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ver: Alarma no Pólo Sul
— Assim é a vida... Maus bocados, bons bocados! Que
tenho a fazer nos Estados Unidos do Coral? Espionagem ou
jornalismo? Ou ambas as coisas ao mesmo tempo?
— Não, não. Apenas jornalismo. Você deve saber que os
coralenses tencionam lançar brevemente no espaço um
satélite artificial.
— Li alguma coisa a respeito. Mas são noticias um tanto
confusas, contraditórias...
— Essa é a questão: o “Morning News” não vai oferecer
noticias confusas, mas exatas. Para tanto dispõe de uma
jornalista que lhe custa mais de trezentos mil dólares
anualmente.
— Quem é essa jornalista? — fingiu assombrar-se
Brigitte.
— Deixe de tolice! — resmungou ele. — Você é quem
cobra essa quantia. Bom, que me diz de obter notícias
concretas e interessantes sobre esse lançamento dos
coralenses?
— Querido, sempre que você necessite de alguém que
queira trabalhar em climas tropicais, conte comigo. Irei,
naturalmente. Quando devo partir?
— O quanto antes. Consegui que um técnico espacial de
lá aceite sua visita ao Centro Espacial Universal. Chama-se
Diego Montalbán e estará à sua espera no aeroporto, se você
me disser em que avião irá para que eu o previna.
— Certamente partirei amanhã; depois lhe darei o
horário exato de minha chegada a Corália, a capital. E. um
país curioso, não lhe parece, Miky?
— Que tem de curioso?
— Além de sua situação privilegiada, quase tocando a
linha equatorial, ao norte das Ilhas Galápagos, tem de
curioso o particular de ser o único pequeno país capaz de
aventuras desta índole. É algo quase surpreendente.
— Nem tanto. Os Estados Unidos do Coral receberam
ajuda de diversos países adiantados para o lançamento de
satélites espaciais. Por exemplo: da Rússia, da França... e
dos Estados Unidos da América. Não só lhes
proporcionamos material, como permitimos que vários de
seus técnicos e cientistas estudassem em nossos centros
espaciais. Temos justamente o caso de Diego Montalbán,
que passou quatro anos em Cabo Kennedy. Isso, depois de
ter estudado numa universidade americana.
— O que não compreendo é que não facilitem
informações detalhadas à imprensa mundial. Quando um
país está em condições de lançar foguetes espaciais, pode
considerar-se orgulhoso de seu desenvolvimento científico.
Não vejo razão para que se deixe de fornecer o máximo em
notícias a todos os jornais.
— Quer-me parecer que não se sabe a data exata do
lançamento. Além disso, suponho que os coralenses não
estejam muito confiantes no êxito de tal empreendimento e
desejam ainda efetuar um último controle de todo o projeto.
Se tudo os satisfizer definitivamente, darão a notícia
detalhada e completa ao mundo.
— Mas a essa altura, o “Morning News” já terá
publicado tudo com referência ao assunto, não é assim?
— Exato — sorriu Grogan. — Por isso, você lá irá. E
quando os outros jornais puderem dar a notícia com todos
os detalhes, nós já a teremos esquecido, de tão velha.
— Esplêndido... — Brigitte olhou divertida para sua
taça, com a cereja no fundo. — Você me mentiu, Miky.
— Como? Eu lhe menti em quê?
— Disse que me enviava lá como jornalista e não é
verdade. A verdade é que, embora enviando aos Estados
Unidos do Coral a jornalista Brigitte Montfort, você espera
que a agente “Baby” entre em funções para averiguar o que
ninguém queira dizer. Portanto, você envia a jornalista e a
espiã.
Grogan mexeu-se em sua cadeira.
— Bom... Afinal de contas, todos os jornalistas são um
pouco espiões, não é?
— Mas nem todos os espiões são “Baby”, querido.
— Está bem, está bem... Que pretende?
— É simples: já que está enviando duas pessoas
distintas, pague pelas duas. Naturalmente, Brigitte Montfort
realizará seu trabalho jornalístico sem cobrar nada, exceto, é
claro, os gastos de viagem, alojamento e coisas assim. Mas
a agente “Baby” é caríssima, Miky.
— Quanto? — grunhiu Grogan.
— Um sorriso.
— Quê?
— Um sorriso. Sorria uma vez, uma só vez, e terá
pagado o altíssimo preço da agente “Baby”. Vejamos esse
sorriso...
Miky Grogan enrugou a testa. Mas, inevitavelmente,
teve que sorrir. E o fez de muito boa vontade, certamente.
— Você é... é única, Brigitte. E eu a adoro!
