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13/12/2020 Conduta de Bolsonaro diante do coronavírus guarda semelhança com a dos soviéticos em Tchernóbil - 12/12/2020 - Elio Gaspari - Folha

Elio Gaspari (/colunas/eliogaspari/)

Conduta de Bolsonaro diante do coronavírus guarda


semelhança com a dos soviéticos em Tchernóbil
Presidente ainda não entendeu o que está acontecendo e continua brincando com os
diminutivos

12.dez.2020 às 23h15

Em abril, o general Luiz Eduardo Ramos disse o seguinte:


“No jornal da manhã é caixão, corpo; na hora do almoço, é caixão novamente.
No jornal da noite é caixão, corpo e número de mortos. [...] Não tá ajudando.
Ninguém aqui está dizendo que tem que esconder
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/ministro-general-ramos-pede-que-imprensa-de-noticias-positivas-e-menos-

caixoes-e-mortos.shtml).
Os senhores [jornalistas] têm que também... Eu conclamo e
peço encarecidamente, tem tanta coisa positiva acontecendo”.

Naquele dia, a Covid havia matado 165 pessoas e o total dos caixões já passava
de 20 mil. Notícia boa, se houvesse, deveria ser procurada na patética reunião
ministerial daquele mesmo dia, durante a qual Jair Bolsonaro emparedou
Sergio Moro (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/leia-a-integra-das-falas-de-bolsonaro-e-ministros-em-

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2020/12/conduta-de-bolsonaro-diante-do-coronavirus-guarda-semelhanca-com-a-dos-sovieticos-em… 1/4
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reuniao-ministerial-gravada.shtml),
o ministro da Educação propôs a prisão dos
“vagabundos” do Supremo Tribunal Federal e o da Economia sugeriu o retorno
da jogatina de grife.

Ramos falou com a alma. Ele realmente acreditava que as sepulturas


incomodavam, mas acreditava também que com menos imagens de caixões
mudava-se a natureza do problema. Passaram-se oito meses e as imagens são
outras. Pessoas sendo vacinadas na Inglaterra
(https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/reino-unido-se-prepara-para-comecar-vacinacao-contra-a-covid-19-

e governos anunciando o início de programas de imunização


nesta-terca-feira.shtml)

para as próximas semanas. No Brasil, só caixões, brigas e o general-ministro da


Saúde, Eduardo Pazuello, atarantado
(https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/pazuello-diz-que-autorizacao-emergencial-para-vacina-contra-

covid-nao-e-a-solucao-para-o-pais.shtml).

A pandemia já matou no Brasil três vezes mais gente que a radiação liberada
pela explosão do reator nuclear de Tchernóbil, da União Soviética, desde 1986.
Segundo um artigo do International Journal of Cancer, os mortos ficaram
entre 30 mil e 60 mil.

Apesar das enormes diferenças entre as duas tragédias, a conduta pessoal do


capitão Bolsonaro e dos generais Ramos e Pazuello diante do coronavírus
guarda uma triste semelhança com a reação dos comissários soviéticos em
Tchernóbil.

A explosão ocorreu na madrugada de 26 de abril de 1986. Quando o chefe da


defesa civil da usina mostrou ao diretor que a radiação chegara a níveis
intoleráveis, o burocrata expulsou-o da sala: “Seu medidor está quebrado”.
Pela manhã, o vice-presidente do conselho de ministros disse que religaria o
reator, e o ministro da Energia da Ucrânia explicou-lhe:
— Não existe mais reator.
— Você é um alarmista, respondeu o comissário.

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“Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”, disse Bolsonaro, em março
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/de-gripezinha-a-pedido-por-uniao-compare-os-pronunciamentos-de-

bolsonaro-na-crise-do-coronavirus.shtml),
quando 165 pessoas já haviam morrido. Dias antes,
ele dissera que a pandemia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde
“não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”.

O negacionismo seguiu cursos diferentes na fase seguinte, ambos estimulando


a inércia. Em Tchernóbil, quando o chefe da defesa civil mencionou a
necessidade de evacuar a população da cidade, um comissário da região foi
breve: “Sente-se. Isso não é da sua conta”. O ministério da Saúde
concordava com ele.

Em Pindorama, Bolsonaro chamou os governadores que defendiam o


isolamento social de “destruidores de empregos”, e o general Pazuello ainda
acha que não se deve falar nisso.

A cidade próxima ao reator Tchernóbil só foi evacuada no dia seguinte. E, 36


horas depois da explosão, não haviam sido disparadas as medidas previstas
nos protocolos da defesa civil. Vídeos mostram cenas de um casamento e de
vida normal em vários lugares.

Quando Bolsonaro falava em gripezinha, o presidente mexicano, Manuel


López Obrador, dizia que a Covid “não equivalia a uma gripe”. E o primeiro-
ministro inglês, Boris Johnson, desdenhava o perigo. Johnson foi parar numa
UTI, abandonou o negacionismo e pediu desculpas por ter dado informações
erradas. Obrador orgulhosamente anunciou seu plano de imunização dos
mexicanos, começando neste mês pelos profissionais de saúde.

Como os burocratas soviéticos, Johnson e Obrador pensavam que mandavam


e disseram besteiras, mas se corrigiram. Bolsonaro ainda não entendeu o que
está acontecendo e continua brincando com os diminutivos.

No dia em que o número de mortos pela “gripezinha” havia chegado a 179 mil,
com a média móvel em alta, ele disse que “estamos vivendo um finalzinho de

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pandemia” (https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/estamos-vivendo-um-finalzinho-de-pandemia-
diz-bolsonaro-apesar-da-alta-de-mortes-de-covid.shtml).

Seu governinho tem uma dificuldadezinha com a realidade.

VEJA A OUTRA COLUNA DESTE DOMINGO (13)

1 Michel Temer entra na roda dos possíveis convidados para um


ministério modificado

(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2020/12/michel-temer-entra-na-roda-dos-

possiveis-convidados-para-um-ministerio-modificado.shtml)

Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura
Encurralada".

ENDEREÇO DA PÁGINA

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bolsonaro-diante-do-coronavirus-guarda-semelhanca-com-a-dos-sovieticos-
em-tchernobil.shtml

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