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A IDÉIA DE

PATRIMONIAL ~I~~ADE NO FISCAL


ESTADO ESTADO

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Ricardo L obo Torres

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Conselho Editorial •
Presidente: Min. Arnaldo Lopes Sussekind
~ Conselheiros:
i'$>,0 Carlos Alberto M. Direito
~
- ~-:> Caio Tácito
":>~ Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. INTRODUÇÃO 1
z,~ Celso D. de Albuquerque Mello
~,, Carlos David Aarão Reis 1 . O Estado Financeiro 1
u_,S\
Revisão tipográfica
~ Renato R. Carvalho e
2. Liberdade fiscal 2
«;. , Neide A. Carvalho 3 . A idéia de liberdade fiscal 3
Composição
Linolivro S/C Composições Gráficas 4. Aspectos metodológicos 4
po Capa 5 . Periodização 9

~
Júlio Cesar Gomes
6 . Bibliografia 9

M 1170 Capítulo I - A idéia de liberdade no estado patrimonial


X
~ 1 . O Estado Patrimonial 13
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ . 2 . A escolástica 15
2 . 1 . A idéia de liberdade 15
Torres, Ricardo Lobo
T648i A idéia de liberdade no estado patrimonial e no estado fis- 2 . 2 . Características 18
cal I Ricardo Torres. - Rio de Janeiro : Renovar, 1991 .
200p. a) Influências estrangei~as 18
Bibliografia. b) Ecletismo 18
fndice. c) Filosofia prática 19
1. Liberdade fiscal. I. Título .
3 . A liberdade estamental 20
91-0496 CDU - 351 . 713(81)
3 . 1 . Contrato fiscal20
Proibida a reprodução (Lei 5.988/ 73) 3 . 2 . Razão de Estado 22
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
INTRODUÇÃO

O O'bjeto deste livro é o estudo da idéia de liberdade no


Estado Patrimonial e no Estado Fiscal, ou seja, o exame da idéia
de liberdade fiscal no Estado Moderno , especialmente no pensa-
mento luso-brasileiro.

1. O Estado Financeiro

O Estado Moderno, além dos aspectos políticos e econoqucos,


exibe a dimensão financeira, que o constitui como Estado Financeiro,
assim entendido o que exerce as atividades relacionadas com as
finanças públicas. Desenvolve-se desde o fenecimento da estrutura
feudal até os nossos dias. Nele se distinguem alguns tipos:
a) o Estado Patrimonial, que vive precipuamente das rendas prove-
nientes do patrimônio do príncipe, que convive com a fiscalidade
periférica do senhorio e da Igreja e que historicamente se desen-
volveu até o final do século XVIl e início do século XVIII;
b) o Estado de Polícia, que aumenta as receitas tributárias e cen-
traliza a fiscalidade na pessoa do soberano e corresponde à fase do
absolutismo esclarecido (século XVIII);
c) o Estado Fiscal, que encontra o seu substrato na receita pro-
veniente do patrimônio do cidadão (tributo) e que coincide com
a época do capitalismo e do liberalismo;
d) o Estado Socialista, que vive do patrimônio público, especial-
mente das rendas industriais, e no qual o tributo, pela quase inexis-
tência de propriedade privada, exerce papel subalterno1 •

1 Cf. . VOGEL, Klaus . "Der Finanz- und Steuerstaat". In: ISENSEE, Josef/
KIRCHHOF, Paul (ed.). Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik
Deutschland. Heildelberg, C. F. Müller Juistischer Verlag, 1987, v. 1, p. 1.175.

1
2. Liberdade fiscal pela autolimitação da liberdade1 , constitui o preço da liberdade, pois
é o instrumento ·que distancia o homem do Estado8 , e pode im- ,
O que caracteriza o Estado Financeiro e estrema os diferentes plicar na opressão da liberdade, se o não contiver a legalidade9• O
tipos nele compreendidos é o problema da liberdade em suas re- telacionamentÇJ entre liberdade e tributo é dramático, pois vive sob
lações com o tributo. o signo da bipolaridade: o tributo é garantia da liberdade e, ao
De feito, é inútil procurar o tributo antes do Estado Moderno 2, mesmo tempo, possui a extraordinária aptidão para destruí-la; a
eis que surge ele com a paulatina substituição da relação de vassa- liberdade se autolimita para se assumir como fiscalidade e se r~­
lagem do feudalismo pelos vínculos do Estado Patrimonial, com as volta, rompendo os laços da legalidade, quando oprimida pelo tri-
suas incipientes formas de receita fiscal protegidas pelas primeiras buto ilegítimo.
declarações de direito 3 • Por isso é que se começa a ver na "proble-
mática fiscal-financeira o ponto detonador da dissolução da estru- 3. A id~~a de liberdade fiscal
tura medieval e da sua substituição pela estrutura institucional mo-
derna"4. Mas · só com o advento do liberalismo se transforma o Pretende-se no presente trabalho examinar a idéia de liber-
tributo na categoria básica da receita. dade no patriinonialismo e no liberalismo financeiro luso-brasileiros,
A liberdade, por seu turno, se une essencialmente ao Estado ou melhor, a reflexão sobre a liberdade na fase de transformação
Financeiro em sua origem5 , para atingir a plenitude na época li- do Estado Patrimonial em Estado Fiscal, com a sua passagem pelo
beral. Ao tempo do Estado Patrimonial exibe a característica de Estado de Polícia. Cuidar-se-á, portanto, da idéia de liberdade fiscal
liberdade estamental, com o exercício da fiscalidade dividido entre no seu desenvolvimento histórico (liberdade estamental, do príncipe
o rei, a Igreja e o senhorio. No Estado de Polícia cresce a liber- e individual) ' apreciando-se, em cada um daqueles períodos, as di-
dade do príncipe, com o recuo do poder dos estamentos. No Es- versas dimensões do problema (a idéia de liberdade como fisca-
tado Fiscal aparece a liberdade individual. lidade e limitação do poder fiscal e a de tributo como preço e
Liberdade e tributo, conseguintemente, caminham juntos no opressão da liberdade). Apenas incidentalmente se cogitará de ou-
decurso da evolução do Estado Financeiro, pelo que se pode co- tras idéias fundamentais para a constituição do Estado de Direito,
gitar de uma liberdade fiscal 6 : o tributo nasce no espaço aberto como as de justiça, segurança ou utilidade. Alguma coisa terá que
ser dita, ainda que rapidamente, sobre a experiência da liberdade
2 Cf. WEBER-FAS, Rudolf. "Finanzgerichstsbarkeit im freiheitlichen Rechts-
staat". In: TOHIDIPUR, Mehdi (ed.). Der bürgerliche Rechtsstaat. Frankfurt, derechos individuales en quanto el ejercicio del poder impositivo pueda afectar
Suhrkamp, 1978, v. 2, p. 548: "Assim como o Estado Moderno (der moderne o suprimir la libertad fiscal, que es uno de los aspectos no menos importantes
Staat) é um fenômeno da época moderna (Neuzeit), também a tributação de de la libertad humana".
hoje não pode ter em comum com a dos tempos antigos senão o nome." 7 BUCHANAN, James M. The Limits of Liberty. Chicago, The University of
3 Cf. MA YER, Theodor. "Geschichte der Finanzwirtschaft vom Mittelalter bis Chicago Press, 1975, p. 112 prefere falar em liberty tax, para significar que
zum Ende des 18. Jahrhunderts". In: GERLOFF, Wilhelm & NEUMARK, o tributo implica sempre a perda de uma parcela de liberdade (one degree
Fritz (ed.). Handbuch der Finanzwissenschaft. Tübingen, J. C. B. Mohr, v. 1, of freedom is lost).
p. 247. s Cf. ISENSEE, Josef. "Die verdrangten Grundpflichten der Bürgers". Die
4 HESPANHA, Antonio Manuel. Poder e Instituições na Europa do Antigo
offentliche Verwaltung, 1982, p. 617: "Para o cidadão o imposto é o preço
Regime. Lisboa, C. Gulbenkian, 1984, p. 14. para a sua liberdade econômica" (Für den Bürger ist die Steuer . . . der Preis
5 Cf. VOGEL, op. cit., p. 1.156. für seine wirtschaftliche Freiheit); G. ARDANT, op. cit., p. 431: "L'Etat
6 Cf. LINARES QUINTANA, Segundo V. El Poder lmpositivo y la Libertad devenait plus extérieur à l'individu".
Individual. Buenos Aires, Ed. Alfa, 1951, p. 26: "Si el sistema fiscal o impo- 9 Cf. SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. Madri, Instituto

sitivo asume tanta importancia desde el punto de vista de la formaci6n del de Estudios Politicos, 1975, v. 1, p. 194: " ... la más enérgica resistencia al
tesoro del Estado, . . . no menor transcendencia oferece desde el angulo de los poder de los despotas ha provenido, por lo general, de los contribuyentes".

2 3
no Estado Patrimonial, no Estado de Polícia e no Estado Fiscal e sobre a _liberdade fiscal e os fundamentos do tributo quase desapa-
sobre algumas circunstâncias históricas que cercam o desenvolvi- receu a partir de meados do século XIX, por força da preeminência ,
mento desses tipos econômico-financeiros, posto que teoria e práxis alcançada pelos positivismos 12, e quando se observa que retornou nos
também aqui estão indissoluvelmente ligadas 10 • últimos anos com extraordinário vigor e intimamente afinada com
o pensamento iluminista e contratualista 13 • De feito, a reflexão sobre
4. Aspectos metodológicos a liberdade e a fiscalidade volta a se fazer no campo da ética14 , da
filosofia do direito 15 e da economia política 16 • No Brasil a meditação
Algumas averbações de ordem metodológica devem ser feitas filosófica sobre o tributo desapareceu também aproximadamente em
agora. meados do século passado e até hoje não retornou, prejudicada pelo
Seja a primeira que as idéias desenvolvidas sobre a liberdade cientificismo, pelo positivismo e pelo autoritarismo político, que es-
no Brasil e em Portugal, até a Independência, aproximadamente, in- vaziaram ·.fi! discurso da liberdade.
tegram a mesma unidade que é o pensamento luso-brasileiro . Só a Uma terceira consideração é a de que a filosofia luso-brasileira
partir das décadas seguintes começa a separação entre as duas filo- sempre demonstrou a tendência para o ecletismo, muito antes mes-
sofias, que vão seguir por caminhos diferentes 11 , e as respectivas mo do predomínio da chamada corrente eclética no século XIX. O
ciências, inclusive as do Direito e da Economia. Até então vamos iluminismo, o empirismo e o liberalismo denotam o traço caracte-
encontrar, seja nos portugueses que escreveram no Brasil e nos bra- rístico do sincretismo, realçado pela permanência das raízes esco-
sileiros que exerceram o seu ofício em Portugal, seja nos que perma- lásticas. Já disse Antônio Sérgio que "o grande erro dos portugueses
neceram em seus países, uma extraordinária unidade ideológica. não foi o quebrarem a tradição, e antes·, muito ao contrário, .p só
Mesmo nos primeiros anos após a Independência continuou a in- quebrarem a tradição em seus aspectos superficiais" 17 • Somos até
fluência recíproca, como foi o caso do jurista português Ferreira hoje, sem qualquer dúvida, "os filhos da Contra-Reforma e deste
Borges, cujo livro Princípios de Sintetologia, impresso em Lon- fato derivam, em boa medida, as dificuldades que temos tido desde
dres (1831) , continha a advertência "compreendendo em geral a
Teoria do Tributo e em particular observações sobre administração 12 Cf. VOGEL, Klaus. "Rechtfertigung der Steuern: eine vergessene Vorfrage".
e despesas de Portugal, em grande parte aplicáveis ao Brasil". Der Staat, 1986, v. 25 (4), p. 481: "B tempo de renovar a pergunta sobre a
A segunda observação é a de que a ideologia da liberdade justificativa jurídica do tributo. A Ciência do Direito, a Ciência das Finanças
e a Filosofia Política do nosso século consideraram-na desinteressante."
e do tributo insere-se no âmbito da filosofia. A liberdade é idéia
l3 WACHENHAUSEN, Manfred. Staatsausgabe und õffentliches Interesse in
jurídica, econômica e política, simultaneamente, que apenas a filo- den Steuerrechtfertigungslehren des naturrechtlichen Rationalismus. Berlim,
sofia pode sintetizar e aprofundar. O conceito de tributo, por seu Duncker & Humblot, 1972, p. 15, disserta sobre a recuperação do valor cognos·
turno, não se desvincula da investigação filosófica, pois inexiste, citivo da "doutrina teórico-política e filosófica do tributo" (staatstheoretisch·
nesse período, ciência econômica ou direito financeiro sistematiza- philosophischer Steuerlehre).
l4 Cf. HóFFE, Otfried. Sittlich-politische Diskurse. Frankfurt, Suhrkamp, 1981
dos. Só a filosofia, portanto, com as suas subdivisões, pode explicar
p. 124.
o relacionamento entre a liberdade e as finanças públicas, da esco- ts Cf. RAWLS, John. A Theory of Justice. Oxford, 1980, p. 278.
lástica ao liberalismo, passando pelo cameralismo. A importância 16 Cf. BUCHANAN, James M. Freedom in Constitutional Contract. College
desse aspecto sobe de ponto quando se considera que a meditação Station, Texas, A & M University, 1977, p. 268: "A vantagem filosófica da
abordagem constitucional-contratualista reside no fato de que ela nos permite
tO Cf. MANN, Fritz Karl. Steuerpolitische Ideale. Stuttgart, Fischer, 1978, derivar as instituições fiscais das escolhas individuais independentemente dos
p. VI. critérios éticos impostos do exterior."
11 Cf. PAIM, Antônio. História das Idéias Filosóficas no Brasil. São Paulo, 17 Antologia dos Economistas Portugueses. Lisboa, Biblioteca Nacional, 1924,
Ed . Convivio, 1984, p. 203. p. VI.
fins do século XVIII para dar o salto em direção à modernidade" 18 • fato de -não have~ Max Weber se preocupado em .explicar a passa-
Mas esse ecletismo não é característica privativamente luso-brasilei- gem de uma para outra etapa histórica, que exigiria uma análise ·
ra, senão que vai aparecer também nas filosofias que nos impressio- causal estranha à sociologia23 •
naram, do iluminismo ao empirismo e ao liberalismo. A quinta· averbação de ordem metodológica é a de que as fi-
A quarta anotação sintetiza-se no repúdio ao determinismo his- nanças públicas e os tributos exercem extraordinária importância no
tórico ou à visão da passagem do Estado Patrimonial ao Estado Fis- desenvolvimento do mundo moderno, sem que, entretanto, se possa
cal segundo idéias finalistas ou causalistas. A observação é impor- inferir que sejam o fator primordial e condicionante de toda a estru-
tante porque surgiram na nossa filosofia da história algumas tenta- tura social. Outras causas, materiais e espirituais, também influen-
tivas nesse sentido. De um lado manifestaram-se os defensores do ciam a sociedade moderna, que deve ser estudada pelo prisma do
materialismo histórico: em Portugal chegaram a defender19 , contra pluralismo. Já não se pode reduzir a história ao fator econômico,
todas as evidências históricas, a existência do feudalismo 20 , passo ao racial '·óu ao geográfico, como queriam o marxismo e os positi-
inicial e necessário para a tríade dialética e para a compatibilização vismos24. A questão é importante porque entre nós se desenvolveu
do desenvolvimento da sociedade portuguesa com o processo histó- a tese da sobrevivência e da perenidade do patrimonialismo pela
rico universal imaginado por Marx e Engels21 , em que o feudalismo redução do conceito de sociedade a um só de seus elementos - ora
é substituído pelo regime burguês, que, pelas suas contradições inter- o estamento burocrático25 , ora a indistinção entre Estado e Socie-
nas, abre dialeticamente o caminho para a vitória do socialismo. De dade CiviF6 - e pela pobreza da análise dos aspectos econômicos
outra parte exsurge a teoria dos weberianos brasileiros, como é o e fiscais, ao contrário do que ocorre na obra de Max Weber, para
caso de Raimundo Faoro, que vai utilizar o teorema de Marx às quem todos os fatos sociais estão em equilíbrio e a economia fi_nan-
avessas, para provar que o Brasil, pela inexistência de feudalismo, ceira assume especial relevância27 .
não poderia ter chegado ao capitalismo22 ; tudo isso não obstante o A última averbação consiste nisso: a ideologia da liberdade e
do tributo deve ser examinada sob a perspectiva do diálogo e da co-
1d PAZ, Octavio. O Ogro Filantrópico. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1989,
p. 184. Japão lograram, por caminhos diferentes, mas sob o mesmo fundamento, desen-
19 Cf. CASTRO, Armando. A Evolução Econômica de Portugal. Lisboa, Por- volver e adotar o sistema capitalista, integrando nele a sociedade e o Estado.
tugália, 1964, v. 1, p. 52: "Negar-se que existiu o sistema feudal no nosso país A Península Ibérica, com suas florações coloniais, os demais países desprovidos
significa, implicitamente, negar a existência de leis gerais do desenvolvimento de raízes feudais, inclusive os do mundo antigo, não conheceram as relações
histórico ou até quaisquer leis." crtpitalistas, na sua expressão industrial, íntegra."
23 Cf. BENDIX, Reinhard. Max Weber, um Perfil Intelectual. Brasília, Ed.
20 Fundamental é a crítica feita a esse tipo de determinismo por MARCELO
Universidade de Brasília, 1986, p. 298; FREUND, Julien. The Sociology of
CAETANO- "O Problema do Feudalismo no Extremo Oriente Europeu". In:
Max Weber. Nova York, Pantheon Books, 1968, p. 60.
- - - . História do Direito Português. Lisboa, Ed. Verbo, 1985, p. 167. Para
24 PAUL KENNEDY, que escreveu o instigante livro intitulado Ascensão e
a tese da inexistência do feudalismo em Portugal continuam importantes: HER-
Queda das Grandes Potências (Rio de Janeiro, Ed. Campos, 1989) atribui
CULANO, Alexandre. "Da existência ou Não Existência do Feudalismo em
grande relevo ao fator financeiro no crescimento das nações, "sem cair na
Portugal". In: - - - . Opúsculos. Lisboa, José Bastos & Cia., 1907, tomo V,
armadilha grosseira do determinismo econômico", pois examina também a
p. 183-286; GAMA BARROS, Henrique da. História da Administração Pública
geografia, a organização militar, a moral nacional e muitos outros fatores (p. 9).
em Portugal nos séculos XII a XV. Lisboa, Liv. Sá da Costa, 1945, v. 1,
p. 358 e seguintes.
2s Cf. R. FAORO, op. cit., v. I, p. 45.
2~ Cf. SCHWARTZMAN, Simon. Bases do Autoritarismo Brasileiro. Brasília,
21 Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro, Ed. Vitória, 1954, p. 24.
Ed. Universidade de Brasília, 1982, p. 10.
22 Os Donos do Poder. Porto Alegre, Ed. Globo, 1984, v. 1, p. 22: "Os países
27 Economia y Sociedad. México, Fundo de Cultura Económica, 1964, p. 759;
revolvidos pelo feudalismo, só eles, na Europa e na Asia, expandiram uma História Geral da Economia. São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1968, p. 25: " ... a
economia capitalista, de molde industrial. A Inglaterra, com seus prolonga- história econômica não se identifica, como pretende a concepção materialista
mentos dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, a França, a Alemanha e o da história, com a história total da cultura".

6 7
municação com as culturas das nações adiantadas. Não se trata de 5. Periodização
detectar imitações ou transplantações servis de princípios e idéias,
senão que se cuida de verificar a coincidência entre problemas e As idéias sobre as finanças públicas e a liberdade, que se de-
reflexões no âmbito da orientação cultural comum aos diversos paí- senvolvem no. ambiente da Filosofia Prática, geram-nas simultanea-
ses28. Há, é bem verdade, em tema financeiro, a formação de certos mente a filosofia do direito, a ética, a economia e a política. A pe-
tipos nacionais, correspondentes à vocação das diferentes nações para riodização de sua história coincidirá com a da própria história da
a meditação sobre problemas específicos e por métodos próprios 29 • cultura34 , seguindo, em suas linhas gerais, as fases indicadas pelos
35
Mas esses tipos não são incomunicáveis, salvo na obra de alguns teó- historiadores luso-brasileiros de diversas daquelas disciplinas •
ricos radicais que pretendem estabelecer a impossibilidade de har- Há, pelo menos, três grandes linhas de pensamento, a coincidir
monizar a cultura financeira dos países ricos com a dos subdesen- com o patrimonialismo, o Estado de Polícia e o Estado de Direito:
volvidos30. De modo que o estudo da idéia de liberdade fiscal na ".I
a) a escolástica, com a defesa do direito natural de origem divina,
época moderna se deve fazer sob a -ótica da comunicação com o
da ética da salvação, do poder fiscal partilhado e do mercantilismo
pensamento de autores alemães, franceses, italianos, ingleses, ame-
bullionista; b) o iluminismo, com as projeções do direito natural
ricanos etc., em plena consonância, aliás, com o que já vem sendo
feito no âmbito da filosofia31 , do direito32 e da economia33 • racional, da ética da felicidade e do bem-estar, do poder absoluto
e do mercantilismo e cameralismo; c) o liberalismo, com o direito
28 Cf. MACEDO, Ubiratan Borges. A Liberdade no Império. São Paulo, Ed. natural sensista, a ética utilitarista, o poder limitado pelo consenti-
Convívio, 1977, p. 39: "Dentro da cultura ocidental estamos em casa, pois, mento e o capitalismo.
a validade de uma idéia dependerá mais da sua capacidade de resolver o
problema que a originou do que de seu coeficiente de originalidade."
6. Bibliografia
29 NEUMARK, Fritz. Problemas Económicos y Financieros dei Estado Inter-
vencionista. Madri, Ed. Derecho Financiero, 1964, p. 115, criou a tipologia
das doutrinas financeiras , a fim de apreender certas peculiaridades de método, Escassa é a bibliografia sobre a história da idéia de tributo e
eleição de problemas e tipos ideais, como, por exemplo, a tendência caracte- de finanças públicas, especialmente em seu relacionamento com os
rística para a sistematização observada na Alemanha; cf. também SAINZ DE
problemas da liberdade, do poder e da justiça, no período que se
BUJANDA, Fernando. Sistema de Derecho Financiero. Madri, Facultad de
Derecho de la Universidad Complutense, 1982, v. 1, p. 278. estende do Estado Patrimonial à constituição do Estado Fiscal.
30 B o caso de WILDAWSKY, Aaron. "A Cultural Theory of Expanditure
Growth and Unbalanced Budgets". fournal of Public Economics 28/353, 1985; a História do Pensamento Econômico em Portugal. Lisboa. Publ. Dom Qui-
BELTRAME, Piene. Les Systemes Fiscaux. Paris, PUF, 1975, p. 30. xote, 1988, p. 88.
31 PAIM, Antônio. "O Diálogo da Filosofia Brasileira com outras Filosofias 34 Cf. WIAECKER, Franz. História del Derecho Privado de la Edad Moderna.
Nacionais". In: Anais do 1. 0 Encontro Nacional de Professores e Pesquisadores Madri, Aguilar, 1957, p. 8. CABRAL DE MONCADA, L. Estudos de História
da Filosofia Brasileira. Londrina, Univ. Estadual de Londrina, 1989, p. 154: do Direito. Coimbra, Univ. Coimbra, 1949, v. 2, p. 183 repudia esse critério,
"Definiria como obra vinculada à filosofia brasileira aquela que tivesse em que chama "étnico-político e jurídico-externo".
vista dar continuidade ao diálogo que vimos empreendendo com as outras 35 Cf. BRAZ TEIXEIRA, Antônio. O Pensamento Filosófico Jurídico Por-
filosofias nacionais"; cf. também REALE, Miguel. Filosofia em São Paulo. tuguês. Lisboa, Ministério da Educação, 1983, p. 12, que identifica o jusna-
São Paulo, EDUSP/Grijalbo, 1970, p. 8. turalismo escolástico e renascentista, o jusnaturalismo iluminista e o jusracio-
32 Cf. NOGUEIRA , Ruy Barbosa. Direito Tributário Comparado. S. Paulo, Sa- nalismo utilitarista e sensista; SILVA, Nuno Espinosa Gomes. História do
raiva, 1971, p. 243; TAVARES, Ana Lúcia de Lyra. "O Direito Comparado na Direito Português. Lisboa, C. Gulbenkian, 1985, p. 17; MERBA, Manuel Paulo.
História do Sistema Jurídico Brasileiro". Revista de Ciência Política 33/56, 1990. Estudos de História do Direito. Coimbra, Coimbra Ed., 1924, p. 16 e seguintes;
33 Cf. CARDOSO, José Luís. "A Influência de Adam Smith no Pensamento MAGALHÃES, José Calvet. História do Pensamento Econômico em Portugal.
Econômico Português (1776-1811/12). In: - - - . (Org.). Contribuições para Coimbra, Coimbra Ed., 1967, p. 58 e seguintes.

8 9
Em português vamos encontrar, além dos trabalhos dos juristas Na Alemanha está mais desenvolvida a história das idéias finan-
mais antigos36, o esforço de Aliomar Baleeiro para fazer o "levanta- ceiras. O cameràlismo já foi objeto de pesquisa profunda43 , a que·
mento incompleto da bibliografia brasileira de finanças no curso de devemos dar atenção pela proximidade ·com a meditação luso-brasi-
um século e meio, até 1977"37 e o de Ruy Barbosa Nogueira para leira do período pombalino44 • Mas há estudos fundamentais sobre as
oferecer "um catálogo bibliográfico para facilitar estudos e pesquisas idéias financeiras em outros períodos históricos 45 • Inúmeros também
de Direito Tributário" 38 • Alguns estudos de valor têm aparecido, mas são os trabalhos sobre a história dos tributos e da administração
se cifram na pesquisa da história das instituições, da legislação ou financeira, com informaçõe·s preciosas sobre os aspectos científicos
da administração financeira 39 • Valiosas contribuições para o tema po- e ideológicos46 •
dem ser encontradas incidentalmente nos livros sobre história da Em francês, inglês e italiano escreveram-se livros importantes
filosofia do direito, ou sobre história das doutrinas políticas e eco- sobre a história das finanças públicas, que, entretanto, só inciden-
nômicas. Há importantes estudos sobre as idéias financeiras em sua talmente ··tuidam das idéias fiscais 47 • Poucos são os trabalhos especí-
perspectiva universal, sem o exame de sua projeção para a cultura ficos sobre a filosofia da tributação, embora de grande valor48 •
luso-brasileira40 •
Em língua espanhola a situação não é diferente. Fez-se o opor- - - - . La Hacienda en la Historia de Espana: 1700-1931. Madri, Instituto
de Estudios Fiscales, 1980; CLAVERO, B. "Senhorio e Fazenda em Castela
tuno levantamento da bibliografia existente sobre as finanças públi-
nos Finais do Antigo Regime". In: A. M. HESPANHA, Poder e Instituições
cas41. Mas os outros estudos versam, em sua quase totalidade, sobre na Europa do Antigo Regime, cit., p. 155-157; DE JUANO, Manuel (dir.).
as instituições e a legislação de Fazenda42 • Origem, Historia y Evolución de los Tributos. Buenos Aires, Depalma, 1984.
43 MAIER, Hans. Die altere deutsche Staats-und Verwaltungslehre. Mt~_nique,

36 CAVALCANTI, Amaro. Elementos de Finanças. Rio de Janeiro, Imprensa Beck, 1980. WACHENHAUSEN, Manfred. Staatsausgabe und offentliches In-
Nacional, 1986; VIVEIROS DE CASTRO, Augusto O. "História Tributária teresse in den Steuerrechtfertigungslehren des naturrechtlichen Rationalismus.
do Brasil". Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, LXXVIII:10- Berlim, Duncker & Humblot, 1972; JENETZKY, Johannes. System und
167, 1916. Entwicklung des materiellen Steuerrechts in der wissenschaftlichen Literatur
37 Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro, Forense, 1981,
des Kameralismus von 1680-1840. Berlim, Duncker & Humblot, 1978; BRüCK-
p. 500. NER, Jutta. Staatswissenschaften, Kameralismus und Naturrecht. Munique, C.
38 Direito Tributário Comparado, cit., p. 331.
H. Beck, 1977; STOLLEIS, Michael. Pecunia Nervus Rerum. Frankfurt, V.
Klostermann, 1983.
37 No Brasil: SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e Meirinhos: A Adminis- 44 Cf. A. M. HESPANHA . Poder e Instituições . .. , cit., p. 55 e 69.
tração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1985; GODOY,
45 F. K. MANN. Stuerpolitische Ideale, cit.; BECKRATH, Erwin v. "Die
José Eduardo Pimentel e MEDEIROS, Tarcizio Dinoá. Tributos, Obrigações
ncuere Geschichte der deutschen Finanzwissenschaft (seit 1800). In: GERLOFF,
e Penalidades Pecuniárias de Portugal Antigo. Brasília, ESAF, 1983. Em Por-
Wilhelm/NEUMARK, Fritz (ed.). Handbuch der Finanzwissenschaft. Tübin-
tugal: GODINHO, Vitorino Magalhães. "Finanças Públicas e Estrutura do
gen, J. C. B. Mohr, 1952, v. 1, p. 469-484.
Estado". In: - - - . Ensaios sobre História de Portugal, Il. Lisboa, Sá da
46 Cf. os clássicos: WAGNER, A. Traité de la Science des Finances. Histoire
Costa, 1978; - - - . Les Finances de l'Etat Portugais des Indes Orientales
de l'Impot depuis L'Antiguité fusqu'a nos fours. Paris, M. Giard & E. Briere,
(1571-1635). Paris, Calouste Gulbenkian, 1982.
1913, v. 4 e 5; WEBER, Max. Economia y Sociedad. México, FCE, 1964.
40 NOVELLI, Flávio Bauer. "Considerações sobre o Cameralismo". Revista
47 ARDANT, Gabriel. Histoire de l'Impôt. Paris, Fayard, 1971; MARION,
de Direito Público e Ciência Política, 5(1) :22-43, 1962; SALLES, Ricardo. Mareei. Histoire Financiere de la France depuis 1715. Paris, Mousseau & Cie.,
"A Idéia de Tributação na Idade Moderna". Revista Forense, 278:29-51, 1982. 1927, 6 volumes; WEBER, Carolyn/WILDAWSKY, Aaron. A History of Ta-
41 LASARTE, Javier (Diretor). La Hacienda en la Bibliografia de 1700 a
xation and Expenditure in lhe Westem World. Nova York, Simon and Schuster,
1845. Madri, Instituto de Estudios Fiscales, 1980. 1986.
42 ARTOLA, Miguel. Antigo Régimen y Revolución Liberal. Barcelona, Ariel, 48 GROVES, Harold M. Tax Philosophers. Two Hundred Years of Thought
1983; - - - . La Hacienda dei Antiguo Régimen. Madri, Alianza, 1982; in Great Britain and the United States. Madison, The University of Wisconsin
FONTANA LAZARO, J. Hacienda y Estado en la Crisis Final del Antiguo Press, 1974; POMINI, Renzo. La "Causa Impositionis" nello Svolgimento
Régimen Espaíiol: 1822-1833. Madri, Instituto de Estudios Fiscales, 1973; Storico del/a Do/trina Finanziaria. Milão, Giuffre, 1951.

10 11
Quanto às fontes primárias das idéias financeiras no período do
Estado Patrimonial até a constituição do .Estado Fiscal, no pensa-
mento luso-brasileiro e no de outros países, vão indicadas na biblio-
grafia final e nas notas de pé de página.
Capítulo I

A IDBIA DE LIBERDADE
NO ESTADO PATRIMONIAL

-.I

1. O Estado Patrimonial

As relações entre a liberdade e o tributo podem ser captadas,


inicialmente, no Estado Patrimonial, que se desenvolve desde o co-
lapso do feudalismo até o advento do absolutismo esclarecido e da
política de bem-estar, coincidindo, em larga escala, com o Estado
Corporativo, de ordens ou estamental (St.iindstaat) 1• O Estad'? Pa-
trimonial aparece, na Europa, em duas vertentes distintas: a in.glesa
e holandesa, em que já desde o século XVI emergem os interesses da
burguesia e na qual não se formam os monopólios estatais; e a que
predominou na França, Alemanha, Áustria, Espanha e Portugal, com
os monopólios e os rígidos privilégios corporativos, que Max Weber
chama de "Estados puramente patrimoniais ou feudal-estamentais" 2 •
O Estado Patrimonial, que surge com a necessidade de uma
organização estatal para fazer a guerra, agasalha diferentes realida-
des sociais - políticas, econômicas, religiosas etc. Mas a sua di-
mensão principal - que lhe marca o próprio nome - consiste em
se basear no patrimonialismo financeiro\ ou seja, em viver funda-

' Cf. SCHIERA, Pierangelo. "Sociedade por Categoria". In: BOBBIO, Nor-
berto; MATTEUCCI, Nicole e PASQUINO, Gianfranco (coord.). Dicionário
de Política. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1980, p. 1.213; MAX WEBER,
op. cit., p. 192.
2 Op. cit., p. 193.
3 F. K. MANN, op. cit., p. 44 caracteriza-o pelo sistema financeiro patrimo·
nial (patrimoniales Finanzsystem); GERLOFF, Wilhelm. "Grundlegung der
Finanzwissenschaft". In: - - - e NEUMARK, Fritz. Handbuch der Finanz-
wissenschaft. Tübingen, J. C. B. Moh, 1952, v. 1, p. 58 prefere falar em
economia dominial de tipo patrimonial-feudal (patrimonial-feudale Dominial-

12 13
mentalmente das rendas patrimoniais ou dominiais do príncipe, só XVI e_ XVII; inicia-se a elaboração orçamentária, racionaliza-se a
secundariamente se apoiando na receita (!Xtrapatrimonial de tribu- cunhagem da moeda, desenvolve-se a técnica da contabilidade e con-
tos; mas a característica patrimonialista não decorre apenas dos as- trole dos gastos públicos, embora ainda precária, e se aperfeiçoa a
pectos quantitativos, posto que o fundamental é que o tributo ainda burocracia fazendária, que, contudo, se mantém ineficiente e irra-
não ingressava plenamente na esfera da publicidade, sendo apro- cional, tendo em vista que os funcionários incumbidos de zelar pelo
priado de forma privada, isto é, como resultado do exercício da tesouro usam de violência na cobrança dos tributos e fazem fortuna
jurisdictio e de modo transitório, sujeito à renovação anual. No Es- pessoal pela corrupção6 •
tado Patrimonial se confundem o público e o privado, o imperium
e o dominium, a fazenda do príncipe e a fazenda pública. Por outro 2. A escolástica
lado, nele ainda há resíduos do feudalismo, inclusive em Portugal,
com a persistência de certas formas de fiscalidade em mãos do se- A e~colástica marcou o pensamento português no período do
nhorio e da Igreja, eis que apenas na fase final do absolutismo ocor- Estado Pa'trimonial, desde o século XIII até meados do século XVIII.
re a centralizàção dos tributos na pessoa do rei, com a diluição dos Inicialmente houve a influência do tomismo e, depois, no que se
poderes periféricos. A legalidade vai aparecer como limitação do denomina a Segunda Escolástica Portuguesa, a da escolástica barroca
poder do rei e garantia da fiscalidade periférica4 e a justiça , como espanhola de Suarez, Molina e Vitoria. No Brasil, totalmente depen-
bem-comum, no sentido escolástico, definindo-se o tributo justo como dente de Portugal, preponderou também tal pensamento7 •
o exigido para atender às necessidades públicas5 •
Finalmente, o Estado Patrimonial, do ponto de vista financeiro, 2.1. A idéia de liberdade
caracteriza-se por diversos outros fenômenos: as populações em geral A idéia de liberdade afirmou-se através da obra de moralistas,
são pobres e os reis, ricos; os sistemas tributários, caóticos e irra- juristas e economistas. :É bem de ver que não havia separação rígida
cionais, compõem-se principalmente de tributos diretos, que inci-
entre aqueles ramos do saber, o que permite catalogar o mesmo es-
dem até sobre os pobres, mas aos quais estão imunes a nobreza e
critor sob diferentes rótulos.
o clero; além das rendas dominiais, constituem fontes de recurso a
A moral preocupava-se sobretudo com a salvação 8 • O homem
venda de cargos públicos (durante as guerras da religião chegaram
deveria obrar de acordo com os ensinamentos da religião, que lhe
a quase 40% da receita) e os ingressos provenientes da exploração
dos monopólios; o déficit é permanente e as crises financeiras, cons- 6 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 228 e seguintes; MAX WEBER,
tantes, pela insuficiência da receita; há inflação, representada pela op. cit., p. 185, 828 e 835; ARDANT, op. cit., v. 1, p. 217 e seguintes;
quebra da moeda, e recorre-se cada vez mais aos empréstimos, mui- G. SALGADO, op. cit., p. 83 e seguintes; VITORINO M. GODINHO, Les
tas vezes não honrados; prejudicam o equilíbrio financeiro os gastos Finances de l'Etat Portugais des Indes Orientales, cit., p. 11; - - - . "Finanças
Públicas e Estrutura do Estado", cit., p. 54; AZEVEDO, Lúcio de. Epocas
exagerados com a mordomia da casa real e com os dotes das prin- de Portugal Econômico. Lisboa, Liv. Clássica, 1929, p. 78 e seguintes; WAGNER,
cesas e o aumento das despesas de guerra , principalmente nos séculos A. Traité de la Science des Finances. Paris, Giard & E. Briere, 1909, v. 1,
p. 360; A. BALEEIRO, op. cit., p. 436; RAU, Virgínia. Estudo sobre História
wirtschajt). Advirta-se, entretanto, que o patrimonialismo em Max Weber é Econômica e Social do Antigo Regime. Lisboa, Ed. Presença, 1984; KENNEDY,
conceito mais amplo, configurando "um dos tipos de dominação tradicional, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro, Campus, 1989,
de igual modo que o feudalismo" e nele "a propriedade senhorial é uma p. 50 e seguintes.
7 Cf. GUIMARÃES, Aquiles Cortes. "O Discurso Filosófico Colonial". Revista
simples extensão do domínio do Monarca, inexistindo a intermediação do
barão" (PAIM, Antônio. A Questão do Socialismo, Hoje. São Paulo, Ed. Con- Brasileira de Filosofia, 1984, v. 134, p. 140.
vívio, 1981, p. 106). 8 PAIM, Antônio. História das Idéias Filosóficas no Brasil. São Paulo, Ed.

4 Esses aspectos serão analisados adiante, no item 4. Convívio, 1984, p. 25, indica como traços definidores do saber de salvação o
5 Cf. por todos, J. CALVET MAGALHÃES, op. cit., p. 403 e seguintes. "desprezo do mundo", entendido em sua dimensão corpórea, e a "resistência

14 15
abririam o caminho da vida eterna . Os moralistas condenavam a Igreja e. o senhor~o , com a exclusão dos judeus e da burguesia 16 • Seus
usura e o luxo e justificavam a pobreza. Seus principais represen- principais representantes são: D. Alvaro Pais (1275-1343), francis- ·
tantes foram: o infante D. Pedro (1392-1449) , que escreveu o Livro cano, que analisou com profundidade o problema do poder régic:
da Virtuosa Benjeitoria9 , com a análise dos fundamentos e das causas e, inclusive, os fundamentos da tributação 17 ; Diogo Lopes Rebelo
dos benefícios ; Frei Heitor Pinto (1528-1584) 10 , Frei Amador Arrais (t 1498), que publicou em 1496 De Republica gubernanda per re-
(1530-1600) 11 e Frei Manuel de Góis (1542-1597) 12 , que condena- gem18, com o exame do poder, da justiça e da legitimidade da tribu-
vam a riqueza excessiva, superior às necessidades razoáveis; o Padre tação ; frei Pantaleão Rodrigues Pacheco (t 1667) , autor do Tracta-
Antônio Vieira ( 1608-1697), com extensa obra em que examina as- tus de iusta exactione tributi 19, em que disserta sobre a origem, a eti-
suntos de governo e defende o retorno dos judeus ricos 13 ; Nuno Mar- mologia e a definição do tributo, bem como sobre os requisitos que
ques Pereira ( 1652-1738) , que viveu no Brasil, foi um dos escritores justificam a sua imposição e as pessoas obrigadas a pagá-lo; Domin-
mais lidos no século XVIII e teve a sua obra recentemente reeditada gos Antunes Portugal (século XVII), que escreveu o Tractatus de Do-
pela Academia Brasileira de Letras 14 ; - Feliciano de Souza Nunes nationibus Regiis20 , livro que exerceu grande influência, em que es-
(1730-1808) , .q ue condenou veementemente a riqueza 15 • tudou amplamente os ingressos patrimoniais e o fundamento do po-
Os juristas, no que pertine ao tema da liberdade e das finanças, der do rei, demonstrando extraordinária erudição, eis que conhecia
deram atenção especial ao problema do poder. Defendiam o direito a obra dos clássicos e dos seus contemporâneos, inclusive Bodin, em-
natural de origem divina. O poder do rei derivava de Deus, mas bora se apoiasse principalmente em Suarez e nos escolásticos
não de modo direto, eis que havia a intermediação do povo. Recusa- espanhóis.
vam, entretanto, a idéia de soberania e de Razão de Estado. Abria-se, Os economistas preocupavam-se com· as conquistas e com a.. pro-
dessa forma , o caminho para a partilha do poder entre o rei, a dução agrícola. Defendiam o mercantilismo e condenavam a usura,
o luxo e o comércio. As teses variavam de acordo com a ordem
à tentação", que, sendo transitória, se opõe à "eternidade da salvação". religiosa, sendo que os jesuítas quase nada produziram21 • Sobressaí-
Cf. também RODRIGUES, Anna Maria Moog. "Introdução". In: C. JUNQUEI- ram as figuras de: Fernão Rebelo (1547-1608), que dissertou sobre
RA (ed .). Moralistas do Século XVIII . Rio de Janeiro, PUC/Ed. Documentário, y
o câmbid2 ; Duarte Gomes Solis (1561-1630), que escreveu sobre
1979, p. 16.
9 O Livro da Virtuosa Benfeitora do Infante Dom Pedro. Introdução e notas 16 Cf. VITA, Luiz Washington. Panorama da Filosofia no Brasil. Porto Ale-

de Joaquim Costa. Porto, Imprensa Portuguesa, 1940. gre, Ed. Globo, 1969; A. M. HESPANHA, Poder e Instituições ... , cit., p. 61.
17 Espelho dos Reis. Tradução de Miguel Pinto de Menezes. Lisboa, Insti-
10 Imagem da Vida Cristã. Lisboa, Liv. Sá da Costa, 1940, 4 v.
tuto de Alta Cultura, 1955; Colírio da Fé contra as Heresias. Lisboa, Fac.
Jt Diálogos. Ensaio Preambular, Seleção, Notas e índices Remissivos por Mário
de Letras da Universidade de Lisboa, 1954.
Gonçalves Viana. Porto, Livraria Figueirinhas, 1944.
ta Do Governo da República pelo Rei. Trad. de Miguel Pinto de Menezes.
12 Escreveu umas disputas sobre os livros de moral a Nicômano de Aristó-
Lisboa, Fac. de Letras da Universidade de Lisboa, 1951; MOSES BENSABAT
teles (1593), incluídas no Curso Conimbricense, que orientou o ensino da AMZALAK traduziu e republicou o capítulo XIV, dedicado aos "impostos e
filosofia por mais de dois séculos. A obra foi reeditada: Curso Conimbricense: tributos que os súditos têm por obrigação de prestar ao rei" (Dos Impostos
Padre Manuel de Góis: A Moral a Nicômano , de Aristóteles. Introdução, estabe-
segundo o "Liber de Republica" de Diogo Lopes Rebelo. Lisboa, s/ed., 1943).
lecimento do texto e tradução de Antônio Alberto de Andrade. Lisboa, Instituto
19 AMZALAK, Moses Bensabat. Frei Pantaleão Rodrigues e o seu "Tratado
de Alta Cultura, 1957. da Justa Exação do Tributo". Lisboa, Academia de Ciências, 1957. (Texto em
13 Obras Escolhidas. Lisboa, Liv. Sá da Costa, 1951-54, 12 v. latim acompanhado de tradução.)
11 Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Notas e estudos de Var- 20 PORTUGAL, Dominici Antunez. Tractatus de Donationibus Jurium et Bo-
nhagem, Leite de Vasconcelos, Afrânio Peixoto, Rodolfo Garcia e Pedro Cal- nor.um Regide Córonae. Lugduni, Anisson & Posuel, 1725.
mon. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1988, 2 v. 21 Cf. J. CALVET DE MAGALHÃES, op. cit. , p. 92.
15 Discursos político-morais. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 21. "Tratado de Câmbio"; fn: RAU, Virgínia. Estudos sobre História Econô-
1931. Transcrito in: C. JUNQUEIRA, Moralistas do Século XVIII , cit., p . 39-66. mica e Social do Antigo Regime. Lisboa, Ed. Presença, 1984, p. 117-129.

