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Fleming de Oliveira
Fleming de Oliveira
Ficha Técnica
Autor:
Fleming de Oliveira
Título:
No Tempo de Mata-Frades, Visconde de Seabra e Outros.
A Guerra Civil, o Furto dos Códices Alcobacenses e o Mosteiro.
Edição:
Fleming de Oliveira
Luís Pessoa Gaspar
Patrícia Afonso
Advogados:
Alcobaça – Figueira da Foz
Capa:
Mariana Pio das Neves
Catarina Martins
Graciete Lourenço
Imagens:
Arquivo particular do Autor
Biblioteca Municipal de Alcobaça
Biblioteca Nacional de Portugal
Internet
1ª Edição:
2012
Depósito Legal:
347442/12
Not:
- A partir desta Obra, o autor apresentou uma Comunicação no Congresso Internacional Mosteiros Cistercienses
(Alcobaça- Junho de 2012).
- O autor não utiliza nos termos usuais notas de roda pé, sendo o correspondente a esse conteúdo inserido no texto
principal entre parênteses e com letra diferente.
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Fleming de Oliveira
No Tempo de Mata-Frades,
Visconde de Seabra e Outros.
A Guerra Civil, o Furto dos Códices Alcobacenses e o Mosteiro.
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Monge Copista
Capitulo I
Os absolutistas e os monges de Alcobaça. O italiano José Pecchio e os frades
portugueses. A Bula do Papa Bento XIV não teve sucesso. D. Miguel I visita em
1830, o Mosteiro de Alcobaça e é recebido, com todas as honras, por Frei Fortunato
de S. Boaventura. Em Alcobaça, com grande cerimonial, é efetuado Preito de
Vassalagem e Fidelidade a D. Miguel I. O ex-seminarista O Remexido e A Brasileira
de Prazins. Os Divodignos e o Assassinato dos Lentes de Coimbra. O Marquês de
Fronteira e Alorna e as Memórias. Os Arcos da Memória. D. Maria I e Família no
Mosteiro de Alcobaça.
A
o tomarem a defesa do absolutismo, os Monges de Alcobaça foram atingidos, pela queda
de D. Miguel. Aliás, já estavam mais ou menos, condenados. O medo fez fugir os
Monges em 1833, mesmo antes da extinção das Ordens Religiosas, o edifício conventual
foi assaltado e pilhado pela populaça, frementemente revolucionária e descontrolada,
conseguindo-se salvar a custo algumas alfaias, paramentos, obras de arte, de culto, livros
e manuscritos. Foi, não um bodo aos pobres, mas um fartar da vilanagem.
Com o séc. XVII e especial incidência no que se segue, acentuou-se a decadência moral
e religiosa das Ordens, a quem faltou a reforma eficaz, que há muito se impunha.
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É interessante recordar a Relação Da Vinda De El-Rey O Sr. Dom Miguel A Este Real
Mosteiro De Alcobaça (de autor desconhecido, mas recolhida cerca de 100 anos depois, por José da
Cunha Saraiva).
Tratou-se da última visita real a Alcobaça, antes da
extinção das Ordens, de acordo com a antiga tradição dos
monarcas portugueses. Era hábito os monarcas visitarem o
Mosteiro, como decorre de notícias que chegaram até nós,
alusivas aqueles factos. Normalmente, provocavam
regozijo popular e davam lugar a pomposas festas, que os
frades preparavam gostosa e cuidadosamente.
No dia 5 de agosto de 1830, D. Miguel empreendeu, a
partir de Mafra, uma visita de vários dias ao Oeste, muito
concretamente aos Coutos de Alcobaça, um altar
simbólico da aliança entre a Monarquia e a Igreja. Não se
conhece qual foi, propriamente, a razão desta visita.
Parece que o Rei terá dito, várias vezes, ao seu amigo
Abade Geral de Cister que, assim ficou muito
reconhecido, agradecido e emocionado, que gostaria de
visitar o Mosteiro de Alcobaça, tendo decidido, talvez, em
julho de 1830, que aí se deslocaria, nos princípios de
agosto. É possível que o gosto de
Monja Cisterciense
viajar, adquirido ou reforçado durante a sua estadia na Áustria, o
tenha impelido a ir a Alcobaça. Pode ter sido um ato de devoção, por parte de um Rei,
alegadamente, religioso. Mas também não é de afastar que tenha tido interesse em
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No Fundão e Covilhã, Beira Baixa em geral, a causa miguelista tinha muitos e ativos
apoios traduzidos, nas famílias e oficiais de corpos militares regulares bem como na
constituição de um Batalhão de Voluntários Realistas.
O Corpo de Voluntários Realistas, foi uma organização miliciana criada por D. Miguel I,
por Decreto de 26 de Maio de 1828, na sequência da revolta liberal ocorrida no Porto,
sendo nomeado seu comandante, o Duque do Cadaval.
No exército miguelista, o Corpo de Voluntários Realistas constituía um escalão de elite
no quadro das Milícias do Reino, constituído por voluntários selecionados entre os
apoiantes da causa, tendo-se inicialmente previsto que seria constituído por duas
brigadas estacionadas em Lisboa mas, perante uma alargada oferta de voluntários e o
crispar da guerra, foram criados Batalhões ao longo do País.
O Batalhão de Voluntários Realistas do Fundão, tomou parte na Guerra Civil, tal como
outros quando os confrontos se generalizaram, e fez-se representar em Alcobaça no
Preito de Fidelidade e Vassalagem. Do Fundão e Covilhã, vieram ainda militares de
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corpos regulares do Exército, e vários acompanhantes com estandartes e, quiçá, com bom
queijo e alguns garrafões de vinho.
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Coimbra, que passou à História como o Assassinato dos Lentes de Coimbra. Tendo o
Claustro Universitário reunido a 3 de março de 1828, de forma a enviar a Lisboa uma
comissão para felicitar o Infante D. Miguel em nome da Universidade/Academia, o
Cabido da Sé, resolveu juntar-lhe dois Cónegos. Em resposta, 13 estudantes Divodignos,
armados de gadanhas, espingardas e punhais dirigiram-se a Condeixa, aí aguardando a
chegada das duas representações. Com os rostos velados, pararam a caravana e
assassinaram, a tiros de espingarda, os Professores Jerónimo Joaquim de Figueiredo e
Mateus de Sousa Coutinho, feriram um sobrinho deste e os dois cónegos. Perseguidos
por D. Miguel, a maioria acabou na forca, embora alguns tenham escapado,
nomeadamente, para o estrangeiro. Um dos conjurados, conhecido por Manuel do
Nascimento, pelo menos segundo a lenda/tradição foi mais tarde encontrado a viver no
Algarve, em deplorável estado e a trabalhar como caldeireiro ambulante. O presidente
dos Divodignos, apesar de não ter participado diretamente no atentado, foi mesmo assim
preso, mas conseguiu fugir para a Flandres, onde
faleceu anonimamente.
D. Miguel não deixou de compensar a fidelidade e,
em 1829, Frei Fortunato instalou-se em Lisboa para
prosseguir a publicação do Mastigóforo, de que
ainda saíram mais oito números, substituído nesse
ano pelo Defensor dos Jesuítas, jornal que foi
acompanhado, em 1830, pelo Contramina. Com o
Pe. José Agostinho de Macedo, formou uma dupla
temível de combate panfletário aos liberais. No
entanto, era unânime a reputação de Frei Fortunato
como homem de costumes austeros e vida
morigerada, virtudes pouco reconhecidas no Pe. J. Agostinho de Macedo, autor de A
Besta Esfolada. Em 1832, foi nomeado Arcebispo Metropolitano de Évora, título
confirmado pelo Papa Gregório XVI, mas as Monge Copista
simpatias políticas vieram a estar na origem de
irredutíveis conflitos políticos com o Cabido da Sé, de maioria liberal. O governo efetivo
na Arquidiocese de Évora, durou apenas dois anos, pois a marcha triunfal de Terceira, a
partir do Algarve até Lisboa, obrigou-o a renunciar e a assumir o exílio em Roma, de
onde não voltou, reclamando-se sempre como o legítimo Arcebispo de Évora. Em
constante e ininterrupto labor intelectual, suportando privações cruéis, abandonado, sem
rendas, mitras ou apoios materiais, viveu em Roma dez anos, encerrado na Biblioteca do
Vaticano até ao derradeiro fôlego em 1844, sendo sepultado na Igreja de S. Bernardo,
sem direito a epitáfio.
Camilo Castelo Branco opinou sobre Frei Fortunato, colocando na boca de O Remexido
(ex-seminarista que serviu D. Miguel e o Brigadeiro Sebastião Cabreira, que na Guerra Civil derrotou Sá da
Bandeira, na Batalha de Sant’Ana em 24 de Abril de 1834, travada próximo da Ermida com o mesmo nome,
em plena região serrana algarvia, alguns quilómetros a norte de S. Bartolomeu de Messines, saldando-se por
uma vitória das tropas miguelistas. Mais tarde revelou-se um perigoso salteador, fuzilado depois da
Convenção de Évoramonte, apesar da aministia concedida a antigos combatentes miguelistas ), em A
Brasileira de Prazins (em cujo enredo, Camilo procura dar ao leitor um retrato das condições sociais,
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IV, porém, num dos raros gestos de desinteresse que praticou em toda a sua vida, só depois de muito instado
pelo genro escolheu, como recordação, uma cimitarra cravejada de pedras preciosas ).
Manuel Vieira Natividade, refere que ao lado esquerdo da livraria, fazendo a frente
para leste, existem uns quartos bastante espaçosos que eram destinados a encerrar os
livros proibidos, os livros dos grandes pensadores, que só monges velhos e de
reconhecido fervor religioso era permitido ver, porque por certo se não deixariam
arrastar pelas doutrinas dos novos filósofos.
Após a visita, o Rei jantou no quarto e dirigiu-se à janela da Hospedaria do Mosteiro, de
onde durante cerca de duas horas assistiu aos festejos que decorriam no terreiro fronteiro.
E, foram tantos os vivas e foguetes e demonstrações de alegria (…) e El rei estava tão
satisfeito como bem amostrava, que mandou chamar o Corregedor e Juiz de Fora e
mandou soltar todos os presos, que não tivessem parte.
A maior parte da viagem decorreu nos Coutos que,
para além do conflito entre absolutistas e liberais que
assolava o País, continuavam a ser palco de
confrontos entre os frades e os aldeões, por razão da
cobrança de rendas, foros e outros direitos
senhoriais. O Marquês de Fronteira, recorda que, em
1824 os rendeiros dos frades se tinham rebelado,
largando fogo às medas de trigo que pertenciam à
comunidade e que o Abade Geral do Mosteiro se vira
obrigado a chamar a tropa estacionada em Leiria. No
caso de Aljubarrota, onde houve por várias vezes
uma especial conflitualidade, o litígio traduzia-se na
opressão, e nos limites da doação de D. Afonso
Henriques, que se arrastava desde os finais da Idade Média. Terá sido depois do jantar,
durante uma conversa havida na varanda do quarto, que o Esmoler-Mor do Reino, Frei
António da Silva, Abade de Alcobaça durante o vintismo, aproveitou para dizer ao Rei
que os povos dos coutos, principalmente os de Aljubarrota, aproveitando-se da rebelião
que as Cortes causaram, tinham arruinado o Arco Memória, onde fez voto o Sr. D.
Afonso I, e que pedia a S.M. o mandasse reedificar.
O Arco da Memória, na Serra dos Candeeiros (note-se que há um outro em Vidais-
Caldas da Rainha, destruído em 12 de janeiro de 1911, na fúria iconoclasta republicana e
reconstruído em 28 de junho de 1981) assinalava o Serra dos Candeeiros
Arco da Memória
limite norte dos Coutos e era um símbolo material
dos poderes senhoriais do Mosteiro, cuja contestação
o Abade circunscrevia, redutoramente, ao liberalismo. D. Miguel concordou com a
sugestão, propondo que no Arco a reconstruir, se fizesse uma inscrição que doravante o
ligaria física e simbolicamente, a D. Afonso Henriques: El Rei D. Afonso I o mandou
fazer e D. Miguel I reedificar.
