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PARTE I

Fundamentos CAPÍTULO 1: Animais e Ambientes: Funções no


Âmbito Ecológico
CAPÍTULO 2: Moléculas e Células na Fisiologia
Animal

de Fisiologia CAPÍTULO 3: Genômica, Proteômica e Abordagens


Fisiológicas Afins
CAPÍTULO 4: Transporte de Solutos e Água

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Página anterior: Um dos pensamentos de vanguarda nas descobertas fisiológicas é, cada vez mais, o reconheci-
mento de que as propriedades animais, considerando-se o organismo como um todo, frequentemente dependem
de moléculas com atributos funcionais especiais. Proteínas de membrana, como as mostradas no centro da ima-
gem, por exemplo, são cruciais para a habilidade de produzir urina concentrada dos mamíferos – uma habilidade
que aumenta a probabilidade de sobrevivência em ambientes onde a ameaça de desidratação está presente. A
figura é um poro de água inserido na membrana celular, modelado através de ferramentas da biofísica computa-
cional. Todas as moléculas azuis são moléculas de água. As camadas de moléculas de água acima e abaixo represen-
tam os líquidos dentro e fora da célula. As moléculas vermelhas, divididas finamente à esquerda e à direita, repre-
sentam a matriz lipídica da membrana celular. As moléculas de água não se movem prontamente através da matriz
lipídica da membrana celular, pois a água e os lipídeos tendem a ser imiscíveis. Os animais e outros organismos,
entretanto, desenvolveram proteínas de membrana específicas, denominadas aquaporinas (poros de água) – que
atuam como canais para a água se mover rapidamente para dentro e para fora da célula pelo processo de osmose.
Nesta imagem, a aquaporina é representada por cilindros dourados, roxos e vermelhos, e por outras estruturas
douradas. As moléculas de água fluindo através dos poros de água são mostradas como grandes moléculas azuis.
O transporte de água desta maneira é crucial para a produção de urina concentrada e para muitas outras funções.
(Cortesia de Emad Tajhorshid e Klaus Schulten, Grupo de Biofísica Teórica e Computacional, Universidade de Illinois,
Urbana-Champaing.)

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CAPÍTULO 1

Animais e Ambientes: Funções


no Âmbito Ecológico

Fisiologia animal é o estudo das funções dos animais – o estudo de “como os animais funcionam”. A fisiologia
traz uma perspectiva especial a cenas como a dos salmões saltando uma queda d´água. Todos sabemos das ma-
ravilhas do salmão-do-pacífico – eles migram dos rios para o oceano aberto, e anos depois, retornam aos rios
onde foram concebidos para procriarem, dando origem à geração seguinte. Os fisiologistas buscam aprender
sobre os desafios funcionais do salmão e determinar como estes desafios são vencidos. Quando um salmão está a
centenas de quilômetros de distância de casa, no oceano, e a hora da reprodução se aproxima, quais os mecanis-
mos sensoriais e de direção que são utilizados para o nado em alta velocidade, na direção correta da costa, como
costuma ser o caso? E quando chegam à costa, quais os processos sensoriais e
integrativos utilizados para identificarem o rio onde a sua própria vida teve início
anos atrás? Esses são os tipos de questões que intrigam os fisiologistas.
Antes de o salmão retornar à água doce, seu sangue torna-se mais diluído
em relação à água do mar onde ele está nadando. Entretanto, a própria água
doce é mais diluída do que o sangue do salmão. Quais são os artifícios que o
peixe utiliza para manter o sangue mais diluído do que a água do mar e mais
concentrado do que a água doce? Como os sistemas nervoso e endócrino or-
questram esta significativa mudança de um estado para outro, em especial frente
ao fato (recentemente revelado pelas pesquisas) de que as mudanças iniciam-se
enquanto o peixe – direcionando-se para o rio – ainda está no mar? Uma vez no
seu rio de nascimento, o salmão não alimenta-se mais. Contudo, poderá nadar
por várias semanas até desovar – nadando contra a corrente por centenas de
quilômetros, e algumas vezes, em regiões montanhosas, saltando até 1,2 km em
altura. Durante esse percurso, o peixe, em jejum, gradualmente utiliza reservas
do seu organismo para suprir suas necessidades energéticas; 50 a 70% de todos
os tecidos que podem fornecer energia são utilizados, até que o peixe chegue ao
seu destino. Como o salmão controla qual parte será utilizada primeiro e qual
parte será a última? Como essa energia gera a força e a orientação para o nado
rio acima e dura até que o animal chegue ao seu destino? Quando é encontrada
uma queda d´água, quais músculos são utilizados – e como eles geram força su-
ficiente – para o saltar até lá em cima? Estas são somente algumas questões que
vêm à mente quando um fisiologista pergunta-se como um salmão funciona.
Como você está iniciando seus estudos de fisiologia, acreditamos que você
esteja no início de uma grande aventura. Sentimo-nos privilegiados por termos
passado nossas vidas profissionais aprendendo como os animais funcionam, e
estamos ansiosos para sermos seus guias. Se pudéssemos pular com você em
uma máquina fantástica, que nos permitisse viajar pela Terra no domínio ao qual
estamos prestes a entrar, poderíamos lhe apontar cachalotes mergulhando por
uma hora ou mais, e por mais de um quilômetro, em direção às profundezas;
peixes elétricos utilizando músculos modificados para gerar um choque de 500

A migração do salmão-do-pacífico Tendo alimentado-se e crescido por vários anos no


Oceano Pacífico, estes peixes encontraram o rio onde nasceram. Ainda que tenham ingerido
sua última refeição no mar e irão jejuar durante sua viagem pelo rio, agora eles devem ter
forças para voltar ao local de nascimento para a desova. Na figura, é mostrado o salmão-
-vermelho (Orcorhynchus nerka).

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volts; renas recém-nascidas e ainda molhadas com o fluido amniótico, Figura 1.1 O estudo da fisiologia integra o conhecimento de todos os ní-
ficando em estação no vento gélido do Ártico; recifes de coral cres- veis de organização Para entender a fisiologia dos peixes, o fisiologista consi-
cendo e proliferando devido às algas que entram em seus tecidos e dera (a) a biologia evolucionária, (b) as leis da química e da física, e (d) as relações
permitem que a fotossíntese ocorra internamente; e mariposas voan- ecológicas – bem como (c) as funções do corpo em todos os níveis de organiza-
ção. Todos os elementos mostrados são para um gênero de peixes, Oncorhyn-
do em noites frias, mas com corpos tão quentes como os corpos dos
chus, os salmonídeos do Pacífico. Em (c) o desenho em “fisiologia de sistemas”
mamíferos. Cada uma dessas cenas atrai o interesse dos fisiologistas e é uma secção transversa do corpo; o salmão em “morfologia” é um salmão-rei.
continua a estimular novas pesquisas fisiológicas. (Gráfico em a – pertence a uma população denominada salmão-cão – segundo
Hendry et al., 2004; secção tranversa, salmão, e biomecanismos ilustrados em c,
segundo Videler, 1993; gráfico em d – que pertence ao salmão-vermelho – se-
A importância da fisiologia gundo Crossin et al., 2004.)
Por que o estudo de fisiologia animal é importante para você e para
as pessoas em geral? No mínimo umas das razões já enfatizamos – o
rem o que acontece. Os efeitos de poluentes aquáticos, como metais
entendimento e a apreciação de todas as maravilhas e outros fenô-
pesados e pesticidas, são outros tópicos importantes para a fisiologia
menos do mundo animal dependem da análise de como os animais
do salmão.
funcionam. Embora os salmões, por exemplo, sejam interessantes me-
Em resumo, a fisiologia é uma das disciplinas-chave para entender
ramente devido a suas histórias de vida, eles tornam-se ainda mais
interessantes quando estudados fisiologicamente. Uma abordagem ■ A fisiologia fundamental de todos os animais
fisiológica revela, por exemplo, que apesar das aparências, metade ■ A saúde e as doenças humanas
ou mais das substâncias corporais de um salmão são substituídas por
■ A saúde e as doenças de cães, animais de fazendas, animais
água enquanto o peixe migra rio acima, destruindo seus tecidos para
obter energia para nadar. E o peixe deve gerenciar com cuidado essa de criação e outros animais envolvidos com afazeres humanos
mudança, para ter tecido gonádico e reservas de energia remanescen- A fisiologia também é importante porque é uma das disciplinas
tes suficientes para a desova quando a viagem chegar ao fim. O estudo biológicas mais integrativas, como enfatizado na Figura 1.1. Os fisio-
de fisiologia leva-nos de impressões superficiais às funções internas, e logistas estudam todos os níveis de organização do corpo animal (ver
quase sempre esta aventura não é somente uma descoberta, mas sim Figura 1.1c). A esse respeito, eles são como detetives que seguem pis-
uma revelação. tas a qualquer lugar que elas possam levá-los. Para entender como um
O estudo de fisiologia também tem enorme aplicação prática, pois órgão funciona, por exemplo, informações sobre os controles nervoso
a fisiologia é a principal disciplina para a compreensão da saúde e e endócrino e informações sobre a função enzimática no órgão são
da doença. As análises de muitas doenças humanas – desde articu- requeridas e podem levar aos estudos de ativação gênica, que codifica
lações doloridas até doenças cardíacas – dependem da compreensão a síntese de enzimas. A fisiologia inclui todos estes níveis de organi-
de como a “máquina humana” funciona. O médico que estuda doen- zação biológica. O estudo de fisiologia também emprega os princípios
ças cardíacas, por exemplo, precisa ter conhecimento sobre as forças da química e da física (ver Figura 1.1b). Os animais devem obedecer as
que fazem o sangue fluir pelas câmaras cardíacas entre um batimento leis da química e da física, e de fato eles exploram essas leis. Portanto,
cardíaco e o próximo. Ele também deve saber como a pressão para um estudo fisiológico muitas vezes está fundamentado em princípios
a ejeção de sangue para as artérias é desenvolvida; como as células da química e da física. Outro ponto significativo na discussão da na-
do músculo cardíaco coordenam suas contrações; e como as neces- tureza integrativa da fisiologia é que o estudo da função anda de mãos
sidades de O2 e nutrientes de todas as partes do músculo cardíaco dadas com os estudos da forma; uma revisão de anatomia é frequen-
são supridas. Neste livro, discutiremos extensivamente esses e outros temente necessária para os estágios dos estudos de fisiologia, e con-
aspectos da fisiologia dos mamíferos. Mesmo quando dirigirmos a forme a função fica clara, ela contribui com a anatomia. Também, os
atenção para outros tipos de animais, nossos estudos muitas vezes fisiologistas devem ter conhecimentos de biologia evolutiva e ecologia
terão aplicações para questões humanas. Uma das razões é porque (ver Figuras 1.1a, d) pois, às vezes, o único modo de entender diferen-
muitos animais são frequentemente utilizados como “modelos” para ças fisiológicas entre duas espécies (p. ex., camelos e ursos polares) ou
as pesquisas que promovem o entedimento da fisiologia humana. as diferenças entre duas populações de uma mesma espécie (p. ex.,
As pesquisas com lulas, por exemplo, têm sido indispensáveis para o uma população de salmão que sobe o rio para a desova, versus uma
avanço do conhecimento da neurofisiologia, porque as lulas possuem outra que não o faz) é reconhecendo que as espécies e populações
neurônios com processos celulares tão grandes, que podem ser estu- evoluíram em diferentes ambientes. Os estudantes muitas vezes gos-
dados de maneiras que seriam impossíveis nos pequenos neurônios tam dos estudos de fisiologia porque a disciplina é muito integrativa,
dos mamíferos. mantendo juntos e sintetizando muitos conceitos, que de outra forma
A fisiologia é tão importante para a compreensão da saúde e da seriam independentes.
doença nos animais como o é para a compreensão dos mesmos nos
seres humanos. Você pode ter imaginado como foi obtido o finan-
ciamento para os estudos com o salmão. Os governos canadense e Mecanismo e origem: duas questões
americano, além de outros, têm investido nas pesquisas com salmão centrais para a fisiologia
em grande parte para que a saúde deste importante animal possa ser
melhor compreendida. Por exemplo, quando um rio é represado, em- A fisiologia tenta responder duas questões centrais: (1) qual é o meca-
bora as barragens individuais possam ser desenhadas para permitir nismo pelo qual a função é realizada, e (2) como este mecanismo deve
que o salmão passe, uma série de barragens pode aumentar tanto o ser? Para entender por que há duas questões, considere um problema
custo total da migração, que o peixe – vivendo somente com seus es- análogo de como funciona um carro. Em particular, como uma engre-
toques de energia – pode ficar sem energia antes que chegue ao local nagem de roda faz para girar?
da desova. Com os estudos sobre a energética do nado e dos saltos, os Para entender essa função, você deve desmontar um carro em par-
engenheiros podem fazer uma previsão racional dos efeitos cumula- tes. Você pode estudar como os pistões dentro dos cilindros do motor
tivos das barragens, em vez de simplesmente alterarem os rios e ve- são feitos para oscilar pela força liberada pela explosão da gasolina,

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(a) Evolução (b) Química e física


Os animais atuais são produtos da evolução e continuam evoluindo

Impulso – Arraste = Massa × Aceleração


Diferenças genéticas
entre as populações

As populações de
uma espécie de salmão
diferem geneticamente,
e essa diferença C6 H12O6 + 6 O2 → Os animais devem
aumenta à medida aderir às leis da química
6 CO2 + 6 H2O + energia
que a distância entre e da física – e, algumas
elas aumenta. vezes, eles obtêm
0 2.000 4.000 6.000 vantagens delas.
Separação física (quilômetros)

(c) A fisiologia depende de todos os níveis de organização

Fisiologia celular Sistemas


fisiológicos
Nervos

Neurônio Impulsos neuronais . . . Medula espinal


Voltagem através da
membrana celular

. . . transmitidos pelo Vértebra


sistema nervoso . . .
Músculos de
natação
Tempo
. . . ativam os músculos
de natação.

Morfologia Bioquímica

Moléculas de Enzimas
combustíveis orgânicos nas células
musculares
catalizam reações
ATP que fornecem
energia para a
CO2 contração.

Biomecânica

O peixe se
propele aplicando
força à água.

(d) Ecologia
A fisiologia atua dentro de um contexto ecológico LEGENDA
O tamanho dos círculos simboliza
550
Tamanho dos ovários (g)

a intensidade da atividade
450 Um tipo de proteína de
membrana
350 Outro tipo de proteína de
Água salgada Água doce
membrana
250

150 A biomassa de ovos a serem Quando os salmões nadam do mar (esquerda) para a
desovados torna-se menor à água doce (direita), eles modificam as proteínas trans-
50 medida que o salmão portadoras de íons no epitélio das brânquias de forma
0 100 200 300 400 500 600 700 800
Esforço necessário para chegar às áreas trabalha mais para nadar rio que tornam-se capazes de bombear os íons da água
de desova a partir do mar (índice) acima até as áreas de desova. doce para dentro do corpo; processo contrário ao que
eles costumavam fazer na água do mar.

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como os pistões e hastes de conexão giram o eixo de transmissão, e (a) Reações químicas de emissão de luz
assim por diante. A partir de estudos como esses, é possível aprender Luciferina de vagalume
como um carro funciona.
Na conclusão de um estudo como esse, entretanto, você poderá ATP
ter somente a metade da resposta à questão de como um carro funcio-
na. Presumindo que você tenha estudado o desenho rotineiro de um
carro moderno, seus experimentos terão revelado como a combustão Luciferil– AMP Catálise pela
interna de rotina do motor gira a roda através da transmissão. Deixe luciferase de vagalume
O2
a sua mente livre, contudo, e você irá rapidamente lembrar que exis-
tem desenhos alternativos para carros. O motor pode ser um motor a
vapor ou um motor de combustível híbrido, por exemplo. E conforme
pondera sobre como uma roda gira, você vê que está encarando duas Elétron excitado é produzido
questões: a questão imediata de como o desenho de um carro em parti-
cular faz uma roda girar, e a questão final de como aquele desenho em
particular o faz. Os fisiologistas também encaram estas duas questões Fótons
de mecanismo e origem.
Produto no estado original
O estudo de mecanismo: como os animais No estado escuro, a mitocôndria
de hoje executam suas funções? intercepta o O2, e as reações de emissão
de luz não podem ser completadas.
Se você examina um carro em particular e suas interações entre as par- (b) Célula luminosa no estado escuro
tes para entender como ele funciona, está aprendendo sobre os meca- Célula luminosa
nismos de função do carro. Do mesmo modo, se estuda as interações
entre as partes de um animal em particular – de órgãos a enzimas – Túbulo de Luciferina
para aprender como ele funciona, você está estudando o mecanismo transporte ATP
do animal. Em fisiologia, mecanismo refere-se aos componentes dos de gás
animais vivos atuais e às interações entre estes componentes, que per- Luciferil-AMP
mitem aos animais viverem como o fazem. O2 O2
A curiosidade sobre os mecanismos é o que inspira muitos fisiolo-
gistas a estudarem os animais, e os estudos sobre mecanismos domi-
nam as pesquisas fisiológicas. A fisiologia, de fato, é mais claramente
distinguida de outras disciplinas biológicas com as quais está rela- Mitocôndria
cionada, como a morfologia e a ecologia, pelo seu foco central sobre
os estudos de mecanismos. Um fisiologista normalmente inicia uma (c) Célula luminosa em estado de lampejo
investigação pela observação de uma capacidade em particular, que
incita a curiosidade ou a necessidade de ser compreendida por razões No estado de lampejo de luz, o óxido
práticas. A capacidade do sistema visual humano de distinguir ver- nítrico é produzido sob controle nervoso
e banha as mitocôndrias, impedindo-as
melho e azul é um exemplo. Outro exemplo é a capacidade de certos de interceptar o O2.
tipos de células nervosas de conduzir impulsos nervosos a velocidades
acima de 100 metros por segundo. Independentemente da capacida-
de de interesse, o objetivo típico das pesquisas fisiológicas é descobrir Luciferina
as bases de seus mecanismos. Quais células, enzimas, e outras partes ATP
do corpo são utilizadas – e como são utilizadas – para permitir que o
animal os execute? Luciferil-AMP
Para um exemplo detalhado de mecanismo, considere de que O2 O2 O2 O2
modo um órgão de um vagalume produz luz. Provavelmente nosso
conhecimento sobre essa questão terá avançado quando você ler esta
página, porque esse assunto está sob ativa investigação. A bioquímica
é clara (Figura 1.2a). Um composto químico (benzotiazol), denomina- Óxido nítrico
do luciferina de vagalume, primeiro reage com o trifosfato de adenosina
(ATP) para formar luciferil-AMP (AMP, monofosfato de adenosina). Pulsos de O2 alcançam as reações da
Então, se o O2 – oxigênio molecular – puder chegar até a luciferil- luciferina, resultando em impulsos de luz.
-AMP, os dois reagem para formar um produto químico no qual os Figura 1.2 O mecanismo de produção de luz pelo vagalume (Photinus)
elétrons são impulsionados a um estado de excitação, e quando o pro- (a) A química da produção de luz. (b, c) Nas células de luz – as células que com-
duto deste elétron excitado retorna ao seu estado normal, ele emite põem o órgão de luz – as reações da luciferina são espacialmente separadas da
fótons. Esta sequência de reações requer uma proteína catalítica, uma mitocôndria. Quando uma célula de luz não está piscando (b), a mitocôndria in-
enzima denominada luciferase de vagalume. Quando um vagalume não tercepta o O2. Contudo, quando a célula está piscando (c), o O2 passa pelas rea-
está produzindo luz (Figura 1.2b), todo O2 que chega às células de ções da luciferina. A compreensão do pisca-pisca do vagalume é um trabalho
luz do inseto via túbulos de transporte de gás é interceptado (assim em andamento; assim, parte deste cenário é hipotético. AMP = monofosfato de
impedindo a reação com a luciferil-AMP) pela mitocôndria que está adenosina; ATP = trifosfato de adenosina.
posicionada entre os túbulos de transporte de gás e o local das reações
da luciferina. As células de luz produzem luz (Figura 1.2c) quando,
devido à estimulação pelo sistema nervoso, a mitocôndria torna-se ba-

