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B725c
Benarroz, Monica
Comendo com prazer até o fim : o papel da alimentação na vida de pessoas com câncer avançado na
perspectiva dos cuidados paliativos / Monica Benarroz. - 1. ed. - São Paulo : Scortecci, 2020.
ISBN 978-65-5529-269-5
20-67315
CDD: 616.99406
CDU: 613.2:616-006
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Livraria Asabeça
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Dedicatória
Cada vez mais somos levados a escolher alimentos que, de alguma maneira,
podem promover a saúde e nos livrar de várias doenças. Por um lado, isso é
bom porque prestamos mais atenção no que comemos, ajudamos nossas
defesas naturais e protegemos nosso organismo contra diferentes enfermidades,
inclusive o câncer. Por outro lado, pode gerar expectativas de desenvolver uma
imunidade blindada e, consequentemente, frustrações e ansiedades, porque
comida não é remédio, nem vacina com poder de imunizar contra qualquer
doença.
Muitas pesquisas mostram a importância de uma alimentação colorida, rica
em hortaliças, grãos integrais e carne branca, além de pobre em açúcar, sal,
carne vermelha e gordura saturada. Disso não há dúvidas! Entretanto,
recentemente criaram o termo superalimentos com alegação de que alguns
alimentos – açafrão, brócolis, castanha-do-pará, chá-verde, entre outros –
apresentam benefícios excepcionais. No entanto, até agora nenhum estudo
científico conseguiu comprovar a real eficácia desses efeitos milagrosos.
Falando especificamente da relação entre o alimento e a prevenção de
câncer, ainda pouco se sabe acerca dos mecanismos efetivos que os alimentos
desempenham na redução do seu risco. Isso se deve à complexidade e à
multifatoriedade5 da gênese da doença.
Embora alguns alimentos desempenhem uma ação protetora no nosso
organismo, nos casos de câncer avançado, essa premissa fica comprometida
devido às várias alterações metabólicas resultantes da progressão da doença,
que levam os doentes a sensações tanto de prazer como de aversão, de fome
como saciedade. Além disso, os sentimentos de angústia, de medo de comer e
passar mal, e de incerteza do futuro, entre outras queixas apresentadas pelo
doente podem, igualmente, prejudicar a alimentação. Portanto, diferentes
instituições de cuidados paliativos defendem que a alimentação e o consumo de
líquidos da pessoa com câncer avançado devem ser pautados principalmente no
prazer e, sempre que possível, na adequação nutricional.
Diante desses fatos, vale a pena exigir dietas rígidas, com inclusões e
restrições alimentares desnecessárias, em situações em que a doença não pode
mais ser revertida?
Em meio a tantas questões complexas e difíceis de lidar, existe uma boa
notícia: a comida é um importante ingrediente que ajuda a alimentar a
esperança e pode ser uma ferramenta de resgate da memória, da socialização,
do prazer e da qualidade de vida.
As páginas a seguir devem ser lidas com a mente e o coração abertos para
que o cuidado possa ser o melhor possível, enquanto há tempo.
5
São vários os fatores de risco para o desenvolvimento do câncer: tabagismo, obesidade, consumo
regular de álcool, exposição solar, sedentarismo, entre outros.
Capítulo 1
6
Da Mata R. O que faz o brasil, Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
Capítulo 2
Cuidados paliativos:
um caminho de compaixão
Cuidados Paliativos, na doença crônica, progressiva e terminal
Em qualquer idade seu benefício é mais que medicinal.
Monica Benarroz
O câncer é um tipo de doença que nem sempre pode ser percebido na fase
inicial, o que expõe as pessoas ao risco de adoecer silenciosamente. Essa
situação é um dos motivos pelos quais muitas pessoas recebem o diagnóstico
tardiamente, ou seja, quando a doença já comprometeu o órgão de forma
agressiva ou até mesmo já se expandiu para outros órgãos, o que chamamos de
metástase.