Todos os Reis de Portugal (com exceção de Filipe II, Filipe III e D. Manuel II) visitaram
o Mosteiro de Alcobaça. Foram lustrosas as duas visitas, no meio de grande alvoroço
popular e repicar de sinos das torres do Mosteiro, que D. Maria I havia efetuado, não
muitos anos antes.
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A primeira aconteceu a 19 de setembro de 1782. Por ter ali passado apenas algumas
breves horas, deixou a promessa de regressar. A Rainha, foi acompanhada pelo tio, irmão
de D. José, e marido D. Pedro III (em 6 de Junho de 1760 este casou com a sobrinha e
ainda herdeira. Com a subida desta ao trono em 1777, tornou-se rei consorte, sendo
cognominado depreciativa ou jocosamente O Capacidónio, pela maneira como se referia
a várias pessoas ou O Sacristão, pelo seu fervor religioso), o Príncipe da Beira (Príncipe
D. José, que embora mais velho que o futuro rei D. João VI, não lhe sobreviveu, pois
faleceu em 1788) a Princesa (Mariana Vitória), as Infantas (Maria Clementina Francisca
e Maria Isabel de Bragança) e o Infante (João Maria José, futuro D. João VI),
Camaristas, Damas, Açafatas, Moços de Câmara, uma companhia de soldados a cavalo
com clarins, e aproveitada para que o Abade Geral D. Manuel de Mendonça, pedisse
autorização para a transferência dos túmulos de D. Pedro e D. Inês para o
futuro/restaurado Panteão Régio, conforme o projeto de Guilherme Elsden. Durante a
visita, aproximou-se uma mulher a pedir à Rainha que mandasse soltar o marido, preso
(injustamente) à ordem do Corregedor da Comarca, o que veio a acontecer sem dispendio
algum.
Em 1786, D. Maria, já em plena Revolução
Francesa que muito a iria perturbar, viúva,
voltou a Alcobaça para cumprir o prometido e
inaugurar o Panteão Régio, no braço sul do
transepto da Igreja, tendo com a Família
ficado cinco dias alojada nas salas do Claustro
da Hospedaria.
Os portugueses parecem conhecer pouco a
História de Portugal, especialmente a que
decorreu a partir dos fins do primeiro quartel
século XIX. Os Historiadores investigaram
exaustivamente tudo até ao Marquês, como se
depois não houvesse mais História. O Estado Novo assumiu uma postura relativamente
semelhante, que levou com mau resultado às Escolas, pois a História mais importante de
conhecer é a Moderna/Contemporânea, a que pode servir de lição. Recorde-se que de
certeza não haverá mais Batalhas de Ourique, Nosso Senhor não irá ( re)aparecer ao Rei
de Portugal, a Rainha Santa não (re)fará o Milagre das Rosas, Gil Eanes não ( re)dobrará o
Bojador, Vasco da Gama não (re)descobrirá o caminho marítimo para a Índia…. Mas já
não há a certeza de não voltar a haver conflitos entre o Estado e a Igreja, lutas entre
absolutistas e democratas ou furto de códices. A história do século XIX é a assombrosa
implantação do novo regime, das instituições democráticas, das dificuldades em se
adaptarem e imporem, o mostrar do significado ideológico e as representações que lhes
estiveram associadas. Até ao fim do Mundo
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Capítulo II
Manuel Vieira Natividade. Os livros proibidos da Livraria do Mosteiro de
Alcobaça. Os Cronistas do Reino e de Cister. A Igreja de braço dado com o
Miguelismo. O Pe. João de Matos Barrocas e a Pavorosa. A Carta Constitucional. A
indisciplina monástica e as saudades de Almeida Garrett. O devorismo segundo
Oliveira Martins. Golpes e contragolpes.
N
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A comunidade de Alcobaça, nos últimos anos do século XVIII, vivia com alguma
simplicidade mais do que frequentemente se julga ( apesar de lendas mais ou menos malévolas, na
maioria imputadas aos liberais ) como refere o francês D. Maur
Cocheril, bom amigo de Portugal e de Alcobaça, reputado
historiador de Cister e primeiro cisterciense a rezar missa,
no extinto mosteiro.
O acento tónico da espiritualidade era, em princípio, dado
pelos textos tradicionais. Na Biblioteca pontificavam as
obras úteis à Lectio Divina, ou Leitura Orante (prática e
método de oração, reflexão e contemplação praticado pelos monges
desde tempos antigos, especialmente nos mosteiros de formação
beneditina e que consiste na oração e leitura das Escrituras com o
intuito de promover a comunhão com Deus e aumentar o
conhecimento da Sua Palavra), à exegese escriturística numa
dimensão histórico-crítica ou teológica e à formação
Selo de S. Bernardo litúrgica geral. Todavia, os textos eram variados, apesar
de serem fundamentalmente de conteúdo filosófico-
teológico, não técnico ou para fins externos. Se fosse possível inventariar a antiga
Livraria, concluir-se-ia que, haveria textos a que corresponderia um interesse, não mais
que secundário, eventualmente técnico-rural. Em jeito de conclusão, os Monges de
Alcobaça, tal como religiosos de outras comunidades, não se assumiram como
transmissores de textos de novas ideias ou descobertas. Livros proibidos, sempre houve,
e a Igreja de Roma impunha as regras, dava o mote. O conteúdo dos de Alcobaça não foi
possível apurar, pois que nem a Relação Da Vinda (…), Natividade ou Frei Fortunato, o
esclareceram. Aliás, nunca houve inventário relativamente a eles, nem o do Dr. Faria e
Melo, mais de 100 anos após a extinção das Ordens. A Igreja Católica era e sempre foi
muito ciosa quanto à difusão de ideias que alterassem os equilíbrios tradicionais, bem
como os princípios supostamente basilares e, como tal, imutáveis. O exemplo mais
frisante tratou-se da Inquisição, com O Index Librorum Prohibitorum, rol de publicações
proibidas, livros perniciosos, contendo ainda as regras relativamente a esses e outros. O
objetivo inicial do Index consistia em reagir contra o avanço do protestantismo (aliás
encontrava-se sob a alçada da Inquisição), e abrangia os textos que se opusessem a doutrina
oficial da Igreja Católica. Deste modo, visando prevenir a corrupção dos fiéis, foi sendo
sido atualizado regularmente até a 32ª. edição, em 1948. Os livros eram escolhidos pelo
Santo Ofício ou pelo Papa e, em certos casos, podiam ser reapreciados e publicados,
desde que com correções, se os autores pretendessem evitar a interdição definitiva. A
edição de 1948, continha 4000 títulos, acusados de heresia, deficiência moral,
sexualidade explícita, incorreção política, etc.
Obras de cientistas, filósofos, enciclopedistas ou pensadores
da estirpe de Galileu, Giordano Bruno, Maquiavel, Erasmo,
Baruch de Espinosa, John Locke, Berkeley, Denis Diderot,
Blaise Pascal, Hobbes, Descartes, Rousseau, Montesquieu,
Hume ou Kant pertenceram a esta lista, bem como
romancistas ou poetas como Laurence Sterne, Heinrich
Heine, John Milton, Dumas (pai e filho), Voltaire, Jonathan
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Swift, Daniel Defoe, Vitor Hugo, E. Zola, Stendhal, G. Flaubert, Anatole France, Honoré
de Balzac, Jean-Paul Sartre, Níkos Kazantzakis, e o médico Theodoor Hendrik van de
Velde, autor de O Perfeito Casamento (este livro, um manual sexual na Alemanha, atingiu 42
edições até 1932, não obstante constar da lista dos livros proibidos. Na Suécia, país protestante e de social
democracia, o livro era muito conhecido, embora com passagens consideradas pornográficas e inadequadas
para jovens), também estiveram no Index, que aliás foi abolido sem oposição, nem
manifestações de júbilo, por Paulo VI e anunciado a 15 de Junho de 1966 no
L'Osservatore Romano.
Os Monges de Alcobaça foram amantes e colecionadores de livros, talvez ainda que
apenas por serem belos. O amor ao livro, não é sinónimo do Bernardo de Claraval
amor às letras, embora só mereça o qualificativo de bibliófilo,
que não seria o caso da maioria dos monges, quem sabe
associar o livro à encadernação, isto é, o valor intrínseco das páginas ao sinal externo, e
preza o apuro da perfeição ou o fulgor que lhe emprestam algumas verdades ou
sentimentos. Amar os livros pela beleza da apresentação e alguns de Alcobaça eram
belíssimos, a qual muitas vezes não correspondia merecimento intrínseco, não é amá-los
pelo que se ocupavam e pelo potencial da sua evocação. A cultura de uma Pátria, de que
a Livraria de Alcobaça era um repositório, não se serve a uma voz, e quanto mais
diversificada for, tanto melhor para a expressão do coletivo, feito de coincidências e de
contrastes, de saudades e de esperanças, de descoroçoamento e de tenacidade, de
ternura e de varonia, sempre à chapada do sol, que se gera a modorra e o suor também
gera a alegria de viver e o horror saudável da soturnidade.
Pelo menos assim o entendemos nos tempos que correm.
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Concílio de Constança, foi queimado vivo), com obras mandadas queimar (Alvará de 18 de Agosto
de 1451 de D. Afonso V). Posteriormente, há notícias da repressão de textos luteranos por D.
Manuel, o que levou o Papa Leão X a agradecer-lhe, em 20 de Agosto de 1521. A Inquisição foi
instaurada em Portugal em 23 de Maio se 1536 pela bula Cum ad nihil magis, que proibia o ensino
da religião judaica entre os Cristãos Novos e o uso das Sagradas Escrituras em linguagem,
isto é, em lugar do latim. Uma das primeiras decisões do Cardeal D. Henrique foi
ordenar ao Prior de S. Domingos e respetivos frades, que procedessem a um varejo nas
livrarias públicas e particulares, à procura de livros proibidos ou considerados nefastos à
Igreja ou poder real, além de não permitir a impressão de qualquer livro, sem
examinação prévia, Imprimatur.
A Biblioteca de Alcobaça contava, segundo algumas estimativas pouco precisas, não
muito menos volumes que a de Mafra, embora a ocupar um espaço relativamente menor,
mas muito menos que os da Biblioteca Joanina, da Universidade de Coimbra ( esta para uso
escolar) entre os quais avultavam obras raras, algumas atribuídas a impressão de
Guttemberg, para além dos Manuscritos que constituíam a sua principal riqueza e a
tornaram renomada. De acordo com um catálogo publicado em 1775, iam além de 400
os códices manuscritos, in folio, nos quaes se continham importantes notícias e valiosos
documentos para a história de Portugal.
Como era a Biblioteca de Alcobaça, por alturas de 1824, quando o Marquês de Fronteira
visitou o Mosteiro?
Passamos à Biblioteca que era a primeira que via tanto em número de volumes como em
grandeza de edifício; quando vi a de Santa Cruz, Santo Tirso e outras muitas, nada
admirei porque achei todas muito inferiores à de Alcobaça. Nada posso dizer do
merecimento, porque nunca me julguei nem
julgo, no caso de
Bernardo de Claraval a apreciar.
Os Abades, senhores de enormes
domínios (os Coutos de Alcobaça abrangeram cerca de
440km2, e na sua fase de maior expansão 14 vilas a
saber, Alcobaça, Aljubarrota, Alvorninha, S.
Martinho do Porto, Évora de Alcobaça,
Pederneira, Cela Nova, Maiorga, Turquel, Salir de
Matos, Stª Catarina, Alfeizerão, Cós e Paredes da Vitória)
e detentores de poderes senhoriais
ímpares, souberam dotar o Mosteiro de estruturas que lhe permitiu explorar
sustentadamente e preservar ciosamente o património, bem como o status, protegendo-o
de interesses estranhos, cobiçosos, e transmiti-lo às gerações vindouras. Mau grado as
crises porque o Mosteiro foi passando ao longo dos séculos, fossem elas de tipo
económico, demográfico, social, político ou mesmo natural, sobreviveu e viu consolidar-
se a relevância como a grande Abadia de Cister. O êxito alcobacense deveu-se, em boa
parte, à forma de gestão do saber e património que se estendia por uma grande área
territorial, o que lhe permitiu atravessar séculos e impor-se como a mais poderosa casa
cisterciense, qual unidade empresarial até à extinção, e atesta-se na capacidade de
concretização de estruturas carreadas para a administração e governo, que deram
exequibilidade e conteúdo ao projeto monástico-senhorial. Convenção de Évoramonte
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O Marquês de Fronteira diz que, eu tinha ouvido desde a primeira infância, que o
espírito e o talento eram muito raros no famoso mosteiro da Ordem de Cister.