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nhada por óxido nítrico (NO). O NO bloqueia o uso mitocondrial de e na reprodução dos animais que vivem no ambiente onde evoluíram.
O2, permitindo que o O2 reaja com a luciferil-AMP. Fatos como esse Quando falamos de significância adaptativa de um traço evoluído pela
formam uma descrição do mecanismo pelo qual o vagalume produz luz. seleção natural, nos referimos à razão pela qual o traço é um recurso;
O estudo de um mecanismo pode se tornar tão intrincado, que dé- isto é, a razão pela qual a seleção natural favoreceu a evolução do traço.
cadas ou séculos são necessários para que o mecanismo seja totalmen- O piscar de luz do vagalume geralmente funciona para atrair
te compreendido. Por definição, entretanto, o mecanismo completo de parceiros. Os machos de cada espécie emitem flashes de luz em um
uma dada função está presente, aqui e agora, para estudo. Um cientista padrão distinto espécie-específico à medida que voam, sinalizando a
pode, a princípio, descrever completamente o mecanismo de um pro- identidade da sua espécie para as fêmeas. (Figura 1.3). Usando várias
cesso, apenas estudando os mínimos detalhes dos animais existentes. fontes de evidência, estudiosos de vagalumes inferem que o meca-
nismo de produção de luz do vagalume evoluiu pela seleção natural,
O estudo da origem: por que os animais pois os flashes de luz podem ser usados para unir os sexos. Assim, o
de hoje possuem seus mecanismos? mecanismo de produção de luz é uma adaptação e, o seu significado
adaptativo, a atração do sexo oposto.
Suponha que um jovem observe um vagalume produzir um facho de
luz e peça a você para explicar o que ele viu. Você poderia interpretar
a pergunta como uma questão sobre mecanismo. Então, poderia res-
Mecanismos e significância adaptativa são
ponder que o cérebro do inseto manda impulsos nervosos que fazem conceitos diferentes e um não implica o outro
com que as células de luz se tornem banhadas por óxido nítrico, re- Por que destacamos que a fisiologia se depara com duas questões
sultando na produção dos elétrons excitados pela reação do O2 com centrais? Enfatizamos que a fisiologia estuda mecanismo e as origens
luciferil-AMP. Entretanto, o jovem que lhe pede para explicar o piscar evolutivas para compreender a significância adaptativa. Por que am-
de um vagalume deve estar interessado em outra coisa. A razão do va- bos? Os fisiologistas devem procurar respostas para ambas as ques-
galume produzir luz é, provavelmente, o que está na mente do seu jo- tões, pois mecanismo e significância adaptativa não implicam um o outro.
vem amigo, em vez do mecanismo. Isto é, o jovem está querendo saber Se você conhece o mecanismo de um processo, não necessariamente
por que o vagalume possui um mecanismo para produzir luz. sabe sobre a sua significância adaptativa. Se conhece a significância
Para os biólogos, a resposta está nas origens evolutivas. Os mecanis- adaptativa, não significa que saiba algo sobre o mecanismo. Assim,
mos dos animais modernos são produtos da evolução e, assim, a razão para entender tanto o mecanismo quanto a significância adaptativa,
para a existência dos mecanismos está nos processos evolutivos. O es- você deve estudar os dois.
tudo das origens evolutivas é o objetivo central da fisiologia moderna, Como um exemplo, considere a produção de luz pelo vagalume
pois ele promete revelar o significado dos mecanismos. Se pudermos mais uma vez. Os fisiologistas conhecem vários mecanismos pelos
1
aprender por que a evolução produziu um mecanismo, entenderemos quais os organismos podem produzir luz. Então, mesmo que os va-
melhor o que (se houver algo) os animais ganham com ele. galumes fossem recrutados para atrair seus parceiros com luz, o me-
Como os mecanismos modernos evoluíram no passado, a questão canismo de produção não seria limitado teoricamente só àquele que
das origens é fundamentalmente histórica. As origens de um meca- eles usam. O mecanismo de produção de luz dos vagalumes não pode
nismo, ao contrário do mecanismo em si, não podem comumente ser ser deduzido pelo simples conhecimento do propósito de uso do me-
observadas diretamente aqui e agora. Em vez disso, as origens normal- canismo. Reciprocamente, os flashes de luz poderiam ser usados para
mente devem ser estudadas de modo indireto, por meio de inferências outros propósitos que não atrair o parceiro, como atrair a presa, distrair
sobre o passado derivadas das observações que podemos fazer no pre- predadores ou sincronizar biorritmos. O significado da produção de
sente. A dependência do raciocínio indireto significa que a origem evo- luz não pode ser deduzido pelo simples fato de que a luz é produzida
lutiva é raramente entendida com a mesma certeza que os mecanismos. ou pelo conhecimento do mecanismo pelo qual é produzida.
François Jacob (n. 1920), um Nobel laureado, questionou em um
A seleção natural é um processo-chave famoso artigo se a evolução pela seleção natural se parece mais com
da origem evolutiva engenharia ou funilaria. Um engenheiro que está projetando uma má-
quina pode começar por um desenho simples. Ou seja, o engenheiro
A seleção natural é somente um dos vários processos pelos quais os
começa o projeto pensando em qual seria o melhor design e só então
animais adquirem traços durante a evolução, como discutimos mais
começa a construir o projeto a partir da matéria-prima. Um funileiro
adiante neste capítulo. A seleção natural, entretanto, ocupa um lugar
que está construindo uma nova máquina começa com partes de má-
de especial importância para os biólogos, pois, de todas as maneiras
quinas preexistentes.
de mudança evolutiva, acredita-se que a seleção é o principal processo
A evolução é como a funilaria, argumentou Jacob: uma população
pelo qual os animais tornam-se aptos para viver nos seus ambientes.
de animais que está evoluindo um novo órgão ou processo raramente
A seleção natural é o aumento na frequência de genes produtores
começa de um desenho; em vez disso, começa com elementos que
de fenótipos que aumentam a probabilidade de que os animais irão
já tem em mãos para outras razões. Os pulmões dos mamíferos, por
sobreviver e reproduzir. Durante a evolução por seleção natural, esses
exemplo, se originaram das evaginações de um tubo de transporte de
genes aumentam em frequência porque os animais com os genes são
comida, o esôfago, no antigo peixe que deu origem aos tetrápodes que
diferencialmente bem-sucedidos em relação aos outros membros da
vivem na terra hoje. Aqueles peixes, além disso, não foram os únicos
sua espécie. Se descobrimos que um mecanismo fisiológico é origina-
peixes a evoluir órgãos de respiração aérea. Hoje, como discutido no
do pela seleção natural no ambiente predominante, podemos concluir
que o mecanismo é um recurso; isto é, melhora as chances de sobrevi-
vência e reprodução no ambiente que o animal ocupa. 1
O número de mecanismos conhecidos é parcialmente obscurecido pelo fato
A adaptação é um conceito importante e irmão da seleção natural. de a luciferina e a luciferase serem termos genéricos, cada um usado para se
Como discutimos adaptação em detalhes mais adiante, aqui simples- referir à vários compostos químicos diferentes. Por exemplo, mais de 30 com-
mente declaramos que uma adaptação é um mecanismo fisiológico ou postos diferentes são chamados de “luciferina”. Do mesmo modo, embora
outro traço que é produto da seleção natural. As adaptações são recur- seja dito que vários organismos bioluminescentes façam isso com o “sistema
sos; por causa do modo como se originaram, ajudam na sobrevivência luciferina-luciferase”, esses organismos não estão empregando os mesmos
compostos químicos.

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1 Logo após sair da árvore, a 2 Depois, ela voa 3 Novamente ela 4 Finalmente, emite três
Ao longo da evolução, os animais, de certo modo,
borboleta mais alta emite um pouco sem emite um conjunto novas piscadas logo antes tiveram que permanecer capazes de viver na sua
três piscadas em sequência piscar. de três piscadas e de desaparecer do seu maneira antiga mesmo tendo desenvolvido novas
rápida. fica escura. campo de visão à direita. maneiras. Assim, o desenho a partir dos primeiros
princípios – a abordagem da engenharia – não seria
possível.
O aspecto remendado da evolução é a razão-
-chave de o mecanismo e a significância adaptativa
não implicarem um o outro. O mecanismo empre-
gado para desempenhar uma função particular não
é uma abstração mas, em vez disso, uma marca das
estruturas e processos que vieram antes em qualquer
linha evolutiva particular. Considere, por exemplo, os
olhos de dois grupos de animais aquáticos: os molus-
cos cefalópodes (lulas e polvos) e os peixes. Ambos os
grupos evoluíram olhos sofisticados que permitem o
estilo de vida baseado na excelente visão. Entretan-
to, esses olhos são formados por desenhos de retinas
muito diferentes (Figura 1.4). Os fotorreceptores nas
retinas do peixe apontam para longe da luz; aque-
les das lulas e dos polvos apontam em direção à luz.
Além disso, os sinais visuais dos fotorreceptores do
peixe são extensivamente processados por redes de
células nervosas integradoras dentro da retina antes
das informações visuais serem enviadas ao cérebro
em um único nervo óptico, ao passo que, nas lulas
e nos polvos, os fotorreceptores enviam sinais mais
diretamente ao cérebro em vários nervos ópticos. A
significância adaptativa da excelente visão nos dois
grupos de animais é semelhante, mas os mecanismos
detalhados não são. A principal razão para as dife-
renças dos mecanismos é, sem dúvida, que os dois
grupos formaram os seus olhos a partir de diferentes
estruturas preexistentes.

A abordagem deste livro


sobre fisiologia
A fisiologia mecanicista, a qual enfatiza o estudo do
mecanismo, e a fisiologia evolutiva, a qual enfatiza
o estudo das origens evolutivas, foram reconhecidas
como as principais abordagens do estudo da fisiologia
animal nos últimos anos. As duas abordagens compar-
tilham o mesmo assunto global: ambas discutem o en-
Figura 1.3 As borboletas macho os seus mecanismos de produção de luz
tendimento da função animal. Elas diferem, entretanto,
para uma função adaptativa, atração para acasalamento O desenho mostra
os padrões representativos de piscadas e trajetórias de voos dos machos de nove
em aspectos particulares da fisiologia que enfatizam.
diferentes espécies de borboletas do gênero Photinus do centro e do leste dos O ponto de vista deste livro, como já foi ressaltado, é que ambas as
Estados Unidos. Cada linha de voo representa uma espécie diferente. Por exem- abordagens são essenciais para a fisiologia ser completamente com-
plo, a linha mais superior representa Photinus consimilis, uma espécie que voa preendida.
alto sobre o chão. Para entender o formato, imagine que você está assistindo A fisiologia comparativa e a fisiologia ambiental são abordagens
a borboleta mais alta quando ela deixa a árvore e segue a sequência numera- adicionais ao estudo da fisiologia animal. Essas abordagens se sobre-
da. As diferenças nas piscadas e nos padrões de voo entre as espécies permitem põem à fisiologia mecanicista e à evolutiva e se sobrepõem uma à ou-
aos machos sinalizar as suas espécies para as fêmeas. (Segundo desenho de Dan tra. A fisiologia comparativa é o estudo sintético da função de todos os
Otte, em Lloyd, 1966.) animais. Ela contrasta, por exemplo, com a fisiologia humana ou a fisio-
logia das aves, cada uma das quais trata somente de um grupo limitado
Capítulo 22 (ver página 557), existem vários grupos diferentes de pei- de animais. A fisiologia comparativa é assim chamada porque uma das
xes que usam estômago, intestinos, cavidade bucal ou evaginações das suas principais metas é comparar sistematicamente as maneiras pelas
câmaras branquiais como órgãos de respiração aérea. A diversidade quais vários tipos de animais realizam funções semelhantes, como vi-
lembra um funileiro que, fazendo um carrinho de jardim, pode tentar são, respiração ou circulação. A fisiologia ambiental (também chamada
usar eixos e rodas tiradas de uma bicicleta descartada, de um trailer de fisiologia ecológica) é o estudo de como os animais respondem fisio-
antiquado ou de um carrinho de criança. logicamente às condições ambientais e aos desafios, ou – sendo mais

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Fisiologia Animal 9

(a) Polvo (b) Peixe

As células nervosas que conduzem


sinais visuais dos receptores da retina As células nervosas que
ao cérebro deixam o olho diretamente deixam a retina seguem
em vários nervos ópticos. para um único nervo óptico.

Retina Retina
Músculo Músculo

Lentes Lentes

Luz Luz

Córnea
Córnea

Íris
Íris

Neurônios
Ao
de integração Fotorreceptor
cérebro
Ao
Fotorreceptor cérebro

Luz Luz

No olho de um polvo ou de uma lula, os


fotorreceptores apontam em direção à
As células nervosas na retina em um No olho de um peixe ou de outro
luz que chega.
peixe ou outros vertebrados, ao contrário vertebrado, os fotorreceptores
daquelas do polvo, formam redes que apontam da direção que a luz entra,
Figura 1.4 As estruturas que são semelhantes em aparên- processam extensivamente a informação de modo que a luz deve passar
cia grosseira, desempenho funcional e significado adap- visual antes de os sinais irem para o através do tecido da retina para
tativo podem diferir significativamente em detalhes de cérebro. estimular os fotorreceptores.
como se agrupam e trabalham Tanto os moluscos cefaló-
podes quanto os peixes desenvolveram visão excelente, mas
eles usam mecanismos detalhados diferentes. (a adaptada de
Wells, 1966 e Young, 1971; b adaptada de Walls, 1942.) ■ A importância de todos os níveis de organização – dos genes às
proteínas e dos tecidos aos órgãos – para o completo entendi-
mento dos sistemas fisiológicos.
Sobrepondo com as classificações já discutidas, a fisiologia é di-
breve – “fisiologia ecologicamente relevante”. A fisiologia integrativa vidida também em vários ramos ou disciplinas baseadas nos tipos de
é um termo quase novo que se refere às investigações com uma ênfa- funções desempenhadas pelos animais. A organização deste livro em
se deliberada sobre a síntese através dos níveis de organização biológica, partes ou capítulos é baseada nos tipos de função. Como mostra a Ta-
como a pesquisa que comprova as relações entre as características mo- bela 1.1, o livro consiste em seis subdivisões principais, Partes I até VI,
leculares e anatômicas dos órgãos. cada uma com foco em um conjunto particular de funções. Os capí-
Nosso ponto de vista neste livro é mecanicista, evolutivo, compa- tulos dentro de cada parte discutem aspectos particulares do tópico
rativo, ambiental e integrativo. Em outras palavras, ressaltamos enfatizado. O último capítulo de cada parte (exceto a Parte I) é um
■ Os mecanismos pelos quais os animais desempenham as fun- capítulo “Em Ação”, que leva uma abordagem sintética até um tópico
ções que mantêm a vida proeminente que provoca curiosidade. O principal objetivo dos capítulos

“Em Ação” é mostrar como o material em cada parte pode ser usado de ma-
A evolução e a significância adaptativa dos traços fisiológicos
neira integrativa para entender a função do animal.
■ As maneiras nas quais vários grupos filogenéticos de animais di- Agora, como se diz no teatro, “Deixe o espetáculo começar”. Visto
ferem ou se assemelham uns aos outros que consideramos o principal assunto deste capítulo – função no estágio
■ As maneiras nas quais a fisiologia e a ecologia interagem, no ecológico –, os três principais atores são os animais, os ambientes e os
presente e durante o tempo de evolução processos evolutivos (ver Figura 1.1). Nós, agora, tratamos de cada um.

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10 Hill, Wyse & Anderson

TABELA 1.1 A organização deste livro


Os capítulos “Em Ação”, escritos em itálico, exemplificam como o material mostrado em cada parte do livro pode ser usado sinteticamente para entender um pro-
blema na fisiologia animal.

Parte Tópicos dentro das partes

Parte I: Fundamentos de Fisiologia • Animais e ambientes (Capítulo 1) • Moléculas e Células (Capítulo 2) • Genômica e proteômica (Capítulo 3) • Trans-
porte de solutos e água (Capítulo 4)

Parte II: Alimento, energia, e temperatura • Nutrição, alimentação e digestão (Capítulo 5) • Metabolismo energético (Capítulo 6) • Metabolismo aeróbio e
anaeróbio (Capítulo 7) • A energética da atividade aeróbia (Capítulo 8) • Relações térmicas (Capítulo 9) • Mamíferos
em ambientes gélidos (Capítulo 10)

Parte III: Sistemas integradores • Neurônios (Capítulo 11) • Sinapses (Capítulo 12) • Processos sensoriais (Capítulo 13) • Sistema nervoso; relógios
biológicos (Capítulo 14) • Fisiologia endócrina e neuroendócrina (Capítulo 15) • Reprodução (Capítulo 16) • Nave-
gação animal (Capítulo 17)

Parte IV: Movimento e músculo • Controle do movimento (Capítulo 18) • Músculo (Capítulo 19) • Plasticidade muscular no uso e no desuso (Capítulo 20)

Parte V: Oxigênio, dióxido de carbono e • Introdução à Fisiologia do Oxigênio e do Dióxido de Carbono (Capítulo 21) • Respiração (Capítulo 22) • Transporte
transporte interno de gases no sangue (Capítulo 23) • Circulação (Capítulo 24) • O Mergulho dos Mamíferos Marinhos (Capítulo 25)

Parte VI: Água, sais e excreção • Fisiologia de Água e Sais (Capítulo 26) • Fisiologia de Água e Sais dos Animais em Seus Ambientes (Capítulo 27) •
Rins e Excreção (Capítulo 28) • Mamíferos dos Desertos e Savanas (Capítulo 29)