16 17
as conquistas e o problema da moeda2l; Severim de Faria (1583- séculos seguintes. Em Suarez e Domingos Antunes Portugal, por exem·
1654), preocupado com a questão populacionaF4 ; Luis Mendes de pio, nota-se a tendência de conciliação entre autores de idéias diver- '
Vasconcelos, Governador de Angola (1617-1621), que combateu as gentes 29 •
importações e o luxo 25 ; Duarte Ribeiro de Macedo (1618-1680), pio-
neiro na defesa da industrialização26 • c) Filosofia prática

2.2. Características A outra característica é · que o pensamento da escolástica se de-


~envolvia no âmbito da filosofia prática - entendida na maneira
a) Influências estrangeiras tradicional, isto é, incluindo, além da moral, também o direito, a
economia e a política - , que, por sua vez, ficava subordinada à
No período da escolástica não se sentiu fortemente a presença
teologia, CJ.V?mo anotava Suarez30 •
de autores contemporâneos de outras ._ nacionalidades, eis que Por-
tugal se desligara da modernidade. A influência maior era a da Es- Nessa época surge na filosofia política a meditação sobre a im-
panha, através da escolástica barroca; mas naquela época os dois portância das finanças públicas. Bodin afirma que "les finances sont
países estiveram ligados inclusive politicamente e o intercâmbio entre les nerfs de la République"31 • Em Portugal torna-se corrente a com-
eles era permanente, com escritores portugueses escrevendo em es- paração com o sangue, antes e depois da descoberta dos princípios
panhol e com professores espanhóis lecionando em Portugal, como da circulação sanguínea por Harvey ( 1628) : o economista Duarte
foi o caso de Suarez e Molina27 • Mas o pensamento verdadeiramente Gomes Solis (1561-1630) escreveu: "Gran Santo fue el Rey San
renovador sobre o nosso tema, como o desenvolvido por Maquiavel Luys de Francia, em quien resplanclecieron heroycas virtudes··· em
e Bodin, não ingressava em terras ibéricas, a não ser camuflada e sumo grado y con todo esse no sufrio que la riqueza de su reyno, y
incidentalmente28 • vassalos fuesen alimento desanguijuelas, qui poco a poco chupan-
donos la sangue, ponen el cuerpo de la republica en evidente peligro
b) Ecletismo de acavarse y consumise, faltando el espiritu vegetativo a qual es
Já afloram na Segunda Escolástica traços de ecletismo, caracte- el clinero que la allenta, fortifica y conserva" 32 •
rística que marcará profundamente o pensamento luso-brasileiro nos
29 Cf. TRUYOL Y SERRA, Antonio. Compêndio de História da Filosofia
23 Alegación en Favor la Compafiia de la India Oriental, y Comercias Ultra- do Direito. Lisboa, Universidade de Lisboa, 1954, p. 76; RODRIGUES, Anna
marinos que de nuevo se instituyó en el Reino de Portugal. Ed. organizada e Maria Moog. "Influência de Suarez na Opção Brasileira pela Filosofia Eclé-
prefaciada por Moses Bensabat Amzalak. Lisboa, Ed. Império, 1955. tica". In: Filosofia e Realidade Brasileira. li Semana Internacional de Filosofia,
21 "Dos Remédios para a Falta de Gente". In: ANTONIO SERGIO, Anto- 1976, p. 162.
logia dos Economistas Portugueses, cit., p. 173-240. 30 Tractatus de Legibus ac Deo Legislatore. Venetiis, Ex Typographia Balleo-
2s Do Sítio de Lisboa. Sua Grandeza, Povoação e Comércio. "Diálogos". Lis- niana, 1740, preâmbulo.
boa, Of. Patr. de Francisco Luiz Amerro, 1786. (Republicados por ANTONIO 31 Les Six Livres de la République. Paris, Fayard, 1986, liv. VI, cap. 2,
SERGIO, Antologia dos Economistas Portugueses, cit., p. 241-326). p. 35. E bem verdade que C1CERO já antecipara: "Robustissimus Reipublicae
2ó "Introdução das Artes no Reino". In: ANTONIO SERGIO, Antologia nervus pecunia est'' (De imp. Cn. Pompei 7, 17); e ULPIANO: "(Tributi) in
dos Economistas Portugueses, cit., p. 241-326. quibus esse rei publicae nervos" (Dig. 1, 20). A mesma idéia vai aparecer em
27 Cf. STEGMüLLER, F. Filosofia e Teologia nas Universidades de Coimbra LIPSIUS, Politicorum sive Civilis Doctrine, 1589, IV, 11, apud STOLLEIS,
e Evora no Século XVI. Coimbra, Universidade de Coimbra, 1959, p. 11. Michael. Pecunia Nervus Rerum. Frankfurt, V. Klostermann, 1983, p. 63: "Tri-
28 Cf. ALBUQUERQUE, Martim de. Jean Bodin na Península Ibérica. Paris, buta ornamenta pacis sunt & subsidia bel/i."
Fundação C. Gulbenkian/Centro Cultural Português, 1978, p. 73 e seguintes; 32 Alegación en Favor de la Compafiia de la India Oriental, y Comercias Ultra-
- - - . A Sombra de Maquiavel e a Etica Tradicional Portuguesa. Lisboa, marinos, que de nuevo se instituyó en el Reino de Portugal. Ed. organizada e
Universidade de Lisboa, 1974, p. 69. prefaciada por Moses Bensabat Amzalak. Lisboa, Ed. Império, 1955, § 45, p. 211.

18 19
3. A liberdade estamental A liberdade estamental opera pelo contrato de soberania
(Herrschaftvertrag) 33 e pelo contrato fiscal (Steuervertrag) 39 , for-
A liberdade na fase inicial do patrimonialismo se caracteriza mas de ajustamento dos interesses da realeza e do senhorio e de
como liberdade estamental ou corporativci33 • Os estamentos mantêm repartição dos. respectivos privilégios, promovido através das reu-
ou conquistam a liberdade diante do poder fiscal do rei. A liber- niões dos états (França), Stiinde (Alemanha e Áustria ) e cortes
dade aparece fracionada e dividida entre a realeza, o senhorio e a (Espanha e Portugal). Seja como for, deve ser assinalada a extra-
Igreja e vai se · consubstanciar no exercício da fiscalidade, na reserva ordinária precocidade de Portugal e Espanha no criar os mecanis-
da imunidade aos tributos, na obtenção de privilégios e no consenti- mos' jurídicos de limitação do poder fiscal do rei40 , nem sempre de-
mento para a cobrança extraordinária de impostos . Em outras pala- vidamente enfatizada entre nós 41 , que ainda nos deslumbramos dian-
vras, a nobreza e o clero são livres porque, além de não se subordi- te da história contada pelos povos de língua inglesa; o Fuero Juzgo,
narem, senão excepcionalmente, à fiscalidade do príncipe (imunida- os forais4~-'. e as cortes são fontes, instrumentos e instituições ini-
des e privilégios), constituem fontes periféricas de normatividade.
lo Cf. K. STERN, op. cit., p. 63; MANGABEIRA UNGER, Roberto. Law
Não se pode, conseguintemente, concluir que o Estado Patrimonial
in Modem Society. Nova York, The Free Press, 1976, p. 157.
não conheceu a liberdade; só que a vivenciou em sua forma esta-
39 Cf. W. R. WALZ, op. cit., p. 20. BbCKENFbRDE, op. cit., p. 48, subordina
mental ou corporativa, isto é, como liberdade privada, inconfundível essa relação ao poder financeiro e não ao poder legislativo.
com as liberdades públicas do liberalismo34 • 40 A pouco e pouco criaram-se em Portugal as limitações ao poder real e o
" monarca era apenas uma peça desse sistema de conselhos, tribunais e fun·
3 .1. Contrato fiscal cionár ios que formavam a corte e a rede dos seus agentes", como explica
MARCELO CAETANO (Lições de História do Direito Português. Coimbra,
A liberdade estamental se expressa: como limitação do poder Coimbra Ed., 1962, p. 229). Na Espanha, segundo SAINZ DE BUJANDA
(Hacienda y Derecho. Madri, Instituto de Estudios Políticos, 1976, v. 1, p. 195) ,
do rei, antes com finalidade tributária que política35, conquistando
wrtes e reis vêm a significar "mera organización del Poder del Es tado al
os súditos (estamentos) o direito de consentir; como autolimitação que compete la función de legislar". Cf. também MEREA, Manuel Paulo.
do poder dos estamentos, que concedem ao monarca o direito de O Poder Real e as Cortes. Coimbra, Coimbra Ed., 1925, p . 36.
tributa~ . Estava assim delimitado o poder fiscal, que se não con- 41 Cf. A. BALEEIRO, op. cit., p. 392: "Há exagero em a tribuir-se exclusiva-
funde, nessa época, com o poder legislativo37 • mente à Inglaterra e à França o princípio do imposto consentido" . . . " Os
princípio~ da representação política e da anuência expressa para o imposto,
bases do orçamento, já estavam implícitos nessas práticas vetustas que há
33 K. STERN, op. cit., p. 64 refere-se à liberdade estamental (stiindische
perto de mil anos se observam também na Espanha e Portugal. Deste passa·
Libertiit); WALZ, W. Rainer. Steuergerechtigkeit und Rechtsanwendung. Hei- riam ao Brasil colonial através das instituições municipais". Cf. também LINHA-
delberg, R. v. Decker, 1980, p. 18 fala em stiindische Freiheit; DILCHER, RES QUINTANA, Segundo. Tratato de la Ciencia dei Derecho Constitucional
Gerhard. "Vom stiindischen Herrschaftsvertrag zum Verfassungsgesetz". Der Argentino y Comparado. Buenos Aires, Ed. Alfa, 1953, v. 1, p. 35.
Staat, 1988, v. 27 (2), p. 167 prefere liberdade corporativa.
42 Os forais ou cartas de privilégios especificavam impostos, multas, isenções
3~ Cf. DIEZ DEL CORRAL, Luis. El Liberalismo Doctrinario. Madri, Centro
c privilégios; cf. MARCELO CAETANO, op. cit., p. 97 (nos forais se
de Estudos Constitucionales, 1984, p. 269: "Las liberdades antiguas, basadas
encontra): "A determinação precisa dos tributos e prestações que os vizinhos
en el derecho particular de una corporación o de un município. . . en su terão de pagar ao rei ou sen hor, de modo a evitar todo o arbítrio ou abuso
csencia eram privadas y domésticas". COLLIARD, Claude-Albert. Libertés na exigência e na cobrança"; MEREA, Manuel Paulo. R esumo das Lições
Publiques. Paris, Dalloz, 1982, p . 52. de História do Direito Português. Coimbra, Coimbra Ed., 1925, p. 51: "Além
3s Cf. MAX WEBER, op. cit., p. 774. dos impostos, e das composições e multas devidas pelos diversos delitos e
36 Cf. BbCKENFbRDE, Ernst-Wolfgang. Gesetz und gesetzgebende Gewalt. contravenções ..os forais continham disposições importantes sobre a obrigação
Berlim, Duncker und Humblot, 1981, p. 41. e privilégios dos cavaleiros vilãos, sobre liberdades e garantias das pessoas e
37 ld., ibid., p. 48; M. WACHENHAUSEN, op. cit., p. 23. de bens"; NUNO ESPINOSA GOMES, op. cit., p . 117.

20 21

BIBLIOTECA DE CI~NCIAS JURfDICAS


dais de reconhecimento da liberdade, de afirmação da necessidade 4. A liberdade <;orno fisca1idade
do consentimento das forças sociais e de limitação do poder tribu-
tário, que já aparecem consolidados no século XII . Na Inglaterra a 4.1. A tripartição do poder fiscal
Magna Carta, de 1215, foi exigida pelos barões para limitar os
No feudalismo o senhorio cobrava tributos e rendas patrimo-
poderes de João Sem Terra, que exacerbara a cobrança de tributos 43 •
niais, pois o feudo se caracterizava principalmente como "um con-
Na França o consentimento dos contribuintes foi respeitado através junto rentável de direitos "4\. Com a formação do Estado Moderno
das cartas dirigidas às vilas, das assembléias e da convocação dos transfere-se para o rei ou para o príncipe territorial o poder de
Estados Gerais 44 • Na Itália observou-se o mesmo fenômeno, que exigir impostos. Mas, nos países que aderiram ao patrimonialismo,
se expressou também nas Cartas da Dinamarca ( 1282) e Bélgica o senhorio e a Igreja conservam, perifericamente, o direito a algu-
(1316). mas renda:> fiscais e patrimoniais. É o resquício do feudalismo, que
vai declinar no Estado de Polícia e que só desaparecerá com o ad-
3.2. Razão de Estado vento do capitalismo e do liberalismo. A fiscalidade tripartida entre
a realeza, o senhorio e a Igreja aparece com diferentes intensidades
A liberdade no patrimonialismo, entretanto, vai seguir por ca-
na Alemanha48 , na Itália49 , na Espanha50 e em Portugal, sendo que
minhos diferentes. Em sua forma estamental ou corporativa conti-
neste último o fenômeno surge independentemente do fato de lá
nua a predominar em Portugal até o século XVIII , e, na Alemanha ,
não ter-se instalado jamais um vero regime feudaP 1 • Nos países em
até o século XVII e o término da Guerra dos Trinta Anos, porque, que a estrutura patrimonialista era frágil, como na Inglaterra e Ho-
entre outros motivos, naqueles países não penetrou a idéia de Razão landa52, ou em que desde cedo se manifestou o absolutismo, ~orno
de Estado45 • Na França e em algumas cidades italianas, todavia, fez- na França53, o senhorio não manteve o poder fiscal.
se forte a idéia de Razão de Estado, na versão de Maquiavel ou
Duas idéias básicas permitiram a manutenção do poder fiscal
de Bodin, o que levou às restrições da liberdade estamental e à ex- periférico: a de suprema potestas e a de jurisdictio.
pansão do absolutismo, fundado na só necessidade do príncipe. Na
Inglaterra os Bill of Rights, o trabalho admirável dos juízes, que a) Autoridade suprema
casuisticamente controlavam os abusos praticados pelos reis, e o
Parlamento compunham o quadro principal das garantias da liber- Já ao tempo da escolástica medieval desenvolve-se em Portugal
dade, que vão ter desenvolvimento peculiar e mais rápido que nos a concepção do poder fiscal repartido, até porque existe a subor-
países continentais46 •
47 MAX WEBER, op. cit., p. 812.
48 Cf. BRUNNER, Otto . "Die Freiheitsrechte in der altstandischen Ge-
43 Cf. UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tri-
scllschaft". In: BóCKENFõRDE, Ernst-Wolfgang. Staat und Geselschaft.
butário. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p. 11 e seguintes.
Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1976, p. 30; G. DILCHER,
44 Cf. G. ARDANT, op. cit. , p. 526. op. cit., p. 186.
45 Cf. MARTIM DE ALBUQUERQUE, Estudos de Cultura Portuguesa, cit., 49 Cf. P. SCHIERA, "Sociedade por Categoria . . . ", cit., p. 1.213.
p. 96 : "Para os filósofos políticos lusitanos dos séculos XVI e XVII a razão 50 Cf. A. P. RUIZ TORRES, op. cit. , p. 91; B. CLAVERO, "Senhorio e
de Estado constitui doutrina pestífera; MEINECKE, Friedrich. La I dea de Fazenda em Castela .. . ", cit., p. 160.
la Razon de Estado en la Edad Moderna . Madri, Centro de Estudios Cons· 5' Cf. A. M. HESPANHA, Poder e Instituições . . . , cit., p. 14. VITORINO
titucionales, 1983, p. 132: "Sólo en efecto, en el siglo XVII , triunfa el abso- MAGALHÃES GODINHO, "Finanças Públicas e Estrutura do Estado", cit.,
lutismo en Alemania, y justamente a lo largo de este siglo florece también p. 64. V. também , n. 20 da Introdução, p. 6.
aqui la literatura de la razón de Estado." 52 Cf. R. POUND, op. cit., p. 16.
46 Cf., por todos, R. POUND, op. cit., p . 21. 53 Cf. G. ARDANT, op. cit., v. 1, p. 482.

22 23
dinação da realeza à Igreja. D. Alvaro Pais (1275-1353) afirma: e da Igreja, do que resultou a inexistência de verdadeiro absolutis-
"Ora, a cabeça deste reino é Cristo; os varões eclesiásticos são os mo em Portugalro. f: interessante observar que os Estados estamen-
seus vigários; e o principal monarca o papa, abaixo do qual estão tais alemães tinham em alta consideração a doutrina da escolástica
os reis que dele recebem, tácita ou expressamente, a execução do barroca 61 , ao mesmo tempo em que também resistiam à recepção da
gládio temporal". 54 O padre Manuel Rodrigues (1545-1613) escre- teoria de Bodin62 ; dois motivos principais preponderaram na influên-
ve: "Tiene authoridad para prover tributos el Papa, el Concilio, el cia de Suarez sobre o pensamento germânico, que iria repercutir in-
Emperador, y el Rey, y los Seíiores que no reconocen superior en clusive na posterior produção do iluminismo: até o século XVII e a
lo temporal". 55 Guerra dos Trinta Anos não se instalara o regime absolutista, ha-
vendo a luta de poder entre o imperador e os príncipes territoriais 63 ;
Mas a idéia fundamental que embasou a tripartição do poder
tanto o protestantismo quanto o catolicismo se apoiavam em raízes
fiscal no Estado Patrimonial ibérico foi a de suprema potestas, que
aristotél i~s 64 •
às vezes aparece também como majestas ou summa auctoritas.
Para Suarez a suprema potestas fundamenta a criação de im-
A idéia de soberania, defendida por Bodin, aliada à doutrina
postos , tendo em vista que "não pode impor tributo senão o príncipe
da origem divina da monarquia, não ingressou, senão incidental e
que não reconhece superior" ( ... tributum autem imponere non
camufladamente, na Espanha e em Portugal56 • Fez sucesso, entretan-
potest; nisi supremus Príncipes non recognoscens superiorem), o qual,
to, na França, inspirando o absolutismo e ajudando a liquidar o
"todavia, fica condicionado pelas leis gerais anteriores" (praeter
poder fiscal dos estamentos57 • Recorde-se que Bodin dizia que "la
conditionem omnibus legibus general em) 65 • Conseguintemente, "as
souverainété n'est limitée, ni en puissance, ni en charge, ni à certain
cidades menores não têm o poder de fazer as próprias leis" (Mi·IJOres
temps" 58 •
civitates non habere potestatem ferendi proprias leges) 66 ; mas, por
Em Portugal e na Espanha prevaleceram, pelo contrário, a idéia concessão, as cidades e as corporações exercem parcela do poder •
67

de suprema potestas, desenvolvida por Suarez, que admite algumas A suprema potestas exclui o poder tributário dos príncipes inferio-
limitações, principalmente as do direito eclesiástico e do positivo, res, salvo se o adquiriram "pelo costume imemorial" (per consue-
e a concepção do direito natural de origem divina, em que o povo tudinem)63. Igualmente ao papa é permitido o exercício do poder
e a Igreja serviam de intermediários entre Deus e o rei, renovando- impositivo "quando o tributo se torne necessário para fins espiri-
9
se o conceito de pactum subjectionis> . A suprema potestas não ex-

cluía totalmente o poder fiscal periférico e os privilégios da nobreza 60 Cf. ALBUQUERQUE, Martim de. Estudos de Cultura Portuguesa. Lisboa,
Imprensa Nacional, 1983, v. 11, p. 193; MACEDO, Jorge Borges. "Absolutis-
54 Espelho dos Reis, cit., p. 226. mo". Jn: SERRÃO, Joel (dir.). Dicionário de Históri;t de Portugal. Lisboa,
55 "Suma de Casos de Consciência", cap. LXXII, apud J. CALVET DE Iniciativa Ed., 1963, v. 1, p. 9.
MAGALHÃES, op. cit., p. 125. 61 Cf. M. WACHENHAUSEN, op. cit., p. 152.
56 Cf. MARTIM DE ALBUQUERQUE, Jean Bodin na Península Ibérica, cit., 62 Cf. STOLLEIS, Michael. "Lipsius-Rezeption in der politisch-juristischen
p. 73 e seguintes. Literatur des 17. Jahrhunderts in Deutschland". Der Staat, 1987, 26(1):19.
57 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 236. b3 Cf. MEINECKE, op. cit., p. 132.
5~ Les Six Livres de la République, cit., liv. I, cap. 8, p. 179. 64 Cf. ROMMEN, Heinrich. La Teoría dei Estado y de la Comtmidad Inter-
59 DIOGO LOPES REBELO diz, na tradução de MOSES B. AMZALAK ltCCIOilal en Francisco Suarez. Madri, Instituto Francisco de Vitória, 1954,
(p. 13): " ... é portanto manifesto como o povo está obrigado por divino p. 21; M. STOLLEIS, "Lipsius-Rezeption ... ", cit., p. 2.
direito a pagar impostos e tributos e, por conseguinte, como o rei exornado 63 De Legibus ac Deo Legislatore, cit., lib. V, cap. XIV, n. l, p. 274.
com as virtudes, preceitos e institutos supraditos, governará bem a República".
66 ld., ib., lib. III, cap. IX, n. 17, p. 118.
Sobre o assunto: CABRAL DE MONCADA, Estudos de História do Direito,
67 Id., ib., Jib. III, cap. XI, n. 6, p. 122.
cit., v. I, p. 211: MESNARD, Pierre. El Desarrollo de la Filosofia Politica en
e: Sigla XVI. Universidad de Puerto Rico, 1956, p. 606. 63 ld., ib., lib. V, cap. XIV, n. 13, p. 277.

25
24
tuais ou para defender a Igreja dos infiéis e dos heréticos" (si ad sobre é! terra provém a jurisdição, como competência para exercer
spiritualem finem sit necessarium, ut acf: defendericlam Ecclesiam o poder normativo e o judicial. Em Portugal e na Espanha a juris-
ab in fidelibus, vel hereticis) 69 • dição do senhorio, que era respeitada pelo rei, só vai se extinguir
Nos poucos casos em que a palavra soberania ingressa no pen- no século XVIII 76 •
samento espanhol, vem mesclada com o conceito aristotélico e fina- A idéia de jurisdictio, ligada à de dominium, aparece muito
lista de bonum publicum. ~ o que acontece, por exemplo, com Ze- cedo em Portugal e se mantém durante o período escolástico. ~ com-
vallos, que define a faculdade tributária do governante como "aquella plementada pela noção de bem-comum e de justiça, posto que, como
amalia potestad, que es una soberania justa, hipotecade a su cetro vimos, nessa época não se haviam afirmado ainda os conceitos de
y corona•no. soberania e de Razão de Estado.
Essas idéias da escolástica espanhola são desenvolvidas em O infante D. Pedro justifica o poder tributário do rei pela de-
Portugal. Frei Pantaleão Rodrigues Pacheco afirma: "O primeiro fesa "das~ gentes sobre quem têm senhorio"".
requisito necessário para justificar a imposição do tributo é o poder Frei João Sobrinho ( t 1486) diz que "seja qual for a maneira
daquele que o impõe de tal forma que quem impõe o tributo não por que os domínios tenham sido divididos, ou por direito político,
reconheça superjor. A este poder chama Suarez causa eficiente" 71 ; ou por direito paterno, ou algumas raras vezes por direito divino,
mas admite, por concessão, outras fontes tributárias: "no entanto, é certo que, em geral, essa divisão foi aprovada e ratificada por
algumas vezes, por concessão do próprio príncipe, é de fato pago direito divino; portanto, ainda que a divisão venha do homem que
ao privado" 72 • Domingos Antunes Portugal (século XVII) se mani- a estatui, vem de Deus que a aprova. ~ evidente; pois em Mat.
festa de forma semelhante, ao dizer que a majestade compete ao cap. 22, Deus aprovou qu e se desse a · César o censo que lhe era
príncipe "que não reconhece superior na terra" (qui nullum in terris
devido" 78 •
recognoscunt superiorem) 73 e que os direitos da regalia não reco-
nhecem "competência como sinal de poder supremo (competentia
4.2. A fiscalidacle elo rei
in signum supremae potestatis) 74 •
A característica mais importante da fiscalidade no patrimonia-
b) Jurisdição
lismo é que o tributo não ingressa na esfera da publicidade, mas é
A outra idéia que permitiu a existência de poderes fiscais peri- apropriado de forma privacla79 • Houve , decerto, a transferência do
féricos foi a de jurisdictio, conservada pelo senhorio. poder de imposição para o rei; o próprio frei Pantaleão Rodrigues
No Estado Patrimonial a jurisdictio aparece amalgamada ao do- Pacheco observava que "o tributo começou logo que em cada repú-
minium. Prevalece a indistinção entre o público (jurisdictio, Her-
rschaft) e o privado (dominium, Grundherrschaft)15 • Do domínio 76 Cf. H. GAMA BARROS, op. cit., tomo I, p. 279; cf. A. M. HESPANHA,
Poder e Instituições ... , cit., p. 59; B. CLAVERO, op. cit., p. 164; VITORINO
69 Id., ibid., lib. V, cap. XIV, n. 15, p. 278. MAGALHÃES GODINHO, Finanças Públicas e Estrutura do Estado, cit.,
70 Apud MARTIM DE ALBUQUERQUE, Jean Bodin na Península Ibérica, p. 32.
cit., p. 159. 77 O Livro da Virtuosa Benfeitoria, cit., p. 191.
78 Da Justiça Comutativa, cit., p. 166.
71 Tratado da Justa Exação do Tributo, cit., p. 68.
• 79 Cf. MAX WEBER, op. cit., p. 189: "La dominación patrimonial y espe-
72 ld., ibid., p. 65.
cialmente la patrimonial- estamental trata- en caso de! tipo puro - a todos
73 Tractatus de Donationíbus Regiis, cit., Jib. II , cap. II , n. 5, p. 111 .
poderes de mando y derechos sefíoriales económicos la manera de probabi-
71 Id., ibid., lib. II, cap. I, n. 7, p. 108. lidades econômicas apropriadas de um modo privado" (einen privatwirtschaftli-
75 Cf. O. BRUNNER, op. cit., p. 32; R. POUND, op. cit., p. 13. chen Vorgang); WEBER(WILDAWSKY, op. cit., p. 275.

26 27
blica os príncipes foram separados dos privados, por tirania ou jetar84 oonseqüênçias sobre outros aspectos do patrimonialismo, tor-
voluntária translação do poder público para eles" 80 • Nada obstante, nando também indistintas as rendas patrimoniais e extrapatrimoniais'
o tributo não ingressou plenamente na esfera da publicidade, eis e a fazenda elo rei e a do Estado. ·
que passou a ser apropriado nos casos de necessidade81 , quando fos-
sem insuficientes os rendimentos patrimoniais do monarca, median- De feito, em todos os Estados Patrimoniais ocorre uma certa
te "pedido" 82 , transitoriamente 83 , o que lhe conservou a natureza confusão entre os ingressos dominiais e os tributários. Os próprios
contraprestacional e o manteve nos limites da relação privada de escritores antigos tinham dificuldade em definir o tributo . Frei Pan-
troca. taleão Pacheco Rodrigues afirmava: "Porém, quanto à definição de
Essa indistinção entre o público e o privado, decorrente da tributo, se for tomado em sentido lato e amplo, como cumpre no
circunstância de que o rei publiciza tudo em que toca, vai pro- presente tratado, todos convêm em que ele é tudo aquilo que deve
ser pago ··~w príncipe" 85 ; e falava "naquele gênero de tributos, que
80 Tratado da Justa Exação do Tributo, cit., p. 64. são pagos para o bem-comum da república, dos quais o príncipe
81 B imensa a literatura da escolástica que vinculava a cobrança dos tributos
à necessidade pública e à contraprestação pelos serviços recebidos: Infante é dispenseiro , e não senhor; e naquele gênero de tributos que são
D. Pedro, O Livro da Virtuosa Benfeitoria, p. 284; "A li cousa he o officio pagos para as despesas do próprio príncipe" 86 • Na Alemanha cobra-
de governar o Regimento. . . E devem receber trebutos que som galardooens vam-se ingressos camerais (dominiais) e contribucionais (fiscais);
dos seus trabalhos"; FREI PANTALEÃO RODRIGUES PACHECO, Tratado
da Justa Exação do Tributo, cit., p. 69: "Na verdade, tendo o supremo príncipe em Portugal havia os rendimentos dos reguengos c as rendas pro-
recebido do povo a autoridade, como dizem o Digesto e Calisto, é congruente venientes do tráfico marítimo, ao lado das sisas e do jantar; ._túdo
que dele também, pela imposição do tributo, possa receber o necessário para
sustentar os encargos da dignidade"; DIOGO LOPES REBELO, in: M. BEN-
Nacional, 1968; p. 455 narrava assim a transformação: "E vendo os reix taees
SABAT AMZALAK, Dos Impostos Segundo o "Liber de R epublica", cit.,
rendas de sissas, avemdo vontade de as aver, mostravam ao povoo necessydadcs
p. 10: "Somos obrigados a dar os tributos ao rei, que milita pela defensa
passadas ou que eram por vir; e pedimdo-lhas graciosamen te por dous ou
da pátria e nos defende dos inimigos e dos ladrões e conserva a paz e a
trez annos, que logo as leixariam; e outorgadas desta guysa, emadhiam depois
justiça entre os bons, fortifica e ergue as cidades e em poucas palavras tem
outras necessidades para que as avyam mester, e pidiam-nas por mais tempo.
o supremo cuidado de todo o povo que é sua grei". . . "de advertir é que
E asy lhe ficou a pose dellas, mas não que as elle deitasse". FREI P ANTA LEÃO
não pode o rei lançar ao seu povo novos ônus, novas exações ou novas gabelas
RODRIGUES PACHECO, Tratado da Justa Exação do Tributo, cit., p. 82,
a não ser que haja uma causa urgente e razoável"; DOMINGOS ANTUNES
oferecia a seguinte explicação: "Para se considerar cessada a causa, se requer
PORTUGAL, Tractatus de Donationibus Regiis, cit., lib. 111, cap. 11, n. 24,
previamente cesse por completo a necessidade pública, o que Suarez chama ces-
p. 93: "Princeps est pater vassalorum & Republica maritus. Non debet impo-
sar formalmente, e que não basta cesse particularmente aquela mesma necessi-
n.ere tributa, quae publicis negociis non sunt necessaria; immo tun.c tributa
dade, que originou a imposição do tributo, o que o mesmo Suarez chama
remittere debet". Essa doutrina sofre a influência de SUAREZ, para quem o
cessar materialmente. Por isso, olhando a que a necessidade, que ocasionou
tributo só é justo "quantum ad finem eius est necessarium & sujficiens"
a introdução do tributo de capitação das gabelas, embora tenha cessado par-
(De Legibus ac Deo Legislatore, cit., lib. V, cap. XV, n. 4, p. 279. Para as
ticular e materialmente, todavia ainda vigora in genere e formalmente - pois
relações entre necessidades do príncipe e tributo, fora de Portugal, cf. F. K.
MANN, op. cit., p. 20 e seguintes. as causas ela guerra crescem todos os dias, cortada uma cabeça da hidra, logo
82 outras se lhe vêm pulular - é razão que não cesse a exação desse tributo."
Os "pedidos" ou "peitas" faziam-nos os reis portugueses para atender a
84 Cf. FREI PANTALEÃO RODRIGUES PACHECO, Tratado da Justa
despesas extraordinárias da guerra, dos dotes da princesa etc.; cf. MARCELO
CAETANO, op. cit., p. 221. Eram também dirigidos às câmaras municipais Exação do Tributo, cit., p. 78: " ... o rei pode impor tributos, mesmo para
brasileiras; cf. ALIOMAR BALEEIRO, op. cit., p. 393. Apareciam em outras dotar as filhas. De fato, sendo este um encargo de pai, e sendo o rei pessoa
estruturas patrimonialistas; cf. F. K. MANN, op. cit., p. 40. pública, será também um bem público e comum socorrê-lo em tal necessidade
SJ Às vezes o tributo, concedido transitoriamente, se eternizava. A sisa, criada como notavelmente ponderam Suarez e Léssio".
85 Jd., ibid., p. 79 .
em 1383, se tornou permanente, já que rendia mais que os ingressos patri-
moniais; FERNÃO LOPES, Cronica dei Rei Dom foham I, Lisboa, Imprensa 86 Id. , ibid., p. 80.

28 29
isso não obstante, permanecia certa indistinção entre os ingressos tornaram Grão-Mestres da Ordem de Cristo; incidia pela aliquota
públicos (tributos) e privados ( dominiais)_87 • de 10% sobre todos os bens produzidos, principalmente a cana-de-
Da mesma forma era difícil distinguir, nos Estados Patrimo- açúcar; a sua incidência era real, pelo que até os judeus o pagavam:
niais Estamentais, entre a fazenda do rei e a do Estado, as des- a arrecadação revertia em benefício do culto92 • As conhccenças (dí-
pesas do rei e do reino, o orçamento da casa real e do Estado, as zimos pessoais de reconhecimento à providência divina) eram co-
rendas da coroa e do reino 88 • A distinção se fazia com mais cla- bradas diretamente pela Igreja e se tornavam devidas pelas confis-
reza em Portugal quando se tratava do problema da alienação das sões e comunhões93 •
terras do rei, ao fito de coibi-la, como se pode ler em Domingos Do ponto de vista doutrinário, já D. Alvaro Pais (1275-1343)
Antunes Portugal: "Principis patrimonium cluplex est, aliucl Princi- dizia que "de tudo o que se adquire, com justiça, deve-se pagar o
pis, aliud jisci, seu Coronae" 89 • É importante notar que a economia dízimo. . . assim como da caça e da guerra", acusando, ainda, os
se centrava na riqueza do rei - e não na riqueza da nação como reis de P.9rtugal de não o pagarem integralmente, "porque não os
vai acontecer . no liberalismo - , que ·se consubstanciava no patrimô- satisfazem dos fornos, moinhos, pomares, pescarias, florestas, pasta-
nio imobiliário inalienável, no ouro e na prata, o que levava ao gens, caça, feno, lã, leite e crias dos rebanhos" 94 • Diogo Lopes Re-
entesouramento e à centralização administrativa na pessoa do mor- belo distinguia claramente entre a fiscalidade da Igreja e a do prín-
domo da casa real90 • cipe: " ... dai pois a César o que é de César e a Deus o que é
de Deus. E com esta resposta insinua o Salvador que obrigados
4.3. A fiscalidade da Igreja somos a dar alguma coisa a Deus e também alguma coisa aos prín-
cipes seculares. Portanto, há obrigação de contribuir com os díúmos
A Igreja mantém o direito às imposições fiscais nos Estados e primícias que se dão aos sacerdotes que servem a Deus e oram
Patrimoniais. Os dízimos eram cobrados na França, Itália, Espanha, pelo povo na igreja; há também obrigação de dar ao rei tributos
etc., ao lado das rendas dominiais (pedágios, laudêmios, etc.)91. e impostos e pedágios conforme o antigo e honrado costume que
Em Portugal e no Brasil cobravam-se os dízimos eclesiásticos desde o princípio existiu no reino desde o tempo dos seus predeces-
e as conhecenças. O "Dízimo a Deus", criado pelo papa João XXII sores "95 •
a pedido de D. Diniz, passou a ser cobrado diretamente pela fa- Frei Pantaleão Rodrigues Pacheco ( t 1667) entende que "só o
zenda real, a partir do século XVI, dado que os reis de Portugal se Pontífice Romano pode impor tributos e pensões nas Igrejas", mas
observa que "todavia, em contrário, obstam numerosíssimos lugares
87 Cf. MAX WEBER, op. cit., p. 189; A. WAGNER, op. cit., v. I, p. 358;
K. VOGEL, Der Finanz und Steuerstaat, cit., p. 1.174; VITORINO MAGA-
do nosso direito, que manifestamente persuadem que mesmo os pre-
LHÃES GODINHO, Finanças Públicas e Estrutura do Estado, cit., p. 34; lados inferiores podem impor tributos e pensões nas Igrejas" 96 .
A. M. HESPANHA, Poder e Instituições no Antigo Regime, cit., p. 14; B.
CLAVERO, Senhorio e Fazenda em Castela, cit., p. 170. 92 Cf. ALIOMAR BALEEIRO, op. cit., p. 132; OLIVEIRA, Dom Oscar. Os
88 Cf. VITORINO MAGALHÃES GODINHO, Finanças Públicas e Estrutura Dízimos Eclesiásticos do Brasil. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais,
do Estado, cit., p. 61 e 72; A. M. HESPANHA, Poder e Instituições no Antigo 1964, p. 51; VITORINO MAGALHÃES GODINHO, Finanças Públicas e
Regime , cit. , p. 39; M. ARTOLA, La Hacienda dei Antiguo Regime, cit., Estrutura do Estado, cit., p. 63.
p. 91; K. VOGEL, Rechtfertigung der Steuem, cit., p. 495. 93 Cf. Dom OSCAR OLIVEIRA, op. cit., p. 168.
8~ Tractatus de Donationibus Regiís, lib. li, cap. IV, n. 1, p. 124.
94 Espelho dos Reis, p. 291 e 253.
90 MAX WEBER, op. cit., p. 781; F. K. MANN, op. cit., p. 6.
91 Cf. FORTE, F.; BONDONIO, P.; CELESIA, L. Jona. Il Sistema Tributaria.
93 In: M. BENSABAT AMZALAK, Dos Impostos segundo o "Liber de Re-
Milano, Giuffre, 1983, p. 207; CLAVERO, Senhorio e Fazenda em Castela .. . , ;::ub/ica", cit., p. 10.
cit., p. 171. 96 Tratado da Justa Exação elo Tributo, cit., p. 72 .

30 31
4.4. A jiscalidade do senhorio e razão- de ser, P.Ois que ele só ao príncipe é devido, mesrno atento
ao direito divino" 100 •
Nos Estados Patrimoniais Estamentais· o senhorio conserva ou
conquista uma parcela da fiscalidade, que exerce concomitantemente 5. A liberdade como limitação do poder fiscal do rei
com os seus direitos dominiais. Na França, pela precoce adesão ao
absolutismo, logo diminui o poder fiscal da nobreza97 • Mas na Es- Se a liberdade estamental leva ao exercício de uma parcela da
fiscalidade pela Igreja e pelo senhorio, como vimos, implica, por
panha continuou até o século XVIII, e os historiadores só agora vêm
outro lado , a limitação do poder fiscal da realeza, já que esse
demonstrando que havia, além das rendas patrimoniais decorrentes
poder se afirma justamente no espaço aberto pela autolimitação da
do senhorio territorial, também uma fiscalidade, que ora exsurgia do liberdade dos estamentos. A liberdade estamental, portanto, exibe
senhorio jurisdicional (impostos, penalizações e ajustes sobre ser- esse aspecto de ser liberdade diante do poder fiscal do rei e se ma-
viços militares), ora provinha da coroa (terças e sisas) 98 • Em Por- nifesta através das imunidades e privilêgios 101 •
tugal e no Brasil igualmente se manifestou o fenômeno, posto que
a jurisdição do senhorio só se extinguiu no final do século XVIII: os 5 .1. Imunidade fiscal da Igreja e da nobreza
donatários tinham o direito de cobrar a redízima e inúmeros forais A imunidade fiscal nos Estados Patrimoniais é a impossibili-
concederam tributos aos nobres e fidalgos 99 • dade absoluta de incidência de impostos sobre certas pessoas, em
Nas ordenações (Liv. 4, Tit. 43, § 13) estava o amparo para virtude da liberdade estamental. Protege a Igreja e a nobreza, mas
a doação de tributos: "mandamos que onde quer que se derem ses- não se estende aos pobres. .
marias de quaisquer coisas, se as terras onde estiverem forem isen- O poder fiscal historicamente se transferiu da Igreja e d.á no-
breza para o príncipe, mantendo-se elas, entretanto, incólumes à tri-
tas, se dêem as sesmarias isentas, e se forem tributárias, com o
butação. Em Portugal, que não conheceu o feudalismo, a imuni-
tributo delas se dêem, e não lhe ponham outro tributo".
dade decorre de concessão do rei, que se perpetua pela tradição 102 •
A doutrina justificava a fiscalidade periférica: "ora, ainda que Imunidade, conseguintemente, significa limitação do poder do prín-
u tributo, como adverte Vasques, nem sempre seja pago ao príncipe, cipe pela preexistente liberdade estamental. A imunidade aparece,
mas algumas vezes ao privado, nem por isso perde a sua natureza nesse sentido, em todos os Estados Patrimoniais, inclusive naqueles

97 Cf. O. 13RUNNER, op cit., p. 32; OESTREICH, Gerhard . "Problemas Es- too FREI PANTALEÃO RODRIGUES PACHECO. Tratado da Justa Exação do
truturais do Absolutismo Europeu". In: A. M. HESPANHA, Pode· e Institui- Tributo, cit., p. 65 .
ções, cit., p. 189. tu Cf. O. BRUNNER, op. cit., p. 29: "Liberdade neste sentido é libertação,
imunidade" (Freiheit in diesem Sinn ist Freiung, Immunitiit); MARCELO CAE·
98 Cf. ARTOLA, op. cit., p. 15; CLAVERO, op. cit., p. 173; RUIZ TORRES,
Pedro. "Seiiorio, Propiedad Agraria y Burguesia en la Revolución Liberal Es- TANO, Lições de História do Direito Português, cit., p. 229: " ... o soberano
pafíola". In: O Liberalismo na Península Ibérica na Primeira Metade do Século jurava logo no momento da sua aclamação (e ratificava depois esse juramento
em cortes) guardar e respeitar os foros e privilégios do clero, da nobreza e do
XIX, cit., v. 2, p. 93.
povo , isto é, os direitos particulares das classes, dos lugares e das inslitui çõ~s";
99 Cf. VITORINO M. GODINHO. Finanças Públicas e Estrutura do Estado, MAX WEBER, op. cit., p. 761.
cit., p. 32 e 35; LOBÃO, Manuel de Almeida e Souza. Os Direitos Dominicais. h'2 Cf. GAMA BARROS, op. cit., tomo I, p. 268: "E se por um lado parece
Lisboa, Imprensa Nacional, 1865, p. 43; SA, Vítor. Instauração do Liberalismo dever reconhecer-se que a imunidade legítima da terra presumia sempre a exis-
em Portugal. Lisboa, Livros Horizonte, 1987, p. 18; LOBO, Eulália Maria tência de uma concessão régia, pode supor-se também que já então a longa
Lahmeyer. Processo Administrativo Ibero-Americano. Rio de Janeiro, Biblio- posse da imunidade supria para a terra nobre a falta de título daquela conces-
teca do Exército, 1962, p. 288; FERREIRA, Maria Emília Cordeiro. "Capitão- são. Quando os reis tinham convertido n'um facto a bem dizer geral a isenção
Donatário". In: SERRÃO, Joel (dir.). Dicionário de História de Portugal . das terras da Igreja , as terras dos fidalgos não estavam de certo em condições
Lisboa, Iniciativas Editoriais , 1963, v. 1, p. 475. de inferioridade."

32 33
em que, pela adesão ao absolutismo, não se consubstanciou a fis- bres, acabam por .sofrer maior imposição 11 ~. Frei Pantaleão Rodrigues
calidade paralela da Igreja e da nobreza, como foi o caso da França. Pacheco se limita a repetir a lição de Suarez, mudando apenas as
A justificativa teórica da imunidade está presente em toda a palavras; entende que a gabela incidente sobre os produtos desti-
produção escolástica e mercantilista. Na França se ofereceu a mais nados ao consumo não "observa uma proporção eqüi taiiva, como
profunda e sucinta das explicações: "/e peuple contribuât par ses se deduz do fato de os pobres serem mais gravados que os ricos",
biens, la noblesse par son sang et le clergé par ses prieres" 103 • Suarez pois "aqueles têm necessidade de mais coisas que os ricos, que en-
se alongou na defesa da imunidade eclesiástica 104 • contram abundantemente eni seus patrimônios quase todas as coisas
necessárias ao uso comum"; mas termina por justificar o imposto
Em Portugal D. Álvaro Pais (1275-1353) já observava que "a
indireto, tendo em vista que "não é mais dura a condição dos po-
Igreja ajuda mais o reino com as orações do que o soldado ou o
bres que a dos ricos, porquanto o fato de os pobres às vezes compra-
escudeiro com as armas " 105 e "se alguém deixar à Igreja de sua for-
rem mais -·~oisas que os ricos, que abundam em muitas coisas, sucede
tuna curial, tais doações valem e ficam , para ela, livres e imunes
por acidente e, pelo contrário, até algumas vezes os ricos compram
dos impostos dos legados" 106 •
mais coisas, e sempre mais preciosas" 113 • Mas a verdade é que, apesar
A imunidade da Igreja e da nobreza não se estendia aos im-
de todas essas justificativas, a exacerbação da incidência indireta era
postos indiretos, incidentes sobre as coisas 107, como a sisa 103 , res-
iníqua por alcançar também os pobres, estava indissoluvelmente liga-
tringindo-se aos tributos diretos. Em razão disso formou-se sólido
da aos interesses da aristocracia e retardava a cobrança dos impos-
corpo de doutrina, nos Estados Patrimoniais 109 e até na Inglaterra110 ,
tos diretos, o que só ocorreria no liberalismo 114 •
a defender a superioridade dos impostos indiretos, pela aptidão de
atingir a nobreza e o clero e de promover a igualdade, eis que
deles ninguém estaria isento. Suarez, embora reconheça que a tri- 5.2. Privilégios
butação indireta dos bens necessários onera os pobres (nam si im- Os privilégios distinguem-se das imunidades por que são conce-
ponatur in rebus necessariis ad proprium usum, pauperes plus gra- didos pelo príncipe. Enquanto as imunidades significam a impossi-
vantur, quam divites) 111 , conclui que a necessidade (indigentia) é bilidade absoluta de imposição fiscal em face de direitos e liberda-
equívoca (aequivoca) e que os ricos, consumindo mais que os po- des preexistentes, os privilégios compreendem a renúncia ao direito
de impor tributos (privilégio negativo) e a concessão de auxílios
too Apud F. K. MANN, op. cit., p. 67. e pensões (privilégio positivo), em homenagem também a direitos
104 Tractatus de Legibus ac Deo Legislatore, cit., lib. VIII, cap. I.
tos Espelho dos Reis, p. 248. e liberdades estamentaisu 5 • O clero e a nobreza, que perderam o
106 Ibid., p. 246. poder fiscal em favor do príncipe, conservaram a imunidade aos
lli7 FREI PANTALEÃO RODRIGUES PACHECO. Tratado da Justa Exação impostos diretos e os privilégios quanto às imposições indiretas. Em
do Tributo, cit., p. 108, explicava: "Todavia as Igrejas e as pessoas eclesiásticas Portugal, como nos outros Estados Patrimoniais 116, multiplicavam-
são obrigadas a pagar os tributos , não os mistos, mas os impostos nas coisas,
antes de estas chegarem ao seu domínio e poder."
IO.i Cf. VITORTNO MAGALHÃES GODINHO. Finanças Públicas e Estrutu- m Tratado da Justa Exação do Tributo, cit., p. 83.
ras do Estado, cit., p. 52; LúCIO DE AZEVEDO, E.pocas de Portugal Econô- 114 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 57: "Impostos indiretos e aristocracia vin-
mico, cit., p. 49. culam-se tão indissoluvelmente quanto imposto direto e democracia."
109 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 50; SCHMóLDERS, Günter. Teoria General 115 O. BRUNNER, op. cit., p. 28, esclarece que os direitos e liberdades (jura et
del Impuesto. Madri, Ed. Derecho Financiero, 1962, p. 28. libertates; Rechte und Freiheiten) justificam os privilégios e o complexo de
11o Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 272; ARDANT, op. cit., v. 1, poderes estamentais. W. RAINER WALZ, op. cit., p. 18, identifica as liberdades
p. 482 . estamentais (stiinclischen Freiheiten) com as isenções (Exemtionen). Cf. tb. G.
tu De Legibus ac Deo Legislatore, cit., lib. V, cap. XVI, n. 2, p. 280. OESTREICH, op. cit., p. 188.
116
112 lbid., lib. V, cap. XVI, n. 6, p. 281. Cf. por todos, F. K. MANN, op. cit., p. 67.