Ao longo dos tempos, difundiu-se a ideia que, no seu conjunto, os Monges de Alcobaça,
gordos e ociosos, eram néscios e boçais, constituíam uma plêiade verdadeiramente
reacionária, vendo no progresso social, científico, técnico ou filosófico, uma corrida em
direção ao abismo. Aliás, durante muitos anos nobreza e cultura, também, não andaram
de mãos dadas. Mas, a versão monges néscios e boçais, não é rigorosamente correta.
Refiram-se, em contraponto, os exemplos dos autores da Monarchia Lusitana. Após o
falecimento de Francisco de Andrada, Cronista-Mor do Reino, foi nomeado como seu
sucessor Frei Bernardo de Brito, que deu inicio a um projeto para redigir uma
monumental História de Portugal, desde as origens até à sua época, a Monarchia
Lusitana, do qual publicou o primeiro volume em 1597 e o segundo em 1609. Após a sua
morte, a obra foi continuada até ao quarto volume por Frei António Brandão. Em 1614
Filipe II nomeou-o Cronista-Mor do Reino. Frei António Brandão, considerado como o
primeiro a elaborar uma história científica de Portugal, também escreveu a Monarchia
Lusitana, sendo o autor das terceira e quarta partes, sucedendo na tarefa a Frei Bernardo
de Brito. Por sua vez, foi sucedido na continuação da Monarchia Lusitana por Frei
Francisco Brandão. Frei Bernardo de Brito, in Crónica de Cister defendeu, no início do
sec. XVI, a tese de que os destinos de Portugal e da Ordem estavam, intimamente,
ligados por desígnio divino e até por laços de sangue Bernardo de Claraval e o Conde D.
Henrique.
Na Monarchia Lusitana, Frei Bernardo de Brito, partindo da identidade étnica e
territorial de Portugal com a Lusitânia, descreveu a corografia e a história desta, até
Afonso Henriques, numa narrativa plena de reflexões moralistas, maravilhosas e
mágicas, recordando os romances de cavalaria.
As falsificações de Frei Bernardo de Brito devem, todavia, entender-se no propósito de
garantir ao País, então sob a dominação filipina, um prestígio antigo e brilhante e,
principalmente, o direito à independência. FBernardo de Brito, afastando-se da crónica
palaciana, teve de procurar outras fontes, nem que para isso viciasse autores ou
documentos.
Frei António Brandão, teve uma preocupação, porventura, mais séria, socorrendo-se para
o efeito de arquivos e cartórios espalhados pelo País, que percorreu, discutindo versões a
correr com irrefutáveis foros de verdade, sem prescindir, ainda assim, de preocupações
apologéticas que deformam interpretações e factos.
Seja como for, e tendo em nota o respetivo contexto político-temporal, a Alcobaça e à
Ordem de Cister, pertencem a duvidosa honra de terem sido as autoras, pela pena de Frei
António Brandão, da invenção das Actas das Cortes de Lamego, que teriam ocorrido
entre 1139 e 1143, reunindo em sessão a Nobreza e o Clero do Condado Portucalense,
bem como Procuradores dos Concelhos, sob convocatória do jovem Afonso. Nessa
suposta reunião, os representantes teriam eleito D. Afonso, como 1º Rei de Portugal e
estabelecido a Lei da Sucessão Dinástica. Deste modo, as mulheres primogénitas teriam
direitos de sucessão, mas não poderiam casar livremente com estrangeiros. No caso de
isso acontecer, o marido não poderia intitular-se Rei de Portugal e governar
conjuntamente com a esposa. Quereriam estas Cortes definir ( mas que nunca existiram, como
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demonstrou o grande Herculano) que o País nunca poderia ser governado por um rei
estrangeiro, tendo sido o empenhado suporte de uma Lei, que vigorou em Portugal, por
quase mais 200 anos. Em 1640, Portugal tinha readquirido a independência, e procurava
legitimar as pretensões, junto dos reinos europeus. Com o documento, provava-se que
Portugal tinha decidido, há séculos, ser independente, e que elegera por Rei o jovem D.
Afonso Henriques e, assim, deveria continuar.
Já na Restauração, Frei Francisco Brandão, em Monarchia Lusitana cedeu de novo a uma
reflexão menos criteriosa, embora sem os arrojos de Frei Bernardo de Brito.
Em princípios do Sec. XVIII, à pena de Frei Manuel dos Santos ficou a dever-se a
Alcobaça Ilustrada, dando este século ainda a conhecer três historiadores alcobacenses,
agora com a preparação da Academia Real de História, Frei Manuel da Rocha, Frei
Manuel de Figueiredo e Frei Fortunato de S. Boaventura.
Frei Manuel dos Santos também teve as suas fraquezas, como historiador. D. Pedro I,
morreu em Estremós, no dia 17 de janeiro de 1367, tendo no testamento reafirmado que
queria ser sepultado no Mosteiro de Alcobaça, aonde o aguardava o túmulo ao lado do de
Inês. Até aqui não há novidade. Acontece que, segundo Frei Manuel dos Santos, foi
posto o cadáver no cruzeiro da igreja, enquanto se lhe oficiavam os funerais e
descoberto o rosto, conforme o uso daqueles tempos, quando no fim da missa do
primeiro dia notaram os presentes que se movia o corpo do defunto. Admiraram-se e
acharam que o corpo estava vivo, e aqui foi o pasmar e o assombro de todos; mas como
o corpo tinha o rosto e as mãos descobertas, poude falar no mesmo ser em que estava o
redivino príncipe, sem outro movimento ou inquietação espantosa. Chamou pelo Abade
e falou-lhe poucas palavras e se confessou, com maravilhoso socego; depois declarou
como o Senhor lhe fizera tão notável mercê, que via necessária para a sua salvação
pelos merecimentos do glorioso apóstolo S. Bartolomeu, de que ele rei fora, em extremo,
devoto na vida. E dito isto, deu outra vez a alma nas mãos de Deus.
É provável que esta estória, tenha tido como justificação o sentimento de dívida que a
Congregação de Alcobaça, possuía para com D. Pedro I. D. Afonso IV, após um
prolongado e custoso litígio com o Mosteiro, chamou a si um conjunto importante de seis
vilas dos coutos (veja-se a Carta De Confirmação Pela Qual O Rei D. Afonso IV Revalidou Ao Abade E
Mosteiro de Alcobaça Os Direitos Das Julgadas Do Couto De Alcobaça ), como Aljubarrota, Coz,
Pederneira, Alvorninha, Turquel e Salir de Matos, que os Monges detinham
proveitosamente, por doação de reis anteriores. Após a morte de D. Afonso IV, D. Pedro
restituiu-lhe estas vilas.
No Portugal, que vai até meados do século XII, o uso de textos parecia desempenhar uma
função quase exclusivamente litúrgica e ritual, para o que não era necessário uma
formação prolongada ou tematicamente muito
diversificada, especialmente técnica.
A fundação de mosteiros a partir de fins da primeira
metade do século XII, dotados de um dinamismo que dava
relevo às letras, humanidades, como fonte de prestígio e
distinção simbólica, não veio alterar este panorama. Seja
como for, era quase tão só para a vida interna de
mosteiros, como Alcobaça ou para o serviço burocrático
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assinou este acordo em 1815, quádrupla aliança, enquanto que a França veio a faze-lo em
1818, com Luís XVIII, a quíntupla aliança (bloco político-militar, que durou até as revoluções
europeias de 1848, combateu revoltas liberais e interferiu na política dos países ibéricos, já que era a favor de
um novo conceito de colonização, para o derrube do regime constitucional e recondução de Fernando VII,
encorajava o absolutismo em Portugal, a Rainha e seus apoiantes ). A 27 de Maio de 1823, D. Miguel
deslocou-se a Vila Franca de Xira e aí juntou-se-lhe um Regimento de Infantaria. Foram
dados vivas à Monarquia Absoluta, e há quem defenda que o Infante e a Mãe projetaram
a abdicação de D. João VI, por via da chamada Conspiração da Rua Formosa, que previa
a prisão do rei e sua abdicação, a morte de deputados vintistas, entre eles M. Fernandes
Tomás.
No final do mês, D. João VI decidiu assumir a direção da revolta, encorajado pelo
levantamento do Regimento de Infantaria 18, que viera ao Palácio da Bemposta (vulgo
Paço da Rainha), onde a família real vivia desde que regressara do Brasil ( hoje, sede da
Academia Militar), dar-lhe vivas como Rei Absoluto. Assim, partindo para Vila Franca de
Xira, compeliu o infante a submeter-se-lhe e regressou a Lisboa em triunfo, ainda que
conjuntural. Os parlamentares dispersaram-se, liberais de renome partiram para o exílio e
foi restaurado o regime absolutista. Os apoiantes de D. Carlota Joaquina continuaram a
intrigar, e decorrido menos de um ano eclodia nova revolta de cariz absolutista, a
Abrilada que, falhada, resultou no exílio de D. Miguel para a Áustria.
A Vilafrancada foi um resultado de tensões que a rapidez das mudanças políticas no país
haviam realçado e contribuiu para alimentar o clima de instabilidade que continuou com
a Guerra Civil e se prolongou até à Regeneração.
Com o falecimento de D. João VI e D. Miguel exilado em Viena, a regência considerou
que D. Pedro, seria o herdeiro do Trono de Portugal. No Brasil, D. Pedro chamado a
assumir o Trono de Portugal, recusou-o, abdicou na filha Maria da Glória e outorgou a
Carta Constitucional. A Carta foi uma concessão régia, que não só não afirmava, ao
contrário da Constituição de 1822, o princípio, primado, da soberania popular, como
concedia ao Rei um importante papel na ordenação constitucional. Estipulava a
separação de poderes que, além dos clássicos três, Legislativo, Executivo e Judicial,
passou a ter mais um, o Poder Moderador. O Poder Legislativo, competiria às Cortes
com a Sanção do Rei, sendo exercido por duas Câmaras, a dos Deputados, eletiva e
temporária, e a dos Pares, com membros vitalícios, nomeados pelo Rei, sem número fixo
e com lugares hereditários. O Poder Moderador, o mais importante, pertencia
exclusivamente ao Rei, que velava pela harmonia dos outros três e não estava sujeito a
qualquer responsabilidade. O Poder Executivo também pertencia ao rei, através dos
Ministros. O Poder Judicial é independente e assentava no sistema de juízes e jurados. A
Carta enunciava ainda os direitos dos cidadãos, entre os quais a Liberdade de Expressão,
o Direito de Segurança pelo qual ninguém pode ser preso sem culpa formada, e o Direito
de Propriedade. Mas não imputava deveres.
Para voltar a Portugal, D. Miguel aceitou celebrar
esponsais com a sobrinha e ser nomeado Regente durante a
menoridade desta, jurou a Carta Constitucional, com
reserva de todos os seus direitos e a expressa determinação
de esta ser previamente aceite pelos Três Estados do
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alertado pelo incomodado Abade, escandalizado mesmo! com o facto de ver os irmãos,
respetivas mulheres e filhos, lado a lado na Missa. Segundo reza a história, Fraga
chamou o Zé e diante dos camaradas perfilados em formatura, não teve dúvidas em o
expulsar das fileiras, exigindo-lhe a devolução da arma e avisar que a luta iria prosseguir,
com tenacidade.
