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resenha

EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos. São Paulo:


Vestígio, 2019.

O novo jogo democrático populista:


o engajamento na política quântica
FELIPE FREITAS DE SOUZA *

As mudanças proporcionadas pelas redes expostos ao público e o livro traz


e mídias sociais na comunicação política reflexões oportunas ao abordar suas
ainda estão por serem devidamente influências. É temerário pensar que esses
dimensionadas, mas é inegável que tais agentes sociais agem nas sombras, mas
mudanças ocorreram e que já de modo eficaz e orientados
reconfiguraram o modo de se fazer e tecnicamente, tendo efeitos diretos sobre
viver a política de praticamente todos os a vida dos trabalhadores e suas condições
países Europeus e Americanos. Refletir sociais em prol de uma agenda populista
como as fake news, as teorias da e neoliberal.
conspiração e os algoritmos podem A obra se divide em seis capítulos, cada
influenciar nos resultados eleitorais é um deles focando em alguns dos sujeitos
uma tarefa que se coloca para os que podem ser indicados como algum
estudiosos das ciências sociais nesta “engenheiro do caos”. Em comum, todos
segunda década do século XXI. Quem eles apostam em uma democracia
realiza essa reflexão na presente obra é o participativa em substituição a uma
escritor ítalo-suíço Giuliano Da Empoli, democracia representativa, com a
fundador do think tank Volta, e que têm internet enquanto espaço de
passagens na sua carreira por cargos manifestação e articulação do que se
técnicos, políticos e acadêmicos. identifica como “vontade popular”. No
Neste livro, explora-se os “engenheiros primeiro, O Vale do Silício do
do caos”, sujeitos que influenciaram populismo, aborda-se Steve Bannon, um
significativamente em processos dos maestros do populismo americano, e
políticos recentes. Foca-se na Itália, mas o Movimento 5 Estrelas, italiano. Apesar
abordam-se os casos de ascensão de de Bannon ter sido descartado por Trump
grupos de direita e extrema direita ao pouco após sua eleição, certamente os
poder em países como os Estados efeitos de seu ideário ainda são
Unidos, Hungria e Brasil. Tais perceptíveis. Em A Netflix da política, o
engenheiros encontravam-se pouco “engenheiro” abordado é Casaleggio,

*
FELIPE FREITAS DE SOUZA é Mestre em Educação Tecnológica pelo CEFET - MG, doutorando em
Ciências Sociais pela FCL / Araraquara (Unesp), membro do GRACIAS (Grupo de Antropologia em
Contextos Islâmicos e Árabes) da USP de Ribeirão Preto e do NAIP (Núcleo de Antropologia da Imagem
e Performance) da Unesp de Araraquara.