34 35
se as isenções da sisa, da jugada e dos demais impostos indiretos saltava e caráter precário dos privilégios: " não vale o privilégio que
e ingressos reais 117 , ao mesmo tempo em que se concediam, com a tudo retira da suprema potestade real" (non valet privilegium, quod ·
própria renda proveniente dos estamentos, as pensões e as côn- quis in totum eximatur a Suprema Regis potestate) 125 •
gruas ao clero 118 e as tenças e doações à nobreza 119 • Alguns economistas, entretanto, perceberam a importância do
Os privilégios fiscais do clero em Portugal tornam-se objeto privilégio para a expansão da liberdade, hipótese em que perderia
de larga elaboração teórica. D. Álvaro Pais (1275-1353) critica os o seu caráter odioso. Duarte Ribeiro de Macedo recomendava a
reis que "constituem leis iníquas. . . e freqüentemente contra a Igre- introdução das artes em Portugal, que deveria ser protegida com
ja, a liberdade eclesiástica e suas leis " 120 e que "extorquem aos clé- a isenção de direitos a qualquer artífice que intentasse alguma fábri-
rigos, às igrejas e às pessoas eclesiásticas, possessões, procurações, ca nova: "lei justa e útil; e porque os privilégios e prêmios tudo
multas e penas contra os di reitos e contra a liberdade eclesiástica; facilitam, depois de haver artífices será conveniente cuidar de outros
e impõem-lhes talhas, coletas e exações, impostos ordinários e extra- prêmios" 1í&. O padre Antônio Vieira, ao defender o retorno dos judeus
ordinários " 121 • .. a Portugal para a melhoria de sua situação econômica, proclamava
"as conveniências de se privilegiarem do fisco as fazendas do comér-
A natureza do privilégio - de consistir em concessão justifi-
cio, em que não parece haver dificuldade nem indecência alguma
cada pela liberdade - também foi claramente traçada pelo direito 127
dentro dos limites e moderação em que se propõem" •
positivo e pela doutrina . As ordenações já diziam: "onde algum
por nós é privilegiado, não somente lhe é dado por nós o privilégio,
6. O tributo como preço da liberdade
mas ainda lhe é dado e concedido pelas ordenações do reino, e
forais antigos dados aos povoadores das terras ao tempo de sua po- O tributo é o preço pago pela liberdade, eis que o indifíduo
voação pelos reis que as ganharam " 122 • Suarez definia-o como con- se distancia do Estado na medida em que a prestação fiscal substitui
cessão de lei especial 123 • Frei Pantaleão Rodrigues Pacheco esforçou- os deveres pessoais e alivia as proibições jurídicas. No Estado Pa-
se para dirimir inúmeras controvérsias surgidas a propósito das isen- trimonial já havia a consciência desse significado do tributo. Baldo
ções das décimas e das jugadas 124 • Domingos Antunes Portugal res- degli Ubaldi (1327-1400) chamava a atenção para a circunstância
de que o pagamento do censum debitum é signo de liberdade e
11 7 Cf. VITORINO MAGALH ÃES GODINHO. "Finanças Públicas e Estru- condição de garantia pacífica da convivência humana: "Nota quod
128
turas do Estado", cit., p. 37. non solvere censum debitum est usurpatio libertatis" • Marcelo Cae-
lló Cf. D . OSCAR DE OLIVEIRA, op. cit., p. 143: " Constituída a hierarquia
tano observou que o foral - carta de privilégios que instituía tri-
eclesiástica no Brasil , em 1551 , com a criação da Diocese de S. Salvador da
Bahia, o rei assinou com rendas dos dízimos as côngruas do bispo e do cabido." butos - era desejado pelos que viviam em vilas fechadas, pois os
ll9 HESPANHA, Antônio Manuel. " O Projeto Institucional do Tradicionalismo liberava para o comércio129 •
Reformista: um Projeto de Constituição de Francisco Manuel Trigoso de Ara- Mas no patrimonialismo o tributo como preço da liberdade se
gão Morato (1823) . In: O Liberalismo na Península Ibérica na Primeira Me-
restringe praticamente à substituição das obrigações militares. Não
tade do Século XIX, cit., p. 66: "Através de vários canais, o produto desta
cobrança centralizada da renda era, então, restituído às classes feudais - tenças,
moradi as, padrões de juro, doações, ordenados - ou gasto em despesas d e 125 Tractatus de Donationibus Regiis, cit., lib. II, cap. IV, n. 14, p . 124.
lógica feudal." 126 Introdução das Artes no Reino, cit., p. 277.
120 Espelho dos R eis, cit., p . 254. m "Razões apontadas a El-Rei D. João IV a favor dos cristãos novos, para
121 Id., ibid., p . 248. se lhes haver de perdoar a confiscação dos seus bens, que entrassem no comércio
122 Liv. 2, tit. 57, § 1. deste reino", in: Obras Escolhidas, cit., v. IV, p. 70.
123 De Legibus ac Deo Legisla/ore, cit., lib. VII, cap. I, n. 3, p. 452.
12s Apud Pomini, op. cit., p. 128.
124 Tratado da Justa Exação dos Tributos, cit., p. 84 e seguintes.
129 Lições de História do Direito Português, cit., p. 99.

36 37
chegou a se concretizar a dimensão libertadora do imposto no que pobres e .se generalizava a miséria, no patrimonia1ismo os reis, em
concerne à acumulação de riqueza e à cobrança de juros: desvalo- virtude das grande~ extensões de terra e dos tesouros acumulados
rizava-se o trabalho e se proibiam o luxo e a usura. com os metais nobres, tornaram-se ricos. ·Faziam a guerra, amplia-
vam os monopólios, conquistavam territórios e exageravam na tribu-
Nos Estados Patrimoniais Estamentais o tributo só aparece
tação dos pobres 132 •
como preço da liberdade ao substituir o serviço militar obrigatório
e as prestações de guerra. Quando a obrigação de fazer a guerra A ética do Estado Patrimonial defende a riqueza do rei, que
se transfere para o príncipe, passa ele a ter o direito de cobrar tri- tem a aptidão de reverter em benefício do povo. Mas despreza a
butos, com cuja arrecadação vai pagar aos soldados profissionais 130 • riqueza individual e justifica a pobreza, que se transforma em vir-
Aqueles que se liberam da obrigação do serviço militar pagam im- tude capaz de levar à salvação. Prepondera a concepção escolástica
posto; quem continua com o dever de ajudar na guerra, como a de que a riqueza apenas tem valor se utilizada com a finalidade
nobreza, fica livre do tributo 131 • cristã de socorro aos pobres.
Na obra do infante D. Pedro (1392-1449) vamos encontrar o
elogio da pobreza 133 • Mas já D. Alvaro Pais (1275-1353) havia afir-
7. O tributo e a opressão da liberdade
mado que se "os bens exteriores servem organicamente para a vida
No Estado Patrimonial oprimia-se a liberdade em diversas de virtuosa, cumpre ao rei possuir os bens necessários e suficientes à
suas dimensões, eis que o tributo ainda não galgara o significado do vida, para com eles cuidar e prover ao povo" 134 , tendo em vista que
preço da liberdade, e o poder do príncipe não se deixara limitar pela "é glória do rei governar em nação numerosa" 135 ; aduzia que o reino
liberdade individual. Desvalorizavam-se a riqueza individual e o devia ser "abundante e copioso, isto é, cheio de todo gênero ·. de
trabalho que a produzia, e se proibiam o luxo e a usura, ao revés riquezas" pois "nesta condição está compreendido o fim temporal
de se tributarem os rendimentos do capital e do trabalho, o con- do reino, que é a felicidade, a qual, segundo Boécio, consiste no
sumo suntuário e os empréstimos, dilargando-se a liberdade. Pro- estado perfeito pela acumulação de todos os bens" 136 • Frei Heitor
cedia-se à incidência fiscal sobre a pobreza e utilizava-se o tributo Pinto (1528-1584) diz que "quanto mais cresce o tesouro do prínci-
como instrumento de confisco, em vez de se proteger o mínimo exis- pe tanto mais se consume a república: porque o tesouro do prín-
tencial e o mínimo de propriedade, como ocorrerá no liberalismo. cipe há de se despender com os vassalos e acudir às necessidades
A conseqüência de tudo isso foi a resistência à opressão fiscal. dos pobres. Cá para só isto se podem desejar riquezas, para com
elas socorrer às devidas necessidades " 137 ; e acrescenta que "assim
bem pode o cristão ter riquezas, sem lhe empecerem, se tiver as
7 .1. A riqueza do príncipe mãos abertas e estendidas para os pobres e outros serviços de
Característica importante do Estado Patrimonial: os reis eram
ricos e o povo, pobre. Enquanto na Idade Média os príncipes eram 132 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 228.
133 O Livro da Virtuosa Benfeitoria, cit., p. 47 .
134 Espelho dos Reis, cit., p. 99.
13J Cf. O . BRUNNER, op. cit., p. 31; BLASCHKE, op. cit., p . 380; SCHMbL-
135 /bid. , p. 247. A idéia de que a riqueza do reino consiste no aumento da
DERS, op. cit., p. 12; FORTE; BANDONIO; CELESIA, op. cit., p. 181.
população vai ser abundantemente encontrada no pensamento mercantilista;
131 Em Portugal a fossadeira era o tributo que o cavaleiro-vilão podia pagar
cf. F. K. MANN, op. cit. , p. 31. Retoma também várias vezes em Portugal,
para se eximir do serviço militar; cf. VITORINO MAGALHÃES GODINHO.
como aconteceu na obra de SEVERIM DE FARIA, Dos Remédios para a Falta
Finanças e Estrutura do Estado, cit., p. 38. Na Inglaterra cobrava-se scutage,
de Gente, cit., p. 173: "A grandeza dos reis está na multidão do povo, e dos
que, pela Magna Carta, passou a depender do consentimento dos representantes
poucos vassalos nasce a falta de reputação dos príncipes."
da nação. ARDANT, op. cit., v. 1, p. 482 diz que, na França, os camponeses
136 Loc. cit.
faziam parte de uma classe parcialmente isenta do serviço militar, mas sujeita
137 Imagem da Vida Cristã, cit., v. 1, p. 187.
a todos os impostos, ao contrário da nobreza.
39
38
Deus" 1 ~. Frei Amador Arrais (1530-1600) afirma que "deve o rei 7.2. A-proibição. do luxo
cortar por gastos supérfluos; e podendo _sem detrimento da honra
e magnificência (virtude realenga) entesourar, para acudir a neces- Outra relevante característica do Pé:!trimonialismo, a oprnmr a
sidades que sobrevêm de repente, e defender seus vassalos princi- liberdade, foi a proibição do luxo, que prevaleceu, com diferentes
palmente dos infiéis " 139 • intensidades, em toda a Europa, e que se extinguiu a pouco e pouco,
primeiro na Inglaterra (século XVII) e por último na península ibé-
Dois séculos depois essas idéias continuavam a ser defendidas.
rica (século XIX). Proibia-se o luxo representado pelas vestimentas,
Nuno Marques Pereira (1652-1733) entende que "se o ouro e as
carruagens, comemorações de batizados e casamentos, pompa nos
riquezas se acharam nas mãos e poder de um bom cristão, serão
enterros, etc. 146 • Diversas eram as justificativas para tal condenação:
para todos de proveito, tanto para quem as possuir, como para as
as de origem ético-religiosas se fundavam no espírito do francisca-
mais, com quem as repartir" 140 • Francisco Joaquim de Souza Nunes
nismo e 1.1as idéias de que o luxo, salvo o existente nas Igrejas,
(1730-1808) proclama que " a riqueza excessiva é pobreza lamen-
ofendia a beus; as de índole econômica se cifravam em que a uti-
tável, porque_ quase sempre o possuir mais do que necessário foi
íização de produtos luxuosos implicava o aumento das importa-
causa de se sentirem faltas do preciso" 141 , diz que "as maiores rique-
ções, o desincentivo da agricultura e o empobrecimento do reino.
zas que pode lograr o homem são a salvação, a liberdade e a vida" 142
Não se compreendia, no Estado Patrimonial, que a tributação do
e infere que a causa da infelicidade dos índios do México e do
luxo poderia ser o preço da liberdade e motor do desenvolvimento
Peru foi a posse de grandes riquezas 143 •
econômico.
A conclusão semelhante, embora com enfoque diferente, chegam
os economistas mercantilistas, que identificam a grandeza do reino Em Portugal, a exemplo de outros países europeus, foram .__ado-
com a acumulação de riqueza, a ser obtida com as dificuldades tadas diversas pragmáticas ou leis sumptuárias, sendo as mais sig-
opostas a sua saída para o exterior e com as facilidades concedidas nificativas as de D. João III (1535, 1537 e 1538), D. Sebastião
para a sua entrada. Duarte Ribeiro de Macedo afirma que "o único (1560, 1565 e 1566), D. Pedro 11 (1677, 1686 e 1688) e D. João V
meio que há para evitar este dano, e impedir que o dinheiro saia (1708, 1740 e 1749). As leis de D. João III e D. Sebastião, segun-
do reino, é introduzir nele as artes" 144 • E o padre Antônio Vieira inda- do o relato de Duarte Nunes do Lião 147 , versavam principalmente
ga: "se o dinheiro dos judeus de Portugal está sustentando as armas sobre vestuário, proibindo-se a seda verdadeira ou falsa, o pano
dos holandeses, para que estendam pelo mundo as seitas de Cal- de ouro ou de prata, o pano de lã, os bordados, as rendas etc. A
vino e de Lutero, não é maior serviço de Deus e da Igreja que pragmática de D. João V, de 1749, além das vestimentas, proibia
sirva esse mesmo dinheiro às armas do rei mais católico, para repa- os móveis dourados, os adereços de ouro ou prata nas carruagens
rar a fé e propagar pelo mundo a lei de Cristo?" 145 • e diversos outros objetos; na sua justificativa ficou dito que o luxo
"foi sempre um dos males que todo o sábio Governo procurou impe-
138 lbid., v. 4, p. 200. dir, como origem da ruína não só da fazenda, mas dos bons cos-
139 Diálogos, cit., p. 166. tumes", ressalvando-se, entretanto, que nenhuma das disposições da
140 Compêndio Narrativo do Peregrino da América, cit., v. 1, p. 63.
lei "se estenderá a respeito das Igrejas e do culto divino; para o
141 Discursos político-morais, cit., p. 39.
142 lbid., p. 45.
qual continuarão livremente a fazer-se os ornamentos como de antes
14J lbid., p. 43.
144 Introdução das Artes no Reino, cit., p. 270. 146 Cf. STOLLEIS, Pecunia nervus rerum, cit., p. 9 e seguintes; SOMBART,
145 "Proposta feita a El-Rei D. João IV, em que se lhe representava o miserável
Werner. Lujo y Capitalismo. Madri, Alianza Ed., 1979, p. 63: "Luxo é todo
estado do reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores dispêndio que vá além do necessário."
que andavam por diversas partes da Europa", in: Obras Escolhidas, cit., v. IV, 147 Leis Extravagantes e Repertório das Ordenações. Lisboa, Gulbenkian, 1987
p. 54.
(fac-símile da ed . de 1506).

40 41
Macedo_ observa: " se são obras estrangeiras, lá vai parar o dinhei-
por ser limitada demonstração de que devemos às coisas sagradas
ro, e lá sustenta aquele número de gente, com a riqueza que pudera
tudo o que podemos empregar na sua decência, e riqueza".
ficar no reino" 152 • O desembargador Manuel de Almeida Carvalho
Também no Brasil e em Portugal o luxo é condenado pela dou-
<.iiz a D. João V em 1749: "o mero luxo, não contendo indecência,
trina por argumentos éticos, religiosos e econômicos 148 • D. Alvaro
só poderia ser um mal, quando se mantivesse com obras e matérias
Pais afirma que "tanto aos reis como aos demais são permitidas as
estrangeiras " 153 • Esse enfoque dos economistas é que vai se manter
despesas necessárias e úteis, mas não as voluptuosas e supérfluas,
no período do iluminismo e do Estado de Polícia, retardando a acei-
que não se fazem sem pecado", criticando os reis que fazem as
tação do tributo como o preço da liberdade de consumo supérfluo.
maiores despesas em casa de suas esposas e filhos legítimos ou ile-
De ressaltar, finalmente, o descompasso entre a teoria e a prá-
gítimos, aos quais "logo ao nascer e por vanglória do mundo dão
tica. O luxo era fartamente utilizado em Portugal pelas classes mais
casas, famílias especiais e oficiais, por cujos gastos exaurem o reino
ricas, ino.J.,.lsive nos conventos 154 , como, de resto, também acontecia
inteiro, que sobrecarregam com infinitas coletas e exações" 149 • Nuno
em outros países europeus 155 •
Marques Pere.ira diz que "o ouro por· si é um metal muito nobre e
perfeito", que "posto na mão e poder de um homem cristão, pio,
virtuoso e esmoler fica realçando mais; porque se vê resplandecer 7.3. A proibição da usura
nas igrejas, luzir nos altares, vestindo aos nus, sustentando aos po- No Estado Patrimonial oprimia-se a liberdade, ainda, pela proi-
bres, e prestando aos necessitados" 150 • O desembargador José Vaz bição da usura , posto que só no liberalismo se vai chegar à con-
de Carvalho, em seu parecer oferecido a D. João V, que influenciou clusão de que o tributo pode constituir o preço da liberdade de
a pragmática de 1749, entende que "o luxo foi sempre o mal, que comércio e de câmbio. A proibição da· usura, que vem da tdade
os governos sábios procuram impedir, como origem da ruína da Média, acompanha o evolver do patrimonialismo e é proposta assim
fazenda, e dos bons costumes dos homens porque o demasiado gasto por católicos que por protestantes. A usura abrange os ganhos no
e ostentação na pessoa, nos vestidos, na mesa, na casa, no estado, comércio, nos empréstimos e no câmbio , que não tenham correspon-
no trato, nos filhos e nos criados consumindo o capital há de forço- d~ ncia com a justiça comutativa, o lucro justo , o preço justo, o bem
samente passar a roubar o alheio", concluindo que só a agricultura comum ou a finalidade cristã. A condenação da usura, embora ine-
e as artes mecânicas e liberais "ensinam os homens a fazerem tudo quívoca nas legislações e na doutrina, era desrespeitada na prática,
o necessário ou útil e a não haver entre eles supérfluo" 151 • eis que os empréstimos a juros elevados e os lucros no câmbio tor-
Os mercantilistas modificam o teor da argumentação. Aceitam o naram-se comuns 156 • Em Portugal D. Manuel e D. João III assumi-
luxo, que pode estimular a produção e ajudar no sustento do povo. ram a responsabilidade por inúmeros empréstimos a juros que ascen-
Mas condenam a importação de produtos estrangeiros supérfluos,
que seria uma das causas da pobreza do reino. Duarte Ribeiro de 152 Introdução das Artes no Reino, cit., p. 292.
153 "Parecer que o desembargador do Paço Manuel de Almeida e Carvalho
148 Cf. DIAS, Luís Fernando de Carvalho. Luxo e Pragmáticas no Pensamento
deu ao Sr. D. João V em 1749". In: LutS FERNANDO DE CARVALHO
Econômico do Século XVIII. Coimbra, Coimbra Ed., 1958, p. 15 e seguintes. DIAS, Luxo e Pragmáticas. . . cit., p. 50.
154 Cf. CABRAL DE MONCADA, L. Estudos Filosófico s e Históricos. Coim-
149 Espelho dos Reis, cit., p. 286.
bra, Universidade de Coimbra, 1959, p . 310.
ISO Compêndio Narrativo do Peregrino da América, cit., p. 62.
155 Cf. W. SOMBART, op. cit., p. 86 e seguintes.
151 "Parecer que o desembargador José Vaz de Carvalho deu em 1749 ao Sr.
156 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 251; LE GOFF, Jacques. A Bolsa
D. João V quando premeditou fazer a pragmática, que saiu em 21 de maio do
dito ano, cujo parecer foi extraído de uma cópia que se achou no gabinete de c a Vida. A Usura na Idade Média. São Paulo, Brasiliense, 1989, p. 23; PI-
Pedro da Motta e Silva." In: LutS FERNANDO DE CARVALHO DIAS, RENNE, Henri . História Econômica e Social da Idade Média. São Paulo, Ed.
Luxo e Pragmáticas . . . , cit., p. 46. Mestre Jou, 1978, p. 20.

43
42
diam até 25% a.a. 157 • Aliás a realeza, em toda a Europa, abusava escreve-a frei João Sobrinho, que examina cuidadosamente os casos
dos empréstimos, em vista das sucessivas s:rises econômicas, e, não em que na atividade negociai e cambial está ca~uflada a usura e
raro, se utilizava do argumento de que os juros excessivos eram em que circunstâncias se deve fazer a restituição: diz que "a usura,
pecaminosos, ao fito de deixar de pagar o principal, punir os ban- que segue realmente na esteira da avareza, está proibida pelos dois
queiros e cambistas ou obter vantagens diversas 158 . testamentos" 163 e a define como "um contrato entre pessoas ou co-
Copiosa a legislação proibitiva da usura, principalmente a bai- munidades pelo qual uma transfere temporariamente para outra algu-
xada pelos papas 159 . Em Portugal as Ordenações Manuelinas (Li v. ma coisa útil ou dinheiro, por convenção mútua, tácita ou expressa,
IV, tit. 14), o alvará de 12.8.1553, de D. João 111, e a lei de com a esperança de alcançar, pela transferência. alguma coisa mais
16.1.1570, de D. Sebastião, proibiam a usura e estabeleciam diver- além do capital" 164 ; afirma que "a transação negociativa que pertence
sas penas para os infratores. aos mercadores é muito útil e necessária à república", mas os "bons
Preocupa-se a doutrina escolástica portuguesa em fixar os casos comerciarrfes devem atender principalmente, para poderem alcançar
em que os juros e o câmbio, em princípio admissíveis, se tornariam para si o reino do céu, a estas coisas: à utilidade da coisa pública,
proibidos. O franciscano D. Alvaro Pais afirma que "vender mais à necessidade do próximo com que fazem as transações" 165 ; e con-
caro do que se compra, e por amor do lucro ou cobiça comprar clui que, "como a salvação exterior, que é para o usurário a prin-
para vender mais caro é pecado e lucro torpe", embora não seja cipal, e a interior, devem começar pela restituição do que foi adqui-
pecado ao mercador ou negociante que vive desse mister comprar rido com desonestidade" 166 .
mais barato e vender mais caro, se o faz "competentemente sem
fraude alguma " 160 ; considera como heresia o dizer que "a usura não 7 .4. A tributação dos pobres
é pecado mortal e que qualquer usurário pode ser absolvido, sem
Os pobres não eram imunes aos tributos. Daí resultava uma
satisfação, por qualquer sacerdote" 161 • Fernão Rebelo disserta sobre
estrutura impositiva essencialmente injusta, prejudicial à liberdade e
o câmbio, admitindo a venda ou a troca da moeda por maior valor
à dignidade do homem e permanentemente deficitária, pelo pequeno
em razão do ofício, do dano emergente e do lucro cessante, bem
assim na hipótese em que se considera o seu valor intrínseco, isto aporte de recursos dos impostos indiretos pagos pela população ca-
é, como mercadoria 162 . Porém a obra mais profunda sobre o tema rente167. Incumbia à Igreja, com uma parcela dos dízimos 168 , e aos
cristãos ricos dar assistência social aos pobres, o que acabou por
157 Cf. VIRGfNIA RAU. Estudos sobre História Econômica e Social do An- gerar o estímulo à mendicância.
tigo Regime, cit., p. 97; VITORINO MAGALHÃES GODINHO. Finanças e A doutrina justificava a incidência fiscal através da teoria da
Estrutura do Estado, cit., p. 60.
proporcionalidade dos impostos, subordinada à idéia de justiça co-
158 VIRGfNIA RAU. Estudos sobre História Econômica . . . , cit., p. 100, trans-
creve o relato de J. COSTA GOMES, segundo o qual se ordenou em 1607, em mutativa, que tornaria justo até o tributo indireto, a recair com mais
Portugal, "uma devassa sobre matéria de câmbios e venda de mercadorias e vigor sobre os ricos que sobre os pobres. Recomendava, porém, a
outras coisas, com que se dissimulavam as usuras, e apanhando-se uma boa assistência da Igreja e a ética do altruísmo.
redada de onzeiros, oferece-se-lhes o perdão da culpa com a condição de
socorrerem a fazenda real com 330.000 cruzados"; na França os reis utilizavam
163 Da Ju stiça Comutativa, cit., p. 182.
a chambre de justice para condenar os banqueiros e obter o esquecimento de
seus débitos; cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 253. 164 Ibid. , p. 183.
165 Ibid. , p. 257.
159 Cf. LE GOFF, op. cit., p. 24.
166 Ibid., p. 273.
160 Apud J. CALVET DE MAGALHÃES, op. cit., v. I, 26.
167 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 230.
161 Colírio da Fé .. . , cit., v. 2, p. 131. 168 Cf. LOBÃO, Manoel D'Almeida e Souza. Tratado Prático Compendiário
162 Tratado do câmbio, cit., p. 121. das Pensões Eclesiásticas. Lisboa, Imprensa Régia, 1825, p. 4.

44 - 4'5
Suarez vislumbra três condições para a cobrança do tributo: da nobteza, que sofreriam o ônus fiscal. A explicação, obviamente
"legitima potestas, justa causa ac debita proportio" 1(f). A proporcio- injusta, agravava 'a situação dos pobres e deve ser compreendida no
nalidade faz com que os ricos paguem mais que os pobres: "non contexto da ideologia do Estado Patrimonial. A incidência indireta
est enim justum, ut omnes aequaliter solvant, sed juxta facultatem e proporcional vai se modificar no Estado de Polícia para, final-
& conditionem uniuscuiusque; plus n. a divite, quam. a paupere ex.i- mente, no Estado Fiscal, ser substituída pelos impostos diretos.
gendum est, caeteris paribus" 170 • Por outro lado, o relacionamento entre a fiscalidade eclesiás-
Em Portugal e no Brasil também prevalecia a ética assisten- tica e os pobres está intimamente ligado ao elogio da pobreza e
cialista. Frei Amador Arrais dedicou algumas páginas ao problema da à condenação da riqueza feitos pela Escolástica, que também exa-
pobreza: " ... o acerto é fazer largas esmolas; que a necessidade dos minamos178. Tal atitude se inverterá a partir do iluminismo e do
pobres pode então verificar aquelas palavras do nosso Salvador: Mi- liberalismo, transferindo-se a assistência à pobreza para o Estado,
sericórdia quero, e não sacrifício" 171 ; "as pessoas consagradas a Deus -. I
imunizando-se o mínimo existencial contra os tributos e incenti-
hão de estar .sempre providas, para poderem valer aos necessitados,
vando-se a riqueza suscetível de imposição fiscal.
ainda que seja no deserto" 172 ; "as obras de misericórdia e piedade
irão à nossa ilharga e nos defenderão como companheiros e amigos
7.5. O confisco
fiéis" 173 • Frei Pantaleão Rodrigues Pacheco, seguindo os passos de
Suarez, recomenda que o tributo se aplique proporcionalmente, "de O tributo foi utilizado no patrimonialismo com função confis-
tal modo que os pobres não sejam obrigados a contribuir com tanto catória. Durante as guerras da religião houve o confisco de terras
ou com mais que os ricos" 174 ; entende, ainda, que "a distribuição da lgreja 179 • Em Portugal confiscaram-se . os bens dos judeus. ·.
da esmola de tal modo é inerente aos bens eclesiásticos, que não A doutrina escolástica não repugnava a utilização do tributo
faltam varões muito notáveis, que não concedem o verdadeiro domí-
com efeito confiscatório, especialmente quando se tratasse dos judeus.
nio desses bens aos clérigos, como S. Tomás e Navarro, citados por
Diogo Lopes Rebelo recomenda: "Pode e deve, todavia, impor-lhe
Sarniento, e que, pelo menos, para além da côngrua sustentação,
(aos judeus) maiores talhas e gabelas ou exações do que aos cris-
todos os restantes bens pertencem aos pobres sob o preceito da jus-
tiça distributiva" 175 • Nuno Marques Pereira manifesta-se de forma tãos, para reconhecerem que estão sob o jugo da escravidão e sob
semelhante: "E é tanto dívida o dar esmola ao necessitado, que uma certa miséria do castigo do seu pecado. O mesmo digo dos
ainda no estado eclesiástico, quem come renda da Igreja, está obri- outros infiéis, como, por exemplo, os sarracenos." 120
gado a socorrer aos pobres" 176 •
A cobrança dos tributos proporcionais e dos impostos indiretos, 7 .6. A resistência à opressão fiscal
como vimos antes 177 , servia para justificar a imunidade do clero e Durante todo o período do Estado Patrimonial houve a resis-
tência à opressão fiscal, seja pela voz da doutrina, seja pela luta
1(f)De Legibus ac Deo Legislaiore, cit., lib. V, cap. XVII , n. I, p. 282 .
no Ibid., lib. V, cap. XVI, n. 1, p. 280. armada.
111 Diálogos, cit., p. 216. De feito, a excessiva tributação dos pobres, os confiscos e as
112 I bid., p. 218. crises financeiras levaram às revoltas fiscais, que foram inúmeras
m I bid., p. 221.
174 Tratado da Justa Exação do Tributo, cit., p. 82.
175 I bid., p. 119. 178 Vide item 7. 1.
176 Compêndio Narrativo do Peregrino da América, cit., v. 1, p. 74. 179 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 264.
m Vide item 5. 1. ISO Apud J. CALVET DE MAGALHÃES, op. cit., p. 57.

46 47
nos séculos XVI e XVII 181 . Em Portugal a · própria Restauração teve de se permitir a volta dos judeus, com o que se transforma a opres-
causas fiscais 182 . são em preço de ·liberdade: "o reino se fará poderosíssimo e cresce-
O pensamento escolástico manteve uma longa tradição de resis- rão os direitos das alfândegas de maneira que eles bastem a sus-
tência à opressão fiscal, ao contrário da teoria do absolutismo. Bodin tentar os gastos da guerra, sem tributos nem opressão dos povos,
rejeitava a possibilidade de resistência às ordens injustas do sobe- com que cessarão os clamores e descontentamentos" 190 .
rano183, o que teria sido um dos motivos a dificultar a sua recepção Exceção nesse pensar talvez seja Diogo Lopes Rebelo: "Se o
em PortugaP84 • Suarez a admitia quando as leis fossem . manifesta- rei por alguma causa piedosa ou para defesa de seu reino ou para
mente injustas: "leges tributorum, quando constat esse iniustas, non aliviar a opressão de sua pessoa, de seu povo e da pátria, impõe
obligant ad solvende tributa, non solum antequam petantur, sed etiam alguma nova exação ou ônus ou tributo, retirada aquela causa deve
si exigantur" 185 ; a seguir o Doutor Exímio indica diversas . leis que não retirar tais tributos e eximir o povo de tal sujeição. De advertir
obrigam, como aquelas que deixam _ de observar a suprema po- é também. que tão grande é a dignidade e a excelência da majes-
testas ou as que tributam pessoas isentas, como os clérigos. tade real, que ainda que seja o rei iníquo e injusto se deve ele
respeitar sempre pelos seus súditos . . . Temos portanto obrigação
Em Portugal a tradição remonta a D. Alvaro Pais (1275-1353) , de obedecer ao rei e aos príncipes, embora iníquos, e cumprir seus
que condena os reis, especialmente os de Espanha, que "esfolam os preceitos naquilo que não for contra Deus" 191 .
seus súditos com exações e coletas pesadíssimas" e que "por isso Uma nota final: no pensamento escolástico o problema da re-
podem dizer-se antropófagos, isto é, devoradores de homens que sistência à opressão da liberdade se confunde com o da resistência
consomem os trabalhos de um ano inteiro dos miseráveis lavrado- à injustiça, eis que havia certa unidade· entre direito positivo;. jus-
res"186, "esses tais reis leões têm os seus leõezinhos, a saber. menes- tiça, eqüidade e liberdade 192 .
tréis, banis e sequazes que, à maneira da sanguessuga; chupam o
sangue dos pobres e vomitam no seio dos senhores" 167 • · Frei Pant(ileão
Rodrigues Pacheco aceita a resistência ao tributo sem causa no foro
interno, mas a condena se assumir a forma de conspiração contra
o Estado 188 . O padre Antônio Vieira indaga: "Se o povo se achar opri-
mido, como poderá levar maiores cargas sem que tropece? Necessá-
rio é aliviá-lo, para que não caia de todo" 189 ; proclama as vantagens

181 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 263; R. ROUND, op. cit., p. 32;
A. M. HESPANHA, Poder e Instituições .' .. , cit'., p. 56.
1s2 Cf. ARDANT, op. cit., n. 1, p. 203.
183 Les Six Livres de la République, cit., liv. li, cap. 5, p. 70.
184 Cf. MARTIM DE ALBUQUERQUE, Jean Bodin na Península Ibérica, cit.,
p. 115.
185 De Legibus ac Deo Legislatore, cit., lib . V, cap. XVIII , n. 12, p. 285 . 190 "Proposta feita a El-Rei D. João IV, em que se representava o miserável
186 Espelho dos Reis, cit., p. 265. estado do reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores
187 Ibid., p. 267. que andavam por diversas partes da Europa", in: Obras Escolhidas, cit., v. IV,
188 Tratado da Justa Exação, cit., p. 79. p. 12.
189 "Papel político que se deu ao Príncipe Regente D. Pedro em ocasião _que 191
In: M. BENSABAT AMZALAK. Dos Impostos Segundo o "Liber daRe-
se convocaram cortes para se lançar um tributo, que servisse para desempenho publica", cit., p. 11.
do reino. Em nome dos rústicos da Se'rra da Estréiã;', 'in : Ob;as · Escolh.idas, 192 Cf. BAUER, Hartmut. Gescltichtliclte Grundlagen der Leltre vom subiekti-
cit., v. JIJ, p. 250. ven offentlichen Recht. Berlim, Duncker & Humblot, 1986, p . 27.

48 49
~ ... -~

Capítulo I/

A IDÉIA DE LIBERDADE
NO ESTADO DE POLÍCIA

--.~

1. O Estado de Polícia

O Estado de Polícia sucede o Estado Corporativo, de Ordens ou


Estamental, especialmente no século XVIII\ e antecede o Estado de
Direito, de cujos adeptos recebe o apelido pejorativo2 • Alguns o sub-
sumem ainda no conceito de Estado Patrimonial, em seu momento
modernizador 3 • Floresce principalmente na Alemanha e na Áustria e
transmigra com certo atraso para a Itália, para a Espanha e para

I Cf. SCHIERA, Pierangelo. "A polícia como síntese de ordem e bem-estar


no moderno Estado centralizado." In: A. M. HESPANHA. Poder e Instituições
na Europa do Antigo Regime, cit., p. 311; ASTUTI, Guido. "O Absolutismo
Esclarecido na Itália e o Estado de Polícia." In: A. M. HESPANHA. Poder e
Instituições ... , cit., p. 263; FALCON, Francisco José Calzans. Política Econô-
nômica e Monarquia Ilustrada. A Época Pombalina (1750-1777). Tese. Niterói,
mim., 1975, p. 40, prefere falar em Estado Monárquico absolutista, que seria
um Estado de transição entre o feudal-estarnental e o capitalista.
2 Cf. SCHIERA, Pierangelo. "Estado de Polícia." In: BOBBIO, Norberto,
MATTEUCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Bra-
sília, Ed. Universidade de Brasília, 1986, p. 409 .
3 Cf. MAX WEBER, op. cit., p. 836, que se refere ao Estado Providente. PAIM,
Antônio. A Querela do Estatismo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978,
p. 22: "A passagem de Pombal pelo governo português c01·responde a uma
autêntica revolução, devotada não à destruição do Estado Patrimonial, e à
instauração de regime político plenamente moderno, mas à introdução, em
bases duradouras, da componente modernizadora no patrimonialismo tradicio-
nal." BUSSI, Emílio. "I Principi di Governo nello Stato di Polizia". Rivista
Trimestrale di Diritto Pubblico, 1954, n.o 4, p. 800: "O Estado de Polícia não
é um tipo a se de Estado, mas corresponde ao último período do Estado ab-
soluto."

51
BIBLIOTECA DE CI~NCJAS JURfDICAS
Portugal na época pombalina 4 • Mas não penetra na Inglaterra, na As garantias da liberdade se enfraquecem, conseguintemente. O
Holanda e em algumas cidades italianas, nas quais já começam a pre- tributo já não o obtém o rei através dos pedidos dirigidos às cortes,
11
valecer os interesses burgueses; nem na França, onde a passagem do senão que o impõe em decorrência da Razão de Estado •
patrimonialismo ao liberalismo se faz revolucionariamente". O Estado Modifica-se também no Estado de Polícia o conceito de justiça
de Polícia é modernizador, intervencionista, centralizador e paterna- fiscal. O tributo deixa de ser esporádico e destinado a atender ne-
10
lista. Baseia-se na atividade de "polícia", que corresponde ao con- cessidades públicas e passa a exibir finalidades extrafiscais , poden-
çeito alemão de Polizei, e não ao de política no sentido grego ou la- do ser cobrado, com apoio na Razão de Estado, para o ulterior fQ-
tino, eis que visa sobretudo à garantia da ordem e da segurança e à mento das atividades produtivas. O tesouro público financia o de-
administração do bem-estar e da felicidade dos súditos e do Estado 6 • senvolvimento das empresas e, muitas vezes, procede à intervenção di-
reta na economia, empregando os recursos nos monopólios e no fa-
No plano político assume a feição do absolutismo esclarecido ou
brico de diversos produtos. como pólvora, armas, pano e cordame
do despotismo iluminado. Do ponto de vista econômico corresponde
ao mercantilismo - assim na vertente que procurava fortalecer o para a marinha, etc .H.
Uma das características mais importantes do Estado de Polícia
Estado pelo desenvolvimento das manufaturas como na que privile- 12
é o centralismo administrativo e a organização da burocracia • A
giava o comér.cio - e, na Alemanha e na Áustria, ao cameralismo,
administração fiscal, em conseqüência, assume papel de relevo com
especial manifestação do referido mercantilismo7 • No que pertine à
a criação de novos órgãos e o desenvolvimento das técnicas de arre-
estrutura social, promove a luta final contra as fontes periféricas de
cadação, contabilidade e controle das contas 13 . Em Portugal cria-se,
poder, inclusive do poder fiscal, representadas pela nobreza e pela
em 17 61, o Erário Real, que centraliza e especializa a arrecadiição,
Igreja.
a fiscalização e o julgamento das causas fiscais, e extingue-se a Casa
As relações entre a liberdade e as finanças públicas se modifi-
de Contos, cujo regulamento datava de 1627.
cam. Inicia-se a separação entre o público e o privado, entre as ren-
Com o passar do tempo, nos principais países europeus, o pro-
das patrimoniais e o tributo, que, entretanto, ainda é tênue, permane-
cesso de centralização da fiscalidade nas mãos do rei vai perdendo o
cendo a indistinção entre política e economia. As necessidades finan-
vigor e se deixando substituir pelo liberalismo, pelo capitalismo e
.ceiras do príncipe são maiores, por se destinarem à promoção do
pelo Estado Fiscal. Diversas causas são apontadas para o fenecimento
bem-estar social; serão atendidas com o incremento dos monopólios
da estrutura mercantilista e cameralista: a insuficiência das entradas
cuja receita independe de autorização dos estamentos, e com novos
dominiais e dos ingressos regalistas para fazer face às despesas da
tributos, que incidirão sobre as riquezas dos súditos, por sua vez au-
guerra; o enriquecimento da burguesia; o arcaísmo do sistema tribu-
mentadas pelo apoio do Estado 8 •
tário baseado em impostos territoriais; a perda do crédito público,
pelo não pagamento dos empréstimos contratados; a corrupção dos
4 Cf. G. ASTUTI, op. cit., p. 295; A. M. HESPANHA, Poder e Instituições
na Europa do Antigo Regime, cit., p. 68.
5 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 33; MAX WEBER, op. cit., p. 193; ASTUTT, 9 Vide seção 3.
op. cit., p. 260. 1o Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 48.
6 Cf. ASTUTI, op. cit., p. 264; P. SCHIERA, "A Polícia como Síntese ... ",
11 Cf. A. M. HESPANHA. Poder e Instituições, cit., p. 68; VITORINO MA-
cit., p. 310; BUSSI, op. cit., p. 800 aponta duas características salientes: "antes GALHÃES GODINHO. "Finanças Públicas e Estrutura do Estado", cit., p. 58;
de tudo um aumento notabilíssimo da atividade administrativa e, em segundo SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil (1500-1820) . São Paulo,
lugar, uma intromissão profunda e opressiva na vida privada". Cia. Ed. Nacional, 1978, p. 288.
7 Cf. NOVELLI, Flávio Bauer. "Considerações sobre o Cameralismo". Revista 12 Cf. ASTUTI, op. cit., p. 292.
de Direito Público e Ciência Política, 1962, v. 5(1), p. 29; HECKSCHER, Eli n Cf. SCHIERA. "A Polícia como Síntese ... ", cit., p. 310; MACEDO, Jorge.
F. Mercantilism. Nova York, Macmillan, 1955, v. 1, p. 25. A Situação Econômica no Tempo de Pombal. Lisboa, Livraria Portugalia,
s Vide seção 4. 1951, p. 39.

53
52
fundonár1os; a injustiça dos pr!viiégios Íis·cais e das isenções do sendo que este último, para alguns autores, não seria a rigor um
clero e da nobreza, bem como a insegurança quanto às prestações de- iluminista 17 • •

vidas pelos contribuintes 14 • Os juristas e os filósofos do direito passam do jusnaturalismo


de origem divina para o jusnaturalismo racionalista. Aceitam a idéia
2. O iluminismo de soberania, aprofundam o conceito de direito eminente e criticam
as imunidades e privilégios da Igreja e o senhorio, com o que for-
2.1. A idéia de liberdade talecem a realeza, permitindo a incorporação da burguesia à classe
O iluministro 1uso-brasileiro vai de meados do século XVIII até dominante. Adeptos da Razão Natural ou da Boa Razão, centralizam
o início do século XIX, aproximadamente. Compreendendo movimen- na pessoa do rei as fontes da normatividade, com a superação do
tos e idéias diferentes, estende-se desde a época pombalina até o direito romano. Seus nomes mais representativos: o português, tão
advento do período constitucional, passando pela viradeira de D. importari'fe na História do Brasil, Tomás Antônio Gonzaga (1774-
Maria I. 1798)18; Pascoal de Mello Freire (1738-1798), reputado um dos me-
lhores intérpretes da época pombalina, que escreveu as Institutiones
O tema da liberdade e das finanças públicas continua a se in-
Iuris Civilis Lusitani, entre 1780 e 1893 19 ; Francis·co Coelho de
serir na filosofia prática, que abarca a filosofia do direito, a ética e
Souza e Sampaio 20 e Antônio Ribeiro dos Santos (1745-1818) 21 -
a economia.
estes dois últimos já menos marcados pelo iluminismo.
A moral deixa de se preocupar com a salvação e passa a cuidar
Os economistas aderem, até a época de Pombal, ao mercanti-
da felicidade do Estado e dos súditos. Iniciam-se os ataques à no-
lismo, em sua vertente francesa, que defende o desenvolvimento das
breza. Seus principais representantes são o português Luís Antônio
manufaturas, e ao cameralismo; depois do reinado de D. José e mais
Verney (1713-1792) 15 e o brasileiro Matias Aires (1705-1763) 16 ,
para o final do século aproximam-se da corrente inglesa do mercan-
tilismo (a comercial) e das idéias fisiocrátkas22 • Defendem a criação
14 Cf. MAX WEBER, op. cit., p. 192; TOCQUEVILLE, Alexis de. O A11tigo
Regime e a Revolução. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1979, p. 171;
e expansão dos monopólios e companhias do rei, bem como os in-
A. WAGNER, op. cit., p. 362; ARTOLA, Miguel. La Hacienda dei Antiguo vestimentos na agricultura. Recomendam os tributos indiretos, as der-
Régimen. Madri, Alianza Ed., 1982, p. 445; FONTANA LAZARO, Josep. ramas e as capitações, ao fito de aumentar a base tributária do Es-
Hacienda y Estado en la crisis final del Antiguo Régimen Espaiíol: 1823-1833.
Madri, Instituto de Estudios Fiscales, 1973, p. 62; MORAL RUIZ, Joaquim 17 Cf. A. PAIM. História das Idéias Filosóficas no Brasil, cit., p. 231.
dei. "La Hacienda Portuguesa en la Crisis Final dei Antiguo Régimen, 1798-
18 Os seus trabalhos mais importantes para o nosso tema são o Tratado de
1833." In: O Liberalismo na Península Ibérica na Primeira Metade do Século
Direito Natural e a Carta Sobre a Usura, ambos constantes de Obras Completas
XIX. Lisboa, Sá da Costa Ed., 1982, p. 175; CASTRO, Armando. "As Finan-
de Tomás Antônio Gonzaga. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura,
ças Públicas na Economia Portuguesa da Primeira Metade do Século XIX".
In: O Liberalismo na Península Ibérica ... cit., p. 192. Cf. também, para o en- 1857' v. 11.
19 Desse livro foi extraída a Antologia de Textos sobre Finanças e Economia.
dividamento do Brasil nas décadas finais do antigo regime: A. BALEEIRO, op.
cit., p. 437; AVELLAR, Hélio de Alcântara. História Administrativa do Brasil: Trad. Miguel Pinto de Menezes. Lisboa, Ministério das Finanças, 1966.
a Administração Pombalina. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1983, p. 231 e 20 Preleções do Direito Pátrio, Público e Particular (1793). In: A. M. HES-
seguintes, com excertos do relatório do Marquês do Lavradio, de 1779; FREIRE, PANHA, Poder e Instituições ... , cit., p. 395-541.
Felisbelo. História Constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. 21 Cf. PEREIRA, José Esteves. O Pensamento Político em Portugal no Século
Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1983; CASTRO CARREIRA, Liberato. XVIII: Antônio Ribeiro dos Santos. Lisboa, Imprensa Nacional, 1983.
História Financeira e Orçamentária do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Im- 12 Cf. MACEDO, Jorge Borges de. "Mercantilismo." In: SERRÃO, Joel (dír.).
prensa Nacional, 1889, p. 73. Dicionário de História de Portugal, cit., v. III, p. 36; CALAZANS FALCON.
15 Verdadeiro Método de Estudar. Lisboa, Liv. Sá da Costa, 1949-1950, 5 v. Política Econômica e Monarquia Ilustrada, cit., p. 219; J. CALVET DE MA-
16 Reflexões sobre a Vaidade dos Homens. São Paulo, Livraria Martins, 1942. GALHÃES, op. cit., p. 154.

