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Razao Inadequada

Regime Ditatorial de Valores


1

Uma postura
inadequada é a nossa
forma de viver em uma
cultura de adequação...
Editorial
O termo ditadura pode soar exagerado para alguns, mas
nossos tempos ainda são marcados por posturas opressivas.
Nossa cultura e, portanto, nosso modo de vida é autoritário.
Estamos todos num mesmo campo de batalha e vivemos
sendo bombardeados por preferências unificadoras,
opiniões rígidas e intolerâncias de todo tipo. Em face disso,
procurando ser tanto um veículo de informação quanto
de reflexão, esta revista pretende explicitar alguns dos
problemas que encontramos em nossa cultura.

Qual é nossa ditadura? Não vivemos mais nos anos do


regime militar, não vivemos um estado de exceção. Mas
vivemos uma democracia? Nossa liberdade é real, mas é
tanto mais ilusória: nos deram a liberdade de escolha, mas
nos mostraram tão pouco do que há para escolher. Muitas
vezes nossos comportamentos nos parecem alienados de
nossas vontades. Chegamos a desconfiar de nossa própria
subjetividade, talvez ela não seja menos fabricada do que a
abundância de produtos semelhantes que nos rodeiam.

Uma ditadura velada, escondida por sob os panos da mesa


de jantar, onde aceitamos a miséria que nos oferecem com
o nome de refeição. Uma análise crítica pode nos ajudar a
encontrar motivos para recusar e afastar de nossos corpos
este veneno que é a organização a que nos submetemos todos
os dias. Teremos ganhado suficientemente se encontrarmos
linhas de fuga dentro deste turbilhão de informações e
modelações que nos permeiam.

Toda tensão tem meio de fuga, a nossa é a criação. Dentre


tudo que nos dizem, mandam, sugerem, preferimos nosso
caminho; pois só copia quem não sabe criar, só repete quem
não sabe fazer o novo, só reproduz quem não inventa. Neste
caminho, não batemos de frente com o que está estabelecido,
não destruímos pela reatividade, pelo ressentimento, pelo
ódio, mas pelo amor por algo maior. Dentre todas as opções,
preferimos a nossa. Se vivemos uma ditadura, passamos
pela tangente e inventamos novas verdades, novos corpos,
novos tempos, novas identidades, novas ideias… é político,
mas apenas no nível da micro-política. É mais estético que
partidário, é mais ético que moral. Em suma: uma postura
inadequada é nossa forma de viver em uma cultura de
adequação.
Apresentaçao
Esta revista é uma espécie de salto rumo ao desconhecido.
Com ela, nós comemoramos agora 1 ano de blog. De certa
forma, este espaço é consequência do conflito entre nossas
ideias e o real, é um primeiro passo na busca de alternati-
vas éticas que escalem as paredes do fundo de poço niilista
no qual nos encontramos. Através de leituras, reflexões e
(muitas) discussões, entendemos que deveríamos propor
novos valores que escapassem à metafísica moderna: deus,
Humanidade, Verdade, Estado, Trabalho. Sendo assim, este
espaço reflete uma busca por caminhos estéticos para a Quem somos nos:
eleição de uma ética da qual possamos nos apropriar.
Rafael Lauro
Somos loucos, com pensamentos perturbados, andando à Sou formado pelos livros que li, pelas
margem da razão convencional? Talvez este sentimento músicas que toquei, pelos filmes que
tenha origem no choque entre ideias estabelecidas, que vi, pelas obras que observei e pelos
nos são impostas, e ideias elegidas, que nos apropriamos encontros que tive. Formação esta
no curso de nossa existência. A Razão Inadequada é a via que continua a ser construída a cada
alternativa, uma micro-revolução, uma força que não se dia, sem perspectiva de término.
submete a um conjunto maior de estratégias de adestra-
Rafael Trindade
mento do indivíduo. A contradição é clara, pegamos metrô Estudo psicologia e filosofia, mas
e fazemos as compras do mês como todas as outras pes- tenho interesse em todas as áreas
soas, mas neste espaço faremos questão de ser loucos, do saber humano. Troquei a guitarra
como aqueles encarcerados por não se adequarem, desti- pelo violão, o inglês pelo francês e
tuídos de sua liberdade por não aceitarem, reprimidos por a ciência pela arte... de resto, não sei
sempre lembrar que o rei está nu. Será que podemos su- definir-me.
gerir outra razão? Possibilitar novas formas de vivência? Ir
além da teoria? Miguel Angelo Lebre
Um estudante de psicologia ex-
tremamente apaixonado pela arte
Nada mais natural que, para inaugurar este espaço, escrever
e pelo conhecimento. Tento traçar
o texto à quarto mãos, já que ele é a consequência de mui- meu caminho intelectual conside-
tas conversas, discussões, sugestões de leitura e reflexões rando as inúmeras possibilidades
de longa data. E por que não uma escrita a várias mãos? de subversão que nos são subtraídas
Partindo do princípio de que aliar ideias é aliar forças. Sob diariamente.
o signo da amizade nasce o conhecer e o reconhecer e, mais
do que isso, a relação intersubjetiva é o carimbo que per- Priscilla Fierro
mite ao indivíduo a sua afirmação. Se a escola, o trabalho, a Estudo Artes Plásticas, passei pela
televisão e a religião não nos deram a possibilidade deste Letras e sigo caminhos Feministas.
exercício crítico, que pelo menos boas companhias o façam.
Ana Carolina Pas
Freelance designer, maníaca de
Para tanto, seremos tendenciosos, pois toda proposta ex- feeds, rabisco o imaginário na maior
pressa uma vontade. Na elaboração deste pensamento, parte do tempo e acho que enviar
utilizaremos ideias libertárias, hedonistas, materialistas links também é amor.
e ateístas; mas sem tomá-los como crenças. Para nós, é
importante dizer, não há destruição sem perspectiva de Amanda Muniz
criação. Críticas construtivas serão sempre bem-vindas. Desenvolvo minhas ilustrações a
Como Nietzsche, não sejamos outra coisa senão pura afir- partir da condição humana, brincan-
mação. Não sejamos outra coisa senão aquele que apren- do com a realidade da existência.
deu a dizer Sim!
Indice

