Você está na página 1de 15

Temas em Psicologia

ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

Turini Bolsoni-Silva, Alessandra; Marturano, Edna Maria


Procedimento de avaliação em terapia de casais a partir de múltiplos instrumentos
Temas em Psicologia, vol. 18, núm. 1, junio, 2010, pp. 31-44
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751435004

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol. 18, no 1, 31 – 44

Procedimento de avaliação em terapia de casais a


partir de múltiplos instrumentos
Alessandra Turini Bolsoni-Silva
Universidade Estadual Paulista, Bauru

Edna Maria Marturano


Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto

Resumo
Os problemas conjugais podem prejudicar o relacionamento entre pais e filhos, favorecendo o
surgimento de problemas de comportamento e, também, podem suscitar problemas
psicológicos. Diante da carência de estudos que avaliem diversos repertórios comportamentais
que se inter-relacionam, o presente trabalho tem por objetivo apresentar resultados de
avaliações, a partir de múltiplos instrumentos, de três casais que buscaram atendimento em uma
clínica escola. Os resultados indicaram que os participantes apresentavam déficits em
comunicação, em resolução de problemas e em expressão de afeto, confirmando achados da
literatura. Foram relatados também problemas em outras áreas, os quais influenciavam no
relacionamento conjugal. Destaca-se que os filhos apresentavam indicativos de problemas de
comportamento. Discute-se a relevância de colher dados a partir de diferentes instrumentos e a
necessidade de programas de intervenção considerarem as dificuldades individuais, além de
estabelecerem objetivos próprios para cada pessoa que busca por atendimento.
Palavras-chave: Terapia de Casais, Habilidades Sociais, Problemas de Comportamento,
Avaliação.

Assessment procedure in marital therapy using


multiple instruments

Abstract
Conjugal problems may damage parents and children relationships favoring the appearance of
behavior problems, as well as causing psychological problems. Given the lack of studies which
value several interrelated behavioral repertoires, the present paper aims at presenting
assessment results employing multiple instruments in regards to the three couples that sought
clinical services at a University clinic. Results indicated that participants were presenting
communication deficits, problem solving difficulties, and problems in expressing affection
confirming literature findings. Problems in other areas were also reported, which influenced the
marital relationship. It stands out that the children were presenting indications of behavior
problems. The relevance of data collection applying different instruments is discussed, and it is
necessary that intervention programs consider individual difficulties, besides setting up singular
objectives for each person searching for service.
Keywords: Couple Therapy, Social Skills, Behavior Problems, Assessment.

Conflitos no relacionamento conjugal Adair, Plumb, Rhatigan & Orsillo, 2007;


podem surgir a partir de múltiplas variáveis, Bodenmann & Shantinath, 2004; Byrne,
tais como problemas na comunicação, Carr & Clark, 2004; Carr, 2006; Russel &
estratégias de resolução de problemas, Listel, 1992; Silva & Vanderbergh, 2008;
histórico familiar, problemas de ordem Witkin, Edleson, Rose & Hall, 1983;
financeira e no trabalho (Block-Lerner, Vanderbergh, 2006). Carr (2006) acrescenta
________________________________________
Endereço para correspondência: Alessandra Turini Bolsoni-Silva – Av. Engº Luiz Edmundo C. Coube,
s/n. Vargem Limpa – Cep.: 17.015-970 – Bauru, SP. Fone: (14) 3103.6087. E-mail: bolsoni@fc.unesp.br
32 Bolsoni-Silva, A. T., & Marturano, E. M.

a vulnerabilidade individual, a infidelidade e solução de problemas. No entanto, os


a ansiedade/depressão como fatores resultados indicaram que os tratamentos
preditivos de problemas conjugais. focados emocionalmente foram mais efetivos
Problemas conjugais podem ter impacto que os comportamentais. Adicionalmente, a
em outros aspectos do relacionamento. terapia cognitiva combinada aos outros
Fincham e Beach (1999) apontam que o tratamentos não aumentou a efetividade. Os
conflito conjugal pode afetar negativamente autores sinalizam que o treino em
tanto a saúde dos cônjuges (depressão, comunicação e em solução de problemas é
desordens alimentares, alcoolismo, desordens importante, mas que ensinar os casais a
de ansiedade e psicopatologias) quanto a melhorar a expressão de afeto e a empatia
saúde familiar (práticas parentais pobres, também é relevante para melhorar o
ajustamento pobre da criança, aumento da relacionamento.
probabilidade de conflitos pais-criança e Ainda que cada abordagem trabalhe
conflitos entre irmãos). aspectos condizentes aos seus pressupostos
A discórdia no casal parental está teóricos, Davis e Piercy (2007) encontraram
relacionada a problemas de comportamento aspectos comuns a três teorias avaliadas
em crianças (Dessen & Braz, 2005). Kanoy, (terapia focada emocionalmente, terapia
Ulku-Steiner, Cox & Burchinal (2003) cognitivo-comportamental e teoria de
verificaram, a partir de um estudo sistemas internos familiares): relação
longitudinal, que quanto maior o conflito terapêutica, variáveis do cliente e do
conjugal, maior o uso de agressividade nas terapeuta e variáveis de expectativas. Os
interações com os filhos. Solantaus, autores também constataram que nos três
Leinonen e Punamãki (2004) verificaram modelos se trabalha, em algum grau, a
que quanto mais frequentes os conflitos cognição, o afeto e o comportamento para
conjugais, associados a outras variáveis de alterar o ciclo coercitivo.
contexto, maiores eram os problemas de Segundo Vanderbergh (2006), tanto a
comportamento em crianças, tanto os terapia comportamental como a cognitivo-
internalizantes como os externalizantes. comportamental têm utilizado com sucesso o
Loeber e Hay (1997) afirmam que a treino em comunicação e em solução de
exposição da criança a níveis intensos de problemas no atendimento de casais. Na
violência e conflito favorece um aumento opinião de Silva e Vanderbergh (2008), seria
de suas próprias tendências agressivas. mais importante o treino em comunicação
Assim, é possível supor que os conflitos (escuta ativa, treino expressivo), de forma a
conjugais, além de causarem dificuldades auxiliar a aprendizagem quanto a negociar
na saúde da criança, servem de modelo de aspectos do relacionamento, enfrentamento
agressividade a ela. de problemas e convivência em geral, além
Intervenções com casais têm sido de favorecer a empatia.
propostas para atenuar problemas no Ao melhorar a interação conjugal,
relacionamento conjugal. Diversos modelos podem ocorrer mudanças em outras áreas,
de terapia conjugal têm sido desenvolvidos. tais como redução de estresse e melhoria da
Para uma revisão teórica da área, remetemos satisfação conjugal (Bodenmann &
o leitor ao trabalho de Ferez-Carneiro e Shantinath, 2004). Assim, a intervenção com
Diniz-Neto (2008) e, para um panorama o casal pode ser um recurso de prevenção da
nacional, à revisão de Ferreira (2005). violência doméstica e de atenuação dos
Byrne et al. (2004) revisaram 22 estudos efeitos da discórdia conjugal sobre a relação
(1982-2002) que avaliavam tratamentos para pais-filhos.
casais, por meio de terapia comportamental ou Conforme assinala Silveira (2008), em
terapia focada emocionalmente. As terapias nosso meio, intervenções preventivas do
comportamentais conseguiram resultados de conflito de casais são viáveis e tendem a ser
curto e longo prazo para casais com problemas bem aceitas pela população atendida. Entre
moderado ou severo. Os programas os desafios que o atendimento a casais
comportamentais trabalharam comunicação e apresenta para o profissional de psicologia,
Terapia conjugal e avaliação 33