Vivemos no século XXI, uma era que dispõe de tecnologia de ponta e
informação globalizada, o que contribuiu significativamente no aumento das
taxas de sobrevivência. Porém, isso não torna a doença um fardo menor. De
fato, muitos sobreviventes12 do câncer sofrem com as consequências dos
tratamentos: a retirada de algum órgão (ou parte dele); a colocação de algum
dispositivo necessário à vida, como a traqueostomia13 para ajudar na respiração;
a impossibilidade de sentir o sabor da comida, como consequência da
radioterapia em casos de câncer de boca; etc.
Podemos perceber que o câncer provoca muitas mudanças na vida dos que
convivem com ele. Conforme a doença vai progredindo, o doente vai
experimentando diferentes adversidades que perpassam por questões físicas,
como as alterações metabólicas, a perda de peso e a fraqueza; questões
emocionais, como lidar com a aceitação das várias limitações e da finitude;
questões alimentares, como a falta de apetite e as dificuldades digestivas;
questões sociais, como vergonha da amputação de um membro ou mesmo a
colocação de uma gastrostomia14. Além do mais, existem questões financeiras
que podem comprometer os procedimentos terapêuticos, a compra de um
determinado medicamento e também uma alimentação mais nutritiva.
Diante de tal panorama, é notório que as emoções adoecem tanto quanto o
corpo e, consequentemente, as relações sociais. Daí a importância de conhecer
as particularidades do doente e a melhor forma de tratá-lo, consciente de que
não há uma receita única que sirva para todos, muito menos uma fórmula
mágica que apagará o sofrimento.
Nesse momento, os cuidados paliativos são o melhor modelo de assistência,
pois ajuda o doente e seus familiares no enfrentamento de todas as dificuldades
que surgem no caminho. A singularidade de cada doente e de cada família deve
ser respeitada. Por isso, as propostas de tratamentos são conversadas,
negociadas e acordadas, com base no conhecimento técnico de diferentes
profissionais, na ética, na clareza das informações e, no entendimento do
doente e de sua família.
A partir de então, será possível identificar os problemas e oferecer
orientação personalizada sobre o que, porque, como e quando comer e beber.
12
Sobreviventes do câncer: definido como todas as pessoas que foram diagnosticadas com câncer,
independente do momento do tratamento (antes, durante ou após).
13
Traqueostomia: um procedimento médico no qual é feito um orifício no pescoço e colocada uma
cânula que é usada para a respiração.
14
Gastrostomia: um procedimento médico no qual é feito um orifício no abdômen e instalada uma
sonda diretamente no estomago, permitindo que a pessoa se alimente pelo dispositivo com dieta de
consistência líquida.
Capítulo 5
Cereais (arroz,
Cereais bem cozidos e Todos os cereais Angu de milho, creme de
aveia, biscoitos,
suculentos, panqueca, lasanhas, devem estar arroz ralo, mingau de farinha
flocos de milho,
massas com bastante molho, umedecidos ou em de aveia, de amido ou farinha
milho, massas,
pães e biscoitos macios forma de pudim de milho
pães)
Feijão (variedades) e
outros grãos Grãos amassados Caldo coado, peneirado ou
Grãos bem cozidos
(ervilha, grão de ou cremosos liquidificado, sopa triturada
bico, lentilha)
Frutas frescas
Frutas frescas macias sem
maduras ou cozidas
Frutas casca e picada ou em Papa de fruta cozida
sem casca, bagaço
conservas
ou sementes
Qualquer
sobremesa que seja
Qualquer sobremesa que não Qualquer sobremesa que seja
Sobremesas umedecida e na
seja seca, dura e crocante pastosa fina ou líquida
consistência de
pudim
Nota 1: pessoas com dificuldade de ingerir líquidos não devem fazer uso de sorvete e gelatina.
Nota 2: o leite pode ser substituído por qualquer extrato vegetal, conhecido como leite de aveia, de
amêndoas, de soja, etc.
15
Alimentos modificados: Adaptado do National Dysphagia Diet published by the American Dietetic
Association (2002).
