério. Neste sentido, as referidas decisões do
Presidente da República, que tomam a forma de Decreto Presidencial, podem
consagrar um poder regulamentar específico ao Ministério. Por exemplo, a
alínea c) do número 1 do Artigo 3 do Decreto Presidencial n.º 9/2000, de 23 de
Maio precisa: “1. No domínio das actividades turísticas, da indústria hoteleira e
similar : (....) c) Regulamentar, licenciar, fiscalizar e acompanhar o exercício
das actividades turísticas, indústria hoteleira e similar” (o sublinhado é nosso).
- de modo geral, a alínea c) do número 3 do Decreto n.º 4/81 de 10 de
Junho55 precisa: “Ao membro do Conselho de Ministros compete, no domínio
sob a sua responsabilidade, nomeadamente: ... c) Emitir disposições
normativas, despachos e instruções de carácter obrigatório relativamente a
dirigentes de órgãos, empresas e unidades económicas ou sociais
subordinadas, bem como garantir a uniformidade, divulgação e actualização
das decisões e instruções nos diferentes escalões ...” (vide, por exemplo, sobre
este fundamento, o Regulamento Interno do Ministério das Pescas 56);

- em particular, o Artigo 3 do Decreto n.º 15/91, de 19 de Junho (Alarga o


âmbito do Mercado Secundário de Câmbio, passando a abranger as receitas
de exportações não-tradicionais 57), precisa: "Compete ao Ministro do Comércio

52
Vide, por exemplo, o Decreto Presidencial n.º 8/93, de 29 de Dezembro que cria Serviços de
Cifras nos Ministérios e demais Órgãos Cívis e Militares do Estado, in B.R., de 29 de Dezembro
de 1993, Suplemento, I Série – n.º 52.
53
(?)
54
CAETANO M., I, n.º 47.
55
in, Principal Legislação - Vol. VIII, 1981, p. 194.
56
Diploma Ministreial n.º 47/2001: Aprova o Regulamento Interno do Ministério das Pescas,
B.R., 7 de Março de 2001, Sup., I Série - N.º 10.
57
in, B.R., 19 de Junho de 1991, 2.º Sup. I Série - N.º 25.

20
regulamentar os termos de aplicação deste decreto..."; o Artigo 49 do Decreto
n.º 28/91, de 21 de Novembro (Define modalidades de alienação ou
privatização de empresas, estabelecimentos, instalações e participações
financeiras de propriedade do Estado 58), prêve: "No âmbito das suas
competências e nos termos do estipulado na Lei n.º 15/91, de 3 de Agosto, e
neste diploma, competirá ao Ministério das Finanças, por meio de normas
regulamentares, garantir a adequada aplicação do presente decreto"; o Artigo 3
do Decreto n.º 21/91 de 3 de Outubro (Delega no Ministro da Justiça a
competência para proceder ao reconhecimento específico das associações de
natureza não lucrativa59) precisa: "O Ministro da Justiça regulará o
procedimento de registo das associações não lucrativa nas Conservatórias do
Registo Civil ou comercial, sendo o caso".

Em segundo lugar, os ministros como chefes de serviços, podem


praticar medidas regulamentares necessárias à organização e ao bom
funcionamento dos serviços colocados sob a sua responsabilidade.

Além dessas autoridades que instrumentalizam o Poder Executivo,


existe também entidades que têm um poder regulamentar de âmbito nacional
quando desempenham certas funções.

Trata-se, mais particularmente, do Tribunal Administrativo quando ele


emite instruções obrigatórias??????60 e do Banco de Moçambique quando
(?)61.

2. No que concerne o nível local:

- as autoridades administrativas desconcentradas do Estado,


principalmente os governadores provinciais e os administradores distritais,
dispõem, nas mesmas condições, do Poder regulamentar como chefe de
serviços e de um poder regulamentar que lhe pode ser delegado pelos textos
pertinentes nesta matéria. Aprofundar

- as autarquias locais dispõem igualmente de um Poder regulamentar.


Conforme o Artigo 195 278 da Constituição da República e do Artigo 11 da Lei
n.º 2/97 de 18 de Fevereiro, “As autarquias locais dispõem de poder
regulamentar próprio sobre matéria integrada no quadro das suas atribuições,
nos limites da Constituição, de leis e de regulamentos emanados das
autoridades com poder tutelar”. Do mesmo modo, o número 3 do Artigo 45 da
Lei n.º 2/97 precisa: “3. Compete à Assembleia Municipal, sob proposta ou a
pedido de autorização do Conselho Municipal: a) Aprovar regulamentos...” 62.

3. Finalmente, as entidades privadas podem dispor de um poder


regulamentar especial no desempenho de um poder público que lhes haja

58
in B.R., 21 de Novembro de 1991, Sup., I Série - N:º 47.
59
in, B.R., 3 de Outubro de 1991, Sup., I Série - N.º 40.
60
61
62
Sobre o Poder regulamentar das autarquias locais, vide, CISTAC G., Manual de Direito das
Autarquias Locais, op. cit., p. 136 e seguintes.

21
outorgado por título adequado — por exemplo, por uma concessão de serviço
público63.

SECÇÃO 2. AS FONTES ESCRITAS NÃO NACIONAIS DO


DIREITO ADMINISTRATIVO.

Bibliografia. DIMANDE A.F.C., Os tratados internacionais na ordem


jurídica moçambicana, Trabalho de fim de curso, Faculdade de Direito, UEM,
Agosto de 1993; DIMANDE A.F.C., Os tratados internacionais na ordem
jurídica moçambicana, Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Junho-1997.- Vol. II,
pp. 67-95; PAULINO A.R., Regime jurídico da recepção das convenções
internacionais no ordenamento moçambicano, Trabalho de fim de Curso,
Faculdade de Direito, UEM, Abril de 1997; Associação Internacional das Altas
Jurisdições Administrativas, VI Congresso, A aplicação do Direito Internacional
pelo Juiz administrativo, Relatório Geral, Lisboa (Portugal), 20 a 22 de Abril de
1998.

As convenções internacionais constituem uma fonte do Direito


Administrativo. É preciso interrrogar-se previamente sobre os diferentes tipos
de convenções internacionais definidos pela Constituição da República (§1) a
fim de expor o regime da sua eficácia na ordem jurídica moçambicana (§2).

§1. Os diferentes tipos de convenções internacionais definidos na


Constituição da República.

A Constituição da República menciona expressamente dois tipos de


convenções internacionais : os tratados internacionais (A) e os acordos
internacionais (B). Todavia, é preciso acrescentar duas observações liminares.

Em primeiro lugar, a distinção que se pode deduzir da leitura da Lei


fundamental — Tratados internacionais/Acordos internacionais — não afasta os
problemas de definição das referidas palavras e do regime jurídico dessas
figuras jurídicas. A Constituição da República não define verdadeiramente o
que é um tratado internacional e o que é um acordo internacional. Só existe, na
Constituição da República, uma aproximação formal dessas definições
resultando da combinação e da interpretação das disposições constitucionais
relevantes nesta matéria.

Do mesmo modo, a Constituição da República não trata


especificadamente do valor das convenções internacionais na ordem jurídica
moçambicana. Por outras palavras, onde se situa as convenções internacionais
na hierarquia das fontes do Direito em geral e do Direito Administrativo em
Moçambique? Em cima da Constituição? Em cima da Lei? Em cima do
Decreto?

Em segundo lugar, do ponto de vista terminológico, empregar-se-à o


termo “convenções internacionais”, como palavra genérica reagrupando as

63
QUEIRÓ A., Lições de direito administrativo, vol. I, ed. copiograf., Coimbra, 1976, p. 415.

22
palavras “tratados internacionais” e “acordos internacionais”. Fica claro que do
ponto de vista puramente literal, a palavra “acordos internacionais”, tem um
sentido genérico capaz de abranger várias figuras juidicas nomeadamente o
tratado internacional ou quaisquer convenções internacionais (“Carta”, “Pacto”,
"Protocolo"). Não é este sentido que utilizar-se-à dentro deste
desenvolvimento. É o sentido específico que lhe atribui a alínea f g) do número
1 do Artigo 153 204 da Constituição da República.

A. Os tratados internacionais.

Existe uma definição do “tratado internacional” em Direito Internacional


Público. Conforme esta disciplina jurídica, “O tratado designa todo acordo
concluido entre dois ou vários sujeitos do direito internacional, com visto a
produzir efeitos de direito e regulado pelo direito internacional” 64.

Não é no quadro deste desenvolvimento que é oportuno desenvolver o


regime jurídico do tratado internacional em Direito Internacional Público.
Remeter-se-à, sobre este ponto, à doutrina pertinente nesta matéria 65. Todavia,
é preciso realçar que a escolha da nossa aproximação da definição do tratado
internacional através do Direito Constitucional moçambicano não é inconciliável
com a concepção do Direito internacional público desta figura. Pelo contrário, é
substancialmente a aproximação de um mesmo objecto por via de disciplinas
diferentes que não modifica, portanto, o conteúdo do objecto. Por outras
palavras, são pontos de vista diferentes sobre uma mesma realidade jurídica.

Em relação às disposições pertinentes da Constituição da República,


nesta matéria, podemos definir o “tratado internacional” como a convenção
internacional celebrada pelo Presidente da República (alínea b) do Artigo 122
161 e alínea b) do Artigo 123 162 da Constituição da República) e ratificada
pela Assembleia da República66.

Concernente as condições da celebração do tratado internacional, a


Constituição da República conjuga dois tipos de cláusulas. A primeira tem um
carácter específico, outra tem um carácter geral.

Em matéria da defesa nacional e da ordem pública, compete ao


Presidente da República: “c) celebrar tratados” (Artigo 122 161 da Constituição
da República). Nestas matérias específicas, cabe ao Presidente da República
celebrar tratados internacionais67.

64
QUOC DINH N., DAILLET P., PELLET A., Droit international public, Paris, LGDJ, EJA, 4.ª Ed.
1992, n.º 64. Vide também a definição de Ian BROWNLIE, in Principles of Public International
Law, Oxford, Clarendon Press, 4.ª Ed., 1990, pp. 604-605. Vide também, DIMANDE A.F.C., Os
tratados internacionais na ordem jurídica moçambicana, Trabalho de fim de curso, Faculdade
de Direito, UEM, Agosto de 1993, p. 4 e seguintes; Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Junho-
1997.- Vol. II, pp. 69 e seguintes. ACRESCENTAR MANUAL PORTUGUÊS
65
QUOC DINH N., DAILLET P., PELLET A., op. cit., n.º 64 e seguintes; BROWNLIE I., op. cit.,
p. 603 e seguintes.
66
DIMANDE A.F.C., Os tratados internacionais na ordem jurídica moçambicana, op. cit., p. 5;
Rev. Jur., p. 70.
67
O texto constitucional não empregue formalmente a palavra “internacional”, mas podemos
supor que esta é implicitamente inclusa na palavra “tratados”.

23
Apesar desta cláusula específica, a Constituição da República atribui ao
Presidente da Republica a competência de “celebrar tratados internacionais”
(alínea b) do Artigo 123 162 da Constituição da República). É a cláusula geral
de competência de celebrar tratados internacionais no domínio das relações
internacionais.

Assim, pode-se realçar o efeito de redundância da alínea b) do Artigo


122 161 da Constituição da República. Com efeito, do ponto de vista da
matéria, é claro que a celebração de tratados no domínio da defesa nacional
(alínea b) do Artigo 122 161 da Constituição da República) faz parte do
domínio, mais abrangente, das relações internacionais (Artigo 123 162 da
Constituição da República).

A iniciativa de celebrar tratados internacionais que pertence ao


Presidente da República é um acto de Governo ou acto político; um acto
praticado no domínio do exercício da função política do Presidente da
República e como tal, excluído da jurisdição administrativa por força da alínea
a) do número 1 do Artigo 5 da Lei Orgânica do Tribunal Administrativo 68.

Cabe ao Presidente da República a responsabilidade da negociação dos


tratados internacionais ou, por outras palavras, tudo o que concerne a fase
preliminar à ratificação pela Assembleia da República.