destacamos neste artigo os da avaliação para favorecendo ao terapeuta obter dados e


subsidiar a intervenção. promover empatia. A observação do
Pesquisas conduzidas com casais põem comportamento com recursos de tecnologia
em relevo a avaliação de diferentes variáveis de vídeo tem-se mostrado produtiva em
do relacionamento conjugal, por meio de contexto de pesquisa sobre relações
instrumentos, seja de relato ou de observação familiares (Dessen & Braz, 2005), no
direta. Entre as variáveis mais frequentemente entanto, no dia a dia da clínica, limitações
focalizadas na pesquisa empírica estão a de ordem prática frequentemente impedem
satisfação no relacionamento, a comunicação e o uso rotineiro dessa tecnologia.
a expressão do afeto. Norgren, Souza, Kaslow, O presente artigo se apresenta como
Hammerschmidt, & Sharlin (2004) uma proposta de avaliação comportamental
verificaram que o nível de satisfação conjugal por meio de instrumentos de autorrelato
era maior quanto maior a proximidade e a para subsidiar intervenções com casais, em
coesão conjugal e quanto mais adequadas famílias com filhos crianças ou
fossem as estratégias de comunicação e de adolescentes. Tem por objetivo apresentar
resolução de problemas. Witkin et al. (1983) resultados de avaliações, na forma de
avaliaram satisfação conjugal, comunicação estudos de casos, de cônjuges que buscaram
conjugal, classificação do cônjuge e mudanças atendimento para casais, considerando os
esperadas do cônjuge. Ronan, Dreer, Dollard próprios comportamentos de cada cônjuge e
e Ronan, (2004) avaliaram a forma como o sua percepção sobre o comportamento dos
casal controla a expressão de raiva, estratégias filhos. Foi utilizado um procedimento de
para lidar com conflitos, resolução de avaliação com múltiplos instrumentos de
problemas e comunicação conjugal. Angera e relato, dirigidos e não dirigidos, para
Long (2006) focaram a avaliação de empatia e avaliar tanto comportamentos positivos
de satisfação conjugal. Cornelius e Alessi como indicativos de problemas, seja dos
(2007) avaliaram satisfação conjugal, cônjuges, seja de seus filhos.
comportamentos de comunicação, estresse e Quanto à questão sobre o que avaliar,
saúde conjugal. acredita-se que é relevante avaliar não
As pesquisas relatadas trazem apenas comportamentos “problema”, mas
implicações para procedimentos de também recursos que os participantes já
avaliação, de forma a garantir a avaliação de possuem, de forma a ampliá-los e torná-los
múltiplos comportamentos que reflitam as funcionalmente equivalentes às
dificuldades enfrentadas na interação dificuldades relatadas (Goldiamond,
conjugal. Fatores contextuais que 1974/2002). A avaliação focaliza
influenciam os problemas conjugais também comportamentos (comunicação e
devem ser considerados. Uma segunda habilidades sociais conjugais), cognições
questão para a prática da intervenção com (definição e avaliação do cônjuge e
casais envolve o como avaliar para intervir, percepção do filho) e afetos (expressão de
sustentando coerência teórico-metodológica emoções e satisfação conjugal).
na prática clínica. A literatura apresenta uma No que se refere à questão de como
diversidade de estratégias e procedimentos, avaliar, o procedimento de avaliação está
baseadas em instrumentos de relato e baseado no autorrelato de cada cônjuge, de
observação direta. acordo com a visão de que os tratamentos a
Os instrumentos padronizados de relato partir da perspectiva analítico-
parecem ser mais sensíveis para a detecção comportamental devam avaliar e
de atitudes positivas (Lavee & Avisar, estabelecer objetivos individuais de
2006). Por outro lado, como assinalam atendimento (Marçal, 2005). A
Silvares e Gongora (1998), o uso da consideração dos diferentes pontos de vista
entrevista clínica, com pouca estruturação, é dos parceiros é também uma tendência dos
muito importante no início do procedimento estudos acerca do relacionamento conjugal
de avaliação para que as pessoas sintam-se à (Ferez-Carneiro & Neto, 2008). Combina-
vontade para relatar seus problemas, se o relato espontâneo com o relato
34 Bolsoni-Silva, A. T., & Marturano, E. M.

dirigido, de modo a preservar as vantagens Entrevista Semi-Estruturado para Casais.