— Pois o demonstre com mais freqüência, querido —
suspirou ela; terminou sua taça de champanha. — Bem...
Creio que devo preparar-me para a viagem. Mandarei-lhe
um postal quando chegar lá.
— Conto com ele. Divirta-se, querida.
— Tentarei. Até a vista, Miky.
Estendeu-lhe a mão, que ele levou aos lábios, sorrindo.
— Até a volta, formosa espia.
Brigitte saiu da sala. Quinze minutos mais tarde, quando
Grogan estava novamente imerso no trabalho, Minello
tornou a aparecer, tão brusco como sempre.
— Então, está contente? — perguntou.
Grogan olhou-o intrigado.
— A que se refere?
— A isso de mandar Brigitte para longe de mim. Tenho
certeza de que faz de propósito, para impedir que eu a
conquiste. Bom, onde está a taça que ela usou? Também
quero tomar champanha com cereja.
Foi ao bar, apanhou a taça que lhe pareceu de Brigitte,
lançou-lhe quatro ou cinco cerejas dentro e encheu-a de
champanha. Grogan o ornava de cara amarrada.
— Será melhor que volte ao seu trabalho, Frankie. E
procure habituar-se a entrar em minha sala com bons
modos.
— Ah! Mas que ingrato é você!
— Ingrato? Oh, bem, refere-se ao fato de Brigitte ter
resolvido aquele assunto, não? Pois bem: não sou mal-
agradecido. E dou prova disso deixando-o tomar meu
champanha. Justamente por admitir que da inoportuna e
escandalosa chegada de vocês resultou algo bom. Mas não
abuse.
Frank Minello aproximou-se dele, remexendo
fortemente dentro da orelha com um dedo.
— Terei ouvido bem? — perguntou. — Disse que nossa
chegada aqui foi inoportuna?
— Bom... Digamos casual, para não ofendê-lo.
— Casual? — Minello ergueu os braços para o teto, com
a taça numa das mãos. — Este sujeito está louco, meu
Deus! Diz que nossa chegada foi casual!
— E não foi? Eu tinha visitas aqui, vocês chegaram,
minhas visitas gostaram de Brigitte, inevitavelmente... e ela
então convenceu-os. Casualidade.
Frank Minello olhou comiserativamente o seu chefe.
— Eu me pergunto — murmurou — como foi que você
chegou a ocupar esta sala. Tem menos discernimento que
um queijo da Holanda... Aqui não houve nada casual,
entende?
— Que está dizendo?
— Diabo, é bem claro! Você mandou chamar Brigitte,
ela demorou um pouco e quando telefonou a essa boboca
que está aí fora e exerce as funções de sua secretária
perguntando se podia vir então, a boboca que está aí fora
disse que você estava muito ocupado e afobado. Brigitte
perguntou-lhe o motivo da afobação e a boboca lhe explicou
o assunto da campanha de publicidade, o impasse criado
pela questão do preço e tudo o mais. Então, Brigitte mandou
um boy comprar cerejas e, enquanto o garoto ia e vinha,
explicou-me o que ela e eu íamos fazer. E foi assim que, tão
logo chegaram as cerejas, viemos os dois até aqui, fizemos
toda a comédia, ela entrou e conseguiu realizar o que se
havia proposto: ajudá-lo a obter esse contrato de
publicidade por um milhão de dólares. Casualidade!
Quando eu digo que você não enxerga um centímetro além
da ponta do seu enfurecido nariz... Ora, vá para o inferno,
ingrato!
Bebeu de um trago a taça de champanha e abandonou a
sala, mastigando furiosamente as cerejas.
Mike Grogan, imóvel, estava com a boca aberta.
CAPÍTULO SEGUNDO
O homem dos camarões
Uma conversa espacial
Simplesmente fantástico: nem mortes, nem lutas, nem espionagem...
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aqui, como em tantas outras vezes anteriormente, o autor utiliza o
recurso do pais imaginário (NE)
de tudo. Peço-lhe que me entregue os talões de sua
bagagem.
Brigitte entregou-lhe os talões e Diego Montalbán fez
sinal a dois homens que esperavam um pouco afastados, aos
quais incumbiu de retirar a bagagem. Pareceu então dar-se
conta de seu descuido e sorriu ao pedir desculpas.
— Perdão... Este senhor é Pedro Morales, meu grande
amigo e o melhor técnico com que contamos no Centro
Espacial Universal. Pedro, esta, como já sabe, é miss
Brigitte Montfort, do “Morning News” de Nova Iorque.
O homem calvo de mediana estatura e olhos astutos
apertou sorridente a mão de “Baby”.