A História de Portugal, mostra que, desde tempos remotos, homens e mulheres mataram
por paixão política e não, motivos fúteis, bandidos semearam o pânico, houve acabados
facínoras, ladrões de igrejas e hereges. Muitos sofreram no corpo, as consequências dos
seus atos, perante uma sociedade que aceitava a Lei de Talião, olho por olho, dente por
dente. Isto está longe da interpretação idílica de Júlio Dantas ou Salazar que salientava
aquelas qualidades que se revelaram e fixaram e fazem de nós o que somos e não
outros; aquela doçura de sentimentos, aquela modéstia, aquele espírito de humanidade,
tão raro hoje no mundo; aquela parte de espiritualidade que, mau grado tudo que a
combate inspira ainda a vida portuguesa; o ânimo sofredor; a valentia sem alardes; a
facilidade de adaptação e ao mesmo tempo a capacidade de imprimir no meio exterior
os traços do modo de ser próprio; o apreço dos valores morais; a fé no direito, na
justiça, na igualdade dos homens e dos povos; tudo isso, que não é material nem
lucrativo, constitui traços do carácter nacional. Se por outro lado contemplamos a
História maravilhosa deste pequeno povo, quase tão pobre hoje como antes de descobrir
o mundo; as pegadas que deixou pela terra de novo conquistada ou descoberta; a beleza
dos monumentos que ergueu; a língua e literatura que criou; a vastidão dos domínios
onde continua, com exemplar fidelidade à sua História e carácter, alta missão
civilizadora - concluiremos que Portugal vale bem o orgulho de se ser português).
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Neste cenário de confronto, parte significativa ( mas que não conseguimos quantificar ) da Igreja
tinha aderido aos absolutistas de forma despudorada, pelo menos se aferida por atuais
padrões, graças à matriz religiosa do discurso, de relevante componente messiânica que
coincidia com os interesses de uma Igreja parada no tempo, em que a ameaça de uma
revolução francesa, perturbava os dignitários. Estes horrorizaram-se face às atrocidades
sofridas pelo clero francês e, sobretudo, com os efeitos político-sociais de um programa
descristianizador.
Valores e verdades indiscutidas e indiscutíveis, eram de repente questionadas,
ridicularizadas, pela Deusa Razão, o que constituía uma afronta insuportável para o
entendimento da Igreja tradicionalista. O direito à legítima defesa, era entendido como
imperativo de sobrevivência. A resistência miguelista teve, enfim, no seio da Igreja, o
terreno propício para germinar, ao associar-se à denúncia do assalto da impiedade à
cidade de Deus.
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O
Juiz de Fora, diz, que é do seu dever o participar o zelo com que muitos Párocos, e mais
Sacerdotes tem eficazmente promovido o actual Sistema, e aqueles do seu distrito que
igualmente se empenham num objecto tão proveitoso: O Prior do Convento de S.
Mosteiro de Alcobaça
Domingos Frei José Teixeira, da primeira vez que explicou aos Povos o que era, e viria
a ser a nossa Constituição, os deixou tão convencidos, que nada os pode desviar dos
seus sentimentos, e firme adesão; o mesmo tem feito Frei João Jacinto da mesma Ordem
de S. Domingos; e Frei Francisco da Piedade, da Ordem de S. Francisco; que não são
menos eficazes os quatro Párocos da Vila, Manuel Inácio dos Santos e Sousa, Vigário
de S. Vicente; Manuel Jorge, Vigário de S. João; Joaquim José Temudo Moreno, Prior
de Santa Maria do Castelo, o Doutor Luiz António Ferreira Bairrão, Prior de S. Pedro;
também têm concorrido os Curas das Aldeias, como são Manuel Lourenço, da
Freguesia de S. Miguel; António Pimenta do Tramagal; António José Honrado, de Rio
de Moinhos; António dos Santos, de Monte Alvo; Manuel Vicente Rosa, do Souto; João
Pereira Godinho, de Penhascoso; sendo também digno de muito Louvor Domingos José
da Costa, Cura da Freguesia da Bemposta, que está colocado numa posição, por onde
transitam Salteadores, tem sido o seu maior perseguidor, ele fez prender um por nome
Joaquim da Silva Gordo, que praticando bastante resistência foi gravemente ferido, e
remetido ao Hospital.
O Marquês de Fronteira, cita o sacerdote que, inflamado pelas novas ideias, era
indiferentista em matéria de religião, o pouquíssimo tempo que demoravam os sermões
em Roma para não cansar a audiência, e ainda o franciscano de Alcoentre, uma das mais
insípidas vilas do reino, que se dizia liberal, mas não queria Parlamento.
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Mosteiro de Alcobaça
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dar outra direcção social, e evitar assim os barões, que é muito mais daninho bicho e
mais roedor.
Garrett, seguramente conheceu frades e monges que teriam preferido a liberdade
político-liberal para continuar e melhorar a vida religiosa. Não queria os frades de 1834,
em geral, mas os que podiam ser. Era destes que tinha saudades, mesmo de saudades
futuras…
Mas agora faltavam frades, como atores e intérpretes da vida portuguesa. Garrett
lamentava a sua falta, ou a falta que fariam, pelo menos, como os desejava.
Em 1842, Alexandre Herculano, seu companheiro de exílio e luta pelo liberalismo,
pedira compaixão e socorro para os egressos de 1834, que sofriam penúrias. E fizera-o
em termos bastante veementes: Pão para a velhice desgraçada! Pão para metade dos
nossos sábios, dos nossos homens virtuosos, do nosso sacerdócio! Pão para os que
foram vítimas das crenças, minhas, vossas, do século, e que morrem de fome e de frio!
Expulsos dos mosteiros, espoliados das condições de sustento, muitos já idosos, os
egressos tentaram desesperadamente subsistir.
O clero, em geral (como temos referido), alinhou com D. Miguel, pelo que se podem referir
incomensuráveis casos ou nomes. Destacaremos, ainda, o caso de Frei José da Sacra
Família, da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, doutor em Teologia, disciplina de
que foi regente na Universidade de Coimbra, miguelista convicto, que se exilou em
França depois da vitória liberal, onde dirigiu um colégio por onde passaram alguns dos
mais distintos intelectuais portugueses das décadas seguintes. Depois de ter sido
secretário particular de D. Miguel I no exílio, acabou como missionário católico em
Inglaterra, onde faleceu.
Agora era tarde.
Levadas a tão profunda decadência e descrédito, minada a existência de todas as formas,
as Ordens Religiosas não tinham condições para resistir ao embate do vento
revolucionário, nada semelhante a uma brisa, mas a um furacão, às luzes do século.
Danificados tão gravemente os
alicerces, restava assistir ao desabar
do edifício.
Classe maldita era a dos religiosos,
votada a ostracismo e ao desprezo
social. Os frades foram as grandes
vítimas de um tempo de profundos
conflitos, ganância desmedida, mas
sobretudo instabilidade e crise.
Apesar dos subsídios atribuídos aos
não comprometidos com o
miguelismo, múltiplos testemunhos
da época dão conta da situação de
Portaria do Mosteiro de Alcobaça miséria em que acabaram por
tombar muitos, levados à morte por
inanição.
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Capítulo III
O Dr. Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, advogado expulso da OA e, apesar disso,
Chefe das Secções de Manuscritos e Reservados da Biblioteca Nacional. O furto dos
Códices Alcobacenses na BN. A Biblioteca Nacional. Salazar ficou irritado. Códices
a servir de abat-jour, em casa de novos ricos lisboetas. O Mosteiro de Alcobaça e o
apoio ao Corpo de Voluntários Realistas dos Coutos de Alcobaça (miguelistas). O
Corpo de Voluntários Nacionais (liberais). Os Batalhões Académicos. O Ministro da
Guerra e dos Negócios Estrangeiros, D. Miguel Pereira Forjaz e a Bíblia dos
Jerónimos.
O
furto de livros e manuscritos, e algumas peças numismáticas, da Biblioteca Nacional de
Lisboa, levado a cabo pelo Dr. Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, Chefe das Secções de
Manuscritos e Reservados, está hoje em dia praticamente esquecido. Teve, na altura,
alguma repercussão, nomeadamente em certos círculos culturais e sociais da capital, pela
implicação de pessoas de destaque. Em Alcobaça talvez nenhuma.
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sec. XVII ou princípios do Sec. XVIII, o que se referia à história da Índia e descrevia o
itinerário do franciscano Frei Tristão da Cunha, natural de Goa, da Índia até Portugal, por
terra. Dado o alarme, verificou-se, através da consulta dos catálogos e fichas, que
estavam desaparecidos do acervo da Biblioteca Naciona, pelo menos, 25 Codices
Alcobacenses, que tinham pertencido à Livraria do antigo Mosteiro, além de Iluminuras,
Manuscritos, Incunábulos, Livros de Horas, de Música e de Missa, bem como gravuras,
enfim obras únicas e de valor incalculável. Este codice consta do Inventário elaborado
por Faria e Melo, numerado como o Codice nº 132 e tem mesmo alguma história, que
este registou. Quando Frei Tristão da Cunha chegou a Lisboa, terminada a viagem, ficou
instalado em casa do parente Pedro da Cunha Mendonça, onde elaborou o texto que não
concluiu, por ter falecido.
O Cor. Augusto Botelho da Costa Veiga, Diretor da Biblioteca Nacional há vários anos,
participou o caso à Polícia Judiciária no dia 26 de outubro de 1948, tendo as
investigações começado de imediato, sob a orientação do Inspetor Dr. Bordalo Soares,
acompanhado pelo Chefe de Brigada, Antunes Claro, e pelos Agentes Magro e Ciríaco.
Ouvidos, os que trabalhavam na Biblioteca Nacional, passou-se uma busca ao gabinete
do Dr. Arnaldo de Ataíde e Melo, então doente em casa. Para enorme surpresa dos
investigadores, pois era tido como pessoa acima de suspeita, foram descobertos na sua
secretária, partes de livros e de pergaminhos que continham os carimbos da Biblioteca
Nacional e de outros depósitos por onde haviam passado. E também folhas de livros,
iluminuras, algumas rasgadas com os desenhos e frontispícios cortados, as folhas central
e última, onde são carimbadas as obras. Foi ainda encontrada correspondência de pessoas
com quem o Dr. Ataíde e Melo transacionava, onde figurava a carta de uma que lhe
participava ter oferecido obras a um antiquário londrino que as não comprou por ter
suspeitado da proveniência. Quando soube do caso, o Dr. Salazar, ficou irritado, tendo
mandado chamar a S. Bento o Ministro da Justiça, Prof. Cavaleiro Ferreira, ordenando-
lhe que diligenciasse junto da Polícia Judiciária, com vista a um pronto e cabal
esclarecimento.
Com estes dados, a Polícia Judiciária saiu para a rua e,
ao fim de pouco tempo, conseguiu recuperar obras em
alfarrabistas do Chiado e em casa de pessoas ávidas de
prestígio, que estavam, na maior parte dos casos, de
boa-fé. Soube-se que Ataíde e Melo, aproveitando a
liberdade de movimentos, vendeu folhas avulsas que
retirou de obras do património da Biblioteca Nacional,
(como a Vita Christi A Vita Christi é um dos mais importantes
incunábulos, isto é, livros impressos até 1500, em Portugal. Em
quatro partes in-folio impressas em Lisboa, em 1495, por ordem e a
expensas de João II, é considerado o terceiro, embora por alguns
estudiosos o segundo, incunábulo português, depois do Sacramental
e do Tratado de Confissom, e o primeiro livro ilustrado impresso em
Portugal. A impressão foi executada em parceria com Nicolau da
Saxónia, um impressor alemão que chegara a Portugal vindo de
Espanha. O texto original, redigido em latim por Ludolfo de
Saxónia, fora traduzido em Alcobaça antes de 1445. O manuscrito
alcobacense foi revisto pelos frades do Mosteiro de S. Francisco de
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Arquivos da Antiga Biblioteca
Nacional
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Xabregas, antes de ir para a oficina de impressão ),a preços entre 3$00 e 5$00, Manuscritos e
Incunábulos. Foi detido o alfarrabista Salvador Romana, proprietário da Livraria
Barateira, da Rua Nova do Almada, bem como Alice Bastos, uma senhora da burguesia
lisboeta que funcionava como intermediária e comissionista, na venda de peças de
numismática, de que Faria e Melo também se
apropriara.