de cada modalidade. Procura-se detectar Essa entrevista obtém dados relacionados a
convergências e divergências entre os queixas e a variáveis relacionadas
relatos e delimitar tanto as dificuldades (antecedentes e consequentes). As
como os recursos a serem trabalhados na perguntas auxiliam os participantes a
intervenção. exemplificarem suas potencialidades
(comunicação, afeto e resolução de
problemas) e também dificuldades na vida
Método conjugal e em outras áreas que, porventura,
Participantes vivenciam, tais como problemas com
Participaram do estudo três casais que drogas, emprego, estresse, timidez,
procuraram atendimento em um Centro de infidelidade, ansiedade/depressão, histórico
Psicologia Aplicada (CPA) de uma do casal e da família. Para este trabalho são
universidade pública no ano de 2008. As apresentadas apenas as queixas.
queixas que motivaram a busca por b) Para avaliar características do
atendimento e os dados demográficos dos relacionamento conjugal (comunicação,
participantes encontram-se na Tabela 1, na afeto, definição e avaliação do cônjuge e
seção Resultados. O tempo de casamento satisfação conjugal) foi aplicado o
dos casais 1, 2 e 3, no momento da coleta, Questionário de Relacionamento Conjugal
era de 6, 4 e 5 anos respectivamente. (QRC). A partir desse instrumento, obtêm-
se sete conjuntos de informações (Bolsoni-
Silva, 2003) que avaliam, em linhas gerais,
Instrumentos comunicação, afeto e resolução de
problemas e, de forma específica, os itens:
Foram utilizados três instrumentos
definição do parceiro(a), expressividade de
para avaliar o relacionamento conjugal e
carinho entre os parceiros(as), comunicação
habilidades sociais, dois para avaliar o
estabelecida entre o casal, identificação e
comportamento dos filhos e um que
estabilidade de características positivas e
mensurou dados demográficos. A escolha
negativas do(a) parceiro(a) e avaliação do
dos instrumentos obedeceu a alguns
relacionamento conjugal. Cada tópico é
critérios. O primeiro foi a combinação de
iniciado com questões que permitem três
avaliação não dirigida com dirigida, de
alternativas de resposta: frequentemente,
modo a obter informações complementares
algumas vezes, nunca ou quase nunca. Uma
que subsidiassem a definição de objetivos
análise fatorial exploratória para as
comportamentais (Marçal, 2005). O
perguntas do tipo likert, a partir dos dados
segundo critério foi o de coerência com o
de Bolsoni-Silva (2003), com uma amostra
referencial teórico e com a decorrente
de 48 casais, indicou dois fatores
necessidade prática de propiciar hipóteses
(explicando 61,7% da variância): o
funcionais acerca dos comportamentos. O
primeiro incluiu a definição/percepção do
terceiro foi que os instrumentos, em
cônjuge, características positivas,
conjunto, fornecessem informações sobre
sentimentos expressos e sentimentos
variáveis que a literatura aponta como
recebidos; o segundo, características
relevantes no relacionamento de casais,
negativas atribuídas ao cônjuge. A
envolvendo comportamentos (comunicação
fidedignidade teste-reteste, obtida com
e habilidades sociais conjugais), cognições
dados de 12 casais e um mês de intervalo
(definição e avaliação do cônjuge) e afetos
entre as aplicações, foi de 0,84 para as
(satisfação conjugal e expressão de
mulheres e 0,94 para os homens (rho de
emoções). O último critério se relacionou
Spearman, p < 0,05).
ao interesse em investigar problemas
emocionais e de comportamento nos filhos. c) O Inventário de Habilidades Sociais
a) Para avaliar o histórico das queixas Conjugais (IHSC) foi aplicado para avaliar
e identificar problemas de saúde e em habilidades sociais envolvidas na
outras áreas, correspondente ao conceito de conjugalidade. O instrumento conta com 31
variáveis históricas e interdependências itens (Villa, 2002). Tem consistência
comportamentais, foi aplicado o Roteiro de interna satisfatória (Villa, 2005) e
Terapia conjugal e avaliação 35

estabilidade temporal (Del Prette, Villa, garante objetivos individuais, além dos do
Freitas & Del Prette, 2008). grupo. Os participantes e as terapeutas
d) O Questionário de Respostas assinaram um Termo de Consentimento
Socialmente Habilidosas (QRSH) foi Livre e Esclarecido de forma a permitir a
utilizado para avaliar o repertório utilização dos dados para pesquisa. O
socialmente habilidoso dos filhos (Bolsoni- projeto teve aprovação do Comitê de Ética
Silva, Marturano & Loureiro, prelo). É em Pesquisa da universidade em que foi
composto por uma lista de 18 conduzido.
comportamentos socialmente habilidosos
apresentados por crianças e os pais devem
responder se um comportamento se aplica Resultados
(escore 2), se aplica em parte (escore 1) ou Em um primeiro momento são
não se aplica (escore 0). apresentadas as queixas e os dados
e) A Escala de Comportamento Infantil demográficos dos participantes (Tabela 1),
A2 (ECI-A2) foi utilizada para avaliar provenientes do instrumento de triagem. Na
indicativos de problemas de sequência, são apresentados estudos de
comportamento dos filhos. Apresenta 36 casos, organizados por casais.
itens com descrições de comportamentos Conforme a Tabela 1, as queixas que
(por exemplo, “briga frequentemente com motivaram os participantes a buscar pelo
outras crianças”). Cada item tem três atendimento envolvem relacionamento
alternativas de resposta: o comportamento distante e com poucas atividades e lazer em
descrito se aplica (escore 2), aplica-se em comum, excesso de críticas, mentiras,
parte (escore 1) ou não se aplica (escore 0) agressividade, falta de comunicação, falta de
à criança. A ECI-A2 tem adaptação participação do cônjuge nas tarefas
brasileira, com índices satisfatórios de domésticas e as relacionadas à educação dos
fidedignidade e determinação de ponto de filhos e outros problemas emocionais, tais
corte para problemas em nível clínico como timidez, ansiedade, nervosismo e uso
(Graminha, 1994). de drogas. Quanto aos dados
f) Dados demográficos foram obtidos demográficos, verifica-se que a idade dos
por meio de roteiro de entrevista utilizado no participantes varia de 31 a 45 anos e, em sua
Centro de Psicologia Aplicada (CPA) para maioria, têm baixa escolaridade e profissões
triagem dos clientes. Fornece informações condizentes. O número de filhos varia entre
sobre idade, grau de instrução, profissão e as pessoas, sendo que o casal 1 possui dois
membros da família. filhos, M2 e H2, cinco filhos e o casal 3
possui três filhos; com exceção de H1, os
demais se queixaram dos comportamentos
Procedimentos dos filhos na idade da pré-adolescência ou
Este trabalho é parte de um estudo adolescência. Os três casais tinham renda
maior que conta com avaliação e intervenção baixa, não ultrapassando quatro salários
junto a casais. Os participantes buscam o mínimos.
serviço de Terapia Comportamental em Ao considerar cada casal, buscando
Grupo para Casais, vinculado ao Estágio integrar as informações fornecidas pelos
Supervisionado, a partir de divulgação na instrumentos utilizados, é possível
rádio da universidade e, também, pela caracterizar cada família no que se refere a:
triagem do CPA, que ocorre no início de aspectos mencionados por ambos os
cada ano letivo. cônjuges; aspectos mencionados por apenas
Os dados foram colhidos na sequência um deles; características que trazem
em que os instrumentos foram apresentados problemas para o relacionamento e
no texto. Quanto ao repertório dos filhos, potencialidades que poderiam ser ampliadas
os pais foram instruídos a responderem em uma intervenção. Para a descrição desses
para aquele com o qual encontravam resultados são utilizados todos os
maiores dificuldades de interação. São instrumentos (entrevista semi-estruturada,
necessárias duas sessões de duas horas cada QRC, IHSC, QRSH e ECI) descritos
para obter todas as informações. Antes de previamente no sentido de destacar
as pessoas serem encaminhadas para o convergências e divergências de dados, bem
atendimento, os dados são organizados de como as variáveis mensuradas por mais de
forma a obter um estudo de caso que um deles ou por apenas um.
36 Bolsoni-Silva, A. T., & Marturano, E. M.