— É um prazer, miss Montfort. Entendo que nos
devemos sentir honrados com sua presença em Coral.
— Não compreendo, señor Morales...
— Quero dizer que, segundo me consta, nos enviaram
uma das melhores repórteres de seu país. Isso nos
envaidece.
— Envaidece a mim, señor Morales — sorriu Brigitte.
— Agradeço-lhe a gentileza.
— Temos um carro à espera — disse Montalbán. —
Primeiramente trataremos da obtenção do seu visa, o que
nos tomará apenas alguns minutos, depois a
acompanharemos ao hotel onde lhe foram reservados
aposentos. Desejamos que sua permanência em Coral seja
agradável, miss Montfort.
— Muito obrigada.
Em poucos minutos, realmente mercê da influente
presença de Diego Montalbán e Pedro Morales, as
formalidades aduaneiras e do visa foram cumpridas.
Quando chegaram ao grande carro negro, a bagagem de
Brigitte já tinha sido colocada no porta-malas. Tudo
cômodo e rápido. Poucas vezes havia encontrado a espiã
internacional tantas e tão amáveis facilidades para entrar
num país. O idioma nacional era o espanhol, mas Pedro
Morales e Diego Montalbán falavam perfeitamente o inglês,
pelo que Brigitte resolveu silenciar seus conhecimentos do
castelhano.
Morales sentou-se na frente, junto ao chofer, e
Montalbán ocupou, com Brigitte, o banco traseiro, dando
uma ordem:
— Ao “Galápagos”, Adriano.
— Pois não, don Diego.
O grande carro pôs-se em marcha. Brigitte sorriu como
uma mocinha tímida e pareceu que queria dizer alguma
coisa, embora não se atrevesse. Diego Montalbán
demonstrou sua perspicácia, perguntando:
— De que se trata, miss Montfort? Pode pedir o que
deseje. Tanto Pedro como eu estudamos nos Estados Unidos
e gostaríamos de corresponder de algum modo as atenções
que recebemos lá.
— Não quisera incomodar demasiado...
— De modo algum! — protestou Pedro Morales.
— Neste país, miss Montfort, não só somos corteses,
como também faríamos qualquer coisa para satisfazer uma
bela jovem. Que queria dizer-nos?
— Gostaria... Oh, é um capricho tolo, mas gostaria de
não ir para um hotel.
— Não ir para um hotel? — repetiu Montalbán.
— Desculpe, mas não compreendo...
— Preferiria ficar mais... isolada. Vou lhe dizer a
verdade, señor Montalbán: adoro os países tropicais.
— Bem, mas... — sorriu ele, algo perplexo. —
Desculpe, continuo sem entender.
— O trópico me encanta, com suas praias de areia
brilhante, suas palmeiras, seu mar de um azul tão
profundo... Gostaria de alojar-me numa vila perto da praia,
não numa suíte de hotel. Isso é o que tenho em Nova
Iorque.
— Ah, sim! Agora compreendo — sorriu
simpaticamente Montalbán. — Prefere um bangalô junto do
mar.
— Exatamente! Seria isso possível, señor Montálban?
— Creio que poderemos satisfazê-la — olhou para o
chofer. — Adriano, leve-nos pelo desvio do “Galápagos”
até a zona de bangalôs chamada “Cielimar”.
— Está bem, don Diego.
O carro continuou sua marcha. Durante uns segundos,
ninguém pareceu saber o que dizer, Por fim, Pedro Morales
pigarreou, voltou-se em seu assento e olhou afavelmente
para Brigitte.
— Fez boa viagem? — perguntou.
— Muito boa. Estou acostumada a voar.
— Por si mesma?
— Como?
Diego Montalbán sorriu.
— Pedro está dizendo, certamente, que um anjo não
precisa das asas de um avião para voar.
— Oh! — Brigitte pôs-se a rir. — Sinto decepcioná-lo,
señor Morales, mas sempre voei de avião. Temo que não
seja nenhum anjo.
— Creio que está equivocada — sorriu Morales.
— Pedro tem cinqüenta e um anos — disse Montalbán,
sempre imperturbável, seguro de si mesmo. — Mas quando
vê uma mulher bonita retrocede Vinte.
— O señor Morales é muito simpático e gentil... E oxalá
fosse verdade que eu o pudesse fazer voltar aos trinta. Seria
um prazer para mim.
— Se continuar falando desse modo — riu Morales —
creio que retrocederei mais de vinte anos. É solteira, miss
Montfort?
— Sim...
O simpático Pedro Morales esfregou alegremente as
mãos.
— Ótimo! — exclamou. — Teremos que dar um jeito
nisso!