Na prática, é ao Ministro dos Negócios Estrangeiros e aos serviços


respectivos do Ministério que, por delegação do Chefe do Estado, incumbe
negociar os tratados e os acordos internacionais 69.

Com efeito, "como Órgão Central do Aparelho de Estado que no quadro


da Constituição e de acordo com as políticas e prioridades definidas pelo
Conselho de Ministros planifica, dirige e coordena a implementação e
execução das políticas externa e de cooperação internacional" 70, o Ministério
dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, prepara e participa "na negociação,
celebração e conclusão de tratados e acordos internacionais de interesse para
a República de Moçambique, bem como assegurar a sua incorporação no
ordenamento jurídico nacional"71.

B. Os acordos internacionais.

O acordo internacional é a convenção internacional celebrada e


ratificada pelo Conselho de Ministros. Trata-se, do ponto de vista do Direito
internacional público, da categoria de “acordos em forma simplificada” ou
“executive agreements”72.

68
(?)
69
DIMANDE A.F.C., Rev. Jur., p. 72 e 74.
70
Artigo 1 do Decreto Presidencial n.º 12/95: Define os objectivos, atribuições e competências
do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação e revoga os Decretos Presidenciais
n.os 65/83, de 29 de Dezembro, e 27/89, de 15 de Maio, B.R., 29 de Dezembro de 1995, Sup.,
I Série - N.º 52.
71
alínea s) do número 1 do Artigo 4 do Decreto Presidencial n.º 12/95, de 29 de Dezembro.
72
QUOC DINH N., DAILLET P., PELLET A., op. cit., n.º 84 e seguintes.

24
Dois traços principais caracterizam este tipo de convenções : uma
flexibilidade maior no que diz respeito à sua conclusão e à sua igualdade, em
termos de força jurídica, com o tratado.

Em primeiro lugar, é claro que a partir do momento em que é a mesma


autoridade que prepara a celebração, celebra e ratifica o acordo internacional,
pode-se pensar que o procedimento de aprovação do acordo será mais rápido
e fora de uma contestação possível da parte do órgão legislativo (não carecem
de ratificação da Assembleia da República); “Correspondem (eles) às
necessidades de que a política externa dos diversos Estados seja eficaz e
activa, e a um imperativo de dinamização da vida diplomática” 73.

Em segundo lugar, se existe uma diferença de procedimento relacionada


ao consentimento do Estado a ficar vinculado, em contrapartida, não existe
diferença em termos de efeitos jurídico entre o acordo em forma simplificada e
o tratado internacional. Ambos têm o mesmo valor obrigatório para os Estados
contraentes. O acordo internacional não é juridicamente inferior, do ponto de
vista do Direito Internacional Público, ao tratado internacional.

Do ponto de vista terminólogico, é necessário de realçar que a palavra


“ratifica” pode implicar ou induzir uma certa confusão ou interferências
linguísticas com a palavra “ratificar” da alínea k) do número 2 do Artigo 135 179
da Constituição da República. Seria melhor empregar a palavra “aprovar” para
diferenciar os dois procedimentos no que concerne o procedimento de
ratificação pelo Conselho de Ministros.

A principal dificuldade é de estabelecer um critério objectivo de distinção


entre o tratado e o acordo internacional visto que a distinção proposta pelas
disposições pertinentes da Constituição da República é meramente formal. Por
outras palavras, “é omissa (...) às matérias a que podem validamente estender
os tratados e os acordos”74.

Poderia-se considerar, parafraseando assim André GONÇALVEZ


PEREIRA75, que os acordos internacionais deveriam abranger matérias
contidas nos poderes administrativos do Poder executivo e os tratados,
matérias legislativa da competência da Assembleia da República. Todavia, se
este critério de distinção é mais transparente, na prática legislativa
moçambicana, não está bem delineado o critério adoptado visto que
encontramos acordos que pela natureza das matérias que versam deviam ser
considerados tratados76.

§2. As condições de eficácia das convenções internacionais na


ordem jurídica moçambicana.

73
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 6; Rev. Jur., p. 71.
74
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 5; Rev. Jur., p. 70.
75
76
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 6; Rev. Jur., p. 71.

25
Para que uma convenção internacional seja susceptível de produzir
efeitos de direito na ordem jurídica, várias condições são necessárias : a
existência, a assinatura, a ratificação e a sua publicação.

Além disso, o juiz administrativo deverá verificar se a convenção


internacional tem um “efeito directo”; isto significa que o juiz deverá verificar se
as disposições invocadas têm efectivamente um carácter normativo e não um
simples valor de recomendação e se elas não implicam a aprovação de
diplomas legais necessários a sua de execução que as tornariam inponíveis a
Administração Pública77.

Se é muito claro que, por um lado, a convenção internacional deve


existir, isto é, ser uma verdadeira convenção internacional — em princípio esta
condição não coloca problema na prática —, e por outro lado, deve ser
assinada pela autoridade moçambicana competente à data da celebração da
convenção, pelo contrário, as condições relativas à ratificação (A) e à
publicação (B) da convenção internacional podem suscitar mais dúvidas; é por
isso que debruçar-se-à, em particular, nessas duas figuras.

A. A ratificação.

Em Direito internacional público, a ratificação designa o acto


internacional pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu
consentimento a ficar vinculado por um tratado 78. O Direito internacional público
não regula a forma como as suas regras entram na ordem jurídica dos Estados
para aí serem aplicadas. Esta matéria é objecto de regulamentação interna. É o
Direito constitucional de cada Estado que estabelece o regime jurídico da
ratificação.

As formas segundo as quais o Estado moçambicano exprime o seu


consentimento a estar internacionalmente vinculado por convenções
internacionais (tratados ou acordos internacionais) apresentam-se sob a forma
da "ratificação". Todavia, existe dois tipos de "ratificação" dependentes da
categoria de convenções em causa: a ratificação pela Assembleia da República
(a) e a ratificação pelo Conselho de Ministros (b).

a) A ratificação pela Assembleia da República.

Nos termos da alínea k) do número 2 do Artigo 135 179 da Constituição


da República, a competência para a ratificação dos tratados internacionais
pertence à Assembleia da República após terem sido submetido a este órgão
por intermédio do Presidente da República ou por intermédio do Conselho de
Ministros79.

77
MOREAU J., n.º 388.
78
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 11.
79
Cabe o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, ao abrigo da alínea t) do
número 1 do Artigo 4 do Decreto Presidencial n.º 12/95, de 29 de Dezembro, "Estudar os
tratados e os acordos internacionais e propor a sua ratificação ou adesão pela República de
Moçambique, bem como determinar as suas eventuais incidências sobre o País e tomar as
medidas adequadas".

26
Deste modo, celebrado o tratado pelo Presidente da República nos
termos da alínea b) do Artigo 122 161 e da alínea b) do Artigo 123 162 da
Constituição da República, este órgão submete, por escrito, directamente ou
por intermédio do Conselho de Ministros, os projectos de resolução de
ratificação dos tratados internacionais ao Presidente da Assembleia da
República para ratificação ou não ratificação 80.

O acto legislativo da Assembleia da República assume, neste caso, a


forma de "Resolução"81. É o caso, da ratificação pela Resolução n.º 44/2001 de
2 de Maio, pela Assembleia da República do Tratado da União Africana 82.

b) A ratificação pelo Conselho de Ministros.

Nos termos da alínea f g) do número 1 do Artigo 153 da Constituição da


República, compete ao Conselho de Ministros "ratificar" os acordos
internacionais sob a forma de "Resolução" conforme ao Artigo 157 210 da
Constituição da República. É o caso, por exemplo, da adesão da República de
Moçambique à convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI)83.

B. A publicação.

A publicação visa a publicitar - tornar público - o conteúdo do acto


aprovado pelas autoridades competentes. Apresentar-se-à as modalidades da
publicação (a) afim de apreciar melhor os seus efeitos jurídicos (b).

a) As modalidades da publicação.

No que diz respeito aos tratados internacionais, conforme ao Artigo 141


182 da Constituição da República, aprovada a resolução pela Assembleia da
República é assinada e mandada publicar no Boletim da República pelo
Presidente da Assembleia da República ("Publique-se. O Presidente da
Assembleia da República"84).

No que concerne os acordos internacionais, ao abrigo do Artigo 157 210


da Constituição da República, a resolução aprovada pelo Conselho de
Ministros é assinada e mandada publicar no Boletim da República pelo
Primeiro-Ministro.

80
Sobre o processualismo interno de ratificação de tratados internacionais pela Assembleia da
República, vide, DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 13 e seguintes; Rev. Jur., p. 77 e seguintes.
81
Vide por exemplos, Resolução n.º 5/91: Ratifica o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, adoptado pela Assembleia Geral das Nacões Unidas, em 16 de Dezembro de 1966,
B.R., 12 de Dezembro de 1991, Sup., I Série - N.º 50.
82
In, B.R., 3 de Maio de 2001, 5.º Suplemento, I Série – N.º 18.
83
Resolução n.º 12/96 : Referente a adesão da República de Moçambique à convenção que
institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), B.R., 18 de Junho de 1996,
Suplemento, I Série – N.º 24.
84
Vide, por exemplo, Resolução n.º 19/96: Ratifica a Convenção de Bamako, de 30 de Janeiro
de 1991, relativa à Interdição da Importação de Lixos Perigosos e ao Controlo da
Movimentação Transfronteiriços desses lixos em África, B.R., 28 de Novembro de 1996, 5º
Sup., I Série - N.º 47.

27
b) Os efeitos jurídicos da publicação.

A publicação é uma das condições da eficácia e da aplicabilidade das


convenções internacionais em direito interno. Por outras palavras, para
produzir efeitos de direito a convenção internacional deve ser publicada 85.

A publicação actua como uma condição de eficácia do acto de


aprovação, isto é a resolução. Sem a publicação, directamente a resolução
aprovada não poderá produzir efeitos de direito e indirectamente, a convenção
internacional será desprovida de qualquer efeitos de direito no ordenamento
jurídico interno. A publicação é assim necessária para que as convenções
internacionais tenham efeitos juridicos em direito interno para produzir direitos
e obrigações em relação às pessoas jurídicas outras que os Estados
contratantes.

É uma aplicação de um princípio geral do direito segundo o qual só


podem produzir efeitos de direito as regras de direito que fizeram objecto de
uma publicidade.

Em contrapartida, os acordos que diz respeito só ou apenas às relações


entre Estados e não têm assim implicações sobre a situação dos terceiros
podem não ser publicados.

A prática moçambicana da publicação dos acordos internacionais


ratificados pelo Conselho de Ministros revela duas situações bem distintas.

Com efeito, se no caso da ratificação pela Assembleia da República, o


texto do tratado faz parte integrante da resolução e é anexado a esta 86, -
situação conforme o princípio mesmo da publicidade -; no caso da ratificação
pelo Conselho de Ministros é uma situação totalmente diferente que se
encontra na prática.

Alguns acordos são efectivamente anexados à resolução aprovada pelo


Conselho de Ministros e dela faz parte integrante 87, outros não são anexados88.

Esta discriminação de facto na publicação do texto do acordo


internacional poderia se justificar nos casos em que os acordos só ou apenas
têm efeitos juridicos entre os Estados contratantes e não têm assim
implicações sobre a situação dos terceiros (tratados em matéria de defesa
nacional). Mas pode acontecer casos em que o acordo internacional não
publicado tem efeitos que ultrapassam as relações puramente estatais seja, de

85
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 20.
86
Vide, por exemplo, a Resolução n.º 17/96: Ratifica a Convenção para a Protecção, Gestão e
Desenvolvimento Marino e Costeiro da Região Oriental de África, de 2 de Junho de 1985 e
respectivos Protocolos, B.R., 28 de Novembro de 1996, 5º Sup., I Série - N.º 47; Resolução n.º
44/2001: Ratifica o Tratado da União Africana, B.R., 3 de Maio de 2001, 5º Sup., I Série - N.º
18.
87
Vide, por exemplo, Resolução n.º 44/99: Ratifica o Protocolo sobre as Trocas Comerciais na
Região da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, assinado em Maseru,
Lesotho, aos 24 de Agosto de 1996, B.R., 29 de Dezembro de 1999, 5.º Sup., I Série - N.º 52.
88
(?)