Ditadura da Beleza ......... pág. 5

Ditadura da Identidade ......... pág. 8

Ditadura do Tempo ......... pág. 10

Ditadura da Verdade ......... pág. 12

Ditadura da Informação ......... pág. 14

“ Nos deram a liberdade de


escolha, mas nos mostraram tão
pouco do que há para escolher. ”

Expediente desta ediçao: Agradecimentos:


Felipe Cavalheiro
Rafael Lauro (textos, diagramação)
Milena Klinke
Rafael Trindade (textos, revisão)
Penelope Baldassin
Miguel Lebre (texto)
Sergio Poggio
Priscilla Fierro (ilustrações)
Vinicius Lopes
Ana Carolina Pas (ilustrações)
Amanda Muniz (ilustrações) arazaoinadequada.wordpress.com
Maíra Valentim (diagramação) facebook.com/arazaoinadequada

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Ditadura da beleza
Rafael Lauro

O
que é propriamente um regime ditatorial de va- seguimos imaginar o dia em que o cabelo “ruim” (repare
lores? Se no sentido político tradicional, o dita- que a palavra que usamos para nos referir a um determi-
dor é aquele bigodudo que possui o total contro- nado tipo de cabelo já é um juízo de gosto!) se tornará o
le dos poderes do estado, na esfera dos valores o ditador padrão. O mais triste é o fato de que este padrão ditado
é aquele que legitima de forma absoluta os valores de não é aceito apenas por quem dita, mas por todos, inclu-
uma sociedade. Dizem por aí que a ditadura acabou, está sive pelos que têm “cabelo ruim”, são “gordinhos”, “mal
nos livros de história. De fato, o que não parece mais vestidos”…
existir em nossa sociedade é o tal do bigodudo mandão,
entretanto, sobram mecanismos autoritários de valori- É uma imposição vertical que atinge a horizontalidade.
zação e desvalorização dos valores culturais. Sob este Esse poder econômico, muito menos personificado, se
prisma, pouco importa sermos uma democracia formal, torna efetivamente poder nas relações, mas não se res-
é pouco. Pensávamos ter nos livrado da ditadura, quan- tringe somente a um poder social, é também biopoder,
do na verdade só mudaram nossos ditadores e assim isto é, uma relação de dominância instituída sobre os
permaneceremos enquanto não nos emanciparmos de corpos. Parece bastante abstrata, mas na realidade esta
quem dita nossos costumes. relação de dominância pode ser percebida por marcas
corporais bastante claras. Observe, por exemplo, os tra-
Em nossos textos, prezamos sempre pelas individuali- ços físicos do que serve e do que é servido. Há qualquer
dades. Nos parece irreal a crença no absoluto, nos valo- coisa de distinto em seus corpos, em suas constituições,
res imutáveis, na percepção das formas puras, no belo algo que denuncia o pertencimento a uma determinada
objetivo (acesse o blog para ler a respeito). Entretanto, classe.
mais uma vez nos encontramos em face desta discussão:
o caráter inquestionável da beleza. O fato de termos de Antes de tudo, é necessário perceber que a crítica não é
nos esforçar para perceber que aquilo que consideramos apenas ao padrão atual. É preciso questionar a própria
ideal no corpo feminino/masculino é apenas uma ques- necessidade de um padrão, ainda mais um que seja de-
tão de gosto (como todo o resto!) mostra o quão eficaz finido por processos tão oligárquicos como os da nossa
em empurrar determinados desejos goela abaixo é o re- mídia. A questão não é defender quem é gordinho, mas
gime em que vivemos. defender a possibilidade de uma escolha que parte de
um desejo legítimo e não de uma aceitação submissa.
Não é difícil perceber que a noção de beleza, assim
como qualquer valor, não é imutável, mas determinada
por processos de valorização e desvalorização. O exem-
plo corriqueiro é o da época do Renascimento, de como
as “gordinhas” eram o padrão. Para fugir do exemplo
óbvio, basta voltar um pouco na história de nosso país.
Na época da escravidão, jamais se consideraria a pele
bronzeada como algo belo, pois este traço trazia consigo
a informação de que a pessoa trabalhava fora da casa,
exposta ao sol e se assemelhava, portanto, ao escravo.
Um pouco distante das nossa atual preferência pelas
“marquinhas de biquíni”, não?