— Pedro também é solteiro — informou Diego. — mas
parece que tal situação já não é de seu agrado.
Brigitte tornou a rir, enquanto Morales acariciava
pensativamente o queixo.
— Lembro-me de um velho amigo que não podia tolerar
camarões... Dizia que eram uns bichos feios e repugnantes.
Durante alguns anos de nossa juventude, cada vez que nos
serviam camarões, ele os transferia para o meu prato. Eu,
naturalmente, não protestava. Simplesmente, comia os
camarões. Um dia chegamos a um povoado na costa de San
Salvador, onde só havia camarões para comer. Estávamos
com tanta fome, que o meu amigo teve que optar entre
comer camarões ou morrer. Aquele foi um mau dia para
mim... Meu amigo comeu camarões.
Calou-se. Brigitte acendeu um cigarro.
— E então, señor Morales?
— Bom... Meu amigo me disse que eu era o perfeito tipo
do canalha. Naturalmente, respondi-lhe que ele jamais havia
querido comer camarões, ao que ele replicou que se eu lhe
tivesse dito seriamente como eram saborosos os camarões,
ele os teria comido sempre. Estava muito zangado comigo.
— Moral da história? — perguntou Brigitte.
— Ninguém pode saber se os camarões são bons até que
os tenha provado. Penso que o mesmo se poderia dizer do
casamento.
Todos riram. Inesperadamente, Diego Montalbán
perguntou:
— Entende de técnicas espaciais, miss Montfort?
— Não muito, na verdade. Toda essa coisa de espaço
parece-me um pouco irreal.
— Irreal?
— Sim... Mas, sobretudo, desnecessária.
Pedro Morales e Diego Montalbán olharam-na como se
ela tivesse dito a maior atrocidade do mundo. Pareceram
quase assustados... e bastante decepcionados
— Muitas pessoas pensam que o dinheiro empregado
nas investigações espaciais teria melhor aplicação em coisas
mais úteis, em maior proveito da humanidade. Pertence a
essa classe de pessoas, miss Montfort?
— Não, não... — protestou Brigitte. — Claro que não.
Admito muito bem a idéia de que o homem queira conhecer
o que chamamos espaço exterior. E é natural que se
realizem esforços neste sentido, já que possuímos os meios
para fazê-lo. É bom saber onde estamos e o que nos rodeia.
Parece-me justo que se empreguem milhões de dólares
nesses estudos. Mas tenho a impressão de que nada servirá
de nada.
— Em que sentido?
— Bem... Por exemplo, sabemos que a Lua está
praticamente ao nosso alcance. Mas acontece que na Lua o
meio ambiente não é favorável ao homem. Isso significa
que, embora cheguemos lá, não poderemos fazer nada. Na
Lua não parece que haja ouro, nem diamantes, nem
alimentos, nem fontes de medicamentos novos. É um
satélite que não vale nada. Neste sentido, creio que Marte
ainda vale menos. Para que irmos lá se nada de bom
conseguiremos com isso para a humanidade?
— Mas miss Montfort... — escandalizou-se Montalbán.
— Entretanto — sorriu ela — creio que os esforços são
dignos de elogio. É indubitável que se a procriação humana
prosseguir neste ritmo, dentro de alguns milhares de anos a
Terra se tornará pequena. Então, teremos que enviar a
outros planetas ou a satélites uma boa pane da população
terrestre. Se nos pusermos a pensar nisso, compreenderemos
que dentro de alguns milhares de anos o Banco da América
terá sucursais em Plutão, Saturno, Urano... e Marte, sem
dúvida. Daria qualquer coisa para ver esse tempo em que,
com meio dólar, se poderão comprar dois cachorros-quentes
em Marte, uma raqueta de tênis em Júpiter e um pacote de
chicletes em Vênus. Será fantástico.
— Está zombando de nós, miss Montfort — murmurou
Morales.
— Não... — disse Montalbán. — Ela está dizendo que
acredita que chegaremos a todos esses lugares... Mas ao
mesmo tempo, pergunta-nos para que queremos chegar a
eles.
— Ora que pergunta! Queremos chegar lá para... para...
para...
— Para que, señor Morales? — sorriu Brigitte.
— Mmm... Para chegar.
Pedro Morales abespinhou-se.
— O homem é o dono de todo o universo — resmungou.
— Portanto, é natural que queira estar em toda parte.
— Sem dúvida, señor Morales — sorriu Brigitte; levou
o cigarro aos lábios, depois perguntou ingenuamente: — Já
esteve no México?
— Não...
— Na Rússia?
— Não...
— Na Espanha? Não, não...
— Na Austrália?