28
uma forma fortuita, seja, de uma forma mais directa, por exemplo através de
uma verdadeira reinvindicação de direitos ou obrigações da Administração
Pública em relação aos administrados.

Desta maneira, pode se perguntar se o juiz administrativo poderia


apreciar as condições de introdução em direito interno de uma convenção
internacional no caso em que um recorrente fundamentou, na sua petição de
recurso, o facto de que esta convenção não foi o objecto de uma publicação
válida.

Em primeiro lugar, a resolução do Conselho de Ministros que ratifica a


convenção não parece constituir um acto político ou de Governo. Ela aparece
meramente como uma formalidade administrativa que condiciona a
aplicabilidade em direito interno da convenção internacional e desta maneira
destaca-se das relações diplomáticas de Moçambique com os outros
Estados89.

Em segundo lugar, se a ratificação aparece como um acto administrativo


nada impede o controlo da sua legalidade.

Em terceiro lugar, o juiz administrativo deveria verificar a conformidade


do texto publicado com o próprio original do acordo internacional. É nesta
operação que a publicitação

A execução de um acordo não devidamente publicado constitui um erro


de direito.

89
Cf. em direito francês, Le contrôle des conditions d'introduction en droit interne d'une
convention internationale, BACHELIER G., (Concl. CE, Ass., 18 de Dezembro de 1998, SARL
du parc d'activités de Blotzheim et SCI Haselaecker), RFD adm. 15 (2) mars-avr. 1999, p. 315 e
seguintes.

29
CAPÍTULO II. AS FONTES NÃO ESCRITAS DO DIREITO
ADMINISTRATIVO

Bibliografia.; LARZUL T., Les mutations des sources du droit


administratif, Paris, L’Hermès, 1994.

SECÇÃO 1. A JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA.

Bibliografia. RIVERO J., Direito Administrativo, Livraria Almedina —


Coimbra, 1981, n.º 69 e seguintes ; MOREAU J., Droit administratif, Paris, PUF,
1989, n.º 394 e seguintes; CRETELLA JÚNIOR J., Direito Administrativo
Brasileiro, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2002, n.º 73.

Sousa p. 77

§1. O poder normativo do juiz.

O paradoxo conhecido reside no facto de que, do ponto de vista formal,


o juiz não é uma autoridade qualificada para aprovar normas jurídicas gerais,
impessoais e abstractas. Assim, o juiz não está considerado como fonte do
direito objectivo mesmo se as decisões de justiça sejam fontes de situações
jurídicas pelos particulares e, por conseguinte, fonte de direitos subjectivos 90.

Com efeito, não significa, porque existe uma repetiçaõ de soluções


conformes, que a jurisprudência tem o valor de fonte do direito 91. Por outro
lado, o Código Civil vigente em Moçambique não considera a jurisprudência
como fontes imediatas do direito (Artigo 1 do Código Civil).

Do mesmo modo, o caso julgado produz os seus efeitos em relação à


causa em que a sentença haja sido proferida 92. Por outras palavras, o caso
julgado é relativo; ele é só relevante para os que são, em princípio,
directamente interessados. Ele é inoponível a terceiros ao contrário de uma
norma geral que tem uma natureza erga omnes.

90
CHAPUS R., I, n.º 44.
91
STARCK B., ROLAND H., BOYER L., Introduction au droit, op. cit., n.º 828.
92
Esta afirmação, válida de uma forma geral, deve tomar em conta os efeitos das decisões
jurisdicionais no contencioso de anulação que tem um carácter erga omnes. No caso em que a
Administração Pública decidiria de não respeitar a decisão proferida pelo juiz administrativo,
esta violação do caso julgado implicaria a aplicação de medidas compulsórias para obter a sua
execução (vide artigos 175 e seguintes da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho). Além disso, o não
cumprimento da decisão proferida pelo juiz administrativo constitui um acto ilegal susceptível
de responsabilizar o Estado pelos danos causados no fundamento do Artigo 97 da Constituição
da República.

30
Assim, a decisão do juiz como elemento constitutivo da jurisprudência,
não tem nenhuma aptidão a tornar-se uma regra de direito geral e impessoal.
Esta tarefa é reservada ao legislador ou ao poder regulamentar.

De mais, esses argumentos são reforçados pelo facto de que não é


desejável consagrar o direito jurisprudêncial e lhe atribuir um valor equivalente
a da lei por razões de conveniências práticas. Com efeito, a formação do direito
jurisprudencial é lenta, incerta e insegura 93.

Todavia, se a jurisprudência não é juridicamente uma fonte do direito,


ela tem uma importância de primeiro plano na construção do sistema jurídico, é
assim que tem de facto um poder normativo94. Com efeito, quando o juiz
interpreta a lei, ele procura a vontade do legislador, isto é, uma norma geral
estabelecida fora dele. Por outras palavras, “essa jurisprudência representa a
aplicação da lei”95.

Mas pode suceder que a procura desta vontade seja vã e artificial, quer
o legislador não legislou sobre a matéria, quer a lei aplicável é inadequada por
ter envelhecida ou desajustadaa não respondendo assim às realidades
jurídicas do caso.

É nesta dupla função de substituição (A) e de adaptação (B) que pode-


se dizer que a jurisprudência tem um poder normativo 96 e constitui uma fonte
do Direito Administrativo97.

A. A função de substituição.

Mesmo no caso em que existe um vazio jurídico o tribunal tem uma


obrigação de julgar. Há uma necessidade de preencher as lacunas da ordem
jurídica. Neste sentido o número 1 do Artigo 8 do Código Civil precisa: “1. O
tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei
ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio”. Do mesmo modo, o
Artigo 709 da RAU precisava: “O tribunal conhecerá do fundo da questão
sempre que do alegado se possa depreender a intenção do requerente, não
podendo abster-se de julgar a pretexto da falta ou obscuridade da lei, da falta
de provas ou de outro qualquer motivo que não estiver taxativamente expresso
em regra legal”.

Caso contrário é uma situação de denegação de justiça. Assim, o juiz


tem a obrigação de julgar; é preciso reconhecer assim que o juiz, neste caso,
cria verdadeiramente uma regra de direito. É claro que a norma criada terá um
valor só no caso particular, mas ela terá também uma função de “precedente”.

93
sobre esses aspectos vide, STARCK B., ROLAND H., BOYER L., op. cit., n.º 831.
94
STARCK B., ROLAND H., BOYER L., op. cit., n.º 833 e seguintes.
95
CAETANO M., I, n.º 39.
96
ROUGEVIN-BAVILLE M., DENOIX de SAINT-MARC R., LABETOULLE D., Leçons de droit
administratif, op. cit., p. 21 ; EISENMANN C., Cours de droit administratif, Tomo 1, op. cit., p.
181.
97
MOREAU J., n.º 395.

31
Além disso, um argumento lógico não deve ser negligenciado. No caso
em que, a decisão jurisdicional pressupõe necessariamente uma regra de
direito preexistente a qual serão confrontados as pretenções das partes em
litígio e se nenhuma regra escrita preveu a solução do litígio, o juiz tem apenas
um meio: “Enunciar ele próprio a regra geral que lhe permitiria de decidir” 98 e
isto motivação

Demais, quando o Plenário do Tribunal Administrativo, no seu acórdão,


se afasta das contingências da causa para dar uma interpretação da regra de
direito segundo uma formulação geral, a referida formação contenciosa lhe dá
uma aptidão a reger um conjunto de outras situações. É assim que a
interpretação da regra de direito sai definitivamente da incerteza.

Neste sentido, pode-se dizer que a jurisprudência é “fixada”. Por outras


palavras, esta sentença estabelece a definição em termos genéricos, do
sentido que deve ser dado nos julgamentos futuros a uma norma legal de
entendimentos duvidosos. Disso, poderá se deduzir que terá um efeito
obrigatório para todos os tribunais dependentes daquela formação solene do
Tribunal Administrativo que o proferiu99.

B. A função de adaptação.

A função da jurisprudência é também uma função de adaptação da


legislação ultrapassada às necessidades modernas afastando-se, se for
necessário do sentido primitivo do texto objecto de interpretação.

Assim, como escreve Marcello CAETANO, “os tribunais podem em


certas circunstâncias desempenhar um papel relevante na criação de novas
formas jurídicas e de novos direitos individuais” 100.

A jurisprudência é deste modo uma forma de fixar o sentido da lei, isto é,


de interpretá-la e só por excepção pode ser modo de criação e revelação do
Direito através do suprimento dos casos omissos, devendo notar-se que o
modo mais frequente que reveste a sua contribuição para a formação do Direito
é mediante a revelação de casos cujas características ou circunstâncias
exorbitam dos quadros legislativos e a demonstração da necessidade de novas
soluções legais e do respectivo sentido.

§2. O papel do juiz em Direito Administrativo.

A. Em direito comparado.

Muitas vezes, as questões de direito não foram solucionadas pelos


textos, ou as foram de maneira insuficiente. Pertence assim, a todos os juizes,
em regra geral, e muito particularmente ao juiz Administrativo, aprovar, na

98
MOREAU J., n.º 394.
99
Vide, em regra geral, EISENMANN C., Cours de droit administratif, Tomo 1, op. cit., p. 181.
100
CAETANO M., I, n.º 39.

32
prática, decisões de princípio, por causa de necessidade. É nestas decisões
que pode-se procurar um determinado número de regras fundamentais do
Direito Administrativo, quer o juiz interprete a lei, quer ele intervenha nos
domínios em que não haja lei.

Todavia, se do ponto de vista teórico, pode-se considerar que o juiz tem


um poder normativo, o seu papel no processo geral de produção do direito
numa ordem jurídica é diferente segundo o Estado considerado.

Em França, e isso foi claramente apresentado por Marcello


CAETANO101, a jurisprudência do mais alto tribunal administrativo — o
Conselho de Estado — desempenhou na evolução deste ramo de Direito um
papel importantíssimo, comparável com propriedade dos pretores romanos.

O Direito Administrativo, em França, no século passado, mal se definira


ainda, as leis eram incompletas, os diversos institutos estavam imperfeitamente
delineados, a cada caso se recorria ao Direito privado, e o progresso técnico
fez surgir novas modalidades de actuação administrativa: o Conselho de
Estado francês foi, pouco a pouco, criando novas vias de recurso, construindo
novas teorias, reivindicando novos capítulos para o Direito público definindo
critérios de administração — e assim se tornou o obreiro principal da ciência do
Direito Administrativo102. Mas, como escreve ainda Marcello CAETANO, “daí
não se deve concluir que em todos os países e por todo o sempre tal seja o
papel da jurisprudência administrativa”103.

B. Em Moçambique.

Em Moçambique, não é certo que o juiz administrativo terá um papel tão


eminente como em França na produção das regras de direito.

A ordem jurídica administrativa moçambicana é já substancialmente


consistente do ponto de vista das suas fontes escritas (Constituição, leis,
regulamentos administrativos) o que vai necessariamente limitar o papel
inovador do juiz administrativo moçambicano na formação das regras mais
importantes do Direito Administrativo.

Todavia, alguns sectores jurídicos permanecem insuficientemente


explorados pelo direito objectivo e deveriam deixar a oportunidade ao juiz
administrativo para desenvolver plenamente a seu poder normativo; por
exemplo, o regime jurídico da responsabilidade administrativa, dos contratos
administrativos e do património das pessoas colectivas de Direito Público.

SECÇÃO 2. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO.

Bibliografia. CASSAGNE J.C., Los Princípios Generales de Derecho en


el Derecho Administrativo, Bueno Aires, Abeledo - Perrot, Argentina, 1988;
101
CAETANO M., I, n.º 39.
102
103
CAETANO M., I, n.º 39.

