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Resumo
O artigo parte do conceito de dor para a análise das diferentes componentes do sofrimento. Recorre ao conceito
de dor total de Cicely Saunders e à visão antropológica e holística de Robert Twycross. Na interface com os
cuidados paliativos, apoia-se nos pilares desta filosofia para explicar o trabalho interdisciplinar e a acção
do enfermeiro junto do doente com dor, designadamente na avaliação diagnóstica e no alívio do sofrimento.
Abstract
Starting with the concept of pain and based on the «total pain» concept from Cecily Saunders and the an-
thropological and holistic vision of Robert Twycross, the different components of suffering are analysed.
In the interface with palliative care, the pillars of this philosophy are used to explain the interdisciplinary
work and the nurse’s action towards the patient with pain, namely in the diagnostic evaluation and in the
relief of the suffering. (DOR 2007;15(1):16-21)
Corresponding author: Paula Sapeta, paulasapeta@ess.ipcb.pt
Dor emocional
– Isolamento
– Solidão
– Medo, temor
– Ansiedade depressão
http://perso.wanadoo.fr/usp-lamirandiere/historique_Ib.htm 17
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como aliado e como cuidador informal, particu- cação que dê lhe oportunidades de expressar
larmente em situação de dor e sofrimento. Para livremente os seus sentimentos, medos e angús-
além da dor, a equipa deve valorizar e tratar ou- tias. Perguntar-lhe directamente «o que sabe
tros sintomas presentes e que concorrem para sobre a sua doença», «se está a sofrer e por-
agravar esse sofrimento e, transversalmente, pau- quê?», «o que mais o amedronta?», «que alte-
tar toda a sua acção num padrão de comunica- rações esta situação lhe trouxe para a sua
ção, culturalmente sensível, de informação, orien- vida?», «como lida com a situação?», «o que faz
tação, honestidade e de ajuda verdadeira, ou para se sentir melhor?» (Cassell EJ, 1999). A
seja, procurando fomentar a aliança terapêutica. mensagem para o doente, deve veicular a espe-
Os cuidados paliativos propõem-se acima de rança realista, a garantia do conforto, de saber
tudo a aliviar o sofrimento, para isso a motivação, que não está sozinho e de que toda a equipa se
a sensibilidade, a disponibilidade e a adequada mobilizou para resolver o seu problema e aliviar
formação do enfermeiro, ou de outro profissional, o seu sofrimento. A honestidade e genuinidade
resultam determinantes na qualidade do atendi- são essenciais nesta relação, que se pretende
mento e dos cuidados. terapêutica e de ajuda. A estratégia terapêutica
A primeira fase, de exploração e diagnóstico deve seguir as guidelines da OMS no controlo
da situação de dor, é muito importante. O enfer- da dor (Quadro 2), ser multimodal e estar em
meiro, dada a sua presença constante junto do conformidade com a complexidade da situação
doente, deve elaborar a história o mais comple- e vivência.
ta possível (Quadro 1), ainda que num primeiro Deve incluir as medidas farmacológicas, que
contacto não fique completa, deverá ser cons- não cabe desenvolver no âmbito deste artigo,
truída paulatinamente, procurando identificar mas que constituem apenas uma parte do tra-
todas as características da dor (que vão mais balho a desenvolver pela equipa multidisciplinar,
além do que só intensidade) e, sobretudo, esti- pois se queremos optimizar a qualidade de cui-
mar o nível de sofrimento do doente, com a fi- dados prestados, é indispensável ir mais longe
nalidade de estabelecer com a restante equipa no atendimento destes doentes, aplicando ou-
uma estratégia terapêutica apropriada. tras medidas físicas e psicossociais, para lhes
Toma particular importância conhecer em pro- aumentar o conforto, a qualidade de vida e aju-
fundidade o significado da dor para o doente, e dá-los a encontrar sentido no sofrimento e na
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não obstante a subjectividade da mesma, evitar doença. Na sua célebre frase, Víktor Frankl ga-
interpretações prematuras. Nesse sentido, é rante que o Homem não se destrói por sofrer,
conveniente desenvolver um padrão de comuni- mas por sofrer sem nenhum sentido. 19
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(WHO, 2002)
Para encontrar o seu sentido, supõe mitigar o os outros, aceitando seus defeitos e as suas
próprio sofrimento, ou seja, baixar a sua intensi- limitações.