Capítulo 7
Ela não tem cheiro, cor, nem sabor. Para muitos é uma bebida sem graça,
mas a água é indispensável para a nossa saúde. Contudo, os medicamentos
usados na quimioterapia podem mudar o gosto da água e torná-la, para alguns,
desagradável por longos períodos. Há quem diga que a água fica com gosto de
metal, gosto salgado, e até de “podre”. Pode parecer estranho, porém os relatos
são os mais diversos.
No câncer avançado, a tendência é o doente usar cada vez mais
medicamentos para o controle dos sintomas. Fato que aumenta a necessidade
do consumo de água e de outros líquidos, não somente para manter a boca
menos ressecada, mas principalmente para ajudar no funcionamento dos
órgãos, em especial dos rins e do intestino, que eliminam resíduos tóxicos dos
medicamentos.
No geral, é recomendado que as pessoas bebam em torno de dois litros de
líquidos ao dia. Entretanto, a quantidade depende do sexo, da idade, do peso
corporal, do estilo de vida, da temperatura ambiente em que as pessoas vivem e
da condição de saúde de cada um. Portanto, individualizar a necessidade de
líquidos é um passo importante para o consumo regular e adequado.
A melhor bebida para hidratação é sem dúvida a água potável, filtrada e
natural. Contudo, respeitando a intolerância à água e considerando o valor do
líquido, a melhor bebida será aquela que o doente mais aceitar,
preferencialmente sem açúcar (ou apenas uma quantidade mínima), nem
substâncias químicas. A água filtrada, os chás e a água saborizada16 são as
melhores opções para o consumo.
Líquidos como suco de frutas, água de coco, bebidas isotônicas17 e
refrigerantes não devem ser consumidos como substituto da água para a
hidratação, ou seja, beber vários copos ao dia. Apesar de o suco de frutas
naturais conter substâncias nutritivas, ele é rico em açúcar (frutose), por isso
deve ser consumido com moderação (um copo de 250ml do dia) e diluído em
água. Do contrário, pode prejudicar o controle da glicemia (quantidade de
açúcar no sangue), a cicatrização de feridas e a função renal (para os que têm
problemas renais), além de aumentar a propensão de infecções na boca (devido
ao açúcar da fruta).
Quanto à água de coco, apesar de nutritiva, saborosa e recomendada para
náuseas e vômitos, o consumo indiscriminado para os doentes com problemas
renais pode ser danoso devido ao elevado teor de potássio. Desse modo, a água
de coco pode ser consumida com moderação (um copo de 200ml ao dia), mas
nunca substituindo a água natural. As bebidas isotônicas seguem as mesmas
recomendações.
O refrigerante é uma bebida muito polêmica devido aos ingredientes: alto
teor de açúcar e de substâncias químicas. Contudo, faz parte da rotina
alimentar de muitas pessoas, e conforme já falamos nos capítulos anteriores, o
objetivo dos cuidados paliativos é associar as necessidades nutricionais e o
controle de sintomas ao prazer, não cabendo imposições alimentares nem
restrições desnecessárias. Dito isso, para aqueles que têm o hábito de beber
refrigerante, a recomendação é evitar o consumo frequente, todavia sem a
obrigatoriedade de fazer restrição total. Exceto, se o doente concordar em abrir
mão do refrigerante.
Seguem algumas recomendações que ajudarão no consumo de líquidos em
geral:
• Ter horários definidos para a hidratação é uma boa estratégia para não se
esquecer de beber líquidos. Pode ser 100ml a cada hora, 200ml nos intervalos
das refeições, ou mesmo separar uma garrafinha que fique sempre próxima e
seja frequentemente abastecida;
• Variar os líquidos. Nesse sentido, as águas saborizadas, refrescos e chás
são bem-vindos, principalmente para quem tem baixa tolerância à água ou
gosto alterado;
• Aumentar a quantidade de líquidos, em pelo menos 50%, quando
apresentar vômitos e diarreia;
• Preferir comer alimentos com alto teor de água, como as frutas suculentas
(laranja, lima, melancia, melão, tangerina), sopa e salada crua com vegetais
folhosos e tomates. Exceto se houver diarreia.