Tabela 1 - Descrição de queixas e de dados demográficos dos participantes. A letra “M”


significa mulher e “H”, homem; encontram-se grifadas as idades das crianças que os pais
indicaram como tendo mais dificuldades de interação.

Participantes Queixas Dados demográficos


Quanto ao esposo (H1) - 34 anos
- esposo fica pouco tempo em casa - 1 º grau incompleto
- deixa de ajudar nas tarefas - comerciante
- deixa de ajudar na educação dos filhos - menino de 11 anos e menina de
- deixa de conversar 4 anos – ambos filhos do casal.
- deixa de expressar afeto
M1
Quanto a si mesma
- muito crítica
- sente-se sisuda, mal-humorada
- impaciente
- pouco afetiva

Quanto à esposa (M1) - 37 anos


- estressada - 1 º grau incompleto
Quanto a si mesmo - mecânico
H1
- estressado - menino de 11 anos e menina de
- ausente em relação ao cuidado com os filhos 4 anos

Quanto ao casal - 40 anos


- falta de diálogo - 1 º grau incompleto
- falta de tempo e lazer para o casal - cozinheira
- falta de consistência em relação à educação dos filhos - cinco meninos: 13 anos, 14
M2
- esposo (H2) rígido e agressivo anos, 9 anos, 7 anos e 4 anos –
- esposo é muito exigente (casa e filhos) e então brigam todos filhos do casal
diariamente

Quanto à esposa (M2) - 45 anos


- tímida para expressar afeto em público e em casa - 1 º grau completo
- nervosa, briga na frente de outras pessoas - caseiro e motorista
- deixa de perguntar/conversar sobre a vida dele - cinco meninos: 13 anos, 14
H2
Quanto a si mesmo anos, 9 anos, 7 anos e 4 anos
- exigente e detalhista
- dificuldade em negar pedidos

Quanto ao casal - 31 anos


- esposo (H3) deixa de participar da educação dos filhos - 3 º grau incompleto
- deixa de participar do cotidiano familiar - dona de casa
- possuem pouco tempo e lazer juntos - meninas de 1 ano, 7 e de 10
M3
- deixam de ter atividades em comum anos
- esposo é usuário de drogas Filhas de união anterior do
- esposo mente sobre onde está ou esteve esposo

Quanto ao casal - 35 anos


- muita briga com a esposa (M3) - 3 º grau – Medicina Veterinária
- relacionamento distante - meninas de 1 ano, 7 e de 10
H3 - possuem pouco tempo e lazer juntos anos
- deixam de ter atividades em comum
- falta afeto entre o casal
- deixam de conversar sobre os problemas
Terapia conjugal e avaliação 37