Em Alcobaça, no final do ano de 1948, estes
acontecimentos tiveram pouca ou nula repercussão,
salvo no escritório do Advogado Dr. Amílcar de
Magalhães, que soube do assunto através de um
colega de Lisboa. A terra vivia serena e
pacatamente, a Oposião era pouco expressiva,
apesar de algumas iniciativas lideradas por Vasco
da Gama Fernandes, quando vinha de Leiria ou
Lisboa, distante dos centros de decisão, tentando
recuperar das privações que sofrera durante a
Guerra e a preparar-se para o Natal. Foram suspensas algumas obras no Mosteiro por
falta de verbas, apesar de estarem adiantados os trabalhos de colocação do novo teto da
sacristia, o que não impediu a visita do Ministro da Educação de Espanha, acompanhado
pelo congénere português Prof. Fernando Pires de Lima, recebidos pelo Presidente da
Câmara Municipal, Júlio Guimarães Biel. Outros assuntos interessavam mais a
Alcobaça, como a tomada de posse dos membros da Comissão Concelhia da União
Nacional, presidida pelo Eng. Jerónimo de Vasconcelos da Cunha Pimentel, a produção e
comercialização de manteiga, inferior às necessidades, que para evitar especulação
passou a ser distribuída pela Intendência Geral de Abastecimentos ou a carreira
interessante do nóvel Ginásio Clube de Alcobaça,
Arquivos da Antiga Biblioteca Nacional
fundado em 1946, graças ao especial empenho do
mal sucedido Presidente da Câmara, Dr.
Nascimento e Sousa que, além de campeão distrital de futebol, alcançou no último
campeonato nacional da II Divisão classificação honrosa. Como se estava em tempo de
Natal, foi muito apreciado saber-se que tinha chegado bacalhau da Gronelândia e da
Terra Nova e que não iria haver racionamento de azeite, bem como o anúncio da entrada
em funcionamento na Linha do Oeste, até ao fim do ano, de automotoras suecas, grandes
e confortáveis com lotação para um total de 100 passageiros sentados em 1ª e 2ª classes.
O Dr. Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, licenciado em Direito pela Universidade de
Lisboa em 9 de nov. de 1923 ( anteriormente havia frequentado o Seminário de S. Vicente, em Braga ),
exerceu advocacia (titular da ced. prof. nº 721, chegou a possuidor de três domicílios profissionais na
Baixa de Lisboa…), até ser expulso por Acórdão do Conselho Superior Disciplinar Distrital
de Lisboa, de 1 de fevereiro de 1940 da Ordem dos Advogados ( fora já suspenso em 30 de
novembro de 1934, decisão entretanto anulada, e cancelada a respetiva inscrição a 30 de janeiro de 1939 ),
em consequência de irregularidades e questões de dinheiros. Com sessenta e cinco anos
de idade, possuidor de um discurso agradável e boa cultura, em 1948 era 1º Bibliotecário
da BNL e há cerca de 15 anos, Chefe das Secções de Manuscritos e Reservados, da
Biblioteca Nacional, acumulando com Bibliotecário, Arquivista e Conservador do
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Museu, Arquivo e Biblioteca dos Hospitais Civis de Lisboa. Foi o autor da Introdução ao
Inventário dos Códices Alcobacenses sendo pessoa da confiança do seu Diretor, que na
mesma obra disse que, ao transmitir-lhe, enfim a palavra, resta-nos, cumprindo apenas
um dever, expressar merecido louvor à sua competência e zelo, tantas vezes salientados
no cargo, particularmente difícil, de Conservador dos manuscritos deste
Estabelecimento.
Ataíde e Melo na Introdução referiu, comentou e lastimou o desaparecimento de
raridades bibliográficas da Livraria do antigo Mosteiro de Alcobaça, desde tempos tão
recuados como os filipes, as invasões francesas, especialmente a 3ª Invasão com
Massena e depois, a extinção das Ordens Religiosas, até darem entrada na Biblioteca
Nacional ou incorporadas na Torre do Tombo, Os que hoje existem, alguns deles do
século XII, são notáveis documentos de paleografia e iluminura, recomendando-se, além
disso, sob o ponto de vista filológico, pelos elementos que oferecem sobre a evolução do
nosso idioma no que respeita a originais escritos em português antigo.
Quem imaginava a Secção de Reservados, como uma espécie de templo destinado a
iniciados, onde se guardava a sete chaves uma parte considerável da história, cultura e
língua nacionais, estava bem fora da realidade!
Onde e como era a Biblioteca Nacional de Lisboa, onde trabalhava Faria e Melo? Nada
comparável ao que é hoje em dia.
Em 1796 fora criada, por Alvará de 29 de fevereiro, a Real Biblioteca Pública da Corte,
recebendo os fundos que haviam pertencido à Real Mesa Censória, extinta dois anos
antes, e instalações na Ala Ocidental do Terreiro do Paço.
A seguir a 1834, a instituição viveu o seu grande
desafio, com a chegada de numerosos volumes e de
documentação avulsa, proveniente dos extintos
conventos e mosteiros do País. Deste modo, para
receber as inúmeras coleções, a Biblioteca abandonou
as instalações do Terreiro do Paço, indo em 1836
ocupar o Convento de S. Francisco, e passando a
designar-se Biblioteca Nacional de Lisboa. Em 14 de
Outubro de 1968, iniciou-se a transferência da
Biblioteca Nacional, agora chamada Biblioteca
Nacional de Portugal, para o novo e atual edifício. O
complexo da Biblioteca Nacional de Portugal, foi
inaugurado a 10 de abril de 1969, com a presença do
Presidente da República Almirante Américo Thomaz,
do Presidente do Conselho Professor Marcelo Caetano e
Ministro da Educação Dr. Hermano Saraiva.
Pressionada pelo escândalo, e pela intervenção de
Oliveira Salazar, a Ordem dos Advogados, através dos
jornais nacionais e por Edital, de 9 de Julho de 1947, transmitiu ao País a surpresa pelo
facto de uma pessoa com o passado do Dr. Ataíde e Melo, estar a desempenhar funções
com este tipo de responsabilidade, ele que fora expulso Arquivos da Antiga
da OA, (Bastonário o Dr. Carlos Ferreira Pires-1939-1941) e Biblioteca Nacional
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danificada seriamente, deixando outras partes atoladas na lama deixada pela água,
quando esta recuou. Demorou muitos anos até que as grandes massas de terra, que
soterraram a maior parte do muro do Mosteiro, fossem eliminadas. Ainda hoje, como se
vê, a forma ondulada da fachada norte, com cerca de 250 m de comprimento, atesta os
danos provavelmente causados pela inundação às fundações. E, claro, não se pode
olvidar a bem conhecida catástrofe de 1810, a 3ª invasão francesa ( comandada por
Massena), que não se limitou a profanar os túmulos de Pedro e Inês e saquear os bens de
maior valor, pois lançou fogo aos cadeirais do coro do século XVI, bem como à ala leste
da fachada principal que ardeu, com a exceção das 4 janelas contíguas ao frontispício da
Igreja.
Admitimos poder ser o século XVIII, pelo menos até ao terramoto, encarado na vida do
Mosteiro de Alcobaça, ainda como período de algum crescimento/expansão material,
sem prejuízo da concomitante, inexorável e letal decadência moral.
Em termos económico-agrícolas, coincide esse período com a plantação de novos olivais
nas faldas da Serra dos Candeeiros, a difusão da cultura do milho grosso, de origem
americana, nos férteis e bem regados campos da Maiorga, Valado e Cela, e a fundação
de granjas. Os proventos do Mosteiro ampliaram-se, com reflexos em algum bem estar
monacal mas em detrimento do dos povos, pelo menos sem quaisquer vantagens para
estes. Ao mesmo tempo, estava a assistir-se a um relaxamento dos costumes, uma
crescente sobreposição do material ao espiritual, ao arrepio da simplicidade de vida
imposta na velha Regra Cisterciense. O monge ocioso, de barriga proeminente e boçal
não é uma invenção malévola do intolerante
liberalismo, como já referimos.
Os Monges de Alcobaça iam mantendo
praticamente intactos os seus direitos
dominiais, senhoriais sobre vastos
territórios e os monopólios sobre os meios
de produção, o que acarretava cada vez
mais resistência, não apenas em
Aljubarrota. O Mosteiro cobrava o quinto
da azeitona ainda no olival, da cebola, alho,
linho, fruta e uva branca (a uva tinta que dá cor
ao vinho estava normalmente isenta), a lagarádida
(imposto de serviço por fazerem os vinhos de bica
aberta nos lagares monásticos), o quarto dos
legumes e pão, os dízimos das verduras, de
sangue e pescas, a jugada (imposto aplicado
aos proprietários rurais, calculado com base no
número de juntas de bois com que cultivavam as terras )
portagens, terrados das feiras, a galinha de Fachada do Dormitório
casaria (uma galinha por cada lar), dízimo do
azeite no próprio lagar (apesar do ladrão), foros de moinhos, azenhas e terras de cultura
(espécie de arrendamento por longo prazo ou mesmo perpétuo, mediante a obrigação, por parte do
adquirente, de o bem em bom estado e efetuar o pagamento de uma pensão ou foro anual, em numerário ou
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espécie, ao senhorio direto, o proprietário ), o montado dos porcos (sobre porcos alimentados a bolotas
de sobreiros), e até direitos sobre a água das nascentes ou correntes para regas e mesmo o
vento, que davam vida aos moinhos e outros engenhos.
Por Decreto de 5 de agosto de 1833, do maçon e poderoso Silva Carvalho, o mesmo que,
titular da Secretaria/Ministério da Justiça e Negócios Eclesiásticos, mandará Seabra para
Alcobaça, haviam sido proibidas as admissões nas ordens religiosas e noviciados
monásticos, independentemente da natureza. Impôs-se o despedimento, de todos os
mosteiros ou conventos, aos que estivessem a fazer noviciado. Esta legislação, na
prática, equivalia a uma lenta, mas não menos eficaz condenação à morte.
Com ânimos assim exaltados, muitos religiosos começaram a fugir dos conventos,
procurando refúgio junto da casa de família, que nem sempre os queria receber por
receio ou incapacidade económica. Bastava ser-lhes imputada, ainda que anonimamente,
adesão ou simpatia pela causa de D. Miguel, para serem considerados incursos no
Decreto de 5 de agosto, perdendo o direito a uma subvenção ou correr o risco de vir a ser
preso. Alguns, conseguiram sobreviver durante certo tempo com os magros subsídios
que o governo atribuiu aos que não foram hostis.
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Ao
longo dos anos formaram-se, conjunturalmente, Batalhões Académicos. A sua
importância, era mais simbólica do que efetiva, e nunca foi decisiva no desenrolar dos
acontecimentos. O primeiro Batalhão Académico da Universidade de Coimbra
distinguiu-se na Invasão Francesa. Com o título de Batalhão de Voluntários Académicos,
Selos e Carimbos dos Códices Alcobacenses rasgados da Biblioteca Nacional
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Porto, sendo este último pro-monarquia, pelo que adotou a designação de Batalhão
Académico Monárquico.
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Capítulo IV
A extinção das Ordens Religiosas e o Mata Frades. Um diploma polémico. A
destruição do património arquitetónico em Alcobaça. As lajes do Mosteiro e o
pelourinho. Possidónio da Siva, o património edificado, a Regeneração e a
Janeirinha. Cistercienses no Brasil e Espanha.
F
oi um fenómeno caracteristicamente liberal ( e republicano), apesar de os seus antecedentes
remontarem ao século XVIII, com as gravosas medidas do Marquês de Pombal
relativamente aos bens dos jesuítas e algumas casas nobres, como as de Aveiro, Távora e
Atouguia?
As razões justificativas para a extinção das
Ordens Religiosas foram profusamente
desenvolvidas no Relatório que precedeu o
Decreto que constitui, no essencial, um
conjunto de acusações implacáveis, em estilo
panfletário, contra as Ordens, a quem se
imputavam inúmeros malefícios contra a
religião, a moral, a sociedade e o Estado, pois
sem esses enormes corpos que Jesus Cristo
não criou (…) a sociedade era mais feliz.