33
RIVERO J., Direito Administrativo, Livraria Almedina — Coimbra, 1981, n.º 73 e
seguintes; MODERNE F., Actualité des principes généraux du droit, RFD adm.
14 (3) Maio.-Junho 1998, pp. 495-518; MODERNE F., Légitimité des principes
généraux et théorie du droit, RFD adm. 15 (4) julho.-Agosto 1999, pp. 722-742;
ROUGEVIN-BAVILLE M., DENOIX de SAINT MARC R., LABETOULLE D.,
Leçons de droit administratif, Paris, Ed. Hachette, 1989, p. 75 e seguintes;
MOREAU J., Droit administratif, Paris, PUF, 1989, n.º 396 e seguintes.

§1. A noção de princípios gerais do Direito.

A. Definição.

A existência de “princípios” é implicitamente consagrada pela


Constituição da República quando no seu Artigo 162 214 a Lei fundamental
declara: “Em nenhum caso os tribunais podem aplicar leis ou princípios que
ofendam a Constituição” (o sublinhado é nosso). Isso implica, também
implicitamente que esses princípios são distintos dos que são consagrados
formalmente pela Constituição da República. A Administração Pública
consagrou explicitamente a existência de princípio no corpo mesmo das suas
decisões; po exemplo no Despacho da Ministra do Plano e Finanças
concernente à implementação do disposto no artigo 54 do Decreto n.º 4/2000,
de 17 de Março, o referido despacho consagra explicitamente “o princípio
jurídico de que a lei superveniente não pode retroagir para prejudicar direitos já
adquiridos”104.

De uma maneira mais expressa, o Artigo 14 da Lei n.º 2/97, de 18 de


Fevereiro, precisa: “A autarquia local desenvolve a sua actividade em estreita
obediência à Constituição, aos preceitos legais e regulamentares e aos
princípios gerais de direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam
atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos lhes foram
conferidos” (o sublinhado é nosso).

Define-se os princípios gerais de Direito Administrativo como “as regras


de direito não escritos, tendo valor legislativa e que se impõe ao poder
regulamentar e à autoridade administrativa, até que sejam contraditas por uma
disposição de lei positiva”105.

Essas regras não podem ser consideradas como parte do Direito Público
Costumeiro, porque, “na maior parte dos casos a constatação da sua
existência pelo juiz administrativo é relativamente recente” 106: Em bom rigor,
trata-se de uma obra construtiva da jurisprudencia realizada por motivos
superiores de equidade com finalidade de garantir os direitos e os interesses
legítimos dos particulares.

104
Vide, Despacho publicado no B.R., 4 de Setembro de 2002, I Série – N.º 36.
105
BOUFFANDEAU, Livre jubiliaire du Conseil d’État, in, MOREAU J., n.º 396.
106
BOUFFANDEAU, idem

34
A principal razão do surgimento dos principios gerais do Direito
Administrativo está ligada ao carácter fragmentário do Direito Administrativo
nomeadamente, a ausência de um código administrativo e uma legislação
vigente essencialmente relacionada à organização e acção administrativa 107.
Assim, quando existe uma situação de ausência de diplomas legais capazes de
regulamentar uma determinada situação, cabe ao juiz administrativo aprovar
soluções jurisprudenciais fundamentadas sobre “os princípios tradicionais
escritos ou não escritos que são, de algum modo, inerentes a nosso direito
público e administrativo”108.

Além disso, o desenvolvimento do poder regulamentar independente das


leis109 fundamentam e justificam, hoje em dia em Moçambique, a consagração
de princípios gerais de Direito que permitem servir de base a um controlo de
juridicidade dessa categoria de regulamentos.

B. Modo de elaboração.

Os princípios gerais de Direito Administrativo não são inventados ou


estabelecidos ex nihilo pelo juiz administrativo. Esses princípios, como escreve
Jacques MOREAU, “apenas são revelados (e) proclamados pelo juiz” 110. De
uma maneira geral, o juiz administrativo vai buscar a sua inspiração nas
disposições constitucionais, legislativas particularmente significativas de uma
certa orientação do direito;. O juiz é também sensível às exigências da
consciência jurídica do momento e às do Estado de direito 111.

De um modo igual, as convenções internacionais podem também ser


uma fonte de inspiração pelo juiz.

Todavia, mesmo se a fonte da inspiração do juiz é um texto devidamente


identificado, os princípios gerais do direito não tem com este uma ligação
formal : “eles são precisamente aplicáveis “mesmo na ausência de texto”, o
que significa que não é do texto que eles têm a sua existência e a sua força
obrigatória. Eles são independentes do direito escrito” 112. Assim, os princípios
gerais de Direito são princípios que se aplicam mesmo na ausência de texto.

Todavia, do ponto de vista prático, as regras, os princípios escritos


nomeadamente, os integrados na Constituição da República ou nas Leis são
suficientementes numerosos e diversos para que o juiz administrativo procure

107
A consagração da publicidade como princípio geral do Direito Administrativo na decisão
ENTREPOSTO COMERCIAL DE MOÇAMBIQUE, de 4 de Maio de 1999 (JAM, I, p. ?????)
constitui um exemplo, nesta altura, da falta de legislação geral consagrando este princípio.
108
Edouard LAFERRIÈRE, Traité de la juridiction administrative, in ROUGEVIN-BAVILLE M.,
DENOIX de SAINT MARC R., LABETOULLE D., Leçons de droit administratif, op. cit., p. 77.
Vide também, CASSAGNE J.C., Los Princípios Generales de Derecho en el Derecho
Administrativo, op. cit., p. 8.
109
Vide, ?????????????
110
MOREAU J., n.º 397.
111
Sobre as fontes dos princípios gerais de Direito no sistema jurídico francês, vide,
ROUGEVIN-BAVILLE M., DENOIX de SAINT MARC R., LABETOULLE D., op. cit., p. 80.
112

35
normalmente no direito escrito as normas próprias para exercer o seu controlo
da legalidade da acção da Administração Pública.

Todavia, não se pode afastar o facto de que, de maneira exepcional, o


juiz administrativo consagre na sua jurisprudência uma regra ou um princípio
não ligado a qualquer disposição escrita.

§2. Os diferentes principios gerais do Direito.

A. O princípio de publicidade dos actos administrativos que tem


como consequência extinguir ou diminuir os direitos dos particulares.

É na decisão ENTREPOSTO COMERCIAL DE MOÇAMBIQUE, de 4 de


Maio de 1999113, que a Primeira Secção do Tribunal Administrativo vai
consagrar formalmente como “princípio geral de Direito Administrativo”, a
publicidade dos actos administrativos que tem como consequência extinguir ou
diminuir os direitos dos particulares.

Neste caso concreto, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo


desanexou uma parcela de um talhão concedido na sua totalidade a empresa
ENTREPOSTO COMERCIAL DE MOÇAMBIQUE. Este acto de desanexão foi
objecto de um recurso contencioso de anulação perante o Tribunal
Administrativo.

O juiz administrativo considerando que “a publicidade do acto constitui


um passo indispensável, na medida em que o despacho recorrido tem como
consequência extinguir ou diminuir os direitos da recorrente”, decidiu, não se
vislumbrando “qualquer indício de que a recorrente tivesse sido, em devido
tempo e nos precisos termos em que a lei ordena, notificada do questionado
despacho do Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo”, que “tal
despacho encontra-se totalmente desprovido de eficácia o que tem como
consequência jurídica a sua absoluta inoponibilidade perante terceiros”.

A formalidade da publicidade sendo definida pelo juiz administrativo


como condição de eficácia do acto administrativo, a referida Secção considerou
como princípio geral do Direito Admimistrativo a aplicação dessa condição para
conferir eficácia ao acto em causa. A ausência dessa condição implica a não
produção de efeitos de direito e as consequências que daí decorrem.

B.

SECÇÃO 3. O COSTUME.

Bibliografia. TÉBOUL G., Usages et Coutume dans la jurisprudence


administrative, Paris, LGDJ, 1989; CRETELLA JÚNIOR J., Direito
Administrativo Brasileiro, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2002, n.º 69.
113
JAM, I, p. ?????????????

36
Mesmo se, a priori, nada se opõe, teoricamente, a existência de costume
em materia administrativa, esta permanece problemática.

Uma vez definida a noção de costume (§1), será necessário interrogar-


se sobre o seu valor na ordem jurídica administrativa (§2).

§1. Definição do costume em Direito Administrativo.

A definição do costume em Direito Administrativo (A) não fuge da


definição consagrada na teoria geral do Direito (B).

A. A definição do Costume.

Assim, quando os integrantes da colectividade obedecem,


de maneira constante, a determinada norma jurídica que não se fundamenta
em lei fixada pela escrita, está-se diante do costume.

B. A definição do costume no Direito Administrativo.

No Direito Administrativo, o costume define-se como o “uso ressentido


como juridicamente obrigatório”114 ou como “a norma de carácter geral definida
pelo uso ou prática constantes e sancionada pela coacção em virtude da
convicção comum, partilhada pelos órgãos do Estado, da sua
obrigatoriedade”115.

Não se deve confundir o costume administrativo, propriamente dito, com


as chamadas práticas administrativas ou rotinas administrativas. Ao contrário
do costume, como observa José CRETELLA JÚNIOR, que “brota
espontaneamente do povo, as práticas constituem uma série de usos seguidos
pelos funcionários de determinadas repartições, diante dos casos concretos
que exigem solução imediata, não prevista em lei” 116.

§2. Importância do costume em Direito Administrativo.

Assim definida a questão, fundamental é saber se o costume pode ser


fonte do Direito Administrativo117.

Conforme o ensino de Marcello CAETANO, “nenhuma razão lógica o


impede (que o costume é fonte de Direito), nem sequer o facto de haver
114
FLAMME M.A., Droit Administratif, Tomo I, op. cit., n.º 23.
115
CAETANO M., I, n.º 35.
116
CRETELLA JÚNIOR J., n.º 69.
117
É possível estabelecer uma distinção entre o costume internacional e o costume interno.
Assim, se a existência do costume internacional como fonte do Direito Administrativo não está
contestada, é a sua hierarquização que faz problema. Vide, por exemplo, em direito comparado
(direito francês), C.E. Ass., 6 de Junho de 1997, M. Aquarone, req. N.º 148683, AJDA 1997, p.
630. Neste caso, o Conselho de Estado francês, confirmou implicitamente a aplicabilidade do
Costume Internacional em direito interno, todavia, afirmou que nenhuma disposição
constitucional permitia ao juiz administrativo fazer prevalecer o costume sobre a lei no caso de
conflito entre as duas normas.

37
preceitos legais que pareçam impedir a formação de normas
consuetudinárias”118.

Assim, se a existência do costume em Direito Administrativo não pode


ser teoricamente contestada, deve admitir-se, todavia, que o seu papel é
inteiramente marginal119; só tem um valor supletivo no sentido de que o
costume não pode prevalecer sobre uma fonte escrita.

118
CAETANO M., I, n.º 36.
119
No é o caso no direito dos paízes anglo-saxónicos.

38
TÍTULO II
A HIERARQUIA DAS FONTES DO DIREITO
ADMINISTRATIVO

Bibliografia. CAETANO M., Manual de Direito Administrativo, Vol.I, 10.ª


Ed. (5.ª Re.) Livraria Almedina — 1991, n.º 40 e seguintes ; MOREAU J., Droit
administratif, Paris, PUF, 1989, n.º 402 e seguintes ; ROUGEVIN-BAVILLE M.,
DENOIX de SAINT MARC R., LABETOULLE D., Leçons de droit administratif,
Paris, Ed. Hachette, 1989, p. 19 e seguintes.

Identificadas, as fontes do Direito Administrativo devem ser


hierarquizadas. O problema não é apenas teórico e também muito prático 120.

Classificar e hierarquizar as fontes que regem a vida da Administração


Pública é, em primeiro lugar, uma exigência teórica. Com efeito, face a um
importante complexo de normas jurídico-administrativas, o jurista tem a
necessidade de as coordenar num conjunto global e racional sem esta
operação prévia, este teria muitas dificuldades em entender o próprio Direito
Administrativo em sí121.