16
Água saborizada: água natural com pedaços de frutas, ervas (hortelã e alecrim), especiarias (cravo e
canela, gengibre), etc. Pode ser bebida em temperatura ambiente ou refrigerada.
17
Bebidas isotônicas: é uma bebida muito utilizada no meio esportivo para reposição de sais minerais e
carboidratos. Além disso, os diferentes sabores aumentam a aceitação do liquido ajudando na hidratação.
Capítulo 8
• Respeitar o doente, sem forçá-lo a comer o que não gosta, ou na quantidade que não
Psicológico tolera;
• Incentivar o doente a comer comidas que dão prazer.
Social • Estimular o convívio do doente com a família, amigos ou outras pessoas durante as
refeições;
• Fazer as refeições num local agradável e tranquilo.
• Dar um novo sentido à comida, vendo algum fator positivo nas refeições;
Espiritual • Criar um ambiente de gratidão e prazer, associando orações, música, boa companhia,
etc.
18
Suplemento nutricional oral: são produtos industrializados, formulados com macro e micronutrientes,
indicados como dietas diferenciadas exclusivas ou adicionadas na alimentação regular.
Capítulo 9
Fraqueza geral
Redução de força muscular (para
levantar-se da cama sozinho ou do vaso
sanitário)
Biológica Desequilíbrio
Perda de massa muscular
Maior esforço para andar
Menor disposição para realizar as
atividades de vida diária
Desânimo
Dependência de terceiros
Psicológica Não reconhecimento de si diante do espelho Tristeza
Dificuldade de aceitação do peso corporal Angústia
Vergonha
Depressão
Frustração
Medo de morrer
Medo de ficar sozinho
Espiritual Percepção da própria finitude
Não ver sentido na vida
Piora drástica da qualidade de vida
19
Atividades de vida diária: são tarefas básicas de autocuidado, tais como alimentar-se, ir ao banheiro,
tomar banho, vestir-se, arrumar-se, etc.
20
Escrito por Salomão no livro de Eclesiastes (9:4), Bíblia Sagrada.
21
Sugestões adaptadas dos livros: Eating hintis before, during and after cancer treatments, National
Cancer Institute, 2018.
Capítulo 10
Boca seca, pouca saliva e feridas Beber pequenos volumes de água várias vezes ao dia, pelo menos 1
na boca litro de água, além de outros líquidos
Trismo
O trismo faz parte da lista de efeitos colaterais dos tratamentos anticâncer.
Ele é caracterizado pela limitação na abertura da boca e pode ser classificado
em:
• Leve, moderado ou severo: dependendo da amplitude oral, ou seja, do
quanto a pessoa consegue abrir a boca;
• Agudo: quando ocorre durante ou imediatamente após o tratamento e
• Tardio: quando o aparecimento da queixa ocorre meses após o
tratamento.
Sintomas Condutas
Sintomas Condutas
Dificuldade digestiva,
azia e sensação de Evitar qualquer alimento que sabidamente provoca gases.
plenitude
• Comer devagar;
• Evitar conversar durante as refeições;
Gases • Reduzir e não misturar na mesma refeição os seguintes alimentos: feijão,
Intestinais batata-doce; brócolis, couve, couve-flor, repolho, massa, cereais integrais, café
e bebidas gasosas;
• Evitar qualquer alimento que sabidamente provoca gases.
Erva-de- Depressão, ansiedade e distúrbios Boca seca, tontura, alterações gastrointestinais, fadiga,
são-joão do sono. dor de cabeça, disfunção sexual
Docetaxel
Alho Pode aumentar os efeitos adversos
(quimioterápico venoso)
Paclitaxel
Extrato de cúrcuma Pode alterar o metabolismo do medicamento
(quimioterápico venoso)
Irinotecano
Erva-de-são-joão (quimioterápico venoso) Pode reduzir a ação do medicamento
Imatinib
Etoposido
Equinácea Pode provocar redução das plaquetas
(quimioterápico venoso)
Imatinib
Ginseng Pode provocar danos hepáticos
(quimioterapia oral)
22
WHO. Regulatory situation of herbal medicines: a worldwide review. Geneva, Switzerland: World Health
Organization, 1998.