Evocar o exemplo da escravidão nos remete a outra


questão: quem estabelece o que é bonito? Numa socie-
dade com estratos tão definidos quanto a escravagista,
parece óbvio que a elite, que possui todo o poder, de-
termine o bonito e o feio. E na nossa sociedade atual,
será que o padrão de beleza continua associado a quem
tem o poder? Se entendermos esse poder como poder
econômico, parece que sim. Basta perceber que não con-

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Ditadura da beleza

O problema fundamental aqui é o fato de que nosso de- Primeiro, idealizar o corpo gera desprezo pelos corpos.
sejo não é propriamente nosso. Ele é fabricado no seio de Parece paradoxal, mas é muito simples. Estabelecer uma
um sistema de produções doente, que para seu próprio ideia perfeita de corpo implica em desprezar, mesmo
sustento precisa ver a beleza associada ao dinheiro, aos que parcialmente, a materialidade de todos os corpos,
produtos e à fama. No interior da máquina social, nosso pois jamais o objeto se eleva à perfeição eterna da ideia
desejo é uma pequena engrenagem que acredita querer, dele. Segundo, buscar o corpo ideal, implica necessaria-
quando na verdade apenas aceita o que lhe é sugerido, mente um procedimento ascético (no sentido etimológi-
ou melhor, obedece às ordens da gerência. Dentro deste co: que necessita esforço, exercício), precisaria de regras
sujeito, não há desejo, há uma espécie de eco, uma repe- rigorosas para sua obtenção (pense nas dietas mirabo-
tição do que o mercado define como necessidade e colo- lantes, nos regimes e práticas físicas sacrificantes). Nes-
ca na capa de suas revistas. “Quando o desejo obedece te sentido, é como uma religião, com suas práticas para
a este ponto, constrangido, fabricado e possuído pelo obtenção de paz de espírito e vida eterna. Seja lá qual for
mercado, ele se torna o corpo estranho integrado e dige- o fim último, não deixa de ser arbitrário, escolhido. Que
rido pelo sujeito alienado” (Política do rebelde, Michel seja escolhido por cada um de nós, então! A pergunta
Onfray, p.189) que cabe ser feita é: “Será que sou eu que desejo ser loira
e esbelta?” •
Por que chamar de regime ditatorial? Simplesmente por-
que há, de fato, algum mecanismo que dita valores e este
mecanismo, no que concerne boa parte dos indivíduos
de nossa sociedade, não parte deles mesmos. Há, como
diria Deleuze, uma fábrica de buracos. Escavadeiras dis-
postas em fila, prontas para nos atacar, invadir, nossos
meios de transporte, nossas casas, nossos corpos, nossos
afetos; e cavar sem parar, criar uma série de buracos, de
“faltas”. Não há ingenuidade por parte de quem mani-
pula essas máquinas, é muito bem sabido que só o ideal
preenche o desejo quando este é interpretado como fal-
ta. Mas como alcançar este ideal? Existe corpo tal qual o
da capa de revista? Que escavadeiras são essas? O que é
que nos faz tomar o desejo por falta? Inúmeras respostas
são possíveis, eis algumas: a publicidade, este mecanis-
mo de persuasão apodrecido; a ditadura da identidade,
esta normatividade imposta pelo ser; a moral, estes valo-
res condensados em deveres; o prazer conservador, esta
fuga incessante do prazer intensivo…

Nossos poros estão entupidos. Estamos impedidos de


experimentar nossos próprios corpos. Com a desculpa
do belo, cria-se a norma e, quando há tentativa de sub-
vertê-la, surgem pequenas sentenças de morte: cons-
trangimento, coação, coibição, intimidação, restrição…
O sujeito vai se convencendo de que tem que ser como é
e vai deixando de lado sua criatividade e sua disposição “Esquecemos
para a experimentação. Aceitamos, enfim, que devemos
ter um gênero X, casar com alguém do gênero Y, não completamente que
qualquer um, mas alguém perfeito. Esquecemos comple-
tamente que nosso corpo é uma festa e que nesta festa
nosso corpo é uma festa
não há mestre de cerimônias. e que nesta festa não há
Muitas questões se levantam. Difícil abordá-las todas mestre de cerimônias.”
num pequeno texto como este. Contudo, para finalizar,
gostaríamos de destacar ainda duas destas questões.