Animais pessoa marcada com Fe58, alimentando-a ao longo de um ano com o


58
isótopo incomum de Fe , de modo que os átomos de ferro com isó-
As propriedades que merecem ser mencionadas na revisão inicial são topos diferentes formem as moléculas de hemoglobina e outras mo-
aquelas de importância primordial. Essas incluem que (1) animais são léculas que contenham ferro pelo corpo da pessoa. Suponha que o
estruturalmente dinâmicos, (2) animais são sistemas organizados que re- fornecimento do isótopo incomum de ferro na dieta da pessoa seja
querem energia para manter a sua organização e (3) tanto tempo quanto interrompido. Depois – à medida que o tempo passa – os átomos com
58
tamanho corporal são de significado fundamental nas vidas de todos os isótopos diferentes Fe no corpo sairão e serão substituídos por áto-
56
animais. mos de ferro com isótopo comum de Fe do ambiente. Anos mais tar-
Uma das propriedades mais importantes dos animais é que os áto- de, todos os átomos incomuns de ferro terão sumido. Vemos, então,
mos dos seus corpos – seus blocos de construção – estão em troca dinâ- que embora a pessoa aparente ser estruturalmente constante como o
mica com os átomos em seus ambientes durante a vida. Este dinamis- telefone, os átomos de ferro no corpo de uma pessoa em um momento
mo estrutural – chamado memoravelmente de “o estado dinâmico dos diferem daqueles em outro momento.
2
constituintes corporais”, por Rudolf Schoenheimer, que o descobriu A razão mecanicista para a renovação dos átomos de ferro em um
– é uma maneira fundamental na qual os animais diferem dos objetos animal é que os constituintes moleculares do corpo de um indivíduo
inanimados, como os telefones, por exemplo. Depois que um telefone são decompostos e formados novamente. Um eritrócito (célula ver-
é manufaturado, os átomos de carbono e ferro que formam a sua subs- melha) do sangue humano, por exemplo, normalmente vive somente
tância permanecem pelo tempo que o telefone existir. Pode-se pensar, por 4 meses. Quando um eritrócito é descartado e substituído, alguns
devido à observação casual, que a composição de uma pessoa, de um dos átomos de ferro das moléculas de hemoglobina são excretados no
leão ou de um caranguejo é semelhantemente estática. Essa ilusão foi ambiente, e alguns átomos de ferro da nova célula são adquiridos pela
abruptamente dissipada, entretanto, quando Schoenheimer e outros dieta. Desse modo, mesmo que o número de eritrócitos permaneça
começaram a usar isótopos químicos como ferramentas de pesquisa. relativamente constante, os átomos de ferro das células estão em troca
Os isótopos se mostraram reveladores, pois eles permitem que os dinâmica com os átomos de ferro do ambiente.
átomos sejam marcados e, depois, rastreados. Considere o ferro como Essencialmente, todos os átomos na massa do corpo de um ani-
um exemplo. Como a maioria dos átomos de ferro na natureza tem mal passam por trocas dinâmicas semelhantes. Os átomos de cálcio
56
peso atômico 56 (Fe ), um pesquisador pode marcar diferentemente entram no esqueleto de um animal e mais tarde são removidos; alguns
um conjunto particular de átomos de ferro substituindo o incomum dos átomos removidos são substituídos por novos átomos de cálcio
(mas estável) isótopo alternativo do ferro, ficando com um peso atômi- novamente ingeridos a partir do ambiente. As proteínas e gorduras
58
co de 58 (Fe ). Suponha que criemos um telefone no qual os átomos pelo corpo de um animal são continuamente decompostas em taxas
58
de ferro são de isótopos incomuns de Fe , de modo que possamos substanciais, e a sua nova síntese ocorre em parte com novas molécu-
3
distinguir aqueles átomos de ferro dos outros geralmente disponíveis. las adquiridas do ambiente, como aminoácidos e ácidos graxos dos
Anos mais tarde, todos os átomos de ferro no telefone ainda serão alimentos. As pessoas adultas geralmente ressintetizam 2 a 3% da sua
58
os do tipo Fe . Suponha, entretanto, que possamos desenvolver uma proteína corporal a cada dia, e aproximadamente 10% dos aminoáci-
dos usados para formar novas moléculas de proteínas são adquiridos
2
Assim que os químicos aprenderam e começaram a sintetizar isótopos inco- da alimentação.
muns na década de 1930, Rudolf Schoenheimer (1898-1941) foi um dos primei-
ros a aplicar os isótopos recém-descobertos para estudar o metabolismo dos
3
animais. O seu livro clássico sobre o assunto, publicado postumamente durante Veja o Capítulo 2 (página 55) para discussão do sistema ibiquitina-proteaso-
a 2ª Guerra Mundial, é chamado O estado dinâmico dos constituintes do corpo. ma que atinge proteínas para quebrá-las e desmontá-las.

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Fisiologia Animal 11

Você nunca se perguntou por que precisa se preocupar toda semana (a) Termoconformação (b) Termorregulação
sobre se está comendo cálcio, ferro, magnésio e proteína suficientes?
A explicação é proporcionada pelos princípios que estamos discutindo. Um meio interno do animal pode … ou o meio interno
variar quando o seu meio externo pode permanecer
Se você fosse um objeto inanimado, o suficiente de cada elemento ou
muda… constante.
composto necessário poderia formar o seu corpo desde o início, e eles
lhe seriam suficientes para sempre. Em vez disso, como você está vivo
40 40
e dinâmico – em vez de inanimado e estático –, perde elementos e

Temperatura interna (°C)

Temperatura interna (°C)


componentes a cada dia e deve substituí-los.
Como esta discussão tem ilustrado, os limites materiais entre um
animal e seu ambiente estão desfocados, não nítidos. Os átomos cru- 30 30
zam as fronteiras ao longo da vida, de modo que um átomo que é parte
dos tecidos de um animal pode um dia estar no chão da floresta ou
à deriva na atmosfera no dia seguinte, e vice-versa. Possivelmente, a 20 20
implicação mais profunda desses fatos é que um animal não é um objeto
material.
10 10
10 20 30 40 10 20 30 40
A propriedade estrutural de um animal que persiste Temperatura externa (°C) Temperatura externa (°C)
com o passar do tempo é a sua organização Figura 1.5 Conformação e regulação Estes exemplos do estudo da tempera-
Se os blocos de construção atômica de um animal são transitórios, por tura ilustram os princípios gerais da conformação (a) e da regulação (b).
qual propriedade estrutural um animal é definido? A resposta vem da
imaginação de que podemos ver as moléculas individuais no corpo
de um animal adulto. Se pudéssemos, observaríamos que as estrutu-
ras moleculares e as relações espaciais das moléculas nos tecidos são animais consistentemente exibem organização estrutural de seus áto-
relativamente constantes ao longo do tempo, mesmo que os átomos mos e moléculas. No seguinte, segundo nível, os animais às vezes –
que formam as moléculas mudem de tempos em tempos. Uma analo- mas somente às vezes – exibem mais organização mantendo o seu
gia bruta seria uma parede de tijolos que mantém um tamanho e um meio interno diferente do meio externo.
formato, mas os tijolos são constantemente substituídos, de modo que Os animais apresentam dois tipos principais de relação entre
os tijolos presentes durante um mês são diferentes daqueles presentes seus meios interno e externo. Por um lado, quando as condições fora
um mês antes. do corpo do animal mudam, o animal pode permitir que seu meio
A propriedade estrutural de um animal que persiste ao longo do interno acompanhe essas condições externas e, assim, mudar com
tempo é a organização dos seus blocos de construção atômica, não dos as mudanças externas. Por outro lado, o animal pode manter cons-
blocos de formação em si. Assim, um animal é definido por sua organi- tante o seu meio interno. Estas alternativas podem ser ilustradas
zação. Essa característica dos animais proporciona a razão mais funda- com temperatura (Figura 1.5). Se a temperatura do meio externo
mental pela qual eles requerem energia por toda a vida. Como discu- de um animal muda, uma opção para o animal é deixar a sua tem-
timos em detalhe no Capítulo 6, a segunda lei da termodinâmica diz peratura interna mudar para se igualar à externa (ver Figura 1.5a).
que para a organização ser mantida num sistema dinâmico, o uso de Outra opção para o animal é manter uma temperatura constante
energia é essencial. (ver Figura 1.5b). Se um animal permite que as condições internas
e externas se igualem, é dito que apresenta conformação. Se um
A maioria das células é exposta ao meio animal mantém o meio interno constante frente à variabilidade ex-
interno, não ao meio externo terna, mostra regulação. A conformação e a regulação são extremos;
as respostas intermediárias são comuns.
Mudando de foco agora para as células do corpo de um animal, pri-
Os animais frequentemente mostram conformação a respeito
meiro é importante ressaltar que as condições experimentadas pela
de algumas características do seu meio interno enquanto mostram
maioria das células animais são as condições internas do corpo, não as
regulação a respeito de outras. Considere um salmão, por exemplo
externas. A maioria das células é banhada pelos líquidos dos tecidos
(Figura 1.6). Como a maioria dos peixes, salmões são conformadores
ou pelo sangue. Assim, o meio da maior parte das células consiste em
para temperatura; eles deixam a sua temperatura se igualar àquela da
um conjunto de condições predominantes nos líquidos ou no sangue
água ao redor. Simultaneamente, os salmões são excelentes regula-
dos tecidos. Claude Bernard (1813-1878), francês, um dos fisiologistas
dores para cloro; eles mantêm uma concentração quase constante de
mais influentes do século XIX, foi o primeiro a codificar esse conceito. –
íons Cl no seu sangue, não importando se a concentração externa
Ele cunhou o termo meio interno (milieu intérieur) para se referir às –
+ de Cl está alta ou baixa.
condições – temperatura, pH, concentração de sódio (Na ) e outros –
A regulação tem demandas de energia maiores do que a confor-
experimentadas pelas células dentro do corpo do animal. As condições
mação sobre as fontes de energia de um animal, pois a regulação re-
externas ao corpo representam o meio externo.
presenta uma forma de organização; durante a regulação, a organi-
zação é manifestada tanto pela manutenção da constância dentro do
O meio interno pode variar quando o meio corpo quanto pela manutenção de uma distinção entre as condições
externo muda, ou pode permanecer constante de dentro e de fora. Uma analogia familiar para os custos de energia
Os animais evoluíram vários tipos de relações entre o seu meio in- da regulação em animais é proporcionada pelo aquecimento de uma
terno e o meio externo. Se pensarmos na organização do corpo como casa. Uma grande quantidade de energia é necessária para manter o
hierarquicamente arranjada, as relações entre o meio interno e o meio interior de uma casa a 22ºC (72ºF) durante o frio do inverno. Esse custo
externo representam um dos níveis hierárquicos potenciais nos quais de energia é evitado se for permitido à temperatura interna se igualar
os animais podem exibir organização. Em um nível primário, todos os à temperatura externa.

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12 Hill, Wyse & Anderson

(a) Termoconformação (b) Regulação de cloreto muito impressionado com a capacidade de os mamíferos condu-

zirem as suas vidas livremente a despeito das condições externas.
Quando um salmão entra em um rio a …mas a sua concentração de Cl no Os mamíferos, por exemplo, podem vaguear ao ar livre no inverno
partir do mar, a sua temperatura corporal sangue permanece quase constante,
(incluindo a temperatura do sangue) mesmo sabendo-se que a água do
mortífero, procurando comida e parceiros; peixes ou insetos, por
muda se a água do rio é mais fria ou mais rio é muito diluída em Cl– e a água outro lado, são levados, frequentemente, a um tipo de paralisia pelo
quente do que a água do oceano… do mar é muito concentrada em Cl–. frio do inverno. Bernard concluiu que os mamíferos são capazes de
funcionar em um modo constante apesar da variação das condi-
ções externas, pois as células dentro dos seus corpos aproveitam as

Concentração de Cl– no sangue


condições constantes. Ele então postulou uma hipótese que per-
Temperatura do sangue

manece provavelmente a mais famosa na história da fisiologia ani-


mal: “a constância do meio interno é a condição para a vida livre”. Uma
tradução moderna pode ser esta: os animais são capazes de levar
vidas de maior liberdade e independência à medida que mantêm
um meio interno estável, protegendo as suas células da variabilidade
do mundo externo.
Walter Cannon, um fisiologista americano proeminente, que
nasceu na mesma década em que Claude Bernard morreu, intro-
duziu o conceito de homeostase para se referir à constância do
Temperatura da água Concentração de Cl– na água meio interno nos animais. De certo modo, as visões de Bernard e
Figura 1.6 A regulação e a conformação mescladas em uma espécie úni- de Cannon eram tão similares, que Bernard pode ter inventado o
ca Os salmões são termoconformadores, mas reguladores para cloreto. A apre- conceito de homeostase, mas as implicações da constância interna
sentação da regulação de Cl– é diagramática; a concentração de Cl– no sangue foram esclarecidas no tempo de Cannon. Como os animais intera-
não é de fato absolutamente constante, mas é um pouco mais alta quando o gem dinamicamente com os seus ambientes, a temperatura, o pH,
peixe está na água do mar do que quando na água doce. as concentrações iônicas e outras propriedades dos seus corpos são
incessantemente afastadas da sua estabilidade. Cannon enfatizou
que para um animal estar internamente estável, os mecanismos fi-
Homeostase na vida dos animais: a siológicos vigilantes devem estar presentes para corrigir os desvios
da sua estabilidade. Assim, quando Cannon introduziu e definiu o
constância interna é frequentemente crucial termo homeostase, ele pretendeu que este significasse não somente
para o funcionamento adequado a constância interna, mas também a existência dos sistemas regula-
A homeostase é um conceito importante no que diz respeito à na- tórios que automaticamente fazem ajustes para manter a constância
tureza e à significância da constância interna. Logo iremos definir interna. Nas suas próprias palavras, Cannon descreveu homeostase
homeostase usando as palavras de Walter Cannon (1871-1945), como “os processos fisiológicos que mantêm a maioria dos estados
que cunhou o termo. Para compreender completamente o concei- [constantes] no organismo.”
to, entretanto, precisamos reconhecer primeiro a sua rota histórica Um aspecto essencial da perspectiva de Cannon foi a sua convic-
na medicina. Os dois homens que mais contribuíram para o desen- ção de que a homeostase é boa. Cannon argumentou, de fato, que a
volvimento do conceito de homeostase, Claude Bernard e Walter homeostase é uma marca de vida altamente evoluída. Ele acreditava
Cannon, foram médicos e pesquisadores, voltados primariamente que a espécie animal poderia ser classificada de acordo com o seu grau
para fisiologia humana. Humanos saudáveis mantêm notavelmente de homeostase; no seu ponto de vista, por exemplo, os mamíferos
a constância das condições do sangue e dos líquidos corporais. A eram superiores às rãs em razão do seu maior grau de homeostase.
noção de homeostase foi, então, concebida durante os estudos de Mais tarde, Cannon também argumentou que as sociedades humanas
uma espécie que exibe excepcional constância interna e, mais tarde, poderiam ser classificadas com base em uma escala de homeostase –
a noção foi extrapolada para outros animais. sociedades autorregulatórias e internamente constantes sendo ineren-
Claude Bernard foi o primeiro a reconhecer a impressionante esta- temente superiores a outras.
bilidade das condições que os humanos mantêm no seu sangue e nos
seus líquidos corporais. Uma das principais áreas de estudo de Bernard HOMEOSTASE NO ESTUDO MODERNO DA FISIOLOGIA ANIMAL O con-
foi a glicose sanguínea nos mamíferos. Ele observou que o fígado capta ceito de classificação animal usando graus de homeostase parece equi-
e libera a glicose necessária para manter uma concentração de glicose vocado para a maioria dos biólogos hoje. Bernard e Cannon, tendo
relativamente constante no sangue. Se a glicemia aumenta, o fígado devotado os seus talentos consideráveis aos estudos de mamíferos,
remove glicose a partir do sangue. Se a glicemia diminui, o fígado libe- articularam ideias que são verdadeiramente indispensáveis para o
ra glicose no sangue. Bernard ressaltou que, em consequência, a maio- entendimento da biologia de mamíferos e da medicina. Entretanto, o
ria das células do corpo de um mamífero experimenta um ambiente mero fato de os mamíferos exibirem um alto grau de homeostase não
relativamente constante a respeito da concentração de glicose (Quadro significa que outros animais devam atingir os padrões dos mamífe-
1.1). A pesquisa de Bernard e, mais tarde, de outros pesquisadores, ros. Os animais que exibem homeostase menos completa do que os
também revelou que a maioria das células no corpo dos mamíferos mamíferos coexistem com estes na biosfera. De fato, a vasta maioria
experimenta um ambiente relativamente constante de temperatura, dos animais vivendo hoje não atinge os “padrões dos mamíferos” de
+
nível de O2, pressão osmótica, pH, concentração de Na , concentração homeostase. Assim, a maioria dos biólogos, hoje, argumenta que um

de Cl e outros parâmetros, devido a vários órgãos e tecidos regularem alto grau de homeostase é meramente um dos vários modos de atingir
essas propriedades em níveis consistentes nos líquidos corporais que sucesso ecológico e evolutivo. Desse modo, Bernard e Cannon não ar-
banham as células. ticularam requerimentos universais para o sucesso, mas em vez disso,
Claude Bernard dedicou muita atenção para a significância da esclareceram as propriedades e a significância de um caminho particular
constância interna em humanos e em outros mamíferos. Ele estava para o sucesso.

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Fisiologia Animal 13

QUADRO 1.1 Retroalimentação negativa

O
tipo de controle que Claude Bernard des- No caso da glicemia, que tanto intrigou Clau- Na retroalimentação positiva, um sistema
cobriu nos seus estudos sobre a glicose de Bernard, o sistema de controle adiciona glicose de controle reforça os desvios de uma variável
sanguínea é o que chamamos hoje de re- ao sangue se a glicemia – a variável controlada – controlada do seu ponto de ajuste. A retroalimen-
troalimentação negativa. Em qualquer sistema de cai abaixo do ponto de ajuste da sua concentra- tação positiva é bem menos comum em sistemas
controle, a variável controlada é a propriedade ção, se opondo então ao desvio da concentração fisiológicos do que a retroalimentação negativa.
que está sendo mantida constante ou relativa- do sangue do seu ponto de ajuste. O sistema de Entretanto, é mais comum durante a função nor-
mente constante pelas atividades do sistema. O controle remove glicose do sangue se a concen- mal do que é geralmente reconhecido. Por exem-
ponto de ajuste é o nível no qual a variável con- tração de glicose aumenta muito, novamente se plo, a retroalimentação positiva ocorre quando os
trolada é mantida. A retroalimentação ocorre se opondo ao desvio de concentração do seu pon- potenciais de ação (impulsos nervosos) se desen-
o sistema usa a informação da própria variável to de ajuste. Os biólogos e engenheiros que es- volvem nas células nervosas (ver Figura 11.16) e
controlada para governar as suas ações. Na re- tudaram os sistemas de controle estabeleceram também durante o processo de parto dos filhotes
troalimentação negativa, o sistema responde que nenhum sistema de controle pode manter a de mamíferos (ver Figura 16.15). No primeiro caso,
às mudanças na variável controlada trazendo a constância perfeita de uma variável controlada; uma mudança relativamente pequena na volta-
variável de volta ao seu ponto de ajuste; isto é, o falando a grosso modo, a variável controlada deve gem através da membrana da célula nervosa mo-
sistema se opõe aos desvios do ponto de ajuste da ser um alvo móvel para um sistema de controle dula as propriedades da membrana, de modo que
variável controlada. Há vários mecanismos deta- agir sobre ela. Assim, a glicemia não é mantida amplifica a mudança de voltagem. No segundo, as
lhados pelos quais a retroalimentação negativa perfeitamente constante pelo sistema de controle contrações musculares agindo para expelir o feto
pode ocorrer nos sistemas fisiológicos. A retroa- da glicose, mas durante a saúde normal é mantida do útero induzem sinais hormonais que estimu-
limentação negativa, entretanto, é praticamente dentro de uma faixa estreita de variação. O Qua- lam contrações cada vez mais intensas.
sinônima da homeostase e ocorre em todos os dro 9.2 trará mais detalhes sobre os sistemas de
sistemas homeostáticos. controle baseados na retroalimentação negativa.