A extinção das Ordens estava inscrita na alegada marcha dialética da História, por ela
clamavam as Luzes do Século, seja no estrangeiro ou em Portugal. A extinção, mau
grado a oposição do Conselho de Estado, foi precedida de longo debate e preparação
legislativa (recorde-se as Constituintes de 1821/1822, a regência na Ilha Terceira, e veja-se o Relatório de
Joaquim António de Aguiar, a D. Pedro:
Senhor: Está hoje extinto o prejuízo que durou séculos,
de que a existência das Ordens Regulares é Igreja e Mosteiro de Alcobaça
indispensável à Religião Católica e útil ao Estado, e a
opinião dominante é que a Religião nada lucra com elas, e que a sua conservação não é compatível com a
civilização e luzes do século, e com a organização política que convém aos povos.
Artº1º-Ficam desde já extintos em Portugal, Algarve, Ilhas Adjacentes e domínios portugueses todos os
conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas as ordens regulares, seja
qual for a sua denominação, instituto ou regra. Artº2º-Os bens dos conventos, mosteiros, colégios, hospícios
e quaidquer casas de religiosos de todas as ordens regulares, ficam incorporados nos próprios da Fazenda
Nacional. Artº 3º-Os vazos sagrados e paramentos, que srviam ao culto Divino serão postos à disposição
dos Ordinários respectivos para serem distribuídos pelas Igrejas mais necessitadas das Dioceses. Artº4º-A
cada um dos religiosos dos conventos, mosteiros, colégios, Hospícios, ou quaisquer casas extintas, será
paga pelo Tesouro Público para sua sustentação uma pensão anual, enquanto não tiverem igual, ou maior
rendimento de benefício, ou emprego público. Exceptuam-se:
(1)-Os que tomaram armas contra o Trono Legítimo, ou contra a Liberdade Nacional (2)-Os que em favor
da usurpação abusaram do seu ministério no confessionário, ou no púlpito (3)-Os que aceitaram benefício,
ou emprego do governo do usurpador (4)-Os que denunciaram, ou perseguiram directamente os seus
concidadãos por seus sentimentos de fidelidade ao Trono legítimo, e de adesão à Carta Constitucional (5)-
Os que acompanharam as tropas do usurpador (6)-Os que no acto de restabelecimento da autoridade da
Rainha, ou depois dele, nas terras em que residiam abandonaram seus conventos, mosteiros, hospícios ou
casas respectivas.)
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Cobreces, começou a tarefa de reconstrução, pelo que em julho de 1966, foi enviada uma
nova comunidade de monges para lá se instalar. Neste Mosteiro, professaram e vivem os
dois únicos monges cistercienses portugueses de que há referência. Ainda em Espanha
não pode ser olvidado, o Real Mosteiro de Santa Maria de Poblet, que alcançou o seu
máximo esplendor no século XIV e o abandono em 1835, como consequência da
desamortização de Mendizábal. Em 1930, foi iniciada o seu restauro, de modo que em
1935 a igreja pôde ser aberta novamente ao culto. Em 1940, retornaram à abadia alguns
monges.
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sobre a mesma abóbada, uma casa a que os Frades Bernardos não davam aplicação
alguma, a qual se achava coberta por um telhado que defendia a abóbada das águas
pluviais. As partes orientais da Abadia de Alcobaça, vieram a ser utilizadas pelo
Exército/Regimento de Cavalaria 9 (que teve na Sala do Capítulo, a Sala de Oficiais, e veio a ser
extinto em 1898. O Regimento de Artilharia I, participou no Movimento de Santarém, em 1919, o que veio a
dar origem à atribuição à Vila da Torre e Espada, a qual passou a integrar o Brasão do Município e da ora
Cidade), seguidamente pelo Asilo de Mendicidade de Lisboa depois chamado Lar
Residencial de Alcobaça, ora extinto. Em 11 de Janeiro de 1928, a Ditadura Militar
ordenou a transferência do Asilo de Mendicidade de Lisboa, secção masculina, a
funcionar no Convento de Santo António dos Capuchos para Alcobaça, para a parte do
edifício que, durante perto de 50 anos, fora a sede de instituições militares. Disse-se,
mais tarde, pelo menos entre a Oposição que a instalação do Asilo de Mendicidade de
Lisboa, em Alcobaça foi o castigo da Ditadura para uma terra, cuja guarnição militar se
destacara no apoio a movimentos de cariz liberal e republicano.
Em 1836, com fúria iconoclasta, ainda num sentimento de monacofobia, foi decidido
arrasar o Castelo de Alcobaça, sem função defensiva e em 1838, iniciou-se a venda das
pedras, para construção de edificações particulares. Efetivamente, a 2 de março de 1838,
a Câmara Municipal oficiou à Administração de Leiria, pedindo a demolição de parte do
Castelo que se encontrava a ruir e concedeu a pedra da parte que se demolir, para que
com o seu produto se pagasse a despesa da demolição. A integração de bens conventuais
no Estado, veio transitoriamente a beneficiá-lo com a instalação de antigos mosteiros e
casas de religiosos em repartições públicas. Reconhecia-se ser vantajoso a utilização
daqueles imóveis, para os afetar a serviços no interesse da população. Mas as adaptações,
frequentemente afetaram a traça. Destruíram-se sem critério nem respeito, altares, peças
votivas ou sepulturas, numa prática correspondente a gravíssimos crimes contra o
património ancestral. A preocupação com a preservação da memória de fatos e de
momentos históricos era (é?) muito incipiente e não merecia o cuidado dos que
militavam na vida pública ou mesmo na atividade privada.
O Pelourinho de Alcobaça, sito no Rossio, o grande símbolo da justiça medieval e da
Abadia, foi destruído em 1866, revertendo para o Município a venda da pedra (a Câmara
Municipal deliberou em 24 de Novembro, com o voto de vencido do vereador Correia Araújo, que se
procedesse em hasta pública à arrematação da demolição e venda da pedra que do mesmo vier a ser
extraída), com o argumento que era símbolo da tirania e local de ignomínia própria de
épocas passadas cuja conservação não pode admitir-se sem ofensa da civilização
moderna e das instituições liberais que felizmente nos regem.
Esta decisão, suscitou acesa controvérsia pois houve quem, em contraponto, entendesse
que os pelourinhos são uma insígnia própria das povoações que nelas se exercita e
assim se distinguem das pequenas povoações ou aldeias.
Não se pode afirmar, perentoriamente que, a partir de 1833, os governos do País, não se
tenham preocupado com a defesa do património artístico-cultural, mas desenvolveram
medidas relativamente pouco eficazes, sem os resultados que a conjuntura impunha. Na
alienação do património, estiveram mais presentes preocupações como os resultados das
contas, que os valores artísticos, culturais, referenciais de uma secular maneira de ser. Os
liberais pareciam mais preocupados com hipotéticos benefícios que dali adviriam numa
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perspetiva de deve e haver, ao mesmo tempo que se viam livres dos parasitas, inimigos
da Pátria e do Progresso.
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Capítulo V
S
egundo reza a História, na sequência da vitória na Batalha de Aljubarrota, o
Mestre de Aviz ofereceu ao Mosteiro de Alcobaça, três caldeiros de cobre,
capturados aos castelhanos, além de outros despojos que também ofereceu a
Stª Maria de Guimarães. D. João I ofereceu a Stª Maria de Guimarães
despojos da Batalha como o Tríptico de prata dourada e esmaltada, que
pertenceu ao Rei de Castela e se destinava às suas orações em campanha, doze corpos de
apóstolos e outros tantos de anjos todos em prata, um pluvial de brocado a ouro com
imagens dos Reis e suas armas, o Pelóte ( peça de vestuário antiga, de abas largas e grandes ), lança
e um cordão em ouro com o comprimento de uma milha. Oliveira Martins, em Vida de
Nuno Álvares referindo-se aos despojos da Batalha, escreveu que nenhum encheu de
maior alegria D. João I, do que a Bandeira de Castela, verde com um dragão bordado,
que Antão Vasques de Almada trazia sobre os ombros e a dançar.
D. João I veio a estabelecer, ao longo do seu reinado, excelentes relações com o
Mosteiro de Alcobaça, através de uma convivência estreita com Esmoler-Mor, lugar que
pertencia ao seu Abade. Assim aconteceu com o Abade-Esmoler-Mor Frei Estevão de
Aguiar, que impôs ao Mosteiro e por isso este foi muito beneficiado.
O Marquês de Fronteira, informa que quando visitou o Mosteiro viu um grande caldeiro,
sob a chaminé central da cozinha. Na polémica que se seguiu à pilhagem do Mosteiro,
em 1833, faz-se alusão aos caldeiros que lá existiram.
Houve, seguramente, 3 em Alcobaça. Depois de Aljubarrota, os portugueses confiaram à
guarda dos Monges de Alcobaça os três enormes caldeiros onde os castelhanos
prepararam a alimentação da tropa. De acordo com o cronista Frei Manuel dos Santos no
caldeirão maior, quando estava na cozinha do rei de Castela, fazia-se nele comer para
293 criados, os quais, segundo se conclui da grande capacidade da caldeira, não
deviam comer pouco.
O troféu exposto no claustro estava acompanhado duma inscrição evocativa das vitórias
portuguesas. O terceiro destes utensílios fora transportado pelos monges para uma
granja. A última referência feita ao segundo caldeiro, a propósito da sua exposição no
claustro, terá tido lugar em 1744. Espantava a estranha corpulência, a ponto de Pinho
Leal estimar que nele se podiam assar 4 bois ao mesmo tempo, afirmação tão temerária,
como para a chaminé da cozinha. Este pormenor, permite pensar que o monstruoso
caldeiro a que se referia o Marquês de Fronteira não era mais que o enorme utensílio dos
castelhanos e colocado sob a base da chaminé do calafactório do Mosteiro.
Em Alcobaça existiu durante cerca de 450, o caldeiro conhecido por Caldeirão de
Alcobaça, tomado a D. Juan de Castela, por Gonçalo Rodrigues que, por isso, ficou
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conhecido por Caldeira, o qual foi oferecido ao Mosteiro, pelo Mestre de Aviz para
eterna lembrança da vitória de Aljubarrota.
Um dos mais pequenos, foi mandado pelos frades para um lagar de azeite, na Fervença
transitando depois, para a posse de D. Francisca Jacinta
Pereira.
O outro foi colocado no forno pelos frades
mantendo-se na Sala dos Reis. O caldeiro maior, era
de fino metal e estava no claustro para ser visto com
mais facilidade. Batendo-se-lhe com uma pedra, o
som cobria o repique dos sinos da Igreja. Era de tão
extraordinária corpulência que, quando servia na
cozinha do Rei de Castela, fazia comida, por
exemplo o badulaque, guisado de fígado e bofe de
vaca, para 293 pessoas. Este caldeiro desapareceu
após a fuga dos monges e no saque do Mosteiro. Na
pedra, onde estava assente, havia a seguinte
inscrição:
hic est ille debes, toto cantatus in orbe quem lusitani,
duro, gens áspera bello de castellanis spolium
memorabile castris eripuere; cibos hic olim coxerat
hosti at nunc est nostritertis sine fine triumph.
Traduzido, para português corrente, significa:
Eis o caldeirão, famoso no mundo inteiro que os lusitanos, povo valente na dura guerra
tomaram ao exército castelhano, despojo memorável. Ele servia outrora para fazer a
comida do inimigo. Ele é hoje, do nosso triunfo, imperecível testemunho.
Com a derrota, inúmeros castelhanos fugiram, desordenadamente e cheios de pavor. Frei
Manuel dos Santos, refere que a peonagem dos Coutos de Alcobaça, mais vizinha do
local da batalha e que até ali andava ao largo, à sombra do Mosteiro, soando as
O Caldeirão de Aljubarrota existente primeiras vozes da vitória, foi-se chegando e já desembaraçada
na Sala dos Reis do susto deu-se em roubar e matar nos vencidos castelhanos com
tal voragem que até as mulheres, ainda que tímidas por natureza,
matavam neles aos pares, seguindo exemplo de outra forneira que, segundo a tradição,
matou sete castelhanos com a tão decantada pá de fornear. De acordo com o mesmo
cronista, D. João I, ficou três dias no campo de batalha, a fim de assegurar a posse,
tornando pública e reconhecida a vitória, apropriando-se dela, partindo então em marcha
triunfal para Alcobaça, onde chegou a 20 de agosto de 1833.