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Ditadura da identidade
Rafael Trindade

E
stamos preocupados demais com quem somos. Fulano! Não Sicrano!” Mas por que não Sicrano? Ele
Fomos engolidos pela mensagem do Oráculo de também é legal, não podemos ser ele por alguns segun-
Delfos: conhece a ti mesmo. Será que não conse- dos? É mentira? E quando a mentira passou a ser menos
guiremos escapar destas formatações? Será que não po- interessante que a verdade? O ego é efeito de submissão,
demos fugir destas definições? existe uma pluralidade em mim a qual não posso (e não
quero) submeter. Não é possível acabar com a potência
A ditadura da identidade é o ímpeto pelo nome, pela de- em nós sem pagar um preço muito alto pela vida. Mas
finição, pela forma. Não sabemos mais conviver com o parece que não há lugar para a vida intensiva em nossa
desconhecido, tanto em nós como no outro. O mundo se sociedade: precisamos ser responsáveis, sérios, frágeis,
tornou uma sala de interrogatório: qual seu nome? Nú- “humanistas”. Isto quer dizer: faça seu trabalho, mande
mero do RG? Quantos anos? Solteiro ou casado? Qual seu filho para a escola e não reclame do trânsito.
sua orientação sexual? Qual seu partido político? E não
conseguimos nos abster. Em busca de aceitação, pensa- As formas são o último efeito da nossa sociedade: ho-
mos apenas em responder tudo certo. Uma ficha nos de- mem, branco, heterossexual, meia-idade, com carro,
fine, nosso perfil de facebook é nosso novo templo. conta bancária, barba por fazer, terno e gravata. Mulher,
jovem, gostosa mas não vulgar, mãe, esposa, cabelo
Mas quanto mais nos nomeamos, mais nos perdemos comprido, amorosa, atenciosa, fiel. As formas são menti-
de nós mesmos. O ser é inefável. Cada palavra que ras inalcançáveis.
utilizamos para nos comunicar apenas nos torna mais
comuns. Carregamos como camelos todos os nomes
em nossas costas. Somos tantas coisas que não temos
tempo para apenas estar. O que há de mais essencial em
nós se perde na gramática, que cria uma identidade, um
número, com o qual nos identificam.

A identidade é uma função do poder: as “estruturas”


do eu, a “forma” do indivíduo, mas a unidade é sem-
pre simulada, sempre um corte, uma prisão. A vida
existe de modo plural, não em um formato definido.
Ela é uma reta que passa por infinitos pontos entre
A e B, e faz infinitas conexões de um lugar a outro.

Não sabemos mais tirar a máscara que pedimos para nos


darem. Nos irritamos quando erram nosso nome: “sou

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Ditadura da identidade

Vivemos constantemente sob tutela, fazemos falsas es-


colhas mentirosamente oferecidas. Todo Sim que nos “A diferença em nós se
obrigam a dizer faz parte de um Não maior que nos
impõem: será que não saberemos um dia apenas dizer
submete à identidade na
Sim? Nietzsche soube, e o chamou de Amor-fati. Porque qual nos escondemos”
eu não posso escolher rock e bossa nova? Não há todo
um universo infinito entre um e outro que eu posso ex-
perimentar? Por que escolher entre ser homem ou mu-
lher? Só escolhe quem ainda não aprendeu a criar. Só
pede opinião quem não inventou seu modo de existir.

Nos seguramos à nossa identidade com unhas e den-


tes, esta máscara que vestimos já está colada. E assim
tememos o que há de mais verdadeiro em nós, que foge
à toda racionalidade, toda unidade. A única coisa eterna
em nós é a potência. Mas potência é vontade de diferir,
mudar, trocar de pele. Matamos o que há de eterno em
nós para apostar na mentira da identidade. A vontade
de conservação em nós é diretamente oposta à vontade
de criação. Mas alguns acham que o investimento na
forma poderá salvar o homem, coitados, alguns acham
que podem parar o tempo. Não dá pra parar o tempo,
não dá pra descer do mundo, nós temos que nos efe-
tuar, tudo em nós se usa, gasta, queima, e no fim nada
se conserva. É impossível que cada momento não seja
absolutamente inédito, e por isso é impossível que não
sejamos absolutamente diferentes a cada momento.

A diferença em nós se submete à identidade na qual nos


escondemos. É muito pouco “transgredir” essa máscara,
a verdadeira diferença não se compara com qualquer
outra coisa. A diferença não pede reconhecimento. Não
há senhor, nem escravo, nem espelho, nem reconheci-
mento, tampouco dialética: há apenas uma vontade de
criar, inventar, produzir, diferir e experienciar a transfor-
mação de si que acontece a cada encontro.