— Não...
— É surpreendente. Não acaba de dizer que o homem
deve estar em toda parte?
— Eu falava do universo.
— E eu falo da Terra. Por favor, não me interprete mal:
sou uma entusiasta de tudo o que significa ampliar os
conhecimentos humanos. Qualquer inovação ou renovação
é por mim bem acolhida. Temos, por exemplo, o assunto
dos transplantes orgânicos... Acredita que eu tenha doado
meu corpo a uma instituição norte-americana?
— Seu... seu corpo?
— Todo meu corpo. Suponhamos que eu morra num
acidente, de tal modo que meus órgãos vitais fiquem
aproveitáveis. Pois bem, autorizei certa instituição a, em tal
caso, aproveitar de meu corpo tudo o que for possível.
Tudo, señor Morales: quero morrer sabendo que poderei ser
útil a outras pessoas.
— Mas não acredita que investigar o espaço seja de
utilidade para o gênero humano.
— Por que não? Afinal de contas, o bom Deus é
demasiado esperto para nós. Por que não havemos de
acreditar que no espaço exterior deixou algo de bom para os
pobres terrestres, algo que está esperando que encontremos
sem sua ajuda?
Pedro Morales lançou um suspiro de derrota.
— Puxa, miss Montfort! Creio que não me casaria
consigo, afinal?
— Por que não? — sorriu ela.
— Porque raciocina bem demais... iria amargar minha
vida.
Agora, até o motorista riu. Diego Montalbán olhou
atentamente para Brigitte. Parecia que sua inicial
indiferença cortês para com a belíssima jornalista havia
desaparecido no tempo e no espaço.
— Estamos chegando ao “Hotel Galápagos” —
informou. — Há uma zona muito ampla, para o norte,
destinada ao que nos Estados Unidos se chama “motel”.
Tratarei de conseguir-lhe o melhor bangalô, miss Montfort.
— Junto do mar, se possível.
— Claro.
***
— É de seu agrado? — perguntou Montalbán.
— De meu agrado? — exclamou Brigitte. — Señor
Montalbán, asseguro-lhe que viajei por todo o mundo, mas
nunca tive um alojamento como este. Até fico triste.
Diego Montalbán surpreendeu-se.
— Triste?
— Muito triste... por não lhe poder demonstrar meu
agradecimento em toda sua amplitude.
— Ah, bem...
— Tudo é tão... tão maravilhoso! A praia junto ao
bangalô, a areia dourada, o sol, o mar azul, a brisa agitando
as palmeiras, este silêncio incrível. Como lhe poderei pagar
isto?
— De uma única maneira: seja benevolente para este
pequeno país que se lança numa grande aventura.
— Não creio que o que eu escreva tenha muita
importância...
— Oh, sim. Terá. Sabemos do prestígio de que goza no
mundo do jornalismo. Se disser “okay”, tudo irá muito bem
para nós desde o princípio. Podemos servi-la em mais
alguma coisa?
— Não, não me atreveria a pedir... Está claro que esse
gasto eu enfrentarei pessoalmente...
— Diga-me de que se trata.
— Vai pensar que sou uma jovem caprichosa e um
pouco amalucada, señor Montalbán.
— Não importa p que eu possa pensar. E nunca a
consideraria uma pessoa caprichosa, absolutamente. Que
mais necessita?
— Eu me conformaria com um pequeno iate... Bem
pequeno, com um bar, alguns livros interessantes e um bom
gravador cheio de música... E demasiado, não?
— Puxa! — tornou a exclamar Pedro Morales. — Não
há dúvida de que é uma pessoa de bom-gosto, miss
Montfort. Farei o possível para conseguir-lhe esse iate. E
que mais?
— Tenho a impressão de que acabo de ser coroada
rainha de um estranho país encantado... — riu Brigitte. —
Posso conseguir champanha nos Estados Unidos do Coral?
— Lhe mandarei uma caixa — disse Montalbán.
— Então — Brigitte deixou cair os braços, como
vencida — já não me atrevo a pedir mais nada. Seria
monstruoso. Ah, señor Montalbán, a respeito de minha
visita ao Centro Espacial Universal... Quando poderei ir lá?
— Amanhã de manhã?
— Esplêndido!
— Passarei para buscá-la às dez. Se lhe parece cedo
demais...
— Às oito — disse Brigitte.
— Às oito da manhã?
— Se lhe parece muito cedo... — sorriu ela.
— As oito em ponto — sorriu também Diego. —
Desejo-lhe um bom repouso, miss Montfort.
Os dois coralenses se despediram, prevenindo Brigitte
de que deixavam o carro à sua disposição perto do bangalô.