Pesquisas recentes esclareceram, de fato, que os organismos às O tempo na vida dos animais: a fisiologia
vezes alcançam o sucesso na biosfera precisamente deixando seus muda em cinco padrões temporais
meios internos variarem com o meio externo: a antítese da homeos-
tase. Considere, por exemplo, os insetos que passam o inverno den- O tempo é uma dimensão crucial para a compreensão da fisiologia de
tro dos troncos de plantas no Alasca. Eles sobrevivem suspendendo todos os animais, pois a fisiologia dos animais invariavelmente muda
atividade, permitindo que as suas temperaturas internas caiam abai- de tempos em tempos. Mesmo os animais que exibem homeostase
xo de –40°C e tolerando tais temperaturas tissulares baixas. Qualquer passam por mudanças. Os detalhes do seu ambiente interno podem
tentativa desses animais de manter a temperatura interna constante mudar. Além disso, os processos regulatórios que mantêm a homeos-
do verão ao inverno seria energeticamente dispendiosa e iria com tase devem mudar de modo que a homeostase possa prevalecer, tanto
certeza terminar em morte; assim, a tolerância dos insetos à mudança quanto os ajustes diários no consumo de combustível de um forno do-
da sua temperatura interna no inverno é a chave para a sua sobrevi- méstico são necessários para manter uma temperatura de ar dentro da
vência. Mesmo alguns mamíferos – os hibernantes – sobrevivem ao casa durante o inverno.
inverno abandonando a constância da temperatura interna; os mamí- Um princípio organizador importante para o entendimento da
feros hibernantes permitem que suas temperaturas corporais decli- função do tempo nas vidas dos animais é reconhecer os cinco prin-
nem e, às vezes, se igualem à temperatura do ar. Para os lagartos nos cipais padrões temporais nos quais a fisiologia de um animal pode
desertos, a tolerância à desidratação profunda é frequentemente a mudar. Os padrões temporais se encaixam em duas categorias: (1)
chave para o sucesso. respostas fisiológicas às mudanças do meio externo e (2) alterações
Tanto a constância quanto a inconstância do meio interno – regu- fisiológicas programadas internamente. A Tabela 1.2 lista os cinco
lação e conformação – possuem vantagens e desvantagens: padrões temporais classificados desse modo. Nós reconheceremos
esses cinco padrões temporais ao longo deste livro à medida que
■ Regulação: a principal desvantagem da regulação é que custa discutirmos vários sistemas fisiológicos.
energia. O grande legado de Bernard e Cannon é que eles es- O conceito dos padrões temporais se sobrepõe a outras ma-
clareceram a vantagem que os animais ganharam pagando o neiras de conhecimento organizado sobre a função animal. Por
custo: a regulação permite que as células funcionem em condi- exemplo, esse conceito se sobrepõe aos conceitos de regulação,
ções estáveis, independentemente das variações das condições conformação e homeostase recém-discutidos. Quando falamos de
externas. regulação, conformação e homeostase, nos referimos aos tipos de
■ Conformação: A desvantagem principal da conformação é que respostas que animais mostram em relação às variações nos seus
as células dentro do corpo estão sujeitas às mudanças nas suas meios externos. Quando falamos dos padrões temporais, ressalta-
condições quando as condições externas mudam. A grande van- mos quando essas respostas ocorrem.
tagem da conformação é que ela evita os custos de energia para
manter o meio interno diferente do meio externo. A conforma- RESPOSTAS FISIOLÓGICAS ÀS MUDANÇAS NO MEIO EXTERNO EM TRÊS
ção, então, é energeticamente barata. PADRÕES TEMPORAIS Os animais sujeitos às mudanças nos seus meios
externos exibem respostas agudas e crônicas às mudanças do ambiente.
Nem a regulação nem a conformação são categoricamente um As respostas agudas, por definição, são respostas exibidas durante os
defeito ou um acerto. Não é possível entender os mamíferos ou a fi- primeiros minutos ou horas depois de uma mudança ambiental. As
siologia médica sem entender a homeostase, mas não pode-se com- respostas crônicas são expressas após exposição prolongada a novas
preender a grande variabilidade da vida animal sem reconhecer que a condições ambientais. Você pode pensar por que as respostas imedia-
flexibilidade fisiológica é, às vezes, vantajosa.

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14 Hill, Wyse & Anderson

TABELA 1.2 Os cinco padrões temporais nos quais a fisiologia muda

Tipo de mudança Descrição

Mudanças na fisiologia que são respostas a mudanças no meio externo

1. Mudanças agudas As mudanças a curto prazo na fisiologia dos animais: as mudanças que os indivíduos exibem
logo após os seus meios mudarem. As mudanças agudas são reversíveis.

2. Mudanças crônicas (chamadas aclimatação e aclimatização; As mudanças a longo prazo na fisiologia dos animais: as mudanças que os indivíduos exibem
também chamadas de plasticidade fenotípica) depois de estarem em novos ambientes por dias, semanas ou meses. As mudanças agudas
são reversíveis.

3. Mudanças evolutivas As mudanças que ocorrem pela alteração das frequências de gene ao longo de várias gerações
nas populações expostas aos novos ambientes.

Mudanças na fisiologia que são internamente programadas para ocorrer se as mudanças do meio externo acontecerem ou não

4. Mudanças de desenvolvimento As mudanças na fisiologia de um animal que ocorrem de forma programada à medida que o
animal cresce desde a concepção até a vida adulta e depois na velhice

5. Mudanças controladas por relógios biológicos periódicos As mudanças na fisiologia de um animal que ocorrem em padrões repetitivos (p. ex., a cada dia)
sob controle dos relógios biológicos internos dos animais.

tas de um indivíduo a uma mudança ambiental diferem das respostas suor torna-se mais diluído (de modo que perdem menos sal), o san-
a longo prazo. A resposta é que a passagem de tempo permite a rees- gue que flui para as suas peles se torna mais vigoroso (melhorando
truturação bioquímica ou anatômica do corpo de um animal. Quando a distribuição de calor interno para a superfície do corpo) e as suas
um animal repentinamente experimenta uma mudança no seu meio, frequências cardíacas durante o exercício no calor se tornam mais bai-
as suas respostas imediatas devem ser baseadas nas “velhas” proprie- xas. Assim, a fisiologia humana é reestruturada de várias maneiras pela
dades preexistentes do seu corpo, pois o animal não tem tempo de se exposição repetida ao calor. Para uma pessoa que tem vivido em con-
reestruturar. Um exemplo morfológico é proporcionado por uma pes- dições frias, as respostas fisiológicas agudas à exposição ao calor são a
soa que de repente precisa levantar pesos, após meses de vida total-
mente sedentária. A pessoa sedentária parece ter pequenos músculos
nos braços, e a sua resposta aguda imediata ao seu novo ambiente de A resposta crônica, exibida
levantamento de peso será levantar apenas pesos leves. Entretanto, se A resposta aguda, exibida quando depois de uma semana de
a pessoa levanta pesos repetidamente à medida que o tempo passa, a os homens foram expostos pela exposição ao ambiente quente, foi
primeira vez ao ambiente quente uma resistência consideravel-
reestruturação irá ocorrer; seus músculos irão aumentar de tamanho.
no dia 1, foi de baixa resistência; mente aumentada; 23 dos 24
Assim, a sua resposta crônica ao ambiente de levantamento de peso ninguém podia continuar homens podiam continuar
será que ela poderá levantar pesos pesados, assim como pesos leves. caminhando por 100 minutos. caminhando por 100 minutos.
Um exemplo fisiológico familiar de respostas agudas e crônicas é
proporcionado pelas reações humanas que ocorrem no clima quente: 24
todos sabemos que quando nos expomos ao clima quente após um
Resistência medida como o número
de homens que podiam caminhar

período vivendo em condições frias, com frequência nos sentimos ra- 20


pidamente exaustos; dizemos que o calor está “destilando”. Também
sabemos que este não é um estado permanente: se experimentamos
por 100 minutos

16
calor dia após dia, nos sentimos cada vez mais capazes de trabalhar
no calor.
A Figura 1.7 mostra que essas impressões não são apenas ilusões 12
subjetivas. Foi pedido para 24 homens jovens, em forma, que não tive-
ram experiência recente com clima quente para caminhar com passo 8
fixo em um ambiente com ar quente relativamente seco. A resistência
deles foi medida como um modo de quantificar a habilidade fisiológica 4
para sustentar exercício moderado sob condições quentes. Nenhum
dos homens teve resistência suficiente para caminhar por 100 minu- 0
tos no primeiro dia. Entretanto, à medida que os dias passaram e os 1 2 3 4 5 6 7
Dias de exposição ao calor
homens tiveram mais e mais experiências com as condições quentes,
a resistência aumentou, como indicado pelo número de homens que Figura 1.7 A aclimatação ao calor em humanos como medida pela resistên-
podiam caminhar por 100 minutos. cia ao exercício Foi pedido a 24 homens jovens em forma, sem exposição re-
A partir das pesquisas sobre a fisiologia do homem trabalhando cente ao calor, para caminharem 3,5 milhas por hora em ambiente com ar quente
sob condições quentes, os fisiologistas sabem que a resistência sob es- e seco (40°C, 20% da umidade relativa). A resistência de cada um foi usada como
uma medida da sua capacidade fisiológica para realizar trabalho moderado sob
sas condições muda, pois à medida que as pessoas ganham experiên-
condições de calor. A aclimatação ilustrada pela resposta crônica é reversível; se
cia com o calor, as suas taxas de secreção de suor aumentam, as suas os homens aclimatados ao calor retornam para a vida de não exposição ao calor,
glândulas sudoríparas são capazes de manter altas taxas de secreção eles gradualmente revertem para o nível de resistência evidente no dia 1. (Adap-
de suor por períodos consideravelmente prolongados de tempo, seu tada de Pandolf e Young, 1992.)

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Fisiologia Animal 15

baixa resistência ao exercício, a baixa taxa de produção de calor e assim é possível porque um indivíduo invariavelmente possui o código ge-
por diante. O treinamento no calor leva a pessoa a expressar respostas nético para adotar múltiplos fenótipos (Quadro 1.2). O crescimento
fisiológicas crônicas ao calor, como alta resistência ao exercício e uma do músculo bíceps durante o treinamento de pesos proporciona um
alta capacidade de suar. exemplo simples de uma mudança no fenótipo sob controle de me-
As respostas agudas e crônicas são, por definição, respostas fe- canismos codificados geneticamente. Há incontáveis outros exemplos
notípicas de cada indivíduo às mudanças do ambiente. As populações menos óbvios. Por exemplo, o grupo particular de enzimas ativas em
podem exibir uma terceira categoria de resposta à mudança ambien- uma pessoa adulta pode mudar de tempos em tempos, pois os genes
tal: respostas evolutivas envolvendo mudanças genotípicas. Coletiva- para um grupo de enzimas são expressos sob certas condições am-
mente, então, os animais mostram respostas à mudança ambiental em bientais, ao passo que os genes para outro grupo são expressos sob
5
três padrões temporais: diferentes condições.
1. Os indivíduos exibem respostas agudas imediatas.
A FISIOLOGIA PASSA POR MUDANÇAS PROGRAMADAS INTERNAMENTE
2. Os indivíduos exibem respostas crônicas, a longo prazo. A du- EM DOIS PADRÕES TEMPORAIS As propriedades fisiológicas do indiví-
ração do tempo que um indivíduo deve se expor a um novo duo às vezes mudam mesmo se o meio externo permanece constante.
ambiente para as respostas crônicas serem completamente Por exemplo, o tipo de hemoglobina no seu sangue hoje é diferente
expressas é em geral de poucos dias a poucas semanas. do tipo que você produzia quando recém-nascido. Essa mudança na
3. As populações exibem respostas evolutivas. hemoglobina é internamente programada: ocorre mesmo que o seu
meio externo permaneça constante. Às vezes, as mudanças interna-
As respostas crônicas dos animais à mudança do ambiente são tão
mente programadas interagem com as mudanças do ambiente. Por
comuns, diversas e importantes que o seu estudo forma uma disciplina
exemplo, uma mudança internamente programada não requer qual-
especial com a sua própria terminologia. Para vários fisiologistas, os
quer ativação ambiental. Existem dois tipos principais de mudanças
conceitos de aclimatação e aclimatização promovem um modo impor-
internamente programadas: as mudanças de desenvolvimento e as
tante para classificar as respostas crônicas dos indivíduos às mudanças
mudanças controladas por relógios biológicos periódicos.
do ambiente. Uma resposta crônica a uma mudança ambiental é cha-
Desenvolvimento é a progressão dos estágios de vida desde a
mada de aclimatação se o novo ambiente difere do ambiente prece-
4 concepção até a senescência do indivíduo. Diferentes genes são inter-
dente em somente poucas maneiras bem-definidas. A aclimatação é,
namente programados para serem expressos em diferentes estágios
então, um fenômeno de laboratório. A aclimatização é uma resposta
do desenvolvimento, causando as mudanças de desenvolvimento do
crônica dos indivíduos a uma mudança no ambiente quando o am-
fenótipo de um animal. As espécies que fazem metamorfose forne-
biente novo e o anterior são ambientes naturais diferentes que podem
cem os exemplos mais significativos de mudança de desenvolvimento
diferir em numerosas maneiras, como inverno e verão, ou altitudes alta
programado, como as rãs, quando perdem as brânquias e desenvolvem
e baixa. Assim, é dito que os animais se aclimatizam ao inverno, mas
pulmões. Embora a mudança de desenvolvimento seja com frequência
eles se aclimatam a diferentes temperaturas definidas em um experi-
mais súbita em outros tipos de animais, isso é universal. Os humanos,
mento de laboratório.
por exemplo, não somente mudam a hemoglobina, mas também al-
A aclimatação e a aclimatização são tipos de plasticidade fenotípi-
teram seus grupos de hormônios e enzimas digestivas à medida que
ca: a habilidade de um animal (um único genótipo) expressar dois ou
mais fenótipos geneticamente controlados. A plasticidade fenotípica
5
As enzimas que variam em quantidade como resultado de mudanças nas
condições ambientais são chamadas enzimas induzíveis. Um excelente exemplo
4
Alguns autores restringem o uso da palavra aclimatação para casos nos quais é proporcionado pelas enzimas P450 discutidas extensamente no Capítulo 2
somente uma propriedade difere entre os ambientes. (ver página 48).

QUADRO 1.2 A evolução da plasticidade fenotípica

Q
uando os animais expressam fenótipos seleção natural. Para entender isso, suponha que pele: com muita melanina e com pouca melani-
controlados geneticamente em diferentes um indivíduo diferente daquele que acabamos de na. Suponha também que existam dois ambien-
ambientes – quando se aclimatam e se discutir expresse o fenótipo F1 no ambiente A1, tes: com muito sol e com pouco sol. Uma possível
aclimatizam – eles precisam de controles que de- F2 em A2, F3 em A3 e F4 em A4. Nesse caso, os norma de reação seria expressar muita melanina
terminam quais fenótipos particulares são expres- dois indivíduos iriam diferir nas suas normas de com pouco sol e pouca melanina com muito sol.
sos em certos ambientes. Como uma ilustração, reação. Suponha, agora, que exista uma popula- Outra norma de reação seria expressar muita
suponha que um animal tenha quatro fenótipos, ção – vivendo em um ambiente variável – com- melanina com muito sol e pouca melanina com
F1 até F4, e que existam quatro ambientes, A1 até posta por metade dos indivíduos com a primeira pouco sol. Se ambas as normas de reação exis-
A4. Uma opção é que o indivíduo poderia expres- norma de reação e metade dos indivíduos com a tiram alguma vez, é fácil entender que os indi-
sar o fenótipo F1 no ambiente A3, F2 em A4, F3 em segunda. Se os indivíduos do primeiro tipo sobre- víduos com a segunda norma de reação teriam
A1 e F4 em A2. Esse conjunto de correspondên- vivessem e se reproduzissem com mais sucesso à deixado mais descendentes do que aqueles com
cias entre fenótipos e ambientes constitui a nor- medida que o ambiente variasse, a seleção natu- a primeira, conduzindo à evolução do tipo de
ma de reação do indivíduo; isto é, se pensarmos ral para a primeira norma de reação iria ocorrer. norma de reação que vemos hoje entre as pes-
nos fenótipos como uma lista em uma máquina Desse modo, a norma de reação em si iria evoluir soas com a tez clara.
de jogo, a norma de reação é como o conjunto de melhor adaptando os animais ao ambiente variá- A plasticidade do fenótipo em si pode evoluir,
linhas que desenharíamos entre os itens das duas vel no qual eles vivem. e as normas de reação podem elas próprias ser
listas para indicar qual item combina com o outro. Um exemplo simples é fornecido pelo bron- adaptações.
Como isso é geneticamente determinado, a zeamento de pessoas com a tez clara. Suponha
norma de reação em si pode evoluir e está sujeita à que existam dois possíveis tipos de fenótipos de

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16 Hill, Wyse & Anderson

eles amadurecem da primeira infância até a infância. A puberdade é uso de energia, a idade da maturação sexual e centenas de outros tra-
um exemplo considerável de mudança de desenvolvimento programa- ços morfológicos e fisiológicos também são conhecidos por variarem
do em humanos. O ambiente pode mudar o despertar da puberdade de modo sistemático com o tamanho corporal em mamíferos e em ou-
– como quando o advento da maturidade sexual é atrasado pela má tros conjuntos de espécies de animais filogeneticamente relacionadas.
nutrição – mas a puberdade sempre ocorre, não importa o ambiente, O estudo dessas relações é conhecido como o estudo de escala, pois as
ilustrando que as mudanças programadas de desenvolvimento não re- espécies relacionadas de tamanho grande e pequeno podem ser vistas
querem ativação ambiental. como versões ampliadas ou reduzidas do seu tipo.
Os relógios biológicos são mecanismos que fornecem aos or- O conhecimento estatístico da relação entre um traço e o tamanho
ganismos uma capacidade interna para acompanhar a passagem do corporal é essencial para identificar especializações e adaptações de
tempo (ver Capítulo 14). A maioria dos relógios biológicos lembra espécies particulares. Para ilustrar, vamos perguntar se a gestação em
relógios de pulso sendo periódicos; isto é, depois de cumprirem dois antílopes africanos em particular, o bushbuck e o reedbuck*, tem
um ciclo de tempo, eles começam outro, assim como um relógio duração especializada ou normal. Responder essa questão é complica-
de pulso começa a marcar um novo dia depois de marcar o ante- do precisamente porque não há uma norma única da duração da ges-
rior. Esses tipos de relógios biológicos emitem sinais que fazem com tação de mamíferos para usar para decidir. Em vez disso, como a dura-
que as células e órgãos passem por ciclos repetitivos programados ção da gestação é uma função regular do tamanho corporal, um
internamente nos seus estados fisiológicos, originando mudanças biólogo precisa considerar os tamanhos das espécies para conhecer o
periódicas controladas pelo relógio no fenótipo de um animal. que seria comum.
Uma enzima sob controle de um relógio biológico, por exemplo, Os métodos estatísticos podem ser usados para derivar uma linha
pode aumentar em concentração a cada manhã e diminuir a cada que melhor representa o conjunto de dados. No estudo da escala, o
anoitecer, não porque o animal está respondendo às mudanças no método estatístico que tem sido tradicionalmente considerado mais
seu ambiente externo, mas porque os mecanismos mantidos pelo apropriado é a regressão dos mínimos quadrados (ver Apêndice D). A
horário interno programam uma oscilação diária na concentração linha na Figura 1.8 foi calculada por esse procedimento. Ela mostra a
da enzima. Essas oscilações podem significar que um animal é ine- tendência média nas relações entre a duração da gestação e o tamanho
rentemente mais capaz de digerir um certo tipo de alimente em um corporal. Considera-se que a linha mostra a duração da gestação espe-
momento do dia do que em outro, ou é mais capaz de destruir um rada de uma espécie comum em cada tamanho corporal.
certo tipo de toxina de manhã do que à noite. Os relógios biológicos Com essa informação sobre a duração esperada da gestação, agora
se sincronizam com o meio externo, mas seguem os seus ciclos ine- podemos refazer a questão: O bushbuck e o reedbuck são especializa-
rentemente e podem marcar mudanças fisiológicas por dias sem as dos ou comuns? Note que a duração da gestação no bushbuck é muito
informações do ambiente. semelhante àquela que a linha na Figura 1.8 prevê para um animal
desse tamanho. O bushbuck, então, adere ao que é esperado para o
O tamanho na vida dos animais: o tamanho corporal seu tamanho. A duração da gestação é comum quando o seu tama-
é um dos traços mais importantes do animal nho é considerado. O reedbuck, entretanto, está longe da linha. De
acordo com a linha, como mostrado na Tabela 1.3, para um animal
Qual é o tamanho? É uma das questões comuns que você pode per-
guntar sobre qualquer animal. Esse fato é verdadeiro porque dentro
dos grupos de espécies relacionadas, vários traços variam de maneiras * N. de R.T. Existem várias espécies de antílopes na África, cujos nomes po-
regulares conforme os tamanhos corporais. O tempo de gestação, por pulares não têm tradução para o português, sendo, então, mantidos em inglês
exemplo, é uma função regular do tamanho corporal em mamíferos (antílope reedbuck [Redunca fulvorufula], antílope bushbuck [Tragelaphus scriptus
(Figura 1.8). O tamanho do cérebro, a frequência cardíaca, a taxa de e Tragelaphus sylvaticus], antílope kudu [Tragelaphus streptosiceros]).

