Você está na página 1de 6

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BREVES
FACULDADE DE LETRAS
DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA I: ERA COLONIAL
DOCENTE: PROF. DR. ESEQUIEL GOMES DA SILVA
DISCENTE:

PERÍODO REMOTO EMERGENCIAL 2021.1

Esquema de aula - Origens da literatura brasileira

Considerações acerca das origens da literatura brasileira a partir da perspectiva de três


estudiosos:

Antônio Cândido, em Formação da Literatura Brasileira, entende a literatura como um


sistema que inclui autor, obra e público.

O crítico defende a ideia de que a literatura brasileira teria se iniciado com o Arcadismo
(século XVIII), época em que “surgem homens de letras formando conjuntos orgânicos e
manifestando em graus variáveis a vontade de fazer literatura brasileira” (CANDIDO,
1997).

No período formativo inicial, que vai das origens, no século XVI, com os autos e cantos
de José de Anchieta, às Academias do século XVIII, o que temos são manifestações
literárias e não obras representativas de um sistema.

Com esse ponto de vista, Antônio Cândido exclui Gregório de Matos, maior expressão
do Barroco brasileiro, da formação da nossa literatura.

Cândido afirma que: embora “tenha permanecido na tradição local da Bahia”, Gregório
de Matos “não existiu literariamente (em perspectiva histórica) até o Romantismo,
quando foi redescoberto”. Antes disso, não influiu, não contribuiu para formar nosso
sistema literário (CANDIDO, 1997).

O que significa dizer que Gregório de Matos não existiu em perspectiva histórica até o
Romantismo? E por que não existiu?

Para tentar responder essas perguntas, é importante pensarmos nas condições materiais
da colônia:
1 – Não havia tipografia no Brasil. Isto quer dizer que durante todo o período colonial
não se publicaram livros em terras brasileiras. Isso não quer dizer que durante o período
em questão não houve circulação de impressos aqui. Os livros eram importados,
sobretudo de Portugal, e antes de chegassem nas mãos dos compradores, passavam por
um órgão censor estabelecido pela coroa portuguesa.

2 – Os primeiros jornais brasileiros são o Correio Brasiliense e a Gazeta do Rio de


Janeiro, que foram fundados em 1808, depois da chegada da família real portuguesa ao
nosso país.

3 – Data dessa época a instalação dos primeiros estabelecimentos de caráter cultural –


como a Biblioteca, o Real Horto e o Museu Real – instituições que transformaram a
colônia não apenas na sede provisória da monarquia portuguesa, como em um centro
produtor de sua cultura e memória.

4 – As estradas de ferro são uma invenção da segunda metade do século XIX.

Por conta destas condições é que se pode entender a afirmação [feita por Cândido] de que
Gregório de Matos não existiu literariamente em “perspectiva histórica”. Não havia
condições materiais para que a obra dele circulasse.

Em relação às origens de nossa literatura, José Aderaldo Castelo, em Manifestações


literárias da Era Colonial, argumenta que:

Enquanto fomos país-colônia, a nossa expressão literária foi rigorosamente um


prolongamento da literatura portuguesa. Foi-nos imposto ou transmitido com
acentuado exclusivismo um conjunto de tradições e instituições do país-metrópole, ao
mesmo tempo que a tendência geral era de não reconhecer valores autóctones e de
impedir a formação e expansão de espírito oposto à mentalidade do colonizador
(CASTELO, p. 11).

Em sua investigação a respeito das origens de nossa literatura Castelo analisa as posições
de dois críticos do século XIX – Silvio Romero e José Veríssimo – que começam a pensar
sobre nossa formação literária e, consequentemente, sobre o conceito de literatura.

Antes de prosseguirmos, é importante fazer duas indagações: 1 – Por que somente no


século XIX se pensou em discutir o conceito de literatura e a formação da nossa literatura?
2 – Por que não se pensava nisto nos séculos anteriores?

Para responder às indagações, é preciso lembrar que:

1 – de 1500 a 1822 éramos colônia de Portugal.

2 – Somente após o processo de emancipação política (1822) é que se começou a pensar


num projeto de nacionalidade para a nova nação, porque passamos a ser sujeitos da nossa
própria história, nas palavras de Alfredo Bosi.

