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CIDADE DE GOIÁS
2020
PATRÍCIA MENDANHA BERNARDES
CIDADE DE GOIÁS
2020
LÍNGUA E CULTURA EM ALTO RELEVO: ANÁLISE DIACRÔNICA DE
PRONOMES DE SEGUNDA PESSOA DO SINGULAR
RESUMO
Este estudo teve como objetivo fazer uma análise das relações existentes entre a variação
diacrônica do uso de vossa mercê e a forma pronominal de segunda pessoa você, na
perspectiva Sociolinguística Laboviana (1972 e 1996) com as teorias sobre cultura,
identidade, linguagem e língua, na cidade de Goiás. A método usado foram amostras das
variáveis vossa mercê e você de entrevistas com falantes dessa comunidade de fala e de
recortes de jornais antigos coletados da Hemeroteca Digital do estado de Goiás. Como
fundamentação teórica foram usadas leituras sobre Variação Linguística (LABOV, 1972 e
1996), e sobre teorias de cultura e língua (LARAIA, 1986), (MATTOSO CÂMARA JR,
1972). Esta pesquisa tem como objetivo ver se existe relação entre cultura/língua com a
variação diacrônica da forma vossa mercê na cidade de Goiás. Como resultado verificou-se
que que existe que a identidade de um povo se constrói a partir de sua relação com a cultura e
essa por sua vez, se expressa através de referenciais linguísticos a língua. Assim fica evidente
que a mudança da forma de tratamento vossa mercê, para você e hoje para o cê se deu pelas
mudanças culturais, identitárias e que resultou em mudanças na língua.
ABSTRACT
This study aimed to make an analysis of the existing relationships between the diachronic
variation in the use of your mercy and the pronominal second person form you, in the
Sociolinguistic Labovian perspective (1972 and 1996) with the theories about culture,
identity, language and language, in the city of Goiás. The method used were samples of the
variables of your mercy and you from interviews with speakers of this speech community and
clippings from old newspapers collected from the Hemeroteca Digital in the state of Goiás. As
a theoretical foundation, readings on Linguistic Variation (LABOV) , 1972 and 1996), and on
theories of culture and language (LARAIA, 1986), (MATTOSO CÂMARA JR, 1972). This
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Graduada em Letras (Português/Inglês) e mestrando pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Língua,
Literatura e Interculturalidade – POSLLI, no câmpus Cora Coralina da Universidade Estadual de Goiás. Atua
como professor de Língua Inglesa na rede pública de educação do estado de Goiás. E-mail: Graduado em Letras
(Português/Inglês) e mestrando pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Língua, Literatura e
Interculturalidade – POSLLI, no câmpus Cora Coralina da Universidade Estadual de Goiás. Atua como professor
de Língua Inglesa na rede pública de educação do estado de Goiás. E-mail: patriciabernardes@yahoo.com.br
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Possui Pós-doutorado em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Goiás (2016), doutorado em
Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2014), mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (2008) e graduação em Letras: Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás (2002).
Atualmente é Professor professor adjunto - Des IV - nível I da Universidade Estadual de Goiás onde atua no
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Língua, Literatura e Interculturalidade e na graduação em
Administração, Direito e Letras. É pesquisador do Grupo de Pesquisa Diretório CNPQ - Seleprot - da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua
Portuguesa. E-mail: leo.seleprot@gmail.com.
research aims to see if there is a relationship between culture / language and the diachronic
variation of the form of your mercy in the city of Goiás. As a result, it was found that the
identity of a people is built from its relationship with culture and this in turn is expressed
through linguistic references to the language. Thus, it is evident that the change in the way of
treating your mercy, for you and today for you, was due to cultural and identity changes,
which resulted in changes in the language.
1 INTRODUÇÃO
2.2 Identidade
Texto 1: Texto sobre vossa mercê retirada do jornal da Província de Goyaz – 1876
Fonte: Hemeroteca Digital - Jornal Suplemento ao Correio Oficial n.34 – 10 de maio de 1876.
Devido a essa vulgarização do uso de vossa mercê, que os reis rejeitaram o pronome
“mercê” e começaram a utilizar outra forma de tratamento como Majestade, e também
Senhoria e Alteza, posteriormente criou-se Excelência, que foi muito importante, pois
Excelência era considerado como uma marca social, uma característica, uma diferença social,
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Vossuncê – é usado como característica caipira, citado em (Basto, 1931; apud. Gonçalves, 2008:85);
(Nascentes, 1956:119-121; apud. Peres, 2006:103).
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Vassuncê - é usado como característica caipira, livro de Cora Coralina “A moeda de ouro que o pato engoliu”.