O povo saiu à estrada, aclamou o vencedor, entregou-se a danças e folias e ao som de
ininterruptos Vivas, acompanhou o Rei e seu exército até Alcobaça, onde foram
recebidos pela comunidade dos monges. D. João I ordenou que aos de maior nome que
morreram em Aljubarrota, se desse sepultura no Claustro do Mosteiro, como uma de tão
leais cinzas. Do campo de Aljubarrota foram levados os cadáveres de alguns nobres
portugueses, tendo o rei oferecido alguns despojos da Batalha, como se referiu. Entre
estes há a destacar (história ou lenda?) a Bíblia de D. Juan de Castela, ao que se diz, pois
não se sabe como chegou ao Fundo de Alcobaça. Este manuscrito, o único bíblico
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românico completo existente em Portugal, terá sido, pelo menos também segundo a
lenda oferecido ao Mosteiro de Alcobaça e no princípio lia-se em estilo de Memória:
Bíblia ganhada na Batalha de Aljubarrota que el Rey D. João o primeiro da gloriosa
memória a qual era do próprio Rey de Castela foy ganhada dentro da sua própria tenda
como consta da sua memória que está d'este próprio livro.
Esta Bíblia, consta do Inventário feito por Faria e Melo ( Tomo V, pg. 375), que defende que
aquela Memória é uma falsificação bastante inábil, por evidente.
O Dr. António Luís de Seabra, tomou posse como Corregedor ( Interino) de Alcobaça, com
o objetivo de pôr termo ao saque do Mosteiro. O tempo era de exacerbadas paixões e
tensões políticas. O País vivia a luta fratricida, nada branda, entre miguelistas e liberais.
O mais provável é que entre a fuga dos monges e a vinda de Seabra, tenha ocorrido o
desaparecimento do caldeiro. Segundo Pinho Leal, andou em voga, a seguinte quadra:
No ano de trinta e quatro
Lá se foi o caldeirão!
Só nos ficou por memória,
Um visconde ... e a inscrição!
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Capítulo VI
António Luís de Seabra, Corregedor (interino) em Alcobaça, mais tarde Visconde
de Seabra. Rodrigo da Fonseca Magalhães, nome de rua lisboeta? J. Silva
Carvalho, Ministro e Grão-Mestre da Maçonaria (GOL). A Resposta do Visconde
de Seabra a seus Caluniadores. O satírico e virulento Braz Tisana.
A
revolução liberal de 1820 deu, de
imediato, azo a alterações na estrutura do
País, com destaque para a reforma
político-religiosa. O Decreto de 31 de
Março de 1821, levou à abolição do
Tribunal do Santo Ofício, por ser incompatível com os
princípios adoptados nas bases da Constituição, sendo as
causas espirituais e meramente eclesiásticas restituídas à
Jurisdição Episcopal. A Constituição de 1822, ainda
estabeleceu a liberdade de imprensa, a livre comunicação
de pensamentos, sem necessidade de censura prévia, ainda
que se ressalve que quaisquer abusos pudessem ser
sancionados nos casos e na forma que a lei determinar. A
censura, em matéria religiosa, ficava reservada ao Poder
Eclesiástico, estando o governo comprometido em auxiliar
os Bispos a punir os
Visconde de Seabra
culpados. Contudo, este período de relativa liberdade,
irá ser de muito curta duração. Com a
Vilafrancada, a censura prévia foi restabelecida. A 13 de Novembro, D. João VI, receoso
da influência revolucionária que chega ao País através de diversos periódicos e livros
impressos no estrangeiro, alargou a censura também a estes, que passaram a necessitar de
licença régia para entrar no país.
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A vida do Dr. Seabra está ligada a Alcobaça, o que é frequentemente ignorado, por
alguns biógrafos e historiadores. Nem o médico portuense Dr. Estevão Samagaio, seu
trisneto, com quem nos correspondemos há anos, refere a sua passagem por Alcobaça,
como Corregedor (interino).
Em 1833, Seabra quase em início de carreira, foi nomeado Procurador Régio, junto da
Relação de Castelo Branco, exercendo ainda no mês de outubro desse ano as funções de
Antigo Órgão do Corregedor (interino) de Alcobaça. Os tempos eram de intensas
Mosteiro de Alcobaça paixões e tensões políticas. O País, em Santarém e Leiria, tal como
o norte, centro e sul, vivia os efeitos da luta fratricida entre miguelistas e liberais, e o
Mosteiro de Alcobaça, com Frei Fortunato de S. Boaventura entre outros, alinhou
política e militarmente com os primeiros. Apoiando e recebendo D. Miguel com as
honras devidas a um Rei, apoiando e municiando o Corpo de Voluntários Realistas, o
Mosteiro arrostou com pesadíssimas consequências, que aliás seriam, sempre, inelutáveis
e implacáveis.
António Luís Seabra nasceu em 2 de dezembro de 1798, por alturas de Cabo Verde, a
bordo da nau Santa Cruz, na qual seus pais se dirigiam ao Rio de Janeiro. Em Portugal,
fez estudos preparatórios, matriculando-se na Universidade de Coimbra, em 1815, onde
se bacharelou na Faculdade de Leis. Desde cedo, manifestou a maior dedicação à causa
da Liberdade, e a Revolução de 1820, inspirou-lhe um soneto que imprimiu na Imprensa
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Seabra, em fins de outubro de 1833, foi chamado à Secretaria de Estado da Justiça e dos
Negócios Eclesiásticos, cujo titular era José da Silva Carvalho ( fundador entre outros do
Sinédrio, Grão-Mestre do GOL, entre 1822 e 1839 ). Distinguiu-se J. Silva Carvalho no cerco do
Porto, pela coragem e inteligência, incutindo ânimo aos já desanimados Liberais. Por
tudo isto, D. Pedro nomeou-o a 3 de Dezembro de 1832, Ministro da Fazenda e, poucos
meses depois, da Justiça. Foi a instâncias de Silva Carvalho, que em 1833, para libertar a
cidade sitiada, saiu do Porto, numa esquadra, comandada pelo Duque de Terceira. A
esquadra miguelista foi derrotada no Cabo de S. Vicente e o Duque de Terceira depois de
atravessar o Algarve e o Alentejo, apoderou-se de Lisboa. A 24 de Setembro de 1834,
morreu D. Pedro e a partir daí ação de Silva Carvalho foi diminuindo, até que a
Revolução de Setembro de 1836 a aniquilou de todo, obrigando-o a exilar-se pela 3º vez.
Silva Carvalho regressou a Portugal em 1838, para jurar a Constituição. Encontrando os
ânimos ainda exaltados, continuou, todavia, a sua carreira de legislador e magistrado.
Entre 1840 a 1856, foi Grão-Mestre do Rito Escocês e 1.º Soberano Grande Comendador
do Supremo Conselho do Grau 33, afeto ao Rito Escocês Antigo e Aceito-R.E.A.A.,
aliás, o mais vulgar no País ao tempo. Faleceu a 5 de Setembro de 1856 sendo sepultado
no Cemitério dos Prazeres, no setor das figuras ilustres de Portugal. A Seabra apareceu o
jovem Rodrigo da Fonseca Magalhães ( depois célebre, poderoso e respeitado, mas ora esquecido,
hoje em dia parece que quase só lembrado por ser o do nome de uma rua importante de Lisboa, ele que foi
um dos mais importantes políticos liberais e talvez a primeira figura da Regeneração. Rodrigo da Fonseca
Magalhães recebeu de A. Garrett, com dedicatória manuscrita, um exemplar de uma separata de 12
exemplares da 1ª versão de Frei Luiz de Sousa. Herculano dedicou-lhe A Harpa do Crente. Frequentava a
Universidade de Coimbra aquando da 1ª Invasão Francesa. Alistou-se no Batalhão Académico, corpo militar
de maior importância política que militar, seguindo o percurso de inúmeros estudantes da Academia,
formado sob o comando do lente de Matemática, o liberal Tristão de Oliveira. Daí passou para o Corpo de
Guias, as primeiras tropas de engenharia que houve em Portugal, onde permaneceu até ser colocado, como
alferes, no Regimento de Infantaria15 e seguiu para o Brasil depois da execução do Ten. Gen. Gomes Freire
de Andrade, pelos protetores ingleses, comandados por Beresford, cuja conivência neste processo suscitou
algumas dúvidas, que permanecem. Não obstante, exilado em Inglaterra, Rodrigo da Fonseca Magalhães,
regressou a Portugal após o desembarque de D. Pedro, no Mindelo. Iniciou, a partir daí, uma fulgurante
carreira política que o levou a Conselheiro de Estado, Deputado, Par do Reino, várias vezes Ministro e Chefe
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Fleming de Oliveira
do Governo)que lhe disse, conforme registou o próprio Seabra, que o Ministro está com o
expediente e não lhe pode falar e me encarrega de dizer-lhe que tem presente o seu
requerimento em que pede ser despachado Procurador Régio da Relação de Castelo
Branco. O Ministro quer despachá-lo para esse lugar, mas põe-lhe a condição de ir
servir interinamente de Corregedor de Alcobaça, para
onde deve ir incessantemente.
Silva Carvalho, tinha Seabra em elevado apreço pelas
qualidades de trabalho e morais, embora este não fosse
maçon.
Entre a fuga dos monges em 16 de outubro de 1833 (o
primeiro abandono ainda que parcial terá sido em 26 de
julho de 1833), a extinção das Ordens, e a vinda de
Seabra para Alcobaça aonde chegou a 29, dia de grande
temporal, passando com algum risco pelo meio da
guerrilha miguelista, que atuava perto de Alcobaça,
cortando caminhos e acessos, algo de grave tinha
acontecido. O Mosteiro estava a ser pilhado pela
populaça, o que se terá prolongado por dez ou onze
dias.
Seabra era jovem destemido, e senhor de ética e
convicções, que aliás o tinham levado ao exílio.
Quando a guerrilha miguelista ocupava Santarém e
Leiria e fazia incursões pelas redondezas, tentou a 6 de janeiro de 1834 atacar Alcobaça
na expectativa de encontrar apoio popular, conventual Resposta do Visconde de Seabra
ou mesmo saquear, Seabra juntou-se às forças
lealistas, apresentando-se como soldado, sem duvidar
tornar-se combatente com o fim de animar com o seu exemplo aqueles que dele
pudessem precisar. No dia seguinte, foi exonerado de Corregedor-interino eventualmente
graças às pressões e intrigas do Padre João de Deus e substituído por Francisco Botto
Pimentel de Mendonça. A guerrilha do Manuel Vaza (a alcunha de Vaza decorre de em rapaz ter
ficado com um olho vazado numa briga por causa de águas de regadio. O Vaza era, segundo soava, filho de
um capador de Carris de Évora, onde nasceu por alturas de 1800. Segundo se diz, terá mais tarde, participado
no combate de Chão da Feira, em 28 de agosto de 1838, aquando da Revolta dos Marechais, do lado dos
setembristas) integrando pessoal de Santa Catarina, e franceses que ainda estavam em
Peniche, era muito atuante. Também estava ativa a guerrilha do Zé Salgueiral, com
ações na zona do Juncal, Aljubarrota, Alpedriz e Pataias. Seabra deu apoio, em géneros,
ao Corpo de Voluntários de Alcobaça, do Cor. Bento França que desembarcou na Praia
da Pederneira e ao comandado por José de Vasconcelos, mais tarde Visconde de Leiria.
Da Quinta do Campo, em Valado de Frades, entretanto desapareceram o mobiliário e
cerca de duzentos moios de trigo arrecadados num celeiro, embora ainda tenham restado
600 alqueires de milho e 117 alqueires de cevada, em princípio destinados à tropa liberal
e que depois foram arrematados em hasta pública, por proprietários da região, e das
feitorias/granjas da Maiorga, Famalicão e Salir de Matos escaparam apenas 83 alqueires
de trigo. Na Quinta do Campo, havia 300 carradas de palha, algumas das quais saíram
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com destino a particulares, com o acordo de Seabra. Esta saída foi tão irrisória,
insignificante, que Seabra mais tarde confrontado com isso, declarou que esperava, que o
mesmo estômago dos profanadores o pudera digerir facilmente.