Em segundo lugar, do ponto de vista prático, pode-se verificar que no


âmbito do recurso contencioso de anulação coloca-se ao juiz administrativo um
problema de juridicidade.

O juiz é conduzido a confrontar o acto recorrido ao conjunto das regras


de direito que se impunhava à autoridade administrativa, autora do acto, no
momento em que esta tomou-ló. O resultado é muito concreto e implica a
declaração de anulabilidade, nulidade ou inexistência do acto recorrido no caso
em que existe uma desconformidade deste acto em relações às normas
superiores.

Assim, como escreve Jacques MOREAU: “permanece certo que a


sujeição da Administração ao direito implica necessariamente uma hierárquia
das regras e das normas”122.

A análise das relações internas entre normas jurídico-administrativas


deve, também, situar-se no âmbito mais geral das fontes do Direito
Administrativo. As normas jurídico-administrativas constituem apenas o grau
inferior da pirámide.

Nesta perspectiva, o princípio é simples : todas as fontes de direito de


grau inferior à Constituiçaõ, às convenções internacionais e às leis ordinárias,
devem respeitar as regras emanadas dessas fontes.

120
MOREAU J., n.º 402.
121
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, Paris, PUF, 2001, p. 169 e seguintes.
122
MOREAU J., n.º 402.

39
Com efeito, no que concerne o Governo, nos termos do número 1 do
Artigo 149 da Constituição da República: “Na sua actuação, o Conselho de
Ministros observa (...) as deliberações da Assembleia da República”.

Do mesmo modo, pode-se interrogar-se sobre a hierarquia entre os


actos normativos do Presidente da República e as leis da Assembleia da
República. Se faz-se um interpretação num sentido material da palavra
“legislativo” no disposto no número 1 do Artigo 133 da Constituição da
República123, pode-se deduzir que o Parlamento sendo “o mais alto órgão
legislativo”, as suas deliberações, em forma de lei, prevalecerão sobre os actos
normativos do Presidente da República.

No caso contrário, o Tribunal Administrativo não aplicará (Artigo 162 da


Constituição da República; Artigo 6 da Lei n.º 5/92, de 6 de Maio) 124, o decreto
regulamentar contrário à lei porque ofenda a própria hierarquia instituída pela
Constituição da República.

A doutrina administrativista, no seu conjunto, adoptou a critério orgânico


como modo de classificação das fontes do Direito Administrativo (CAPÍTULO I).
Todavia, em alguns casos, a sua aplicação demonstra-se insuficiente ou
inadequada para hierarquizar algumas fontes e necessita de correcções
(CAPÍTULO II).

123
Número 1 do Artigo 133 da Constituição da República : « A Assembleia da República é o
mais alto órgão legislativo na República de Moçambique ».
124
No que diz respeito ao controlo da constitucionalidade e legalidade dos decretos
regulamentares, cabe ao Conselho Constitucional "a) apreciar e declarar a
inconstitucionalidade e a ilegalidade dos actos legislativos e normativos dos órgãos do Estado"
(número 1 do Artigo 181 da Constituição da República)

40
CAPÍTULO I. A HIERARQUIZAÇÃO ORGÂNICA COMO
PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS FONTES

Depois da apresentação do conteúdo do critério orgânico como princípio


organizativo da hierarquia das fontes do Direito Administrativo (SECÇÃO 1),
será necessário aplicá-lo no direito positivo (SECÇÃO 2).

SECÇÃO 1. A HIERARQUIA COM BASE ORGÂNICA.

O critério orgánico permite classificar as diversas fontes do Direito


Administrativo em função do autor da norma jurídico-administrativa. Pela
maioria dos autores, este critério possui a vantagem de determinar, de forma
clara, o valor respectivo das diferentes fontes125.

A ideia fundamental, já conceptualizada no século XIX, em França, por


Raymond CARRÉ DE MALBERG126 e de que a diferença de poder entre as
autoridades do Estado implica uma diferença de poder entre os seus actos.
Assim, “a hierárquia dos órgãos comanda a hierárquia das regras de direito” 127
128
.

SECÇÃO 2. OS PRINCÍPIOS PRÁTICOS DA APLICAÇÃO


DO PRINCÍPIO.

Quando na Administração Pública existe uma sobreposição de


autoridades administrativas, o critério orgânico comanda a hierárquia das
normas jurídicas correspondantes. Este princípio é ainda válido no caso em
que o acto praticado tem um carácter individual; como ensina Prosper WEIL:
“entre dois actos da mesma natureza (regulamentar ou individual), o que for
tomado por uma autoridade subordinada está sempre vinculado à decisão
tomada pela autoridade superior”129.

Assim, a sobreposição dos órgãos implica a hierarquia das fontes


correspondentes. O referido princípio de hierarquização pode ser apresentado
da seguinte forma no que diz respeito as estruturas da Administração directa
do Estado:

125
MOREAU J., p. 524.
126
MOREAU J., n.º 404.
127
MOREAU J., idem
128
O referido princípio não deve ser confundido com as concepções normativistas de Hans
KELSEN (vide, MOREAU J., idem).
129
WEIL P., O Direito Administrativo, op. cit., p. 120.

41
ÓRGÃOS FONTES DE DIREITO
OBJECTIVO e
SUJECTIVO
Presidente da Decreto - Despacho
República
Primeiro Ministro Diploma - Despacho
Ministros Diploma inter-ministerial
Diploma ministerial130 -
despacho ministerial
Governador Provincial Acto administrativo
Administrador Distrital Acto administrativo
Chefe de Localidade

Assim, o valor específico dos actos da Administração Pública é função


da posição do seu autor na hierarquia administrativa.

Todavia, a simplicidade do critério orgânico não deve fazer esquecer a


complexidade do direito positivo e as necessárias de corrigir algumas
insuficiências.

130
Deve-se tomar em conta ainda os diplomas interministeriais ; aqueles diplomas são
hierarquicamente superiores ao simples diplomas ministeriais.

42
CAPÍTULO II. AS CORRECÇÕES AO CRITÉRIO
ORGÂNICO DE HIERARQUIZAÇÃO DAS FONTES

O critério orgânico, mesmo se permite explicar o direito positivo no seu


conjunto, não permite explicar tudo o direito positivo. Existe algumas situações
nas quais o referido critério parece insuficiente para dar uma resposta
satisfatória em alguns casos concretos. Assim, é necessário de introduzir
correctivos ao referido princípio para dar respostas coerentes e racionais às
referidas situações derrogatórias.

Principalmente, outros critérios subsidiários, processuais ou materiais


devem ser aplicados para procurar uma solução coerente e estabelecer uma
hierarquia racional nos seguintes casos:

- entre actos aprovados pela mesma autoridade administrativa


(SECÇÃO 1);

- entre os princípios gerais de Direito e as restantes fontes do Direito


Administrativo (SECÇÃO 2);

- entre as convenções internacionais e as normas supradecretais


(SECÇÃO 3).

SECÇÃO 1. A HIERARQUIA ENTRE OS ACTOS


JURÍDICOS APROVADOS PELA MESMA AUTORIDADE
ADMINISTRATIVA.

O uso do critério orgânico para estabelecer uma hierarquia é


manifestamente insuficiente para dar uma explicação racional na situação onde
os actos emanam do mesmo autor. Com efeito, por hipótese, o critério orgânico
é inoperante e não permite efectuar uma classificação convincente sobre o seu
fundamento. Neste caso, é preciso recorrer a outros critérios para estabelecer
uma hierarquia entre eles.

Trata-se do critério material (A) e temporal (B)131.

A. O critério material.

a) O uso do critério material entre actos de natureza distinta.

131
Algumas ordens jurídicas usam também o critério processual, isto é, «  enre dois actos da
mesma natureza emanados da mesma autoridade, o acto menos solene deve respeitar as
disposições contidas no que revestiu formas mais solenes », WEIL P., O Direito Administrativo,
op. cit., p. 120.

43
O critério material tem uma importância decisiva para elaborar um
princípio de hierarquia nas relações entre regulamento administrativo e acto
administrativo. O referido critério é chamado material porque o princípio da
hierquização é fundamentado no conteúdo dos actos em causa. É esse
conteúdo que determina o valor jurídico dos respectivos actos.

No caso em que, uma autoridade administrativa aprovou uma


regulamentação geral (por exemplo, um Decreto do Conselho de Ministros
regulamento o sector da aviação civil em Moçambique), a mesma autoridade
não pode derrogar a esta regulamentação geral através de uma decisão
administrativa individual tipo acto administrativo.

Por exemplo, se o acesso ao transporte aéreo de passageiros é sujeito a


concessão de uma licença cuja regulamentação geral impõe a reunião de 5
requisitos (por exemplo, a nacionalidde moçambicana, a vistoria actualizada do
avião, uma caução bancária de 50. 000 000 MT, um seguro pelos passegeiros
e um piloto experimentado), a mesma autoridade não pode, através de uma
decisão individual conceder a licença baseando-se a sua decisão apenas sobre
o preenchimento de 1 requisito (por exemplo, um piloto experimentado).

Este princípio de hierarquização está inspirado pela seguranza jurídica e


o respeito do princípio de igualdade 132; como escreve Prosper WEIL: “nenhuma
autoridade administrativa pode derrogar, por um acto individual, uma regra
geral estabelecida pela autoridade administrativa competente: é certo que esa
pode alterar o seu regulamento pelas formas requeridas, mas não pode
derrogá-lo enquanto estiver em vigor. Esta subordinação do acto individual è
regra geral constitui uma garantia fundamental de segurança para os
administrados”133. Assim, nos termos da máxima Tu patere legem quem
fecisti134, o autor de uma norma jurídico-administrativa de carácter geral não
pode derrogar, por uma decisão individual, ao referido diploma de carácter
regulamentar, que ele próprio aprovou.

b) O uso do critério material entre actos de mesma natureza.

O critério material pode ser usado em situações onde encontram-se em


relação duas normas de natureza idêntica.

Pode-se pensar, por exemplo, num potencial conflito entre dois decretos
do Conselho de Ministros que têm ambos um carácter regulamentar.

Por exemplo, um decreto do Conselho de Ministros determina as regras


gerais de criação e exploração dos parques e reservas em Moçambique e um
outro, mais recente, determina, em particular, as regras de funcionamneto de
uma reserva em particular, por exemplo, a Reserva do GORONGOZA.

132
MOREAU J., n.º 407.
133
WEIL P., op. cit., pp. 119-120.
134
ZALMA G., Patere regulam quam fecisti ou l’autorité administrative liée par ses propres
actes unilatéraux, RDP, 1980, p. 1099 e seguintes.

44
Neste caso, o que é importante é de comparar o objecto dos dois
regulamentos.

O primeiro tem por objecto fixar um procedimento pela criação e


exploração dos parques e reservas, de um modo geral, em Moçambique,
enquanto que, o segundo, tem um objecto diferente, que é de delimitar as
regras efectivamente aplicáveis a uma reserva determinada a do
GORONGOZA.

O segundo regulamento não tive por objecto modificar ou alterar o


procedimento estabelecido pelo primeiro regulamento. Ele o podia fazer
expressamente, mas pode-se supôr que não foi o caso.

Neste caso, a aplicação do critério material baseado no conteúdo dos


actos em causa permite, em primeiro lugar, manter na sua integra o conteúdo
das disposições do Decreto mais antigo, e por um lado, aplicar as possíveis
derrogações a este estabelecidas pelo segundo Decreto mais recente.

B. O critério temporal.

Por exemplo, num conflito entre dois decretos regulamentares do


Conselho de Ministros que incidem sobre a mesma matéria. O princípio de
solução neste caso é a aplicação do decreto mais recente.

O regulamento administrativo revoga os regulamentos anteriores que lhe


são contrários mesmo nos casos em que ele não o diz expressamente. Sem
revogar um regulamento anterior, um regulamento pode também derrogar
durante um período dado, numa zona dada, ou mesmo por uma operação
determinada do momento em que ele se apresenta como um diploma
regulamentar derogatório.