Foucault disse, “não me pergunte quem sou, e não me


diga para permanecer o mesmo!”. Enquanto eu puder
dizer “eu não sou, eu estou”, ainda valerá a pena viver •

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Ditadura do tempo
Rafael Lauro

Q
ue é esta vida senão um moto perpetuo? É
possível questionar o caráter transitório do
momento? Acontecemos no tempo, não há
dúvida. Somos, pois, seres do tempo, criações espon-
tâneas de um movimento contínuo. Sendo assim,
importa-nos refletir sobre o emprego deste tempo,
que compartilha conosco um pouco de sua grande-
za. Fato é que o tempo nos excede, mas nos concede a
lisonja de nos usarmos dele. “O relógio é o novo senhor!”
bradou alguém em algum momento. Este texto pretende-
se um grito de resposta, algo como: “Para o inferno com tais
máquinas!”. É muito interessante para alguém que carreguemos nos
bolsos o horário exato, será interessante para nós mesmos?

A medida é uma das maneiras de colocar as coisas à nossa disposição. Elas não são pro-
blemáticas em si mesmas. O que devemos questionar é o uso destas medidas, pois não
sabemos ao certo a quê (ou a quem) elas servem. O relógio e o calendário, tal como os
conhecemos na grande cidade, estão fundamentalmente a serviço do capital, aí reside
o problema. Não há uma só alma que tenha uma boa relação com o relógio, isto
porque o uso que fazemos dele é autoritário. Já o calendário prevê nossas misérias,
ele é “misericordioso” e nos presenteia com os fins de semana e feriados, enquanto
nos obriga a ser úteis nos outros dias. Pensemos seriamente por um momento:
estes instrumentos estão a nosso serviço ou nós estamos a serviço deles?

A resposta é obvia: estamos submissos a eles, assim como estamos submissos


à lógica perversa do mercado atual. O que regulamenta o uso do relógio
é o quanto de valor monetário nós somos capazes de produzir, é o nosso
devir-máquina, isto é, a exploração da capacidade que o homem tem de
repetir-se reproduzindo até a exaustão alguma utilidade social. Eis o
sonho capitalista: uma sociedade de máquinas reproduzindo com
regularidade cronométrica seus serviços e bens de consumo.
Esta mensura absoluta permitiria calcular tudo com exatidão,
o que é fundamental para o conservador, pois a previsão do
futuro serve justamente a ele, que quer se conservar e não ao
que quer se transformar.

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Ditadura do tempo

Não nos interessa ser máquina. Não nos interessa ter relógio o alicerce de sua construção. O tempo entendido
o coração medido em batimentos por minuto. Não nos como Chronos é inútil do ponto de vista do artista, o
interessa ter o corpo organizado para a repetição. Diria que o interessa é o Kairos, o momento oportuno, o do
Marcuse que a sociedade industrial nos produziu em acontecimento, o do encontro.
série, todos iguais, e nós, como extensão das máquinas,
reproduzimos tudo da mesma forma. Ora, não nos inte- Ao tomar o tempo como o momento oportuno da experi-
ressa a reprodução, mas a criação! Não queremos ter o ência, toda medida se torna trágica. Medir a intensidade
sono, a fome, o desejo regulados pelo relógio. Queremos da experiência como uma grandeza comum acaba
o corpo como um território livre de organização, como
um espaço autônomo de criação de si mesmo. Interes- por desencantá-la. É como querer contar ao Don Quixo-
sa-nos ser Sísifo na medida em que ele pode ser artista. te que os gigantes eram na verdade moinhos de vento.
Antes de tudo, queremos enxergar a pertinência daquilo O que há de pior nesta vontade de mensura é a suposi-
que produzimos. Para isso, não há outra opção senão en- ção de que lidamos sempre com o esgotável, afinal não
trar em combate, pois aquilo que queremos não parece pode haver o infinito onde se pretende saber a dimensão
interessar aos homens deste mundo: a intensidade não exata. Quando percebemos, estamos poupando tempo.
tem valor monetário. Que doença…