80
Duração da gestação (semanas) em escala logarítmica

70
Zebra da
60 planície
Zebra da
Búfalo
montanha
50 africano

Antílope (kudu)
40
Antílope
Figura 1.8 Duração da escala de gestação como (reedbuck)
uma função regular do tamanho corporal em ma-
30 Gnu
míferos Os pontos de dados – cada um represen-
tando uma espécie diferente – são para mamíferos
herbívoros pesando 5 a 1.000 kg quando adultos. A Dikdik
linha (formada a partir da regressão dos quadrados Antílope Javali
mínimos; ver Apêndice D) fornece uma descrição (bushbuck)
estatística da tendência geral e assim representa a 20
duração da gestação que é estatisticamente espe- Duiker
rada de uma média ou de um animal comum em
cada tamanho corporal. Ambos os eixos usam esca- 15
las logarítmicas, explicando por que os números ao
longo dos eixos não são espaçados (ver Apêndice E). 5 10 20 50 100 200 500 1000
(Adaptada de Owen-Smith, 1988.) Peso corporal da fêmea adulta (kg) em escala logarítmica

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Fisiologia Animal 17

te é refletida nas definições padrão dos dicionários. Um dicionário


TABELA 1.3 Duração da gestação real e esperada para dois antílopes
define um animal como um organismo vivo. Um ambiente é defi-
de aproximadamente o mesmo peso corporal
nido como todos os componentes químicos, físicos e bióticos dos
Duração esperada da Duração real da arredores de um organismo.
Espécie gestação (semanas)a gestação (semanas)
Os principais ambientes físicos e químicos da Terra
Bushbuck 27 26
(Tragelaphus scriptus) Os ambientes físicos e químicos no nosso planeta são notavelmente
diversos em suas características, fornecendo à vida incontáveis desa-
Reedbuck 26,5 32 fios e oportunidades para a especialização ambiental. A temperatura,
(Redunca fulvorufula) o oxigênio e a água são “os grandes três” no conjunto de condições
a
As durações esperadas são da linha representada estatisticamente mostrada na Figura 1.8.
físico-químicas que prepararam o palco para a vida. Aqui discutimos as
faixas de variação de temperatura, oxigênio e água pela face da Terra.
Também discutimos casos especiais de como os animais se relacionam
do tamanho do reedbuck é esperada uma gestação de 26,5 semanas, com essas características. Nos próximos capítulos, retornamos a esses
mas na realidade a gestação do reedbuck dura 32 semanas. Assim, o tópicos em maiores detalhes.
reedbuck parece ter evoluído uma gestação especializada excepcional-
mente longa. De modo semelhante, o duiker parece ter evoluído uma TEMPERATURA A temperatura do ar, da água ou de outro material
gestação muito curta para o seu tamanho (ver Figura 1.8). é uma medida de intensidade dos movimentos randômicos que os
Na última década, os fisiologistas reconheceram que a regressão átomos e as moléculas têm no material. Todos os átomos e moléculas
dos mínimos quadrados pode nem sempre ser o melhor procedimen- incessantemente se movem em uma escala atômico-molecular ran-
to para ajustar os dados à linha de tendência, pois o procedimento dômica. Uma alta temperatura significa que a intensidade dessa agi-
dos mínimos quadrados não leva em consideração a árvore filogené- tação atômica e molecular é alta; uma baixa temperatura significa que
tica das espécies estudadas; ele apenas trata cada dado como sendo a intensidade é baixa. Embora alguns animais sejam reguladores de
completamente independente de todos os outros (ver Apêndice D). temperatura e (ao custo de energia) mantenham as suas temperaturas
Cada vez mais, então, os fisiologistas têm formado linhas não apenas tissulares relativamente constantes mesmo que experimentem tempe-
pelo procedimento comum dos mínimos quadrados, mas também raturas altas ou baixas, existe maior número de animais conformado-
por um procedimento alternativo baseado nos contrastes filogene- res para temperatura. À medida que discutimos temperatura aqui, os
ticamente independentes, um método que leva em consideração a conformadores são o nosso principal interesse, pois o nível de agitação
6
árvore filogenética (ver Apêndice G). Embora essas duas abordagens atômico-molecular nos seus tecidos combina com o ambiente onde
às vezes gerem resultados diferentes, elas costumam mostrar resul- eles vivem.
tados semelhantes, e, neste livro, as linhas que apresentamos para os A temperatura mais baixa habitada por comunidades ativas de ani-
estudos de escala são derivadas do método tradicional de regressão mais termoconformadores macroscópicos é –1,9°C, nos mares polares.
dos mínimos quadrados. A temperatura mais baixa na qual qualquer comunidade ativa de ani-
As relações do tamanho corporal são importantes para analisar mais termoconformadores vive ocorre dentro do gelo marinho próximo
quase todos os tipos de questões no estudo de fisiologia, ecologia e aos polos; minúsculos nematódeos e crustáceos, bem como as algas,
biologia evolutiva. Ao conhecermos o tamanho corporal de uma espé- vivem e se reproduzem dentro do gelo marinho nas temperaturas que,
cie animal, podemos fazer previsões úteis sobre traços morfológicos e em alguns lugares, estão poucos graus mais frias do que a água ao
fisiológicos de várias espécies, consultando as relações estatísticas en- redor. Os peixes macroscópicos e outros animais vivendo em águas
tre o traço e o tamanho. Por outro lado, sempre existe a chance de uma abertas dos oceanos polares não congelados (Figura 1.9) são bem mais
espécie ser especializada de certo modo e, assim que se obtém dados conhecidos do que os animais do gelo marinho, entretanto. As águas
reais sobre a espécie, pode-se identificar especializações potenciais pe- abertas dos oceanos polares permanecem perpetuadamente em cerca
los tipos de análises que discutimos. de –1,9°C, a temperatura mais baixa na qual a água marinha é líqui-
da. Assim, os peixes, o krill, as estrelas-do-mar e outros invertebrados
desses oceanos têm temperaturas tissulares próximo de –1,9°C desde
Ambientes o momento em que são concebidos até o dia em que morrem. Eles não
O que é um ambiente? Um ponto inicial importante para respon- congelam. Alguns não congelam porque os seus pontos normais de
der essa questão é reconhecer que um animal e o seu ambiente são congelamento são semelhantes aos pontos de congelamento da água
7
entidades relacionadas, não independentes. Eles são, de fato, defi- do mar, ao passo que outros têm proteções especiais contra o con-
nidos em função um do outro, como foi notado há mais de 100 anos gelamento. Como os tecidos desses animais são muito frios, pode-se
por ninguém menos que Claude Bernard. O ambiente em qualquer imaginar que os animais vivem em um tipo de animação suspensa. Na
caso particular não pode ser especificado até o animal ser especifi- verdade, entretanto, as comunidades de animais termoconformadores
cado. Um cachorro, por exemplo, é um animal em nossa perspectiva nos mares polares são ativas e prósperas. No oceano ao redor da An-
usual, mas se o animal de interesse é uma tênia no intestino do tártica, por exemplo, um sinal que comprova o vigor das populações
cachorro, então o cachorro é o ambiente. Todos os animais, de fato, de peixes, krill e outros invertebrados é que elas se reproduzem e cres-
são parte do ambiente de outros animais. Os pássaros nas árvores
em volta da sua casa são parte do seu ambiente, e você é parte do
ambiente deles. A interdependência entre o animal e o seu ambien- 7
Os sais e outros compostos dissolvidos diminuem o ponto de congelamento
das soluções. A maioria dos invertebrados tem concentrações totais de maté-
ria dissolvida no seu sangue semelhante à concentração da água do mar. Por
6
O Apêndice G explica as razões pelas quais a árvore filogenética deve ser consequência, os pontos de congelamento do seu sangue são quase o mesmo
considerada, bem como fornece uma introdução conceitual para os contrastes ponto de congelamento da água do mar e eles não congelam, desde que a água
filogeneticamente independentes. do mar não congele.

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18 Hill, Wyse & Anderson

cies tropicais de peixes claramente encontram baixas temperaturas


desafiadoras. Várias espécies tropicais, de fato, morrem se resfriadas
até + 6°C, mesmo se resfriadas gradualmente. Tais observações en-
fatizam que o sucesso a –1,9°C não é “automático”, e que as espé-
cies polares tiveram que evoluir adaptações especiais para viverem
nos seus ambientes perpetuadamente a –1,9°C. As espécies polares
em si com frequência morrem se forem aquecidas até +6°C, indi-
cando que as espécies tropicais também têm adaptações especiais
– adaptações que as permitem viver nas temperaturas tropicais. A
divergência evolutiva desses peixes é dramatizada pelo fato de que
uma única temperatura pode ser letalmente fria para as espécies tro-
picais e ainda ser letamente quente para espécies polares.
Extremos bem maiores de frio são mais comuns na terra do que
em ambientes aquáticos. Na Antártica, a temperatura do ar pode
cair até –90°C (-130°F); no Ártico, pode descer até –70°C (-90°F).
Os extremos da adaptação animal à baixa temperatura tecidual são
representados por certas espécies extraordinárias dos insetos do Ár-
tico, que passam o inverno dentro de caules de plantas expostos
ou na superfície do gelo. Os insetos estão quiecentes, não ativos,
nesses períodos. Além disso, é impressionante que alguns resistam
a temperaturas teciduais de –60°C a –70°C, mesmo no estado con-
gelado (para o qual eles têm adaptações para tolerar) ou estados
Figura 1.9 Os peixes no mar ao redor da Antártica passam a sua vida inteira
não congelados super-resfriados. Quando olhamos para a diversi-
com temperaturas corporais próxima de –1.9°C O peixe antártico (Pagothe-
nia borchgrevinki) põe seus ovos em buracos ou depressões nos lençóis de gelo. dade das temperaturas terrestres dos animais conformadores, des-
Eles eclodem, crescem, se alimentam e se reproduzem com temperaturas corpo- cobrimos que ela declina à medida que a latitude aumenta desde
rais próximas de –1,9°C. Os compostos anticongelantes produzidos metabolica- a zona temperada em direção aos polos, como exemplificado por
mente os impedem de congelar. uma família de borboletas na Figura 1.10. O declínio na diversidade
em direção aos polos indica que os ambientes terrestres muito frios
são muito exigentes para os animais ocuparem, apesar da adaptação
cem de forma tão proliferativa que servem de alimento para a famosa evolutiva.
abundância Antártica de baleias, focas e pinguins. A temperatura do ar ou da água na Terra geralmente não passa de
A temperatura baixa dos tecidos dos peixes polares e dos in- +50°C (+120°F). Os animais na terra podem passar até mesmo por
vertebrados é realmente desafiadora para eles ou apenas parece cargas de calor mais elevadas, entretanto, sendo expostos simultanea-
desafiadora? Uma maneira de obter uma resposta é comparar as mente ao ar quente e à radiação solar. Alguns animais termoconfor-
espécies polares com espécies relacionadas não polares. As espé-

Latitude
Figura 1.10 A biogeografia da borboleta O 70°
diagrama mostra o número de espécies borboletas 3
60° O número de espécies de
cauda-de-andorinha (família Papilionidae) em várias
9 termoconformadores
latitudes. A razão pela qual existem relativamente terrestres normalmente
50°
poucas espécies de animais em altas latitudes pode diminui em direção aos polos.
não ser apenas as baixas temperaturas, mas em par- 16
40°
te ser um efeito retardado dos efeitos do frio sobre
19
as plantas. As plantas diminuem em diversidade e 30°
produtividade anual em direção aos polos, afetando 30
o suprimento de alimento dos animais. (Adaptada 20°
de Scriber, 1973.) 65
10°
81
Equador
79
A borboleta 10°
cauda-de-andorinha canadense, 69
Papilo canadensis, é uma das 20°
espécies de borboleta que vive 46
mais longe do equador. 30°
13
40°

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Número de espécies de borboletas cauda-de-andorinha

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Fisiologia Animal 19

difícil que possa parecer – o O2 se difunde prontamente da atmosfera


livre para o solo para atingir as cavidades das tocas, fornecendo estru-
turas no solo, produzindo espaços preenchidos com gás em volta das
partículas do solo.
As altas altitudes estão entre os locais mais desafiadores da ter-
ra, onde o número de espécies de animais está reduzido nitidamente.
Embora as altas altitudes apresentem vários fatores estressantes aos
animais, o único grande desafio a eles é o declínio da concentração de
O2 com o aumento da elevação. O ar no topo do Monte Everest – 8.858
m acima do nível do mar – contém 21% de O2, como ao nível do mar;
mas a pressão total do ar é bem mais baixa do que aquela ao nível do
mar, e as moléculas de gás dentro do ar estão, então, tão espaçadas
que cada litro de ar contém somente quase um terço de O2 comparado
ao número ao nível do mar.
Em altas altitudes, a taxa máxima na qual os animais podem ad-
quirir O2 é frequentemente mais baixa do que aquela ao nível do mar,
e as funções, por consequência, são limitadas. Em altitudes acima de
6.500 m, o simples ato de continuar caminhando montanha acima
representa um grande desafio devido às dificuldades impostas pela
Figura 1.11 Um lagarto termofílico (“gosta de calor”) comum nos deser- baixa disponibilidade de O2 (Figura 1.12). Algumas espécies de ani-
tos da América do Norte O iguana do deserto (Dipsosaurus dorsalis) pode mais têm evoluído adaptações para ter sucesso no diluído O2 do ar
frequentemente ser visto fora da toca assim que o sol nasce nos dias quentes. rarefeito de maneiras que os humanos não têm. Uma das mais no-
Embora não se exponha normalmente a temperaturas corporais maiores do que táveis espécies é o ganso-de-cabeça-listrada (Anser indicus), o qual –
42°C, ele pode sobreviver a 48,5°C, uma das temperaturas corporais mais altas de modo que a fisiologia ainda não compreende completamente – é
toleradas por qualquer animal vertebrado. capaz de voar (sem uma máscara de O2) sobre os picos do Himalaia
a 9.000 m.
madores dos ambientes quentes – como certos insetos e lagartos-do- Os animais que respiram na água encaram um desafio substan-
-deserto – podem viver com temperaturas tissulares de 45°C a 55°C cialmente maior para obter O2 do que os animais que respiram ar,
8
(Figura 1.11). Essas são as temperaturas teciduais mais altas conheci- pois o suprimento de O2 para os que respiram na água é o O2 dissol-
das para a vida animal, sugerindo que os níveis altos de agitação mo- vido na água, e a solubilidade do O2 na água não é alta. Por causa da
lecular em tais temperaturas impõem o maior desafio que pode ser baixa solubilidade de O2, a água contém muito menos O2 por litro do
encontrado pela adaptação evolutiva nos sistemas animais.
Os lugares mais quentes da biosfera são as águas das fontes ge-
otermicamente aquecidas e os respiradouros quentes subaquáticos.
Essas águas estão com frequência acima do ponto de ebulição quando
saem da crosta terrestre. Embora os animais aquáticos fiquem onde
as águas resfriam até 35°C a 45°C ou menos, vários micróbios proca-
rióticos – bactérias e arqueobactérias – vivem em temperaturas muito
mais altas do que os animais. Alguns procariotos até se reproduzem
em temperaturas acima de 100°C.

OXIGÊNIO As necessidades de oxigênio (O2) para a maioria dos ani-


mais é uma consequência das suas necessidades de energia metabó-
lica. As reações químicas que os animais usam para liberar energia a
partir dos compostos orgânicos removem átomos de hidrogênio des-
ses compostos. Cada pessoa adulta, por exemplo, libera quase um
quinto de uma libra de hidrogênio a cada dia no processo de quebra de
moléculas de alimento para obter energia. Não se pode permitir o acú-
mulo de hidrogênio liberado desse modo em qualquer célula animal.
Assim, um animal deve possuir mecanismos bioquímicos para combi-
nar o hidrogênio com algo, e o O2 é receptor comum. O O2 obtido do
ambiente é liberado para cada célula, onde reage com o hidrogênio
livre produzido na célula, gerando água (ver Figura 6.2).
A adequação de um ambiente para um animal com frequência de-
pende da disponibilidade de O2. No ambiente terrestre, nas altitudes
baixas e moderadas, o ar livre é uma fonte rica de O2. O ar consiste em
21% de O2 e, em tais altitudes, é relativamente denso, pois está com Figura 1.12 Desempenho em um ambiente pobre em O2 Por causa da difi-
uma pressão relativamente alta. Assim, os animais vivendo ao ar livre culdade em adquirir O2 no ar rarefeito, a taxa na qual a energia pode ser liberada
têm uma fonte plena de O2. Mesmo dentro de tocas ou outros lugares das moléculas de alimento para o trabalho em humanos é reduzida em altas al-
titudes, e o simples ato de subir se torna extremamente árduo. Os montanhistas
isolados na terra, o O2 está com frequência disponível, pois – por mais
bem-condicionados diminuem a velocidade de caminhada para 100 a 200 m por
hora quando estão próximos ao topo das montanhas mais altas do mundo se
8
A temperatura corporal humana normal é 37°C. eles estão respirando ar em vez de oxigênio de tanques.