Portanto, entre dois decretos regulamentares de mesma natureza, é o


segundo que vai se aplicar porque é o mais recente (Lex posterior derogat
priori).

Mas pode acontecer situações em que a aplicação do regulamento mais


recente não é forçosamente o mais adequado.

SECÇÃO 2. A HIERARQUIA DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE


DIREITO.

SECÇÃO 3. O LUGAR DAS CONVENÇÕES


INTERNACIONAIS DENTRO DAS FONTES SUPRADECRETAIS.

45
Bibliografia. DIMANDE A.F.C, Os tratados internacionais na ordem
jurídica moçambicana, Trabalho de fim de curso, Faculdade de Direito, UEM,
Agosto de 1993; PAULINO A.R., Regime jurídico da recepção das convenções
internacionais no ordenamento moçambicano, Trabalho de fim de Curso,
Faculdade de Direito, UEM, Abril de 1997; GONIDEC P.F., Droit international et
Droit interne en Afrique, Rec. Pénant, n.º 822, 1996, pp. 241-257.

Depois da apresentação das teorias moçambicanas relativas a esta


questão (§1), propôr-se-à um princípio de hierarquia (§2).

§1. As teorias moçambicanas.

Duas teorias, ou melhor, duas aproximações foram defendidas


relativamente a esta questão : a do Dr. Armando César DIMANDE (A) e a do
Dr. Augusto Raúl PAULINO (B).

A. A tese do Dr. DIMANDE.

No seu trabalho de fim de curso, defendido em Agosto 1993, na parte


consagrada a “EFÍCACIA DOS TRATADOS NA ORDEM INTERNA” 135, depois
uma apresentação da doutrina nesta matéria — por outras palavras, “a eficácia
dos tratados internacionais na ordem jurídica dos Estados pode ser supra-
constitucional, pode ser constitucional ou infra-constitucional” 136 —, este autor
organiza a sua demonstração à volta de três argumentos para demonstrar que
“os tratados internacionais devidamente ratificados e publicados, têm em
Moçambique, força de lei ordinária”137.

O primeiro argumento é utilizado afim de demonstrar o carácter infra-


constitucional do tratado internacional. O artigo 206 da Constitução da
República de Moçambique estabelece que “As normas constitucionais
prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico”.

Desta disposição resulta claro, pelo autor, que “entre nós vigora o
sistema de recepção infra-constitucional dos tratados internacionais o que
significa que a Constituição da República representa o fundamento de toda a
ordem jurídica interna e, por isso, não há prevalência nem equivalência de
outra fonte, mesmo tratando-se de uma fonte internacional, sobre a lei
constitucional”138.

O segundo argumento visa tentar fundamentar a hipótese segundo a


qual, os tratados ocuparam uma posição idêntica ou de mesmo nível que à lei
ordinária. A sua fundamentação é baseada sobre o parecer de João LEITÃO
de ABREU citado por José Francisco REZEK no seu “Direito dos Tratados” 139.

135
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 20 e seguintes; Rev. Jur., p. 83 e seguintes.
136
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 21; Rev. Jur., p. 84.
137
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 24; Rev. Jur., p. 87.
138
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 22; Rev. Jur., p. 85.
139
1.ª Ed. Rio de Janeiro, 1984, p. 469 e seguintes.

46
Com efeito, segundo este autor, "não figurando no direito positivo uma
disposição que atribua ao judiciário competência seja para negar a aplicação
das leis que contradigam tratados internacionais, seja para anular, no mesmo
caso, tais leis a consequência é que os tribunais são obrigados, na falta de
título jurídico para proceder de outro modo, a aplicar as leis incriminadas de
incompatibilidade com o tratado".

Porém, isto não significa que a lei posterior ao tratado e com ele
incompatível reveste, eficácia revogatória deste, aplicando-se, assim, para
dirimir o conflito, o princípio lex posterior derogat priori, visto que os tratados
possuem forma própria de revogação.

O que acontece é de que embora não revogado pela lei que o


contradiga, a incidência das normas jurídicas constantes do tratado é obstada
pela aplicação, que os tribunais são obrigados a fazer, das normas legais em
conflito com aqueles. Logo, a lei posterior, em tal caso, não revoga, em sentido
técnico, o tratado, mas afasta-lhe a aplicação.

A diferença está em que, se a lei revogasse o tratado, este não voltaria a


aplicar-se, na parte revogada, pela revogação pura e simples da lei dita
revogatória. Mas como a lei não o revoga, mas simplesmente o afasta
enquanto em vigor, as normas do tratado com ela incompatíveis, voltará ele a
aplicar-se se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele
consubstanciadas. Por outras palavras revogada a lei posterior ao tratado
verifica-se a figura da repristinação140.

Desde modo, “a consequência da violação do tratado pela legislação do


Estado que o celebrou e ratificou é de direito interno é obrigatória para a
Justiça a aplicação da norma interna editada posteriormente à ratificação do
tratado”141.

O terceiro argumento é de natureza analógica. O autor, analisando o


conteúdo de algumas convenções internacionais 142 conclui : “Quanto a nós,
estas duas Convenções contêm matéria de lei ordinária pois que as normas
nelas contidas são equiparáveis em termos de eficácia àquelas contidas no
Cod. de Proc. Civil e no Cod. de Proc. Penal. Donde concluímos que em
Moçambique os tratados internacionais valem como lei ordinária e nesta
qualidade devem ser aplicados pelos tribunais com a mesma eficácia da do
direito interno”143.

Todavia, o Dr. DIMANDE fica extremamente prudente declarando: "Não


obstante o silêncio da Constituição em vigor, julgamos ser este o sistema
adoptado por Moçambique"144.

140
DIMANDE A.F.C., Rev. Jur., p. 87.
141
REZEK J.R., Direito dos Tratados, op. cit., pp. 470 e 473.
142
Trata-se da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes e o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre
Moçambique e Portugal.
143
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 24; Rev. Jur., p. 87.
144
Rev. Jur., p. 87.

47
B. A tese do Dr. PAULINO.

O trabalho de fim de curso apresentado pelo Dr. PAULINO, em Abril de


1997, tem uma aproximação diferente no sentido de que a sua dissertação
“reflecte a polémica ainda actual no domínio do Direito Internacional Público, a
relação entre este e o direito interno” e que a sua posição é afirmada neste
quadro: “Este trabalho, acolhe a doutrina monista com primado do direito
internacional, posiciona as convenções internacionais, consoante a sua
natureza, em supra ou infra-constitucionais, bem como sustenta a recepção
semi-plena do direito internacional convencional. E mais, chama atenção sobre
as medidas que o legislador ordinário deva adoptar para a execução das
disposições convencionais”145.

É na parte do seu trabalho consagrado à “POSIÇÃO DAS


CONVENÇÕES NA ORDEM JURÍDICA MOÇAMBICANA”146 que o autor
apresenta a sua tese nesta matéria : “Neste número pretendo examinar a
posição que as convenções internacionais tomam face à legislação doméstica
ordinária”147.

É a través da análise de algumas convenções internacionais que o autor


sustenta a sua tese (mas particularmente as Cartas das Nações Unidas e da
Organização da Unidade Africana, as convenções sobre os direito do Homem,
as restantes convenções e as particularidades das convenções da Organização
Internacional do Trabalho).

No que concerne à primeira categoria de convenções — Cartas das


Nações Unidas e da Organização da Unidade Africana — o autor chega a
conclusão de que “a construção material das cartas constitutivas das NU e da
OUA, confere uma hierarquia supra-constitucional, uma vez que não pode
haver Estado membro que, enquanto tal, possa não conformar a sua
constituição aos princípios plasmados naquelas cartas, dado serem princípios
constitucionais limitativos do ius imperii dos membros - Cfr. Artigo 2º, n.º 6 e 7,
103 da Carta das Nações Unidas. Creio ser este o ideal que norteou o
legislador constituinte na fixação do texto do artigo 62/2 CRM” 148.

No que concerne às convenções internacionais sobre os direitos do


Homem, o autor considera que “as convenções sobre os direitos Humanos se
mostram infra-constitucionais, mas supra-legais”149.

Para afirmar a sua tese, o autor basea-se na sua argumentação


principalmente sobre uma interpretação dos artigos 181 n.º 1 alínea a) da
Constituição e 162 da Constituição : “Resulta, pois que os actos que possam

145
PAULINO A.R., Regime jurídico da recepção das convenções internacionais no
ordenamento moçambicano, Trabalho de fim de Curso, Faculdade de Direito, UEM, Abril de
1997, p. 1.
146
PAULINO A.R., op. cit., p. 14 e seguintes.
147
PAULINO A.R., op. cit., p. 14.
148
PAULINO A.R., op. cit., p. 15.
149
PAULINO A.R., op. cit., p. 17.

48
ser praticados no âmbito da observância dos termos convencionais ficam
condicionados ao respeito da Constituição”150.

Finalmente, no concernente às restantes convenções e às da


Organização Internacional do Trabalho, o autor defende a tese segundo a qual
as restantes convenções têm “uma posição supra-legal mas infra-
constitucional”151. O autor basea a sua argumentação sobre o Artigo 27 da
Convenção de Viena sobre o direito dos tratados que estabelece o princípio de
nenhuma parte contratante poder alegar o seu direito interno para justificar a
não execução de um tratado.

§2. Princípio de hierarquia.

Articular-se-à, o nosso desenvolvimento, ao torno da Lei fundamental


perguntando-se se as convenções internacionais são supra-constitucionais (A).
No caso contrário — grau infra-constitucionais —, será necessário interrogar-se
sobre a questão do seu lugar em relação às leis ordinárias (B).

Deve-se reconhecer a dificuldade do exercício por várias razões.

Em primeiro lugar, a ausência de uma política clara por parte dos órgãos
directamente implicados ou directamente interessados neste processo ou de
decisões governamentais nesta matéria152; relativiza fortemente as conclusões
dos referidos autores. No domínio da repartição das matérias entre o que deve
ser do domínio do tratado e o que deve ser do domínio dos acordos
internacionais vê-se que “na prática legislativa moçambicana não esteja bem
delineado o critério adoptado visto que encontramos acordos que pela
natureza das matérias que versam deviam ser considerados tratados” 153.

Pois é, sobretudo questões de oportunidade — sem uma concertação


institucionalizada — que parecem guiar os órgãos de soberania em causa mais
que uma lógica jurídica.

Existe também, em segundo lugar, do ponto de vista metodológico, duas


tentações a evitar.

A primeira é de projectar as regras e princípios de hierarquia


estabelecidos no Direito Internacional Público na ordem jurídica interna - é a
tendência do Dr. PAULINO.

A segunda, é a transposição de preceitos ou experiências de sistemas


jurídicos estrangeiros na ordem jurídica moçambicana que não tem
forçosamente a mesma estrutura e dinâmica - é a tendência do Dr. DIMANDE.

A. São supra-constitucionais as convenções internacionais?


150
PAULINO A.R., op. cit., p. 17.
151
PAULINO A.R., op. cit., p. 17.
152
DIMANDE A.F.C., Rev. Jur., p. 87 ("Não exista entre nós", escreve o autor, "pelo menos a nível do
Tribunal Supremo e do Tribunal da Cidade de Maputo, qualquer experiência de aplicação de tratados...
".
153
DIMANDE A.F.C., op. cit, p. 6.

49
Há pelo menos duas objecções a dar uma resposta positiva a esta
questão. A primeira tem um fundamento jurídico (a); a segunda é meramente
de mérito e de oportunidade (b).

a) O Artigo 206 da Constituição da República.

Em direito interno, a hierarquia das normas é estabelecida pela


Constituição da República. Por outras palavras, é a ordem jurídica
moçambicana que estabelece a hierarquia das suas próprias fontes de direito e
não a ordem jurídica internacional. Isto não quer dizer que não há relações
entre as duas ordens jurídicas.