54 55
tado. Combatem a usura e o luxo. Seus representantes mais notáveis 2.2. Características
são: entre os mercantilistas, no período pré-pombalino, o brasileiro
a) Influências estrangeiras
Alexandre de Gusmão (1695-1753), que foi secretário do rei D. João
V23 , e D. Luís da Cunha (1662-1749), também jurista e diplomata 2\ A história da idéia de liberdade fiscal na cultura luso-brasileira
e, no tempo de D. José I, o próprio Marquês de Pombal (1669-1782), não pode ser compreendida sem o exame da influência estrangeira,
que escreveu inúmeros trabalhos na área da economia25 , e o já citado especialmente a partir da metade do século XVIII, quando há o con-
Vernef 6 ; entre os fisiocratas, Rodrigues de Brito, pai (1753-1831 ) 27 , lato com o pensamento europeu. Assim como o Estado de Polícia
o italiano radicado em Portugal Domingos Vandelli28 e o bispo bra- não pode ser estudado sem a comparação com as estruturas corres-
sileiro José Joaquim de Azeredo Coutinho (1742-1818) 29 , sendo que pondentes na Alemanha, Áustria e Itália, sua ideologia filosófico-jurí-
este último, até pela ambivalência da fisiocracia, exercerá grande in- dica e econômica apenas será entendida se for aproximada das idéias
fluência sobre a geração liberal30 . predomirfántes naqueles países. Não se cuida de mera cópia ou imi-
tação de modelos estrangeiros, mas de comunicação e interação com
23 A sua obra . foi recolhida por CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão idéias em trânsito nas nações cultas e plenamente adaptáveis ao mo-
e o Tratado de Madrid. Rio de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores,
mento histórico; havia a opção consciente por alguns pontos do mo·
1952-1965, 9 volumes. Há também edição portuguesa, em 4 volumes, Lisboa,
Livros Horizonte, 1984. delo estrangeiro, da mesma forma que se recusavam as idéias julgadas
24 Testamento Político; ou carta escrita pelo grande D. Luís da Cunha ao
prejudiciais31 •
Sr. rei D. José I antes do seu governo, o qual foi do conselho dos Srs. Com as reformas pombalinas penetra em Portugal o iluminismo,
D. Pedro II e D. João V, e seu embaixador às cortes de Viena, Haia e de que fundamentava o despotismo esclarecido e o Estado de Polícia na
Paris, onde morreu em 1749; nota introdutória da prof!!- Nanei Leonzo. São Alemanha, na Áustria e na Itália. O holandês Hugo Grócio (1583-
Paulo, Alfa-Omega, 1976; - - - . Obras inéditas do grande exemplar da ciência
do Estado, D. Luís da Cunha, a que o Marquês de Pombal, Sebastião José de 1645) e os alemães Samuel Pufendorf (1632-1694), Christian Thoma-
Carvalho e Mello, chamava seu mestre. Antônio Lourenço Caminha. Lisboa, sio (1655-1728), Heinécio (1681-1741) e Christian Wolf (1679-
Imprensa Nacional, 1821. 1754) são lidos e citados abundantemente por Verney, Tomás Antô-
25 O livro Cartas e outras Obras Se/ec/as, Lisboa, Tip. Costa Sanches, !861, nio Gonzaga e, posteriormente, também por Mello Freire e Antônio
2 v., contém algumas produções importantes. Ribeiro dos Santos. Os iluministas italianos, com os quais Verney
2" Verney pouco se dedicou à economia. Mas para o estudo da ética econômi- mantivera contato em sua viagem pela península - Genovesi
ca tornam-se relevantes as "Cartas a Francisco Almada e Mendonça". In:
CABRAL DE MONCADA, L. Estudos de História do Direito. Coimbra, Univ. (1713-1769), professor de ética e economia política, e Muratori
Coimbra, 1950, v. 3, p. 323-409. (1672-1750) - haviam por seu turno sofrido igualmente a influên-
27 Memórias Políticas sobre as Verdadeiras Bases da Grandeza das Nações e cia de Wolf e Pufendorf e, apesar de não possuírem idéias origi-
Principalmente de Portugal. Coimbra, 1803-1805, 3 volumes. nais82, granjearam prestígio em Portugal33 • Adotam-se, após a refor-
23 "Memórias sobre a Preferência que em Portugal se deve dar à Agricultura

sobre as Fábricas". In: Memórias Econômicas da Academia Real das Ciências de 31 Cf. MACEDO, Jorge Borges de. Estrangeirados, um conceito a rever. Lisboa,
Lisboa, para o Adiantamento da Agricultura, das Artes e da Indústria em Por- Ed. do Templo, s./d., p. 43.
tugal e suas Conquistas. Lisboa, O f. Acad. Real das Ciências, 1789, tomo I, 32 Cf. DEL VECCHIO, Giorgio. Philosophie du Droit. Paris, Dalloz, 1953,
p. 244-253. p. 143 e 217; LOPES PRAÇA, J. J. História da Filosofia em Portugal. Lisboa,
29 Ensaio Econômico sobre o Comércio de Portugal e suas Colônias. Lisboa, Guimarães & Cia., 1974, p. 283: "as doutrinas de Job e Genovese eram inexa-
Typ. da Academia Real das Sciencias, 1816; Cópia da análise da Bula do Sumo tas, incompletas, mas não muito perigosas, nem exclusivistas" .
3' CABRAL DE MONCADA, L. Estudos Filosóficos e Históricos. Coimbra,
Padre julio III. Londres, T. C. Hansard, 1818.
°
3 Cf. BARRETTO, Vicente.. "0- Absolutismo Português e os Primórdios da Universidade de Coimbra, 1959, v. II, p. 469: ". . . se a fonte e origem do
Idéia Liberal no Brasil." In: A. CRIPPA (org.), As Idéias Políticas no Brasil, nosso Iluminismo pombalino devem ser procuradas, mais diretamente em Viena,
cit., p. 60. talvez menos direta e mais remotamente o devam ser, porém, em Roma". E

56 57
ma universitária de 1772, de acordo com os novos princípios pedagó- B importante observar que só o iluminismo germânico, previa-
gicos, diversos compêndios: para a lógica, o .de Genovesi (1713-1769), mente filtrado na' corte <Católica da Áustria e nas universidades ita-
também conhecido como Genunse 34 ; para a ética, o do alemão Hei- lianas, oferecia a visão geral filosófica, jurídica e econômica que per-
necke, que escrevia em latim e se tornou conhecido como Heinécio mitiria o desenvolvimento do absolutismo esclarecido e a modificação
(1681-1741) 35 , substituído, em 1794, pelo do austríaco Eduardo Job na estrutura do poder fiscal. Demais disso, a obra de Grócio, Pufen-
(1730-1821) 36 ; e, para o direito, o de Martini (1726-1800) 37 , profes- dorf e Thomasio, sobre conter traços de empirismo e de raciocínio
sor de direito natural na Universidade Católica de Viena, e que foi indutivo4 1, bem como a defesa da tolerância religiosa42 , retomava
adotado em Coimbra até 184338 • No terreno da economia só agora certos temas e idéias da escolástica barroca, especialmente as questões
a historiografia desperta para o estudo da influência do cameralismo ligadas ao internacionalismo e à soberania, tudo o que minimizava a
germânico39 , ele próprio emanação do pensamento iluminista, preo- circunstância de serem protestantes alguns daqueles autores e faci-
cupado com as questões sobre o tributo, categoria que, entretanto, litava a s~a aclimatação ao mundo luso-brasileiro43 • Iluminismo e ca-
mantinha seu caráter extraordinário; · geralmente vincu1ado à ne- meralismo, por conseguinte, que produziram a reforma do Estado e
cessidade de financiar as despesas de guerra, pelo que continuava da Sociedade sob o regime de Frederico 11 na Prússia (17 40-1786) e
como assunto menor diante da teoria das rendas dominiais40 • de Maria Teresa (1765-1790) e Leopoldo 11 (1790-1792) na Áustria,
vão inspirar igualmente as reformas no reinado de D. José I (1750-
conclui com certo exagero que "será aí - precisamente no foco do reformismo 1777) ,em Portugal, sob a ba'tuta do M8rquês de Pombal, seu primeiro-
católico italiano da primeira metade do século XVIII, abstraindo de outras ministro , e também no de D. Maria. Uma última averbação: todos
correntes secundárias - que devemos procurar a origem comum do josefinismo esses autores de origem germânica escreveram em latim, o que.faci-
austríaco e do nosso josefinismo ou pombalismo português." Em outra passa- litou o seu conhecimento pelos portugueses, que dominavam aquele
gem chega a falar em iluminismo católico, que teria sido o da Áustria, Itália,
Espanha e Portugal; op. cit., v. 111, p. 187.
idioma e o traduziam; os que se expressaram em alemão, como Son-
nenfels e von J usti, professores de economia e de finanças na corte
31 GENUENSE, Antônio. As Instituições da Lógica. Trad. de Miguel Car-
doso. Coimbra, Univ. Coimbra, 1986. Reedição com introdução de ANTONIO de Maria Teresa da Áustria, não chegaram a Portugal, a não ser
PAIM. Rio de Janeiro, Documentário/PUC, 1977. excepcionalmente, como parece ter ocorrido na obra de A. Ribeiro
35 HEINECIO, João Gottlieb. Elementos da Filosofia Moral. Lisboa, Aca- dos Santos44 .
demia Real de Ciências, 1835. Outros livros seus tiveram ampla divulgação em A influência inglesa, que alguns querem detectar na época de
Portugal e no Brasil: E/ementa juris naturalis et gentium (1737, SI!- ed. 1768);
E/ementa juris civilis secundum ordinam Pandectarum. Bassani, Remondini, 1835,
Pombal como antecipação do liberalismo, foi diminuta45 .
I e 11.
3o Instituições de Filosofia Prática ou Princípios de E.tica Universal e Par- 41 Cf. WIAECKER, F. Historia dei Derecho Privado de la Edad Moderna. Ma-
ticular e Direito Natural. Traduzidas do latim por João Batista Correa de Ma- dri, Aguilar, 1957, p. 269.
galhães. Lisboa, Tip. de José Baptista Morando, 1846. O livro teve várias 4! Cf. COING, Helmut. Epochen der Rechtsgeschichte in Deutschland. Mu-
edições em latim e uma outra tradução no Brasil. nique, C. H. Beck, 1971, p. 75.
3'1 Positiones de lege naturali in usum auditorum. Viena, 1764. Também teve 43 Cf. MARTIM DE ALBUQUERQUE, Estudos de Cu/fura Portuguesa, cit.,

larga divulgação o livro Positiones de jure civitatis. Conimbricae, Typ. Acade- p. 211: "Pela via do jusnaturalismo , chegava-se. fundamentalmente. a resultados
mico-Regia, 1825. idênticos aos do século anterior"; F. WIAECKER, op. cit., p. 259, destaca a
38 vinculação de Grócio à antiga teologia moral espanhola do século XVI. Apesar
Martini era italiano, segundo G. DEL VECCHIO, op. cit., p. 217, e austríaco,
segundo CABRAL DE MONCADA, Subsídios ... , cit., p. 18; e BRAZ TEIXEI- disso, o iluminismo germânico não teve influência maior na Espanha do século
RA, op. cit., p. 53, que o chama de Karl Anton von Martini. XVIII; cf. GARCIA-GALLO, Alfonso. Manual de História dei Derecho Es-
39 paiíol. Madri, Artes Graficas y Ed., 1959, v. 1, p. 131.
Cf. M. HESPANHA, Poder e Instituições ... , cit., p. 68; CALAZANS FAL-
4
CON, Política Econômica e Monárquica Ilustrada, cit., p. 369. ~ Cf. José Esteves Pereira, op. cit., p. 287 e 369.
45 Observou há um século RUI BARBOSA. "Centenário do Marquês de Pom-
40 Cf. W. RAINER WALZ, Steuergerechtigkeit .. . , cit., p. 27; J. JENETSKY,
op. cit., p. 63. bal". In: Obras Completas, v. IX, 1882, tomo 11. Rio de Janeiro, Ministério

58 59
b) Ecletismo tafísica, Assim acontece tanto em Rodrigues de Brito como em Locke
e Condillac53 • •
O iluminismo português apresenta um certo ecletismo, pois não As teorias fi siocratas penetram em Portugal e no Brasil .mescla-
consegue superar inteiramente a Segunda Escolástica46 . Reminiscên- das com algumas pinceladas do liberalismo e das teorias de Adam
cias do pensamento religioso encontram-se na obra de Verney e de Smith. Mas sempre foi problema tormentoso, na história das idéias,
Tomás Antônio Gonzaga47 . O jusnaturalismo de origem divina retor- o precisar a medida em que se pode estremar a fisiocracia do libe-
na com Antônio Ribeiro dos Santos48 • Mas esses traços aparecem tam- ralismo54.
bém no iluminismo estrangeiro: Grócio tentou conciliar reforma e
contra-reforma e Pufendorf pôs-se na posição intermediária entre c) Filosofia prática
empirismo e racionalismo, entre Descartes e Galileu49 ; Martini, que No iluminismo dá-se a separação entre teologia e filosofia. As
foi lecionar na corte católica da Áus.~ria, depurou o iluminismo de ciências ó~1 os diversos conhecimentos sobre o homem, o Estado e a
sociedade passam a se aglutinar na filosofia prática. A idéia básica
Wolf e Pufendorf de seus ares protestantes50 ; o jusnaturalismo de
que informa todos os ramos do saber é a de felic'dade 55 • Btica e Di-
Thomasio e de seu discípulo Heinécio também deixa entrever as co-
reito começam a se distinguir na obra de Thomasio; o seu discípulo
notações divinistas, a par das preocupações historicistas e empiris-
Heinécio, no livro tão divulgado em Portugal e no Brasil, dividia
tas51; Eduardo Job exibe farta influência escolástica e insiste na ori- a Filosofia Prática em Btica, Política e Econômica, definindo: "A
gem ~ivina do direito natural 52 • ética nos encaminha para o Sumo Bem e para a verdadeira felicidade
O empirismo mitigado presente no iluminismo revela, até no que está junto com ele"; "ninguém jamais confundirá esta ci~ncia
nome tão apropriado, o ecletismo. Não fecha a possibilidade de se com o Direito Natural, o qual trata do bem, enquanto justo, honesto
ultrapassar a origem empírica do conhecimento, alcançando-se a me- e decoroso" 56 . Mas todas elas- ética, direito, política e econômica -
estão ligadas pelo fio comum que é a conquista da felicidade, como
da Educação, 1948, p. 197: "Um espírito educado nas tradições da Magna proclamava Verney: "o que entendo por Btica é aquela parte da
Carta e do Bill dos Direitos seria exótico e estéril ante a invencível ignorância Filosofia que mostra aos homens a verdadeira felicidade, e regula as
de uma aristocracia corrompida, a inconsciência de um povo imbecilizado pela
crendeirice, a altanaria de um clero todo-poderoso, a fraqueza de uma dinastia
ações para a conseguir"57 • Insista-se em que a separação entre as di-
decadente." versas disciplinas é tênue 58, subordinando-se todas à filosofia prá-
46 Cf. A. PAIM. História das Idéias Filosóficas ... , cit., p. 231; BRAZ TEI-
tica59.
XEIRA, op. cit., p. 35.
47 Cf. AQUILES CORTES GUIMARÃES, op. cit., p. 144. 53 Cf. BRAZ TEIXEIRA, op. cit., p. 59; CABRAL DE MONCADA. Subsí-
dios ... , cit., p. 27; A. PAIM, História das Idéias Filosóficas ... , cit., p. 28 e
4~
Cf. J. ESTEVES PEREIRA, op. cit., p. 188. seguintes.
4J Cf. WIAECKER, op. cit., p. 259 e seguintes; FIORILLO, Vanda. "Von 5~ Cf. KLIPPEL , Diethelm. "Der Einfluss der Physiokraten auf die Entwick-
Grotius zu Pufendorf". Archiv für Rechts - und Sozialphilosophie, 1989, v. lung der Jiberalen politischen Theorie in Deutschland". Der Staat, 1984, v.
LXXV (2), p. 229. 23(2), p. 205; COLLJARD, Claude-Aibert. Libertés Publiques. Paris, Dalloz,
so Cf. CABRAL DE MONCADA, Subsídios ... , cit., p. 11. 1982, p. 46.
5I Cf. DEL VECCHIO, op. cit., p. 95.
51 Cf. WIAECKER, op. cit., p. 280. 56 Elementos de Filosofia Moral, cit., p. 2 e 5.
52 Instituições de Filosofia Prática, cit., p. 15: "Deus é o autor das leis natu- 57 O Método de Estudar, cit. , v. III , p. 254.
rais; as leis naturais são as que têm força de obrigar, nascida da mesma natu- 56 VERNEY, op. cit., p. 293: "a Política sem :E.tica é arte de enganar, pois
reza das coisas, e dos homens; mas Deus estabeleceu a natureza das coisas e só é bom cidadão o que é homem bom."
dos homens; logo Deus é o autor das Leis Naturais." Cf. também ANNA 59 EDUARDO JOB. Instituições de Filosofia Prática, cit., p. 7, diz que a ":E.tica
MARIA MOOG RODRIGUES, op. cit., p. 417. ou Filosofia Prática Universal é a ciência que ensina os princípios pelos quais

60 61
O cameralismo, especial manifestação do iluminismo, se inicia :u. Felicidade
na Alemanha como ciência econômiça e se expande para abranger
a totalidade das atividades do soberano. Compreende a economia A feHcidade, cuja conquista passa a ser a preocupação central
(Okonomik) , a ciência da polída (Polizeiwissenschajt) e a ciência da Filosofia Prática, como vimos, se transforma no objetivo do Esta-
das finanças (Finanzwissenschaft) 60 , preocupadas todas em oferecer a do de Polícia. Cuida-se, principalmente, da felicidade elo príncipe,
orientação pa1'a a conquista da felicidade do Estado e do súdito. em virtude da personalização do poder; mas, também, da felicidade
A Filosofia Prática do iluminismo se caracterizou, ainda, por elo Estado, que se projeta como felicidade dos súditos65 , todas depen-
não ficar apenas no plano da reflexão , mas por levar à ação e às dentes da política intervencionista do despotismo iluminado. Na ex-
reformas sociais e econômicas 61 . pressão de Kant "o soberano se torna déspota só para ter o prazer
de fazer os súditos felizes à força" 66 . O livro famoso do cameralista
No contexto da Filosofia Prática a idéia de tributo pertence à
alemão von Justi, que lecionou em Viena, tinha por título "Princípios
Política, aparecendo privatizado em virtude do conceito de soberania
Fundamentais para o Poder e a Felicidade dos Estados" 67 • Muratori,
então predominante; mas se intégra também na ética, pela emergGn-
o amigo e correspondente de Verney, escreveu, em 1749, De/la pub-
cia das idéias de justiça e felicidadé2 .
blica felicità.
3. A liberdade do príncipe A felicidade, repita-se, transforma-se no objetivo ou na finali-
dade do Estado - finalidade que é sobretudo financeira ou tributá-
No Estado de Polícia do absolutismo esclarecido a liberdade ria~8, garantida pela atividade de polícia~ 9 • Buscam-se o bem-estar e
deixa de ser estamenta[ ou corporativa para se afirmar como liber- a segurança do príncipe e dos vassalos , deixando-se de lado a noção
dade elo príncipé3 , que conduz à centralização po1ítica e financeira escolástica de bem-comum70 •
e aos primeiros passos para a liquidação da fiscalidade periférica dos
estamentos. Mas não se esgota na pessoa do príncipe, senão que se 1973, p. 142, anota que o status naturalis se transmuda em status politicus ou
apresenta também como liberdade do povo ou da burguesia ascen- civilis, ou seja, a libertas naturalis se traduz na legislação civil e necessita do
dente. t, sobretudo, liberdade no Estaclo~ 4 . Estado para garanti-la.
65 Cf. H. MAIER, op. cit., p. 183; ASTUTI. "O Absolutismo Esclarecido ... ",

se podem demonstrar os preceitos sobre os costumes". Possui três partes; Di- cit., p. 266.
66 Apud CABRAL DE MONCADA. Estudos de História do Direito, v. 2, p.
reito Natural , Ética Especial e Política.
100. BUSSI, op. cit., p. 805, explica que os juristas alemães do setecentos se
6~ Cf. MAIER. 1-Ians. Die altere deutsche Staats - tmd VerwaltunJlslehre. Mu-
referiam ao Beglückungsgewalt, que era o poder de fazer a felicidade dos sú-
nique, C. H. Beck, 1980, p. 194; JENETZKY, Johannes. System und Entwicklung
ditos.
des materiel/en Steuerrechts in der wissenschaftlichen Literatur des Kameralis-
67 Die Grundfeste zu der Macht und Glückseligkeit der Staaten. Darmstadt,
mus von 1680-1840. Berlim, Duncker & Humblot, 1978, p. 15; P. SCHIERA,
Scientia Verlag Valen, 1965 (publ. reprográfica da ed. 1760): O Estado ou
"A Polícia como Síntese ... , cit., p. 315.
República, que é um conjunto de muitas famílias, tem por finalidade a "felici-
6t Cf. H . COING, op. cit., p. 73.
62 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 107.
dade geral" (gemeinschaftlichen Glückseligkei), v. I, p. 3.
68 WACHENHAUSEN, op. cit., p. 40, ressalta o paralelismo entre finalidade
6.l WIAECKER, op. cit., p. 268; VERNEY, "Cartas a Francisco de Almada c
Mendonça", cit., p. 328, anotava que se "se indica fin dove si puà estendere la do Estado (Staatszweck) e finalidade tributária (Steuerzweck) . Cf. também W.
libertà del Príncipe, e la libertà del pensare; si riduce all'lnquizione". RAINER WALZ, Steuergerechtigkeit. .. , cit., p. 28.
64 Cf. W. RAINER WALZ. Steuergerechtigkeit und Rechtsanwendug, cit., 26: 69 Cf. VON JUSTI, op. cit., v. I, p. 7: "A polícia é o fundamento para a feli-
"a liberdade burguesa (Bürgerfreiheit) ainda tem vinculação estatal, sendo uma cidade do Estado" (Die Policey ist die Grundfeste zu der Gliickseeligkeit der
liberdade para o Estado e não contra ele (eine Freiheit zum Staat, nicht gegen Staaten).
ihn). U. SCHEUNER. "Die rechtliche Tragweite der Grundrechte in der deut8 n Cf. F. B. NOVELLI, op. cit., p. 35; P. SCHIERA, Estado de Polícia, cit.,
chen Verfassungsentwicklung des 19 Jahrhunderts", Festschrift fiir E. R. Huber. p. 411; BUSSI, op. cit., p. 801.

62 63
Essa felicidade geral alcança-se pela prática da virtude 71 e pela bém, e .prega a1t~mente aos vassalos a obrigação de serem fiéis, e
obediência às leis racionais - emanação . do Direito Natural e da obedientes .aos seus soberanos; de observarem as leis; e de contri-
Boa Razão7 2 • No Compêndio Histórico do Estado da Universidade buírem para as necessidades públicas do Estado; fazendo-lhes ver,
de Coimbra (1771) vê-se a preocupação em "segurar a felicidade que todos estes ofícios lhes são impostos pela natureza; e conven-
interior dos povos, e manter a paz pública do Estado" e "em pro- cendo-os de que as leis positivas, em que os mesmos soberanos lhes
mover a felicidade do gênero humano", com fundamento no Direito declaram, repetem, e formalizam pelo modo competente, não tem
Natural, "que estabelece e ensina os recíprocos Direitos e Ofícios dos por objetivo direitos .arbitrários, e inventados pelos homens, mas
soberanos e dos vassalos", pois "uma das maiores felicidades dos sim originalmente ditados pelo autor da natureza, e todos indispen-
Estados consiste na perfeição das suas Leis" 73 . Tomás Antônio Gon. savelmente necessários para a conservação do Estado" 78 • Tomás An-
zaga diz que "os direitos do sumo imperante é tudo o que é necessário tônio Gonzaga também chama a atenção para a circunstância de que
para se conservar a felicidade assim interna como externa da socie- J tributo ·-se impõe pela necessidade do Estado, devendo, porém,
dade"74; daí tira a conclusão: "o príncipe, que tem poder de obrar coincidir com o direito natural, pois é "uma dívida natural, a cuja
tudo o que é. necessário para a conservação da Repúblka, há de re- satisfação estamos obrigados" 79 •
vestir-se do direito de pôr tributos como meio necessário para seme- Recorde-se que a idéia de Razão de Estado, na versão de Bodin
lhante conservação" 75 . e de Maquiavel, não ingressara em Portugal. Agora, na dicção ilu-
minista, alcança grande repercussão 80 • O tributo, cuja justificativa
3.2. Razão de Estado ainda se cifra na necessidade do Estado, não mais o obtém o rei
pelos pedidos dirigidos às cortes, mas o ·decreta em decorrência da
A conquista e a garantia da liberdade e da felicidade se funda·
Razão de Estado. As imposições fiscais sem a audiência das cortes,
mentam na Razão de Estado, que coincide com a própria racionalida-
que e ram exceção antes de Pombal 81, tornaram-se a regra, como acon-
de das leis deduzidas do Direito NaturaF 0 , inclusive no que concerne
teceu com a tributação do ouro do Brasil.
à tributação 77 • No Compênido Histórico do Estado da Universidade de
Coimbra ficou dito que o Direito Público Universal "notifica tam- Com a doutrina da Razão de Estado abandona-se a pergunta
sobre as causas do tributo, que fora a preocupação da Escolástica e
71 Cf. EDUARDO JOB. Instituições de Filosofia Prática, cit., p. 23: "Não se que obtivera, com Suarez e Pantaleão Rodrigues Pacheco, a resposta
pode chegar à verdadeira felicidade, que nesta vida se pode obter, senão por de sabor aristotéticos2 • Agora a só necessidade do príncipe, desde
meio da virtude, e que seja a cristã"; HEINhCIO, Elementos da Filosofia Mo- que coincidente com a legislação racional, justifica a imposição.
ral, cit., p. 62, diz que, gozando do sumo bem, "não podemos deixar de gozar
ao mesmo tempo da verdadeira felicidade".
n VERNEY. O Verdadeiro Método de Estudar, v. 111, p. 261: "Lei que não
4. Liberdade e fiscalidade
é deduzida da boa razão não merece o nome de lei."
71 Coimbra, Univ. Coimbra, 1972, p. 209-212.
4.1. A tripartição do poder fiscal
1• Tratado de Direito Natural, cit., p. 113.
75 Ib., p. 117.
No período do Estado de Polícia o poder fiscal do príncipe
76 GENUENSI. De Jure et Oficiis, cit., lib. 11, cap. VI, p. 252, diz que o ainda convive com a fiscalidade periférica da Igreja e da nobreza.
despotismo, que apelida de oriental, é o derivado do arbítrio - stat pro ratione
voluntat -, inconfundível com o despotismo esclarecido: "quia in Reip. forma 1$ Op. cit., p. 210.
Despotae sunt nobi/es, Rex servus"; "ubi /eges consensu omnium ordinum 79 Tratado de Direito Natural, cit., p . 117.
conduntur". 80 Cf. MARTIM DE ALBUQUERQUE. Estudos de Cultura Portuguesa, cit.,
n Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 89; BLASCHKE, Karheinz. Finanzwese11 wzd v. 1, p. 206.
Staatsriison in Kursachen zu Beginn der Neuzeit". Der Staat, 1986, v. 25 (3) , 81 Cf. JORGE BORGES DE MACEDO, "Absolutismo", cit., p. 12.
p 382. 82 Vide cap. I, item 4.2.

64 65
Mas começa a crítica vigotosa a tais poderes, levando ao seu controle adml.te Q imperluiJ'l limitatum 8'. Quem melhor exp<)s essa teoria no
pela política centralizadora; porém, só no período ulterior do libera- pensamento luso-brasileiro foi Tomás Antônio Gonzaga, ao dizer
lismo se dará a efetiva extinção dos poderes periféricos e, também, a que "o supremo império não pode reconhecer superior que não seja
do próprio poder monárquico absoluto. Deus" e, com apoio em Grócio, Heinécio e Boehmer, para justificar
Duas idéias fundamentais marcam essa fase de transição: a de os resquícios do feudalismo, que "esta doutrina é tão universal que
majestade e a de domínio eminente. Só no Estado de Direito é que nem admite exceção do reino feudatário, pois a essência do feudo
essas idéias são substituídas pelas da soberania nacional e de repre- não consiste na sujeição, mas só na fé, e a prestação de fidelidade não
sentação, desaparecendo, conseguintemente, a fiscalidade não-estatal. é exigida por caus·a do domínio direto que tenha o que a receber
mas sim em virtude de um contrato" 88 . Mello Freire vai dizer poste-
a) Majestade riormente, fundado na opinião de Heinécio, que "a jurisdição dos se-
nhores nãtl é própria, mas apenas recebida do rei", que pode limi-
O pensamento luso-brasileiro no período anterior ao século tá-la ou revogá-la 89 •
XVIII não recepcionou, como vimos, a idéia de soberania desenvol- Nessa linha de idéias o tributo é antes emanação da majestade
vida por Bodin. Manteve-se preso ao conceito de auctoritas. que da soberania e por isso mesmo os dois termos aparecem quase
No Estado de Polícia há sensível modificação na linha mestra como sinônimos na literatura iluminista00 • Se a concepção representa
das idéias políticas. Penetra em Portugal e no Brasil o conceito de uma evolução frente à idéia de suprema potestas desenvolvida pela
soberania na versão de Pufendorf, Thomasio, Boehmer e outros pu- escolástica, ainda não atinge a magnitude do conceito de soberania
blicistas germânicos. Mas, até pela situação concreta prevalecente na tributária do liberalismo. Genuensi inclúi entre os direitos "'quae
Alemanha , a soberania é entendida como poder limitado, que não summis I mperantibus competunt" o jus tributorum 91 • Essas idéias re-
consegue se afirmar plenamente contra os poderes periféricos dos percutem no pensamento luso-brasileiro. Tomás Antônio Gonzaga se
estamentos e da lgreja 83 e que, por outro lado, permanece mais como refere aos "direitos do sumo imperante" ou aos "direitos da majesta-
atributo do príncipe8 4 que do Estado ou do Povo 85 . Soberania que de"92, concluindo que "o príncipe, que tem poder de obrar tudo o
tal assume sobretudo a feição de majestas ou de iura majestatica e que é necessário para a conservação da República, há de revestir-
não reconhece poder superior ao soberano 86 , a não ser o de Deus, mas se do direito de pôr tributos como meio necessário para semelhante
conservação" 93 . Pascoal de Mello Freire menciona o "direito majestá-
81 Cf. F. MEINECKE, op. cit., p. 231; O. GIERKE. Natural Law and the Teo- tico de exigir impostos e tributos, sem o qual a sociedade civil é nula
ry oj Society 1500 to 1800. Boston, Deacon Press, 1957, p. 142.
é a segurança dos cidadãos inexistente" 04 ; e acrescenta "este prin-
B4 Cf. BAUER, Hartmut. Gechichtliche Grundlagen der Lehre vom subjektiven
ojjentlichen Recht. Berlim, Duncker & Humblot, 1986, p. 33.
85 A concepção de soberania como atributo do Estado foi desenvolvida por 87 Cf. O. GIERKE , op. cit., p. 142 ; ASTUTT , O Absolutismo Esclarecido em
Althusius, que trabalhou sobre algumas idéias de Bodin, até então estranhas à Itália .. . , cit., p. 268.
doutrina germânica. Cf. H. MAIER. Die altere deutsche Staats-und Verwalt- 88 Tratado de Direito Natural, cit., p. 102.
ungslehre, cit. , p. 282; STOLLEIS, Michael. Geschichte des offentlichen Rechts 8~ Antologia . . . , cit., p. 132.
in Deutschland- 1600/1800. Munique, C. H. Beck, 1988, v. 1, p. 175. ~ su- 90 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 109; E. BUSSI, op. cit., p. 815, explica que
gestivo observar que Portugal, que não recepciona a concepção de Bodin, tam- para os juristas alemães dessa época os direitos da soberania (Staats-Hoheitsre-
bém se fecha à influência de Althusis; cf. MARTIM DE ALBUQUERQUE. chte) englobavam os direitos majestáticos, os direitos da administração, as re-
Jean Bodin na Península Ibérica, cit., p. 178. galias e os poderes (Majestiitrechte, Regierungsrechte, Regalien, Gewalten).
86 PUFENDORF. Le Droit de la Nature et des Gens. LEIDE, J. de Wetstein, 91 De Jure et ojiciis, cit., p. 260.
1759, lib. I, cap. I, § XII, v. 6, p. 12, diz que entre as pessoas políticas de 92 Tratado de Direito Natural, cit., p. 119.
primeira ordem "il y en a qui gouvement l'Etat avec une Autorité Suprême, & 93 Ibid., p. 117.
auxquelles à cause de cela on donne /e nom de Souverains". 9.1 Antologia de Textos sobre Finanças e Economia, cit., p. 9.

66 67
cipal di reito majestático (o de impor tributo) flui da razão da sobe- un impô f jait partie du patrimoine, l' argent provenant des impôts est
compté parmi les fruits" 99 • Pufendorf ensina "car rien n'empêche ...
rania ou sumo poder"n 5 • Antônio Ribeiro dos Santos aceita o direitc
majestático enquanto ele significa "não um direito régio particular, qu'une seu/e et même chose n'appartienn~ à plusieurs, qui en font
como os outros, mas a base e fundamento de todos eles" 96 • maitres chacw~ de dijferent maniere. Par example: l'Etat a un Do-
maine Eminent su une Terre qui est de sa jurisdiction; le Proprie-
100
b) Domínio eminente taire, un Domaine Directe; & l'Emphyteote, un Domaine Utile" •
101
Martini se refere ao domínio "supereminente" (supereminens) • Ge-
A ou tra idéia que fundamenta a fiscalidade do Estado de Polícia nucnsi afirma "competir ao Império o domínio eminente" (lmperio
a de domínio eminente, que guarda íntima relação com a de
t:: cornpeterc clominium em inens), que o autoriza a exigir tributos (tri-
102
majestade. buta), portagens (portaria) e capitações (capitationes) •
O jus eminens, desenvolvido pelos iluministas, tem a possibili- Aí e&tá a matriz do pensamento que vai florescer no Brasil e
dade de justificar a centralização do poder nas mãos do príncipe, em Por~ugal , com os seus acertos e as suas perplexidades. Tomás An-
porque, coriespondendo a sua riqueza perpétua, se sobrepõe ao do- tônio Gom>:Ggu, fazendo exp,essa remissão a Pufendorf, distingue
mínio do senhorio. Demais disso, permite a separação mais nítida entre o direito majcstático e o poder eminente no que pertine à fonte
entre rendas dominiais e tributárias, ao fundamentar a cobrança da- elos impostos: "Não se cifra só nos tributos o poder do soberano a
quelas e não destas , vinculadas ao direito majestático e a cada dia respeito dos bens dos seus vassalos. Ele tem um domínio eminente
mais expressivas. sob re todos os bens dos vassalos, para os poder tirar a qualquer mo-
mento, todas as vezes que o requerer a pública utilidade ou neçessi-
Sucede que o domínio eminente, da mesma forma que aconte-
dade"103 . Na obra de Pascoal de Mello Freire não há distinção clara
cera com o direito majestático, se tlansforma em idéia ambivalente,
entre soberania e domínio eminente, do que resulta que o tributo en-
assim pelas resistências despertadas como pela situação concreta ainda
ccntra em ambos a sua fon te : "Este principal direito majestático flui
perceptível no Estado de Polícia. No que concerne à fiscalidade do
da razão da soberania ou sumo poder, ou da natureza do domínio
senhorio, não 3 elimina, mas apenas a ela se sobrepõe quando não se
eminente que a própria Ordenação Régia reconhece no liv. 3, tit. 71,
encontra em estado de quiescência, pois, no fundo, é um poder su-
§ 2. 0 , no fim e nas seguintes palavras: Em sinal e reconhecimento de
pereminente que convive com o domínio eminente do senhorio. No
universal e supremo senhorio" 1(}4; "É da natureza da própria sobe-
que entende com a separação entre rendas dominiais e tributárias,
rania , ou, o que é quase o mesmo, da natureza do domínio universal
não alcança maior sucesso, pois não raro, até pela indistinção ainda
cu eminente , que o príncipe, entre muitíssimas outras coisas, possa
prevalecente entre as fontes da receita, vai justificar as imposições
definir os censos e prestações dos campos" 105 . Antônio Ribeiro dos
tributáriasn 7 .
Santos, em franca oposição aos ensinamentos de Pascoal de Mello
Na obra de Grócio, que vincula o patrimônio à soberania98 , o Freire, consegue fazer a distinção mais nítida entre soberania e do-
imposto ainda é visto como fundado no domínio: "le droit d'exiger mínio: "o direito de dispor dos bens dos vassalos para as necessidades

95 Ibid., p. 13. 99 Loc. cit.


96 Apud JOS~ ESTEVES PEREIRA. O Pensamento Político em Portugal no 100 Le Droit de la Nature et des Gens, cit., lib. IV, cap. IV, § 1, p. 546.
Século XVIII, cit., p . 319.
101 Positiones de Jure Civitatis, cit., cap. VII, § 182, p. 70.
97 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 11 e seguintes; W. RAINER WALZ, Steuerger-
102 De Ture et Oficiis ad Usum Tyranum, cit., Jib. II , cap. VIli, § 36, p. 293.
cchtigkeit . .. , cit., p. 28.
98 Le Droit de la Guerre et de la Paix. Paris, Felix Alcan Ed., 1867, v. 1, p.
103 Tratado de Direito Natural, cit., p. 118.
104 Antologia de T extos de Economia e Finanças, cit., p. 13.
568: "Le patrimoine du peuple est constitué, en effet, en vue de la souverai-
105 Ibid., p. 15.
neté".

69
68
urgentes da repúbÍica s6 provém de impbio da soberania, que nâo Genuensi, que também separa o Íisco do erário 111 ; por Heinécio, que,
é uma propriedade ou um domínio; porque é hoje regra geral em chamando a atenÇão para a fragilidade dos conceitos, prefere falar
Direito Público que o príncipe em todas as coisas pertencentes ao em erário (patrimônio público administrado pelo príncipe), fisco (pro-
Estado obra sempre jure imperii, e não jure proprietatis et dominii, priedade do povo da qual o príncipe é usufrutuário) e patrimonium
pois que não está no domínio e propriedade do príncipe, mas sim e principis (pertencente apenas ao príncipe, tanquanm privatum) 112 •
tão-somente no seu império" 106 • São essas novidades que repercutem no Brasil e em Portugal. Tomás
Antônio Gonzaga, depois de dizer que "Pufendorf, Grócio e outros
4.2. A fiscalidade do rei tornam a dividir o império em patrimonial e usufrutuário"m, mostra
as insuficiências da divisão e opta por usar "dos termos alienáveis
No absolutismo esclarecido fortalece-se a centralização do poder ou inalienáveis que o mesmo Heinécio nos ensina" 114 • Pascoal de
fiscal nas mãos do rei, incrementam-se as receitas tributárias e se Mello Freire diz que "o fisco significa o dinheiro do príncipe, e o
aperfeiçoa a administração financeira. -Algumas idéias são fundamen- erário o do povo, mas numa monarquia esta distinção não é tão ri-
tais para tão · profunda modificação, especialmente as que permitem gorosa como foi entre os romanos" 115 , acrescentando: "os bens pú-
as distinções entre a fazenda do príncipe e a fazenda pública e blicos do erário são destinados a proteger a própria República e não
entre tributo e ingressos dominicais. Mas essas idéias não são leva- à sustentação dos imperante" 116.
das às suas últimas conseqüências e muitas vezes aparecem de forma No Estado de Polícia há um extraordinário incremento da
ambivalente e conflitante, em plena simetria, aliás, com a circuns- receita tributária e da proveniente ·dos monopólios 117 • A doutrina
tância histórica de que a centralização não elimina a fiscalidade peri- iluminista e cameralista, superando as reservas anteriormente opostas
férica do senhorio e da Igreja e de que a receita tributária convive à cobrança dos tributos, se esforça no sentido de dar maior nitidez
com a dos monopólios e a patrimonial. à noção de imposto, justificando-o e o estremando dos ingressos pa-
trimoniais118. Martini define-o: "haec jura ad dominium non perti-
A separação entre patrimônio do príncipe e do Estado começa
nent"119. Pombal anota que "sucede aos Estados o que sucede aos
a ser feita pelos iluministas. Mas ainda permanece certa indistinção
particulares que se arruínam, quando consomem mais das suas ren-
e alguma ambivalência na publicização de uma parcela do patrimô-
nio e na conservação de outra no domínio privado do príncipe, em
111 De Jure et Ojiciis, cit., lib. li, cap. VIII, § XXXIX, p. 296.
contraponto com as hesitações observadas nos conceitos de soberania 112 E/ementa juris civilis secundum ordinem Pandectarum, cit., v. 2, p. 444.
limitada e de domínio eminentel(J7, que antes examinamos 108 • Grócio 113 Tratado de Direito Natural, cit., p. 108.
identificava o patrimônio do povo, cujas rendas se destinam a sus- 114 Ibid., p. 109.
115 Antologia, cit., p. 9.
tentar os encargos do Estado e do qual os reis são apenas usufrutuá-
lló Ibid., p. 13.
rios109. Essas idéias são desenvolvidas, entre outros, por Martini, que
117 Cf. VITORINO MAGALHÃES GODINHO. Finanças e Estrutura do Es-
distingue entre os bens do fisco, pertencentes ao monarca, e os bens tado, cit., p. 72; MACEDO, Jorge. Situação Econômica no Tempo de Pombal.
do erário, "quae reipublicae administratio et defensio exigit" 110 ; por Porto, Livraria Portugália, 1951, p. 184. MAX WEBER, op. cit., p. 836, observa
que em todas as partes e das maneiras mais diversas o desenvolvimento dos
106 Apud JOS~ ESTEVES PEREIRA . O Pensamento Político em Portugal no monopólios permite a obtenção "de ingressos independentes do consentimento
Século XVIII, cit., p. 320. dos estamentos e dos parlamentos, obtenção que com freqüência constitui um
1(17 Cf. O. GIERKE, op. cit. , p. 144. meio de luta política contra os mesmos".
llB Cf. WAGNER, op. cit., v. 1, p. 53; SCHMõLDERS, op. cit., p. 26; CRE-
WR Vide item 4 . 1.
ZELIUS, Georg. Steuerrechtliche Rechtsanwendung und allgemeine Rechtsord-
109 Le Droit de la Guerre et de la Paix, cit., p. 568. nung. Berlim, Neue Wirtschafts-Briefe, 1983, p. 289.
!lO Positiones de Jure Civitatis, cit., cap. VII, § 172, p. 66. 1!9 Positiones de Jure Civitatis, cit., cap. VII, § 180, p. 69.

70 71
das" 120 ; observa que "hoje a força de um Estado depende do seu de Janeim o Erário Régio ou "Tesouro Real e Públ~co", mantendo-se
cofre, o poder político se muda, segundo o número dos milhões" 121 ; a união entre as duas fazendas , embora para efeitos administrativos
e critica a teoria que considera o ouro como mercadoria, e não como c de controle já se intente fazer a distinção, conforme se lê -no t~t.
ativo financeiro 122 • Mas o tributo não ingressa na esfera da publici- IV, I: "Havendo determinado a forma, por que no Real Erário ou
dade e continua a ser apropriado de forma privada 123 , mantendo natu- Tesouro Público devem entrar todas as rendas da minha coroa, é
reza contraprestacional e fundando-se na idéia de benefício. Grócio preciso também ordenar a formalidade como que, pelos cofres do
diz que a finalidade dos impostos é dar às autoridades públicas os wesmo Erário, se devem pagar todas as despesas da manutenção da
meios de prover à despesa necessária para a proteção dos bons e a minha real casa e corpo político do Estado , a que são aplicados rendi-
repressão dos maus 124 • Pufendorf mantém a natureza privada e comu- mentos reais."
tativa do imposto, pago pelo cidadão "para a defesa da saúde e dos
seus bens" (pro defensionc salutis ac bonorum suorum) 125 • Tomás 4.3. A fí'scalidacle da Igreja
Antônio Gonzaga não di screpa desse ·éntendimento: "como se poderá
conservar urna República ~em armas e sem magistrados? Como se O poder fiscal da Igreja começa a sofrer contestações em Portu-
poderão conservar os magistrados c a milícia sem estipêndios? Como gal e no Brasil no período do Estado de Polícia. Já o projeto da tri-
se poderão distribuir por eles os merecimentos e necessários estipên- butação do ouro pelo sistema da capitação, elaborado por Alexandre
dios, se o povo não concorrer com públicas contribuições? Não têm de Gusmão, integrava ao novo imposto os dízimos, conforme relata
os homens pensão mais justa. Eles desfrutam os cômodos da socie- faimc Cortesão: "E não há dúvida que a integração dos dízimos
dade; devem, pois, contribuir para as despesas dela" 126 • dentro dum imposto único e utilização geral, se não afetava com o
pio D. João V, podia de futuro afetar com outro monarca e otltros
Finalmente, no Estado de Polícia inicia-se a distinção entre a
ministros a sua aplicação específica à Igreja. Além disso, a sua eli-
fazenda do príncipe e a fazenda pública127 , que, entretanto, não 31-
minação inspirava-se, de fato , numa política regalista, que transferia
cança plenamente a esfera da publicidade. Em Portugal é criado, pelo
do Mestre da Ordem de Cristo para o chefe de Estado (embora neste
alvará de 22. 12. 1761, o Real Erário, com a função de centralizar
caso coincidindo os dois numa única pessoa), duma entidade de ca-
a administração financeira' 2 " ; porém não chega a separar a fazenda
ráter religioso para outra meramente civil, obrigações que diziam res-
real da fazenda do Estado, apesar dos encômios dos juristas da
peito à manutenção do culto. Também nessa transferência a inova-
época, 29 • Posteriormente, pelo alvará de 28. 6. 1808, cria-se no Rio
ção contrariava a tradição e, mais do que os interesses, a individua-
ção e a soberania suprema da Igreja" 130 . O Marquês de Pombal de-
12o Cartas e outras Obras Seletas. Lisboa, Tip. Costa Sanches, 1861, v. 2,
p. 114.
fendeu a redução do número de missas e de conventos, que drenavam
121 Ibid., p. 116. os recursos suscetíveis de apropriação pelo Estado, fazendo da Igreja
122 Jbid., p. 133. "senhora de toda a monarquia, ficando o patrimônio régio na maior
123 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 107; CREZELIUS, op. cit., p. 284. indigência" 131 . Só no final do antigo regime, contudo, se agravam as
124 Le Droit de la Guerre et de la Paix, cit., liv. I, cap. II, VII, 12, v. 1, dúvidas quanto à titularidade dos dízimos, ·c omo sucede com Azeredo
p. 139. Coutinho (1816) , cuja obra , todavia, já recende o clima libnal.
us De jure naturae, Jib. VIII, cap. V, § 4; apud F. K. MANN, op. cit., p. Os dízimos foram extintos na Áustria e na Franca em 1789. No
Brasil e em Portugal, assim como na Espanha, conti~uaram a ser co-
107.
m Tratado de Direito Natural, cit., p. 117.
m Cf. W. RAINER WALZ, op. cit., p. 26. brados até o advento da revolução liberal.
128 Na Espanha a centralização ocorre em 1799; cf. M. ARTOLA. La Ha-
cienda dei Antigo Régimen, cit., p. 16. 130 Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, cit., parte I , tomo I, p. 357.
129 Cf. MELLO FREIRE, Antologia, cit., p. 13. 13 1 Cartas e outras Obras Seletas, cit., v . 2, p. 310.