Corregedor, era a designação para o magistrado administrativo e judicial que
representava a Coroa nas comarcas de Portugal, durante o Antigo Regime. Competia-lhe
fiscalizar a aplicação da justiça e a administração dos diversos concelhos da sua
comarca. A sua ação era conhecida por correição, termo que, por extensão também se
aplicava às próprias comarcas. A Comarca de Lisboa tinha dois corregedores, um do
crime e o outro do cível. Antigamente, eram designados por meirinhos ou adiantados.
Todavia, a designação ao tempo era a de Corregedor. A instituição dos corregedores deu
nova feição à administração local do país e foi, não como magistrado judicial, entendido
segundo a expressão que hoje conhecemos, que Seabra foi nomeado interinamente
Corregedor de Alcobaça.
Se é sabido que a tropa de Napoleão havia tido, uma ação devastadora aquando da
passagem por Alcobaça, com a incidência mais conhecida na profanação dos túmulos de
Pedro e Inês, incêndio dos cadeirais do coro e pilhagem da Livraria e do Tesouro do
Mosteiro, também não é menos certo que a devastação continuou, se não se agravou,
com a vitória do liberalismo.
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O Pe. João de Deus Antunes Pinto, pungido de remorsos, veio a reconhecer o erro de
avaliação em carta a José Nunes Serra, datada de 27 de fevereiro de 1836.
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Capítulo VII
O saque da Livraria do Mosteiro. O Dr. António Lúcio Tavares Crespo, sai em
defesa de Seabra. A Coleção Régia a adornar o Salão Nobre da Câmara Municipal
da Moita.
V
ejamos algumas diligências desenvolvidas por Seabra, nos termos em que oficiou ao
71
Mosteiro de Alcobaça
Fleming de Oliveira
consigo ou puseram em recado, em sítio que ainda se ignora, e mesmo não convirá por
ora descobrir, os manuscritos da Biblioteca que faziam a sua principal riqueza, e a
maior parte dos livros que eles chamavam proibidos, cujo gabinete está vazio. Os
Frades acautelaram o precioso do seu Cartório, e levaram os seus Livros Dourados;
entretanto eu pude descobrir um mapa circunstanciado de todas as rendas do Mosteiro,
extraído por cópia do cofre das três chaves, que eu remeterei no seguinte correio a V.
Ex. pela Repartição da Fazenda, e que lhe fará ver de um golpe de vista tudo quanto
desejar saber a este respeito. Dos géneros recebidos e gados existentes se tem
fornecido e fornece a tropa; pelo que toca aos frutos pendentes, como azeitona, tem sido
posta em praça para que não se perca em abandono. O mesmo tenho feito com as terras
que exigem imediato amanho, com os lagares de azeite que devem abrir-se, e com os
moinhos que trabalham constantemente.
(ofício de 9 de novembro de 1833)
(b)-Já participei a V.Ex., mais de uma vez,
como os Monges de S. Bernardo tinham
abandonado o Mosteiro e todas as suas
casas e propriedades desta Comarca para
seguir os rebeldes; as providências que
tenho dado para obstar à continuação dos
roubos e estragos feitos e para evitar que se
perdessem os frutos pendentes e o
rendimento dos lagares e moinhos: mas que
devo fazer das quintas e terras do Mosteiro
que exigem contínuos e imediatos cuidados
de lavoura?
(ofício de 17 de novembro de 1833)
Sala dos Reis
(c)-Dando parte da descoberta dos
manuscritos e da sua remessa para S.
Martinho (depois enviados por mar para Lisboa), para evitar o perigo a que estavam
expostos em quanto a linha do exército (liberal) não avançasse mais.
(ofício de 23 de novembro de 1833)
(d)-Tenho a honra de participar a V. Ex., que hoje se me apresentou nesta vila um
ecleseástico, munido de uma provizão da Junta do Melhoramento e Reforma
Eclesiástica, pela qual é autorizado a proceder ao inventário e arrecadação dos bens de
Real Mosteiro desta vila, conjuntamente com um Secretário, diferentes empregados, e
um outro indivíduo que se diz Procurador Fiscal; requerendo-me fizesse imediatamente
entrega de todos os autos de sequestro e arrecadação a que tivesse procedido, bem
como todos os géneros, moveis ou quaisquer outras coisas que por este Juízo se
achassem em depósito. Duvidei faze-lo sem decisão de V. Ex., primeiramente porque
não posso entender, pelos princípios gerais da jurisprudência que aprendi, um Juiz
Comissário Eclesiástico intrometido em meras temporalidades; e revestido de poderes
activos e coativos como são os de inventariar, arrematar, cobrar dívidas, coisas estas,
que por nenhum modo se podem fazer sem jurisdição:
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Para além de razões como o abandono dos conventos no período imediatamente anterior
à extinção e os desvios efetuados pelos frades em proveito próprio, existem outras como
a ocupação por organismos públicos da natureza mais diversa, concretamente
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Mosteiro; informei ouvindo particularmente as pessoas que, como o Juiz de Fora José
Bento Salazar, encarregado pelo Governo da organização dos corpos de voluntarios
nacionaes n’aquelle Districto, gozavam do melhor conceito e eram geralmente
estimados; e, segundo a minha lembrança, disse que, attendendo ao estado d’agitação, á
proximidade das tropas inimigas, ao odio que o Povo da Comarca tinha aos frades, e ao
muito que todos desejavam anniquilar tudo quanto pertencia ao Mosteiro, Vossa
Excellencia tinha administrado bem, e salvado d’aquelle naufragio, quanto era possivel
salvar. O grande roubo do Mosteiro foi feito pelas tropas estrangeiras (…). O grande
caldeirão foi roubado já depois de Vossa Excellencia ter sido demitido: as guerrilhas
roubaram nas quintas e depositos que o Convento tinha fora da cabeça da Comarca
(…).
Cumprido foi, por via de Decreto do Governo, o prometido ao Bacharel Seabra, ao ser
destacado para servir em Alcobaça até ao 7 de janeiro de 1834, data em que pediu a
exoneração, attendendo ao merecimento, e mais partes concorrentes: Hei por bem em
nome da Rainha, nomea-lo Procurador Régio junto da Relação de Castelo Branco. O
Ministro dos Negócios da Fazenda, encarregado interinamente da Pasta dos Negócios
Eccleziásticos e da Justiça, o tenha assim entendido, e faça executar. Paço das
Necessidades em 25 de outubro de 1833. D. Pedro, Duque de Bragança-José da Silva
Carvalho.
Com a saída rápida e forçada dos monges o recheio do Mosteiro, foi saqueado. A Igreja
viu perderem-se definitivamente, muitos quadros de valor, enquanto outros foram para
Lisboa, por ordem do governo, com o objetivo de formar uma galeria de pintura, que se
pretendia levar a efeito na, recém-criada, Academia das Belas Artes. Esta foi criada em
Lisboa, a 25 de Outubro de 1836, por decreto de D. Maria II, e instalada no antigo
convento quinhentista de São Francisco da Cidade, fundado em 1217 por Frei Zacarias,
que três anos antes chegara a Portugal na companhia de Frei Gualter, ambos vindos de
Assis e que atualmente já não existe. A Academia tinha inicialmente como funções, a
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conventual (James Murphy deu à estampa em 1795 Travels in Portugal, um diário ilustrado da sua
viagem a Portugal), O Mosteiro de Alcobaça possuía outros retratos régios, nomeadamente
o do Cardeal D. Henrique, Abade Geral da Ordem de Cister. Esta Coleção foi
provavelmente encomendada pouco antes da primeira visita que D. Maria I e Família
fizeram ao Mosteiro, pois Miguel António do Amaral, morreu em 1780. Nesta data, já a
série se encontrava terminada, e a ocupar duas salas da Hospedaria. Embora a série de
esculturas em terracota, que se encontra na Sala dos Reis, não tenha servido de base para
este trabalho, ela era uma referência em Portugal, desde a sua feitura no mandato do
Abade Fr. Sebastião Sotomaior. A série de retratos de Miguel António do Amaral visaria
consolidar a memória dos Reis de Portugal e a sua ligação a um passado glorioso, para a
qual os cistercienses e Alcobaça contribuíram de forma decisiva, desde D. Afonso
Henriques. Foi um passado em que o poder régio e o poder senhorial se conjugaram
muitas vezes, para o fortalecimento e defesa dos interesses de ambos. Compreende-se,
que, no final do século XVIII, os Monges de Alcobaça estivessem deveras interessados
em implementar esta mensagem como forma de assegurar direitos, socorrendo-se mesmo
de uma alegada ligação genealógica entre D. Afonso Henriques e S. Bernardo, de
Claraval, bem como a difusão da ideia de santidade daquele, legitimadora do poder régio
sobre o território nacional.
As imagens destes quadros, são frequentemente utilizadas pelo Dr. José Hermano
Saraiva, nos programas da RTP, A Alma e a Gente e Horizontes da Memória.
Não se faça aqui, confusão com os quadros da antiga Sala dos Reis do Mosteiro dos
Jerónimos, demolida entre 1868 e 1878, a Série Régia que ali existiu, até ser transferida
para a Casa Pia, aonde se encontram, encomendada em 1730, no reinado de D. João V ao
pintor Henrique Ferreira, compreendendo retratos de todos os reis de Portugal, de corpo
inteiro.
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Índice
Capítulo I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . pág. 5
Os absolutistas e os monges de Alcobaça. O italiano José Pecchio e os frades portugueses. A
Bula do Papa Bento XIV não teve sucesso. D. Miguel I, visita, em 1830, o Mosteiro de
Alcobaça e é recebido, com todas as honras, por Frei Fortunato de S. Boaventura. Em
Alcobaça, com grande cerimonial, é efetuado Preito de Vassalagem e Fidelidade a D. Miguel
I. O ex-seminarista O Remexido e A Brasileira de Prazins. Os Divodignos e o Assassinato
dos Lentes de Coimbra. O Marquês de Fronteira e Alorna e as Memórias. Os Arcos da
Memória. D. Maria I e Família no Mosteiro de Alcobaça
Capítulo
II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 15
Manuel Vieira Natividade. Os livros proibidos da Livraria do Mosteiro de Alcobaça. Os
Cronistas do Reino e de Cister. A Igreja de braço dado com o Miguelismo. O Padre João de
Matos Barrocas e a Pavorosa. A Carta Constitucional. A indisciplina monástica e as
saudades de Almeida Garrett. O devorismo segundo Oliveira Martins. Golpes e
contragolpes.
Capítulo
III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 33
O Dr. Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, advogado expulso da OA e, apesar disso, Chefe das
Secções de Manuscritos e Reservados da Biblioteca Nacional. O furto dos Códices
Alcobacenses na BN. A Biblioteca Nacional. Salazar ficou irritado. Códices a servir deabat-
jour, em casa de novos-ricos lisboetas. O Mosteiro de Alcobaça e o apoio ao Corpo de
Voluntários Realistas dos Coutos de Alcobaça ( miguelistas). O Corpo de Voluntários
Nacionais (liberais). Os Batalhões Acdémicos. O Ministro da Guerra e dos Negócios
Estrangeiros, D. Miguel Pereira Forjaz e a Bíblia dos Jerónimos
Capítulo IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. pág. 47
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Capítulo
V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág.
55
À volta dos caldeiros de Aljubarrota, suas lendas e histórias. A Bíblia de Aljubarrota,
ganhada aos castelhanos. História ou Lenda? Só ficou por memória um Visconde e… a
inscrição
Capítulo
V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág.
59
António Luís de Seabra, Corregedor ( interino) em Alcobaça, mais tarde Visconde de Seabra.
Rodrigo de Fonseca Magalhães, nome de rua lisboeta? J. Silva Carvalho, Ministro e Grão
Mestre da Maçonaria (GOL). A Resposta do Visconde de Seabra a seus Caluniadores. O
satírico e virulento Braz Tisana
Capítulo VII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. pág. 69
O saque da Livraria do Mosteiro. O Dr. António Lúcio Tavares Crespo, sai em defesa de Seabra. A
Coleção Régia a adornar o Salão Nobre da Câmara Municipal da Moita
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