pai e amigo. Nas características da


Casal M1 e H1 comunicação, refere que ele escuta pouco,
Aspectos mencionados pelo casal ela deixa de pedir algo a ele, ele deixa de
considerar o que ela pensa e eles não
Ambos mencionaram que a esposa é conversam para tomar decisões. No IHSC
estressada e, também, concordaram que H1 é ela afirma haver problemas quanto a
ausente na educação dos filhos (Roteiro de relacionamento sexual, lidar com críticas,
Entrevista). Quanto à caracterização/definição demonstrar carinho/expressar sentimento e
do cônjuge, três itens foram citados pelos dois: lidar com brincadeiras.
excesso de crítica e déficit quanto a ser
Quanto ao comportamento do filho, M1
compreensivo e a manter diálogo (QRC).
acrescentou déficits em fazer perguntas,
Quanto a características da comunicação,
expressar desejos, tomar iniciativas,
nove itens foram mencionados, dos quais
expressar direitos, opiniões e negociar, bem
parte ocorre em excesso (você fala demais,
como problemas de comportamento
você está sempre certo(a), você impõe
relacionados a asma, problemas com a
opinião, ele(a) impõe opinião) e parte ocorre
alimentação, tique, destruição de objetos,
com baixa frequência (você escuta, você
tristeza, mentira, timidez e insegurança.
permite que ele(a) fale, pede mudança de
H1 identificou, no IHSC, itens que se
comportamento, discute assunto delicado,
referem a conversar, cobrar acordos feitos,
você expressa sentimento, dividem tarefas).
expressar opinião, lidar com críticas e pedir
Ambos classificaram o relacionamento
ajuda. Para o comportamento socialmente
conjugal como regular. M1 e H1 deixam de
habilidoso do filho, H1 acrescentou apenas
apontar aspectos negativos da relação
que o filho não interage de forma não verbal,
quando questionados diretamente sobre esse
no entanto, quanto a problemas de
assunto, mas identificam três aspectos
comportamento ele identificou muitos outros
positivos que gostariam que ocorressem com
problemas: dores de cabeça e estômago, é
maior frequência: convidar a namorar,
nervoso, gagueja, rouba, é agitado, é
mudar aparência e passear.
irrequieto e é irritável, rói unhas, é
A partir do IHSC o casal concordou que desobediente, hiperativo, é difícil e fala
havia déficit quanto a elogiar, agradecer palavrões.
elogio e dizer não para tarefas que são de
responsabilidade do(a) cônjuge. Quanto ao Problemas e potencialidades
comportamento dos filhos (QRSH), esposo e
Há problemas entre os cônjuges para se
esposa concordaram que o filho apresenta
comunicar, expressar sentimentos positivos,
déficits em oferecer ajuda, expressar
lidar com críticas, expressar opiniões,
frustração de maneira apropriada, elogiar,
negociar tarefas e outras demandas, há falta
negociar e manter o bom humor. No que diz
de aproximação/coesão conjugal, problemas
respeito a problemas de comportamento
no relacionamento sexual e problemas
(ECI), ambos relataram problemas em nível
emocionais (por exemplo o estresse). O filho
clínico e concordaram quanto a dificuldades
apresenta déficits em comunicação e
com o sono, medo, mostrar-se preocupado e
expressão de sentimento e, quanto aos
muito agarrado à mãe.
problemas de comportamento, há relatos de
manifestações internalizantes,
Aspectos mencionados por apenas
externalizantes e outros problemas como
um dos cônjuges
hiperatividade.
M1 apontou um maior número de itens As potencialidades apontadas por
que H1 para todos os instrumentos ambos os cônjuges foram: não haver
utilizados. No Roteiro de Entrevista ela ingratidão e rebeldia, haver carinho e
mencionou problemas quanto à participação simpatia. Também classificaram um ao
do esposo nas tarefas domésticas e quanto a outro como bons cônjuges. M1 e H1
sua pouca presença em casa; ela considera- afirmaram que ambos consideram o que o
se impaciente, muito crítica e pouco afetiva. outro pensa, ainda que apenas em parte das
Quanto à definição do cônjuge, apontou que vezes, o que é um adequado comportamento
ele é insensível e que gostaria que ele fosse pré-corrente para trabalhar a expressão de
mais confiável, companheiro, sincero, bom opiniões, por exemplo; também afirmaram
38 Bolsoni-Silva, A. T., & Marturano, E. M.

que ambos pedem a opinião do(a) cônjuge. dificuldades em negar pedidos. Quanto à
A partir do IHSC, M1 e H1 afirmam comunicação conjugal não há itens
demonstrar carinho, conversar, expressar apontados por H2 que não tenham sido
desagrado, pedir ajuda, lidar com críticas e mencionados por M2. Por outro lado, ela
ambos dizem o que não gostam no deixou de indicar apenas dois itens,
relacionamento sexual. apontando comportamentos que ocorrem em
excesso ou com baixa frequência. Quanto
aos itens de comunicação, com exceção do
item ele(a) te faz calar, apontado apenas por
Casal M2 e H2 H2, os demais apontados por ele também o
Aspectos mencionados pelo casal foram por M2, mas ela, entretanto, sinalizou
quase todos os itens avaliados como
A partir da entrevista ambos problemas no relacionamento. M2 avaliou o
identificaram problemas quanto à relacionamento como insatisfatório e H2
comunicação e apontaram que H2 é muito como satisfatório, portanto, de forma
exigente. Quanto à definição do(a) cônjuge, totalmente distinta. No IHSC os itens
o casal concorda haver déficits em ser mencionados apenas por M2 foram:
sensato, confidente e em ser calmo; também conversa sobre qualquer assunto, demonstra
afirmam haver em demasia a rebeldia e a carinho, diz o que não gosta no
crítica. Reiterando o que afirmaram na relacionamento sexual, lida com
entrevista verifica-se o relato de ambos brincadeiras e convence cônjuge da própria
quanto a comportamentos que ocorrem com opinião; os identificados apenas por H2
baixa frequência: você fala, você permite foram: pede ajuda em tarefas, diz não em
que ele(a) fale, discute assunto delicado, relacionamento sexual, diz não para tarefas
ele(a) considera o que você pensa. Ambos e diz o que pensa. Quanto ao
queixaram-se de passearem pouco, tendo comportamento socialmente habilidoso do
pouco tempo para o casal e também filho, os itens mencionados por H2 também
definiram o relacionamento como o foram pela esposa, mas ela identificou
conflituoso. No IHSC seis itens foram praticamente todos os itens avaliados como
apontados por ambos: insiste em fazer o que deficitários. Na avaliação dos problemas de
comportamento, com exceção do item muito
deseja, toma a palavra em conversação,
agarrado à mãe, apontado apenas por H2, os
expressa opinião, diz não para tarefas, lida
demais que ele mencionou também o foram
com críticas e diz o que gosta em
por M2, que acrescentou os itens faz xixi da
relacionamento sexual. Na avaliação dos cama, gagueja, tem dificuldade com sono,
comportamentos socialmente habilidosos do tem tique, é solitário, é tímido e inseguro.
filho, M2 e H2 concordam apenas quanto a
déficit em fazer perguntas, fazer carinhos e
Problemas e potencialidades
negociar. Quanto aos problemas de
comportamento, a pontuação total da ECI Para M2 e H2 foi possível notar,
alcançou escore clínico no relato de M2 e também, problemas conjugais quanto a
H2, e diversos itens foram apontados pelos comunicação, expressão de sentimentos
dois cônjuges: tem dores de cabeça e de positivos, resolução de problemas, lidar com
estômago, é nervoso, é agitado, é irrequieto, críticas, expressar opiniões, negociar tarefas,
destrói objetos, é preocupado, é irritável, é falta de aproximação/coesão conjugal,
desobediente, é difícil e fala palavrões. problemas no relacionamento sexual. O filho
apresenta mais déficits do ponto de vista da
Aspectos mencionados por apenas mãe que do pai, mas ambos sinalizaram
um dos cônjuges problemas quanto à comunicação e à
As queixas trazidas por M2 e H2 são expressão de sentimento, e, quanto aos
bem distintas, a partir da Entrevista. M2 problemas de comportamento, há relatos de
aponta faltar tempo para o casal e internalizantes, externalizantes e de outros
consistência na educação dos filhos, afirma problemas, sobretudo pela mãe. Parece
que o marido é rígido e agressivo e que haver certa assimetria no casal, no sentido
também brigam todos os dias. Já H2 define a de que a esposa tem muito mais queixas que
esposa como tímida, mas também como o marido, vê mais problemas na relação e se
nervosa; quanto a si mesmo afirma ter mostra mais insatisfeita.
Terapia conjugal e avaliação 39