Nesta batalha contra o tempo como relógio, devemos O jardineiro toma como referência o sol, suas flores não
buscar outros prismas para enxergá-lo, pois se olharmos se preocupam com os segundos. O monge toma como
para o tempo unicamente pelos instrumentos que te- referência a própria respiração, sua meditação tem pe-
mos para medi-lo, acabaremos convencidos de que ele ríodos definidos pelos pulmões. O pintor toma como
é a medida, ou seja, de que ele nada mais é do que um referência a própria inspiração, seus quadros não se im-
ciclo de 24 horas que se repete indefinidamente. O reló- portam de nascer aos fins de semana. O ritmo da civili-
gio não nos diz muito além disso. O que pode nos mos- zação ignora, atropela, dilacera todos estes andamentos
trar outra maneira de se relacionar com o tempo? Lewis paralelos e impõe um ritmo marcado por combustões a
Carrol costumava dizer que a arte funciona como uma díesel por sobre as vontades particulares.
máquina de “esticar tempo e movimento”. Colocando
em poucas palavras: desejamos brincar com o tempo e Projeto simples, mas nada fácil: aprender a dispor
não lutar contra ele. O devir-criança nos interessa mais do próprio tempo. Um primeiro passo é desprezar os
do que o devir-repetição. relógios quando estes forem colocados acima de nós,
mandá-los ao inferno como sugerimos anteriormente.
Pensemos na música. Que é ela senão a arte de construir Buscar satisfazer as necessidades da melhor maneira
novas durações? Nos limites da melodia, os segundos possível, isto é sobreviver; buscar o tempo dos artistas, o
são desprezados. O tempo da música se sobrepõe momento oportuno, a potência em ato, isto é viver •
ao tempo do relógio e cria uma nova consciência de
duração. “Ouvir uma melodia é ouvir, ter ouvido e
estar prestes a ouvir, tudo ao mesmo tempo. Toda
melodia nos declara que o passado pode estar aqui sem
ser lembrado, e o futuro sem ser previsto” diz Victor
Zuckerkandl. Qualquer experiência que se fundamente
no estético, na criação portanto, não terá no tempo do

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Ditadura da verdade
Rafael Trindade

D
os temas que escolhemos para esta revista, tal- imperturbável, imóvel, imperecível, cria dogmas. Encon-
vez o mais sutil seja o da ditadura da verdade. tramos muitos cientistas crentes ainda hoje. O ideal é o
Ele passa muitas vezes despercebido porque es- modo de sustentar a vida fraca, não surpreende sacerdo-
tamos de tal forma acostumados a operar com a noção tes e cientistas se apropriarem dele para seu discurso.
de verdade/mentira que nunca paramos para questioná- Mas todo bom pesquisador reconhece o caráter ilusório
la. Mas também, são quase 2500 anos de ditadura da ver- da ciência. Cabe a nós dizer quais são seus limites, que é
dade, desde Sócrates até os tempos de hoje. colocar o conhecimento a serviço da vida, da vida inten-
sa, claro. O bom filósofo não despreza a ciência, se utiliza
Quem busca a verdade? A quem ela interessa? Talvez se- dela para seus fins.
jam perguntas estranhas de se fazer, mas não para nós. O
problema não é o conhecimento, mas o ideal de verdade, A causa do niilismo é essa super abundância do racional.
a crença de que podemos iluminar o mundo com nossa A arte pode ser um modelo mais apropriado para a vida
razão, corrigi-lo, melhorá-lo, redimi-lo. O conhecimento do que a razão. Por isso precisamos de filósofos-artistas:
e a verdade são sempre instrumentos, são sempre cria- a arte reconhece e se orgulha de ser aparência. Pensar
ções que estão a serviço de alguém. não revela, não descobre verdades, as cria. Queremos
inventar novas verdades! A arte servindo-se da criação,
“O mundo é o texto e nós só temos a interpretação”. esta por sua vez está a serviço da intensificação da vida.
Com estas palavras Nietzsche abre caminho para re- Pensar não é contemplar, é criar novas realidades. Como
pensarmos o que é a verdade. A ilusão de que a razão se pode descobrir a verdade se ela sempre é criada?
pode penetrar na essência das coisas, separar verdade
de mentira, é o que nos leva a considerar o erro como Não estamos tão preocupados assim com a razão (se as-
um mal. Através das ideias que nos passam, pensamos sim fosse, não chamariámos de Razão Inadequada a nos-
a verdade como um descobrimento, como se houves- sa proposta), devemos deixar de lado esta luz e apren-
se algo por trás da realidade. Temos medo da ilusão der a mergulhar nas sombras. Ter contato com nossos
e buscamos desesperadamente a resposta correta, monstros pode nos fortalecer mais do que se preocupar
sem nos preocupar com o que isso significa para nós. em apenas apontar a lanterna da verdade em todas as
Mas é um erro achar que podemos não nos iludir. A direções. Nossos medos, monstros, inimigos nunca são
aparência não oculta a realidade, é a única realidade. tão grandes ao ponto de não podermos ser seus amigos.