72 73
Nesse período do Estado de Polícia o trabalho crítico se cifra netrar ao pensa~ento cameralista e que triunfaria no plano teórico
antes nas imunidades e nos privilégios da Igreja e do clero do que e normativo no período do liberalismo; "não se podem exigir outros
n'a fiscalidade periférica, como adiante veremos. censos e prestações além dos que claramente se contêm nas leis fo-
rais"137; "o censo apenas é devido por lei escrita ou fora!, e de modo
4.4. A fiscalidade do senhorio nenhum por costume ainda que imemorial" 138 , o que significa restri-
ção a inúmeros dispositivos das orden'ações, que autorizavam as co-
Aumenta no período do absolutismo esclarecido o controle dos branças por costume imemorial.
poderes do senhorio, que, entretanto, ainda convivem com os da rea-
leza, até a extinção de ambos no liberalismo, que todos participavam 5. A liberdade como limitação do poder fiscal do rei
solidariamente do mesmo sistema do antigo regime.
A ligerdadc do príncipe no Estado de Polícia não é uma liber-
A medida mais importante da época, que já deixa entrever in-
dade absoluta, senão que ainda convive com a liberdade estamental.
fluências libe_rais, foi a extinção da jUrisdição do senhorio e dos do-
O poder tributário centralizado na pessoa do rei não consegue ex-
natários no reinado de D. Maria I, pelo alvará de 19.7.1790. A
tinguir plenamente a fiscalidade periférica da Igreja e da nobreza,
mesma solução será adotada na Espanha, na Itália e na Áustria, cen-
como vimos, e se exerce no espaço aberto pela autolimitação da li-
tralizando-se a jurisdição132 •
berdade dos estamentos. O poder real, conseguintemente, é limitado
O absolutismo e o centralismo implicariam, também, a publi- pelas imunidades e privilégios da Igreja e da nobreza. Mas o absolu-
cização dos forais. O poder fiscal dos senhores e donatários, firmado tismo esclarecido inicia a crítica contundente desses direitos, ataca
nos forais, que apenas se extinguirá em Portugal depois de 1822, co- a Igreja e o senhorio, redireciona os privilégios para o incenti"\ÍD do
meça a se publicizar na segunda metade do século XIX, de modo gra- crescimento econômico e modifica o tratamento da questão da
dual e lento133 • Na Áustria de Maria Tereza houve reforma profunda pobreza.
e os camponeses, ao revés de pagarem 10% de sua renda à Igreja,
29% ao senhor e 34% ao Estado, passaram a pagar 30%, metade
5.1. A imunidade da Igreja
ao senhor, metade ao Estado 134 •
Pascoal de Mello Freire não contesta a tributação outorgada A imunidade da Igreja sofre algumas transformações no período
pelos forais, dado que os tributos "ninguém tem o direito de os impor do absolutismo esclarecido. Mas, fundamentalmente, persiste como
ou exigir, senão o rei ou a pessoa a quem ele os concede" 135 • Mas, intributabilidade absoluta de uma só religião, a católic'a, com o que
apesar de sua posição tradicionalista, defende algumas limitações: se mantém a mesma estruturação do poder fiscal, que só desaparecerá
"não devem ser impostos e exigidos senão na medida das possibili- com o liberalismo e a extensão da imunidade a qualquer culto.
dades dos cidadãos" 136, afirmativa da maior importância por incor- Em Portugal e no Brasil, assim como em outras monarquias
porar a referência à capacidade contribuitiva, que começava a pe- ilustradas, confiscam-se os bens da Igreja; é mais um ato de antijesui·
tismo que de anticatolicismo, embora reproduza, dois séculos depois,
132 Cf. B. CLAVERO. "Senhorio e Fazenda em Castela ... ", cit., p. 176; o processo de confisco levado a efeito pelos protestantes139 • Baixam-
ASTUTI. O Absolutismo Esclarecido em Itália . .. , cit., p. 294. se leis que extinguem a jurisdição da Igreja, proíbem os testamentos
133 Cf. A. M. HESPANHA. Poder e Instituições ... , cit., p. 62; COSTA, Mário em favor da alma, controlam a destinação dos dízimos, •tudo o que
Júlio de Almeida. "Forais". In: Dicionário de História de Portugal, cit., v. 2, contribui para o aumento da receita do Estado.
p. 279.
134 Cf. ARDANT, op. cit., v. 2, p. 63.
m Ibid., p . 32.
135 Antologia de Textos sobre Finanças e Economia, cit., p. 31. 13 8 Loc. cit.,
136 Loc. cit. 139 Cf. ARDANT, op. cit., v. 2, p. 66.

74 75
No plano teórico diversas vozes se fazem ouvir na condenação solutismo esclarecido e tornam-se alvo de medidas legislativas restri-
da imunidade aos tributos . D. Luís da Cunha, depois de observar 1ivas. Mas a modificação não é radical, posto que apenas ataca al-
que a Igreja possuía pelo menos a terça parte do reino, denuncia guns dos aspectos dos privilégios fiscais · (negativos) e muitas vezes
que "pelo decurso do tempo virá a possuir não só a terça parte, mas os substitui pelos privilégios fin anceiros (positivos), representados
a metade, porque os confessores abrem as portas do céu aos que na pelas pensões, tenças, incentivos e subsídios. Quer dizer: combatem-
hora da morte deixam às suas ordens, ou às suas Igrejas, o que se os privilégios da nobreza e do clero, mas se mantém a mesma es-
têm, privando assim os seus sucessores do que naturalmente deviam trutura econômico-fiscal que tolera a sua existência, em homenagem
herdar" 140 ; e acrescenta: "a outro abuso se devia ocorrer e vem a ser ainda a liberdades estamentais preexistentes. Há, portanto, redirecio-
os falsos patrimônios de certos bens, que os pais fazem a seus filhos namento dos privilégios, principalmente para o desenvolvimento da
para se ordenarem, a fim de que não paguem os impostos, supondo burguesia, mas não se extinguem os privilégios fiscais do clero e da
já serem bens da igreja" 141 • Alexandre de Gusmão também critica a nobreza. Bssas características aparecem em Portugal e nos demais
suntuosidade .dos templos'·~ e defende a l egi~imidade de se tributar países em que se fortalece o Estado de Polícia e se reestruturam os
o fornecimento de água à Igreja 143 • Tomás Antônio Gonzaga se esfor- interesses das diversas classes, como examinaremos adiante.
ça no sentido de distinguir a Igreja tomada como corpo místico e O redirecionamento implica a redefinição dos privilégios fis-
como corpo polHico, admitindo que, enquanto corpo político, "as cais no plano teórico. Os filósofos e juristas aprofundam-lhe o con-
disposições que como tal se fizerem são sujeitas e dependentes da au- ceito e renlçam-lhe a característica da transitoriedade e a natureza de
toridade do soberano" 144 • O Marquês de Pombal defende que os reli- mera concessão do rei, a permitir a revogação. Martini ensina: "o
giosos não podem possuir bens de raiz por mais tempo que ano e direito de conceder privilégios é direito inajestático, que a ninguém,
dia, porque, senão, se incorpo ;ariam ao patrimônio da Igreja c sai- senão ao governante, compete" 147 • Eineccio define: "Os privilégios
riam do comércio, prejudicando o erário pela perda elas sisas pelas são constituídos e com eles o governante ou por mérito concede al-
vendas 145 ; e adverte que daí não decorre qualquer "ofensa de liber- guma coisa, ou inflige uma pena extraordinária, mas de modo que
dade da Igreja", posto que se trata de limitação de privilégios dos não se transforme em regra" 148 ; e, em virtude da natureza constitu-
clérigos e não da imunidade da religião, sendo certo que "os tribu-
tiva do privilégio, tira as seguintes conseqüências: "1.0 - que só
tos devem-se aos monarcas pelo direito divino , que o pontífice não
o príncipe o concede; 2. - 0
que os magistrados não têm o direito
pode dispensar" 146 •
de concedê-lo" 149 • Tomás Antônio Gonzaga conceitua: "O privilégio
é uma faculdade constante concedida pelo monarca para se fazer al-
5.2. Os privilégios do clero e da nobreza
guma coisa já contra, já além da lci" 150 ; e distingue entre os privilé-
a) A redefinição dos privilégios gios reais (ex.: "o rei concede que os habitantes de uma terra não pa-
Os privilégios fiscais do clero e da nobreza, consubstanciados
nas isenções de pagamento de impostos, sofrem severa crítica no ab- 147 Position es de jure Civitatis, cil., cap. V, § 93, n. I e III, p. 37: " j us dandi
pril'ilegia est jus Majestaticwn, adeoque nemini, nisi Jmperanti, competens."
14' EINECCIO, Giovanni-Amadeo. Elemento di Gius Civile secando l'Or ·
140 Testamento Político, cit., p. 69.
141 dine del/e Instituzioni fu stinianee. Veneza, Francisco Andreola Ed. e Tip., 1833.
Ibid., p. 70.
142 Coleção de V árias Escritos In éditos . .. , cit., p . 218.
§ 60, p. 19: "1 P.-ivilegi adunque sono Costituzioni, col/e quali /'Imperante o
143 "Obras Várias", in: JAIME CORTESÃO. Alexandre de Gusmão e o Tra- per merito concede qualche cosa, oppure infligge una pena st raordinaria, in
tado de Madrid, cit., parte li, tomo I, p. 262. maniera pero cl1e non si traggano ad esempio".
0

144 Tratado de Direito Natural, cit., p. 118.


149 Id., ibid. , § 63, p. 19: "1.0 - che i! solo Principe li concede; 2. - clw
145 Cartas e outras Obras Seletas, cit., v. 2, p. 292. i Magistrati non hanno diritto di concederli".
146 Ibid., p. 300. tso Tratado de Direito Natural, cit., p. 148.

76 77
guem tributos") e pessoais (ex.: "o rei concede aos nobres que não os c) A aobreza
paguem") 151•
A centralização do poder fiscal nas mãos do rei, que implicou
b) O clero a limitação da jurisdição dos donatários, como vimos, vai conduzir
também à modificação da estrutura dos seus privilégios. Mas no Es-
Os privilégios fiscais do clero passam por severa crítica e so- tado de Polícia a questão dos privilégios da nobreza não sofre trans-
frem diversas limitações no Estado de Polícia. O fenômeno ocorre formação radical, senão que apenas muda de direção. A perda de
em Portugal e em outras monarquias ilustradas e tem como alvo prin- alguns privilégios fiscais é compensada com os subsídios e pensões 159
cipal os jesuítas 152 • e inúmeras outras concessões, como o fortalecimento da instituição
A doutrina que se elabora naquela época denota especial preo- do morgadio 160 • A ascensão da burguesia, por outro lado, traz a ne-
cupação com os privilégios, a ociosidade e a riqueza dos clérigos. cessidade-.~de se lhe concederem também alguns benefícios, em detri-
Alexandre de Gusmão critica "as isenções e liberdades", que dão ori- mento da aristocracia161 • Há, conseguintemente, reequilíbrio de for-
gem às divisões na lgreja153 . D . Luís da Cunha combate as isenções ças: "os grupos privilegiados garantem-se no Estado; o Estado garan-
do clero, pois "antes é justo que todos concorram para as despesas te-se nos grupos privilegiados" 162 • Mas inexiste, em qualquer momen-
do Estado, que se obriga a conservar-lhes a posse em paz e quieta- to, a tentativa de extinção pura e simples dos privilégios de classes
ção"154. Tomás Antônio Gonzaga examina minuciosamente a questão.
ou grupos, coisa que só acontecerá com o liberalismo.
"Os clérigos são vassalos como os seculares: não há uma só razão
que os isente da jurisdição do príncipe. Gozam da utilidade da segu- No plano do pensamento a novidade é a crítica à nobreza. Filó-
rança como os mais; logo, também devem contribuir sem a menor sofos, moralistas e juristas radicam a nobreza no próprio mérito da
diferença. . . Cristo não os quis isentar dos tributos. . . Logo, ainda pessoa, e não mais nas condições de nascimento ou de riqueza mate-
que este texto (Math., cap. 17, n. 24 e seg.) falasse dos sacerdotes, rial, com o que se abrirá o caminho para que os nobres passem a
dele não se colige que eles são isentos do poder dos reis por direito exercer atividades produtivas e para que se lhes diminuam alguns
divino, mas sim por concessão dos mesmos reis." 155 Pombal defende privilégios. Verney é o exemplo mais .notável, ao dedicar longo capí-
o direito "não só de impor tributos às pessoas, e aos bens dos ecle-
159 Cf. JORGE DE MACEDO. A Situação Econômica no Tempo de Pombal,
siásticos , mas até privá-los da aquisição dos bens de raiz" 156, "para
cit., p. 152; A. M. HESPANHA. Poder e Instituição . .. , cit., p. 52.
que os vassalos seculares não se queixem por ter sobre si todo o peso
160 O morgadio foi reformulado pelas leis de 1765 e 1769, a exemplo do que
dos tributos com que gemem" 157 • Na obra de Antônio Ribeiro dos acontecia na Espanha (mayorazgo) e na Alemanha (Fideikomisse), sob o influxo
Santos as isenções dos clérigos não emanam do poder do papa, mas das idéias de Heinécio e outros autores germânicos. MELLO FREIRE. Antolo-
da graça dos príncipes seculares 158 • gia .. . , cit. , p. 197, define-o: " O direito de suceder nos bens deixados com a
condição de estes se conservarem perpetuamente íntegros na família e serem
151 Ibid. , p. 149. deferidos por ordem sucessiva a qualquer primogênito mais próximo."
152 Cf. JORGE DE MACEDO. A Situação Econômica no Tempo de Pombal, !61 Cf. CABRAL DE MONCADA. Estudos de História do Direito, cit.,
cit., p. 40; ARDANT, op. cit., v. 2, p. 66; M. ARTOLA. La Hacienda dei v. 3, p. 55: "enaltecer a burguesia, a filha predileta do absolutismo antifeu-
Antiguo Régimen, cit., p. 299; F. J. CALAZANS FALCON. Despotismo Es- dal, condenando numa sentença de morte a nobreza histórica e contrapondo
clarecido, cit., p. 20. aos privilégios militares desta e às suas origens feudais os novos títulos da
m Coleção de Vários Escritos Inéditos, cit., p. 236. classe média, fundados no mérito das 'luzes'"; LUIS W. VITA. Panorama de
154 Testamento político, cit., p. 71. Filosofia no Brasil, cit., p. 29 . O fenômeno ocorre também em outros países
155 Tratado de Direito Natural, cit., p. 112. em que predomina a Polizei; cf. J. HABERMAS, Strukturwandel der offent-
156 Cartas e outras Obras Seletas, cit., v. 2, p. 310. lichkeit, cit., p. 33.
157 Ibid., p. 305. 162 JORGE DE MACEDO. A Situação Econômica no Tempo de Pombal, cit.,
158 Cf. JOS! ESTEVES PEREIRA, op. cit., p. 168. p. 151.

78 79
tl'lo ao tema , no qual afirma que: "a origem de toda a nobreza é a indu strialização. 16 ~ D. Luís da Cunha sugeria "que ficasse livre de
virtude. Esta nobreza, ainda que adventícia, pode-se-lhe chamar pagar algum impÔsto todo lavrador que tivesse três filhos, porque
natural; os empregos são a nobreza civil; os filhos destes têm a no- esta isenção os convidaria a não ficarem ·solteiros" 169 • Francisco Coe-
breza hereditária, que é o ínfimo grau da nobreza" 163 • Na obra de lho de Souza c Sampaio dedicou um capítulo de sua obra ao direito
Matias Aires vamos encontrar o elogio da nobreza do espírito e não da polícia e aos seus objetos particulares: "Por Direito da Polícia
da nob reza da carne e a teoria absolutista de que a nobreza é atri- entendemos a autoridade, que os príncipes têm para estabelecer
buto concedido pelo monarca: "Os reis são os que glorificam os ho- c prover os meios, e subsídios, que facilitem, e promovam a ob-
mens, is to é, os que os enobrecem; e desta sorte recebem a nobreza servância das suas leis. Os meios são principalmente a cultura das
por graça, c não por sucessão; por favor, e não por herança." 164 Os disciplinas, o aumento da população, a saúde dos povos, o comércio,
fisiocratas, especialmente Vandelli, protestarão mais tarde contra as a agricultura, as manufaturas" 170 • O bispo Aze;cdo Coutinho defen-
usurpações e tiranias dos nobres, repletos de privilégios não acom- dia, com-.~;rmita ênfase, as isenções pa ra a agricultura : "A extinção
panhados de virtud eslG 5 • Até o poeta Tomás Antônio Gonzaga critica dos direitos das madeiras neste reino, não se pode dizer que é uma
a nobreza: rerda para o erário régio; é um erro muito grosseiro, e mesmo des-
truidor do bem do Estado, querer aumentar os rendimentos do so-
"Que império, Doroteu, que império pode berano, sem aumentar a opulência geral do Estado. A economia de
Um povo sustentar, que só se forma um reino é muito diferente da de um particular; a razão é clara.
De nobres sem ofícios? Estes membros 1. 0 - o dinheiro que sai da bolsa de um particular, sai para sempre;
Não amam, como devem, as virtudes, o que sai dos cofres do Estado, entra todo no Estado; e é muito. raro
Seguem à rédea solta os torpes vícios." 166 que este dinheiro passe por alguma mão, sem que deixe algum·· pro·
veito" 171 .
A crítica à nobreza e a reformulação de alguns de seus privilé- O tema dos privilégios no Estado de Polícia luso-brasileiro é
r:os vêm acompanhadas da política intervencionista de concessão de muito importante porque até hoje pouco nos conseguimos libertar de
subsídios e incentivos fiscais e financeiros à parcela da nobreza coop- sua concepção fundamental. Bem é verdade que mudam eles de sen-
tada e à burguesia. A agricultura, a mineração e a atividade indus- tido no liberalismo, como veremos adiante. Nada obstante, temos se-
trial recebem tratamento preferencial, financiado principalmente com
guido, especialmente nos períodos de autoritarismo, a política pater-
o dinheiro proveniente das alfândegas. Duvidoso, até hoje, é que
nalista de privilégios fiscais e financeiros indiscriminados à burguesia,
aquela polí tica de implan tação de manufaturas exóticas e de auxílio
à agricultura improdutiva tenha produzido resultados satisfatórios 167 • empobrecendo os assalariados e inibindo o aprimoramento da idéia
De q ualquer forma essas idéias, em boa parte inspiradas pelos mer- de privilégio da cidadania, própria do Estado de Direito.
cantilistas e fisiocratas, tiveram largo trânsito no pensamento luso-
brasileiro. Alexandre de Gusmão recomendava o apoio financeiro à 5.3. A questão da pobreza

163 O Verdadeiro Método de Estudar, cit., v. III, p. 267.


A questão da pobreza começa a receber tratamento diferente no
164 Reflexões sobre a Vaidade, cit., p. 145. Estado de Polícia.
165 Cf. CABRAL DE MONCADA. Estudos de História .. . , v. 2, p. 106.
1
66 Cartas Chilenas. São Paulo, Livraria Martins Editora, s./d., 91!- carta, p. 129. 168 Cf. CALVET DE MAGALHÃES, op. cit., p. 358.
167 Cf. OLIVEIRA MARTINS, J. P. História da Civilização Ib érica. Li sboa,
169 Testamento Político, cit., p. 72.
Ber trand, 1880, p. 280; RUI BARBOSA. " O Centená rio do Marquês de Pom-
bal", cit., p. 201; JORGE DE MACEDO. A Situação Econôm ica no Tempo ·17J Preleções de Direito Pátrio . . . , cit., p. 422.
de Pombal, cit., p. 257. 171 Ensaio Econômico sobre o Comércio de Portugal e suas Colônias, cit., p. 184.

80 81
Recorde-se que no Estado Patrimonial Estamental vigoravam não se vê- um só pqbre, nem às portas das igrejas, rtent nás ruas, que
duas ordens de idéias: era a primeira que o pobre também deveria embaraçam os que vão à missa, e os que por eles passam" 177 . Eduardo
pagar o imposto, eis que o fundamento da tributação estava no prin- Job diz que "aqueles que têm bens supérfluos estão obrigados por
cípio da proporcionalidade, recaindo a imposição maior sobre os ri- lei natural a dar esmolas aos necessitados", mas adverte que "não
cos; a outra, a de que incumbia à Igreja e aos católicos ricos a assis- se devem contar como necessitados aqueles que podem prover ao seu
tência social aos pobres. sustento, vestido e outras necessidades da vida, e o não querem fazer
No Estado de Polícia - época de transição - alteram-se aque- por preguiça" 178 . :É interessante observar que essa distinção entre as
las concepções: procura-se aliviar a tributação dos pobres e transfe- causas da pobreza já fora indicada por Colbert 179 e vai ter impor-
rir para o Estado a sua proteção. tância decisiva na política assistencial do liberalismo.
De feito, a idéia de que a proporcionalidade é injusta, por atin-
gir pelas mesmas alíquotas os ricos e os pobres, fortalece-se no ca- 6. O preÇo da liberdade
meralismo. Inicia-se a defesa da progressividade da tributação, limi-
tada , porém, pela imunidade do mínimo existencial, com a retirada Modifica-se profundamente, no Estado de Polícia, o conceito de
do campo da incidência fiscal daquelas pessoas que não possuem ri- tributo como preço da liberdade.
queza mínima para o seu sustento 172 • A legislação de D. Maria, de No Estado Patrimonial Estamental o imposto libertava o homem
17 de dezembro de 1789, alivia a sujeição fiscal dos pobres. npenas da obrigação do serviço militar. Em contrapartida, oprimia-
Por outro lado se transfere a assistência social aos pobres da lhe a liberdade pela condenação da riqueza, do trabalho e da usura.
Igreja para o Estado. Na Alemanha os príncipes adquirem o direito Agora, na fase do absolutismo esclarecido, o tributo é o fiador
de proteção e assistência (Schutz und Hilfe) 173 • Na Inglaterra a legis- da conquista da riqueza e da felicidade, da liberdade de trabalho e
lação dos pobres, desde Elizabeth I (1533-1603), atribuía ao Estado do incentivo ao lucro no comércio e no câmbio.
o dever de assistência 174 • Na Áustria D. José criou o Fundo do Es- Conseguintemente, o imposto passa de forma de opressão da li-
tado para a Pobreza, em 1781 175 • Na França predominam as idéias berdade a preço da liberdade. Antecipam-se, pois, algumas conquis-
contrárias à esmola, defendidas por Colbert. Em Portugal modifica-se tas que serão aprofundadas e complementadas no Estado de Direito.
também o enfoque da obrigação de conceder esmolas. O decreto de
4 de novembro de 1755 estabelecia normas para o controle da va- 6.1. A riqueza e a felicidade do príncipe e do súdito
gabundagem e da mendicidade, às quais se ·a tribuía a origem da cri-
minalidade176. D. Luís da Cunha recomenda que não se permita aos Na época do patrimonialismo estamental, como vimos, o rei era
pobres "que peçam esmola senão os que absolutamente, e de nenhu- rico e o povo, pobre. Condenava-se a riqueza, a não ser a do mo-
ma sorte não puderem trabalhar. Isto se pratica na Holanda, onde narca e da_Igreja, que reverteriam em benefício do povo. As finanças
baseâvam-se no tesouro do rei.
17J. Cf. FLAVIO BAUER NOVELLI, op. cit., p. 41; F. K. MANN, op. cit.,
p. 160; WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 273.
No Estado de Polícia, a coincidir com a ascensão da burguesia,
173 Cf. O. BRUNNER. "Die "Freiheitsrechte in der altstandische Gesellschaft", os reinos tornam-se mais ricos e os Estados têm a necessidade de
cit., p. 33.
174 Cf. PAIM, Antônio. "A Questão da Pobreza". Carta Mensal da Confedera- 177 Testamento Político, cit., p. 53.
ção Nacional do Comércio, 1988, 34(40), p. 30; HUNT e SHERMAN, op. cit., 17S Instituições de Filosofia Prática, cit., §§ 14 e 142, p. 63.
p. 45. 179 Colbert criticava os "que dão esmolas às cegas sem fazer qualquer distinção
175 Cf. CALAZANS FALCON, op. cit., p. 34. entre os casos individuais" e as "esmolas públicas que são dadas sem razão ou
17
~ Cf. TORRES, Ruy d'Abreu. "Mendicidade". In: Dicionário de Hist6ria qualquer conhecimento de indigência". (Apud CALVET DE MAGALHÃES.
de Portugal, cit., v. UI, p. 19. op. cit., p. 150.)

82 83
aumentar a sua base tributária 180 • A riqueza, antes condenada, passa queza" 18 ~ . Mais tarde o fisiocrata Antônio Rodrigues de Brito, pai
a ser louvada pelo iluminismo e tem o seu conceito dilargado: não é insistirá na necessiaade da riqueza, que deve vir da agricultura e das
apenas a riqueza do príncipe, mas a dele e a do povo, conjunta- manufaturas: "os fins do legislador podem ser diferentes: mas no
mente. Só a riqueza dos súditos, sujeita aos tributos, pode proporcio- estado atual d~ Europa . . . devem reduzir-se a um, que é a riqueza,
nar a riqueza do príncipe 1 81 • A felicidade do Estado cons iste nesse como objeto de toda a república européia" 189 •
bem-estar dos súditos sob a orientação dos príncipes esclarecidosm.
As finanças públicas já não dependem do entesouramento, mas do 6.2. O trabalho
comércio e das manufaturas .
Essas idéias penetram também em Portugal e no Bra s iP ~ 3 • D. L~1ís Outra modificação extraordinária no Estado de Polícia deu-se
da Cunha criticava o confisco dos bens dos judeus, pelo grande pre- com a adoção das primícias de uma ética do trabalho. As atividades
juízo que causava ao comércio 184 • Heinécio admitia a riqueza como do comér~jo , da lavoura e das manufaturas tornam-se suscetíveis
virtude, sem, todavia , confundi-la com o sumo bem, ou a felicida- de imposiÇão tributária e o trabalho aparece imbricado com ou-
de1~r.. Vcrncy afirma: "Senza l'A gricoltura, le Arti, ed il Commerzio, tras variáveis: a riqueza, o combate à nobreza e ao clero ociosos,
la Reppublica e w1 cadavero: c sensa vassali ricchi nium sovrano e a condenação da pobreza preguiçosa. Os diversos Estados adotam po-
ricco" 1c6 • Ed ua rdo Job, no compêndio tão divulgado, aconselha: lítica efetiva de combate à ociosidade e de incremento às atividades
produtivas, inclusive com a liberdade de escolha da profisssão • ~.
190
"Cuida em adquirir bens e riquezas e conservar as adquiridas : na
verdade, estas coisas são aquilo de que carecemos, tanto para a ne- portanto, uma situação bem diferente da que prevalecia no patri-
cessidade como pa ·a a comodidade e para o prazer da vida." 187 O monialismo estamental, com a condenação da riqueza e o elogio da
Marquês de Pombal registra: ". . . não houve jamais rei rico com pobreza e da nobreza. ·
povo pobre. A fazenda real não tem mais que dois movimentos, um A ética do trabalho corporifica-se sobretudo na condenação do
191
que a leva ao príncipe e outro que a remete ao povo; quando este ócio, que em Portugal se transformara em imposto negativo • Ale-
está obrigado a buscar o necessário alimento entre outras nações, xandre de Gusmão investe contra a multiplicidade dos conventos, a
para comer, c para o vestido, esgota continuamente o fisco , o que faz , ociosidade dos dérigos e ".sua vida vagamunda" 192 • D. Luís da Cunha
enfim, que nem ele, nem o Estado , nem o príncipe tenham mais ri- diz que "a caridade é muito -louvável, e o Evangelho a recomenda,
mas não para que contribua para a ociosidade, de que resulta toda
180 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 297; F. K. MANN, op. cit., p. 6; a espécie de vício" 193 e sugere a tributação dos preguiçosos: "mas
A. M. HESPANHA. Poder e Instituições . .. , cit., p. 15. como o mal dos portugueses seja a sua grande preguiça, os carregaria
181 Cf. P. SCHIERA. Estado de Polícia, cit., p. 412; E. HECKSCHER, op. cit., de mais tributos, exceto nas coisas absolutamente necessárias para o
p. 25. sustento da vida ... porque a polícia do seu governo .(da Holanda e
182 O camcralista austríaco J. V. SONNENFELS , tão influ ~nte na cort~ de
Inglaterra) é de os empobrecer, para que a miséria obrigue ou a tra-
Maria Teresa, afirmava: "O bem-estar de cada um depende do bem-estar de
todos; mas também o bem-estar do todo provém apenas do bem-estar das balhar nas terras ou a servir nas tropas, sendo tão bem certo que
partes." ("Die Wohlfahrt der Theile gründet sich auf die Wohlfahrt des Ganzen;
aber auch die Wohlfahrt des Ganzen entspringt nur aus der Theile"); apud 188 Cartas e outras Obras Seletas, cit., v. 2, p. 115.
E. BUSSI, op. cit., p. 816. 189 Apud CABRAL DE MONCADA. Subsídios . .. , p. 30.
183 Cf. A. PAIM. A Querela do Estatismo, cit., p . 24; "Pombal formou uma I% Cf. J. CALVET DE MAGALHÃES, op. cit., p. 359.
geração que acreditava na legitimidade da riqueza." 191 RUI BARBOSA. " O Centenário do Marquês de Pombal", cit., p. 199: " As
184 Testamento Político, cit., p. 87. procissões, as romarias, as festas religiosas sobrecarregavam a mi ~erável multi-
tss Elementos de Filosofia Moral, cit., p . 65. dão proletária com o imposto da ociosidade forçada ."
186 "Cartas a Francisco de Almada e Mendonça", cit., p. 409 . 192 Coleção de Vários Escritos, cit., p. 232 .
l87 !11stituições de Filoso fia Prática, cit., § 117, 1. , p. 51. t93 Testamento Político, cit., p. 53.
0

84 85
ninguém se quer deixar morrer de fome , de sorte que a obrigação de de usura· quase setnpre se entendem juros imoderados", se manifesta
pagarem os impostos forçaria os nossos povos a serem mais labo- de modo semelhante: "Os juros em certos .casos são lícitos, em outros
riosos"194. A crítica de Verney à nobreza, que antes examinamos, ilícitos, porque: 1.0 ) quando o credor tivesse um lucro igual ou maior
tinha o objetivo fundamental de fazê-la trabalhar e produzir, como com o dinheiro emprestado, com o qual lucro o devedor enriquece,
diria em outra passagem de sua obra: "Promovere il commercio con claro está ser justo que o credor tenha parte nesse lucro; 2.0 ) quando,
onori. Invitare i Nobili ad esercitarvisi. Far legge che i Nobili possa- porém, o credor não tira lucro algum do dinheiro e o devedor, pelo
no esercitare la Ínercatura grossa: e che non gli pregiudichi la pie- contrário, carece de coisas necessárias, bem se vê ser injusto extor-
cola, quando la lasceranno." 195 Heinécio condenava a prodigalidade quirem-se usuras." 199 Pombal critica os juros imoderados cobrados
consubstanciada no "engordar ventres ociosos"196 • Pombal atribuiu pelos clérigos: "Tomam dinheiro a juros por um e meio até três, ou
aos ingleses, contra os quais se deveria reagir, a culpa pela ociosi-
para edifi~rem contra a intenção da lei do reino, ou para negociarem
dade dos portugueses: "A nação caiu em uma espécie de frio letár-
dando a cinco ou a seis por cento, como o certificam as notas e car-
gico: a ociosidade e a preguiça senhoréaram-se de todos os corações,
tórios. " 200
não deixando neles lugar para as outras paixões; e a indolência dos
De notar que a mudança na ideologia coincide com a nova si-
portugueses aumentou-se à medida do grau de grandeza, a que subià
tuação do Estado de Polícia. Nele as finanças públicas assumem im-
a avareza britânica." 197
portância maior, e as despesas do Estado são cobertas com o incre-
mento da base tributária e com os empréstimos garantidos principal-
6.3. A usura
mente com a arrecadação dos impostos. E empréstimo, obviamen.te,
Modifica-se também no Estado de Polícia o conceito de usura, não existe sem o pagamento de juros. Para o financiamento das ne-
admitindo-se a cobrança dos juros, dentro de certos limites; antes, cessidades do Estado e para a administração do crédito público
como vimos, condenava-se a percepção de vantagens que desnatu- criam-se os grandes bancos nacionais: o da Inglaterra (1694), o de
rassem os contratos comutativos. Tomás Antônio Gonzaga escreveu Berlim (177 5), o de Viena (1703), o do Brasil { 1808) 201 . Os escritos
sobre o tema, buscando no Direito Natural a justificativa para a co- do italiano Domingos Vandelli, que viveu em Portugal, influencia-
branç·a dos juros: "A natureza não quer que o accipiente se ame mais ram na criação do Banco do Brasil: "quaisquer operações de finan-
do que quer que se ame o mutuante. Eis aqui pois a natural igual- ças que não seja um banco me parecem inúteis no atual estado de
dade do contrato das usuras. O accipiente fica desobrigado de entre- coisas ... "; "este banco poderá emprestar somas consideráveis ao
gar a quantidade de que é dever, ainda que lhe peçam, aumentando real erário, ·além dos adiantados rendimentos dos contratos, com mo-
o patrimônio com os lucros dela. O mutuante fica recebendo um derado juro, e aumentar o numerário em circulação como bilhetes"202 .
certo prêmio equivalente ao direito de que cede, aos lucros de que
se priva e aos danos a que se expõe; assim fica igual a convenção, 199 Instituições de Filosofia Prática, cit., § 166, p. 73.
não recaindo todo o dano sobre quem empresta nem todo o cômodo 200 Cartas e outras Obras Seletas, cit., v. 2, p. 313.
201 Cf. FLAVIO BAUER NOVELLI, op. cit., p. 28; WEBER/WILDAWSKY,
sobre quem recebe." 198 Eduardo Job, depois de dizer que "pelo nome
op. cit., p. 256; MELO FRANCO, Afonso Arinos. História do Banco do Brasil.
São Paulo, Associação Comercial, s./d., p. 8: "A necessidade de um banco, para
194 Instruções Inéditas de D. Luís da Cunha a Marco Antônio Azeredo Couti- Portugal, em fins do século XVIII, era um imperativo muito mais financeiro
nho. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1929, p. 191. que econômico. Em outras palavras, o banco se tornara, então, urgentemente
195 "Cartas a Francisco de Almada e Mendonça", cit., p. 409. necessário, como entidade centralizadora e pública, capaz de obviar à escassez
196 Elementos de Filosofia Moral, cit., p. 84. de moeda circulante e não como força de propulsão e de fomento das ativi-
197 Cartas e outras Obras Seletas, cit., v. 2, p. 107. dades da economia social."
198 "Cartas sobre a Usura". Obras Completas de Tomás Antônio Gonzaga. 202
Apud AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO. História do Banco do
Rio de Janeiro, MEC, 1957, v. 11, p. 160. Brasil, cit., p. 6.

86 87
7. A opressão da liberdade xandre çle Gusmão adverte '' ... que o fruto da permissão projetada
em favor dos bm:dadores do país viria a redundar pela maior parte
No Estado de Polícia utiliza-se o imposto como instrumento de em conveniência dos de fora, e a tirar-nos do reino tanto ou mais
conquista da liberdade, restringindo-se as formas de opressão; assim dinheiro do que antes saía pelo luxo do ouro e prata" 207 ; aceita a pin-
acontece, como acabamos de ver, com a riqueza e a usura. Mantêm se, tura convencional, mas não a das roupas e carruagens: "porém quan-
todavia, algumas proibições e ofensas à liberdade, que só no libera- do à pintura e ao desenho se aplica v. g. para bordar vestidos e para
lismo desaparecerão: a proibição do luxo, o confisco, a derrama. ornar coches, a arquitetura para dourar paredes e tetos, e a escultura
para entalhar carruagens e móveis de pouca duração, então já o que
7 .1. A proibição do luxo resulta destas artes não é magnificência útil ao Estado, senão luxo
pernicioso; porque o seu produto incomoda as famílias em geral in-
No absolutismo esclarecido continua proibido o luxo. As prag- troduzindo emulação e despesa em coisas que com breve uso se con-
máticas e os alvarás se sucedem na Alemanha (1752, 1774), na Áus- somem."208. D. Luís da Cunha investe contra as importações de produ-
tria (1749, 1756, 1766), na Espanha (1771) e em Portugal (1749, tos supérfluos, especialmente "uma droga a que chamam moda" e
1751, 1756, 1761) 203 • Aqueles países, entretanto, que não adotaram expõe assim as suas idéias a respeito do assunto. de sabor tipicamente
o intervencionismo e que já caminhavam para a industrialização, mercantilista: "a principal seria examinar quais são as fazendas es-
como a Inglaterra e a França, permitiram e incentivaram desde o trangeiras, que poderíamos proibir por totalmente inúteis, quais
século XVII o consumo do luxo, sobre o qual passava a incidir o poderíamos nós mesmos fabricar para deles não necessitarmos, e
tributo201 • quais poderíamos navegar nos nossos navios, tirando-as em dire,itura
dos lugares, aonde vão buscá-las os holandeses, para as mandarêm a
No plano teórico a justificativa se cifra no argumento econômi-
Portugal" 209 • O Marquês de Pombal observa que o luxo pode até ser
co de cunho mercantilista, e não mais nos motivos éticos ou religio-
útil em alguns países, a depender de circunstâncias particulares, cons-
sos. Em Portugal aprofunda-se a meditação sobre os inconvenientes
tituindo um "negócio de Estado"; mas estabelece a regra geral:
do luxo, com a recusa consciente dos argumentos desenvolvidos pelos
"Quando uma nação não tem em si as primeiras matérias do seu luxo,
autores estrangeiros, especialmente franceses, que o defendiam205, mas
ele é sempre prejudicial, porque sucede ordinariamente que a van-
em plena consonância com a reflexão iluminista e cameralista205 • Ale-
tagem da manobra não contrapesa este primeiro inconveniente. Os
203 Alvará de 17.8.1761 aboliu "as supérfluas e dispendiosas ostentações dos Estados pobres são os que ficam vencidos pelo luxo, porque não têm
casamentos públicos, que arruinavam as casas da nobreza", e reprovou "as meios de suprir as desordens que o mesmo luxo lhes causa sempre ...
abusivas cerimônias que se praticavam nos nojos e encerras pelas viúvas e Toda a sorte de luxo em Portugal enfraquece a monarquia, porque
parentes no primeiro grau de ambos os sexos".
2<» Cf. STOLLEIS. Pecunia Nervus Rerum, cil., p. 53; WEBER/WILDAWS-
se que afinal são reduzidos à pobreza e à necessidade. e carecem do neces-
KY, op. cit., p. 233. sário para a vida"; o cameralista austríaco SONNENFELS (apud STOLLEIS.
2IJ5 Cf. JORGE BORGES DE MACEDO. Estrangeirados, um Conceito a Re- Pecunia Nervus Rerum, cit., p. 52), que tanta influência teve na corte de
ver, cit., p. 43. Maria Teresa, aceitava em geral o luxo, com uma ressalva: "quando as mer-
206 ~ imensa a literatura alemã, austríaca e italiana de condenação do luxo: A. cadorias, necessárias ao luxo, não forem produzidas no país, mas no estrangeiro,
GENUENSI. De jure et Ojiciis, cit., lib. I, cap. XII, § 11, p. 141: "Jd habet pois assim não se elevará o nível de empregos , antes diminuirá".
haec Politica pessimi, quod luxus, ut ait in Catilina Sallustius, nullius terminis 21
" "Parecer sobre o projeto de alvará que altera a lei pragmática. Fins de
coerceri patitur, ut si cance/los perruperil, aplior sit perdendae civitali, quam
1750". In: CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid,
servandae"; EDUARDO JOB. Instituições de Filosofia Prática, cit., p. 109: cit., parte V, p. 489.
"Os amadores da profissão das riquezas, e do luxo imoderado devem cair em 208 lbid., p. 493.
si à vista dos ·tristíssimos efeitos destes vícios; porque como eles gastam 209
mais do que a necessidade da vida, ou a decência do seu estado exige, segue- Testamento Político, cit., p. 96.

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sua primeira fonte está fora do reino" 210 • Francisco Coelho de Souza em renovar e aumentar as sobreditas manufaturas" 215 • Mas a tônica
e Sampaio observa que "nada há mais prejudicial, e contrário à con- era a da aceitação do confisco, ademais autorizada por legislação se-
servação dos bens, que o abuso do luxo, e principalmente dos gêneros dimentada216.
estrangeiros, que não só dissipam os bens dos particulares, mas absor-
vem as rique:ros do Bstado"211 • O economista José Veríssimo Alvares 7 .3. A resistência à opressão
da Silva modifica mais tarde o teor da argumentação e restringe a
condenação do luxo: "Propomo-nos mostrar as verdadeiras causas a) O poder irresistível
por que o luxo tem sido nocivo aos portugueses, as quais evitadas, Na Escolástica, como examinamos antes, defendia-se o direito
em lugar de ser danoso, seria antes uma fonte de riquezas, pela qual de resistência às leis injustas e aos tiranos. No iluminismo que deu
a nação se faria florescente, assim como se fizeram aquelas que fo- a sustentação ideológica do absolutismo esclarecido inverte-se o pen-
ram atentas aos seus verdadeiros interesses. Os prejuízos comuns samento, -.é a resistência passa a ser condenada. Só mais tarde, com
olham o luxo como oposto à moral s·anta do Evangelho, e como pre- o advento do liberalismo, os países que viveram o Estado de Polícia
judicial ao b.em da República; porém o espírito filosófico, não pa- desenvolvem a teoria da resistência à opressão da liberdade, quase
rando na aparência das coisas, o olha em bem diverso ponto de sempre sob a inspiração das idéias vindas da Inglaterra.
vista." 212 Coube a Pufendorf e a Wolf classificarem o poder do príncipe
como irresistível: ainda na hipótese de injustiça ou de desrespeito à
7.2. Confisco liberdade os súditos deveriam respeitar a ordem superior217 • Em Por-
tugal e no Br'asil a denúncia da injustiça se faz com referênciâ· aos
No período do Estado de Polícia mantém-se a política de con- tempos antigos e heróicos, como é o caso de D. Luís da Cunha, ao
fiscos, especialmente dos bens da Igreja e dos judeus. Só no libera- se referir ao domínio da Espanha: "Foi neste tempo lamentável que
lismo vai se afirmar a proibição de confisco como garantia da os povos viveram oprimidos dos mais injustos e pesados tributos.
liberdade. Vieira chega a dizer que até no caroço da massaroca e da azeitona
A reflexão ética e jurídica sobre o confisco é pequena, anteci- puseram tributo." 218 Mas a idéia prevalecente é a da obediência. Ale-
pando-se alguns autores, através de argumentos de conveniência eco- xandre de Gusmão, em longo parecer, criticou a lei de 3 de dezem-
nômica, em sua condenação 213 • Em Portugal destacou-se D. Luís da bro de 1750, que estabelecera o quinto do puro e a derrama, mani-
Cunha: após observar que "diariamente com medo dela (Inquisição) festando-se pela superioridade do sistema anterior da capitação (Re-
estão saindo de Portugal com os seus cabedais os chamados cristãos gimento de 1737), que, a seu ver, seria mais justo e permitiria maior
novos" 214 , volta a falar dos judeus, "dizendo que se lhes deve dar, arrecadação, observando que "os eclesiásticos, para se justificarem
de um modo ou de outro, liberdade de religião e segurança de que do descaminho do ouro que freqüentemente praticam, têm semeado
os seus bens não serão confiscados, e lhes será necessário empregá-los
a pestífera doutrina de que a fraude dos quintos não pede restitui-
ção, por ter pena civil quando chega a descobrir-se" 219 • Tomás Antô-
21o Cartas e outras Obras Seletas, cit., p. 156.
211 Preleções de Direito Pátrio, cit., p. 437.
nio Gonzaga afirmava: "o rei não pode ser de forma alguma subor-
212 "Memória. Das verdadeiras causas porque o luxo tem sido nocivo aos
215 Ibid., p. 99.
Portugueses". In: Memórias Econômicas da Academia Real das Ciências de
216 Cf. POMBAL. Cartas e outras Obras Seletas, cit., v. 2, p. 292.
Lisboa para o Adiantamento da Agricultura, das Artes e da Indústria em Por-
217
tugal e suas Conquistas. Lisboa, Oficina da Academia Real das Ciências, 1789, Cf. ASTUTI. "O Absolutismo Esclarecido em Itália", cit., p. 273; O. GIER-
tomo I, p. 207. KE, op. cit., p. 337; U. SCHEUNER, op. cit., p. 144.
218
213 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 23. Obras Inéditas ... , cit., v. 1, p. 6.
219
214 Testamento Político, cit., p. 75. Coleção de Vários Escritos Inéditos , cit., p. 91.