dade, para permitir a sua compreensão, tal – Mudar/readaptar os seus valores pessoais
como a luminosidade, que no seu auge pode A experiência de doença e de sofrimento,
provocar uma espécie de «cegueira». Yepes R, particularmente daqueles que percebem a
citado por Gonzalez Barón M e Ordóñez Gallego sua finitude, permite distinguir o essencial
A (2003, p. 347), aponta a necessidade de cum- do acessório, ajuda a relativizar a importân-
prir as três funções antropológicas da dor: cia de algumas actividades ou desejos. É
1. Saber o que fazer e aceitá-la. frequente que os homens e mulheres que
2. Mudar/readaptar os seus valores pessoais. sofreram tenham uma consciência mais
3. Encontrar/dar-lhe um sentido. profunda e real de si mesmos e do que os
Sem pretender definir exaustivamente estes rodeia, apresentam maior serenidade pe-
objectivos, é importante deixar linhas de reflexão rante as dificuldades e são menos propen-
para a abordagem, sempre interdisciplinar, e sos à frivolidade, elegendo uma nova hie-
que se sabe de crucial importância. rarquia de valores. No entanto, devemos
– Saber o que fazer e aceitar a dor salientar que no confronto com o sofrimento
Uma das primeira tarefas passa por ajudar nem todos reagem de igual modo. Uns «en-
o doente a entender que a dor está aí e venenam-se», outros diminuem-se e um pe-
portanto há que aceitá-la e enfrentá-la com queno número engrandece (Gomez Sancho
«as armas» possíveis e ao seu alcance M, 1998a). Não depende do tipo de sofri-
(Gonzalez Barón M e Ordóñez Gallego A, mento, depende dos homens, são eles que
2003). Quem aceita a realidade, ainda que se destroem ou se edificam (Albom M,
dura, percebe que tem responsabilidades e 1997). É nessa diferença que a dignidade
é parte activa na sua resolução. Faz-se um complementar se evidencia. O apelo é à
apelo à mobilização dos seus recursos in- interioridade e ao desenvolvimento pessoal
ternos (locus de controle interno), na dimen- de cada um. O doente deve ser conduzido
são pessoal (convicção pessoal de contro- nesta reflexão e neste trajecto adaptativo.
lar a sua vida), procurando evitar que o – Encontrar/dar-lhe um sentido
doente centre o foco da sua atenção no Qualquer pessoa, a dado momento, ques-
exterior e nos outros (locus de controle ex- tiona qual o sentido da vida e da existência,
terno), na dimensão social (os outros pode- mas a vivência de uma situação de profun-
rosos) e na dimensão impessoal (sorte, o do sofrimento torna-a mais apta para o fa-
acaso, o destino) (Kurita GP e Pimenta CM, zer, obriga a parar e a questão surge com
2004), ajudando-o a perceber as suas ca- maior acuidade e profundidade.
pacidades cognitivas, os recursos próprios, Existem pessoas que, pela sua personalida-
os apoios familiares, fazendo com que par- de e atitude face à vida, se realizam apenas
ticipe activamente na tomada de decisões, a trabalhar, a fazer, a produzir – homo faber
com implicação e responsabilidade (Durán – só aceitam duas categorias, o êxito e o
C, 2003), como a melhor forma de lhe de- fracasso. Sempre que alguma fatalidade ou
volver o controle sobre si. A pessoa que acontecimento o impeça de fazer alguma
sofre e aceita o seu sofrimento compreende coisa, que inviabilize o seu projecto vital,
e assume uma dimensão básica da vida desespera face ao sofrimento, revolta-se
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humana. Além disso, essa experiência pode com ódio e renuncia continuar a lutar e a
enriquecer a sua personalidade e torná-la viver. Não aceita o que está a suceder e,
20 mais madura, paciente, compreensiva com sobretudo, não retira proveito nenhum da