“A arte reconhece”
Quando a verdade deixou de ser menos interessante que
a mentira? Certamente não para nós. E quantos não di-
zem a verdade por covardia? Mas não somos tão fracos
e se orgulha de ser para querer a verdade, o pensamento autêntico encontra
provas em si mesmo. Afinal, já está claro, existem ver-
Aparência dades que não nos beneficiam, mas que nos obrigam a
aceitá-las. Será que não nos livraremos destas regras?
Deixai-nos em paz, não queremos sua perfeição, somos
criadores, não copiadores!
Esta busca pela verdade passou pela religião e nos levou
diretamente à racionalidade científica, hoje talvez nosso Se a vida é aparência então afirmar a vida significa afir-
maior objeto de crença. O padre sempre diz a verdade, mar a própria aparência. Verdades são ilusões que es-
pelo menos é o que ele acredita. Suas ideias, sua visão de quecemos como tais, são mentiras que se envergonham
mundo, suas crenças têm o aval de Deus. E assim, quan- de si mesmas. A ditadura da verdade nos mostra a impo-
to mais absurdo, mais ele deve ter fé, mas não sejamos tência de criar, ela não passa de um suicídio passivo, de
hipócritas, há sempre um padre em nós que acredita es- uma fuga da realidade, de um desejo de imutabilidade,
tar dizendo a verdade em nome de algo superior. de um ressentimento com o devir, com a vida, com tudo
que este mundo tem a oferecer. Esta ditadura rechaça
O mesmo acontece com a ciência, ela não é capaz de ex- tudo que não consegue dominar e adestrar, mas verda-
plicar a realidade, apenas a interpreta tanto quanto qual- des nômades perambulam, perigosas, tornando instável
quer outra área do saber humano. A má ciência se acha o conhecimento racional.

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Ditadura da verdade

A verdade não deve ser descober-


ta ou encontrada, mas criada! No-
vos conhecimentos e novas ver-
dades implicam em novos modos
de vida, novas possibilidades.
Sendo assim, não podemos rei-
vindicar a posse dela, mas ain-
da podemos ser honestos com
nós mesmos. Você é capaz de
suportar sua própria verdade? •
Ditadura da informaçao
Miguel Lebre

O
Fenômeno social conhecido por modernidade Atualmente somos nivelados pela indústria da informa-
emergiu como um conjunto de fatos que reorga- ção que nos vende emoções travestidas de racionalida-
nizaram a forma do homem pensar e se relacio- de, religiosidade e moralismo em forma de tecnologia
nar com outrem. Podemos destacar dentre estes fatos a e a exploração como a mais bela forma de cooperação.
desdivinização da terra, onde o homem passa a ocupar Esta indústria perversa é de extrema importância para a
o centro das preocupações terrenas o que culmina na manutenção do status quo e para que este fim seja de-
criação da visão de homem indivíduo. O indivíduo é o vidamente assegurado uma série de ferramentas foram
ser capaz de se relacionar por si só com o divino e com criadas para garantir o acesso do cidadão à mídia de
o mundano, sem a intercessão de sacerdotes ou media- massas, ao conjunto destas ferramentas chamaremos de
dores, de forma que se faça possível a vivência social, Ditadura da Informação.
construindo, preservando, e transmitindo à novas gera-
ções suas ideias e particularidades. Para alguns, ultra- Os elementos ditatoriais estão presentes em nosso coti-
passamos a modernidades há tempos e portanto somos diano e constituem uma das mais poderosas formas de
sujeitos pós-modernos, ocasionando uma série de novos controle da atualidade. Tomemos como exemplo o exa-
comportamentos sejam eles positivos ou negativos, en- me nacional do ensino médio, exame que nasceu com a
tretanto manteremos por uma questão didática o ho- ânsia de selecionar para o ingresso no ensino superior
mem moderno e a modernidade como padrão, uma vez pessoas que tivessem sobretudo a capacidade de formar
que o conceito se faz suficiente para a compreensão da sua própria opinião, transpondo as barreiras da reprodu-
linha argumentativa do texto. Apresentaremos também ção do conhecimento. Ocorre que hoje o foco do Enem
uma forma de comportamento que a rigor anulam algu- mudou, sua nova ênfase segue a tendência da superva-
mas das características que anulam a existência indivi- lorização e da reprodução do conhecimento midiático
dual descrita acima: o comportamento de massas. de massas. Citei o Enem como exemplo mas as formas
de controle não estão restritas ao contexto do ensino, o
O fenômeno do comportamento de massas, extrema- mercado de trabalho tem como uma de suas principais
mente difundido pelos psicólogos Gustave Le Bon e exigências um sujeito “bem informado” que consuma
Sigmund Freud consiste em uma forma de comporta- diariamente boas doses da mais fictícia das realidades.
mento caracterizada por uma adesão irracional a um Devo alertar ( ainda que me pareça óbvio) que a apro-
propósito, ou seja, deixamos de ter um vínculo reflexivo priação dos meios de acesso ao ensino superior por par-
com determinada ação em função de uma atitude pre- te das universidade é um dos golpes mais baixos para a
dominantemente passional. Com a compreensão e apro- manutenção de um país segregador e exploratório.
priação do fenômeno de massas como ferramenta de mí-
dia, os meios de comunicação passaram a usar a adesão Ora, uma vez que consideramos uma das principais
irracional como forma predominante de garantia do vín- características da modernidade a possibilidade da re-
culo produtor-consumidor, ao fenômeno de apropriação lação com outrem e da produção do conhecimento em
da massa pelos meios de comunicação chamaremos de algo conhecido como subjetividade privatizada ou seja,
indústria cultural. a plenitude da vivência humana deixa de ser pautada
em valores estruturais (ou seja, organizados referen-
Nunca tivemos tanta facilidade ao acesso de informa-
ções, aparentemente os meios de comunicação se ade-
quaram a todo nicho social, ainda que vivamos em um
país de terceiro mundo onde as desigualdade sociais são
Nenhum pensamento é imune à sua
latentes, somos abraçados por doces palavras que nos
comunicação, e basta já expressá-lo
confortam e nos mostram a “realidade como ela é”. Tudo
isso motivado pela imensa benevolência midiática, num falso lugar e num falso acordo para
correto? Não. Podemos à partir da definição de massas minar a sua verdade.
compreender a intenção da “Mídia de massas” que nas-
ce como uma forma de controle e não como uma bondo-
sa forma de democratização da informação.