Sobre o significado de colônia, Bosi afirma que:


A colônia é, de início, o objeto de uma cultura, o “outro” em relação à metrópole: em
nosso caso, foi a terra a ser ocupada, o pau-brasil a ser explorado, a cana-de-açúcar a ser
cultivada, o ouro a ser extraído; numa palavra, a matéria-prima a ser carregada para
o mercado externo (BOSI, 2001, grifos meus).

Em outras palavras, não tínhamos uma forma de pensamento próprio. Não éramos sujeitos
de nossa história, porque vivíamos sob o domínio de Portugal. Aqui, é importante pensar
na questão da censura que a metrópole impunha sobre os impressos que circulavam na
colônia, como mencionado acima.

Ainda sobre essa questão do projeto de nacionalidade para a jovem nação, vale lembrar
que em 1838 ocorre a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB –
instituição que abriga os autores do romantismo, momento em que se enaltece a figura do
índio.

É neste período que José de Alencar, considerado o maior autor do Romantismo


brasileiro, cria seu famoso personagem Peri. É importante lembrar que nos autos de
Anchieta, os índios eram demonizados, como será mostrado oportunamente.

Voltando a Aderaldo Castelo, ele observa que José Veríssimo considera que a nossa
história literária acompanha a nossa história como povo e reconhece Frei Vicente do
Salvador (que escreveu História do Brasil – 1627) como primeiro prosador e Bento
Teixeira (autor de Prosopopeia – 1601) como primeiro poeta.

A partir das considerações feitas acerca dos estudos de José Veríssimo, José Aderaldo
Castelo acaba por afirmar que a gênese da nossa formação literária está no século XVI.

Massaud Moisés, em História da literatura brasileira, dedica um capítulo ao que ele


chama de “Origens”, período que abrange um século: 1500-1601. Ou seja, desde que o
português aqui chegou. No entanto, reconhece que a literatura começa rigorosamente a
florescer no século XVII, com o Barroco (1601-1768).

O estudioso sugere que no século XVI, o que temos é uma produção que se convencionou
chamar “literatura jesuítica”, “literatura de viagens” e “literatura de informação da terra”.

Exemplos dessa literatura de que fala Massaud Moisés são:


A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, d. Manuel.
Duas viagens ao Brasil, de Hans Staden.
Tratado descritivo do Brasil em 1587, de Gabriel Soares de Sousa.

O texto (de Caminha) narra os acontecimentos desde o dia 22 de abril de 1500, quarta-
feira, até 01 de maio, sexta-feira.

É o primeiro texto que se tem a respeito do Brasil. Essa carta, nas palavras de Alfredo
Bosi, significou uma autêntica certidão de nascimento da nossa história.

Nos seguintes trechos da carta vemos breves informações sobre: aspecto dos índios,
seus hábitos, suas habitações, sua cultura e acerca da natureza brasileira:
A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral são
bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou
mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto. Ambos
os dois traziam o lábio de baixo furado e metido nele um osso branco e realmente osso,
do comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na
ponta como um furador.

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos
muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos
nenhuma vergonha.

No domingo de Páscoa, pela manhã, determinou o capitão de ir ouvir missa e pregação


naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis, e o
acompanhassem. Desta maneira tudo foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu,
e dentro dele foi levantado um altar muito bem preparado.

O velho falou enquanto o Capitão estava com ele, diante de todos nós; mas ninguém o
entendia e nem ele a nós, por mais pergunta que lhe fizéssemos com respeito a ouro,
porque desejávamos saber se o havia na terra.

Conforme depois contaram, caminharam por bem uma légua e meia até uma povoação
composta de nove ou dez casas, as quais eram tão compridas como a nossa nau
capitânia. Eram de razoável altura, de boas madeiras as ilhargas e cobertas de palhas.
Todas se compunham de um só espaço, sem repartição de cômodos, com muitos esteios
internos; e de esteio em esteio estava uma rede [...] Debaixo dela, para se aquentarem,
faziam seus fogos.

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa,
seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as
aparências. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala
e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão
cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza Nosso Senhor que os traga, porque
certamente esta gente é boa e de bela simplicidade.