O Artigo 206 da Constituição da República precisa: “As normas


constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento
jurídico”. Daí podemos fazer nossas as conclusões do Dr. DIMANDE sobre
este ponto segundo as quais : “a Constituição da República representa o
fundamento de toda a ordem jurídica interna e, por isso, não há prevalência
nem equivalência de outra fonte, mesmo tratando-se de uma fonte
internacional, sobre a lei constitucional”154.

Acrescentar-se-à, todavia, algumas observações.

Em primeiro lugar, o texto constitucional não prevê nenhuma


discriminação entre as normas, pelo contrário, utiliza os termos “todas as
restantes normas” segundo o princípio geral de interpretação Ubi lex non
distinguit, nec non distinguere debemus, pode-se deduzir que são todas as
outras normas do ordenamento jurídico que são abrangidas, isto é, as normas
de uma natureza convencional — as convenções internacionais fazem parte
integrante da ordem jurídica nacional, mas como actos de carácter
internacional e "contratual" —, qualquer que seja o tipo de convenções. Se o
constituinte moçambicano teve a intenção de instituir um regime derrogatório
por algumas convenções internacionais parece seguro que ele podia fazer e
instituí-lo; mas ele não fez porque ele queria consagrar a Constituição como Lei
Fundamental.

Em segundo lugar, no seu trabalho de fim de curso o Dr. PAULINO não


menciona em nenhum momento o Artigo 206 da Constituição da República.
Como pode analisar-se a posição das convenções internacionais na ordem
jurídica moçambicana sem se analisar o conteúdo e o regime jurídico do Artigo
206 da Constituição? Sobre este aspecto a demonstração do Dr. PAULINO
está fraca.

Em terceiro lugar, como deduzir como o faz o Dr, PAULINO que do


Artigo 103 da Carta das Nações Unidas — “No caso de conflito entre as
obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e
as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão
as obrigações assumidas da presente Carta” —, que a Carta das Nações
Unidas tem uma hierarquia supraconstitucional?
154
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 22.

50
A situação que parece abranger esta disposição concerne unicamente
uma contradição entre duas convenções internacionais e não um conflito entre
a Carta e uma Constituição nacional. Também, do ponto de vista histórico
como imaginar que na altura das negociações da carta, as super-potências
puderam pensar instituir uma Carta na qual as disposições poderiam impôr-se
a essas super-potências?

Em quarto lugar, compete ao Conselho Constitucional, nos termos da


alínea a) do número 1 do Artigo 181 da Constituição : “apreciar e declarar a
inconstitucionalidade e a ilegalidade dos actos legislativos e normativos dos
órgãos do Estado”, o que quer dizer que, no caso em que, uma convenção
internacional contém uma cláusula contrária à Constituição, a resolução que a
ratifica é, ela própria, contrária à Constituição da República. A primazia é em
favor da Constituição e não da convenção internacional.

Em quinto lugar, do ponto de visto da competência do juiz administrativo,


se ele tem o poder de não "aplicar leis ou princípios que ofendam a
Constituição" (Artigo 162 da Constituição da República); pelo contrário, ele não
tem o poder de não aplicar uma disposição constitucional que ofenda ou
ofendaria uma convenção internacional. Aquí também, a primazia é em favor
da Constituição e não da convenção internacional.

A Constituição da República representa, pois, a fonte a mais elevada na


hierarquia das fontes do Direito Administrativo, porque é ela que funda a
competência de todas as autoridades públicas e porque, também, ela colaca os
princípios fundamentais da ordem jurídica que devem governar a sua acção. O
Artigo 206 da Constituição da República institui formalmente esta primazia.

b) A preservação da coerência da ordem jurídica.

O segundo argumento é meramente de mérito ou de oportunidade. O


crescimento da importância das fontes escritais internacionais na ordem
jurídica interna provoca uma «desnacionalização» progressiva das suas fontes
internas originárias (sobretudo em relação à Lei). A consequência grave que
pode acontecer é a perda de coerência e de eficaz do sistema jurídico interno.

Por outras palavras, um sistema jurídico que é fundamentalmente


baseado no direito romano-germânico, como o é o sistema jurídico
moçambicano, é que integra figuras de origens distintas, importadas de
sistemas jurídicos fundamentalmente diferentes, que se afastam desta
concepção, podem provocar danos "dificilmentes reparáveis" em termos de
harmonia, estabilidade e dinâmica do próprio sistema.

Como, por exemplo, integrar figuras provenientes do direito anglo-


saxónico no Código Civil? ou figuras de um sistema que não conhece o regime
administrativo num país com regime administrativo como o de Moçambique?

É toda a arquitectura do sistema que está em causa. A sujeição de todas


normas às normas constitucionais permite manter a coerência mínima de um

51
sistema jurídico fazendo prevalecer um conjunto de regras e princípios que um
Estado soberano entende fazer respeitar como representativos dos seus
interesses vitais, as suas tradições nacionais as mais profundas sobre o plano
moral, ético, filosófico, jurídico e económico, isto é, o pacto social.

B. São supra-legislativas as convenções internacionais?

Vê-se anteriormente, que o Dr. DIMANDE defendia a posição de que “os


tratados uma vez ratificados tornam-se, a nível interno, leis ordinárias que
devem ser obedecidas como as que emanam do poder legislativo no exercício
das suas funções normais. Neste sistema o efeito da recepção dos tratados no
quadro do direito interno é de dar força de lei às disposições do tratado, e,
consequentemente, estes passam a valer como lei e nesta qualidade são
aplicados pelos tribunais, da mesma maneira, na mesma extensão e com a
mesma obrigatoriedade próprias à aplicação do direito interno” 155.

Convém fazer uma distinção entre a convenção internacional e o acto


que ratifica esta convenção. O acto que ratifica a convenção — a «resolução»
na prática moçambicana —, não tem por efeito, como pensa o Dr. DIMANDE,
transformar a convenção internacional em lei ordinária.

A convenção internacional é e permanece uma fonte de direito


autónomo e ela produz os seus efeitos conforme a sua natureza convencional.
Por outras palavras, a ratificação sob a forma de resolução não desnatura a
substância do acto convencional internacional sujeito à ratificação. A resultante
é de que a produção dos efeitos e a interpretação das convenções
internacionais permanecem reguladas, mesmo na ordem interna, pelas normas
do direito internacional; como escreve Pierre PESCATORE: “É um erro
pretender, como se faz muitas vezes, que o tratado seja transformado em lei,
ou que ele receba “força de lei” pelo efeito da ratificação. Pelo contrário, o
tratado fica, permanece um acto contratual tanto para a sua interpretação
como para os seus efeitos. O tratado deve ser interpretado à luz das
concepções jurídicas que são as de todas as partes, enquanto a lei interpreta-
se exclusivamente em função das concepções jurídicas nacionais.
Relativamente aos efeitos, as obrigações que emanam de um tratado são
susceptíveis de ser limitadas, suspensas ou mesmo aniquiladas pela
inexecução da outra parte enquanto a lei aplica-se invariavelmente, não
obstante as suas violações»156.

A partir do momento em que a resolução que ratifica a convenção


internacional não foi o objecto de um controlo de constitucionalidade, ela é
presumida conforme à Constituição da República e a partir deste momento o
Estado moçambicano deve cumprir todas as suas obrigações relacionadas ao
conteúdo da convenção internacional.

Na ordem jurídica internacional, os seus efeitos permanecem regulados


pelas normas do direito internacional, e, mais particularmente, pelas normas

155
DIMANDE A.F.C., op. cit., p. 23.
156
PESCATORE P., Introduction à la science du droit, Centre Universitaire de l’Etat,
Luxemburgo, 1960, n.º 88.

52
codificadas pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados 157. Por um
lado, no seu Artigo 27, a Convenção de Viena estabelece o princípio de
nenhuma parte contratante poder alegar o seu direito interno para justificar a
não execução de um tratado; por outro lado, o artigo 46 da mesma, estabelece
a responsabilidade internacional do Estado face a os seus actos e omissões
decorrentes das convenções internacionais. Podemos assim reter sobre este
ponto as conclusões do Dr. Paulino, «é prova evidente da superioridade do
direito internacional convencional sobre o municipal» 158.

Na ordem jurídica interna moçambicana, a questão não é nitída. A única


disposição constitucional que pode dar alguns princípios de soluções nesta
matéria, enquanto que merece de ser interpretada de forma constuitiva, é a do
núnero 2 do Artigo 62 da Constituição da República.

Nos termos desta disposição constitucional, “A República de


Moçambique aceita, observa e aplica os princípios da Carta da Organização
das Nações Unidas e da Carta da Organização da Unidade Africana”.

Com efeito, a Constituição da República afirma que “A República de


Moçambique aceita, observa e aplica ...”. Isto significa que todas as normas de
grau infraconstitucionais devem “observar” e “aplicar” os tratados internacionais
referidos no número 2 do Artigo 62 da Constituição da República no que diz
respeito aos princípios neles consagrados. Por exemplo, os princípios
consagrados no Artigo 2 da Carta das Nações Unidas (princípio da igualdade
soberana do todos os seus membros, princípio de resolução das controvérsias
internacionais por meios pacíficos, etc...) 159. Já afirmar isso é consagrar um
princípio de hierarquização a favor dos princípios como normas internacionais
em relação às normas infraconstitucionais não convencionais. Por exemplo, o
número 2 da Carta das Nações Unidas precisa que “Os membros da
Organização, a fim de assegurarem a todos em geral os direitos e vantagens
resultantes da sua qualidade de membros, deverão cumprir de boa fé as
obrigações por eles assumidas em conformidade com a presente carta”.

Por outras palavras, isto significa que a República de Moçambique não


pode praticar actos contrários às obrigações assumidades em conformidade
com a Carta das Nações Unidas. As obrigações assumidas prevalecem sobre
as normas não constitucionais praticadas pelos órgãos de soberania da
República.

Do mesmo modo, nos termos do número 1 do Artigo 94 da referida


Carta: “Cada membro das Nações Unidas compromete-se a conformar-se com
a decisão do Tribunal Internacional de Justiça em qualquer caso em que for
parte”. Olhando para o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça 160, e mais
157
Resolução n.º 22/2000 : Concernente a adesão da República de Moçambique à Convenção
de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 13 de Maiuo de 1969, cujo texto em inglês e sua
tradução portuguesa, vão em anexo à presente resolução, B.R., 19 de Setembro de 2000, 2.º
Suplemento, I Série – N.º 37.
158
PAULINO A.R., op. cit., p. 23.
159
Vide, ROMANO MARTINEZ P., Textos de Direito Internacional Público, Livraria Almedina,
Coimbra – 1993, p. 61 e seguintes.
160
Vide, ROMANO MARTINEZ P., op. cit., p. 95 e seguintes.

53
particularmente para o número 1 do Artigo 38, pode verificar-se que “O
Tribunal, cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as
controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a) As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que


estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) O costume internacional, como prova de uma prática geral aceito
como direito;
c) Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) Com ressalva das disposições do Artigo 59, as decisões judiciais e a
doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio
auxiliiar para a determinação das regras de direito”.

Como interpretar esta disposição convencional senão como sujeitando


Moçambique a aplicação do Direito Internacional a partir do momento em que
Moçambique tem a obrigação de respeitar e conformar-se a uma decisão do
Tribunal Intenacional de Justiça fundamentada no Direito Internacional.

Assim, a tese segunda a qual as convenções internacionais têm um


carácter infra-constitucional mas supra-legislativo na ordem jurídica
moçambicana tem fundamentos sérios.

Outro índice que não se deve negligenciar e de que em alguns exemplos


é o próprio legislador que consagra a superioridadedo Direito Internacional
sobre o direito interno. Por exemplo, o Artigo 76 da Lei n.º 4/2001, de 27 de
Fevereiro161, estabelece que: “Em caso de conflito entre as disposições da
presente lei e as de qualquer tratado internacional de que a República de
Moçambique venha a ser parte, as disposições do tratado internacional são
aplicáveis, desde que tenham sido acolhidas na ordem jurídica interna e
prevejam melhor tratamento para o autor, produtor, intérprete ou executante
que o consagrado na presente Lei”.