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Ditadura da informacao

cialmente pelo coletivo) e esta forma de subjetividade tatorial de vida estar extremamente estabelecida há uma
desencadeia a formação do indivíduo moderno, deve- luz ao fim do Túnel: a emancipação intelectual.
mos considerar essa nova forma de imposição de no-
vas verdades e a valorização da reprodução de um co- A possibilidade de produzir, acumular e transferir co-
nhecimento adquirido (independentemente da fonte nhecimento, e portanto informação, nos tirou da con-
de aquisição) e nos atentarmos para uma questão que dição de animais irracionais, portanto a culpa de nosso
apesar de alarmante só poderá ser respondida longitu- cativeiro não está na informação em si, mas sim no ca-
dinalmente: estamos, através da Ditadura da Informa- ráter ideológico com que a usamos, entendamos como
ção, participando ativamente do processo de formata- ideologia o sentido freud-marxista do conceito, onde a
ção do indivíduo? Ao meu ver o processo é plausível. rigidez de conceitos irrefletidos impossibilita a transfor-
mação social. Quando falo em emancipação intelectual,
Passamos a incorporar valores muito mais ligados ao pretendo objetivar a possibilidade do uso da informação
espírito de nossa época do que à nossa própria visão (seja ela jornalística, científica ou filosófica) na formação
acerca do mundo, nossas condutas estão extremamente ou no resgate (se é que um dia existiu) do sujeito crítico
ligadas aos interesses das mais diversas instituições, e e reflexivo e que portanto constrói a partir de seu reper-
por mais diversas que estas sejam o ponto culminante é tório intelectual um mundo ético, crítico e por fim livre •
sempre o capital. Apesar da estruturação desta forma di-

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“E sabeis sequer o que é para mim o “mundo”?
Devo mostrá-lo a vós em meu espelho? Este
mundo: uma monstruosidade de força, sem
início, sem fim; uma firme, brônzea grandeza
de força, que não se torna maior, nem menor,
que não se consome, mas apenas se transmuda,
inalteravelmente grande em seu todo; uma
economia sem despesas e perdas, mas também
sem acréscimo, ou rendimentos, cercada de
“nada” como de seu limite, nada de evanescente,
de desperdiçado; nada de infinitamente extenso,
mas como força determinada posta em um
determinado espaço, e não em um espaço que
em alguma parte estivesse “vazio”, mas antes
como força por toda parte; como jogo de forças e
ondas de força, ao mesmo tempo um e múltiplo,
aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali
minguando; um mar de forças tempestuando e
ondulando em si próprias, eternamente mudando,
eternamente recorrentes; com descomunais
anos de retorno, com uma vazante e enchente de
suas configurações, partindo das mais simples
às mais múltiplas, do mais quieto, mais rígido,
mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais
contraditório consigo mesmo; e depois outra vez
voltando da plenitude ao simples, do jogo de
contradições de volta ao prazer da consonância,
afirmando ainda a si próprio, nessa igualdade
de suas trilhas e anos; abençoando a si próprio
como aquilo que eternamente tem de retornar,
como um vir-a-ser que não conhece nenhuma
saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço -:
esse meu mundo dionisíaco do eternamente-
criar-a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-si-
próprio, esse mundo secreto da dupla volúpia,
esse meu “para além de bem e mal”, sem alvo, se
na felicidade do círculo não está um alvo, sem
vontade, se um anel não tem boa vontade consigo
mesmo -, quereis um nome para esse mundo?
Uma solução para todos os seus enigmas? Uma
luz também para vós, vós, os mais escondidos, os
mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia-
noite? - Esse mundo é a vontade de potência - e
nada além disso! E também vós próprios sois
essa vontade de potência - e nada além disso!”

(NIETZSCHE, Friedrich. Col. Os Pensadores,


Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho)

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