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Subjetividade e pesquisa em direito1

Alexandre Bernardino Costa


Eduardo Gonçalves Rocha

Palavras-chave: Subjetividade. Pesquisa qualitativa. Política subjetiva.

Este trabalho utiliza as contribuições epistêmicas desenvolvidas pelo psicólogo


social Fernando Luiz Gonzalez Rey,2 como base teórica para a compreensão e
problematização da pesquisa em direito. Mais especificamente, pergunta-se: Quais
campos de inteligibilidade a teoria da subjetividade de Gonzalez Rey pode abrir para a
pesquisa em direito?
Falar sobre subjetividade nem sempre é simples, pois essa categoria é
comumente envolvida em um forte senso-comum que a associa à internalidade em
oposição à externalidade, objetividade. Associa-se o subjetivo ao que está dentro, ao
emocional, ao fantástico, a uma questão de gosto individual, enquanto o objetivo é
associado ao que está fora, ao que pode ser captado pelo intelecto, a fatos concretos
que podem dissipar controvérsias. (RORTY, 1988, p. 264).3
O senso-comum que envolve a categoria subjetividade, associando-a à
internalidade, possuiu fortes bases científicas. O pensamento cartesiano ou mesmo a
psicanálise freudiana apoiam-se, bem como desenvolvem e reafirmam esse
pressuposto. Isso pode ser visto por meio do “cogito” de Descartes, que independe, é
anterior ao mundo em que o indivíduo está presente, ou com base no inconsciente de
Freud, que é atemporal, não está preso à dimensão espaço/tempo, sendo indiferente
às estruturas e às energias psíquicas de uma criança ou de um adulto. (NASIO, 1995,
p. 250).4
A discussão sobre subjetividade torna-se ainda mais complexa uma vez que se
percebe que as bases epistêmicas, que davam sustentação ao subjetivo, como
internalidade, estão superadas, o que pode ser sintetizado por meio do descrédito da
filosofia da consciência. Este paradigma filosófico foi substituído pela intersubjetividade

1
Texto extraído da obra Metodologia da Pesquisa em Direito - Coordenadores Enzo Bello, Wilson
Engelmann. - Caxias do Sul, RS : Educs, 2015, p. 204-206
2
REY, G. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. Tradu. de Raquel Souza Lobo
Guzzo. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
3
RORTY, R. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Publicação Dom Quixote, 1988.
4
NASIO, J-D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Grodddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Trad. de
Vera Ribeiro. Revisão de Marcos Comaru. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
decorrente dos estudos linguísticos. O paradigma filosófico emergente direcionou seu
olhar para o intersubjetivo, não vendo a categoria subjetividade como um problema.
As contribuições de Rey (2003) têm extrema relevância para se pensar o
subjetivo, sem desprezar as contribuições do paradigma intersubjetivo da linguagem e
sem cair no senso comum subjetivista, que estabelece uma falsa oposição entre
internalidade e externalidade. Para o referido autor (REY, 2011, p. 4), subjetividade é
“[...] a produção simbólico-emocional que emerge diante de uma experiência vivida, a
qual integra o histórico e o contextual em seu processo de configuração”. Ou seja, a
produção de sentidos possui uma dimensão simbólica, mas também emocional. É
intersubjetiva, mas perpassa um corpo e uma história de vida únicos.
O processo de produção de sentidos, definido por Rey (2003), como sentidos
subjetivos, é constituído por um conjunto de sistemas simbólicos intersubjetivos, a
exemplo do linguístico. O que o psicólogo social traz de novo é demonstrar que sentidos
subjetivos são invariavelmente perpassados por registros emocionais, por uma
corporalidade, bem como produzidos em biografias particulares. Assim, pode-se dizer
que toda simbolização possui algo intersubjetivamente compartilhável, o que possibilita
a comunicação, possui também algo de único e singular, portanto não compartilhável.
As conclusões de Rey (2005, p. 22) adquirem poderoso valor heurístico ao
romper com a falsa dicotomia social e individual. É verdade que sentidos subjetivos são
resultado de simbolizações intersubjetivas, mas também é verdade que elas são
processadas em um sistema psíquico único, estruturado com base em uma história de
vida singular e perpassado por registros emocionais próprios. Por essa razão, pode-se
dizer que a subjetividade, para ser analisada em toda sua complexidade, deve ser
compreendida como social e individual.
A produção simbólica e emocional de cada indivíduo é induzida pelo conjunto
de espaços sociais e experiências em que ele se realiza, ao mesmo tempo em que é
processada em configurações simbólicas e emocionais próprias resultantes de uma
história que se faz singular. Espaços sociais são constituídos e indutores de
simbolizações e emocionalidades (subjetividade social); no entanto, não exercem uma
influência linear sobre os sentidos produzidos pelos indivíduos, pois a psique é
configurada em um corpo e em um conjunto de experiências únicos (subjetividade
individual).
A psicologia social de Rey (2003) traz importantes contribuições para a
pesquisa em direito. Para ele o real não pode ser resumido a fatos dados, anteriores a
qualquer interpretação (objetivismo), bem como não está adstrito a sistemas
intersubjetivos que negam o corpo e a singularidade da configuração psíquica
desenvolvida em histórias particulares. O real é um sistema subjetivamente produzido,
em uma teia de símbolos e emocionalidades.
Olhar para o sistema do real é sempre olhar para construções simbólicas e
emocionais constituídas historicamente e instituintes da História. Construções que
produzem sistemas psíquicos que possuem forte influência social, mas que não são um
resultado linear dele, portanto, produtores de continuidades e rupturas, de
conservadorismos e de resistências.
Com base na teoria da subjetividade de Rey, pode-se olhar para o Direito como
o conjunto de símbolos e emocionalidades socialmente produzidos, mas também
indutores de simbolizações e emoções. O Direito é uma trama de verdades simbólicas
e emocionais instituída, indutora de sentidos subjetivos em determinada direção. Surge,
assim, um conjunto de indagações que podem ser um caminho fértil para a pesquisa
em direito: Qual é a trama simbólica instituinte do direito moderno? Quais as
emocionalidades induzidas e indutoras dessa rede simbólica? Quais mecanismos de
poder são produtores dessa rede simbólica e emocional? Se a subjetividade é social e
individual, qual é a política subjetiva por trás do direito moderno?

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