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com foco na mobilização popular no onde as pessoas vivenciam suas
espaço virtual, quando um blog italiano experiências de radicalização política e
leva a população a apoiar medidas isolamento do espaço público. A política
antidemocráticas. No terceiro capítulo, passa a ser uma espécie de religião
Waldo conquista o planeta, são feitas cívica: se no âmbito religioso fatos e
reflexões sobre as redes e o pensamento leituras podiam variar, agora é a política
conspiratório a partir do episódio que assim se comporta. As opiniões
Momento Waldo da série de ficção privadas e pessoais, afetivas, são então
científica Black Mirror, frisando-se a alçadas ao estatuto de explicações totais
agilidade com que as ondas políticas da realidade. É a realidade paralela,
populistas carregam o povo. Em Troll, o apontada por Jason Stanley em seu Como
Chefe, o autor dedica-se às figuras de funciona o fascismo (2018) e por outros
Trump, Breitbart e Milo Yiannopoulos, teóricos contemporâneos, que se coloca
indicando-os como trolls, como pessoas como problemática atual.
que provocam reações via impropérios e
ataques pessoais. Em Um estranho casal O autor relata transformações sociais
em Budapeste, Arthur Finkelstein e os sendo mobilizadas com a utilização da
pensamento anti-migração são técnica e da tecnologia para que medidas
evidenciados, colocando-se o Islam e os populistas e antidemocráticas fossem
muçulmanos como inimigos para alguns defendidas enquanto saídas para
políticos populistas. O estímulo à impasses. As elites nacionais, tidas como
xenofobia é então uma das marcas do corruptas, devem dar espaço para as
populismo ressaltada pelo autor. Por fim, exigências dos agentes sociais.
o sexto capítulo Os “físicos” e os dados, Mobiliza-se o povo, essa abstração,
Da Empoli encerra abordando Dominic enquanto comunidade imaginada que
Cummings e os usos das tecnologias na pode se expressar nos ambientes virtuais,
política, indicando que é necessária a supostamente sem mediação, pela via da
expertise dos que trabalham como os democracia representativa, exercendo
físicos, com dados limitados, sua influência sobre os rumos da política
“recortados” da realidade, para atingir diretamente quando estão, na verdade,
metas políticas. Não são mais as vias sendo manipuladas pelas informações
tradicionais de mobilização política que que os algoritmos lhes oferecem – vide o
se fortificam, mas sim a atuação política caso da Cambridge Analytics, citada
que objetiva likes, compartilhamentos e pelo autor. É um paradoxo, uma vez que
a exposição em massa. as medidas populistas tendem a
favorecer o capital financeiro e
A conclusão, A era da política quântica, especulativo em detrimento dos
apoia-se na metáfora física para trabalhadores: sem raízes no país, o
problematizar a mudança de um Capital pode, predando espaços sem
paradigma político newtoniano a um limites geográficos ou nacionais,
paradigma político quântico, trazendo a beneficiar aqueles que manipulam as
tona o narcisismo de massa, o desejo de massas, não essas massas. É um cenário
controle que as redes sociais mobilizam desalentador que o autor traça e que
e a perspectiva que não há mais unidade exige transformações no fazer político
nos fatos expressos: se no âmbito tradicional.
político a leitura era variável, apoiando-
se nos mesmos fatos, na era da política Indica-se como relevante o trecho em
quântica tanto as leituras quanto os que analisa os youtubers de direita e
próprios fatos variam, gerando-se bolhas extrema-direita no Brasil, como o caso

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do músico Nando Moura e os membros convergem para o projeto político
do Movimento Brasil Livre. Atuantes populista que melhor tenha conseguido
que são nas diferentes plataformas mobilizar seus anseios individuais.
virtuais, mobilizaram aspirações Emoções negativas, estimuladas por fake
populares em diferentes frentes para, no news e teorias da conspiração,
momento eleitoral, unificarem-se em mobilizam eleitores que elegem
prol da candidatura de um governante populistas e que agem contra setores
populista de extrema-direita como Jair sociais mais (trabalhadores, por
Bolsonaro, cujos resultados de seus exemplo) ou menos (imigrantes, por
pactos com o capital financista vem exemplo) amplos: democracia e
impactando o Brasil, com reformas que autoritarismo nunca foram formas
traem exatamente o povo que o políticas contrárias. Pelo contrário, se
candidato afirmava representar. Apesar complementam. Por meio da tecnologia,
de tudo, setores significativos desse povo se torna claro que os regimes
ainda o identificam como expressão de democráticos gestaram em seus íntimos
sua vontade coletiva. os autoritarismos e obscurantismos que
Por fim, Empoli constata que os hoje se difundem.
discursos “mornos” sobre política O livro infelizmente não traz tantas
perderem seu papel de cativarem os referências para o leitor: praticamente
eleitores. Isso porque os discursos não ocorrem notas de rodapé citando
extremos conseguem um poder de textos científicos e maioria das
mobilização maior. Quando esses informações trazidas na obra não estão
discursos apelam para as angústias e referenciadas nas Notas Bibliográficas, o
medos das pessoas, o resultado por um que certamente dificulta e leitura
lado é que uma parcela repudia aqueles daqueles que querem certificar-se
que os proferem, mas uma parte dos daquilo que o autor traz. Por outro lado,
ouvintes, os quais adotavam uma posição essa opção do escritor pode ser uma
mediana previamente, acabam por serem tentativa de deixar a leitura mais fluída.
atraídos para os extremos. Diversos Enfim, a leitura dessa obra nos expõe a
discursos extremistas agindo, como anti- realidade neo-orwelliana em que
feministas, anti-comunistas, anti- vivemos; (re)conhecê-la é o primeiro
islâmicos, anti-imigrantes e assim por passo para sairmos dela.
diante, cooptam diferentes grupos de
pessoas que, nos momentos decisórios
democráticos, apesar de suas várias e até Recebido em 2020-03-18
Publicado em 2020-06-07
conflitantes posições e interesses,

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