E durante o resto da tarde, a espiã dedicou-se a passear pela
praia, a ver voar as gaivotas, saltar os peixes-voadores no
mar cor de turmalina, admirar a brancura das ondas, o tom
avermelhado da areia ao ocaso, o balançar das palmeiras
sob o sopro mais forte da brisa... Da parte de Diego
Montalbán, por volta das oito da noite, chegou uma caixa de
champanha, junto com um enorme caixão cheio de livros de
toda espécie e um magnífico toca-discos acompanhado de
umas cinqüenta gravações de música internacional.
Às onze horas da noite, Brigitte Montfort quase se sentia
voar, sentada na areia da praia, com a água chegando a seus
pés descalços. O silêncio a seu redor transformava em
música o rumor do mar.
A lua parecia de ouro polido. As palmeiras já não se
moviam...
Fantástico.
Simplesmente fantástico.
Por fim, a tinham enviado a um lugar onde não haveria
mortes, nem lutas, nem ambições, nem espionagem de
espécie alguma!
Tudo era maravilhoso.
Que bom!
CAPÍTULO TERCEIRO
O Centro Espacial Universal
Uma órbita de todo inofensiva
Quem teria inventado os espiões?
— Meu Deus!
Diego Montalbán estava a ponto de desmaiar. Diante
dele, num vestido de noite, Brigitte Montfort parecia mais
divina que nunca, como se sua pele dourada e, sobretudo
seus olhos de um azul puríssimo tivessem luz própria, de
uma intensidade ofuscante. Com os ombros e as costas
totalmente descobertos e um decote dos mais generosos,
ultrapassava os limites de qualquer descrição: vê-la e cair
em êxtase eram forçosamente a mesma coisa.
— Não está gostando, Diego? — sorriu.
Montalbán levou uns segundos para recuperar o fôlego.
Moveu a cabeça de um lado para outro, a fim de demonstrar
sua incapacidade de eloqüência e limitou-se a dizer:
— Vamos ao “Kolgatar”. Embora me pareça que estou
cometendo uma tolice, Brigitte. Eu não devia permitir que
ninguém a visse.
— Você é um egoísta... O “Kolgatar” é o iate do marajá?
— É... Kolgatar, em hindi, significa “Calcutá”. Santo
Deus, eu devo estar doido para não lhe pedir que fiquemos
os dois neste romântico bangalô... Você gostaria?
— Você me prometeu uma festa — disse ela. — E sendo
oferecida por um autêntico marajá indiano, espero que seja
exótica... Não gostaria de perdê-la, Diego.
— Claro... Enfim, vamos lá.
Saíram do bangalô. Ele fechou a porta e segurou Brigitte
por um braço, apontando para onde se viam as luzes do
“Hotel Galápagos”, mais para o sul, seguindo a praia.
— O “Kolgatar” está quase diante do hotel, numa
pequena enseada rochosa, abrigado dos ventos e da maré.
Veremos suas luzes quando estivermos mais perto... Que tal
se formos a pé, passeando?
— Acho uma idéia excelente.
Percorreram a praia, andando devagar, abraçados pela
cintura. Apenas quinhentos metros mais adiante, viram o
resplendor que parecia nascer do mar, entre os rochedos.
Caminhavam por um caminho de terra, entre flores e
palmeiras. Do mar, que ficava vinte metros à sua direita,
chegava o incessante rumor das ondas, O caminho subia
bruscamente para uns rochedos, atrás dos quais viam-se
agora com muito mais intensidade as luzes briilhantes do
“Kolgatar”.
E quando chegaram em cima, viram o iate, totalmente
iluminado, flutuando sobre águas negras que lançavam
cintilações intermitentes. Um iate formidável, de setenta e
cinco pés, imaculadamente branco, com dois conveses,
solário, um toldo vermelho cobrindo a popa, junto à
pequena piscina rodeada de pára-sóis e cadeiras extensíveis.
No convés superior não havia luz, com exceção das
regulamentares. Mas uma guirlanda de lâmpadas de cor,
que ia da popa à proa, transformava aquela parte do barco
num lugar estranho, como se nele ardesse um fogo de mil
cores. O convés inferior estava iluminado ao máximo,
dentro do elegante e conveniente, O “Kolgatar” não se
movia sobre as tranqüilas águas da enseada protegida dos
ventos e da maré.
— Então, que tal?
— É um belíssimo barco.
— Mas não a impressiona — sorriu o coralense.
— Oh, sim, O que acontece é que já vi iates tão belos
como este, Diego. Em Acapulco, em Miami, em Nice, no
Rio, em Palma de Maiorca... O que menos me agrada nesses
iates é o preço.