23
Fitoterápico: é o produto obtido de planta medicinal, ou de seus derivados, exceto substâncias isoladas
farmacologicamente ativas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa (Primeiro Suplemento do
Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira, 1ª edição).
24
Atividade farmacológica: descreve os efeitos de um composto químico dentro do organismo vivo.
25
Garrafada: bebida à base de ervas, confeccionadas por curandeiros.
26
Suco detox: sucos elaborados com hortaliças e frutas que prometem a eliminação de toxinas do
organismo.
27
ANVISA: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, órgão que regula os medicamentos entre outras
coisas.
28
National Center for Complementary and Integrative Health (NCCIH).
Herb-Drug Interactions: What the Science Says. Clinical Guidelines, Scientific Literature, Info for Patients,
September 2015.
29
Fasinu, P.S.; Rapp, G. K. Herbal interaction with chemotherapeutic drugs – a focus on clinically
significant findings. Front Oncol, 2019.
Capítulo 12
Dicas de ouro
30
Escala analgésica: é uma metodologia utilizada pelo médico para avaliar a intensidade da dor e a
escolha do medicamento.
Capítulo 13
1. Consequências do tratamento:
• Cirurgia, com retirada de algum órgão (ou parte dele) do sistema
digestório – na região de cabeça e pescoço, esôfago, estômago;
• Disfagia (dificuldade de engolir) moderada ou severa, decorrente de dor,
estreitamento ou perda de motilidade da musculatura do esôfago;
• Feridas na boca, na garganta e esôfago devido aos tratamentos de
radioterapia e quimioterapia.
Nutrição Via de
Como funciona
artificial alimentação
Sonda Oferta de dieta líquida através de sonda introduzida no nariz que desce pelo
nasogástrica esôfago até o estômago
Sonda Oferta de dieta líquida através de sonda introduzida no nariz que desce pelo
nasoentérica esôfago até o intestino delgado (duodeno ou jejuno)
Enteral Oferta de dieta líquida através de sonda inserida diretamente no estômago
Gastrostomia
através de um estoma (pequena abertura) feito na parede abdominal
Oferta de dieta líquida através de sonda inserida diretamente no jejuno
Jejunostomia (segunda porção do intestino delgado) através de um estoma (pequena
abertura) feito na parede abdominal
Parenteral Intravenosa Oferta de solução de nutrientes, estéril, própria para administração na veia
Ao longo do livro destacamos o valor comida nas nossas vidas. Ela nos
alimenta, sustenta, protege, conforta e aproxima das pessoas, fortalecendo
vínculos afetivos e sociais. Estamos tão acostumados a comprar nossos
alimentos, cozinhá-los, comê-los e bebê-los, que não percebemos a relevância
da comida e do ritual da alimentação no cotidiano.
Contudo, o agravamento do câncer avançado muda todo o cenário
alimentar. O metabolismo fica totalmente alterado, afetando o apetite e os
processos fisiológicos do sistema digestório que envolve a motilidade, a
secreção de enzimas digestivas, a digestão, a absorção e a excreção, impedindo
o aproveitamento dos nutrientes. Sem falar da dor oncológica que, per si, pode
levar à anorexia.
Então, o que fazer quando a doença está tão grave que nos impede de
comer e beber, parcialmente ou totalmente? Como podemos lidar com o
momento crítico em que a comida e os líquidos fazem mais mal do que bem? É
mais prudente suspender o consumo de líquidos e alimentos? Essas perguntas
são inerentes à fase final do câncer, que chamamos de cuidados ao fim da
vida, cuja duração pode variar de dias a semanas, mas que precisa ser encarada
com naturalidade e todo cuidado.
