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O cefalópode assusta, mas, com técnica certa, se mostra de manejo simples e retribui com
generosidade
06 MAR 2017 - 18:11 BRT
Há um ramo da ciência (ou, se preferirem, uma falsa ciência) que se dedica ao estudo de
animais fantásticos. É a chamada criptozoologia. Seu campo de pesquisa abrange seres
impressionantes, normalmente imaginários ou, vá lá, vistos apenas por raras testemunhas.
Fazem parte dessa galeria alguns entes notoriamente lendários, como o Monstro do Lago Ness
e o Pé-Grande. Mas também criaturas como lulas e polvos gigantes — capazes, segundo
cronistas da época das grandes navegações, de levar a pique caravelas inteiras.
Mal comparando, eu diria que, tantos séculos depois, o polvo continua aprisionado numa
espécie de criptozoologia gastronômica: é curioso como pouca gente se arrisca a cozinhá-lo,
por dúvidas e medos variados. O molusco tem bastante saída em restaurantes, é reconhecido
como iguaria mas, quando a questão é prepará-lo em casa, exemplares de 2 kg parecem se
tornar tão intimidadores como as feras colossais dos desenhos do naturalista Pierre Denys de
Montfort (1766-1820). A fama é injusta — embora o bicho demande, sim, alguns cuidados e
atenções. Tratando-o com as técnicas certas, ele se mostra de manejo simples e retribui com
generosidade.
A crônica culinária é farta em métodos e conselhos sobre como extrair o que há de mais tenro
nos tentáculos do bicho. Há o proverbial tratamento de choque dos antigos pescadores gregos,
que falavam em bater o molusco exatas 99 vezes (sim!) contra os rochedos da costa. Espanhóis
mais old school, em certas regiões, preferem as marteladas (o que faz uma lambança danada
no entorno). Existe ainda a técnica nipônica de massageá-lo com nabo ralado, para amaciar a
carne e limpar a pele, como uma pré-preparação para o cozimento. Tem quem opte por
apenas espancá-lo algumas vezes contra a pia (mais lambança...), para lassear seus filamentos
internos.
Do meu lado, não costumo utilizar nem massagens, nem métodos mais violentos. Tampouco
tenho preconceito com o produto congelado, pois o molusco resiste bem ao processo — que,
de resto, também ajuda a relaxar as fibras. Comprar um polvo é um programa por si só. Na
barraca do peixeiro, é divertido tentar acertar o peso, examinar a integridade de sua estrutura.
E imaginar que, sim, aquele belo espécime que você escolheu vai perder muito em volume,
quando for à panela (por isso, não se iluda com polvos de um menos de um quilo; prefira os de
um quilo e meio para cima).
Num primeiro momento, a limpeza pode parecer complicada. Na segunda vez, garanto que
será mais fácil (você pode, evidentemente, pedir que peixeiro adiante o serviço; ou até
comprar tudo já porcionado). É preciso lavar os tentáculos e suas ventosas, sob a água da
torneira; cortar a cabeça, virá-la do avesso, retirando as vísceras e removendo o “bico” (a
cartilagem da boca do polvo). Mas nada muito além disso. Um conselho: para preservar o
exterior dos tentáculos, mergulhe e tire o polvo da água fervendo, rapidamente, por três
vezes; depois, pode cozinhar.
A cocção, eu gosto de fazer tanto na pressão como na panela convencional. E aprecio menos
quando a carne fica mole em excesso. Considero, por exemplo, molhos como a bolognese di
polpo, feita por alguns cozinheiros italianos, um desperdício: os tentáculos são moídos e
cozidos longamente, privando o comensal de uma boa mordedura. Rafael Garcia Santos, o
controvertido crítico do Diário Vasco (e do site Lo Mejor de la Gastronomia), reagiu com a
habitual contundência quando alguns cozinheiros da nueva cocina española, anos atrás,
começaram a preparar carpaccio de polvo: “É uma estupidez. Estão tirando do ingrediente
justamente sua característica essencial, a textura”.
Idiossincrasias à parte, recorri a dois grandes especialistas brasileiros para escrever esta
coluna. Cauê Tessuto, da Peixaria, chef e fornecedor de peixes e frutos do mar para alguns dos
melhores estabelecimentos do país. E Eudes Assis, chef do Taioba, em São Sebastião
(Camburi), uma das melhores cozinhas do litoral brasileiro. Poucos manipulam o ingrediente
com o seu detalhismo. Poucos sabem como escolher a tratar o mais carnudo dos cefalópodes
(a sua prima lula que me desculpe).
ARQUIVO PESSOAL DO CHEF EUDES ASSIS
Cauê Tessuto trabalha especialmente com polvos vindos de Cananéia, a última cidade do
litoral paulista antes do Paraná. Seu principal parceiro é um pescador que usa a técnica do
pote (o bicho entra no recipiente em busca de uma isca, e não consegue sair), mais artesanal e
sustentável do que a rede de arrasto. Seus preferidos são os de 1,5 kg para cima. Tessuto
informa que é possível conseguir polvo durante todo o ano, embora o auge seja o inverno,
quando inclusive e preço é mais baixo.
Eu, que não sou chef, mas que já deixei de ter pesadelos com polvos imaginários, também não
vou me omitir de abordar minhas preparações favoritas (abaixo, veja a receita de Eudes Assis).
Uma delas é o polvo à galega, clássico espanhol, com pedaços generosos temperados com
páprica e servidos com batata cozida — na própria água do polvo, por exemplo. Outra é um
espaguete mezzo italiano, mezzo paulistano: faça uma base, refogando no azeite cebola,
salsão e cenoura (bem picadinhos, ou ralados em ralo fino), numa frigideira grande; cinco
minutos depois, acrescente uma pimenta dedo-de-moça, em tirinhas, sem as sementes, e dois
ou três tomates sem pele, picados; conte mais cinco minutos e junte o polvo já cozido, macio,
cortado em pedaços grandes (1 cm a 1,5 cm de espessura). Corrija o sal. Paralelamente, vá
cozinhando o macarrão, que deve ficar al dente. Quando a massa estiver no ponto, coe e
despeje-a na frigideira. Mexa bem, para que pasta e molho fiquem bem amalgamados. Finalize
com um bom azeite e raspas de limão, sirva imediatamente. Pronto. Vai lá comprar um polvo,
vai...
Receita:
Rendimento: 4 pessoas
Polvo
Palmito
Modo de preparo:
- Depois desse tempo, retire do papel-alumínio palmito e parta o palmito pupunha ao meio, no
sentido do comprimento. Pincele a manteiga e tempere-o com sal e pimenta-do-reino a gosto.
Leve novamente ao forno, sem papel, por cerca de 10 minutos, para dourar
300g de tomates cerejas, 1 cabeça de alho inteira, 2 xícaras (chá) de azeite, 2 ramos de
alecrim, 2 ramos de tomilho, sal e pimenta-do-reino a gosto
Modo de Preparo:
Numa forma, junte o azeite, os tomates, os dentes de alho com a casca, os ramos de alecrim e
tomilho e tempere com pimenta-do-reino e sal. Asse no forno 150ºC, por 40 minutos coberto
com papel alumínio
Finalização:
Monte cada um dos pratos com um tentáculo, mais um pedaço de palmito, tomates e alho.