Montalbán riu e passou a mão pela espádua nua de
Brigitte.
— Vamos. Por ora, você terá que se conformar com o
pequeno, mas simpático “Pandora”... De acordo?
— De acordo sorriu Brigitte.
Chegaram ao pequeno embarcadouro natural, onde duas
lanchas de tamanho reduzido aguardavam para levar os
convidados a bordo. Em cada lancha estava um hindu
vestido à européia, mas de turbante, empunhando os remos,
pois fora julgado de melhor tom prescindir do motor,
demasiado escandaloso e desnecessário para tão curto
trajeto até o opulento iate.
Montalbán saltou primeiro à lancha e estendeu a mão a
Brigitte, para ajudá-la. Já a bordo, a espiã olhou o
impassível hindu e não pode evitar um estremecimento.
— Frio? — estranhou Diego.
— Não, não...
Era certo. Não sentia frio algum. Mas a recordação de
sua permanência em Benares3 e seus encontros com os
tugues assassinos da Índia tinha produzido aquele inevitável
calafrio.
3
ver: PEQUIM CHAMA BENARES
O hindu remava, imperturbável, para o “Kolgatar”. No
embarcadouro, dois casais impecavelmente vestidos em
trajos de soirée estavam abordando a outra lancha. Brigitte
olhou de soslaio o remador e disse consigo mesma que não
era bom pensar no ocorrido tempos atrás em Benares.
Felizmente, não acontecia nada em Corália, tudo ali era
maravilhoso. De modo que o mais sensato era que se
dispusesse a desfrutar ao máximo a fabulosa festa que sem
dúvida o marajá havia preparado.
— Como é o nome completo do marajá, Diego?
— Nadir Sadanjayan.
— E como é ele? Você já o viu?
— Já. É... Bom, posso economizar a descrição, pois
estará à espera de seus convidados, naturalmente. Aí o
tem...
Nadir Sadanjayan, marajá de qualquer província da
extensa Índia, estava, efetivamente, de pé junto à escadinha
do iate, pela qual deviam subir os convidados. De baixo,
enquanto a lancha se detinha, Brigitte olhou-o atentamente,
com sua habitual penetração psicológica.
A primeira impressão que Nadir Sadanjayan produzia
era de gigantismo. Sim, uma justificada impressão de
gigantismo, pois devia medir um metro e noventa, pelo
menos. Entretanto, sua elevadíssima estatura era
harmoniosa, elegante, atlética. Estava simplesmente
irreprochável em seu corretissimo smoking, seu turbante
vermelho no qual brilhava uma pedra preciosa, prendendo
uma pequena pluma. Sua tez era muito escura, bronzeada.
Usava barba e um bigode de pontas levantadas. Parecia-se
totalmente com as clássicas estampas do hindu de casta
superior, orgulhoso e arrogante. Seu rosto era enérgico,
como talhado em pedra.
E quando chegou em cima e viu aqueles grandes olhos
negros, como abismos sem fundo, Brigitte ficou
definitivamente impressionada. Decerto, tinha visto muitos
iates como aquele, em suas constantes andanças pelo
mundo. Mas nunca tinha visto um homem como Nadir
Sadanjayan, de tão vasta e bem proporcionada estatura, de
tão forte magnetismo pessoal. Apenas Número Um, seu
querido Número Um, sobrepujava em galhardia e virilidade
aquele estranho indivíduo de olhos abismais...
Ele inclinou-se cortesmente diante dos recém-chegados.
— Bem-vindo à minha casa do mar — disse em
perfeitíssimo inglês. — Nadir Sadanjayan muito se honra de
sua visita e declara-se seu escravo.
Quando se endireitou, Brigitte teve que erguer a cabeça
para poder olhá-lo nos olhos. E justamente então pareceu
brotar uma centelha daquela troca de ornares entre uns
maravilhosos olhos azuis e uns terríveis olhos negros. Foi
como um duplo impacto magnético, como se uma corrente
se estabelecesse de pronto entre ambos os pares de olhos.
— Diego Montalbán, Alteza — inclinou-se levemente o
coralense. — Apresento-lhe miss Brigitte Montfort,
jornalista norte-americana.
— Lembro-me de sua pessoa, señor Montalbán — sorriu
o marajá, mostrando os dentes branquíssimos. — Porém
ainda não tinha visto miss Montfort.
Estendeu a mão a Brigitte, que sentiu a sua perder-se
entre aqueles longos dedos finos e fortes, naquela palma
que tinha o dobro do tamanho da sua.