Apesar das dificuldades, há também apontou diversos déficits (confiável,


potencialidades, por exemplo, ambos confidente, sincero, inteligente, bom pai e
definiram o cônjuge como sinceros, bons caseiro) e dois excessos (egoísta, insensível).
pais e caseiros. Afirmaram, também, pedir No que se refere à comunicação H3
opinião e dividir tarefas. Vários itens no sinalizou três itens não apontados pela
IHSC ocorreram com alta freqüência, do esposa: você fala demais, pede mudança de
ponto de vista de M2 e H2: cobra acordos comportamento, você está sempre certo;
feitos, elogia, recebe elogio, expressa apenas M3 relatou: você fala, discute
opinião, toma iniciativa para assunto delicado, ele(a) te faz calar,
relacionamento sexual, expressa carinho e conversam para tomar decisão e dividem
desagrado e pede ajuda. tarefas. M3 avaliou o relacionamento como
regular e H3 como insatisfatório. Nota-se
bastante diferença entre as avaliações no
Casal M3 e H3 IHSC; os itens mencionados apenas por M3
foram: conversa sobre qualquer assunto,
Aspectos mencionados pelo casal
elogia, demonstra carinho, toma iniciativa
A partir da entrevista, o principal para relacionamento sexual, lida com
aspecto levantado foi que estão distantes e críticas, lida com brincadeiras e expressa
passam pouco tempo juntos, tendo pouca opiniões; os itens apontados somente por H3
atividade em comum. Ambos avaliam o(a) foram: insiste em fazer o que deseja, toma
cônjuge como controlador(a), ingrato(a), palavra, pede ajuda e expressa desagrado.
rebelde; além desses itens em excesso, os
apontados como pouco frequentes foram: Problemas e potencialidades
sensato(a), companheiro(a), carinhoso(a), Conforme apresentado, os problemas
compreensivo(a), simpático(a), bom(boa) identificados referem-se à comunicação, ao
esposo(a), mantém diálogo, é amigo(a) e é afeto e à resolução de problemas, além de
calmo(a). A avaliação da comunicação a outros problemas como nervosismo e uso de
partir do QRC identificou cinco itens drogas. A filha foi avaliada pelos pais como
apontados por ambos os cônjuges: ele(a) tendo déficits em habilidades sociais e
escuta, ele(a) fala demais, ele(a) considera o problemas de comportamento, sobretudo
que você pensa, você impõe opinião, ele(a) externalizantes.
impõe opinião; ambos afirmaram não se Da mesma forma que na análise dos
darem bem, haver conflitos e autoritarismo. outros dois casais, também é possível
No IHSC poucos itens foram apontados por sinalizar potencialidades quanto à
ambos: lidar com críticas, expressar comunicação no que se refere a falar e a
sentimento e dizer não para tarefas. Os escutar o que cada um tem a dizer, a pedir
déficits apontados em habilidades sociais da algo, a expressar sentimento, a pedir
filha foram: cumprimenta, expressa opinião. Ambos os cônjuges relataram
frustração de maneira apropriada e faz elogiar e agradecer elogio recebido, cobrar
elogios. M3 e H3 afirmaram que a filha é acordos, expressar opiniões e conversar
nervosa, gagueja, rouba, tem dificuldade sobre sexualidade, encerrar conversação,
com a alimentação, é agitada, irrequieta, fazer perguntas, expressar desagrado e lidar
destrói objetos, briga, é irritável, com críticas.
desobediente, hiperativa, mente e maltrata
outras crianças. A pontuação total da ECI
alcançou escore clínico no relato de ambos. Discussão
Enquanto objetivos específicos de cada
Aspectos mencionados por apenas
instrumento, pode-se afirmar que o Roteiro
um dos cônjuges de Entrevista permitiu identificar problemas
M3 afirmou que o marido é usuário de que os outros instrumentos deixaram de
drogas e que mente; ele, por outro lado, mensurar: problemas emocionais (timidez,
indicou, já na entrevista, problemas com a ansiedade, estresse), uso de drogas. O QRC
comunicação e com o afeto. Quanto à permitiu avaliar, além das habilidades
comunicação (QRC) apenas um item foi sociais de comunicação, de expressão de
mencionado somente por H3 (crítica) e M3 afeto e de resolução de problemas, a forma
40 Bolsoni-Silva, A. T., & Marturano, E. M.