90 91
dinado ao povo; e por isso ainda que o rei governe mal e cometa scmegação fi scal, do extravio do ouro e da revolta contra a derrama,
algum delito, nem por isso o povo se pode armar de castigos contra que, dialeticamente, geravam mais opressão. A copiosa legislação
ele. Já mostramos que os delitos do rei não podem ter outro juiz para evitar a sonegação e o contrabando fornece os suhsídios para 0
senão a Deus" 220 ; e até sob a forma de poesia defende o absolutismo: exame da matéria . Da mesma forma os projetos de lei, os pareceres
"Eis aqui, Doroteu, o que nos nega e os conselhos, alguns elaborados com prudência e conhecimento de
Uma heróica virtude. Um louco chefe causa, bem como as devassas dos movimentos revolucionários cons-
O poder o exercita do monarca tituem fonte para o estudo da prática da resistência à injustiça fiscal,
que não é objeto do discurso dos oprimidos, mas dos opressores.
E os súditos não devem nem fugir-lhe
Nem tirar-lhe da mão a injusta espada. O ouro do Brasil, de acordo com as ordenações e a legislação
Mas , caro Doroteu, um chefe destes extr~vagante elaborada no século XVII e nas primeiras décadas do
Só vem para castigo de pecados." 221 século XVIII , pagava o quinto a el-rei. A evasão, entretanto, se avolu-
mou , levando à substituição do sistema do quinto pelo da capitação
A denúncia da opressão é obra liberaF 22 e não aparece sequer na (1733 e 1737) - em que a incidência se fazia de acordo com o m~une­
Inconfidência Mineira, de modo consciente e articulado , como vere- ro de escravos empregados na mineração - proposto por Alexandre
mos adiante.
Je Gusmão para evitar os descaminhos, a fraude e o roubo. Posterior-
mente, já sob a inspiração do Marquês de Pombal (alvará de
b) A opressão fiscal estrangeira
5. 12. 1750), aboliu-se a capitação e se restabeleceu a cob_rança dos
A resistência à opressão fiscal estrangeira, todavia, era bem forte quintos, com a possibilidade da derrama, isto é, da contribuição im-
na doutrina luso-brasileira. Pombal escreveu muito acerca da domi- posta para que se preenchessem as 100 arrobas em que se achavam
nação inglesa, que se mantinha com o ouro do Brasil, sendo Portugal orçados os quintos devidos. Nos primeiros anos do novo sistema
"a causa, e no mesmo tempo, efeito dos progressos da indústria da conseguiu-se a arrecadação mínima, coisa que, a partir de 1763, dei-
Inglaterra" 223 ; denunciou os diversos mecanismos da opressão, par- xou de acontecer, crescendo a ameaça da derrama226 •
ticularmente a doutrina de que o ouro era mercadoria234 e a introdu-
Diversos escritores, todos eles vinculados ao absolutismo, se ma-
ção do luxo, pois "cada moda estrangeira punha um novo imposto,
nifestaram a respeito da cobrança dos direitos sobre o ouro do Brasil,
nas riquezas do Estado"225 •
já para propor medidas mais eficazes para o combate à sonegação, já
para advertir sobre o perigo do excesso de violência e de opressão
c) A questão do ouro
fiscal. O depoimento mais notável, pelo que tem de antecipação da
Se a doutrina do direito de resistência no absolutismo era min- resistência futura, deve-se ao português Antônio Rodrigues da Costa,
guada, a sua prática muito se desenvolveu, especialmente através da que, em 1732, denuncia: "o perigo interno, que têm os Estados, e
nasce dos mesmos vassalos, consi ste na desafeição e ódio que conce-
m Tratado de Direito Natural, cit., p. 106. bem contra os dominantes, o qual ordinariamente procede das injú-
221 Cartas Chilenas, cit., 1O~ carta, p. 144.
222 CAMILO CASTELO BRANCO. Perfil do Marquês de Pombal. Porto,
rias e violências com que são tratados pelos governadores; da iniqüi-
Lello & Irmão, 1982, p. 275 , dirá um século depois: "O marquês punha no dade com que são julgadas as suas causas pelos ministros da justiça
Brasil homens desta laia a roubar a retalho e ele depois, em nome do Tesouro e da dificuldade, trabalho, despesa e demora de que necessitam para
Nacional, roubava-os por atacado."
22! Cartas e outras Obras Seletas, cit., v. 2, p. 120. 226
CL FERREIRA, Waldemar. O Direito Público Colon ial do Estado do
224 lbid., p. 130.
225 lbid., p. 176.
Brasil sob o Signo Pombalino. Rio de Janeiro, Ed. Nacional de Direito, 1960,
P- 222 e seguintes; R. SIMONSEN . História Econômica do Brasil, cit., p . 276.

92 93
recorrer à corte, para se queixarem das sem-razões que padecem tt:ibutos com uma só imposição" 232 ; "a pena de sonegar um escravo é
e injustiças que se lhes fazem, e de lhes ser preciso remirem as vexa- somente de. perdê-lo e de pagar dobrado o preço da capitação, com
ções que lhes fazem, ou conseguirem as suas melhoras a peso de que não pode negar-se que, além de ser muito mais moderada, é tam-
ouro; e também nasce muito principalmente do encargo dos tributos, bém mais proporcionada à quantia de fraude. E não é pequena van-
quando entendem que são exorbitantes, se lhes fazem intoleráveis, se tagem que em nenhum caso possa, por motivo de capitação, proce-
persuadem que não houve causa justa e inevitável para se lhes im- der-se a prisão" 233 •
porém"227: Logo adiante observa Antônio Rodrigues da Costa: "A este
Mesmo na Inconfidência Mineira pouco se altera a tônica do
encargo tão grande se ajuntou de novo a contribuição de sete milhões discurso, que continua a ser proferido pelos opressores. As idéias
para as despesas dos casamentos de Suas Altezas; e esta quantia é
então em voga devem ser captadas nos autos da devassa. Pelo acór-
tão excessiva que nunca nem a metade dela coube nos cabedais da
dão lavrado pelos juízes da alçada, que julgaram os inconfidentes,
nação portuguesa, por mais urgentes que fossem as necessidades; nem
é qÚe se tem notícia de que as práticas revolucionárias adquiriam
os portugueses souberam nunca- pronunciar sete milhões, nem lhes
maior eficácia no momento em que se "tratava de fazer lançar a der-
veio ao' pensamento pudessem contribuir com esta quantia, ainda em
rama, para completar o pagamento de cem arrobas de ouro que os
muitos anos." 228 Alexandre de Gusmão, ao elaborar o projeto da ca-
povos de Minas se obrigaram a pagar anualmente, pelo oferecimento
pitação, denuncia que "hoje se ouve na boca de quantos vêm daquele
voluntário que fizeram em 24.3. 1734, aceito e confirmado pelo al-
país que a maior parte do ouro fraudado pelos caminhos das Minas,
vará de 3. 12. 1750, em lugar da capitação desde então abolido" 234,
sai com toda a segurança debaixo da autoridade e proteção deles,
que el-rei emprega para vedá-los" 229 • Posteriormente, no pare- que um dos objetivos do movimento era perdoar "aos devedores da
cer exarado sobre a lei de 1750 que restabeleceu o quinto do ouro, fazenda real tudo quanto .lhe deve~sem" 235 • Poucas são ~s referên-
o antigo ministro D. João V elogiava o cap. 9. 0 , no qual "se man- cias claras feitas pelos inconfidentes à questão tributária; uma delas
dam distinguir com honras públicas os delatores dos descaminhos: pronunciou-a o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andra-
máxima nova em um governo prudente e regulado" 230 ; dizia que "con- de: "Que indo ele respondente à Cachoeira, onde esteve o seu general,
vém refletir se depois de acostumado o povo das Minas à nímia li- a visitá-lo, falando na derrama, aí lhe disse ele respondente que seria
berdade, em que o põe esta lei, será fácil torná-lo a sujeitar a meios melhor pôr algum imposto no preço dos escravos ou nas cachaças do
mais estreitos"231 • que lançar-se a derrama; digo dos escravos, pois era fácil a um ho-
mem que dá cem mil-réis, dar mais dez mil-réis por um negro; e
Às vezes o tributo assumia na voz do colonizador a feição de
que Sua Excelência sabia muito bem que o sistema de conquista era
preço da liberdade. Alexandre de Gusmão, por exemplo, recomenda
livrar os povos de impostos; porque a América inglesa nada a obri-
o sistema da capitação, que teria grandes vantagens: permitiria "flo-
recer muito mais o comércio daquelas partes e o contentamento pela gou ao rompimento, senão os grandes tributos que lhes taxaram." 236
Dos episódios da Inconfidência Mineira e dos autos da devassa ex-
liberdade dos gêneros e pelo sossego de ficarem livres de todos Oo
surgem algumas conclusões: 1.•) havia muito mais prática revolucio-
227
"Consulta do Conselho Ultramarino a S.M., no ano de 1732, feita pele nária que teoria; 2.•) não se contestava o sistema de tributação do
conselheiro Antônio Rodrigues da Costa". Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, 1931, tomo VII, p. 477. 232 A.pud JAIME CORTESÃO, op. cit., parte I, tomo I, p. 350.
228 Ibid., p. 480. 233 Id., ibid., p. 357.
229 Apud JAIME CORTESÃO. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, 234 Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Brasília/Belo Horizonte, Câ-
cit., parte 1, tomo I, p. 350. mara dos Deputados/Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1982, v. 7, p. 200.
230 Coleção de Vários Escritos Inéditos, cit., p. 138. 235 ADIM, cit., v. 7, p. 204.

231 Ibid., p. 141. 236 ADIM, cit., v. 5, p. 191.

94 95
Estado de Polícia , senão que se resistia ao lançamento da de rrama
e à cobrança das dívidas fiscais, até porque entre os inconfidentes
estavam diversos servidores do fisco e alguns devedores de vultosas
importâncias ao erário reaF 37 ; 3 .•) não se defendiam idéias liberais
sobre a legalidade da imposição, como ocorrera nos Estados Unidos,
Cupítulo 111
senão que apenas se buscava o exemplo anticolonialista238 •

A IDEIA DE LIBERDADE
NO ESTADO FISCAL

-.~

1. O Estado Fiscal

O Estado de Polícia, com o seu absolutismo político e a sua eco-


nomia mercantilista ou comercial, foi historicamente substituído pelo
Estado Fiscal, com a sua estrutura econômica capitalista e o seu libe-
ralismo político e financeiro. 1
O que caracteriza o surgimento · do Estado Fiscal, como especí-
fica figuração do Estado de Direito, é o novo perfil da receita pública,
que passou a se fundar nos empréstimos, autorizados e garantidos
pelo Legislativo, e principalmente nos tributos - ingressos derivados
do trabalho e do patrimônio do contribuinte - , ao revés de se apoiar
nos ingressos originários do patrimônio do príncipe. Deu-se a separa-
ção entre o ius eminense, e o poder tributário, entre a fazenda pública
e a fazenda do príncipe e entre política e economia 2 , fortalecendo-se
sobremaneira a burocracia fiscal, que atingiu um alto grau de racio-

1 A expressão Estado Fiscal é relativamente recente, pois aparece na época


da 1~ Guerra Mundial, a partir de quando adquiriu prestígio; cf. SCHUM-
PETER, Joseph. Die Krise des Steuerstaat. Frankfurt, Suhrkamp, 1976, p. 344:
"tributo (Steuer) tem uma relação tão profunda com Estado (Staat), que a
expressão Estado Fiscal (Steuerstaat) poderia ser considerada como pleonasmo";
ISENSEE , Josef. "Steuerstaat ais Staatsform". Festschrift für Hans Peter /psen,
1977, p. 410; K. VOGEL. "Der Finanz-und Steuerstaat", cit., p. 1.173;
MAX WEBER, op. cit., p. 163; J. HABERMAS, Strukturwandel der 6ffen-
23 7 Cf. MAXWELL, Kenneth. A Ôevassa da Devassa. Rio de Janeiro, Paz tlichkeit, cit., p. 31: "O Estado Moderno (Der moderne Staat) é essencialmente
e Terra, 1977, p. 156. Estado Fiscal (St euerstaat)"; SEIDL, Christian. "Krise oder Reform des Steuer-
238 Cf. MOTA, Carlos Guilherme. Idéia de Revolução no Brasil. Petrópolis , staat", Steuer und Wirtschaft, 1987, p. 185.
Ed. Vozes, 1979, p. 30. 2 Vide item 4.

96 97
nalidadej. Só o capitalismo resolveu a crise financeira dos Estados, O Estado Fiscal constitui-se em Portugal e no l3rasil simultanea-
pois garantiu os empréstimos com a receita de impostos e permitiu mente, eis que n~ mundo luso-brasileiro não ocorreu a transmissão
o aumento da arrecadação através do aperfeiçoamento da máquina dos direitos da liberdade observada entre ingleses e americanos do
burocrática, da extinção dos privilégios e isenções do antigo regime norte 7 • A Constituição portuguesa de 1822 incluiu entre os principais
e da reforma dos sistemas tributários, estas últimas favorecidas pelos deveres do cidadão "contribuir para as despesas do Estado" (art. 19),
novos instrumentos jurídicos criados pela burguesia, como as socieda-
distinguiu entre a fazenda nacional (art. 224) e a casa real (art.
des anônimas e diversos contratos nominados que passam a servir de
139) e proibiu o rei de "impor tributos, contribuições ou fintas"
base racional aos impostos, mormente o de renda4 • Com o Estado
(art. 124, li) e de "tomar empréstimo em nome da nação" (art. 125,
Fiscal se aperfeiçoam os orçamentos públicos, substitui-se a tributação
do campesinato pela dos indivíduos, minimiza-se a intervenção esta- III). A Constituição brasileira de 1824 estabeleceu a competência do
tal, tudo o que representa uma nova Constituição Financeira5 • Legislativo, para "fixar anualmente as despesas públicas, e repartir a
contribuído direta" (art. 15, item 10) e separou a fazenda do impe-
O Estado Fiscal, por conseguinte;· abriu-se para a publicidade e
rador (art. 115) da fazenda nacional (art. 170).
dilargou as fronteiras da liberdade humana, permitindo o desenvol-
vimento das iniciativas individuais e o crescimento do comércio, da Em Portugal, tão precoce na criação do Estado Moderno, e no
indústria e dos serviços. Constituindo o preço dessas liberdades, por Brasil houve sensível atraso na chegada do liberalismo e do Estado
incidir sobre as vantagens auferidas pelo cidadão com base na livre Fiscal, mantendo-se ainda por muito tempo traços do patrimonialismo
iniciativa, o tributo necessitava de sua limitação em nome dessa para o que contribuíram a conservação do patrimônio territorial do
mesma liberdade e da preservação da propriedade privada, o que rei, da Igreja e da nobreza (morgados) e o mercantilismo consubs-
se fez pelo constitucionalismo e pelas declarações de direitos, ante- tanciado nas companhias do monarca, o que não propiciou o apare-
cipados ou complementados pelas novas _diretrizes do pensamento cimento da burguesia e a cobrança de tributos; influiu também para
ético e jurídico. esse descompasso o financiamento do déficit público através de ins-
No que pertine às considerações de justiça, o tributo sofre tam- trumentos cambiais ou monetários, esquecidas as fontes fiscais 8 • O
bém profunda modificação. Deixa de ser transitório e vinculado à ranço do patrimonialismo é observado até os nossos dias nos privi-
necessidade conjuntural para ser cobrado permanentemente com base légios fiscais de algumas classes, como militares, magistrados e depu-
na riqueza e na capacidade contributiva de cada qual, como o pro- tados (só extinta com a Constituição de 1988), no descompromisso
clamou a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão 6 e como o com a justiça e a liberdade, na concessão indiscriminada de subven-
defendeu a doutrina liberal. ções e subsídios para a burguesia, no endividamento irresponsável,
na proliferação de monopólios e empresas estatais, etc., característi-
3
Cf. NERHOT, Patrick. "Ralionalisme et f.tat Moderne". Archiv für Rechts- cas que se encontram também em outros países latino-americanos
und Sozialphilosophie, 70(1), p. 12, 1984.
4
Cf. HICKS, John. Uma Teoria da História Econômica. Rio de Janeiro, 7 Os americanos lutaram para que as leis tributárias e as garantias constitu-
Zahar, 1972, p. 86. cionais da Inglaterra se aplicassem à Colônia; cf. R. POUND, op. cit.,
5 p. 44; HA YEK , Friedrich A. Os Fundamentos da Liberdade. São Paulo, Visão,
Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 202; K. VOGEL, op. cit., p. 1.176; C. WEBER/
A. WILDAWSKY, op. cit., p. 373; HUBER, Ernst Rudolf. Deutsche Verfassungs- 1983, p. 207.
geschichte. Stuttgart, Kohlhammer, 1957, v. 1, p. 209; A. BALEEIRO, op. cit., 8 Cf. MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de
p. 393. Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p. 29; FALCON, Francisco Calazans. Despotismo
6 "13. Pour l'entretien de la force publique, et pour les dépenses d'adminis- Esclarecido. São Paulo, Atica, 1986, p. 24; V. M. GODINHO. "Finanças Pú-
tration, une contribution commune est indispensable: elle doit être également blicas e Estruturas do Estado", cit., p. 54; FURTADO, Celso. Formação Eco-
répartie entre tous les citoyens, en raison de leurs jacultés." nômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959, p. 121.

98 99
herdeiros do patrimonialismo ibérico9• Mas é inegável que, mesmo de forma bastante atual de dominação política por um 1estrato social
forma defeituosa, o Brasil aderiu ao liberalismo, eis que a "cons- sem propriedades e ·que não tem honra social por mérito próprio', ou
tituição" do Estado Fiscal, além de ser um dado fático, é sobretudo seja, pela burocracia e a chamada classe política". Raymundo Faoro
uma realidade jurídica 10 • vai afirmar, categoricamente, que "de D. João I a Getúlio Vargas,
Percebe-se, assim, o exagero das teses de alguns adeptos do de- numa viagem de seis séculos, uma estrutura político-social resistiria
terminismo histórico, que pretendem provar a inexistência e a impos- a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos,
sibilidade do liberalismo na cultura luso-brasileira. à travessia do oceano largo", acrescentando que "dessa realidade se
Escritores de tendência marxista procuraram demonstrar que o projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionali-
país jamais saíra da fase do colonialismo, mantendo a sua posição de zada num tipo de domínio: o patrimonialismo cuja legitimidade as-
dependência diante do capitalismo internacional", ou que a Indepen- senta no tradicionalismo - assim é porque sempre foi"H. A idéia de
dência se resumira na união do latifCmdio escravista e feudal com os eternização..,do patrimonialismo transforma-o em categoria metafísica
interesses externos 12 • e lhe prejudica a compreensão como mero conceito heurístico 16 ou
Outra corrente de idéias a negar a possibilidade do liberalismo como momento histórico que deixou as suas marcas duradouras e
é a do weberianismo brasileiro de corte autoritário 13 • Entende que o dolorosas17 ; demais disso, está irremediavelmente comprometida com
Brasil jamais deixou de ser um Estado Patrimonial, pela sobrevivência o determinismo histórico e com a visão reducionista da sociedade,
da arcaica sociedade estamental de origem portuguesa ou pelo predo- nem sempre coincidentes com as idéias de Max Weber, como exami-
mínio do Estado sobre a sociedade civil. O Estado Patrimonial deixa namos antes18 •
de ser um conceito histórico, coincidente com o tipo ideal de domi- A verdade é que em outros países que passaram pelo Estado de
nação tradicional, para se transformar em conceito ontológico e puro. Polícia e também viveram o feudalismo, como a Alemanha, a Aus.fria
O que aconteceu com o Brasil, para esses escritores, não foi a passa- e a Itália, o mercantilismo e o cameralismo retardaram a chegada do
gem histórica pelo modelo patrimonial, mas a sua "constituição" capitalismo e o liberalismo jamais alcançou elevado grau de pureza,
como Estado Patrimonial e a conseqüente fossilização. "Este patri- continuando muito forte a sombra estataF 9 • Já a Inglaterra e os Es-
monialismo moderno, ou "neopatrimonialismo'', não é simplesmente tados Unidos, que não conheceram o Estado de Polícia, ingressaram
uma forma de sobrevivência de estruturas tradicionais em sociedades cedo no liberalismo, pois a liberdade, amalgamada ao protestantismo
contemporâneas" - diagnostica Simon Schwartzman14 - "mas uma
11 Op. cit., v. 2, p. 733.
9 Cf. PAZ, Octavio. O Ogro Filantrópico . Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, ló Cf. PAIM, Antônio. "Categorias para análise de Herança Pombalina na
1989, p. 103, referindo-se ao Estado mexicano: "através de uma legislação Cultura Brasileira". In: - - - (org.). Pombal e a Cultura Brasileira. Rio de Ja-
adequada e de uma política de privilégios, estímulos e créditos, promoveu e neiro, Tempo Brasileiro, 1982, p. 15: "Se reduzimos o conceito de patrimonia-
protegeu o desenvolvimento da classe capitalista". lismo ao seu entendimento clássico, essa noção, que se tem revelado tão fe-
lO Cf. K. VOGEL, op. cit., p. 1183.
cunda, perde muito de seu valor heurístico. Ao contrário, a identificação, em
" Cf. PRADO JR ., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, seu seio, de um segmento modernizador mostra-se muito elucidativa de nossa
1986, p. 126. história política"; Vf.LEZ RODRIGUES, Ricardo. "Persistência do Patrimo-
12 Cf. SODRf., Nelson Werneck. As Razões da Independência. Rio de Janeiro, nialismo Modernizador na Cultura Brasileira". In: PAIM, Antônio (org.) .
Ed. Civilização Brasileira, 1969, p. 200. Pombal e a Cultura Brasileira, cit., p. 110-119.
ll Cf. FAORO, Raimundo . Os Donos elo Poder. Porto Alegre, Ed. Globo, 17 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. "Estado Patrimonial, Estado Fiscal e Pensa-
1984, p. 45; SCHWARZTZMAN, Simon. Bases do Autoritarismo Brasileiro. mento Autoritário no Brasil". In: Temas Atuais do Direito Brasileiro. Rio
Brasília, Ed. Universidade de llrasília, 1982, p. 10; SANTOS, Wanderley Gui- de Janeiro, Faculdade de Direito da UERJ, 1987, p. 135-143.
18 Vide introdução, item 4.
lherme dos. Ordem Burguesa e Liberalismo Político. São Paulo, Duas Cidades,
19 Cf. MAX WEBER, op. cit., p. 833; ASTUTI, op. cit., p. 276; F. B. NO-
1978, p. 103.
1" Op. cit., p. 45. VELLI, op. cit., p. 25.

lO O 101
e ao individualismo, impediu o florescimento dos monopólios, da fis- dade e a limitação do poder do Estado. Seus representantes mais
calidade periférica e dos privilégios 20 • Na França, onde o Estado de ilustres são ·o português José Ferreira Borges, cujas obras tiveram
Polícia a rigor não se instalou, a passagem do patrimonialismo ao li- grande penetração no Brasil23 , José · Antônio da Silva Maia 24 e Cân-
beralismo se fez revolucionariamente 21 • dido de .Oliveira25 •
Os economistas passam a defender a liberdade de iniciativa, os
2. O liberalismo empréstimos, os incentivos fiscais e a industrialização. Figuras im-
portantes: José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu (1756-1835), no
Brasil 26 e Acúrcio das Neves (1776-1834), em PortugaF7 •
2.1. A idéia de liberdade

O liberalismo se afirmou nas décadas iniciais do século XIX, 2.2. Características


~'~
coincidindo com a Independên~ia e a Constituição do Estado Fiscal.
A ideologia da liberdade financeira no período da Constituição
Incorporou diversas idéias do período iluminista.
do Estado Fiscal no Brasil apresenta algumas características que de-
Embora nessa época já se notassem os rudimentos de uma ciên- vem ser examinadas com atenção: insere-se no pensamento luso-bra-
cia das finanças, a problemática da liberdade e dos tributos conti- sileiro, denota forte influência estrangeira, é eclética e se desenvolve
nuava a integrar a filosofia prática, sendo examinada por moralistas, no ambiente da filosofia prática.
juristas e economistas.
No campo da ética adota-se a orientação utilitarista, com a valo- Brasil e do Reino de Portugal. Rio de Janeiro, Seignot-Plancher, 1834; Obser-
rização da riqueza e do trabalho como elementos para a conquista vações sobre a Constituição do Império do Brasil e sobre a Carta Constitucio-
da liberdade e da felicidade. Destaca-se o português Silvestre Pinhei- nal do Reino de Portugal. Paris, Rey et Gravier/J. P. Aillaud, 1838; Decla-
ro Ferreira (1769-1846), que também pontifica no direito constitu- ração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris, Rey et Gravier/
J. P. Aillaud, 1836; Projeto d'Associação para o Melhoramento da Sorte das
cionaF2 e que chega a exercer o cargo de Ministro de D. João VI Classes Industriosas. Paris, Rey et Gravier/J. P. Aillaud, 1840.
no Brasil. 23 Princípios de Sintetologia. Londres, Bingham, 1831; ---.Exame Crítico do
Os juristas aderem ao jusnaturalismo sensista e utilitarista. De- Valor Político das Expressões Soberania do Povo e Soberania das Cortes. Lisboa,
fendem a separação de poderes, a representação, os direitos da liber- Tip. Transmontana, 1837.
24 Compêndio de Direito Financeiro. Rio de Janeiro, Tip. Nacional, 1841.

20 Cf. F. A. HAYEK, op. cit., p. 192; SCHIERA. "Sociedade por Categorias", 2; Sistema Financiai do Brasil. S. Petersburg, Typografia Privilegiada de Fis-
cit., p. 1.217; ROELLECKE, Gerd. "Englands Verfassungsgeschichtliches cher, 1842.
Layout: Die Eroberung". Der Staat 1987, v. 26 (3), p. 335. 2; ~ extensa a bibliografia deixada por Cairu. Interessam ao nosso assunto:
2t Cf. ASTUTI, op. cit., p. 260. Princípios de Economia Política. Rio de Janeiro, Pongetti, 1956; Princípios de
22 Suas obras mais importantes para o nosso tema: Preleções Filosóficas. In- Direito Mercantil e Leis de Marinha. Rio de Janeiro, Tip. Academia, 1874, 2 v.;
trodução de Antônio Paim. São Paulo, EDUSP/Grijalbo, 1970; Idéias Polí- Hstudos do Bem-Comum e Economia Política. Rio de Janeiro, IPEA, 1975;
ticas. Rio de Janeiro, PUC/CFC/Ed. Documentário, 1976; Cours de Droit Leituras de Economia Política ou Direito Econômico Conforme a Constituição
Public Interne et Externe. Paris, Rey et Gravier/J. P. Aillaud, 1830; Projetos Social e Garantias da Constituição do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Plan-
de Ordenações para o Reino de Portugal. Paris, Casimir, 1831 (tomos I e li) cher Seignot, 1827; Constituição Moral e Deveres do Cidadão, com a exposi-
c 1832 (tomo III); Príncipes du Droit Public, Constitutionnel, Administratif
ção da moral pública conforme o espírito da Constituição do Império. Rio de
et des Gens or Manuel du Citoyen sous un Gouvernenment Représentatif. Pa- Janeiro, Tipografia Nacional, 1824.
27 Variedades sobre Objetos Relativos às Artes, Comércio e Manufaturas, Con-
ris, Rey et Gravier, 1834; Projeto de Código Geral de Leis Fundamentais e
Constitutivas d'uma Monarquia Representativa. Paris, Casimir, 1834; Indica- sideradas Segundo os Princípios da Economia Política. Lisboa, Impressão Régia,
ções de Utilidade Pública Oferecidas às Assembléias Legislativas do Império do 1814-1817, 2 v.

102 103
a) Influências estrangeiras século. ~s soluções moderadas para o problema da nobreza e a incor-
poração da burocracia no processo do liberalismo, de nítidas raízes
O liberalismo luso-brasileiro aproxima-se das fontes inglesas. Na no iluminismo e no cameralismo, repercutiram no pensamento luso-
filosofia do direito afirma-se o jusnaturalismo utilitarista na linha de brasileir034.
Bentham28 • A economia recebe a influência de Adam Smith, princi- As vezes torna-se difícil captar as influências estrangeiras porque
palmente na obra de Cairu 29 • O pensamento político30 e o constitu- alguns escritores, como por exemplo Silvestre Pinheiro Ferreira e
cionalismo31 seguem igualmente o modelo inglês. Cândido de Oliveira, se utilizam da técnica de incorporar ao próprio
A influência francesa foi também marcante. Já vinha do período texto opiniões partilhadas por outros autores, sem a indicação das
anterior, com a doutrina dos fisiocratas. Agora se afirma principal- fontes. Outras vezes porque nem todos os postulados do liberalismo
mente no campo político, com idéias, às vezes antitéticas, como as de clássico foram simultaneamente recepcionados pela primeira geração
Montesquieu e Rousseau, abrindo o caminho assim para o liberalis- dos liberais brasileiros 35 .
mo radical como para o doutrinário 3z. Nos domínios da filosofia in- A doutrina estrangeira liberal foi importante para a moderniza-
gressa o pensamento sensualista de Condillac, que vai inspirar a fi- ção do pensamento luso-brasileiro e para o ajustamento da nossa rea-
losofia do direito de Rodrigues de Brito33 • lidade aos ideais burgueses. Não se pode estudar o período liberal,
A influência germânica se fez sentir sobretudo na obra de Sil- como já frisamos a respeito do patrimonialismo e do cameralismo,
vestre Pinheiro Ferreira, que viveu na Alemanha na l .a década do sem a perspectiva da filosofia e da teoria elaboradas no estrangeiro,
o que não significa cópia servil, mas simples recusa ao isolamento
cultural ou ao narcisismo 36 •
2~ Cf. SANTOS, Maria Helena Carvalho. "A Maior Felicidade do Maior Nú-
mero". Bentham e a Constituição Portuguesa de 1822." In: PEREIRA, Miriam Essas novas idéias filosóficas , jurídicas e econômicas se aclima-
Halpern e outros (coord.). O Liberalismo na Península Ibérica na Primeira taram ao pensamento luso-brasileiro e serviram de base para a subs-
Metade do Século XIX . Lisboa, Sá da Costa Ed., 1982, v. I, p. 91-115 . tituição dos velhos compêndios da época pombalina, como os de Ge-
29 Os seus adversários denunciavam-lhe a anglomania; cf. AMOROSO LIMA,
novese, Martini e Job, também estrangeiros 37 .
Alceu. "Introdução Histórica". In: CAIRU, Visconde de. Princípios de Eco-
nomia Política, cit., p. 32. Cf. também PAIM, Antônio. Cairu e o Liberalismo
Econômico. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1968, p. 77; CARDOSO, José b) Ecletismo
Luís. "A Influência de Adam Smith no Pensamento Econômico Português".
In: - - - (coord.). Contribuições para a Hist6ria do Pensamento Econômico Outro traço característico do pensamento luso-brasileiro é o
em Portugal. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988, p. 101.
30 Cf. BARRETO, Vicente. Ideologia e Política no Pensamento de José Boni-
ecletismo ou o sincretismo entre diferentes posições ideológicas.
fácio de Andrada e Silva. Rio de Janeiro, Zahar, 1977, p. 120. 34
Jt Cf. MELO FRANCO , Afonso Arinos, op. cit., li : "Assim a trama da orga- Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. "As Idéias Políticas de Silvestre Pi-
nização governativa da Espanha, de Portugal e do Brasil, no começo do século nheiro Ferreira". In: CRIPPA, A. (coord.). As Idéias Políticas no Brasil,
passado, é a compilação das idéias originariamente inglesas, trazidas para a cit., p. 117.
35
França, e acomodadas nas diversas Constituições francesas que se sucederam, A observação oportuníssima é de VICENTE BARRETO. "O Absolutismo
entre a revolucionária de 1791 e a moderada de 1814, outorgada por Luís Português e os Primórdios da Idéia Liberal no Brasil", cit., p. 53: "Em todas
XVIII." Cf. também CHACON, Vamireh. Vida e Morte das Constituições Bra- as etapas de incorporação do liberalismo clássico existe uma simplificação da
sileiras. Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 49. mensagem liberal originária. Não vamos encontrar em nenhum desses momen-
32 Cf. CABRAL DE MONCADA, Estudos de História do Direito, cit., v. 2,
tos a interpretação analítica do problema no direito à liberdade, do direito à
p. 115; PAIM, Antônio. O Estudo do Pensamento Filosófico Brasileiro. São pr0pdedade, da igualdade natural e jurídica dos homens e do papel do Estado
como agente de segurança para as atividades sociais."
Paulo, Ed. Convívio, 1986, p. 31. 36
33 Cf. CABRAL DE MONCADA. Subsídios .. . , cit., p. 17; BRAZ TEIXEIRA,
Cf. PAULO MERCADANTE, op. cit., p. 94.
37
op. cit. , p. 60; A. PAIM. História das Idéias Filos6ficas, cit., p. 34. Cf. LOPES PRAÇA, História da Filosofia em Portugal, cit., p. 282.

104 105
Antes mesmo de o ecletismo se constituir em corrente filosófica , em rior, vatnos encontrar, pois, a reminiscência do pensamento escolás-
meados do século XIX, já se nota a sua marca, seja no bojo do ilumi- tico e mercantilista no nosso liberalismo. Por isso mesmo a idéia de
nismo, do empirismo ou do liberalismo. liberdade sempre teve dificuldade de se -afirmar como limitação do
poder fiscal do Estado, posto que aparece muitas vezes mesclada com
A Segunda Escolástica Portuguesa foi tão profundamente mar-
a idéia de liberdade estamental ou de liberdade do príncipe.
cante na cultura luso-brasileira que projetou os seus princípios para
os movimentos ulteriores, inclusive o liberalismo.
c) Filosofia prática
Advirta-se, porém, que esse ecletismo não é característica autô-
Com o advento do liberalismo mantém-se a unidade da filosofia
noma da cultura luso-brasileira, senão que vai aparecer também nos
prática. Adam Smith era professor de Filosofia Moral na Universi-
modelos estrangeiros que nos influenciaram, do iluminismo holan-
dade de Glasgow. Silvestre Pinheiro Ferreira foi simultaneamente
dês-germânico-italiano ao liberalismo utilitarista, passando pelo empi- -.I
filósofo, moralista, jurista e constitucionalista. Cairu também ponti-
rismo e pela fisiocracia. ficou em diversas disciplin'as, do direito constitucional à economia
O ecletismo é visível no nosso liberalismo. A obra de Silvestre política, e lhe proclamava a subordinação à moral43 • No liberalismo,
Pinheiro Ferreira se aproxima do utilitarismo inglês, mas se mescla enfim, o tributo se publiciza e a sua teoria pertence à Filosofia
com a tradição metafísica e religiosa portuguesa, no intuito de equi- Política, eis que vinculada à doutrina do contrato social, e à ~tica,
librar a filosofia pré-kantiana com as novas doutrinas éticas, jurídi- tendo em vista a preeminência do princípio da capacidade contribu-
cas e políticas 38 • Cairu também deixa perceber em seus trabalhos tiva44.
certo sincretismo entre teorias econômicas39 , da mesma forma que Nada obstante, a meditação filosófica sobre o tributo foi níuito
Acúrcio das Neves, por alguns considerado nome do antigo regime40 • superficial no nosso liberalismo, principalmente se comparada com a
Mas o próprio Bentham, inspirador maior do liberalismo luso-brasi- produção do período precedente. Cairu pouco se interessou pela teo-
leiro, elaborou doutrina incompleta e suscetível de receber emendas ria do imposto e pelas suas relações com o problema da liberdade;
metafísicas e reli giosas, pela sua incapacidade para fundamentar a dissertou longamente sobre as novas doutrinas de Adam Smith e Ri-
liberdade 41 , fato que levou A. Hayek a lhe atribuir a responsabili- cardo, autores que examinaram atentamente a matéria fiscal, mas não
dade pela perda de substância do liberalismo42 • cuidou. senão incidentalmente, dos grandes temas da teoria das finan-
Em contraponto com a persistência do patrimonialismo no Esta- ças públicas. O seu filho , Bento da Silva Lisboa, teve o mérito ex-
do de Direito constituído no Brasil, que examinamos no item ante- traordinário de traduzir a obra básica de Adam Smith45 ; mas lhe
extirpou todo o livro V dedicado aos impostos e à despesa pública!
A geração seguinte, com Silva Maia46 e Cândido de Oliveira47 , perdeu
38 Cf. CABRAL DE MONCADA. Subsídios . . . , cit., p. 35.
totalmente o contato com a filosofia prátiCa , limitando-se a examinar
3" Cf. PAIM, Antônio. Cairu e o Liberalismo Econômico, cit., p. 87; PELAEL,
Carlos Manuel e SUZIGAN, Wilson. História Monetária do Brasil. Brasília,
Ed. Universidade de Brasília, 1981, p. 37.
4
J Estudo do Bem-Comum e Economia Política, cit., p. 73: "-e. pois o eco-
40 Cf. MARNOCO e SOUZA. Economia Nacional. Coimbra, França Amado
nomista o auxiliar do moralista."
44
Ed., 1909, p. 89; VlTOR DE SA, op. cit., p. 19; PEDREIRA, Jorge Miguel. Cf. F. K. MANN. op. cit., p. 104; SCHMõLDERS, Günter. Teoria General
"Agrarismo, Industrialismo, Liberalismo. Algumas Notas sobre o Pensamento de[ lmpuesto. Madri. Ed. Derecho Financiero, 1962, p . 29.
45
Econômico Português (1780-1820)." In: CARDOSO, José Luís (coord.). Con- Compêndio da Obra da Riqueza das Nações de Adam Smith. Traduzida
tribuições para a História do Pensamento Econômico em Portugal, cit., p. 78. do original inglês por Bento da Silva Lisboa. Rio de Janeiro, Impressão Régia,
41 Cf. UBIRATAN BORGES DE MACEDO. A Liberdade no Império, cit., Tomos I a III, 1811-12.
46
p. 43. Cf. Compêndio de Direito Financeiro, cit., p. 1.
47
42 Os Fundamentos da Liberdade, cit., p. 203. Cf. Sistema Financia! do Brasil, cit., p . 5 e seguintes.

106 107
a questão do tributo sob a ótica dos regulamentos e das normas reflexãu sobre a legitimidade e a justificativa do tributo 5 \ tão rica
positivas. no iluminismo. Por isso mesmo não conseguiu mais que fundar o
Enquanto isso, prosseguia na Inglaterra a especulação filosófica liberalism in an illiberal society55, em pleno contraponto, também,
em torno das finanças públicas, principalmente através da obra de com a circunstância de ter vivenciado em sua plenitude o patrimo-
John Stuart Mill (1806-1873) 48 • nialismo e o Estado de Polícia.
Nos Estados Unidos foi admirável o esforço de Hamilton (1757-
!804), também discípulo de Adam Smith, no sentido de aprofundar 3. A liberdade individual
a meditação sobre o problema dos tributos e do crédito público, apro- As relações entre liberdade e tributo no Estado de Direito são
ximando-a da filosofia política e do direito constitucional49 • Aliás a de absoluta essencialidade. Não existe tributo sem .liberdade, e a liber-
figura de Hamilton só veio a ser compreendida no Brasil posterior- dade des~parece quando não a garante o tributo. A própria definição
mente, pela geração de 1891, e especialmente Rui Barbosa50 • Não fal- de tributá se inicia pela noção de 1iberdade56 •
tam estudiosqs brasileiros que incluem o divórcio entre o pensamento Cuida-se, no Estado Fiscal de Direito, da liberdade individual.
fiscal de Cairu e Hamilton no rol das causas do diferente desenvol- Recorde-se que no Estado Patrimonial florescia a liberdade estamen-
vimento do liberalismo no Brasil e nos Estados Unidos 51 • Realmente tal, com a tripartição do poder impositivo e com a reserva das imu-
é sugestivo observar que enquanto o antigo Secretário do Tesouro nidades e privilégios pelo clero e pela nobreza. No Estado de Polícia
americano colocava o dinheiro como "o princípio vital do corpo a liberdade é do príncipe e conduz à centralização do poder trihu-
político, o que lhe sustenta a vida e o movimento" 52 , Cairu só lhe tário e à crítica às imunidades e aos privilégios. No Estado Fiscal afir-
atribuía importância no tempo excepcional da guerra e da necessi- ma-se a liberdade individual: reserva-se pelo contrato social um mí-
dade53.
nimo de liberdade intocável pelo imposto, garantido através dos me-
A Alemanha, apesar de sua extraordinária vocação para a filo· canismos das imunidades e dos privilégios, que se transferem do
sofia, custou a recepcionar a obra de Adam Smith e abandonou a clero e da nobreza para o cidadão; permite-se que o Estado exerça
o poder tributário sobre a parcela não excluída pelo pacto constitu-
48 Cf. H. M. GROVES. Tax Philosophers, cit., p. 38: "Even more than Smith
(and unlike Ricardo) Mill was a philosopher-economist". cional, adquirindo tal imposição a característica de preço da liber-
49 Cf. HAMILTON, Alexandre. Public Credit, Commerce and Finance. Nova dade. O imposto, item mais importante da receita do Estado Fiscal,
York, Columbia University Press, 1934, p. 153. é, por conseguinte, uma invenção burguesa: incide sobre a riqueza
so Cf. Os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo Perante a Jus- obtida pela livre iniciativa do indivíduo, mas nos limites do consenti-
tiça Federal. Rio de Janeiro, Companhia Impressora, 1893, p. 30: "Os autores
da nossa Constituição, em cujo nome tenho algum direito de falar, não eram mento do cidadão57 •
alunos políticos de Rousseau e Mably, como o nobre Procurador da República: A liberdade individual, em suas relações com o tributo, apresenta
eram discípulos de Madison e Hamilton." algumas características que devemos examinar: envolve a noção de
st Cf. CELSO FURTADO. Formação Econômica do Brasil, cit., p. 123: "Nada
é mais ilustrativo dessa diferença do que a disparidade que existe entre os dois 5~ Cf. FLAVIO BAUER NOVELLI, op. cit., p. 32; VOGEL, Klaus. "Recht-
principais intérpretes dos ideais das classes dominantes nos dois países: Ale- fertigung der Steuern: eine vergessene Vorfrage". Der Staat, 1986, v. 25(4),
xandre Hamilton e o Visconde de Cairu". p. 481.
52 In: HAMILTON/JAY/MADISON. The Federalist, n.o 30. Nova York, The ss SHEENAN, James. German Liberalism in the Nineteenth Century. Londres,
Modem Library, s./d., p. 182: "Money is, with propriety, considered as the vital Methuen & Co. , 1982, p. 1. Cf. também G. ROELLECKE, op. cit., p. 323.
principie of the body politic; as that which sustains its life and motion, and 56 Cf. RICARDO LOBO TORRES. Sistemas Constitucionais Tributários, cit.,
cnables it to perform its most essential funcions." p. 186.
53 Estudos do Bem-Comum. Economia Política, cit., p. 96: "A substância da 57
W. RAINER WALZ. Steuergerechtigkeit und Rechtsanwerdung, cit., p. 31,
guerra é o dinheiro, e este ajunta naus, artilharia, homens, e toda a outra muni- identifica o Estado Burguês (Bürgerstaat) com o Estado Fiscal (Steuerstaat) . G .
ção dela. :e o nervo que sustém os Estados no tempo de sua necessidade." ARDANT, op. cit., v. 1, p. 11: "L'impôt est une technique libérale".

108 109
igualdade, identifica-se com a legalidade, fundamenta-se na represe~­ Benjamin Constant62 e outros, o conceito negativo de liberdade polí-
tação e às vezes aparece mesclada com a idéia de felicidade. No pen- tica e civil, · restringindo a igualdade aos aspectos formais e isonômi-
samento luso-brasileiro ingressam também essas idéias, embora a le- cos da ausência de constrição estatal.
galidade e a representação não tenham sido levadas às últimas conse- A eonseqüência desse posicionamento foi o repúdio, pelos radi-
qüências, e a felicidade continue a depender da intermediação do cais, da idéia de que o tributo possa servir de base ao exercício da
Estado. liberdade; Rousseau afirmava: "Ce mot de 'finance' est un mot d' es-
clave, il est inconnu dans la cité . .. je crois les corvées moins con-
3 .1. Igualdade traíres à la liberté que les taxes" 63 • Já os liberais moderados procla-
maram o vínculo essencial entre as idéias de tributo e liberdade e a
Assinale-se, previamente, que o relacionamento entre as idéias de
necessidade de proteger a igualdade contra o poder fiscal; Montes-
liberdade e tributo se coloca simetricamente ao que se desenvolveu
quie'u proclamava que "on peut lever des tributs plus forts à propor-
entre as de liberdade e igualdade e que marcou as duas correntes tion de la liberté des sujets; et l' on est forcé de les modérer à mesure
principais do liberalismo58 : de um lado a. liberalismo igualitário, re- que la servitude augmente" 64 , enfatizando a permanente tensão entre
volucionário ou radical, com a figura exponencial de Rousseau, que liberdade e imposto 65 ; Tocqueville, retomando as comparações com
absolutizava o conceito de liberdade e atribuía à igualdade certo con- a história inglesa, dizia que "lá a aristocracia tomou a si os encargos
teúdo político e econômico59 ; de outra parte, o liberalismo de tipo mais pesados que lhe permitissem governar; aqui reteve até o fim a
inglês, moderado ou doutrinário 60 , que defendia, com Tocqueville61 , isenção de impostos para consolar-se de ter pedido o governo" 66 •
58 Para as diferenças entre as duas idéias de liberdade: ARON, Raymond. No pensamento luso-brasileiro se projeta a mesma dicotomia. Os
Essai sur les Libertés. Paris, Calmann-Lévy, 1985, p. 26; BURDEAU, Georges. liberais radicais repudiam a dimensão libertadora do tributo; frei
Les Libertés Publiques, Paris, LGDJ, 1961, p. 10 (liberté-autonomie et liberté· Caneca chega a dizer, apoiando-se na obra do abade Raynal, "que o
participation); BERLIN, Isaiah. Quatro Ensaios sobre a Liberdade. Brasília,
Ed. Universidade de Brasília, 1981, p. 164; KRIELE, Martin. "Freiheit und
Gleichheit". In: E. BENDA/W. MAIOHOFER e H. J. VOGEL (ed.). Hand- França Antes e Depois de 1789". In:---. Igualdade Social e Liberdade Polí-
buch des Verfassungsrechts. Berlim, Walter de Gruyter, 1983, p. 133; LEISNER, tica. São Paulo, Ed. Norman, 1988, p. 94: "Segundo a noção moderna de demo-
Walter. Die Gleichheitsstaat. Berlim, Duncker & Humblot, 1980, p. 32; BOBBIO, cracia - e eu me atreveria a dizer que é a noção justa da liberdade -, todo
Norberto. "Della libertà dei moderni comparata a quella dei posteri". In: A. homem, pressupondo-se que recebeu da natureza as luzes necessárias para con-
PASSERIN D'ENTRJ!VES (org.). La Libertà Política. Verona, Ed. di Co- duzir-se por si mesmo, tem de nascimento um direito natural e imprescritível
munità, 1974, p. 68; MERQUIOR, José Guilherme. O Argumento Liberal. Rio de viver com independência de seus semelhantes, em tudo o que se relaciona
de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1983, p. 89. com sua pessoa, e a ordenar segundo lhe convém seu próprio destino."
62 "De la Liberté des Anciens comparé a celle des Modernes". In: - - - .
SQ Du Contra! Social. Paris, Ed. Garnier Fréres, 1962, Liv. I, cap. VIII e Liv.
fi, cap. X, p. 247 e 269: a liberdade é "l'obéissance à foi qu'on s'est prescrite", Oeuvres Politiques. Paris, Charpentier & Cie., 1874, p. 269: "O objetivo dos
enquanto a igualdade, que "ne s'exerce jamais qu'en vertu du rang et des [ois" antigos consistia na partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma
consiste "quant à la richesse, que nul citoyen ne soit assez opulent pour e11 mesma pátria. Era a isso que davam o nome de liberdade. O objetivo dos
pouvoir acheter un autre, et nul assez pauvre pour être contraint de se vendre". modernos consiste na segurança da fruição dos direitos privados; e dão o nome
6? Cf. MACEDO, Ubiratan Borges. "O Liberalismo Doutrinário". In: PAIM, de liberdade às garantias que as instituições proporcionam a essa fruição.''
63 Du Contra! Social, cit., liv. III, cap. XV, p. 301.
Antônio (org.). Evolução Histórica do Liberalismo. Belo Horizonte, Itatiaia,
1987, p. 33 e seguintes, DIEZ DEL CORRAL. El Liberalismo Doctrinario, 6-1 De l'Esprit des Lois. Paris, Garnier, 1871, liv. XIII, cap. XII, p. 200.
cit., p. 16. 65 lbid., p. 202: "La liberté a produit l'excés des tributs; mais l'effet de ces
61 De La Democratie en Amérique. Paris, Union Générale J!ditions, 1963, tributs excessifs est de produire, à leur tour, la servitude; et l'effet de la servi-
p. 275: "pour combatre les maux que l'egalité peut produire, il n'y a qu'un re- tude, de produire la diminution des tributs".
mede efticace: c'est la liberté politique"; - - - . "Estado Social e Político da rn O Antigo Regime e a Revolução, cit., p. 110.