— Míss Montfort chegou ontem, Alteza. Espero não ter
sido incorreto ao convidá-la para vir ao “Kolgatar”.
Sadanjayan tomou a inclinar-se, sorridente.
— Incorreção teria sido não convidá-la, señor
Montalbán. Permitam-me apresentar-lhes minha esposa,
maarâni Ratna Jinnah.
Brigitte já tinha visto, naturalmente, a mulher que estava
à esquerda e um pouco atrás de Nadir Sadanjayan. Uma
mulher de menos de vinte anos, com o que Sadanjayan
devia excedê-la em quinze pelo menos no tocante à idade,
talvez mesmo em vinte. Uma jovem admirável, cuja
estupenda beleza só por perfeitos idiotas poderia ser posta
em dúvida. Tinha um rosto ovalado, uns lábios cheios sem
exagero, um queixo fino. Seus cabelos negros eram
repartidos ao meio e puxados para trás. Tal como o marajá,
vestia-se à européia, com elegância e distinção
verdadeiramente notáveis. Sua pele tinha um tom escuro,
azeitonado. Seu corpo esbelto, elástico, ostentava formas
admiráveis. Mas o que definitivamente tornava Ratna
Jinnah uma autêntica beldade eram seus olhas, grandes,
rasgados e um tanto oblíquos, absolutamente negros e de
um brilho extraordinário. Tinha sobre os cabelos um
pequeno diadema de pérolas, do qual pendia um enorme
rubi, que se situava exatamente no centro de sua testa. Na
verdade, uma mulher impressionante.
Mas tão impressionante com o marajá e a maarâni era o
animal que estava ao lado desta, preso por uma correia
ligada à coleira de ouro que lhe cingia o pescoço. Era um
grande chita de cabeça pequena e quartos traseiros
poderosos. Da família dos leopardos, o magnífico animal
sobressaía por sua soberba presença felina; imóvel junto a
sua ama, parecia considerar com desprezo tudo quando lhe
ocorria ao redor, dignando-se apenas a abrir os olhos,
reluzentes, malignos, de tamanha fixidez que Brigitte
precisou fazer um esforço para não estremecer novamente.
Era como um gigantesco gato, manchado de amarelo e
negro, com pelo menos cinqüenta quilos de friso. Um só
munhecaço daquele bicho podia ser mortal.
— Não tenha receio — sorriu levemente a maarâni, após
a apresentação. — “Yaksa” é inofensivo, miss Montfort.
— Fico mais tranqüila por saber disso — sorriu também
Brigitte. — De qualquer modo, será melhor que continue
preso pela correia, Alteza.
— Insisto em que não deve preocupar-se. Mesmo que
ele andasse solto pelo iate, nunca faria mal a ninguém.
— A menos — interveio Sadanjayan — que alguém
pretendesse fazer mal a minha esposa, naturalmente. Ou a
qualquer uma das pessoas de bordo. Queiram desculpar-nos,
mas chegam outros convidados... Tomaremos a nos
encontrar dentro de alguns minutos.
Novas inclinações de cabeça, e Brigitte e Diego
afastaram-se de junto à escada, dando lugar aos novos
convidados.
Havia muita gente espalhada pelo convés, rebrilhante de
luzes, jóias e espáduas nuas. Garçons vestidos à maneira
hindu, de bombachas, turbante e pés descalços passavam
continuamente, com bandejas em que se viam bebidas
diversas. Formavam-se pequenos grupos, que conversavam
animadamente, sobre um fundo monótono de música
indiana, que se distribuía com a mesma discreta tonalidade
por todo o convés, graças a uma perfeita instalação de alto-
falantes.
— Lá está o Governador, Brigitte. Vamos. Quero
apresentá-la a ele.
Brigitte assentiu com a cabeça, sorrindo, como se
estivesse distraída. Voltou-se lentamente, com cautela, para
olhar o impressionante trio constituído por Suas Altezas e o
chita-leopardo.
E novamente houve aquele choque fortíssimo entre os
olhos azuis da mais astuta espiã de todos os tempos e os
intensamente negros de Nadir Sadanjayan, marajá de
qualquer província da Índia.
CAPÍTULO QUINTO
O Centro Espacial precisa de um diretor
Um cadáver é atirado ao mar
A arte da mulher que ama, segundo Ratna Jinnah
CAPÍTULO SÉTIMO
Os três astronautas e os três traidores.
Numa entrevista, podem-se obter informações diversas.
O brilho violento de um rubi.
CAPÍTULO OITAVO
A MVD não se limita a espionar americanos e chineses
Mas, afinal, que vem a ser o Zavo?
Uma gruta cavada nos rochedos