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20 Hill, Wyse & Anderson

Figura 1.13 A estratificação de densidade pode cortar o su- O O2 entra em um lago


primento de O2 para as águas mais profundas de um lago As somente próximo da superfície
diferentes densidades da água não se misturam prontamente. A (através da fotossíntese ou
Concentração de O2 Temperatura
concentração de O2 nas águas profundas de um lago podem cair 2 aeração).
próximo de zero, pois os animais e os microrganismos vivendo lá

Profundidade (metros abaixo da superfície)


consumem O2 que não é reposto. (Segundo dados obtidos por um 4 Quando uma camada da
grupo de estudantes de fisiologia animal em um lago do norte de Camada de água de superfície aquecida pelo sol se
Michigan, em julho). baixa densidade, forma no verão, tende a
6
quente; rica em O2 flutuar no topo do fundo, na
camada fria.
8
que o ar, mesmo quando a água é completamente aerada.
Por exemplo, a água aerada do rio ou do córrego ao nível A pequena mistura entre as
10
do mar contém só 3 a 5% mais O2 por litro do que o ar ao duas camadas ocorre através da
nível do mar. termoclina, a camada de
12 transição em que a temperatura
Um problema comum para os animais vivendo em por-
muda rapidamente com a
ções de água de movimentação lenta como lagos, lagoas ou 14 profundidade.
pântanos é que a concentração de O2 pode ser até mais baixa
do que em águas aeradas, pois o O2 dissolvido pode se tor- 16 A falha em misturar as
nar localmente diminuído pelas atividades metabólicas dos Camada de água de camadas da superfície e
animais ou micróbios. A estratificação da densidade da água 18 alta densidade, fria; profunda corta o suprimento
– a qual impede a água de circular livremente – é um fator pobre em O2 de O2 das camadas profundas.
contribuinte muito comum para a depleção de O2 nas águas 20
profundas dos lagos e lagoas. A estratificação da densidade 0 2 4 6 8 10
ocorre quando a água de baixa densidade flui para cima da Concentração de oxigênio (mL O 2 /L)
água de alta densidade, causando a formação das camadas
de água distintas. Quando isso acontece, quase não há mis- 0 4 8 12 16 20
tura de água oxigenada da camada da superfície de baixa Temperatura (C°)
densidade (onde ocorrem a aeração e a fotossíntese) com a
camada do fundo de alta densidade. Assim, o O2 na camada
do fundo não é prontamente substituído quando é usado, e
os rios, impedindo a fotossíntese das algas que, do contrário, poderia
à medida que micróbios e animais na camada do fundo consomem O2,
repor o O2. Os rios tropicais desse tipo e as suas zonas úmidas asso-
a concentração de O2 pode cair para níveis bastante baixos.
ciadas experimentaram baixos níveis de O2 dissolvido por várias eras
Nos lagos, durante o verão, a estratificação da densidade ocorre
geológicas.
devido aos efeitos da temperatura: a água morna aquecida pelo sol
9 Entre os animais que vivem nessas águas, a evolução da respiração
tende a flutuar no topo da água mais fria e densa do fundo. O lago
aérea é uma das características mais notáveis. Centenas de espécies de
estudado por um grupo de estudantes universitários, mostrado na
peixes nestes ambientes são respiradores aéreos. Alguns apanham O2
Figura 1.13, fornece um exemplo desse tipo de estratificação de den-
através de revestimentos da boca bem-vascularizados ou de estruturas
sidade. As águas do fundo desse lago não contêm essencialmente
semelhantes a pulmões. Outros engolem ar e absorvem O2 nos seus
O2 dissolvido nos dias de julho, quando os dados foram coletados.
estômagos ou intestinos, como mencionado previamente. Em uma das
A depleção de O2 das águas profundas se tornou mais comum nas
reviravoltas do destino da natureza, os fisiologistas descobriram que
décadas mais recentes em lagos, lagoas e estuários à medida que as
pode ser importante para esses peixes restringir a troca gasosa através
populações humanas enriqueceram as águas com matéria orgâni-
das suas brânquias, pois o O2 que eles obtêm a partir da respiração aé-
ca. A matéria orgânica supre o crescimento de microrganismos que
rea pode escapar pelas suas brânquias para a água com O2 diminuído
diminuem o O2 dissolvido. Para os animais das águas profundas so-
onde eles habitam.
breviverem, eles devem ser capazes de tolerar baixos níveis de O2 ou
Para os animais confrontados com deficiência de O2 a curto ou a
devem temporariamente se deslocar para outros locais onde o O2
longo prazo, seja em ambientes de água doce com O2 diminuído ou
está mais disponível.
em outro lugar, uma solução potencial ao longo do tempo de evolu-
Os animais têm enfrentado o desafio de baixas concentrações de
ção é adotar uma bioquímica que possa ligar hidrogênio a moléculas
O2 em certos tipos de corpos d’água desde tempos imemoráveis. Dife-
que não as de O2. Várias espécies – ambas de respiração aérea e de
rente dos animais que se confrontam com a diminuição de O2 induzi-
respiração aquática – têm opções temporárias desse tipo. Certos te-
da pelos humanos, os animais que vivem em águas primordialmente
cidos em nossos próprios corpos, por exemplo, podem viver sem O2
pobres em O2 têm sido capazes de passar por uma adaptação evolutiva
por 10 minutos em um momento, e, de fato, a maioria dos animais
às baixas condições de O2 a longo prazo. Os exemplos de tais corpos
tem certos tecidos que podem sobreviver à privação de O2 por minu-
d’água incluem vários rios tropicais que são naturalmente muito ricos
tos ou dezenas de minutos. Suponha, entretanto, que o corpo inteiro
em matéria orgânica, como os da bacia Amazônica. O aquecimento
de um animal deva viver sem O2 por várias horas, dias, semanas ou
desses rios não somente baixa a solubilidade de O2 na água, mas tam-
meses. Fazer isso é possível, mas à medida que o período sem O2 se
bém promove a rápida multiplicação de microrganismos que usam O2.
prolonga, pouquíssimas espécies têm evoluído especializações bio-
Além disso, florestas densas podem criar sombras profundas sobre
químicas que os permitem sobreviver. Alguns animais excepcionais
são capazes de enfrentar o desafio mais extremo de viver indefinida-
9 mente em ambientes livres de O2. A maioria conhecida no momento
Nos estuários ao longo das costas marinhas – onde a água doce e a marinha
se misturam – a estratificação pode ocorrer por causa dos efeitos da salinidade, pela ciência é composta por parasitas intestinais, como os nemató-
bem como pelos efeitos da temperatura. A água com baixa salinidade é menos deos e as tênias, que vivem no ambiente livre de O2 nas cavidades
densa – e tende a flutuar no topo – do que água com alta salinidade. intestinais dos vertebrados.

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Fisiologia Animal 21

vasão da água doce a partir do oceano provavelmente ainda está con-


tinuando, na verdade; alguns caranguejos de água doce, por exemplo,
são conhecidos por serem imigrantes geologicamente recentes para
a água doce, porque devem retornar ao mar para se reproduzir. Com
o passar do tempo de evolução, os animais de água doce reduziram a
sua tendência a ganhar H2O osmoticamente a partir do seu ambiente,
mas não a eliminaram. Um peixinho-dourado de 100 g, por exemplo,
ganha água osmoticamente o suficiente para equilibrar 30% ou mais
do seu peso corporal todos os dias.
Os vertebrados e vários grupos de invertebrados invadiram a ter-
ra a partir da água doce. Fazendo a sua caminhada, eles encararam o
mais severo de todos os desafios da Terra: na terra, a evaporação da
água na atmosfera tende a desidratar os animais rapidamente; além
disso, alguns hábitats terrestres são tão secos que repor a água perdida
beira o impossível. Quando os animais invadiram os hábitats terres-
tres, eles provavelmente possuiam tegumentos (coberturas do corpo),
herdados dos ancestrais aquáticos, que forneciam pouca ou nenhuma
barreira à perda de água por evaporação. Esse problema teve que ser
resolvido em última instância para os animais serem capazes de viver
livre e inteiramente ao ar livre.
Alguns dos animais terrestres de hoje têm tegumentos que lem-
bram os tipos primordiais. As rãs-leopardo, as minhocas e os piolhos-
Figura 1.14 A estrela-do-mar e os corais nesta figura do oceano têm líqui- -de-madeira, por exemplo, têm peles que não possuem barreiras de
dos corporais semelhantes à água do mar na sua concentração total de sais, evaporação significativas e permitem praticamente evaporação livre.
embora os líquidos corporais dos peixes sejam mais diluídos do que a água Em alguns casos, a água evapora através desses tipos de pele tão rá-
do mar A maioria das cientistas acredita que a razão das diferenças entre os pido como evapora de um prato com água com a mesma superfície
invertebrados marinhos e os peixes ósseos marinhos está na história evolutiva. aérea. Os animais com essas peles desidratam tão rápido que não lhes
Os ancestrais dos invertebrados sempre viveram no mar, mas os ancestrais dos é possível viver regularmente ao ar livre. Em vez disso, eles devem ficar
peixes viveram uma vez na água doce. em locais protegidos, onde a umidade do ar é alta, ou, se aventuram-se
ao ar livre, devem retornar aos locais onde podem se re-hidratar com
frequência. O perigo da desidratação restringe severamente a liberda-
ÁGUA A água é o solvente universal dos sistemas biológicos – e, então,
de de ação desses animais.
é necessária para o sangue e para outros líquidos corporais terem a sua Para um animal terrestre ser liberado dessas restrições e ter uma
própria composição. A água também é importante para os animais, existência completamente exposta ao ar livre, ele deve ter desenvolvido
pois a H2O ligada a proteínas e outras macromoléculas como água de barreiras de passagem de água pela pele altamente eficientes. Somente
hidratação é frequentemente necessária para as macromoléculas man- poucos grupos de animais possuem tais barreiras de água singulares:
terem as suas propriedades químicas e funcionais. mamíferos, aves, outros répteis (ver Figura 1.11), insetos e aranhas. Em
A vida animal começou nos maiores ambientes aquáticos da Terra, cada um desses grupos, a evaporação excessiva é evitada pelos lipídeos
os oceanos. A maioria dos invertebrados que vive nos oceanos abertos da pele: camadas finas de hidrocarbonetos depositados na pele. A evo-
hoje – estrelas-do-mar, moluscos, lagostas e outros – é conhecida por lução desses hidrocarbonetos liberou os animais para ocuparem o ar
ter ancestralidade marinha contínua. Isto é, os seus ancestrais nunca e foi um pré-requisito particular para os animais invadirem os locais
deixaram o mar desde o tempo em que a vida animal começou, e as- mais secos da Terra, os desertos. Nos desertos hiperáridos, um ano ou
sim, a salinidade dos oceanos tem sido uma característica perene dos dois podem passar sem chuva, mesmo assim, existem populações de
seus ambientes. O sangue desses invertebrados (Figura 1.14), embora insetos, lagartos, aves e mamíferos que obtêm sucesso nessas regiões.
um pouco diferente da água do mar em composição, é semelhante a Alguns animais terrestres se adaptaram à terra em parte evoluindo
ela na concentração total dos seus sais. Esses animais, então, não ten- tolerância excepcional à desidratação. Embora a maioria dos animais
dem a ganhar muita H2O do seu ambiente por osmose, nem tendem terrestres morra se perder metade ou mais da sua água corporal sem
a perder H2O do seu sangue para a água do mar. Como essa situação substituí-la, os tipos “excepcionais” podem desidratar mais. Os casos
é quase universal entre esses animais, acreditamos que essa seja uma mais extremos são de certos invertebrados que podem perder essen-
condição primordial da vida animal. Assim, acreditamos que na maior cialmente toda a sua água corporal e sobreviver em um estado dormen-
parte da história evolutiva, a vida animal ocorreu em um cenário em te cristalino até a água retornar. Certos tardígrados, por exemplo, secam
que (1) a H2O era abundante no ambiente e (2) existia pouco perigo completamente quando privados de água e depois podem ressurgir do
para um animal ser desidratado ou super-hidratado. pó, prontos para retornar à vida ativa se a água estiver disponível.
Esta situação inicial foi deixada para trás pelos animais que mi- Ao contrário do que a intuição pode sugerir, mesmo alguns ani-
graram dos oceanos para os rios durante a sua evolução. A água doce mais aquáticos são ameaçados pela desidratação. Os peixes ósse-
tem uma salinidade muito baixa comparada à água do mar. Quando os dos oceanos, como os peixes de recife vistos na Figura 1.14, são
os animais dos oceanos, com o seu sangue salgado, começaram a co- os exemplos mais importantes. Os níveis de sais no sangue desses
lonizar a água doce, eles experimentaram um desafio severo: a H2O peixes é cerca de um terço ou a metade dos níveis na água do mar,
tende a penetrar osmoticamente nos seus corpos e a inundar os seus provavelmente porque eles têm ancestrais de água doce em vez de
tecidos, pois a osmose transporta água implacavelmente da solução ancestrais que sempre viveram no mar. O oceano é um ambiente
diluída para uma solução mais concentrada. Hoje, os lagos e os rios dessecante para animais com sangue diluído, pois a água corporal
são povoados por peixes, moluscos, lagostins, esponjas, hidras e ou- tende a mover-se, por osmose, para a água do mar. Esse peixe em
tros, todos descendentes de ancestrais do oceano. O processo de in-

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22 Hill, Wyse & Anderson

ambiente dessecante tem uma vantagem sobre os animais terrestres solar e se torna mais fria do que o ar à noite porque irradia energia
em um deserto – a H2O para substituir a sua perda é abundante no infravermelha para o céu da noite fria (ver página 212). Abaixo da
seu ambiente aquático. Para incorporar H2O da água do mar para os superfície do solo, entretanto, a faixa de temperatura anual dimi-
seus corpos diluídos, entretanto, ele deve, em essência, possuir meca- nui consideravelmente à medida que a profundidade aumenta. Em
nismos para “destilar” a água do mar: deve ser capaz de separar H2O uma profundidade de 1 m, a temperatura permanece bem abaixo
da solução de água salgada. da temperatura do ar máxima sobre o solo durante o verão e bem
acima da temperatura mínima do ar durante o inverno. De fato, em
O ambiente que um animal ocupa é frequentemente certas regiões do deserto, como mostrado na Figura 1.15, os roedo-
um microambiente ou um microclima res nunca enfrentam estresse por calor ou frio significativo ao longo
11
do ano quando estão nas tocas.
Em uma floresta, lago ou outro grande sistema, existem pequenos lo-
Os microambientes devem ser considerados no estudo de prati-
cais onde condições químicas ou físicas são significativamente diferen-
camente todas as características físicas e químicas dos lugares onde
tes da média no sistema. Por exemplo, em uma floresta, quando a tem-
os animais vivem. Na grama alta, por exemplo, a velocidade do vento
peratura média do ar é 30°C, a temperatura sob uma pilha de folhas
parece ser mais baixa do que nas áreas abertas adjacentes, e como o
no chão pode ser 24°C. Embora animais de grande porte sejam com
vento fraco permite que a umidade que evapora do solo e da grama
frequência, por necessidade, expostos às condições estatisticamente
se acumule no ar em vez de ser levada embora, a umidade também
médias onde vivem, animais de pequeno porte conseguem entrar em
tende a ser mais alta no ar livre adjacente. Os animais que entram na
locais pequenos – cantos e recantos – onde podem encontrar condi-
grama alta parecem encontrar um microambiente menos dessecante
ções que estão longe da média. Os locais em um ambiente que po-
do que nos campos abertos próximos. Ao longo de um rio, qualquer
tencialmente diferem do grande ambiente nas suas condições físicas e
poça livre de mistura com a água que flui parece formar um microam-
químicas são chamados microambientes. Um conceito relacionado é o
biente diferente; a concentração de O2 dissolvido nessas poças pode
de microclima. Um microclima é um conjunto de condições climáticas
ser mais baixa do que aquela no rio se existir muito declínio microbia-
(temperatura, umidade, velocidade do vento e outros) predominantes
no ocorrendo na poça, por exemplo. Na terra, no inverno, os espaços
em uma subparte de um sistema.
sob a neve profunda no extremo norte formam microambientes dife-
Como nós, humanos, somos organismos grandes, a nossa per-
rentes, frequentemente aquecidos cerca de 20°C (ou mais) acima da
cepção das condições predominantes em um local pode ter pouca
temperatura do ar (Figura 1.16). Assim, um lêmingue cavando sob a
relação com o microclima que criaturas menores podem encontrar
neve experimenta um ambiente muito diferente daquele da rena que
entrando em subpartes distintas de um local. George Bartholomew
permanece acima no solo.
(1919-2006), um dos fundadores da fisiologia ambiental, expressou
um ponto bem importante:
A maioria dos vertebrados tem muito menos de um centésimo do tama- 11
Há regiões desérticas mais quentes onde mesmo o ambiente da toca apre-
nho do homem..., e o universo dessas pequenas criaturas é composto de senta desafios térmicos em algumas estações, mas o ambiente da toca é ainda
fendas e rachaduras, buracos em troncos, vegetação rasteira densa, túneis bem mais moderado do que o ambiente acima do solo (ver Capítulo 27).
e ninhos – um mundo onde as distâncias são medidas em me-
tros em vez de milhas e onde a diferença entre a luz do sol e a
sombra pode ser a diferença entre a vida e a morte. O clima no
À altura da cabeça, uma pessoa pode experimentar
sentido comum da palavra é, então, um pouco mais do que um
a temperatura do ar de aproximadamente 50°C no
índice grosseiro para as condições físicas nas quais a maioria verão e 7°C no inverno.
dos animais terrestres vive.10
2
Os ambientes desérticos ilustram bem o ponto a que
Distância acima

Bartholomew se referiu (Figura 1.15). Na altura da cabeça


do solo

(aproximadamente 2 m acima do chão), um humano ou


um cavalo em pé no deserto do Arizona podem experi- 1
mentar temperaturas do ar durante o dia que chegam até
50°C durante o verão, combinadas com intensa radiação
Superfície do solo
solar. Os humanos e os cavalos não têm escolha senão 0
lidar fisiologicamente com essas condições, pois eles são No buraco de um
muito grandes para escapar indo para o subsolo ou para rato-canguru a 1 m Zona da
se espremer em faixas de sombra de cactos e arbustos abaixo da superfície residência
do solo, as 1
Profundidade do solo (m)

do deserto. Pequenos roedores do deserto como ratos- do roedor Estas curvas mostram a
-canguru e camundongos de bolso estão numa situação temperaturas
temperatura máxima
permanecem entre
muito diferente, entretanto, porque podem cavar buracos 15°C e 32°C ao
(curva preta) e a
fundos no solo, onde as condições térmicas são bem di- 2 temperatura mínima (curva
longo do ano.
vermelha) registradas ao
ferentes daquelas que os humanos associam ao deserto.
longo de um ano a cada
Na superfície do solo do deserto, a faixa de temperatura profundidade.
anual é na verdade muito maior do que no ar acima (ver 3
Figura 1.15); a superfície do solo se torna mais quente do
que o ar durante o dia à medida que absorve a radiação
–20 –10 0 10 20 30 40 50 60 70
Faixa anual da temperatura do ar (°C)
10
De Bartholomew, G. A., 1964. As funções da fisiologia e do com- Figura 1.15 Os microambientes no deserto do Arizona próximo a Tucson O gráfico
portamento na manutenção da homeostase no ambiente deserto. mostra o intervalo de temperatura anual no solo e no ar e na superfície da terra. (Adaptada
Symp. Soc. Exp. Biol. 18: 7-29. de Misonne, 1959.)