110 111
tributo e o imposto são a prova do despotismo, ou aquilo que mais de- la levét~ des deniers publics autrement que par son consentement il
pressa ou mais devagar conduz a ele; que a imposição das taxas foi n'y aura plus de Íibertê, parce qu' elle deviendra législative sur le p~int
a mais importante das usurpações que os soberanos fizeram, e cujas Te plus important de la législation" 11 •
conseqüências têm sido as mais funestas" 67 • Do lado dos liberais mode- O princípio da legalidade tributária foi incorporado por todos
rados, que enfatizam as vantagens do tributo para a garantia da igual- os grandes textos constitucionais do Estado de Direito. A Declaração
dade, sobressai a figura de Cairu, ao afirmar: "freqüentemente acon- de Direitos (Bill of Rights) inglesa dizia ser ilegal "levantar dinheiro
tece que o que reclama contra os impostos indispensáveis ao serviço para uso da coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem permissão do
público só olha para as mãos do soberano, e não se contenta com parlamento". Na Constituição dos Estados Unidos reservou-se ao
Congresso o poder de criar tributos 72 • Na França a Declaração de
que o toca a própria graduação, segundo o talento que tem ao salário
Direitos 73 e a Carta de 1814 74 proclamaram o princípio da legalidade.
público, e contraditoriamente requer a paga e prêmio de seu serviço, 75
Na Espanha traduziu-se no princípio da anualidade •
sem que haja contribuições proporcionais, fazendo cada especulador,
Essas idéias repercutiram no constitucionalismo luso-brasileiro,
segundo o gênio e caráter, seu sistema econômico, apregoando que
embora de modo não muito claro. A Constituição de 1824 cuidou do
só tudo iria bem com os seus arbítrios" 6 8 • poder de legislar sobre tributos nos dispositivos sobre o orçamento, o
que despertou a crítica da doutrina 76 ; o art. 15, item 10, atribuiu à
3 .2. Legalidade assembléia geral "fixar anualmente as despesas públicas, e repartir
a contribuição direta"; o art. 171 estabeleceu: "todas as contribuições
A liberdade individual se expressa através da legalidade ou do
diretas, à exceção daquelas que estiverem aplicadas aos juros e ·?mor-
princípio do primado da lei formal.
tizações da dívida pública, serão anualmente estabelecidas pela assem-
A legalidade, no liberalismo, substitui a Razão de Estado que
bléia geral; mas continuarão até que se publique a sua derrogação
prevalecia no patrimonialismo e no absolutismo. O poder financeiro ou sejam substituídas por outras". A de Portugal, de 1826, adotou
se transforma em poder Legislativo69 •
idêntico princípio (art. 3.0 ).

Kant faz coincidir a liberdade com a legalidade e admite como 71 De l'Esprit des Lois, cit., liv. VI, cap. VI, p. 150.
livre a vontade que obedece à máxima elaborada pela razão prática, n Article I, Section 8(1): "The Congress shall have Power to lay and collect
ou seja, a lei da liberdade "concorda com todas as máximas em um Taxes, Duties, Imposts and Excises".
n Declaration des Droits de l'Homme et du Citoyen- "14. Tous les citoyens
reino possível de fins, como um reino da natureza" 70 • Esse conceito ont le droit de constater, par eux-mêmes ou par leurs représentants, la necessité
de liberdade, meramente formal, vai resumir toda a elaboração teó- de la contribution publique, de la consentir librement, d'en suivre l'emploi, et
rica do início do Estado de Direito e servirá de referência para o d·en determiner la quotité, l'assiette, le recouvrement et la durée".
ulterior desenvolvimento da idéia de liberdade para ou liberdade po- 74 "Art. 48 - Aucum impôt ne peut être etabli ni perçu, s'il n'a été consenti
par les deux chambres et sanctionné par le roi".
sitiva, com reflexos no campo fiscal. 75 Constituição de 1812, art. 338: "Las Cortes estabelecerán y confirmarán
De feito, liberdade e legalidade coincidem também no plano tri- anualmente las contribuciones, sean directas o indirectas, generales, provincia-
butário. Montesquieu afirmava: "si la puissance exécutrice statue sur les o municipales, subsistindo las antiguas hasta que se publique su derogación
y la imposición de otras".
76 PIMENTA BUENO , J. A. Direito Público Brasileiro e Análise da Constitui-
67 Ensaios Políticos. Rio de Janeiro, PUC/Ed. Documentário, 1976, p. 41. ção do Império. Rio de Janeiro, Ministério da Justiça, 1858, p. 87, depois de
68 Estudos do Bem Comum e Economia Política, cit., p. 462. observar que a Constituição nada dizia sobre as contribuições indiretas, obser-
69 Cf. RAINER WALZ. Steuergerechtigkeit . .. , cit., p. 21. vava: "Em todo o caso os brasileiros não são obrigados a pagar as contribui-
70 Fundamentaci6n de la Metafísica de las Costumbres. Trad. M. Garcia Mo- ções senão em virtude de lei, e nem por mais tempo do que aquele que esta
rente. Buenos Aires, El Ateneo, 1951, p. 517. marcar."

112 113
Os escritores também passaram a proclamar o princípio da lega- formisrpo diante das imposições fiscais não consentidas (for impo-
lidade tributária. Na obra de Silvestre Pinheiro Ferreira o poder fi- sing taxes on us 'without our Consent). Na Declaração de Direitos da
nanceiro não tem autonomia, eis que os poderes do Estado são cinco: Virgínia (1776) estampou-se também .a necessidade do consenti-
o eleitoral, o legislativo, o judicial, o executivo e o conservador; su- mento83.
cede que o antigo ministro de D. João VI se alonga sobre o tributo No pensamento luso-brasileiro a idéia de representação encon-
no capítulo de administração fiscaF 7 , fato que decorre até mesmo de trou dificuldades de aclimatação. Nem o liberalismo radical nem o
sua insistência em se manter apegado à idéia de ordenação78 , intima- doutrinário souberam extrair as conseqüências do princípio, pelo
mente ligada à de monarquia 79 • peso da tradição monarquista 5 4 • O português Ferreira Borges, tão
divulgado entre nós, continuava preso ao monarquismo, dizendo que
3.3. Representação os próprios reis cederam "de uma vontade absoluta que exerciam, e
pediam ábs povos que se unissem a eles e com eles legislassem e
A liberdade fiscal no Estado de Direito significa que o próprio impusessem a si mesmos as contribuições necessárias para fazer as
povo é que se tributa, através de seus representantes. No taxation despesas necessárias à administração85 . Silvestre Pinheiro Ferreira
without representation . O princípio da representação está imbricado conseguiu melhores resultados , ao se alongar na defesa de que a "ju-
com o da legalidade, que acabamos de examinar, e com o conceito risprudência da representação não poder ser outra que a do manda-
de soberania80, a ser estudado adiante. to"~. Cândido de Oliveira realça a importância da representação:
A mais conspícua formulação do princípio em matéria fiscal " O direito de impor ·s obre os haveres dos membros da sociedade, para
deve-se a Locke 81. o fim exclusivo da manutenção da ordem pública, é atributo essencial
Nos Estados Unidos houve a luta para que fossem reconhecidos dos governos regularmente constituídos: e o uso desse direito nos
aos americanos os mesmos direitos de que gozavam os ingleses quanto governos representativos constitui o mais importante privilégio dos
à tributação; na declaração contra o Ato do Selo (1765) ficou dito imediatos representantes do povo."87
que "é essencial à liberdade do povo, sendo direito incontestável dos
ingleses, que nenhum tributo lhes possa ser imposto sem o seu próprio 3 .4 . Felicidade
consentimento, dado pessoalmente ou através de seus representan-
tes"82. Na Declaração da Independência (1776) registrou-se o incon- A liberdade individual cultivada pelo pensamento luso-brasileiro
surge amalgamada à noção de felicidade.
77 Cf. Manuel du Citoyen sous um Gouvernement Répresentatif, cit. , v. 2, p.
424. be imposed on them but with their own consent, given personally, or by their
7S Cf. Projetos de Ordenações para o Reino de Portugal. Paris, Casimir, 1831.
representatives".
79 RAIMUNDO FAORO. Os Donos do Poder, cit., v. 1, p. 66, observou argu-
tamente: "As Ordenações não regulam, não disciplinam direitos individuais ... 83 Sec. 6: " . .. and that ali men . . . cannot be taxed or deprived o f their
Não havia a rigor direito civil, nem direito comercial, mas direito administra- property for public uses, without their own consent, or that of their represen·
tivo, que se prolonga na tutela de direitos dos indivíduos. presos e encadeados , tatives so elected . . . "
84 Cf. BARRETO, Vicente. "Primórdios e Ciclo Imperial do Liberalismo".
freados e jungidos à ordem política."
80 Cf. DREIER, Horst. "Demokratische Reprasentation und vernünftiger In: - - - . e PAIM, Antônio. Evolução do Pensamento Político Brasileiro. Belo
Allgemeinwille". Archiv des offentlichen Rechts, 1988, v. 113(3), p. 475. Horizonte/São Paulo, Ed. Itatiaia- EDUSP, 1989, p. 53; A. PAIM, Cairu e o
81 Two Treatises of Civil Government. Londres, Everyman's Library, 1953, Liberalismo Econômico, cit., p. 89.
liv. li, cap. XI, § 138, p. 187: "The supreme power cannot take from any 85 Exame Crítico do Valor Político das Expressões Soberania do Povo e so.
man any part of his property without his own consent". berania das Cortes, cit., p. 11.
8
~ Decrees of Stamp Act Congress: "III. That it is inseparably essentia! to 86 Idéias Políticas, cit., p. 124.
the freedom of a people, and the undoublted right of Englishmen, that no taxes 87 Sistema Financia[ do Brasil, cit., p. 3.

114 115
Essa, aliás, é, como vimos, característica que goza de certa per- portuguesa de 1826, estas duas últimas outorgadas por D. Pedro 19 5 •
manência na ideologia política de Portugal e do Brasil. No Estado A idéia de felicidade do povo através da educação promovida pelo
de Polícia a liberdade implicava a felicidade do Estado, entendida Estado aparece naqueles textos constih:1cionais. Aliás o próprio
como a felicidade dos súditos coincidente com a do príncipe. Bentham, em ·correspondência trocada com o deputado português
Agora, no liberalismo, adota-se o conceito de felicidade defen- João Baptista Filgueiras, traduzia o princípio utilitarista da maior
dido por Bentham (17 48-1832). Não se cuida da conquista da felici- felicidade possível nas normas constitucionais relativas à provisão de
dade no sentido individualista e jeffersoniano, livre da ação do Es- recursos para os pobres, para a educação e para a lgreja96 •
tado88, e que acabou por se inscrever na Declaração da Independên- O pensamento político, constitucional e econômico também de-
cia dos Estados Unidos 89 ; nem da idéia de felicidade desenvolvida nota a influência do utilitarismo de Bentham. Silvestre Pinheiro Fer-
por Benjamin Constant90 . Para Bentham cumpre garantir a maior fe- reira vislumbra a felicidade quando os homens "contam uma soma de
licidade possível para o maior número, através da razão e do direi- gastos corí~ideravelmente maior que a das dores", sendo infelizes
to 91 ; as medidas de governo podem -eonduzir ao princípio da utili- "aqueles em cuja vida a soma das dores é consideravelmente maior
dade, "quando a tendência de aumentar a felicidade é maior que a de que a dos gostos" 97 ; mas, como "o máximo da civilização é insepará-
diminuí-la"92 ; a presença do Estado é importante na concessão de vel do máximo da dependência", a felicidade necessita da interme-
estímulos para o desenvolvimento com a arrecadação dos impostos93 • diação da política para garantir o esquema mercantilista das trocas
Embora liberal e adepto da livre iniciativa, Bentham advoga, por- entre as nações98 • Cairu recomenda que "os governos iluminados se
tanto, certo paternalismo94 , que vai consonar com as raízes da cultura desvelem em conhecer e empregar os eficazes expedientes de promo-
luso-brasileira e, por isso mesmo, a sua obra fez tanto sucesso em ver a felicidade temporal de seus povos, · cuidando não menos .çom
terras ibéricas. paternal solicitude, por educação religiosa, em prepará-los para a
De feito, a influência de Bentham foi muito grande na Consti- felicidade eterna' 099 , o que leva a se reconhecer a sua simpatia pelo
tuição portuguesa de 1822, assim como na brasileira de 1824 e na pa ternalismo 100 •
Só mais tarde, com a obra do Visconde de Uruguai, é que se
8'1 Para as diversas possibilidades de relacionamento entre felicidade e Estado
chega a melhor equilíbrio no relacionamento entre o Estado e a feli-
no liberalismo, v. MURRA Y, Charles. In Pursuit of Happiness and Good Go-
vernment. Nova York, Simmon and Schuster, 1988, p. 40. cidade: "Convenci-me ainda mais de que se a liberdade política é
89 "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os essencial para a felicidade de uma Nação, boas instituições adminis-
homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos trativas apropriadas às suas circunstâncias, e convenientemente de-
inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade" senvolvidas não o são menos. Aquela sem estas não pode produzir
( ... Li fe, Liberty and the Pursuit of Happiness).
90 "De liberté des anciens . .. ", cit., p. 283: "Qu'elle (l'autorité) se borne à
bons resultados." 101
être juste; nous chargerons d'être heureux". 9' Cf. MARIA HELENA CARVALHO DOS SANTOS. "A Maior Felicidade
9L An Introduction to the Principies of Morais and Legislation. Oxford, Basil do Maior Número. Bentham e a Constituição Portuguesa de 1822", cit., p. 96
Blackwell, 1948, p. 125: "The principie of utility recognizes this subjection, and e 115.
a~sumes it for the foundation of that system, the object of which is to rear the 90 Apud MARIA HELENA CARVALHO DOS SANTOS, op. cit., p. 107.
fabric of felicity by the hands of reason and of law". 91 Preleções Filosóficas, cit., p. 279.
92 lbid., p. 127: "When in like manner the tendency which it has to augment 9~ lbid., p. 281.
the happiness of the community is greater than any which it has to diminish it". 9'J Estudos do Bem-Comum e Economia Política, cit., p. 153.
93 Escritos Econômicos. México, FCE, 1978, p. 44. 100 Cf. ALCEU DE AMOROSO LIMA, op. cit., p. 28: "Podemos ver, em
94 Cf. DENIS, Henri. História do Pensamento Econômico. Lisboa, Círculo de Cairu, menos o precursor da economia liberal, do que o da economia dirigida
Leitores, p. 174: "o Estado deve intervir em matéria econômica a fim de asse- para o bem da sociedade".
gurar a maior felicidade do maior número". MACPHERSON, C. B. A Demo- 101 Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Tip. Nacional, 1862,
cracia Liberal. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 40. p. VI.

116 117
-+. Liberdade e fiscalidade id~ia de soberania em Portugal e no Brasil é longa e tumultuadalo<.
Não conseguimos, em nenhum momento inicial do liberalismo, alcan-
4.1. A centralização do poder fiscal çar o conceito de soberania desenhado pelos ingleses, _ da mesma
forma que não chegamos a desenvolver em sua plenitude os conceitos
Com o advento do liberalismo centraliza-se o poder fiscal no Es- de legalidade e de representação na linha em que foram formulados
tado. O tributo se torna unicamente uma categoria estatal. Desaparece por Locke e outros liberais.
a fiscalidade periférica da Igreja e do senhorio, que prevalecera no Num primeiro momento defendeu-se, principalmente pela voz
patrimonialismo e no Estado de Polícia. Há, portanto, uma nova dos revolucionários ou radicais 105 , a idéia de que a soberania repou-
estrutura da propriedade, com o tributo a incidir sobre a economia sava na nação. A Constituição portuguesa de 1822 aderiu a essa
burguesa e se extinguindo as jurisdições da Igreja e do senhorio102 • orientação, com dizer no art. 2.0 : "A soberania reside essencialmente
Duas idéias são fundamentais para o monopólio do poder fiscal: em a, Nação."
a de soberania e a de contrato social. Preponderou, todavia, o conceito moderado de soberania. A
fonte do poder estava no povo. Mas havia a necessidade da interme-
a) Soberania diação do Congresso para que se expressasse a vontade popular, de
acordo com os princípios da democracia representativa. E, além
Recorde-se que o mundo luso-brasileiro não recepcionara a idéia disso, era necessária a participação do monarca, para que se com-
de soberania. Nem Maquiavel nem Bodin penetraram no pensamento pletasse o exercício da vontade soberana do povo 106 • As Consti-
ibérico. Prevaleceram as idéias de jurisdictio e de suprema auctoritas tuições de Portugal (1826) e do _ Brasil (1824), outorgadas por
no período do patrimonialismo e as de majestas e ius eminens na D. Pedro, por isso mesmo já não mencionam a soberania107'. Silvestre
fase do absolutismo esclarecido, que ,. trouxeram como conseqüência Pinheiro Ferreira elaborou e leu, em nome de D. João VI, discurso
t-1 tripartição do poder fiscal, com a possibilidade do exercício das em que afirmava: "os povos sancionaram o princípio fundamental
imposições fiscais pela Igreja e pela nobreza. de toda a monarquia constitucional, que o exercício da soberania,
No Estado de Direito penetra, afinal, a idéia de soberania, que, consistindo no exercício do poder Legislativo, não pode residir sepa-
não admitindo qualquer poder igual ou superior ao do Estado, con- radamente em nenhuma das partes integrantes do Governo, mas sim
tribui para a liquidação da fiscalidade periférica. B um momento de na reunião do monarca e deputados escolhidos pelos povos" 108 • Fer-
ruptura para com o antigo regimeuB. A história da recepção da
pela analogia formal entre a supremacia expressa da coroa e a soberania pos-
terior do Estado - crie uma aparência da continuidade institucional e uma
102 FONTANA, Josep. La Revoluci6n Liberal. Política y Hacienda: 1833-1845.
base para a projeção de conceitos jurídicos de um para outro período".
Madri, Instituto de Estudios Fiscales, 1977, p. 259 observa que a mudança es-
trutural da propriedade foi "um processo global y conjunto - integrado por la IM Cf. MARTIM DE ALBUQUERQUE. Jean Bodin na Península Ibérica, cit.,
desamortización eclesiástica y civil, la desvinculación, la supresión del diezmo p , 180.
105 Cf. FREI CANECA. Ensaios Políticos, cit., p. 46: "0 poder soberano é
y de los derechos seiíoriales, las leyes de acotamientos que fijaron 'el principio
dei disfrute omnimodo de la propiedad particular', etc. - que só puede com- indivisível, ele está todo essencialmente na nação, e por comissão ou delegação
prenderse examinándolo en su integridad, pero no mediante el análisis de una nas cortes soberanas".
106 Cf. A. PAIM. Cairu e o Liberalismo Econômico, cit., p. 89; MARIA
sola de las piezas". .
IOJ O problema da ruptura ou da descontinuidade entre o EstadOEstamental
BEATRIZ NIZZA DA SILVA. As Idéias Políticas de Silvestre Pinheiro Ferrei-
e o Estado de Direito passa necessariamente pelas idéias de soberania e de ra, cit., p. 106.
107 CL CABRAL DE MONCADA. Estudos da História de Direito, v. 2, p. 135.
representação; cf. G . DILCHER, op. cit., p. 167; CLAVERO, op. cit., p. 173: 100 "Discurso mandado ler por Sua Majestade na sessão do dia 4 de julho de
"estamos (no regime senhorial) perante um complexo jurídico inteiramente dife-
rente do característico da Fazenda Pública, estruturada desde 1836-45, ainda 1821, em resposta ao que lhe dirigiu o presidente das cortes gerais, extraordiná-
que a transmissão de termos de procedência anterior - transmissão possível rias e constituintes da nação portuguesa, por ocasião do juramento prestado por

119
11 8
reira Borges denuncia "o erro da suposta soberania do povo"100; e o princípio do minimalismo fiscal aparecem ainda na obra de Ben-
entende que a soberania "é a Justiça" 110 ; e diz que só com a sanção tham114 e de Adam Smith115 •
do ·rei se completa o processo da lei justa, pois no projeto aprovado Nada obstante, em Portugal e no Brasil é frágil a recepção da
pelas Câmaras "apenas está concertada a tese, que há de vir a ser idéia de contrato social como fundamento do tributo. Silvestre Pi-
lei, mas falta que o poder Executivo a aceite, e se convença da sua nheiro Ferreira, por exemplo, embora influenciado por Bentham,
necessidade, da sua utilidade e da sua justiça, para empregar de sua pouco versou a respeito do contrato sociaP 16 e, quando o fez, não
parte a força necessária da execução, que é o complemento da lei" 111 • tirou as ilações no campo da fiscalidade: "quanto à propriedade, é
A idéia de soberania, por conseguinte, ingressou no liberalismo
geralmente reconhecido que ela não se pode conservar sem a cons-
tante proteção das leis" 117 . A concepção do contrato social ficou pre-
brasileiro amalgamada com os privilégios da monarquia, o que fez,
judicada no liberalismo brasileiro pela crítica implacável que ante-
como veremos adiante, que ainda perdurassem por algum tempo a
riormente -~he fora feita por Azeredo Coutinho, autor que, embora de
fiscalidade periférica e os privilégios do clero e da nobreza, que só
índole fisiocrata, exerceu grande influência no pensamento conser-
mais tarde se transmudariam em privilégios da burguesia, sob cuja
vador118.
forma permaneceram até os nossos dias.
4.2. A publicização da fiscalidade
b) Contrato social
A diferença essencial entre o Estado Patrimonial, nele incluído
A outra idéia que conduziu à centralização do poder fiscal e à
o de Polícia, e o Estado Fiscal reside na transformação do imposto
publicização do tributo foi a de contrato social, pelo qual os cidadãos
em coisa pública. A fiscalidade privada desaparece, e o tributo- co-
abririam mão de uma parcela mínima de sua liberdade em favor do
brado pelo Estado deixa de emanar de relações de privacidade e in-
Estado em troca da garantia e da segurança dos seus direitos da liber-
gressa na esfera da publicidade119 • O fenecimento do patrimonialismo
dade. Nessa perspectiva o imposto adquire a dimensão de preço mí-
tem entre as suas principais causas a crise financeira do antigo regi-
nimo da liberdade ou de prêmio de seguro 112 •
f: interessante averbar que todos os grandes escritores que in- me, que culminou com a insuficiência das receitas, o excesso de des-
fluenciaram o pensamento político e econômico luso-brasileiro defi- Librairie, 1837, p. 110: "Il en est de l'autorité comme de l'impôt; chaque
niram o imposto sob a ótica do contrato social. Para Montesquieu individu consent à sacri/ier une partie de sa fortune pour subvenir aux dépen-
"les revenus de l'Etat sont une portion que chaque citoyen donne de ses publiques, dont le but est de lui assurer la jouissance paisible de ce qu'il
son bien pour avo ir la sureté de l' autre, ou pour en jouir agréableí conserve".
ment"; e por isso, quanto ao tributo "il faut que ce soit du moins à 11 4 Escritos Econômicos, cit., p. 42.
115 A Riqueza das Nações, cit., liv. V, cap. li, parte li, v. li: "Os súditos de
ce qu'il peut toujours donner" 113 • A natureza contratual da tributação
todos os Estados devem contribuir para a manutenção do governo, tanto quanto
possível, em proporção das respectivas capacidades, isto é, em proporção do
Sua Majestade às bases da constituição". Apud MORAES, Alexandre José de
crédito que respectivamente usufruem sob a proteção do Estado" (p. 485); "todo
Mello. História do Brasil-Reino e do Brasil-Império. Belo Horiz<(_Ilte/São Paulo,
o imposto deve ser arquitetado tão bem que tire o mínimo possível do bolso
Ed. ltatiaia/EDUSP, 1982, v. 1, p. 177. das pessoas para além do que traz para o erário público" (p. 487).
109 Exame Crítico do Valor Político das Expressões Soberania do Povo e So- 116 Cf. CABRAL DE MONCADA. Subsídios ... , cit., p. 36.

berania das Cortes, cit., p. 12. 117 Manual do Cidadão em um Governo Representativo, in: Idéias Políticas,
110 Ibid., p. 12. cit., p. 116.
118
111 Ibid., p. 26. Cf. VICENTE BARRETO. "O Absolutismo Português e os Primórdios da
112 Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 215.
Idéia Liberal no Brasil", cit., p. 60.
113 L'Esprit des Lois, cit., liv. XIII, cap. I, p. 194. Cf. também CONSTANT, m WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 296 : "The most important idea thal
Benjamin. Cours de Politique Constitutionnelle. Bruxelas, Societé Belge de emerged during this era was that state finance should be public finance''.

121
120
-
lação de benefício1 23 • Deve-se a Adam Smith a mais completa teoria
pesa, a irracionalidade do sistema tributário, a permanência de fontes
não tributárias, a expansão da venda de cargos públicos, a ineficiên · acerca da publicidade da tributação, ao declarar que "a maior parte
cia e corrupção da administração privada da coleta de rendas, o cres- da despesa do soberano deve ser coberta por impostos" 124 e ao for-
cimento da dívida pública não garantida pelos impostos, e os privilé- mular os princípios da incidência na proporção da capacidade de
gios e isenções. A publiciZação da fiscalidade, que resolve a crise pagar de cada quaP 25 e da certeza e segurança126 •
financeira do antigo regime, se inicia na Inglaterra e transmigra a A idéia de publicidade da tributação fez-se forte também em
pouco e pouco para os outros países, apresentando esquematicamente Portugal e no Brasil, embora mesclada ainda com os privilégios e
o seguinte contorno: preponderância dos impostos entre as fontes da outros resquícios do patrimonialismo. A Constituição portuguesa de
receita pública, relegada a papel subalterno a entrada proveniente da 1822 distinguiu entre a fazenda nacional, dirigida pelo Secretário
exploração do patrimônio do Estado; utilização regular dos emprésti- dos Negócios da Fazenda (art. 224) e a casa real, a cujo mordomo o
mos para a c.omplementação da receitá, garantidos pela cobrança dos tesouro público entregaria as dotações orçamentárias estipuladas em
impostos (a Inglaterra, no período de 1688 a 1815, tomou emprés- favor da família real (art. 139). A Constituição brasileira de 1824
timos que ascenderam, em média, a 33% do total das receitas) 120 ; ra- separou a fazenda do imperador (art. 115) da fazenda nacional
cionalização do sistema tributário, com o incremento dos impostos (art. 170). Silvestre Pinheiro Ferreira já em 1814 sugeria a reforma
diretos , entre eles o de renda (as primeiras tentativas inglesas datam da administração do erário e o debate sobre as seguintes perguntas:
do fin1:1l do século XVIII) , apoiados no princípio eminentemente pú- "quais são os vícios de excessos, de defeitos ou de vexame, que en-
blico da canacidade contributiva. e não mais na relação privada volvem cada um dos ramos das rendas da coroa e públicas, tanf0 ge-
custo/ benefício ou na só necessidade pública; separação entre a fa- rais como municipais?; como se pode abolir sem diminuição da fa-
zenda do rei e a fazenda pública; transferência do poder tributário zenda real a escandalosa venda de ofícios, paga de mercês, emolu-
do rei para o Legislativo; ·aperfeiçoamento das técnicas contábeis, mentos indecorosos ou por atos de ofício, tudo sem prejudicar ou
aue tornam transoarentes os recursos públicos; racionalização da ad- com indenização dos lesados na reforma que se propuser?; quais são
ministracão fi~c:al. exercida por funcionários públicos. aue substi- os vícios da atual constituição do erário e mais estações de fa-
tuem os arrend::ttários de impostos ; seoaração entre política e econo-
zenda?"IZ7; voltou a tratar das questões financeiras em inúmeras
mia . vive:nrlo o Estado dos ingressos derivados da economia particular
oportunidades, defendendo que a administração das finanças deveria
e permitindo rme os agentes econômicos ampliem a riqueza suscetível
ser "a administração da fortuna do Estado e não do patrimônio do
de tributação121 .
monarca" 128, indicando como fundamento dos direitos e poderes po-
A conceocão do imposto como coisa pública foi obieto de longa
líticos do Estado os princípios "da responsabilidade e publicidade de
elaboracão teórica, em certa parte antecinada por iluministas, camera-
listas e fisiocr·atas. Mas, mesmo nos primórdios do liberalismo. ainda t2.J An Introduction to the Principie of Morais and Legislation, cit., p. 273.
se encontra a idéia de tributo liP"ada aos laços da privacidarle122 , 124 Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, cit., v. 2,
como ocorre. por exemplo, com Bentham, aue continua a defen- p. 484.
125 Ibid., p. 485.
der os impostos indiretos e que vê o tributo sob a perspectiva da re-
126 Ibid., p. 486: "O imposto que todo o indivíduo é obrigado a pagar deve

ser certo e não arbitrário. O tempo de pagamento, o modo de pagamento, o


120 C:f P . KPNNF.DY. ov. cit., P. 87.
quantitativo a ser pago, tudo deve ser claro e simples para o contribuinte e
12! K. VOGEL. Der Finanz-und Steuerstaat, cit., p. 1.174: "A es tatalidade fis· para todas as outras pessoas."
cal ~il!nifira SPnnradío entre F.~tado e econ0mia" (StectP•<Inntlirhknit hPdPutet
m Idéias Políticas, cit., p. 29.
trennrmP von Staat und Wirtschaft). Cf. também A. M. HESPANHA. Poder e 128
Tnstituicões, cit., p. 58. Cours de Droit Public Interne et Externe. Paris, Rey et Gravier/J. P.
Aillaud, 1830, p. 286.
m Cf. F. K. MANN, op. cit., p. 219-229.

122 123
todos os atos" 129 e manifestando-se favorável a que o montante das pelo deéreto de 30 de julho de 1832, ao tempo de Mouzinho da
contribuições se reparta, entre todos, na proporção dos seus rendímen- Silveira 134 , e na Espanha, pela lei de 29.7. 1837 135 •
tos130. Cairu distingue claramente entre a riqueza nacional, a rique- No Brasil os dízimos foram secularizados136 e continuaram a ser
za do Estado e a riqueza pública: a primeira compreende a abundân- cobrados pelas províncias até o advento da República, incidindo so-
cia de boas terras, capitais e créditos; a riqueza do Estado "é a que bre algodão, café, tabaco, fumo e gado vacum e cavalar137 •
está na mão do (}overno, para o melhor exercício da soberania", nela A publicização dos dízimos fundou-se na teoria de que já não
incluído o er.ário; a riqueza pública é a porção de terras e obras de uso pertenciam eles à Igreja, mas ao imperador, na qualidade de Grão-
comum do povo" 131 • Inicia-se, também, a reflexão sobre os emprésti- Mestre da Ordem de Cristo. Defendeu-a com erudição o bispo Aze-
mos, que, todavia, não alcança a dimensão da doutrina americana132 , redo Coutinho, em 1816, ao dizer que em sua origem os dízimos
por lhe faltar o vínculo com o imposto, tendo em vista que na prá- eclesiásticgs eram uma propriedade da Igreja: "o Império de Portu-
tica financeira do início do século XI_X a nossa dívida pública era gal já ac'hou a Igreja lusitana com dízimos eclesiásticos, consti-
saldada com mecanismos cambiais ou monetários; Acúrcio das Neves tuindo a sua propriedade e formando uma parte da lei fundamental
dizia: "é pois a grande vantagem dos empréstimos evitar a opressão, destes reinos" 138 ; mas o rei D. Manuel conseguiu da fé apostólica
repartindo por um dilatado número de anos as somas que reclamam que ao Estado ficassem "os dízimos das ditas comendas seculariza-
as precisões do momento; consiste o seu grande perigo na facilidade dos, posto que com a obrigação de pagarem os encargos a que esti-
de ir acumulando dívidas sobre dívidas, que precipitam insensivel-
vessem sujeitos os mesmos dízimos" 189 .
mente os Estados, e os particulares em total ruína" 133 .
4.4. A extinção da fiscalidade do senhorio
4.3. A extinção da fiscalidade da Igreja
A fiscalidade senhorial sofre as primeiras limitações, como vi-
mos, no Estado de Polícia, com a extinção da jurisdição do senhorio
Desaparece com o liberalismo a fiscalidade da Igreja, adquirin-
e dos donatários em Portugal (1790).
do o Estado o monopólio do poder tributário. Os dízimos se extin-
Com o liberalismo extingue-se, a pouco e pouco, a própria fis-
guem primeiro na França (1789) e na Áustria (1789). No mundo
calidade periférica do senhorio. Algumas ordens baixadas no Rio de
ibérico a extinção ocorre após as revoluções liberais: em Portugal,
1:4 Cf. CABRAL DE MONCADA. Estudos de História do Direito, v. 2, p. 138;
U9 Projeto de Código Político para a Nação Portuguesa. Paris, Rey et Gravier/ SERRÃO, Joel; SILVEIRA, José Xavier Mouzinho. In: - - . (dir.). Dicionário
J. P. Aillaud, 1838, p. VII. de História de Portugal, cit., v. III, p. 889, que cita o próprio legislador: "0
clero tomado no sentido lato absorve maior rendimento do que o da Nação
°
13
Cf. PEREIRA, José Esteves. Silvestre Pinheiro Ferreira e o pensamento
e a priva de dois terços da sua faculdade contribuinte . .. Os interessados nos
econômico liberal. In: O Liberalismo na Península Ibérica na Primeira Metade
abusos buscam o seu ponto de apoio no céu para devorarem a terra."
do Século XIX, cit., v. 2, p. 26.
135 CANALES, Esteban. "Hacienda, Iglesia y diezmos durante el trienio cons-
131 Estudos do Bem-Comum e Economia Política, cit., p. 199. titucional". In: O Liberalismo na Península Ibérica, cit., p. 206; ARTOLA,
m HAMILTON. Papers on Public Credit, Commerce and Finance. Nova York, Miguel. Antiguo Régimen y Revolución Liberal. Barcelona, Ariel, 1983, p. 234.
Columbia University Press, 1934, p. 153, defendia a "Immortality to Public L36 Regulamento de 31 de março de 1831, baixado por Bernardo Pereira de
Credit", acrescentando que "a criação do débito deveria sempre ser acompa- Vasconcelos, presidente do Tribunal do Tesouro Público, dispondo sobre a co-
nhada dos meios para a sua extinção"; BENJAMIN CONSTANT. Cours de brança dos dízimos nas Províncias de Minas Gerais e São Paulo.
Politique Constitutionnelle, cit., p. 298, também proclamou a importância dos 137 Cf. Dom OSCAR DE OLIVEIRA, op. cit., p. 119; CAVALCANTI, Amaro.
empréstimos: "L'emprunt peut être considéré commme une véritab/e révolu- Elementos de Finanças. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896, p. 314.
tion dans notre administra/íon financiere". 138 Cópia da Análise da Bula do Sumo Padre Julio Ill, cit., p. 19.
l33 Variedades . .. , cit., v. 2, p. 129. 139 Ibid., p. 21.

124 125
Janeiro no período pré-constitucional começam a introduzir modifi- s. A libe~dade como limitação do poder fiscal
cações na disciplina dos forais e de suas normas reguladoras das
prestações devidas aos donatários 140 • Em 1822 ocorre em Portugal a O monopólio do poder fiscal exercido pelo Estado, com a ex-
reforma dos fora is, que, timidamente, reduz à metade a cobrança das tinção da fiscalidade periférica da Igreja e da nobreza, não é abso-
pensões e foros, numa demonstração inequívoca de que "a burgue- luto ou ilimitado. O poder tributário, pela sua extrema contundência
sia rural estava quase tão ligada aos privilégios da propriedade fun- e pela aptidão para destruir a liberdade e a propriedade, surge limi-
diária como a nobreza do antigo regime 141 • Só com os decretos de tadamente no espaço deixado pela autolimitação da liberdade e pelo
Mouzinho da Silveira, em 1832, seriam extintos os forais, juntamen- consentimento no pacto constitucional. Em outras palavras, o tributo
te com as portagens e pedágios que entorpeciam a agricultura. Na não limita a liberdade nem se autolimita, senão que pela liberdade
Espanha, apenas depois de 1836 se dá a abolição definitiva de "mor- é limitado , tendo em vista que apenas a representação e o consenti-
gadios, dízimos e senhorios" 142 . me*o lhe legitimam a imposição.
O pensamento liberal desde· cedo se opôs à fiscalidade do senho- No Estado de Direito a liberdade preexistente limita a soberania
rio e cios estamentos. Nas Constituintes de 1820 em Portugal dis- fiscal pelas imunidades e pelas proibições de privilégio e de confisco.
cute-se intensamente ·a cerca da manutenção dos {orais. Borges Car- Observa Garcia Pelayo que o Estado Moderno é um expropriador,
neiro, em discurso pronunciado em 3 de novembro, afirma: "A agri- que aboliu as imunidades e privilégios do antigo regime144 • Mas não
cultttra em Portugal é uma árvore plantada em excelente terreno; se contentou em extingui-los, senão que os substituiu pelas imunida-
mas desde a raiz até à sua extremidade, cheia de musgo, que lhe des e privilégios dos cidadãos, na mesma medida em que trocou a
chupa toda a substância. Essa matilha de juntas de obras públicas, garantia da liberdade estamental pela da individual. .
juízes, escrivães, engenheiros, feitores e beleguins das estradas do Com efeito, vitorioso o liberalismo, as imunidades e ' os privilé-
Alto Douro, do encanamento do Mondego e do Cávado, do Jardim gios do tratamento igualitário ou não discriminatório ganharam colo-
Botânico de Coimbra é musgo. No exército, tantos hospitais milita- ração democrática e genérica, especialmente por construção do cons-
res, médicos, cirurgiões, dispensatórios, farmacêuticos, auditores ge- titucionalismo norte-americano, passando a ser instrumento de prote-
nerais, brigadas, divisõeS, comissariados: musgo_ . _ Na ordem cha- ção da liberdade. Já nos artigos da Confederação de 1777 ficava de-
mada política, alcaides-mores, comendadores, senhores de terras, do- clarado que os cidadãos livres de cada Estado eram titulares de
natários da coroa: tudo isto musgo. Limpemos a nossa bela árvore "todos os privilégios e imunidades dos cidadãos livres dos outros Es-
bem limpa de todo esse musgo; a substância que lhe está chupando tados" e que entre tais privilégios se incluíam os de se sujeitarem
"aos mesmos deveres, imposições e restrições". O art. 4.0 , seção 2
a nutrirá e ela dará frutos abundantes. Por esta alegoria já vedes, se-
nhores, que a minha opinião sobre forais é que não haja nenhum." 143 (1) da Constituição americana proclamou que "os cidadãos de cada
Estado serão titulares de todos os privilégios e imunidades dos cida-
140 Carta Régia de 7. 3. 1810, que ordenava aos governadores do reino que
dãos de outros Estados" 145 • Posteriormente a 14.a Emenda (1868)
examinassem os meios "com que poderão minorar-se, ou suprimir-se, os Foraes, declarou que nenhum Estado pode prejudicar "os privilé~ios ou imu-
que são em algumas partes do reino um peso intolerável"; alvará com força nidades dos cidadãos dos Estados Unidos" 146 . No direito brasileiro
de lei, de 11.4.1815.
141 Cf. V1TOR SÁ, op. cit., p. 19. 144 I dea de la Política y otros Escritos. Madri, Centro de Estudios Constitu-
142 B. CLAVERO, op. cit., p. 173. Cf. também J. FONTANA. Hacienda y Esta- cionales, 1983, p. 133: "El Estado como el gran expropriador ... Expropria a
do en la Crisis Final del Antiguo Regimen Espano!, cit., p. 338; RUIZ TORRES, los sefíores y corporaciones de sus inumidades, privilegias y potestades".
op. cit., p. 108: "Leyes dei periodo de 1835-1840 intentaron unir definitiva- 143 Article IV, Section 2 (1): "The Citizens of each State shall be entitled to
mente a las diversas fracciones burguesas. Pera habrá que convenir que la ali Privileges and Immunities of Citizens in the several States".
empresa era dificil dada la diversidad de burguesias existentes". 146 Amendment XIV, Section 1: " ... No State shall make o r enforce any law
143 Apud NUNO ESPINOSA GOMES DA SILVA, op. cit., p. 299.
which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States".

126 127
referência explícita às imunidades, sob a inspiração americana, ape- concess-ão do pr(ncipe. Agora, no Estado de Direito, proíbem-se os
nas se fez na Constituição de 1891, por obra de Rui Barbosa; mas privilégios pessoais ou odiosos e se permitem os privilégios do cida-
o privilégio, em sua forma negativa de proibição de discriminações dão fundados em características objetivas ou reais; mas, contradito-
odiosas, segundo a expressão francesa, já exsurge na de 1824. riamente, no· Brasil, ainda persistem alguns privilégios do antigo re-
gime concedidos ao clero e à burguesia.
5 .1. Imunidades
A imunidade, como temos visto, é a impossibilidade absoluta a) Proibição de privilégios odiosos
de incidência tributária sobre coisas ou pessoas. No antigo regime era A Constituição brasileira de 1824 extinguiu os privilégios odio-
atributo dos direitos da Igreja e da nobreza, em nome da liberdade sos: "Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essencial e
estamental preexistente. No Estado de Direito aparece como quali- inteiramf,!,nte ligados aos cargos por utilidade pública" (art. 179, item
dade dos direitos fundamentais dos cid~dãos, em homenagem à liber- 16). A Constituição francesa de 1791 disse no preâmbulo: "Il n'y
dade individual. a plus, pour aucune partie de la Nation, ni pour aucun individu,
A extinção da imunidade da nobreza no Brasil foi decretada na aucun privilege, ni exception au droit commum de tous les Français".
própria Constituição de 1824: "ninguém será isento de contribuir Privilégio odioso é a permissão para fazer ou deixar de fazer al-
para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres" (art. guma coisa contrária ao direito comum. Os escolásticos já haviam de-
179, item 15). A Igreja passou a sofrer as incidências fiscais, sendo, finido o privilegium odiosum149 • No Estado Fiscal odioso é o privi-
entretanto, inúmeras as leis concessivas de isenções para as mitras e légio que consiste em pagar tributo menor que o previsto pÇtra os
os conventos 147 •
outros contribuintes, não pagá-lo (isenção) ou obter subvenções · e in-
A elaboração teórica sobre as imunidades fiscais nos primórdios centivos, tudo em razão de discriminações pessoais, como sejam as
do liberalismo entre nós foi diminuta, como, de resto, aconteceria circunstâncias de o beneficiário ser membro do clero ou da nobreza.
também nos países europeus mais cultos. A exceção veio dos Estados
Pimenta Bueno definiu magistralmente a proibição de privilé-
Unidos, com o trabalho da Suprema Corte e, principalmente, do
Chief fustice Marshall, ao afirmar que "o poder de tributar envolve gios odiosos. Explicou que o prfvilégio poderia se expressar por uma
o poder de destruir" (the power to tax in volves the power to destroy), das seguintes formas: "1°) Fazer ou gozar alguma coisa, de que os
acrescentando que a aptidão para destruir não deve ser controlada outros são excluídos pela proibição do direito comum; 2°) Não fazer
apenas pela confiança (confidence), mas pela representação, pela es- ou não prestar alguma coisa, que os outros são obrigados a fazer ou
trutura do governo e pela supremacia da Constituição, daí resultando prestar em virtude do direito comum, ou geral; 3.0 ) Ter direito supe-
a "isenção das ações e operações dos órgãos e instrumentalidades rior ou preferência, quando entrar com outros em concorrência." E,
federais" 148 • logo adiante, concluiu: "B, pois, uma exceção ou proteção especial de
maior ou menor importância, que faz desaparecer a igualdade pe-
5.2. Privilégios rante a lei, e que põe alguns cidadãos em melhores condições que
todos os outros. Basta enunciar o fato para se reconhecer quanto são
No Estado Fiscal transforma-se profundamente a disciplina dos em geral odiosos os privilégios; são usurpações sobre os direitos
privilégios. Antes, no Estado Patrimonial, incluída a fase do Estado alheios, ou pelo menos desigualdade formal de direitos."150 Cairu já
de Polícia, o privilégio ou era pessoal ou real e consistia sempre numa
149 SUAREZ. Tractatus de Legibus ac Deo Legislatore, cit., lib. VIII, cap. 1,
147
Cf. CAVALCANTI, Amaro. Elementos de Finanças. Rio de Janeiro, Im- n. 19, p. 459: "Deinde dicendum est, privilegium odiosum, quod sit contra
prensa Nacional, 1896, p. 241. commune jus, vel cedat in aliorum praejudicium".
148 McCulloch v. Maryland, 4 Wheat. 316 (1819) . 15'1 Direito Público Brasileiro e Análise da Constituiçiío do Império, cit., p. 414.