como cada cônjuge se define e avalia seu (Carr, 2006). Por outro lado eles buscaram
parceiro quanto a características positivas e atendimento também por presenciarem
negativas, indicando aspectos valorizados outras dificuldades tais como: falta de afeto,
por eles e também o que esperam do ter poucas atividades e lazer em comum,
parceiro. O QRC também avaliou a haver excesso de críticas e agressividade e
satisfação do relacionamento conjugal. O por terem que administrar pouco
IHSC permitiu aprofundar a avaliação de envolvimento do cônjuge em tarefas
habilidades sociais relacionadas à domésticas e nas relacionadas com a
conjugalidade, sobretudo acerca da educação dos filhos. O uso de múltiplos
sexualidade, pois para o QRC poucas instrumentos e da entrevista clínica (Silvares
pessoas afirmaram que o relacionamento & Gongora, 1998) para definir objetivos
sexual era insatisfatório. O QRSH e a ECI individuais (Marçal, 2005) parece ter sido
mensuraram, respectivamente, habilidades efetivo para o diagnóstico das dificuldades e
sociais e problemas de comportamento dos para a identificação das potencialidades a
filhos, favorecendo analisar relações entre serem promovidas na intervenção
conjugalidade, parentalidade e repertório pretendida.
comportamental dos filhos.
A agressividade é preditiva de violência
A partir das análises conduzidas foram doméstica seja na relação conjugal, seja em
identificadas algumas convergências entre relação aos filhos (Brito, Zanetta,
os instrumentos: a) a entrevista, o QRC e o Mendonça, Barison, & Andrade, 2005;
IHSC identificaram itens com problemas na Jaeyop, Sookyung, & Clifton, 2009) e,
comunicação e na expressão de afeto, além portanto, deve ser cuidadosamente avaliada
da existência de conflitos na resolução de para ser foco de intervenção. Outro aspecto
problemas; b) nota-se alguma relação entre a ser considerado, a partir das queixas
déficits de habilidades sociais dos cônjuges relatadas, é a falta de coesão e de
e dos filhos, no caso das habilidades sociais aproximação dos cônjuges; como afirmam
de oferecer ajuda, expressar frustração de Norgren et al. (2004), o nível de satisfação
maneira apropriada, elogiar, ter bom humor conjugal é maior quanto maior a
e negociar; c) foram identificados problemas proximidade e coesão conjugal e quanto
de comportamento nos filhos, sobretudo em mais adequadas as estratégias de
itens que correspondem à externalização, comunicação e de resolução de problemas.
que podem ter relação com comportamentos Os resultados do QRC reiteram essa
agressivos dos cônjuges (destruir objetos, hipótese porque a maioria dos participantes
desobedecer, mentir), além de itens que avaliaram a satisfação conjugal como
envolvem dificuldades emocionais (é regular ou insatisfatória. A avaliação da
agarrado à mãe, é tímido, tem dores de satisfação conjugal tem sido apontada como
cabeça), que também podem ser reflexo de importante medida na identificação de
um ambiente com brigas e conflitos (Witkin et al., 1983; Bodenmann &
desentendimentos; d) foram identificados, a Shantinath, 2004).
partir dos instrumentos, comportamentos
que já ocorrem nas relações familiares que Quando questionados sobre quais os
envolvem comunicação, afeto e resolução de comportamentos de que não gostavam no
problemas, indicando que ainda que haja cônjuge (QRC), os participantes relataram
dificuldades, as pessoas já apresentam um novamente agressão, falta de participação e
repertório inicial que deve ser utilizado na de coesão conjugal, além de pouco afeto. O
promoção e/ou ampliação de repertórios. afeto como foco a ser avaliado e ensinado
As queixas apontadas individualmente em programas com casais é menos citado
pelos cônjuges em parte refletem achados da quando comparado à comunicação e à
literatura, ao apontarem a falta de resolução de problemas, mas de fato
comunicação (Bodenmann & Shantinath, concorda-se com autores que afirmam a sua
2004; Byrne et al., 2004; Silva & relevância (Block-Lerner et al., 2007;
Vanderbergh, 2008; Witkin et al., 1983; Bolsoni-Silva, 2003; Cornelius & Alessi,
Vanderbergh, 2006) e a presença de 2007; Davis & Piercy, 2007), pois déficits
problemas emocionais tais como: timidez, relacionados ao afeto apareceram em
ansiedade, nervosismo e uso de drogas diversos momentos da avaliação, a partir de
Terapia conjugal e avaliação 41

instrumentos distintos. O QRC e o IHSC os problemas externalizantes (“rouba”, “fica


identificaram problemas na expressão de agitado”, “é irrequieto”, “destrói objetos”, “é
afeto para a maioria dos participantes. irritável”, “é desobediente”, “mente”,
Portanto, defende-se que programas de “maltrata outras crianças”, “fala palavrões”),
intervenção devam primeiramente promover mas também houve relato de problemas
comportamentos que ampliem as trocas internalizantes (por exemplo “é muito
positivas entre o casal, na comunicação e na agarrado à mãe” e “é tímido”). Como
expressão de afeto, para então trabalhar afirmam Kanoy et al. (2003), quanto mais
comportamentos que envolvem lidar com frequentes os conflitos conjugais, maior o
conflitos e críticas. uso de agressividade nas interações com os
Outro componente da avaliação que filhos e consequente impacto para os
merece destaque é o relacionamento sexual comportamentos dos filhos. Brito et al.
estabelecido entre o casal, em que houve (2005) encontraram associação entre
relato de dificuldades por praticamente todos violência doméstica e conflito conjugal.
os participantes. Esses resultados concordam Quanto aos comportamentos dos filhos,
com achados da literatura (Block-Lerner et Gottman (1998) e Solantaus et al. (2004)
al., 2007; Russel & Listel, 1992) e reiteram a afirmam que os problemas conjugais podem
necessidade de os programas de intervenção favorecer o surgimento de problemas
tratarem desse assunto. externalizantes e internalizantes nos filhos.
Referências a pouco lazer e atividades Goldiamond (1974/2002), enquanto
em comum foram encontradas nos relatos. O behaviorista radical, defende, com seu
lazer escasso pode estar relacionado ao modelo construcional, que ao promover
estresse, sensível à intervenção (Bodenmann comportamentos funcionalmente
& Shantinath, 2004). O tempo ocupado em equivalentes, os comportamentos focos de
atividades conjuntas é fator contextual sofrimento podem diminuir de ocorrência
relevante quando se avalia a qualidade da sem serem atendidos diretamente. Então o
relação conjugal (Dessen & Braz, 2005). interesse é sempre na ampliação de
Quanto aos comportamentos dos filhos, comportamentos, a partir daqueles que já
identificaram-se dificuldades quanto aos estão presentes no repertório dos indivíduos,
itens: “oferece ajuda”, “faz perguntas”, o que pode ser obtido a partir de uma
“cumprimenta”, “expressa sentimentos de avaliação ampla, com instrumentos não
frustração adequadamente”, “faz elogios”, dirigidos e dirigidos, considerando as
“toma iniciativas”, “faz carinhos”, interdependências comportamentais, tanto
“apresenta bom humor” e “negocia”. aspectos negativos como positivos das
Interessante notar como esses déficits em interações sociais.
habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, Concorda-se também com a perspectiva
1999) também foram citados pelos casais, a de Marçal (2005) que aponta para a
partir da avaliação do QRC e do IHSC. necessidade de uma avaliação
Concorda-se com Block-Lerner et al. (2007), individualizada que implicará em objetivos
que apontam para a relevância de avaliar e específicos para cada participante, sendo,
de promover habilidades sociais, porque os então, um aspecto destacado no presente
resultados deste estudo identificaram trabalho. Por outro lado, a literatura chama a
diversos déficits nesse repertório (casais e atenção para a utilização de procedimentos
filhos) que estão certamente relacionados padronizados, seja na avaliação (Lavee &
aos aspectos apontados pela literatura de Avisar, 2006), seja na intervenção (Block-
relacionamento conjugal, sobretudo Lerner et al., 2007), que se mostraram mais
comunicação, afeto, satisfação, coesão, efetivos em comparação com os não
companheirismo e resolução de problemas. padronizados, o que também foi garantido
Quanto aos problemas de nesta pesquisa. Entretanto, ainda que haja
comportamento, a avaliação detectou padronização, Russel e Listel (1992)
necessidade de atendimento clínico para reiteram que as intervenções precisam
todas as crianças avaliadas. Os três casais garantir flexibilidade às necessidades
concordaram nessa avaliação. Prevaleceram próprias do casal e de cada pessoa, o que só
42 Bolsoni-Silva, A. T., & Marturano, E. M.