E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que
todos serão tornados e convertidos a desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier,
não deixe logo de vir clérigo para os batizar.

As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la,
tudo dará nela, por causas das águas que tem.
Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar parece que será salvar esta gente. E esta deve
ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.

Voltando à história, literatura jesuítica é nome que se dá para a produção cultural dos
jesuítas que para cá vieram com a incumbência de catequizar o indígena e educar o
colono. Dentre tais jesuítas destacam-se:

Manuel da Nóbrega – que chega ao Brasil em 1549, juntamente com Tomé de Sousa,
primeiro governador-geral do Brasil.

José de Anchieta – que chegou ao Brasil em 1553, na expedição que acompanhava o


segundo governador-geral, Duarte da Costa.
Fernão Cardim – que chegou ao Brasil em 1582.

Tais jesuítas irão produzir uma gama de relatos que nos permitem refletir sobre a
relação do europeu com o outro:
Em geral, nas cartas enviadas a Portugal, os jesuítas diziam que colonos e índios “viviam
mergulhados no pecado e governados pelo demônio”, como sugere Ronaldo Vainfas
(VAINFAS, 1997, p 43).

Segundo o historiador: “Principal porta-voz da lamúria inaciana no século XVI, Manuel


da Nóbrega não pouparia críticas aos primeiros colonos que, tão logo desembarcavam,
tratavam de amancebar-se com as índias da terra, e não contentes com esse já monstruoso
pecado, muitos se uniam a várias mulheres de uma só vez, prontos a copiar o estilo dos
caciques e dos principais do gentio. Quase todos, [...], tinham suas escravas “por
mancebas” e outras livres que pediam aos índios por mulheres, quando não as
arrebatavam diretamente” (VAINFAS, 1997, 39, grifos meus)

Manuel da Nóbrega, em carta de 1553, relata, escandalizado, os hábitos desregrados


de um certo João Ramalho: “sua vida corre à moda dos índios, rodeado de mulheres
que lhe davam copioso número de filhos, os quais, mal atingiam a puberdade, seguiam o
exemplo do pai, unindo-se a várias mulheres sem cuidarem se eram irmãs ou
parentas” (VAINFAS, 1997, 39, grifos meus)

Por conta dessa licenciosidade, Manuel da Nóbrega escreve a D. João, rei de


Portugal, pedindo o envio de mulheres brancas para a colônia: Já que escrevi a Vossa
Alteza a falta que nesta terra há de mulheres, com quem os homens casem e vivam em
serviço de Nosso Senhor, apartados dos pecados, em que agora vivem, mande Vossa
Alteza muitas órfãs, e se não houver muitas, venham de misturas delas e quaisquer,
porque são tão desejadas as mulheres brancas cá, que quaisquer farão cá muito bem à
terra, e elas se ganharão, e os homens de cá aparta-se-ão do pecado”

Para compreender as lamúrias dos padres a respeito da liberdade na colônia, é


preciso pensarmos também nas formas de povoamento da colônia:
Ronaldo Vainfas afirma que, no afã de povoar a colônia, Portugal utilizou-se
sistematicamente do degredo, importante mecanismo colonizador e, ainda, depurador da
própria metrópole (VAINFAS, 1997, 41).

O próprio Ronaldo Vainfas cita alguns tipos de pessoas que foram condenadas a
viver por algum tempo ou perpetuamente no Brasil: freiráticos que invadiam
mosteiros para arrebatar as esposas de Cristo; os que desonestassem virgens ou viúvas
honestas; os que fornicassem com tias, primas ou outras parentas; os que violentassem
órfãs ou menores sob tutela; os que, vivendo de hospedagem alheia, dormissem com
parentas, criadas ou escravas brancas do anfitrião; os que dormissem com mulheres
casadas, e as próprias adúlteras, em certas circunstâncias; as amantes de clérigos; os
alcoviteiros de freiras, virgens, viúvas e parentas dentro do quarto grau (VAINFAS, 1997,
41).

A legislação previa também o degredo para feiticeiros, homicidas e outros que a prática
judiciária acrescentaria com o passar do tempo: hereges, bígamos, sodomitas,
judaizantes... (VAINFAS, 1997, 41).

Você também pode gostar