128 129
havia denunciado o abuso dos privilégios entre nós; "todos querem às- pessoas, .embora redundem também em proveito delas, e sim às
justiça, franqueza e preferência no seu; força, taxa e pretensão no coisas que estão relacionadas com tais pessoas, como os cargos, em-
alheio. Os governos são continuamente importunados com requeri- pregos, dignidade, invenções, descbbertas etc. Estes nada têm de
mentos de monopólios, privilégios e favores extraordinários. Ninguém odiosos desde que o interesse público os demanda e que não provêm
a respeito de si acha boa a regra de um com todos, mas de um contra de abuso." 155
todos" 151 •
De notar que esses privilégios equalizadores nada têm que ver,
Na França a crítica aos privilégios odiosos foi implacável. Vale em princípio, com o problema da liberdade, pois não constituem
a pena recordar as palavras de Sieyes: "Entendo por privilegiado
usurpação dos direitos fundamentais. São concedidos, em sua forma
todo homem que sai do direito comum, porque não pretende estar
negativa (isenções) ou positiva (incentivos e subvenções), por consi-
completamente submetido à lei comum, ou porque pretende direitos
der~~ões de justiÇa ou em atenção ao princípio do desenvolvimento
exclusivos"; "Todos os impostos particulares do Terceiro Estado se-
rão abolidos; não se deve duvidar disso. Havia um estranho país econômico.
onde os ·cidadãos que mais se aproveitavam da coisa pública menos Mas se não forem estendidos igualmente a todos os componen-
contribuíam, onde existiam impostos vergonhosos, insuportáveis; e tes do grupo que merece o tratamento desigual, serão suscetíveis de
que o próprio legislador taxava de degradantes." 152 Tocqueville obser- ferir a liberdade. Aos prejudicados assegurar-se-á o direito à restau-
vava que enquanto na Inglaterra "a aristocracia tomou a .si os encar- ração da igualdade, na linha do constitucionalismo americano. De
gos mais pesados que lhe permitissem governar, aqui reteve até o fim feito, os Estados Unidos, que não conheceram os privilégios odiosos
a isenção dos impostos para consolar-se de ter perdido o governo" 153 • do clero e da nobreza como os países europeus, deram ao. problema
Benjamin Constant dizia que com o privilégio havia "pour la nation dos privilégios solução diferente. Ao revés de proibirem os privilé-
tout entiere perte de liberté" 154 • gios odiosos, preferiram afirmar os privilégios do cidadão, dando voz
positiva ao direito de obter tratamento igual e não proclamando ex-
b) A permissão de privilégios plicitamente a vedação das discriminações. Hamilton já advertia que
sem as limitações constitucionais, entendidas como exceções à auto-
Se o Estado Fiscal extingue os privilégios odiosos das classes e
ridade legislativa, "toda reserva de privilégios e direitos particulares
dos estamentos, passa a permitir o privilégio de o cidadão ser tratado
seria reduzida a nada" (all the reservations of particular rights or
desigualmente para que se compense uma desigualdade fundada em
condições objetivas. Todo privilégio significa discriminação; quando,
privileges would amount to nothing) 156 • O juiz B. Washington, da
Suprema Corte, -caracterizava em 1825 os privilégios como o direito,
porém, o discrime se impõe em face da desigualdade na situação real,
entre outros, "de adquirir e possuir propriedades de qualquer espé-
ao fito de se alcançar a igualdade final, torna-se permitido. Conce-
cie, e de procurar e obter a felicidade e a segurança", de "se loco-
der auxílio aos pobres ou isentar do pagamento do tributo as pessoas
mover para outro Estado ou nele residir com o propósito de comer-
de menor capacidade contributiva não é privilégio odioso.
ciar ou exercer profissão", bem como o direito "à isenção de impos-
Entre nós, Pimenta Bueno assim se manifestava sobre os privi- tos mais altos que os pagos por outros cidadãos do Estado" (exemp-
légios não odiosos: "Denominam-se reais os que são concedidos, não tion from higher taxes than are paid by other citizens of the
state) 151 •
!SI Estudos do Bem-Comum e Economia Política, cit., p. 462.
!52 A Constituinte Burguesa. Que é o Terceiro Estado? Rio de Janeiro, Ed.
155 Op. cit., p. 415.
Liber Juris, 1986, p. 104 e 146.
156 The Federalist, cit., n. 78, p. 505.
!Sl O Antigo Regime e a Revolução, cit., p. 110.
154 Cours de Politique Constitutionnelle, cit., p. 130. 157 Corfield v. Coryell - 6 Fed. Cas. 546, 551-552.

130 131
"rangs supérieurs de la hiérarchie sóciale"Hh. Manifestava-se favorá-
c) A persistência dos privilégios do clero e da burguesia
vel ao niorgadio, porque os privilégios da nobreza e da monarquia
Tudo isso não obstante, persistiram no Estado Fiscal brasileiro seriam interdependentes, servindo de "proteção da nobreza contra
muitos dos privilégios do antigo regime. Até porque é extremamente os abusos da .coroa e de proteção da coroa contra os abu~os da
difícil detectar a desigualdade que justifica o privilégio não-odioso. nobreza" 162 • Sugeria a concessão de incentivos para a formação de
Reside aí, sem dúvida alguma, um dos mais árduos problemas acerca colônias agrícolas, justificando: "quando dizemos que não se deve
dos direitos da liberdade, pois a igualdade, sendo mera relação ou fazer alguma concessão exclusiva, não queremos entender aquelas
medida, e, portanto um conceito vazio 158 , abre--se à bipolaridade, isenções que derivam da natureza especial do caso e não ofendem,
afirmando-se assim pelo tratamento igual dos iguais como pela dis- antes seriam conformes aos princípios da justiça"163 •
tribuição desigual aos desiguais. Ora, a liberdade e a justiça, com a O economista português José Acúrcio das Neves, depois de tecer
intermediação da igualdade, participam da mesma equação ética e elogios à P,Olítica de incentivos de D. José, dizia: "Conceder certas
jurídica. Logo, a igualdade vai depender de conteúdos externos e isenções e privilégios úteis aos fabricantes, aliviar de direitos e auxi-
anteriores de justiça ou injustiça, que a transformem, ou não, em liar com gratificações as· manufaturas nacionais na sua exportação,
privilégio odioso, usurpação da liberdade ou ofensa ao direito fun- e consumo, e as matérias primeiras, que lhes servem de base, na im-
damental de tratamento isonômico. portação, proibir, ou carregar de grandes direitos as manufaturas es-
A legislação concedeu1 5 9 e a doutrina justificou inúmeros direi- trangeiras, para não fazerem concorrência às nacionais, promover
tos ao clero e à burguesia, muitos dos quais dissonantes das idéias com iguais favores a introdução das máquinas úteis, estimular o es-
liberais. Aliás, a persistência na concessão de privilégios, incentivos pírito de invenção a fazer novos progressos, segurando ao~ inv~nto­
e subsídios marca até hoje as finanças do país. res, por meio de privilégios exclusivos, o aproveitarem-se de todo o
A Constituição de 1824 determinava competir ao Poder Executi- fruto das suas descobertas por certo número de anos, são os expe-
vo "nomear bispos e prover os benefícios eclesiásticos". O clero, dientes que geralmente praticam as nações industriosas, e não têm
portanto, em virtude da união entre Igreja e Estado, recebia as côn- esquecido as nossas leis." 164
gruas e as pensões. Explicava Pereira de Barros: "Benefício é o ofício
eclesiástico a que está anexo o direito de gozar o clérigo que nele 5.3. A questão da pobreza
é provido durante a sua vida a renda de certos bens consagrados a A questão da pobreza ganha novo colorido no Estado Fiscal.
Deus." 160 Recorde-se que no patrimonhilismo cobravam-se impostos dos po-
Os incentivos à indústria, à colonização e agricultura continua- bres, e a assistência social cabia à Igreja, com o produto da receita
ram a ser recomendados, com tanta ou maior ênfase que a dos teó- dos dízimos. No Estado de Polícia inicia-se a mudança do sistema,
ricos do intervencionismo do Estado de Polícia. aliviando-se a tributação dos pobres e assumindo o Estado, na quali-
Silvestre Pinheiro Ferreira chegava a falar em uma noblesse dade de fiador da felicidade dos súditos, a responsabilidade pela as-
constitutionelle, cabendo ao Estado regular a forma de ocupação dos sistência social. Com o advento do capitalismo e do liberalismo apro-
ISS Cf. WESTEN, Paul. "The Empty Idea of Equality". Harvard Law Review
161 Cours de Droit Public Interne et Externe, cit., v. 1, p. 21.
1982, 95 (3), p. 596. t6?. "Manual do Cidadão em um Governo Representativo", in: Idéias Políticas,
'"" FREIRE, Felisbelo. História Constitucional da República dos Estados Unidos
cit., p. 159.
do Brasil. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1983, p. 102, faz extenso le- IM Indicações de Utilidade Pública oferecidas às Assembléias Legislativas do
vantamento dos incentivos concedidos ao tempo do Império, concluindo: "Eis
Império do Brasil e do Reino de Portugal. Rio de Janeiro, Tip. Imp. e Const.
aí provas exuberantes do regime de protecionismo do Estado em relação aos
de Seignot-Piancher, 1834, p. 42.
interesses da classe capitalista territorial."
160 Apontamentos de Direito Financeiro, cit., p. 45. t64 Variedades, cit., v. 1, p. 21.

133
132
fundam-se essas mudanças, estruturando-se juridicamente a imunida- life" 111 ;·Montesquieu: "On jugea que chacun avoit un nécessaire phy-
de fiscal do mínimo existencial e os privilégios dos pobres 165 , sendo sique égal; que ce nécessaire physique ne devoit point être taxé" 112 ;
as despesas públicas respectivas atendidas, no Brasil, com a seculari- Tocqueville observou que "no século XVIII é o pobre que goza na In-
zação dos dízimos eclesiásticos 166 • glaterra do privilégio de isenções de impostos; na França, é o rico" 173 •
A imunidade fiscal do mínimo existencial pode se referir tam-
a) A imunidade do mínimo existencial bém às taxas. Assim acontece quando se assegura a prestação estatal
positiva (educação, assistência médica etc.) independentemente de
No Estado Fiscal de Direito a tributação repousa no princípio
contraprestação pecuniária. A Constituição brasileira de 1824 garan-
da capacidade contributiva, e não mais na só necessidade do governo.
tia "os socorros públicos" (art. 179, 31) e dizia que "a instrução pri-
Esse princípio, emanado da idéia de justiça distributiva, vai se con-
mária é gratuita a todos os cidadãos" (art. 179, 32). A Constituição
cretizar no subprincípio da progressividade, ingressando nas Consti-
portuguesif de 1826 também assegurava os socorros públicos (art. 29)
tuições da França e do BrasiFa7 , entre outras. Passa a prevalecer,
c a instrução primária gratuita (art. 30), da mesma forma que a fran-
portanto, a regra de justiça segundo a qual cadã cidadão deve pagar
cesa de 1791 114 •
o imposto de acordo com a :ma capacidade de contribuir. Mas esse
Releva acentuar que a assistência social gratuita aos pobres, que
pagamento não atinge a parcela mínima necessária à existência hu-
implica imunidade de taxa, ou de tributos contraprestacionais,
mana digna, que, constituindo reserva da liberdade, limita o poder
foi objeto de longa elaboração legislativa e doutrinária. Na Inglaterra
fiscal do Estado168 •
sobressaiu o Poor Law Ammendment Act (1834), com extensa re-
A imunidade do mínimo existencial nem sempre possui dicção gulamentação do assunto. A doutrina se esforçou no sentido de·.dis-
constitucional própria, devendo ser lida nas entrelinhas do princípio tinguir entre indigência e pobreza, ao fito de limitar a obrigatorie-
da tributação progressiva. Mas não se confunde com a justiça, nem dade do auxílio estatal aos indigentes, que eram os incapazes de obter
com a capacidade contributiva, nem com a progressividade, posto meios para a sobrevivência, ao contrário dos pobres que poderiam
que é um predicado dos direitos da liberdade e é pré-constitucionaP 69 • conseguir recursos pelo trabalho175 ; aliás, até hoje permanece impor-
A imunidade dos impostos, que já começara a ser defendida
pelos cameralistas, adquire maior vigor com a doutrina liberal c a m Apud WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 274.
m L'Esprit des Lois, cit., liv. XIII, cap. 7, p. 197.
teoria da tributação progressiva. Inúmeros filósofos a defenderam: 173 O Antigo Regime e a Revolução, cit., p. 110. Em Portugal disse SILVES-
Bentham: "Indigence may protect us from paying the tax" 110 ; David TRE PINHEIRO FERREIRA. Questões de Direito Público e Administrativo,
Hume: "Taxes be laid on gradually and affect not the necessities of Filosofia e Literatura. Lisboa, Tip. Lusitana, 1844, 211- parte, p. 19: "Donde
se segue que fazer recair a contribuição que afeta os rendimentos, em geral, so-
bre as esmolas, que constituem os rendimentos das instituições de caridade,
165 M. GARCIA PELAYO, op. cit., p. 133 observa: ". . . el Estado liberal
não só implicaria a inépcia de se lançar um imposto sobre outro imposto; mas,
acentúa el processo expropiador, tornando a su cargo funciones antes desem-
sendo voluntário o imposto onerado, os contribuintes se absteriam de pagá-lo:
penadas por entidades eclesiásticas, o laicas, como el registro civil, la beneficen-
cia, la enseíianza, etc." e o resultado seria desfalcar a maior e melhor parte dos fundos da beneficên-
cia, sem o fisco conseguir o fim de satisfazer, por este lado, a sua insaciável
IM Cf. D. OSCAR DE OLIVEIRA, op. cit., p. 126.
voracidade."
167 Art. 179, item 15: "ninguém será isento de contribuir para as despesas do 174
Tit. I "Jl sera créé et organisé un établissement général de Secours publics,
Estado em proporção dos seus haveres". por élever les enfants abondonnés, soulager les pauvres infirmes, et fournir du
168 Cf. WEBER/WILDAWSKY, op. cit., p. 304. travail au pauvres valides qui n'auraient pu s'en procurer. ll sera créé et or-
169 Cf. TIPKE, Klaus. Steuerrecht. Kõln, O. Schmidt, 1985, p. 55: "A ca- ganisé un Instruction publique, commune à tous les citoyens, gratuite à l'égard
pacidade contributiva só começa para lá do mínimo existencial (Die steuerliche des parties d'enseignement indispensables pour tous les hommes".
Leistungsfiihigkeit beginnt erst jenseits des Existenzminimuns). 175
Cf. A. PAIM. A Questão da Pobreza, cit., p. 31; WEBER/WILDAWSKY,
170 Apud F. K. MANN, op. cit., p. 166. op. cit., p. 300.

i34 135
tante a distinção, que se modernizou em torno do dilema miséria profundidade e veemência, a de Burkel.79, que indagava: "Por que
absoluta/miséria relativa, aquela gerando direito subjetivo público e não se confiscam · os bens daquela longa lista de ministros, de finan-
esta sujeita às disponibilidades financeiras do Estado para a sua cistas e de banqueiros que se enriqueciam enquanto a nação (França)
garantia176 • se empobrecia em decorrência de suas operações e de seus conse-
lhos?" O Decreto de 21 de maio de 1821, que proibiu "tomar-se a
Mas, nessa fase inicial do capitalismo e do liberalismo era muito
qualquer coisa alguma contra a sua vontade, e sem indenização",
rígido o tratamento dado à pobreza, especialmente aos trabalhadores
dizia : "Sendo uma das principais bases do pacto social entre os ho-
assalariados, cujos problemas deveriam obter solução de mercado e
mens a segurança de seus bens; e constando-me que, com horrenda e
que não mais mereciam os elogios dos filósofos, agora deslocados
infração do Sagrado Direito de Propriedade, se cometem os atentados
para a classe rica177 • O Visconde de Cairu afirmava: "Ainda que
do tomar-se, a pretexto de necessidades do Estado, real fazenda,
seía inexterminável a pobreza da Sociedade Civil. . . contudo é pos-
efeitos e narticulares contra a vontade destes e muitas vezes para se
sível que não exista a indigência e mendicidade, havendo leis favo-
locupletarem aqueles que os mandam violentamente tomar, e levando
ráveis à indústria, e exterminadoras .de monopólios odiosos; porque
sua autoridade a ponto de negar-se qualquer título para poder reque-
então haverá o natural e indefinido progresso da opulência, que, sob
rer a devida indenização: Determino que, da data desde em diante,
o influxo e diretório da religião, dará espontaneamente com o su-
a ninguém possa tomar-se contra sua vontade causa alguma de que
pérfluo dos ricos o justo suprimento aos que não podem trabalhar,
for possuidor, ou proprietário, sejam quais forem as necessidades do
ou não acham emprego." 178 Estado, sem que primeiro, de comum acordo, se ajuste o preço que
lhe deve por a real fazenda, ser pago . no momento da entre.ga."
b) Os privilégios dos pobres
Criação do liberalismo, a permitir, nos casos de necessidade pú-
O Estado, portanto, sob a reserva do possível ou dentro das blica, a transferência da propriedade particular para a fazenda
forças do orçamento, pode conceder subvenções, subsídios ou incenti- pública é a desapropriação. Mas aí já não há ofensa ao patrimônio
vos nos casos de pobreza relativa. São privilégios permitidos, que privado, pois se exige a indenização justa. A Declaração dos Direitos
nada têm de odiosos, e que devem crescer na proporção da saúde das do Homem180 , a Constituição brasileira de 1824181 e a s.a Emenda
finanças públicas. A problemática, aqui, refoge ao tema da liberdade à Constituição dos Estados Unidos 182 autorizaram a desapropriação
e dos direitos fundamentais, pois entende com o da justiça e dos di- mediante indenização justa.
reitos econômicos e sociais. Se .desaparece o confisco e se a desapropriação se faz com justa
indenização . segue-se que não se admitirá sequer o imposto com efei-
5.4. A proibição de confisco to confiscatório. A doutrina liberal começa a se preocupar com o

Com o advento do liberalismo, o confisco deixa de ser forma de 179 Reflexões sobre a Revolução na França, cit., p. 128.
180 "17. La propriété étant un droit inviolable et sacré, nu[ ne peut en être
opressão da liberdade. Bem é verdade que na Revolução Francesa e
privé, si ce n'est lorsque la nécessité publique, légalement constatée, l'exige évi-
mesmo em Portugal ainda se confiscam bens da Igreja. Mas a dou- demment, et sous la condition d'une juste et préalable indemnité".
trina inicia a crítica severa a tal prática, valendo mencionar, pela 181
Art. 179, item 22: "B garantido o direito de propriedade em toda sua ple-
nitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da
176 Cf. R. ARON. Essai sur les Libertés, cit., p. 112; MACGREGOR, Susanne. propriedade do cidadão, será ele prevjamente indenizado do valor dela. A lei
The Politics of Poverty. Londres, Longman, 1981, p. 64. m?rrará os casos em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para
m Cf. MACPHERSON, C. B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo. ~e determinar a indenização."
182
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p. 235. · "nor shall private property be taken for public use, without just compen-
sation."
178 Estudos do Bem-Comum e Economia Política, cit., p. 150.

136 137
assunto, para legitimar a incidência fiscal sobre a propriedade pri- ponto d~ vi sta é que vale a pena invocar a lição de Adam Smith: " Todo
vada desde que observados certos limites quantitativos. Admite-se a 0 imposto, contudo, é, para quem o paga, não um sinal de escrava-
progressividade do imposto, contanto que se não mate a galinha dos tura, mas de liberdade. Denota que está sujeito ao Governo, nias que,
ovos de ouro1 83 • Montesquieu dizia que nos impostos pessoais "la como tem alguma propriedade, não pode ser propriedade de um
proportion injuste seroit celle qui suivroit exactement la proportion senhor ." 189
des biens" 184 . Locke proclamava a impossibilidade do imposto confis- A dimensão libertadora do tributo vai se afirmar no liberalis-
catório, por ser a preservação da propriedade a finalidade do gover- mo através do elogio da riqueza e do trabalho e da aceitação do
no185 . Benjamin Cons·tant afirmava, referindo-se ao imposto, que "se lucro, dos juros e do consumo do luxo.
o Estado exigisse de cada um a totalidade de sua fortuna, a garantia
seria ilusória, posto que já não teria aplicação. Realmente, cada in- 6.1. A riqueza da nação
divíduo consente em sacrificar uma parte de sua liberdade para asse- ·',
gurar o resto; mas se a autoridade ·invade toda a sua liberdade, o No Estado Fiscal modifica-se o conceito de riqueza. Antes, no
sacrifício não terá finalidade" 1 86 • Bastiat denunciava "a radical in- patrimonialismo, apenas o rei e a Igreja eram ricos . No Estado de
compatibilidade entre o imposto excessivo e a liberdade. O máximo Polícia começa a se alterar a consideração da riqueza, que passa a
de tributação é escravidão" 1 8 7 • No pensamento luso-brasileiro o pro- ser o símbolo da felicidade do príncipe e dos súditos. Agora, no li-
blema não chega a ser objeto de reflexão de maior fôlego. beralismo, o que importa é a riqueza das nações, ou seja, a riqueza
da sociedade suscetível de imposição fiscal pelo Estado. A obra de
6. O preço cia liberdade Adam Smith até no título versa sobre a ·riqueza das nações. O·. por-
tuguês Acúrcio das Neves, sob a influência do economista inglês e
No Estado Liberal aprofunda-se ainda mais a idéia de que o de J. B. Say, define: "A prosperidade pública de uma nação é a soma
tributo é o preço da liberdade, que já se havia expandido no Estado das prosperidades dos particulares, que a compõem" 100 • Silvestre Pi-
de Polícia. Mas é necessário, aqui, fazer-se uma distinção. nheiro Ferreira fala de uns "mui hábeis escritores, apelidados eco-
Alguns teóricos do liberalismo, no exame do problema do fun- nomistas, por serem os primeiros, que tratarão filosoficamente da
damento jurídico da tributação, afirmam que o impostÇ> é o preço da
economia c riqueza das nações" 191 • Mas quem melhor cuidou do
liberdade. Adotam a teoria do benefício e vinculam o pagamento do
assunto entre nós foi o Visconde de Cairu: "A Economia Política só
tributo à contraprestação estatal representada pela segurança dos di-
tem por objeto a riqueza das nações e não a riqueza dos indivíduos:
reitos individuais ou pela entrega de bens e serviços públicos. Esse
aquela é sempre útil, quando é o fruto da geral, honesta e pacífica
conceito refoge ao assunto que ora estudamos 188 •
indústria dos povos; mas esta pode ser adquirida sem justo título,
Interessa-nos aqui a idéia, que já expusemos nos capítulos ante- ou mal usada. A sua reta produção, e acumulação, vem a ser o ne-
riores, de que o tributo é o preço da liberdade para o efeito de lhe cessário efeito de grande inteligência, trabalho, economia, justiça, e
fixar a finalidade ética e econômica e a dimensão existencial de ins- correspondência do corpo dos povos, que respeitam as pessoas e pro-
trumento de alienação do cidadão diante do Estado. Dentro desse priedades, e a ordem civil, e que são as fiadoras da virtude nacio-
nal , a qual se comensura e consolida em proporção da quantidade e
183 F. K. MANN , op. cit., p . 23.
184 L'Esprit des Lois, cit., liv. XIII , cap . VII , p. 196.
constância da ativa cooperação de todas as ordens do Estado no
185 Two Treatises of Civil Government, cit., liv. li, cap. XI, § 138, p. 187.
189
186 Cours de Politique Constitutionnelle, cit., p. 110. Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, cit. , v. 2,
m Apud F. K. MANN, op. cit., p . 222. p. 536.
190
188 Para o completo recenseamento dessas opiniões, v. F. K. MANN , op. cit., Variedades . . . , cit. , v . 2, p. 32.
191
p. 211 e seguintes. Preleções Filosóficas, cit., p. 286.

138 139
exercício daquelas causas produtivas dos bens da vida. E impossível 6.2. O Úabalho
grande riqueza nacional, emanada de tais fontes, sem grande vir- No Estado Fiscal afirma-se plenamente a ética do trabalho, e o
tude particular e pública" 192 . tributo assume a feiyão de preço da liberdade de iniciativa. Locke
As novas idéias sobre a riqueza das nações trazem dois corolá- considera o trabalho o fundamento da propriedade199 , e Adam Smith
rios: condena-se a pobreza e se privilegia a propriedade mobiliária. o reputa "a verdadeira medida do valor de troca e o primeiro preço
pago por todas as coisas" 200 . Essas idéias ingressam no pensamento
De feito, a pobreza, que ao tempo do patrimonialismo era apre-
luso-brasileiro. Acúrcio das Neves, em Portugal, combate as corpo-
sentada como virtude, passa no capitalismo a ser considerada como
rações de arte e ofício201 , divulga que Adam Smith "foi o primeiro
indício de fraqueza, de falta de diligência e de esforço. A riqueza
que ensinou sistem·aticamente que a riqueza consiste nos valores, e
individual é que denota a virtude do cidadão e o seu amor ao trabalho.
não nas máférias, que a fonte de toda a riqueza é o trabalho do ho-
Hobbes dizia que a riqueza era honro_sa e a pobreza, desonrosa193 •
mem ou a sua indústria" 202 e conclui que "a perfeita liberdade de
Locke tinha em diminuta estima até mesmo o trabalhador assalaria-
comércio, e de indústria, se pudesse estabelecer.se em circunstâncias
do, que "apenas vive da mão para a boca" 194 . Silvestre Pinheiro Fer-
favoráveis, seria uma fonte inexaurível de abundância, e de rique-
reira aproxima a riqueza da felicidade, tanto dos homens como das za"203. Cairu, no Brasil, vai defender as mesmas idéias: "pede-se,
nações, dizendo que "só quando a par dos meios de remover os
como coisa possível, que se deixe a cada indivíduo livremente traba-
males mais urgentes, presentes e futuros, se encontram meios de mul-
lhar, instruir e dispor em boa-fé do fruto de seu trabalho hones-
tiplicar e variar os gozos, de que é suscetível a humana natureza, di-
to"204; "inteligência, indústria e trabalho são as causas da riqueza
zemos que aquele homem ou aquela nação são ricos ou opulentos" 195 .
das nações; e, nesta ordem, se proporcionam os seus efeitos, ist~· é,
Cairu denuncia as "doutrinas absurdas e desacreditadas dos pregoei- a maior abundância do necessário, cômodo e grato à vida" ~. A legis-
20

ros da pobreza das nações, que dizem ser a garantia da virtude pú- lação revolucionária e liberal de Mouzinho da Silveira em Portugal
blica", seita que teve como corifeus Rousseau e MablilHI· incentiva o comércio e a livre iniciativa, com a supressão das porta-
O outro corolário é que o capitalismo privilegia a riqueza mo- gens, a abolição dos direitos de pescar e a autorização para exportar
biliária, que se abre de modo mais eficiente para a tributação, espe- quaisquer mercadorias mediante o pagamento do imposto único de
cialmente através do imposto de renda. Burke chegava a anotar que 1%.
na França prevalecia o desapreço pela propriedade financeira e o De notar que a ética do trabalho, assim incorporada pela dou-
respeito pela imobiliária, o que lhe dificultava o crescimento197 . Cairu trina brasileira. não chegou a produzir todas as suas conseqüências
dizia que "existindo grandes fundos acumulados geralmente em mão na prática, seja pela sobrevivência da escravidão, seja pela persistên-
206
dos particulares, estes devem necessariamente gozar de grandes rédi- cia da mentalidade cavalheiresca da aristocracia rural •
tos; e suas bolsas são fontes perenes de suprimentos às indispensá-
veis despesas da soberania , segurança e esplendor do Império" 198 • 199 Two Treatises of Civil Government, cit., liv. li, cap. V, § 51, p. 141.
200 Riqueza das Nações, cit., v. 1, p. 119: "O verdadeiro preço de todas as
192 Estudos do Bem-Comum e Economia Política, cit., p. 155. coisas, aquilo que elas, na realidade, custam ao homem que deseja adquiri-las
é o esforço e a fadiga em que é necessário incorrer para as obter."
193 Leviathan. Oxford, Basil Blackwell, 1946, p. 59. 201 Variedades, cit., v. 1, p. 84.
194 Apud C. B. MACPHERSON. A Teoria Política do Individualismo Posses· 202 Ibid., v. 2, p. 214.
sivo, cit., p. 235. 203 Ibid., v. 1, p. 149.
195 Preleções Filosóficas, cit., p. 280. 204 Princípios de Economia .Política, cit., p. 102..
196 Estudos do Bem Comum e Economia Política, cit., p. 153. 2i.IS Estudos do Bem-Comum e Economia P-alítica, cit., .p. 1.89.
2116 Cf. A. PAIM. Cairu e o Liberalismo Econô'mico, cit., p. 75; P. MERCA-
197 Op. cit., p. 125.
DANTE. A Consciência Conservadora, · cit., p. 36.
198 Princípios da Economia Política, cit., p. 133.

141
140
rou livre-o prêmio· ou juro do dinheiro de qualquer espécie. Trans-
6.3. A usura 212
parece nessas normas a influência da doutrina de Cairu •
A receita do Estado Fiscal, como temos visto, compõe-se preci- B importante anotar que não conseguimos, no Brasil, vencer
puamente dos impostos e dos empréstimos, agora garantidos pela inteiramente os preconceitos contra a cobrança dos juros. A Consti-
arrecadação tributária. Nesse contexto diminuem as restrições à tuição de 1988, no art. 192, limita-os a 12% a. a.
usura. E, dialeticamente, os países que, como a lnglaterra2()7, organi-
zam o sistema do crédito público e honram os compromissos assu- 6.4. O luxo
midos conseguem aumentar o volume dos empréstimos e diminuir No Estado Patrimonial e no de Polícia proibia-se o consumo
a taxa de juros 20 8 • suntuário, como vimos, já por motivos de ordem moral, já por
Forma-se, no liberalismo, sólido corpo de doutrina em favor da argumentos~ econômicos. No Estado Fiscal desaparece a proibição do
liberdade na fixação dos juros. Benth~m escreve umas cartas intitu- luxo, que era forma de opressão da liberdade, e se incentiva o con-
ladas "Defesa· da Usura", rejeitando a utilidade das restrições im- sumo de produtos supérfluos, sobre o qual incidirá o imposto (ex.
postas pelas leis contra a usura e fixando, como uma das formas de a sisa sobre o café, o chá, o vinho, os panos, a porcelana etc.), cons-
liberdade, a de cada qual fixar as próprias condições das transações tituindo o preço da liberdade do cidadão 213 • Wener Sombart mostrou,
monetárias 209 • Silvestre Pinheiro Ferreira também se manifesta contra magnificamente, a ligação entre o fortalecimento do capitalismo e a
as leis de usura210 • Cairu tece comentários sobre os ensinamentos de abolição das leis proibitivas do luxo214 • Nos países que mais cedo acor-
Bentham, dizendo, sobre as leis de usura, "que a experiência dos sé- daram para o capitalismo e a industrialização, as pragmáticas do ~uxo
culos tem mostrado serem inúteis, evadidas, e contrárias ao progresso desaparecem já no século XVII: na Inglaterra as últimas normas fes-
da riqueza nacional, tendo 'até agora só produzido tratos simulados, tritivas dos gastos de luxo no vestuário são editadas em 1621; na Fran-
exorbitantes interesses dos capitalistas iníquos, e hábitos de entesau- 215
ça a derradeira proibição do luxo à mesa data de 1629 . Os países
rização de ricos avarentos, com incalculável perda da indústria ho- que viveram o intervencionismo do Estado de Polícia, entretanto, como
nesta, e ativa circulação"211 • a Aleman'ha e a Áustria, só no limiar do século XIX conseguem se
A legislação brasileira começou a aliviar o peso das vedações à libertar das restrições à liberdade de consumo. Em Portugal e no Bra-
cobrança de juros pelo alvará de 5 de maio de 1810, pelo qual o sil todavia, ainda persistem, no oitocentos, as condenações do luxo.
príncipe regente torna lícito dar dinheiro ou outros fundos a risco B imensa a doutrina liberal que defende o luxo, fundada nas
para o comércio marítimo, pelo prêmio que fosse ajustado, sem res- idéias de liberdade, justiça e igualdade. Locke considera que o ouro
trição de quantia ou de tempo. Posteriormente a lei de 1832 decla- e a prata, embora inessenciais, podem ser objeto de apropriação in-
dividual, desde que obtidos pelo trabalho 216 • Montesquieu anota que
207 Cf. P. KENNEDY, op. cit., p. 86. o luxo está sempre em relação com a desigualdade de fortunas e re-
208 Pombal não soube ver as vantagens dos empréstimos públicos - quando corre à justificativa econômica para recomendá-lo 217 • Adam Smith
empregados produtivamente- e criticava: "não há quem ignore que a Inglaterra
está implicada com a horrorosa dívida de mais de mil e trezentos milhões de 212 Cf. ESTRELLA, Hernani. "Da Teoria elos Juros no Código Comercial".
cruzados" (Cartas e Outras Obras Seletas, cit., v. 1, p. 21). Aliás, isso também Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1950, v. XLV,
ocorreu na França, onde se esperava que a Inglaterra se arruinasse em virtude p. 410.
dos empréstimos , antes que escritores mais lúcidos, como Benjamin Constant 213 Cf. STOLLEIS. Pecunia Nervus Rerum, cit., p. 61.
(op. cit., p. 298), lhes apontassem os benefícios. 214 Lujo y Capitalismo, cit., p. 86.
215 Jd., ibid., p. 115.
209 Escritos Econômicos, cit., p. 195.
216 Two Treatises of Civil Government, cit., liv. li, cap. V, § 50, p. 140.
m Cf. JOS~ ESTEVES PEREIRA. "Silvestre Pinheiro Ferreira e o Pensamen-
217 L'Esprit des Lois, cit., liv. VII, cap. V, p. 96: "En général, plus un Etat
to Econômico Liberal", cit., p. 25.
est pauvre, plus is est ruiné par son luxe relatif; et plus par conséquent il !ui
211 Estudos do Bem-Comum e Economia Política, cit., p. 124.

143
142
diz que "qualquer desigualdade na contribuição dos indivíduos que i.- A resistência à opressão fiscal
possa surgir de tais impostos (sobre bens de luxo) é muito mais com-
pensada pela própria circunstância que dá origem a essa desigual- No Estado de Direito algumas das formas de opressão vigentes
dade. Circunstância que é a de que o contributo da pessoa é total- no antigo regime, como o confisco e a proibição do luxo, desapare-
mente voluntário, estando inteiramente nas suas mãos consumir ou cem, garantindo-se a liberdade pelo pagamento de um preço - 0
não o produto tributado" 218 • imposto.
No pensamento luso-brasileiro ·as opiniões são desencontradas, Modifica-se, outrossim, o conceito de resistência à opressão. No
persistindo a condenação do luxo, baseada em argumentos econômi- absolutismo o poder fiscal era teoricamente irresistível, cogitando-se,
cos, e aparecendo também a sua defesa. O português Acúrcio das quando muito, da resistência ao estrangeiro; apenas na prática havia
Neves diz que "o luxo é um dos grandes flagelos que nos oprimem, revoltas fiscais. Agora, no liberalismo, proclama-se o direito de resis-
e o que nos consome mais cabedal" 219 , tirando a conclusão de que têna1a à opressão na lei e na doutrina e as revoltas fiscais passam a
"o efe~to natural do luxo é atiinentar o preço das mercancias, pro- ser objeto do discurso dos próprios revoltosos, e não mais apenas dos
vocando por este modo uma prosperidade aparente à indústria; contra-revolucionários.
porém surdamente a vai minando, porque consome os capitais, que Admirável foi a contribuição inglesa para a afirmação do direito
lhe serviam de alimento" 2 20 • Já o bispo Azeredo Coutinho entende de resistência223 • Locke entende que qualquer governante que dirija
que "as manufaturas de mero luxo, porém, aquelas que só dependem a sua ação para satisfazer a sua própria ambição, e não para pre-
do gosto, de muito engenho, e de muita arte, não devem merecer servar a propriedade do povo, estará praticando ato de tirania, ao
muito cuidado a Portugal; não só porque não tem muitos braços qual se deve resistir224•
para abarcar os imensos ramos de comércio, que produzem e podem Na França a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
produzir as suas colônias; mas também para deixar de propósito proclama no art. 2.0 : "Le but de toute association politique est la
uma porta aberta, para por ela entrarem as nações industriosas a conservation des droits naturels et imprescriptibles de l'homme. Ces
comerciar conosco, para nos levarem o nosso supérfluo" 221 • Mas é droits sont la liberté, la sureté et la résistance à l' oppression".
com José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, influenciado pela Nos Estados Unidos ganhou a resistência à opressão fiscal cores
doutrina inglesa, que se faz com mais clareza a apologia do luxo: fortes, tanto na teoria quanto na prática. Sucederam-se nos séculos
"É impossível o progresso da civilização sem se dar aos povos ne- XVII e XVIII as revoltas fiscais contra a Inglaterra. Mas não se cui-
cessidades factícias. Dizem que a importação de artigos de luxo faz dava apenas de luta contra o colonialismo, senão que se estava diante
sair todo o nosso ouro. Isso não é assim: mas faz cultivar mais terras, da tentativa de garantir, na América, os mesmos direitos prevalentes
e dar saída a mais dos seus frutos, não menos preciosos que o ouro, em solo inglês. Sob a retórica dos direitos humanos resistiam os ame-
o qual também é um dos produtos da nossa indústria, que não se ricanos não só aos impostos escorchantes, mas também ao descumpri-
dará de graça."212 mento dos princípios da legalidade e da representação, vigentes na
própria Inglaterra, mas inaplicáveis às colônias 225 • Na declaração
faut des /ois somptuaires relatives. Plus un Etat est riche, p/us son luxe relati/
l'enrichit; et il faut bien se garder d'y faire des !ois somptuaires relatives". 223 Cf. MACHADO PAUP~RIO, A. O Direito Político de Resistência. Rio
21s Riqueza das Nações, cit., p. 599. de Janeiro, Forense, 1962, p. 188 e seguintes.
219 Variedades, cit., v. 2, p. 254. 2i4 Two Treatises of Civil ·Government, cit., liv. 11, cap. XVIII, p. 218.
225 Cf. REID JR., Joseph. "Tax Revolts in Historical Perspective". National
220 Ibid., p. 256.
1 Tax Journdl 1979, v. 32 (2), p. 71; ROSCOE POUND, op. cit., p. 44; F. A.
22 Ensaio Econômico sobre o Comércio de Portugal e suas Colônias, cit., p. 158.
HAYEK. Os Fundamentos da Liberdade, cit., p. 207; GROVES, Harold M.
212 Estudos do Bem Comum e Economia Política, cit., p. 158. Finanzas Publicas. México, Ed. Trilla, 1968, p. 854.

144 145
1
contra o Ato do Selo (1765) ficou dito que "é essencial à liberdade é definido como 'o direito, ott antes o devei', que tem todo o cidadão
do povo, sendo direito incontestável dos ingleses, que nenhum tri- de não obedec~r a nenhuma ordem ilegal", podendo ter lugar quando
buto lhes possa ser imposto sem o seu próprio consentimento, dado "pelos agentes do poder Legislativo se tomar alguma decisão contrá-
pessoalmente ou através de seus representantes". Thomas Paine es- ria aos inauferíveis direitos de liberdade, segurança e propriedade dos
creveu páginas admiráveis contra a tributação inglesa: "Em resumo, cidadãos" .229
a situação daquele país, em termos de taxação, é tão opressiva, o
número de · pobres tão grande, a extravagância e voracidade da corte
tão enormes que, caso fosse efetuada uma conquista da América, esse
seria o ponto onde os problemas da América realmente começariam.
Nem sequer significaria nada o homem ser liberal ou conservador. O
povo da Inglaterra e seu ministério não nos conhecem por tais dis- ·',
tinções. O que eles querem é rehda clara e sólida, e a modalidade
usada por eles para obtê-la seria igual para todos." 226
No Brasil também penetrou a teoria da resistência à opressão
fiscal. Na Revolução de 1817 já aparecem as causas fiscais 227 ; frei
Caneca recomenda a resistência contra ·a centralização do poder tri-
butário: "Cada um de nós é senhor proprietário do que possui e do
que adquire pelos seus trabalhos; essa parte que, disto que é seu,
dá para o tesouro público por meio de tributos, impostos, a dá para
as necessidades públicas da nossa província; e quando estas não
absorvem tudo que damos, o excesso não é de ninguém, nem de ne-
nhuma outra província, é desta, deve ficar no seu cofre, e reservar-se
para se empregar quando houver causas extraordinárias, e não
se mandar para parte nenhuma."228 No Projeto de Constituição para
o Império do Brasil, elaborado pela Comissão da Assembléia Consti-
tuinte, escreveu-se que é dever de todo o brasileiro contribuir para
as despesas públicas (art. 33, IV}, ressalvando-se, excepcionalmente,
o direito de resistência: "se a lei não é lei senão no nome, se é re-
troativa, ou oposta à moral, nem por isso é lícito ao brasileiro deso-
bedecer-lhe, salvo se ela tendesse a depravá-lo, e torná-lo vil, e
feroz" (art. 34); "em tais circunstâncias é dever do brasileiro negar-se
a ser o executor da lei injusta" (art. 35). No seu magistério Silvestre
Pinheiro Ferreira também proclama o direito de resistência legal, que

2:.16
O Senso Comum e a Crise. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1982,
p. 172.
227 Cf. SALDANHA, Nelson. Pensamento Social Nordestino . Recife, Ed. ASA,

1985, p. 65. 229 "Manual do Cidadão em um Governo Representativo", in: Idéias Políticas,
ns Ensaios Políticos, cit., p . 40. cit., p. 168.

146 147
CONCLUSOES

.
~~

B hora de encerrar este trabalho e tirar as conclusões finais, ofe-


recendo o transunto do que se estudou nos capítulos anteriores.
A idéia básica, do ponto de vista objetivo, é a de que o Brasil
se constituiu, a partir de 1824, como Estado Fiscal, mercê da nova
estrutura da receita pública, na qual os impostos e os empréstimos
pass·aram ao lugar principal, e da separação entre a fazenda do im-
perador e a fazenda pública. Manteve, entretanto, diversos condiçio-
namentos do patrimonialismo, seja pela inexpressividade da burgue-
sia - inventora dos impostos modernos - seja pelo exagerado in-
tervencionismo estatal na economia, com a sua coorte de ingressos
dominiais . Essa situação, contudo, não foi privativa da cultura luso-
brasileira, senão que ocorreu também nos outros países que viveram
o Estado de Polícia (Alemanha, Itália, Áustria) .
A outra idéia fundamental , do ponto de vista externo ou ideo-
lógico, consiste em que aderimos, na mesma época, ao liberalismo
fiscal, fortalecendo-se o relacionamento entre o tributo e a liberdade
sob a perspectiva da investigação filosófica, na qual desembocavam
a economia política e a teoria do direito, preocupadas com a livre
iniciativa e o contrato social. Não chegamos, todavia, a explorar em
toda a sua plenitude o liberalismo, eis que conservamos os traços da
escolástica, mesclada com o ecletismo e o empirismo do iluminismo
ítalo-germânico, que nos influenciou .
Dessas duas características básicas decorre que a idéia de liber-
dade fiscal se afirmou como liberdade individual consubstanciada na
igualdade, na legalidade e na representação e motivada pela conquista
da felicidade. Mas não conseguiu jamais superar plenamente a liber-
dade estamental e a Hberdade do príncipe, fundadas no contrato fis-

149
garantindo-se mui~o mais os privilégios odiosos dos ricos que os pri-
cal, na Razão do Estado e na felicidade dos súditos garantida pelo
rei. vilégios objetivos dos pobres.
O poder tributário, que era irresistível no Estado Patrimonial
No Estado Fiscal a liberdade se assumiu como fiscalidade, cen- e no de Polícia, torna-se objeto de revolta fiscal consciente. Mas sem-
tralizando-se o poder tributário pela vitória das idéias de soberania pre foi muito tênue no Brasil ·a resistência à opressão tributária, na
e de contrato social e transformando-se as finanças em coisa pública, via do pensamento ou das soluções institucionais.
com a extinção da fiscalidade periférica da Igreja e do senhorio e Em suma, o Estado Fiscal brasileiro nasce com a Constituição
com a cobrança do tributo segundo a capacidade contributiva de
Fiscal de 1824, subsistema da Constituição Liberal do país. Funda-se
cada qual. Conservamos, todavia, o ranço das idéias anteriores, con-
no relacionamento entre liberdade e tributo, em que este é o preço
tinuando o tributo em parte fora do âmbito da publicidade, em razão da autolimitação daquela, transfigurando-se a liberdade em fiscali-
da permanência de conceitos como os de majestade e domínio emi- dade. Ma~ convive com o Estado Corporativo, com o Estado Carto-
nente, justificadores da tripartição - da fiscalidade entre o rei, a rial, com o Estado Empresário e com o Estado Assistencialista, cons-
Igreja e o senhorio, e não raro em virtude de su'a apropriação pri- tituídos pela persistência de diversas características do patrimonialis-
vada fundada na só necessidade do Estado.
mo luso-brasileiro.
A constituição do Estado Fiscal brasileiro ocorreu limitadamen-
te no espaço aberto pela autolimitação da liberdade individual, eri-
gindo-se as imunidades em atributos dos direitos individuais insusce-
tíveis e imposição tributária, extinguindo-se os privilégios odiosos e
proibindo-se o confisco. Persistiu, porém, a tendência de ver a liber-
dade como limitação do poder fiscal do príncipe, mantendo-se as
imunidades excessivamente extensas e desvinculadas dos direitos in-
dividuais e conservando-se os privilégios subjetivos dos diversos es-
tamentos.
O tributo, no Estado Fiscal, deixa de ser forma de opressão de
direitos e passa a se constituir em preço da liberdade: estimula-se a
riqueza da nação, adota-se a ética do trabalho, alivia-se a crítica à
usura e se permite o consumo suntuário. Ainda assim se conservam
presentes alguns traços do pensamento patrimonialista, representados
pela alta consideração da riqueza do príncipe, pela mentalidade cava-
lheiresca, pela limitação dos juros e pela condenação do luxo.
A questão da pobreza sofre também modificação radical. No
Estado Patrimonial é possível cobrar tributo dos pobres, em nome da
justiça comutativa, e a assistência social se faz através da Igreja,
com a arrecadação dos dízimos. No Estado Fiscal imuniza-se o míni-
mo necessário à existência humana digna contra a incidência dos
impostos, e a assistência social se transfere para o poder público. Mas
não se alcança a solução verdadeiramente liberal para o problema,
mantendo-se a política assistencialista do Estado lntervencionista e
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