Editora Global, 2006, e também é citado em (Basto, 1931; apud. Gonçalves, 2008:85); (Nascentes, 1956:119-
121; apud. Peres, 2006:103).
uma identidade que se referia aos reis.
No trecho do jornal abaixo, observa-se o uso de Vosmecê e você, como relação de
superior/inferior:
2.3 Cultura
Pode se observar a cultura imperial e colonial presente em Goiás, por meio do trecho
do jornal Estado de Goiás de 1892, em que O imperador D. Pedro II dialoga com Deodoro, e
para esse dialogo o imperador usa a forma você para se referir a Deodoro, já Deodoro usa
vossa majestade para se referir ao imperador. Assim, verifica-se que a cultura se constrói no
decorrer do tempo e das relações interpessoais.
A linguagem permeia-se de ideologias e apresenta uma forte crítica social, por meio da
qual podemos estabelecer uma intrínseca relação do homem com o meio, nos reportando a
uma visão sociológica. Neste intento, a cultura de um povo mostra-se interligado com a
língua, uma vez que a língua é parte da cultura. Nas palavras de Câmara Jr. (1972, p. 269),
3 METODOLOGIA
Este trabalho constitui de uma pesquisa bibliográfica e qualitativa, com amostras das
entrevistas com falantes na cidade de Goiás com os pronomes de segunda pessoa do singular
você e cê, que compreendeu 24 informantes estratificados de acordo com sexo (masculino e
feminino), escolaridade (ensino médio e superior) e idade (20 a 35 e 36 a 50) e também foram
usados recortes de jornais antigos coletados da Hemeroteca Digital do estado de Goiás, para
assim fazer a análise da relação da variação diacrônica da forma de tratamento vossa mercê e
do pronome você com a cultura e a língua.
Sabe-se, que a forma “vossa mercê” foi utilizada primeiramente em Portugal e depois
é que se migrou para o Brasil com a vinda dos portugueses para cá. Assim, observa-se que
existe várias teorias e estudos sobre esse percurso, mas o ponto em comum entre eles é que
reconhecem que existe alterações fonéticas entre “vossa mercê” e “você”.
Verifica-se também que “Vossa Mercê” surgiu na primeira fase do século XVIII,
tendo o seu declínio no final desse século. Sendo que essa forma de tratamento “Vossa
Mercê” substituiu o pronome de tratamento “vós”, empregado para se referir à figura real ou
aos membros da nobreza. O uso do pronome “vós” caiu em desuso no final do século XIX,
conforme afirma Lopes (2003), passando a ser usado vossa mercê como forma de tratamento
honorífica.
No Brasil do sec. XIX a forma “mercê” era considerada como forma de tratamento
oficial e cerimonioso que era utilizada por coronéis, tenentes, capitães, alferes e majores
(resolução de 2 de agosto de 1842 e aviso de 3 de agosto de1842), segundo Nascente (1950).
Já Santos Luz (1956, p. 310) constata que o primeiro registro da forma “vossa mercê”
se deu, em 1331, em textos escritos pertencentes à corte de caráter honorífico, e que a forma
tenha desaparecido em 1490. Sendo que com relação ao primeiro uso de “vossa mercê”,
Menon (2006, p. 108) contesta, Luz (1956), pois encontrou exemplos mais antigos com o uso
de “vossa mercê”, que os já mencionados por ele. Segundo a linguista:
Menon (2006, p. 114) afirma que “vossa mercê” não era empregada somente aos reis
como forma de tratamento honorífico. Como pode observar no texto a seguir que é de uma
carta do Bispo D. Garcia de Menezes, dirigida ao “Senhor Secretário” (provavelmente
secretário do rei): “Senhor. Huma carta vossa me foi dada a que não respondo mais cedo com
fadigas de doença, e assy lhe tenho muito em mercê o que me diz na sua carta [...] e quanto he
o que vossa mercê diz que eu tenho levado mais do que havia de levar [...]” (MENEZES,
1463, p. 85), nesse trecho podemos observar palavras que com o tempo foram mudadas como
“huma”, que hoje é escrito “uma” sem a letra “h”, “assy” que se escreve hoje “assim” sem a
letra “y” e com “m” no final, também verifica-se o uso do pronome “vossa” pelo rei para se
referir ao seu secretário, e “mercê” que se refere a graça, e aqui o rei se refere ao secretario
usando “vossa mercê”, que é o usa da relação de superior para inferior.