Apesar de ser um período muito difícil para o doente e as pessoas do seu
convívio, os cuidados paliativos estimulam a pessoa a viver a vida até o fim, da
melhor forma possível, aceitando a morte como processo natural. Não se
acelera nem se posterga a morte; ao contrário promove-se uma morte digna.
Esse assunto é um tanto difícil, mas compreendê-lo oportuniza investir na
qualidade de vida do doente com amor, aconchego e respeito; propiciando a ele
uma alimentação confortável e prazerosa enquanto ele aceitar.
Nessa fase, minha orientação é investir sempre numa alimentação nutritiva
e saborosa, adequada para cada realidade. Mas o termômetro é o doente.
Enquanto ele estiver lúcido e orientado, ele é quem diz o quanto tolera em
termos de comida e de líquido, o tipo e a consistência que prefere, o tempo de
intervalo entre as refeições, etc. Isso é fundamental.
Existem situações em que o doente tem vontade de experimentar comidas e
bebidas que ele não “deveria” dentro da lógica nutricional e clínica. No
entanto, para satisfazer sua vontade, tal produto talvez possa ser oferecido no
conta-gotas, numa colherzinha de café, ou ainda com a ponta dos dedos apenas
para sentir o sabor; tornando o sonho em realidade, fazendo muita diferença
para quem está com a vida por um sopro.
Com base no contexto acima, imaginemos uma pessoa gravemente doente,
que embora esteja com falta de apetite e disfagia (dificuldade de engolir),
apresenta um grande desejo de comer ou beber algo, por exemplo:
• Bárbara era uma mulher cheia vontade de viver e não estava conseguindo
lidar com perda de peso e de identidade.
• Comer mesmo sem conseguir era uma tarefa difícil e uma meta
impossível.
• A dor na alma e a angústia de um problema insolúvel fazia Bárbara
buscar recursos, mesmo consciente que ela não ia conseguir resolver. Nesse
caso, era comer satisfatoriamente para ganhar peso e massa muscular.
• Bárbara não verbalizava uma clara compreensão sobre a finitude, embora
seu corpo falasse por ela.
• Sofia tinha uma doença muito grave que a impedia de comer, mesmo
aquilo que desejava.
• Sofia tentou se enquadrar nas regras de alimentação saudável, mas comer
o que gostava já era difícil por causa dos sintomas, o que não gostava ficava
mais difícil ainda, pois não tinha prazer.
• Sofia demonstrava conflitos relacionados ao medo de comer e de piorar
seu quadro clínico.
Resultado: embora com a vida por um fio, Sofia estava mais animada com
a possibilidade de comer “coisas diferentes” e gostosas, conforme desejava.
Sofia faleceu dois meses após começar a se despedir dos seus “pratos”
prediletos.
Sites consultados
https://www.cancer.org/
https://www.cancerresearchuk.org/
https://cicelysaundersinternational.org/
https://www.inca.gov.br/
https://www.nccn.org/
https://oralcancerfoundation.org/
https://paliativo.org.br/
https://sbed.org.br/5o-sinal-vital/
https://www.wcrf.org/dietandcancer/cancer-prevention-recommendations
Sobre a autora
Site: www.monicabenarroz.com
Instagram @monica_benarroz
Sobre a obra
Este livro foi escrito pensando nas pessoas com câncer incurável, que têm
dúvidas e medos associados à sua alimentação, e nos familiares e cuidadores
que lidam cotidianamente com as questões alimentares do doente e muitas
vezes não sabem o que fazer.
É uma literatura indispensável tanto para os profissionais e estudantes das
diferentes áreas da saúde como para qualquer pessoa que tenha interesse em
pensar criticamente assuntos sobre alimentação, câncer avançado e cuidados
paliativos.
Os cuidados paliativos são um tipo de abordagem relativamente novo
dentro da assistência nutricional. O livro Comendo com prazer até o fim: o papel da
alimentação na vida de pessoas com câncer avançado na perspectiva dos cuidados paliativos é
o primeiro lançado no Brasil que trata dessa temática com uma linguagem
simples e acessível, mas recheado de conhecimento técnico e dicas práticas para
o dia a dia.