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UMA MUDANÇA RADICAL E ESPLÊNDIDA

Romanos 6.12-14 [N. T. Wright]

Vamos imaginar que eu sou um pequeno agricultor em uma área rural, cerca de mil anos atrás. Meu
sítio situa-se na divisa entre dois grandes estados.Durante muitos anos, o senhor das terras arrendadas
onde eu vivo, me tem sob seu total domínio. Sempre que desejava travar uma batalha, ele me
convocava para me juntar a ele e lutar ao seu lado. Além disso, ameaçava-me com toda sorte de coisas
desagradáveis – por exemplo, incendiar minha casa -, caso eu não me unisse a ele. Como se não
bastasse, mais de uma vez me fez juntar todos os meus implementos agrícolas, como enxadas e pás, e
levá-los ao ferreiro para que fossem transformados em espadas e escudos. Assim, vamos lutar suas
guerras quando, na verdade, deveríamos estar cuidando da plantação.

No fim das contas, dei-me conta do que estava acontecendo e mudei para o outro lado do rio, onde
ficava o outro grande estado. Construímos uma nova casa, trouxemos todos os nossos pertences e nos
estabelecemos de novo. O nobre senhor proprietário das terras onde agora resido nos recebeu de uma
forma maravilhosa e nos cobra um aluguel muito menor que o outro.

De tempos em tempos, meu ex-patrão aparecia e ameaçava enviar seus cruéis seguidores para que
fizessem toda sorte de coisas desagradáveis de novo. Creio, porém, que ele, secretamente, teme meu
novo senhorio. Dei continuidade a meu trabalho e, agora, cuido das tarefas do sítio. E meu novo senhor
me chama para ajudá-lo em seu trabalho, que é bem diferente das batalhas para as quais meu ex-senhor
me arrastava. Meu novo senhor está construindo escolas e hospitais – especialmente para os muito
pobres, e algumas vezes me pede que leve meus equipamentos e ferramentas para ajudar nessa tarefa.
E, se alguém estiver passando por necessidades especiais – por exemplo, morte na família, incêndio,
animais enfermos, seja o que for -, ele me pede que o ajude dessa ou daquela maneira. Algumas vezes,
é preciso muito esforço, mas eu fico contente em ajudar, especialmente esse homem.

Essa é uma ficção inocente, mas atinge seu objetivo quanto a ilustrar o ponto levantado nos versículos
escritos pelo apóstolo Paulo, na carta aos Romanos 6: 12-14. O que está envolvido em se tornar cristão
e, então, passar a viver a vida da humanidade recriada por Deus é uma mudança de senhorio.

Isso tudo parece muito esquisito para algumas pessoas. Há muitas pessoas que lidam com o evangelho
cristão como uma simples maneira nova de ser religioso, sem se dar conta das exigências radiciais que
ele faz em relação a todos os aspectos da vida. Contudo, não existe território neutro. O famoso cantor e
compositor Bob Dylan declarou em uma de suas canções [Gotta Serve Somebody]: “Você tem de servir
a alguém. Pode ser ao diabo, ou pode ser ao Senhor, mas você tem de servir a alguém.”

Paulo não menciona o diabo aqui nesse texto, mas quando fala de “pecado”, há certo senso de poder,
força ou energia sobre-humana, que é mais do que a soma total de nossos instintos inúteis ou de nossas
ações equivocadas.

Essa força age como um senhorio tirânico, fazendo exigências sob ameaça, do tipo: você deve viver
desse jeito; você deve sair e se embebedar; você deve ceder a seus apetites sexuais ao máximo; você
deve ampliar seu império de negócios ao máximo... e essa lista é interminável. E aqui estão as ameaças:
se você não viver desse jeito, deixará escapar a verdadeira vida; você jamais ficará satisfeito até que se
renda; você ficará doente ou ultrapassado; as pessoas vão rir de você.
Talvez a palavra mais importante desse trecho bíblico seja “portanto”. Essa passagem se une à anterior,
na qual Paulo insta seus leitores a que se lembrem, calculem e desenvolvam onde vivem agora. Eles já
atravessaram o rio. Não pertencem mais ao antigo território. Eles não apenas não se encontram mais
sob a obrigação de obedecer a seu antigo senhorio, como também estão sob a nova obrigação de não
obedecer a ele, mas, sim, ao novo. E sua principal arma nessa batalha específica consiste em lembrar-se
de quem se tornaram mediante o batismo e a fé.

Paulo imaginou as várias partes do corpo humano como implementos a serem empregados no serviço
desse ou daquele senhor. Nossos membros e órgãos e, no que diz respeito a isso, nossas mentes,
memória, imaginação, emoções e vontade, tudo deve ser colocado à disposição não do pecado, mas de
Deus. Precisamos pensar e agir como pessoas que já atravessaram o rio e, portanto, já saíram do outro
lado.

O que fazemos no presente, ao oferecermos todo o nosso ser ao serviço de Deus, é o início da vida
ressurreta. É óbvio que haverá uma enorme mudança quando a ressurreição propriamente dita ocorrer.
Nossos corpos atuais se deteriorarão e morrerão. Entretanto, quando formos ressuscitados, o que
tivermos feito no presente a serviço do novo senhor acabará se revelando parte não apenas de quem
somos, como também do novo mundo que ele terá feito surgir. Apresentem-se a Deus, diz Paulo, como
ressurretos dentre os mortos.

Uma das razões pelas quais o pecado não vai dominá-lo – ou seja, o motivo pelo qual o antigo senhorio
não tem mais autoridade sobre você – é que, ao deixar seu território, você deixou para trás também o
lugar no qual a lei domina. Existem dois lugares para vivermos: a humanidade de Adão e a humanidade
do Messias. E o mais chocante é que a lei de Deus surge como parte do mundo de Adão, e não do
Messias. Quem já atravessou o rio encontra-se sob o domínio da graça, e não da lei. Ou seja, o governo
direto e generoso de Deus, mediante a morte e a ressurreição de seu filho.

[texto extraído do livro “Paulo para todos: Romanos 1-8, parte 1” escrito pelo teólogo inglês N. T.
Wright]

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