No recorte do livro de Cora Coralina observa-se o uso de “vossuncê”:
Nesse trecho do livro “A moeda de ouro que um pato engoliu” da escritora goiana
Cora Coralina observamos o uso da variação da forma “vossa mercê” para a forma
“vassuncê”, que é característica do caipira, ou seja, é a identidade do falar caipira, sendo que
“vossa mercê” era uma forma de tratamento formal.
Luft (1957, p.202-203), afirma que a forma “você” no Brasil é usada como uma forma
de tratamento familiar, entre iguais, amigos, ou de superior a inferior, sendo usado em outro
contexto era desconsideração ou falta de respeito. Como pode ser observado abaixo nesta
amostra da entrevista com falantes da cidade de Goiás.
(01) você pode estar indo é na praça a tarde tomar um sorvete um picolé ali no
coreto você pode ir assistir uma missa ne então assim. (GOFS45- Analice)
Vossa mercê -> vosmecê -> vosmicê -> vossancê -> vossuncê -> você
Observa-se que há uma mudança diacrônica na forma vossa mercê, sendo esta
mudança ocorrida devido a circunstancias socioculturais, pois a cultura muda, assim há
mudança na língua, na identidade, entre outros. Sendo que, Goiás é uma cidade da época do
império, e que tem uma identidade tradicional, por isso usava-se a forma vossa mercê e que
teve mudanças no decorrer dos anos como foi citado no exemplo acima, e que ainda continua
em processo de mudança com a forma cê.
Por meio de entrevistas com falantes na comunidade de fala na cidade de Goiás, pode-
se verificar o uso do pronome de segunda pessoa você e de sua variante cê, conforme as
amostras abaixo:
(02) é menos exaustivo aqui... cê consegue fazer as coisas cê produz só que assim
mais tranquilo cê num tem aquela coisa sabe é mais assim não é tão cansativo
mais cê consegue produzir ao mesmo tempo (GOFS20 -Amanda)
(03) acho que sim talvez é você não tenha feito alguma atividade (GOMC28
-Tácio)
(05) por exemplo cê coloca quarenta menino numa sala de aula professor também
não dá conta (GOFS41-Andrea)
(06) aqui em Goiás não... cê anda pra todo lado cê num precisa de gastar
(GOFS41-Andrea)
Nas amostras acima verifica-se a mudança linguística ocorrida com o uso das formas
pronominais “você” e “cê” pelos falantes da cidade de Goiás, essas mudanças se deram
porque a cultura sempre se transforma, ou seja, ela está sempre em processo de mudança e a
linguagem acompanha esta mudança e a língua como é heterogênea, ela sempre está em
processo de mudança e é o resultado das mudanças culturais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa foi apresentada a relação da variação diacrônica da forma vossa mercê
e você na cidade de Goiás com a cultura, linguagem, língua e identidade desse povo, foram
usadas para fazer a análise desse fenômeno as entrevistas dos falantes da cidade de Goiás e
recortes de jornais antigos; para assim poder verificar se esta mudança ocorreu devido as
mudanças culturais e de identidade nessa cidade.
O que pode ser observado no decorrer da pesquisa é que esse processo de mudança de
vossa mercê até os dias atuais se deu através das mudanças ocorridas na cultura na cidade de
Goiás no decorrer dos anos, como nos costumes, rituais, fala, escrita entre outros, e também
pelas mudanças ocorridas na identidade, pois quando ocorre uma mudança no sistema
cultural, há também mudanças na identidade e na linguagem, como foi observado nessa
pesquisa.
No século XVIII esta comunidade de fala tinha uma cultura e identidade própria da
época e das pessoas que os colonizaram, os bandeirantes, e com Portugal, pois o Brasil era
colônia de Portugal, mas com o passar dos anos essas características foram mudando, pois
outros costumes foram sendo agregados, como dos indígenas que aqui viviam e dos escravos
que para cá vieram.
Portanto, percebemos que que a identidade dos vilaboenses se constrói a partir de sua
relação com os costumes, rituais, hábitos e língua. Enfim, a identidade se constrói a partir da
cultura e esta, por sua vez, se expressa através de referenciais linguísticos a (língua). Assim
fica evidente que a mudança da forma de tratamento vossa mercê, para você e hoje para o cê
se deu pelas mudanças culturais, identitárias e como resultado houve mudanças na língua.
REFERÊNCIAS
CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. 1972. Língua e cultura. In: Carlos Eduardo Falcão Uchôa
(sel. e introdução.) Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1972.
LABOV, W. Padrões sociolingüísticos. Trad. Marcos Bagno; Maria Marta Pereira Scherre;
Caroline Cardoso. São Paulo: Parábola, 2008.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006. Coleção Primeiros
Passos.