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Fisiologia Animal 23

–18°C a 150 cm de calor planetário, aumentando as temperaturas nas quais as socieda-


15 des humanas irão existir no futuro.
superfície da neve (cm)
Distância acima da

10
Processos evolutivos
5 Camada de ar no solo
abaixo da neve onde as
As origens evolutivas de características fisiológicas – e a contínua evolu-
Superfície de neve temperaturas são bem mais ção de características fisiológicas no mundo atual – formam o assunto da
0
quentes do que as do ar matéria fisiologia evolutiva, um dos dois mais importantes ramos do es-
acima da neve, oferece tudo moderno da fisiologia, como mencionado anteriormente. Há muito
5 proteção para os mamíferos tempo, fisiologistas reconhecem que, em muitos casos, as características
Profundidade da

cavadores pequenos e para de espécies combinam com o ambiente no qual as mesmas se encon-
neve (cm)

10 as aves.
tram. Por exemplo, ursos polares estão preparados para lidar com o frio, e
15 camelos dromedários, com o calor. Os biólogos da atualidade acreditam
que a evolução pela seleção natural é o processo primário que leva a esta
20 Camada de ar combinação entre as espécies e o ambiente que elas habitam.
no solo abaixo Definida cuidadosamente, evolução é uma mudança na frequência
da neve
dos genes ao longo do tempo em uma população de organismos. Suponha-
–24 –20 –16 –12 –8 –4 0 4 -se uma população de animais que contenha um gene que codifique
Temperatura do ar (°C) para a afinidade do oxigênio com a hemoglobina (a facilidade com que
Figura 1.16 Microambientes na neve profunda no extremo norte Um espaço a hemoglobina se combina com O2). O gene tem dois alelos (formas al-
de ar – chamado de camada de ar no solo abaixo da neve – é frequentemente apri- ternativas), um codificando para alta afinidade com o oxigênio (alelo H)
sionado embaixo da neve profunda. Quando lêmingues, ptármigas ou outros mamí- e outro para baixa afinidade com o oxigênio (alelo L). Em um momento
feros pequenos ou aves cavam sob a neve até o espaço de ar no solo abaixo da neve, da história da população, 30% de todas as cópias deste gene eram do
eles entram em um ambiente sem vento, onde a temperatura pode ser 20°C mais alelo H, e 70% eram do alelo L. Entretanto, depois de passadas 1.000
quente do que no ar acima da neve e onde são protegidos contra a perda de calor gerações, 60% de todas as cópias são do alelo H e 40% são do alelo L.
para o céu frio noturno pela camada de neve. As temperaturas mostradas foram me-
Neste caso, a frequência gênica mudou. Portanto, ocorreu evolução.
didas em uma noite de março na Suécia. (Adaptada de Coulianos e Johnels, 1963.)
Uma questão muito mais complexa é se ocorreu adaptação. Exis-
tem muitos processos conhecidos pelos quais a frequência gênica pode
mudar. Apenas um, a seleção natural, leva à adaptação.
Os animais modificam os seus próprios ambientes
Uma maneira importante em que o animal e o ambiente são interde- Alguns processos da evolução são
pendentes é que os animais modificam os seus próprios ambientes.
No caso mais simples, os animais selecionam pelo comportamento o adaptativos, outros não
seu ambiente real a partir de vários em que poderiam viver. Uma rã Voltando ao exemplo hipotético discutido antes, supondo-se uma po-
estressada pela dessecação no terreno aberto, por exemplo, pode au- pulação de animais ocupando um determinado ambiente, indivíduos
mentar a umidade e baixar a velocidade do vento do seu ambiente que possuem hemoglobina com alta afinidade com o oxigênio têm mais
pulando para a grama alta. Em uma grande escala, a migração animal facilidade para sobreviver e se reproduzir do que outros com baixa afi-
normalmente fornece novos ambientes, como quando as aves do Árti- nidade. Devido a esse fato, um alelo que codifica para alta afinidade
co desfrutam de temperaturas amenas no inverno pela migração para tenderá a aumentar em frequência na população de uma geração para
latitudes tropicais. O ambiente de um animal é o entorno do animal, e a próxima (e um alelo que codifica para baixa afinidade tenderá a dimi-
o entorno depende de onde o animal se posiciona. nuir). Após muitas gerações, o alelo H poderá ter se tornado tão comum
Um ponto mais sutil, mas igualmente importante é que a simples que essencialmente todos os indivíduos nascidos nesta população o te-
presença de um animal em um local com frequência altera as caracte- rão. Você vai reconhecer esse processo como seleção natural. Seleção na-
rísticas físicas e químicas do local. A alteração ambiental causada pelo tural cria uma combinação melhor entre os animais e os seus ambientes.
animal pode então mudar aquele comportamento ou a fisiologia do O conceito de adaptação, que está intimamente relacionado ao de
animal. Considere, por exemplo, um esquilo em uma cavidade de uma seleção natural, tem um significado específico no estudo da biologia
árvore. No inverno, o esquilo aquecerá a cavidade até uma tempera- evolucionária. Por definição, uma característica é uma adaptação se a
tura mais alta do que aquela que iria predominar na ausência dele. O mesma veio a estar presente em alta frequência em uma população, em
esquilo responderá fisiologicamente à temperatura elevada na cavida- virtude de conferir uma maior probabilidade de sobrevivência e reprodu-
de, diminuindo a sua taxa de produção metabólica de calor. De modo ção bem-sucedida no ambiente preponderante em comparação com ou-
semelhante, um cardume de peixes pode diminuir o O2 dissolvido na tras características alternativas. Dessa forma, adaptações são produtos do
água e deve lidar com os baixos níveis de O2 “ambiental”. processo de seleção natural. Uma adaptação não é necessariamente um
Por causa de fenômenos como esses, a análise da interação entre estado ótimo ou ideal, pois restrições na liberdade do processo de seleção
ambiente e um animal com frequência requer cálculos da dinâmica natural podem ter impedido um estado ótimo de ter sido uma opção (o
que levam em consideração que a interação é de duas vias, do tipo vai estado ótimo, deste modo, pode nunca ter ocorrido por mutação). Como
e volta. Depois que um animal iniciou a alteração do seu ambiente, aponta a definição, uma adaptação é a característica favorecida pela sele-
pode funcionar de modo diferente, pois está em um ambiente modi- ção natural a partir das características alternativas disponíveis.
ficado, e, assim, o efeito futuro do animal no ambiente pode ser dife- Agora vamos repetir nosso exercício teórico com a substituição de
rente do seu efeito original. diferentes suposições. Considere uma população no mesmo ambien-
O aquecimento global representa um exemplo de tamanho mun- te analisado anteriormente – os alelos H e L estão presentes com alta
dial desse fenômeno. A maioria dos cientistas acredita que o uso de frequência. Suponha que a população experimente uma queda em seu
combustíveis fósseis pela população humana está mudando a atmos- tamanho, de forma que contenha menos de 100 indivíduos. E suponha
fera terrestre em direção a uma composição que aumenta a retenção ainda que ocorra uma catástrofe que mate indivíduos aleatoriamente, não

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importando se possuem os alelos H ou L. Numa população de 100 ou biente ter mudado. No novo ambiente, a característica poderá
menos animais, mortes aleatórias podem levar com certa probabilidade a não ser benéfica e não será mais, portanto, uma adaptação. Al-
eliminar todos os indivíduos que possuem um determinado alelo. Todas guns biólogos consideram características desta natureza como
as cópias do alelo H poderão, de fato, ser eliminadas. Em uma população bastante comuns, pois muitas vezes animais colonizam novos
sujeita a esse processo, quando a mesma voltar a crescer e aumentar o lugares e, mesmo que fiquem em um mesmo ambiente, em
seu tamanho, terá somente o alelo L, o alelo menos adaptativo. Nesse caso, diversos casos o clima muda de forma radical em períodos de
13
o processo descrito de mudança da frequência dos genes é um processo tempo geológico relativamente curtos. A necessidade de diver-
de evolução não adaptativa. Devido ao acaso, um alelo que confere me- sos anfíbios que vivem em zonas desérticas por locais com água
nor probabilidade de sobrevivência e reprodução em comparação a uma para procriar, e o fato de muitos artrópodes que obrigatoriamen-
alternativa disponível vem a ser o alelo predominante na população. te vivem em cavernas possuírem olhos, são dois exemplos de
Processos nos quais o acaso assume papel preeminente na altera- características que parecem existir hoje em dia, não em virtude
ção da frequência dos genes são definidos como oscilação genética. de serem adaptações ao ambiente atual, e sim porque persistem
No parágrafo anterior, descrevemos um cenário de oscilação genéti- como adaptações do passado. De forma similar, o sangue diluído
ca. A frequência genética pode alterar a direção ao acaso em virtude de peixes em ossos oceânicos é um legado de uma vida em outro
da ocorrência de mortes aleatórias (ou outros bloqueios à reprodução ambiente e não uma adaptação à vida marinha.
individual) em populações temporariamente reduzidas em tamanho.
Outro cenário de oscilação genética ocorre quando uma espécie entra Uma característica não é uma adaptação
em uma nova área, encontrando nesta uma nova população. A nova simplesmente por existir
população poderá, simplesmente em virtude do acaso, exibir uma fre-
Nas décadas antes de 1979, muitos fisiologistas referiam-se a todas as
quência genética alterada em relação à população aparentada – por
características dos organismos como adaptações. Características eram
exemplo, porque os indivíduos encontrados poderão, por mero acaso,
chamadas de adaptações meramente por existirem, e estórias (hoje al-
ser geneticamente não representativos da população a que pertencem
gumas vezes lembradas como estórias “simplesmente assim”) eram
(o assim chamado efeito do fundador).
tramadas para explicar como as características eram benéficas. Esse
Estudiosos de frequências alélicas em populações naturais acredi-
hábito ignorava a possibilidade de oscilação genética e outras formas
tam que frequentemente observam evidências de oscilação genética. Por
de evolução não adaptativa. De fato, o hábito reduziu adaptação a um
exemplo, duas populações de camundongos vivendo a 10 km de distân-
conceito não científico, já que evidências empíricas não eram requeri-
cia uma da outra, em ambientes arborizados aparentemente semelhan-
das para uma característica ser considerada uma adaptação.
tes, exibem em geral muitas diferenças na frequência alélica, provavel-
A maior mudança no uso do conceito de adaptação ocorreu em
mente produzidas por uma ou outra forma de oscilação. Muitas vezes
1979, com a publicação de uma crítica redigida por Stephen J. Gould
os genes afetados pela oscilação parecem ser aqueles que têm pouco ou
e Richard C. Lewontin. Eles enfatizaram que o processo natural de
nenhum efeito sobre a aptidão física; oscilação, em outras palavras, tem
seleção no ambiente presente é somente um entre vários processos
aparentemente maior efeito sobre genes que não estão sujeitos à forte
pelos quais uma espécie poderá vir a exibir uma característica. Dessa
seleção natural. Mesmo assim, este não é sempre o caso.
forma, uma característica não é uma adaptação apenas porque existe,
São conhecidos processos adicionais pelos quais a evolução pode
e, quando fisiologistas chamam uma característica de adaptação, estão
levar a resultados não adaptativos. Estes incluem:
levantando uma hipótese de que ocorreu uma seleção natural.
■ Uma característica poderá ser comum em uma população apenas Gould e Lewontin enfatizaram que, da mesma forma como é váli-
porque está intimamente relacionada com outra característica fa- do para outras hipóteses, dados precisam ser levantados para estimar
vorecida pela seleção natural. Por exemplo, uma característica que se uma hipótese de adaptação é verdadeira ou falsa. Como cientistas
por si diminui a aptidão física de animais (suas habilidades de não podem, de fato, testemunhar a evolução de uma característica, os
sobrevivência e reprodução) pode ocorrer por ser codificada por dados que podem ser coletados são, muitas vezes, indiretos. Mesmo
um gene que está sujeito à seleção positiva em virtude de outros assim, Gould e Lewontin enfatizaram que os cientistas devem ten-
efeitos que aumentam a aptidão física. O controle de um alelo tar juntar as evidências mais sólidas possíveis. Com esse objetivo em
sobre somente um gene de duas ou mais características distin- mente, o estudo da adaptação se tornou rapidamente uma ciência em-
tas e aparentemente não relacionadas é chamado de pleotropia. pírica (i. e., baseada em dados).
Um exemplo fornece o recém-descoberto alelo decodificador de
enzimas em mosquitos (Culex pipiens), que tem simultaneamente Adaptação é estudada como uma ciência empírica
dois efeitos. O alelo (1) aumenta a resistência de mosquitos a in- Hoje em dia, os biólogos dão muita atenção à questão sobre como obter
seticidas organofosforados e (2) diminui a tolerância fisiológica dados que irão guiar a decisão sobre uma característica ser uma adap-
dos insetos ao frio do inverno. Quando uma população de mos- tação ou não. Em alguns casos, a biosfera apresenta um “experimento
quitos é tratada com inseticidas, ela pode se desenvolver de forma a natural” que permite aos cientistas observar a evolução ocorrendo em
diminuir a sua habilidade fisiológica de sobreviver ao frio do inverno ambiente natural no decorrer de múltiplas gerações. Porém, os cientis-
em virtude da pleotropia. A seleção favorecerá alelos que confe- tas não podem depender tão somente desses experimentos naturais
rem resistência aos inseticidas, mas o alelo descrito em questão para estudar a adaptação, pois os mesmos são incomuns e poderão não
12
também diminuirá a probabilidade de sobrevivência no inverno. responder os questionamentos de maior interesse. Mesmo assim, o ex-
■ Uma característica poderá ter se desenvolvido como adaptação perimento natural pode fornecer percepções particularmente provei-
a um ambiente passado, mas persiste apesar do fato de o am-

13
Há somente 18.000 anos, os áridos e quentes desertos do Arizona e do Novo
12
Além de resultarem da pleotropia, características também podem se desenvolver México eram muito mais úmidos do que na atualidade e, em média, 6oC mais frios,
uma após a outra em virtude do desequilíbrio de ligação, no qual alelos de dois ou resultados da última era do gelo. Há cerca de 10.000 anos, grandes áreas do Deser-
mais genes no mesmo cromossomo – porque se encontram em um único cromos- to do Saara receberam volumes de água da chuva em quantidade muito superior
somo – tendem a ser herdados juntos em grande parte e de forma não aleatória. aos dias atuais, e essas áreas podiam ser consideradas savanas, e não desertos.

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Fisiologia Animal 25

tosas sobre adaptação, porque permite que a capacidade de (a) Humano (Filo Chordata) (b) Inseto (Filo Arthropoda)
adaptação de uma característica possa ser avaliada a partir de
Espiráculo Sistema traqueal
todos os ângulos de interesse.
Melanismo industrial é um fenômeno famoso – que
provavelmente lhe seja familiar a partir de seus estudos de
biologia geral – que exemplifica a experiência natural para a
adaptação. Melanismo se refere à coloração escura do corpo
codificada geneticamente. Melanismo industrial é um aumen-
to evolutivo da frequência de melanismo em uma população
de animais que vive em ambientes modificados pelas indús- Pulmão
trias dos seres humanos. Uma espécie de mariposa que vive
nas regiões industriais da Inglaterra apresenta dois estados
de coloração determinados geneticamente: claro e escuro. As
mariposas apresentavam coloração predominantemente clara (c) Caracol terrestre (Filo Mollusca)
antes da era industrial, quando liquens, também de coloração
Pulmão
clara, cobriam os troncos das árvores nos quais as mariposas (cavidade
permaneciam durante o dia. Com o aumento da industriali- do manto)
zação, os liquens das árvores não sobreviveram em virtude da
poluição e da fuligem das fábricas que cobriu e escureceu os
troncos das árvores. Em um período de 50 anos, as popula- Concha
ções de mariposas nas áreas industriais se tornaram predo- Diafragma
minantemente escuras, escurecendo de geração em geração.
A frequência dos genes que determinam a coloração escura Figura 1.17 O método comparativo Vertebrados terrestres (a), insetos (b) e
aumentou. Estudos demonstraram que, em troncos escuros, caracóis terrestres (c) – representando três filos que, separadamente, coloniza-
ram o ambiente terrestre – desenvolveram órgãos respiratórios independente-
a probabilidade de serem vistas por aves predadoras era menor para as
mente que são invaginados para dentro do corpo. Esta convergência de tipos de
mariposas de coloração escura do que para as de coloração clara. órgãos respiratórios sugere que órgãos respiratórios invaginados são adaptações
A partir da observação direta deste experimento natural, pode-se di- para a vida na terra.
zer o seguinte: em um ambiente com poluição industrial, a coloração
escura tornou-se comum nas populações de mariposas por meio da se-
leção natural, porque ela aumentou a probabilidade de sobrevivência do terrestres sugere que, se pudéssemos ver o distante passado evolu-
indivíduo em comparação à alternativa disponível. Assim, a coloração tivo, teríamos testemunhado indivíduos com órgãos respiratórios
escura preenche todos os padrões da definição formal de adaptação, e a invaginados superando competitivamente aqueles indivíduos ter-
característica pode ser analisada, com base em evidências, como sendo restres com estruturas respiratórias alternativas. O padrão sugere a
uma adaptação ao ambiente com poluição e fuligem industrial. atuação da seleção natural e que os órgãos respiratórios invagina-
Normalmente biólogos não conseguem observar a evolução em dos são adaptações para a vida na terra.
ação dessa maneira. Assim, para estudar a adaptação empiricamen- ■ Estudos em populações criadas em laboratório durante muitas gera-
te, os biólogos são obrigados a adotar outras formas de abordagem. ções. Alterações na frequência genética podem ser observadas no
Muitas técnicas foram desenvolvidas – ou estão sendo desenvolvidas decorrer de múltiplas gerações de populações de animais de rá-
– para se estudar a adaptação quando a natureza falha em fornecer um pida procriação, como a mosca-da-fruta, criada em laboratório.
experimento natural ideal: Por meio de exposição dessas populações a condições específicas
■ O método comparativo. O método comparativo procura identifi- e controladas (p. ex., maior ou menor estresse por dessecação),
car características adaptativas comparando como uma função em fisiologistas podem observar quais alelos são favorecidos pela se-
particular é realizada em espécies relacionadas e não relaciona- leção quando uma determinada condição prevalece. O fenôme-
das em ambientes similares e não similares. Este método é baseado no pode ser ilustrado pelo estudo de populações de moscas-das-
na premissa de que, apesar de não podermos ver a evolução ocorren- -frutas expostas, no decorrer de muitas gerações, a alto estresse
do no passado, a grande quantidade de espécies de animais vivos hoje por dessecação; o volume de sangue geneticamente codificado
em dia fornece muitos exemplos dos resultados da evolução, e padrões das moscas dessas populações aumenta consideravelmente, e as
identificados a partir destes resultados fornecem visões e percepções de moscas tornam-se capazes de tolerar a dessecação por um pe-
processos que ocorreram há muito tempo. A Figura 1.17 apresenta ríodo de tempo muito mais extenso (ver Quadro 27.5). Nesses
um exemplo simples do uso do método comparativo. Vertebrados casos, a seleção é geralmente considerada como seleção labora-
terrestres têm pulmões que permitem a respiração. Se fôssemos torial ou seleção artificial, pois humanos estão manipulando as
olhar somente para os vertebrados terrestres teríamos apenas um circunstâncias. Portanto, nesse tipo de estudo, a análise volta-se
nível de conhecimento isolado e limitado sobre os mecanismos de para uma avaliação da probabilidade de os resultados de uma
respiração. No entanto, se também analisarmos outros organismos seleção natural em ambiente selvagem serem similares.
terrestres não relacionados, descobrimos um padrão: no caso de ■ Estudos de variações individuais em somente uma única geração. In-
insetos, caracóis terrestres e vertebrados terrestres, as superfícies divíduos pertencentes a uma população natural de uma única
respiratórias são partes de estruturas invaginadas que seguram o ar espécie variam em suas propriedades fisiológicas. Por exemplo,
em vez de projetarem-se para ele. Esse padrão é impressionante, vários indivíduos adultos de camundongos-veados pertencentes
porque superfícies respiratórias evaginadas, que se projetam para a a uma única população selvagem apresentam ampla variação na
água, são praticamente universais entre animais aquáticos (p. ex., taxa máxima de captação e uso de O2 – uma taxa que é determi-
as brânquias de peixes ou lagostins). A ocorrência de estruturas nante sobre quanto tempo e com que vigor os vários indivíduos
invaginadas em múltiplas linhas independentes de atuais animais conseguem sustentar esforço metabólico (Figura 1.18). Esta va-

