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O crítico defende a ideia de que a literatura brasileira teria se iniciado com o Arcadismo
(século XVIII), época em que “surgem homens de letras formando conjuntos orgânicos e
manifestando em graus variáveis a vontade de fazer literatura brasileira” (CANDIDO,
1997).
No período formativo inicial, que vai das origens, no século XVI, com os autos e cantos
de José de Anchieta, às Academias do século XVIII, o que temos são manifestações
literárias e não obras representativas de um sistema.
Com esse ponto de vista, Antônio Cândido exclui Gregório de Matos, maior expressão
do Barroco brasileiro, da formação da nossa literatura.
Cândido afirma que: embora “tenha permanecido na tradição local da Bahia”, Gregório
de Matos “não existiu literariamente (em perspectiva histórica) até o Romantismo,
quando foi redescoberto”. Antes disso, não influiu, não contribuiu para formar nosso
sistema literário (CANDIDO, 1997).
O que significa dizer que Gregório de Matos não existiu em perspectiva histórica até o
Romantismo? E por que não existiu?
Para tentar responder essas perguntas, é importante pensarmos nas condições materiais
da colônia:
1 – Não havia tipografia no Brasil. Isto quer dizer que durante todo o período colonial
não se publicaram livros em terras brasileiras. Isso não quer dizer que durante o período
em questão não houve circulação de impressos aqui. Os livros eram importados,
sobretudo de Portugal, e antes de chegassem nas mãos dos compradores, passavam por
um órgão censor estabelecido pela coroa portuguesa.
Por conta destas condições é que se pode entender a afirmação [feita por Cândido] de que
Gregório de Matos não existiu literariamente em “perspectiva histórica”. Não havia
condições materiais para que a obra dele circulasse.
Em sua investigação a respeito das origens de nossa literatura Castelo analisa as posições
de dois críticos do século XIX – Silvio Romero e José Veríssimo – que começam a pensar
sobre nossa formação literária e, consequentemente, sobre o conceito de literatura.
Em outras palavras, não tínhamos uma forma de pensamento próprio. Não éramos sujeitos
de nossa história, porque vivíamos sob o domínio de Portugal. Aqui, é importante pensar
na questão da censura que a metrópole impunha sobre os impressos que circulavam na
colônia, como mencionado acima.
Ainda sobre essa questão do projeto de nacionalidade para a jovem nação, vale lembrar
que em 1838 ocorre a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB –
instituição que abriga os autores do romantismo, momento em que se enaltece a figura do
índio.
Voltando a Aderaldo Castelo, ele observa que José Veríssimo considera que a nossa
história literária acompanha a nossa história como povo e reconhece Frei Vicente do
Salvador (que escreveu História do Brasil – 1627) como primeiro prosador e Bento
Teixeira (autor de Prosopopeia – 1601) como primeiro poeta.
A partir das considerações feitas acerca dos estudos de José Veríssimo, José Aderaldo
Castelo acaba por afirmar que a gênese da nossa formação literária está no século XVI.
O estudioso sugere que no século XVI, o que temos é uma produção que se convencionou
chamar “literatura jesuítica”, “literatura de viagens” e “literatura de informação da terra”.
O texto (de Caminha) narra os acontecimentos desde o dia 22 de abril de 1500, quarta-
feira, até 01 de maio, sexta-feira.
É o primeiro texto que se tem a respeito do Brasil. Essa carta, nas palavras de Alfredo
Bosi, significou uma autêntica certidão de nascimento da nossa história.
Nos seguintes trechos da carta vemos breves informações sobre: aspecto dos índios,
seus hábitos, suas habitações, sua cultura e acerca da natureza brasileira:
A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral são
bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou
mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto. Ambos
os dois traziam o lábio de baixo furado e metido nele um osso branco e realmente osso,
do comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na
ponta como um furador.
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos
muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos
nenhuma vergonha.
O velho falou enquanto o Capitão estava com ele, diante de todos nós; mas ninguém o
entendia e nem ele a nós, por mais pergunta que lhe fizéssemos com respeito a ouro,
porque desejávamos saber se o havia na terra.
Conforme depois contaram, caminharam por bem uma légua e meia até uma povoação
composta de nove ou dez casas, as quais eram tão compridas como a nossa nau
capitânia. Eram de razoável altura, de boas madeiras as ilhargas e cobertas de palhas.
Todas se compunham de um só espaço, sem repartição de cômodos, com muitos esteios
internos; e de esteio em esteio estava uma rede [...] Debaixo dela, para se aquentarem,
faziam seus fogos.
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa,
seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as
aparências. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala
e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão
cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza Nosso Senhor que os traga, porque
certamente esta gente é boa e de bela simplicidade.
E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que
todos serão tornados e convertidos a desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier,
não deixe logo de vir clérigo para os batizar.
As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la,
tudo dará nela, por causas das águas que tem.
Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar parece que será salvar esta gente. E esta deve
ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.
Voltando à história, literatura jesuítica é nome que se dá para a produção cultural dos
jesuítas que para cá vieram com a incumbência de catequizar o indígena e educar o
colono. Dentre tais jesuítas destacam-se:
Manuel da Nóbrega – que chega ao Brasil em 1549, juntamente com Tomé de Sousa,
primeiro governador-geral do Brasil.
Tais jesuítas irão produzir uma gama de relatos que nos permitem refletir sobre a
relação do europeu com o outro:
Em geral, nas cartas enviadas a Portugal, os jesuítas diziam que colonos e índios “viviam
mergulhados no pecado e governados pelo demônio”, como sugere Ronaldo Vainfas
(VAINFAS, 1997, p 43).
O próprio Ronaldo Vainfas cita alguns tipos de pessoas que foram condenadas a
viver por algum tempo ou perpetuamente no Brasil: freiráticos que invadiam
mosteiros para arrebatar as esposas de Cristo; os que desonestassem virgens ou viúvas
honestas; os que fornicassem com tias, primas ou outras parentas; os que violentassem
órfãs ou menores sob tutela; os que, vivendo de hospedagem alheia, dormissem com
parentas, criadas ou escravas brancas do anfitrião; os que dormissem com mulheres
casadas, e as próprias adúlteras, em certas circunstâncias; as amantes de clérigos; os
alcoviteiros de freiras, virgens, viúvas e parentas dentro do quarto grau (VAINFAS, 1997,
41).
A legislação previa também o degredo para feiticeiros, homicidas e outros que a prática
judiciária acrescentaria com o passar do tempo: hereges, bígamos, sodomitas,
judaizantes... (VAINFAS, 1997, 41).