Em todos os casos, o juiz interno deveria esforçar-se conciliar os dois


princípios que se impõem a ele: a primazia do Direito internacional e o respeito
pela Lei162.

O estudo da hierarquia das fontes do Direito Administrativo poderia resumir-se


no estudo da hierarquia das fontes escritas do Direito Administrativo. No que
concerne à hierarquia entre as fontes escritas e as fontes não escritas,
principalmente, jurisprudência e costume, a hierarquia é teoricamente simples :
é a primazia das fontes escritas.

A jurisprudência só pode interpretar ou, no caso de vazio jurídico ou de


lacunas no ordenamento jurídico, suprir as regras de direito escrito. É claro que
com a implementação da função de interpretar, o Tribunal Administrativo pode

161
Lei n.º 4/2001 : Aprova os Direitos de Autor e revoga o Código dos Direitos de Autor
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 980, de 27 de Abril de 1966, B.R., 27 de Fevereiro de 2001,
2.º Suplemento, I Série – N.º 8.
162
QUOC DINH N., DAILLET P., PELLET A., Droit international public, op. cit., n.º 187.

54
criar normas que são do mesmo grau do que o diploma interpretado, e que
prevalecem assim sobre os textos de grau inferior.

Em definitivo, “podemos dizer que o direito escrito é numa situação de


primazia, sob reserva do controlo exercido pelo juiz da conformidade da norma
sujeita ao seu exame à norma de direito escrito de grau superior, e aos
princípios gerais de direito deste mesmo grau” 163. Assim, como escrevem
alguns autores, “O estudo da hierarquia das fontes do direito reduz-se,
finalmente, ao estudo da hierarquia dos textos escritos” 164.

A principal dificuldade da operação de hierarquização é de identificar um


parâmetro objectivo que permite proceder a medida das fontes entre elas e
estabelecer uma hierarquização dessas. A base desta construção pode ser o
Regulamento Administrativo como acto hierarquicamente superior dentro do
conjunto dos actos praticados pela Administração Pública em geral.

Com efeito, as fontes escritas podem ser reagrupados em duas


categorias em relação aos actos jurídicos produzidos pela Administração
Pública e, mais particularmente pelo Poder regulamentar de âmbito nacional,
mais especificadamente, aos que estam mais elevados nessa hierarquia os
decretos aprovados pelo Presidente da República e o Conselho de Ministros.
Por um lado, existe fontes de grau superior ao Decreto Regulamentar — isto é,
um grau supradecretal — e, por outro lado, existe fontes que inclui os Decretos
e as normas jurídico-administrativas de grau inferior — isto é, o grau
regulamentar.

Assim, pode-se distinguir, o caso da hierarquia entre as fontes de grau


supradecretal e as outras fontes de carácter regulamentar (CAPÍTULO I), da
hierarquia entre os próprios Regulamentos Administrativos (CAPÍTULO II).

Todavia, a questão da hierarquia das fontes do Direito Administrativo,


não deve fazer esquecer as estreitas ligações entre essas fontes. A título de
exemplo, poucas leis não precisam de regulamentos de aplicação e no sentido
contrário, poucos regulamentos não têm fontes legislativas ou não têm por
função a aplicação de uma lei.

Finalmente, no que concerne à evolução das fontes, pode-se assistir a


um movimento de nova repartição da importância entre as fontes do Direito
Administrativo. As fontes escritas — que constituem o vector natural das
reformas radicais e rápidas — ganham cada vez maior importância.

163
ROUGEVIN-BAVILLE M., DENOIX de SAINT-MARC R., LABETOULLE D., Leçons de droit
administratif, op. cit., p. 21.
164
ROUGEVIN-BAVILLE M., DENOIX de SAINT-MARC R., LABETOULLE D., idem.

55
56
A distinção entre actos regulamentares e actos administrativos é
fundamental porque ela implica regimes jurídicos diferentes relacionados com a
qualificação escolhida. Por exemplo, a entrada em vigor dos actos
administrativos não obedece as mesmas regras segundo o caso em que os
actos são regulamentares ou administrativos.

Qual é o critério que permite distinguir o acto regulamentar do acto que


não é?

O princípio essencial é de que o acto regulamentar é o que tem um


conteúdo normativo geral e impessoal. O regulamento administrativo fixa
regras de direito objectivo; ele não regulamenta uma situação em particular.

O acto não regulamentar, pelo contrário, é o que incide :

- quer, sobre uma pessoa em particular ();


- quer sobre uma pluralidade de pessoas taxativamente designadas ();
- quer finalmente, sobre uma situação localizada no tempo e no
espaço.

Os decretos aprovados para determinar as regras gerais de aplicação de


uma lei são regulamentares165. Pelo contrário, pode procurar-se um exemplo de
decreto não regulamentares no caso da aprovação dos termos da concessão
do Porto de Nacala ou de Maputo 166.

O princípio de hierarquia é o da subordinação dos actos administrativos


aos actos regulamentares. Esta subordinação é a consequência lógica do facto
de que os regulamentos administratvos têm uma normatividade geral e que os
actos administrativos são relativos às situações particulares. Quando um acto
particular entre em conflito com um acto geral, a segurança jurídica impõe que
privilegia-se o acto geral. Isso implica várias consequências:

1. Em primeiro lugar, uma autoridade administrativa está sujeita aos


regulamentos aprovados por uma autoridade administrativa de grau superior.
Por exemplo, o Governador Provincial não pode desconhecer um decreto do
Conselho de Ministros de natureza regulamentar.

2. Em segundo lugar, uma autoridade administrativa desconhecer, por


uma decisão individual, uma regulamentação cuja ela própria é o autor. Por
outras palavras, o Ministro não pode derrogar ao diploma ministerial de
carácter regulamentar, que ele próprio aprovou por uma decisão individual.
Esta regra traduz-se em latim por a fórmula : Legem patere quam ipse fecisti.

165
166
Decreto n.º 20/2000, de 25 de Julho e Decreto n.º 22/2000, de 25 de Julho, in B.R., 25 de
Julho de 2000, 3.º Suplemento, I Série – N.º 29.

57
3. Em terceiro lugar, a autoridade administrativa superior não pode
derrogar por uma decisão individual à regra normativa geral instituída por uma
autoridade subalterna.

SECÇÃO 1. A HIERARQUIA ENTRE AS FONTES


ADMINISTATIVAS OS REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS DE
GRAU DIFERENTE.

§1. O decreto.

O decreto é o acto regulamentar de « direito comum » que está no grau


mais elevado na hierarquia dos regulamentos administrativos. O decreto
regulamentar define-se como o acto praticado pelo Presidente da República ou
pelo Conselho de Ministros em virtude dos artigos 131 e 157 da Constituição
da República, isto é, no exercício do poder regulamentar.

Não pode e não se deve falar, em direito, de decretos ministeriais.

As diferentes categorias de decretos do Conselho de Ministros podem


definir-se pelo seu fundamento jurídico : é a diferença entre os decretos
independentes (Artigo 157 da Constituição da República) e os decretos de
aplicação das leis.

Uma outra diferenciação possível é a distinção entre os decretos do


Conselho de Ministros e os decretos do Presidente da República. Pode-se
considerar que em virtude do número 1 do Artigo 150 da Constituição os
decretos do Presidente da República como Chefe de Estado têm um valor
superior aos decretos do Conselho de Ministros. Na prática, é só de uma
maneira excepcional que poderia acontecer um conflito entre os dois textos
regulamentares.

§2. O diplomas ministeriais regulamentares dos ministros.

Os actos regulamentares dos ministros adoptam a forma de diploma


ministerial ou interministerial. O princípio é que os ministros exercem o poder
regulamentar unicamente em virtude de uma habilitação legislativa ou
regulamentar.

Eles subordinam-se aos Decretos do Presidente da República e dos


aprovados pelo Conselho de Ministros.

§3. O poder regulamentar dos órgãos locais do Estado.

Os regulamentos administrativos aprovados pelos órgãos locais do


Estado devem respeitar os regulamentos hierarquicamente superiores
(decretos do Presidente da República, decretos do Conselho de Ministros e
diplomas ministeriais de carácter regulamentar).

§4. O poder regulamentar das autarquias locais.

58
Artigo 195 da CRM

X. O Decreto-lei será um Regulamento Administrativo?

Esta é uma questão central para depois enquadra-lo ou não na Hierarquia dos
Regulamentos administrativos de Grau diferente.
Podemos ser tentados a pensar que o Conselho de Ministros entanto que
poder executivo apenas produz Regulamentos, quer sejam de execução ou
outros.
O artigo 143 /1(actos normativos), do Capitulo Unico – principios gerais, do
Titulo V sobre “ Organização do Poder Político” da CRM, estabelece que”são
actos legislativos as leis e os decretos-leis” , o n3 densifica ai ideia apresentada
no numero 1 fixando que “ Os decretos-lei são actos legislativos, aprovados
pelo Conselho de Ministros, mediante autorização da Assembleia da
República”.
A constituição não deixa margem para duvidas quanto a qualiicação do
Decreto-Lei como acto legislativo, atraves da disciplina estatuida no artigo 143
n4 “ Os actos regulamentares do Governo revestem a forma de decreto...” ( o
sublinhado é nosso). Os decretos-lei estam claramente excluidos dos actos
regulamentares, apenas os decretos do governo é que podem ser actos
regulamentares.

As três funções do Governo. Com a aprovação da CRM em 2004, o Governo


formalmente passou a exercer 3 funções, a função normativa/legislativa ( via
decreto-lei), a função politica ( artigo 202/3)e a função executiva ( artigo
203/1)167. Não será esta acumulação de funções contraria ao principio da
separação de poderes apregoada por Louis de Montesquieu ?

SECÇÃO 2. A HIERARQUIA ENTRE ACTOS


REGULAMENTARES DE GRAU IDÊNTICO.

Pode-se pensar, por exemplo, num conflito entre dois decretos do


Conselho de Ministros. O princípio de solução neste caso é a aplicação do
decreto mais recente.

O regulamento revoga os regulamentos anteriores que lhe são contrários


mesmo nos casos em que ele não o diz expressamente. Sem revogar um
regulamento anterior, um regulamento pode também derrogar durante um
período dado, numa zona dada, ou mesmo por uma operação determinada do
momento em que ele se apresenta como um diploma regulamentar derogatório.
Pois, entre dois decretos regulamentares de mesma natureza, é o segundo que
vai se aplicar porque é o mais recente (Lex posterior derogat priori).

Mas pode acontecer situações em que a aplicação do regulamento mais


recente não é forçosamente o mais adequado.
167
Artigo 203/1 da CRM, estabelece que « O Conselho de Ministros assegura a administração
do país…… ».

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Pode-se imaginar que um decreto do Conselho de Ministros determina
as regras gerais de criação e exploração das reservas e parques em
Moçambique e um outro mais recente determina em particular as regras de
funcionamneto de uma reserva em particular, por exemplo, a reserva do
GORONGOZA.

Neste caso, o que é importante é de comparar o objecto dos dois


regulamentos.

O primeiro tem por objecto fixar um procedimento pela criação e


exploração das reservas e parques, de um modo geral, em Moçambique,
enquanto que, o segundo, tem um objecto diferente, que é de delimitar as
regras efectivamente aplicáveis a uma reserva determinada a do
GORONGOZA.

O segundo regulamento não tive por objecto modificar ou alterar o


procedimento estabelecido pelo primeiro regulamento. Ele o podia fazer
expressamente, mas pode-se supôr que não foi o caso.

Nestas condições, ele deveria respeitar o procedimento instituído pelo


primeiro decreto.

Se o regulamento, mais recente neste caso, tem um valor regulamentar,


ele tem este valor num outro domínio e não no domínio das regras gerais
relativas à criação e exploração das reservas e parques naturais, por um lado.
Existe regra específicas de gestão de uma reserva em particular, por outro
lado. O decreto mais recente queria simplesmente, neste caso, regulamentar o
segundo domínio de actividade e não o procedimento geral de criação de
parques e reservas naturais em Moçambique.

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