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26 Hill, Wyse & Anderson

Apesar de alguns camundongos-veados ...outros captaram e usaram O2 em portanto, ser usados para analisar a significância funcional da
terem sido capazes de captar e usar O2 numa taxas superiores a 22 mL de O2/g•h – proteína. Outras formas de “engenharia” estão disponíveis para a
taxa de somente 16 a 17 mL de O2/g•h... taxa 40% superior. criação de diversidade individual, podendo a mesma ser testada
para a avaliação dos efeitos decorrentes da técnica. Nessas for-
mas de engenharia, inclui-se a “engenharia alométrica”, na qual
10 o tamanho corporal é manipulado artificialmente durante o seu
Número de indivíduos

desenvolvimento, e pode-se incluir também a “engenharia hor-


monal”, em que se utiliza a injeção de hormônios.
■ Estudos da estrutura genética de populações naturais. Algumas ve-
5 zes populações naturais estão geneticamente estruturadas de
forma reveladora. A variação genética clinal fornece excelentes
exemplos. Variação genética clinal é a mudança progressiva na
frequência alélica ou na frequência de fenótipos geneticamente
controlados ao longo de um gradiente ambiental. Pesquisadores
0 descobriram, por exemplo, que em uma espécie de peixe comum
16–17 17–18 18–19 19–20 20–21 21–22 22–23 23–24
na costa leste dos Estados Unidos, alelos comuns em indivíduos
Taxa máxima de consumo de oxigênio (mL de O2/g•h)
que vivem nas águas quentes da Geórgia tornam-se progressi-
Taxas de consumo de O2 são
vamente menos frequentes nos indivíduos da mesma espécie à
expressas em mililitros de O2 usados medida que vivem mais para o norte, e estes mesmos alelos es-
por hora por cada grama de tecido. tão praticamente ausentes nos indivíduos que vivem nas águas
frias da costa da Nova Inglaterra (ver Figura 2.21). Padrões gené-
Figura 1.18 Variação fisiológica entre indivíduos de uma mesma espé- ticos dessa natureza fornecem muitas vezes indicações de como
cie Este histograma sumariza as taxas máximas medidas de consumo de O2 de 35 a seleção natural difere em seus efeitos de local para local.
camundongos-veados (Peromyscus maniculatus) de uma única população natural.
■ Reconstrução filogenética. O objetivo da reconstrução filogenética
é determinar, muitas vezes por meio do uso de dados da gené-
riação natural entre indivíduos de uma mesma espécie pode ser tica molecular, a estrutura da árvore filogenética (a descendên-
aproveitada para experiências com somente uma única geração cia) de grupos de espécies aparentadas. Basicamente, a árvore
para determinar as características mais vantajosas. Para ilustrar, filogenética é útil de duas formas. Primeiro, em muitos casos, a
suponha que, em uma amostra aleatória de algumas centenas árvore filogenética facilita a estimação de quando exatamente na
de camundongos de uma população selvagem, seja medida a história evolucionária cada característica se desenvolveu; dessa
taxa máxima de consumo de O2 de cada indivíduo e que, en- forma, por exemplo, pode-se aprender a partir de uma árvore fi-
tão, os animais sejam devolvidos para a população natural, onde logenética se o desenvolvimento de uma característica precedeu
passamos monitorá-los até que morram. Se descobrirmos que ou sucedeu o desenvolvimento de outra – conhecimento que
indivíduos com capacidades particulares de consumo de O2 pro- ajuda a entender o contexto da evolução de cada característica.
duzem um maior número de descendentes do que indivíduos Segundo, a árvore filogenética permite avaliar se uma caracte-
com outras capacidades de consumo de O2, teremos uma visão rística se desenvolveu independentemente mais de uma vez e
sobre quais capacidades são adaptativas. ajuda a estimar o número de vezes que uma característica se de-
■ Criação de variação para fins de estudo. Biólogos têm condições senvolveu; diversas origens independentes em um determinado
de criar variação em uma característica que apresenta pouca ou ambiente sugerem que a característica é adaptativa ao ambiente.
nenhuma variação entre indivíduos de uma espécie. Assim, re- Neste livro, discutimos diversas análises de adaptação baseadas
sultados significantes podem ser observados, tanto em ambiente em árvores filogenéticas. O Capítulo 3, por exemplo, inicia com
natural quanto de laboratório. Anos atrás, a principal aplicação uma extensa análise da aplicação dessas metodologias no estu-
desta abordagem era morfológica; por exemplo, o tamanho de do de peixes antárticos (peixe-gelo – Channichthyidae), peixes
cavidades nas orelhas de ratos do deserto foi morfologicamente com ausência total de eritrócitos e, em alguns casos, também
alterado com o objetivo de se avaliar qual a dimensão de cavidade com ausência de mioglobina, composto proteico chave no trans-
que permitiria a melhor detecção de predadores. Uma abordagem porte de O2 no músculo cardíaco (ver Figuras 3.3 e 3.4).
mais nova é o emprego de manipulações genéticas. Suponha que
a grande maioria de indivíduos de uma espécie tenha um deter- Potencial evolutivo pode ser alto ou baixo,
minado alelo para a enzima digestiva, mas que um alelo mutante dependendo da variação genética disponível
não comum seja encontrado, sendo que este produz uma forma O determinante-chave no curso do desenvolvimento de uma carac-
molecular diferente da enzima. Nesse caso, por meio de procria- terística em uma população de animais é o tamanho da diversidade
ção controlada, poder-se-ia criar uma população com abundância genética para a característica em questão na população. Se não há di-
dos dois alelos e, então, observar as vantagens relativas das duas versidade genética para a característica – isto é, se todos os indivíduos
formas enzimáticas. A permutação de abordagens genéticas deve de uma população são homozigotos para um único alelo – então é im-
empregar métodos de engenharia genética para silenciar genes. possível alteração evolutiva na característica (ao menos no presente).
Como será discutido mais adiante no Capítulo 3 (ver página 75), Como exemplo, pode-se imaginar uma população de mamíferos na
animais knockout com falta de cópias funcionais de genes de in- qual todos os indivíduos são homozigotos em um alelo codificador da
teresse podem ser produzidos, ou a técnica do RNA de interferên- cor dos olhos que codifica a cor castanha. Nessa população como um
cia pode ser empregada com o objetivo de bloquear a transcrição todo, não haveria diversidade genética para a cor de olho e, sendo as-
de um gene. Indivíduos manipulados dessa forma são incapazes sim, a seleção natural não poderia alterar essa característica. Por outro
de sintetizar a proteína codificada pelo gene afetado e poderão, lado, se os indivíduos na população tiverem diversos alelos diferentes

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Fisiologia Animal 27

Diversidade genética típica para as


quatro características estudadas nas
populações de camundongos
 – Locais de coleta domésticos.
–12°C
BAIXO BAIXO ALTO ALTO

–7°C

Em razão da latitude há a tendência ao aumento


0°C gradual do sul para o norte das duas características
que apresentam alta diversidade genética...

...mas não há tendência à alteração das


6°C características com menor diversidade
genética em virtude da latitude.

Figura 1.19 Os efeitos da diversidade genética sobre o potencial evoluti-


vo Testados em condição laboratorial constante, descendentes de camundon-
gos (Mus domesticus) coletados em regiões mais ao norte apresentaram tama-
10°C
nho corporal maior e construiram ninhos maiores do que os descendentes de
camundongos que vivem em populações mais ao sul. Por outro lado, apesar de
terem se desenvolvido em climas diferentes, os camundongos coletados nos cin-
ma ipos e
po a

con nin dos


cor anho
ad o d
rro o
cor ratur

co diferentes locais não apresentaram diferenças nas características temperatura


ral

str hos
ral
m

18°C
os
ido açã

ho
po

corporal e fração de tecido adiposo marrom relativas ao tamanho corporal. Estu-


Tam

uíd
pe

an
tec Fr

dos independentes revelaram que em populações de camundongos domésticos,


Tem

Tam

há alta diversidade nos genes que controlam tamanho corporal e tamanho dos
ninhos construídos, ao passo que a diversidade dos genes que controlam tem-
Quatro características foram estudadas em peratura corporal e fração de tecido adiposo marrom é pequena. Os resultados
camundongos coletados em cinco locais diferentes.
suportam a hipótese de que a eficácia da seleção natural depende da diversida-
A largura das quatro colunas verticais verdes
de genética existente nas populações. As linhas tracejadas no mapa mostram as
simboliza as tendências de acordo com a latitude.
temperaturas médias no inverno. (Segundo Lynch, 1992.)

do gene para cor de olho – alguns alelos codificando a cor castanha, indivíduos coletados das populações do sul – como, na verdade, era
outros alelos a cor azul ou verde – então a frequência dos vários alelos de se esperar (ver Figura 1.19). Entretanto, todos os descendentes dos
poderia ser modificada por meio de seleção natural, e a característica indivíduos coletados dos cinco diferentes locais apresentaram a mesma
cor de olho poderia se desenvolver. temperatura corporal média, e a mesma fração média de tecido adiposo
Fisiologistas estão começando a considerar a importância da diver- marrom. A princípio, poder-se-ia ter esperado que os animais das re-
sidade genética no processo de entendimento do potencial evolutivo. giões frias tivessem desenvolvido uma temperatura corporal menor e
A Figura 1.19 fornece um modelo, exemplo de que tipos de percepções uma maior fração de tecido produtor de calor no corpo em comparação
e conclusões se obtêm por meio da consideração da diversidade ge- aos indivíduos das regiões quentes, mas nenhuma dessas expectativas
nética nos estudos da evolução. Camundongos domésticos foram co- se cumpriu na realidade. Por que ocorreu adaptação em somente duas
letados em cinco locais diferentes no leste dos Estados Unidos, locais das quatro características estudadas?
estes escolhidos para representarem o progresso na severidade do frio Diversidade genética é parte importante da resposta. De estudos
do inverno, de invernos amenos no sul até invernos severos no norte. realizados anteriormente, biólogos sabem que populações de camun-
Os camundongos coletados pertenciam a populações selvagens que, dongos domésticos apresentam diversidade genética relativamente
presume-se, reproduziram-se nos cinco locais durante muitas gera- alta nos genes que controlam tamanho corporal e tamanho dos ninhos
ções e que foram submetidas à seleção natural. Os camundongos dos construídos; essas duas características devem ter respondido à seleção
cinco diferentes locais produziram ninhadas em laboratório e as crias natural. Entretanto, populações de camundongos domésticos exibem
foram estudadas. A razão para dar preferência ao estudo das crias em pouca diversidade nos genes que controlam a temperatura corporal e
vez dos animais selvagens coletados foi para obter a visão mais clara a fração de tecido adiposo marrom no corpo; essas duas características
possível das diferenças genéticas entre essas populações; devido ao fato não responderam à seleção natural nesta espécie de camundongo. Não
de todos os descendentes terem nascido e sido criados no mesmo am- se sabe por que a diversidade genética é alta para algumas característi-
biente, as suas diferenças provavelmente sejam de ordem genética e cas e baixa para outras. Exemplos como esse demonstram, no entanto,
não por causa de diferentes ambientes de criação. que a evolução por meio da seleção natural depende da base da estru-
Foram medidas quatro características dos descendentes: tempera- tura genética de populações. A evolução pela seleção natural é limitada,
tura corporal, tamanho dos ninhos construídos por eles, peso corporal e efetiva somente até o ponto permitido pela diversidade genética.
e a fração ocupada por tecido adiposo marrom nos corpos dos animais.
Tecido adiposo marrom tem a capacidade de produzir calor intenso. As Questões de estudo
diferenças entre tamanho corporal e tamanho dos ninhos construídos
pelos descendentes dos camundongos dos cinco diferentes locais foram 1. Existe uma chance de que um átomo de cálcio ou carbono, que antes fazia
significativas; tanto o tamanho dos ninhos quanto o tamanho corporal parte do corpo de César ou Cleópatra, faça agora parte do seu corpo. Parte
da razão para isso é que a maior quantidade de átomos de cálcio e carbono,
foram maiores nos animais descendentes dos indivíduos coletados das
que antes eram partes dos corpos destes monarcas, não foi para o túmulo
populações de camundongos do norte do que dos descendentes dos

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28 Hill, Wyse & Anderson

com eles. Explique as duas afirmações. (Se você gosta de processos quanti- Quantidade de anos após o seu nascimento, quando, então, César foi mor-
tativos, veja também a questão 11). talmente esfaqueado no Foro de Roma: 56 anos. Quantidade de litros de
2. Animais não mantêm suas enzimas de desintoxicação num constante es- O2 por mol: 22,4 L/mol. Quantidade de móis de O2 na atmosfera terrestre:
19 23
tado de prontidão. Desse modo, eles dependem da plasticidade fenotípica 3,7 x 10 mol. Quantidade de moléculas por mol: 6 x 10 moléculas/mol.
o
para se adaptarem a riscos e perigos em constante mudança. Um exemplo Quantidade de O2 por litro de ar ao nível do mar (20 C): 195 mL/L. Esteja
é fornecido pela enzima álcool desidrogenase, que quebra a molécula do ál- preparado para se surpreender. Obviamente, critique os cálculos se você
cool etílico. Pessoas que não bebem bebidas alcoólicas têm uma baixa con- acha que os mesmos merecem crítica.
centração de álcool desidrogenase. A concentração e a atividade da enzima
aumentam quando a pessoa passa a beber álcool, mas até chegar a sua
atividade completa, passam-se muitos dias, o que significa que a pessoa Referências
tem defesa incompleta contra os efeitos do álcool quando inicia a beber Alexander, R. M. 1985. The ideal and the feasible: Physical constraints on evolu-
após um período de abstinência. Considere, também, músculos atrofiados tion. Biol. J. Linnean Soc. 26: 345–358. Uma discussão que desafia o raciocí-
pelo não uso dos mesmos em comparação a músculos mantidos em esta- nio sobre a relevância da física para os animais.
do completamente desenvolvido. Descreva razões pelas quais os animais Bennett, A. F. 1997. Adaptation and the evolution of physiological characters. In
dependem da plasticidade fenotípica em vez de manterem todos os seus W. H. Dantzler (ed.), Comparative Physiology, vol. 1 (Handbook of Physio-
sistemas em um estado máximo de prontidão o tempo todo. logy [Bethesda, MD], section 13), pp. 3–16. Oxford University Press, New
3. As larvas de uma espécie particular de caranguejo marinho apresentam York. Uma revisão compacta sobre adaptação e mecanismos evolutivos
coloração laranja luminoso, ao passo que os adultos desta espécie são pelo olhar de um fisiologista.
brancos. Foi perguntado a uma especialista no assunto, “Por que os dois Berenbrink, M. 2007. Historical reconstructions of evolving physiological com-
diferentes estágios de vida são também diferentes em sua coloração?” Ela plexity: O2 secretion in the eye and swimbladder of fishes. J. Exp. Biol. 209:
respondeu:“As larvas acumulam pigmentos carotenoides de coloração ala- 1641–1652. Um artigo desafiador, mas válido, que emprega a reconstrução
ranjada, mas os adultos não”. Ela conseguiu reconhecer todos os pontos filogenética para analisar a evolução da impressionante capacidade de in-
significantes na pergunta feita? Explique. flar a bexiga natatória com O2 quase puro encontrada em alguns peixes.
4. Analisando a Figura 1.8, o período de gestação de zebras, javalis africanos e O autor tem por objetivo apresentar um modelo para a compreensão da
cudos é normal ou excepcionalmente longo? Justifique a sua resposta para evolução de sistemas complexos, em que muitas características fisiológicas
cada caso. e morfológicas interagem.
Chevillon, C., D. Bourguet, F. Rousset, N. Pasteur, and M. Raymond. 1997. Pleio-
5. Pelo menos três alelos de hemoglobina em populações humanas alte- tropy of adaptive changes in populations: Comparisons among insecticide
ram a estrutura da hemoglobina de tal forma a debilitar o transporte resistance genes in Culex pipiens. Genet. Res. 70: 195–204.
de O2 pelo sangue, mas, ao mesmo tempo, aumentam a resistência dos Costa, D. P., and B. Sinervo. 2004. Field physiology: physiological insights from
eritrócitos ao ataque do agente causador da malária. Explique como es- animals in nature. Annu. Rev. Physiol. 66: 209–238.
ses alelos exemplificam a pleotropia e discuta se eles poderiam levar a Feder, M. E., A. F. Bennett, and R. B. Huey. 2000. Evolutionary physiology. Annu.
uma evolução não adaptativa do transporte de O2 no sangue em certas
Rev. Ecol. Syst. 31: 315–341. Uma revisão da visão evolutiva da fisiologia,
situações.
enfatizando métodos empíricos para estudar a adaptação.
6. Quais são alguns dos microclimas que um camundongo poderia vir a en- Gibbs, A. G. 1999. Laboratory selection for the comparative physiologist. J. Exp.
contrar na casa de seu professor? Biol. 202: 2709–2718.
7. À primeira vista, a Figura 1.13 parece ser simplesmente uma descrição das Gould, S. J., and R. C. Lewontin. 1979. The spandrels of San Marco and the
propriedades físicas e químicas de um lago. Descreva como organismos Panglossian paradigm: A critique of the adaptationist programme. Proc. R.
vivos participam na determinação dos padrões físicos e químicos (p. ex., Soc. London B 205: 581–598. O artigo que lançou a reconsideração moderna
temperatura e O2). Considere organismos vivendo na água do lago e ou- do raciocínio sobre adaptação. Deliberadamente provocativo, ele estimu-
tros organismos vivendo na terra às margens do lago. Considere também la o raciocínio crítico sobre conceitos biológicos-chave que costumam ser
uma pesquisa recente que demonstra que populações densas de algas al- considerados.
teram em alguns casos a estrutura térmica dos lagos por meio do aumento Hughes, L. 2000. Biological consequences of global warming: is the signal alre-
do termoclina e, com isso, por meio do aumento da espessura da camada ady apparent? Trends Ecol. Evol. 15: 56–61.
profunda de água fria; como as populações de algas fazem isso e quais Jacob, F. 1977. Evolution and tinkering. Science 196: 1161–1166.
podem ser as consequências para os animais que vivem nas profundidades Lynch, C. B. 1992. Clinal variation in cold adaptation in Mus domesticus: Verifi-
do lago? cation of predictions from laboratory populations. Am. Nat. 139: 1219–1236.
8. Você concorda com François Jacob, que evolução é mais uma atividade Um exemplo elegante da aplicação moderna da genética quantitativa para
aleatória e não planejada do que uma atividade de engenharia? Explique. o estudo da fisiologia e da evolução do comportamento.
Mangum, C. P., and P.W. Hochachka. 1998. New directions in comparative
9. Explique como métodos comparativos, animais knockout, padrões geográ- physiology and biochemistry: Mechanisms, adaptations, and evolution.
ficos e frequência genética podem ser utilizados para analisar se uma ca- Physiol. Zool. 71: 471–484. Um esforço de dois líderes para projetar o fu-
racterística é adaptativa. Na medida do possível, comente as vantagens e turo da fisiologia animal, enfatizando a integração das visões mecanicista
desvantagens de cada abordagem. e evolucionária.
o
10. Alguns animais toleram temperaturas do corpo de até 50 C, mas a grande Piersma, T., and J. Drent. 2003. Phenotypic plasticity and the evolution of orga-
maioria não. Algumas espécies conseguem viver em altitudes extremas, nismal design. Trends Ecol. Evol. 18: 228–233. Uma proposta de revisão da
outras não. Quais são as razões em potencial que levaram algumas espé- terminologia das alterações fenotípicas dentro dos animais que provoca o
cies singulares a se desenvolverem para uma vida em ambientes física e raciocínio, influenciada pela grande experiência do autor com alterações
quimicamente tão extremos que chegam a ser letais para outras espécies? em fenótipos morfológicos.
Como você poderia testar algumas das ideias que propôs? Somero, G. N. 2000. Unity in diversity: A perspective on the methods, contribu-
11. Usando os dados a seguir, calcule quantas das moléculas de O2 que foram tions, and future of comparative physiology. Annu. Rev. Physiol. 62: 927–937.
utilizadas no catabolismo por Júlio César se encontram em cada litro de Uma visão curta, atual e estimulante de como a fisiologia comparada foi
ar atmosférico hoje em dia. Todos os valores fornecidos são expressos sob importante no passado e continua a ser no futuro, escrita por um renoma-
condições padrão de temperatura e pressão (ver Apêndice C) e, desta for- do especialista em bioquímica comparada.
ma, podem ser comparados legitimamente. Taxa média de consumo de O2
de um ser humano masculino durante atividades diárias normais: 25 L/h. Ver também Referências Adicionais e Citações de Figuras e Tabelas.

Hill_book.indb 28 13/07/11 16:28

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