será possível se a avaliação diagnóstica for Bolsoni-Silva, A. T. (2003). Habilidades


conduzida de maneira individualizada e com sociais educativas, variáveis contextuais
instrumentos que mensurem e problemas de comportamento:
apropriadamente as variáveis-alvo. comparando pais e mães de pré-
A partir deste estudo pode-se concluir: escolares. Tese de Doutorado,
a) parece que o uso de múltiplos Universidade de São Paulo, Ribeirão
instrumentos que avaliem aspectos do Preto.
relacionamento conjugal e também outras Bolsoni-Silva, A. T. B., Marturano, E. M., &
dificuldades é necessário para garantir um Loureiro, S. R. (no prelo). Estudos de
atendimento diferenciado e efetivo; b) é confiabilidade e validade do Questionário
interessante o uso de procedimentos de Respostas Socialmente Habilidosas
padronizados desde que eles garantam Versão para Pais – QRSH-Pais.
flexibilidade a partir de necessidades Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(2).
individuais dos participantes; c) o
relacionamento conjugal influencia a Brito, A. M. M., Zanetta, D. M. T.,
parentalidade e os comportamentos dos Mendonça, R. De D. C. V., Barison, S. Z.
filhos, assuntos que devem ser avaliados e P., & Andrade, V. A. G. (2005).
garantidos em intervenções; d) avaliações e Violência doméstica contra crianças e
subsequentes intervenções com casais adolescentes: estudo de um programa de
devem garantir o mapeamento dos intervenção. Ciência e Saúde Coletiva,
comportamentos socialmente habilidosos. 10(1), 143-149.
Estudos futuros com maior número de Byrne, M., Carr, A., & Clark, M. (2004).The
participantes devem ser conduzidos de efficacy of behavioral couples therapy
forma a identificar comportamentos que os and emotionally focused therapy for
casais já possuem e que possam ser mais couple distress. Contemporary Family
bem aproveitados em programas de Therapy, 26(4), 361-387.
intervenção e também aqueles que
necessitam de investimento em intervenções. Carr, A. (2006). Thematic review of family
therapy journals in 2005. Journal of
Family Therapy, 28, 420-439.
Referências
Cornelius, T. L., & Alessi, G. (2007).
Angera, J. J., & Long, E. C. J. (2006). Behavioral and Physiological
Qualitative and Quantitative Evaluations Components of Communication
of an Empathy Training Program for Training: Does the Topic Affect
Couples in Marriage and Romantic Outcome? Journal of Marriage and
Relationships. Journal of Couple e Family, 69, 608-620.
Relationship Therapy, 5(1), 1-26.
Davis, S. D., & Piercy, F. P. (2007). What
Block-Lerner, J., Adair, C., Plumb, J. C., clients of couple therapy model
Rhatigan, D. L. & Orsillo, S. M. (2007). Developers and their former students say
The case for mindfulness-based about change, part I: model-independent
approaches in the cultivation of empathy: Common factors and an integrative
does nonjudgmental, present-moment Framework. Journal of Marital and
awareness increase capacity for Family Therapy, 33(3), 318-343.
perspective-taking and empathic
concern? Journal of Marital and Family Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (1999).
Therapy, 33(4), 501-516. Psicologia das Habilidades Sociais:
Terapia e educação. Petrópolis: Vozes.
Bodenmann, G., & Shantinath, S. D. (2004).
The Couples Coping Enhancement Del Prette, Z. A. P., Villa, M. B., Freitas, M.
Training (CCET): A New Approach to G., & Del Prette, A.(2008). Estabilidade
Prevention of Marital Distress Based temporal do inventário de habilidades
Upon Stress and Copin. Family sociais conjugais (IHSC). Avaliação
Relations, 53(3), 477-484. Psicológica, 7(1), 67-74.
Terapia conjugal e avaliação 43

Dessen, M. A., & Braz, M. P. (2005). As Loeber, R., & Hay, D. (1997). Key issues in
relações maritais e sua influência nas the development of aggression and
relações parentais: implicações para o violence from childhood to early
desenvolvimento da criança. In M. A. adulthood. Annual Review of
Dessen & A. L. Costa Junior (Orgs.) A Psychology, 48, 371-410.
ciência do desenvolvimento humano (pp.
Marçal, J. V. de S. (2005). Estabelecendo
132-151). Rio Grande do Sul: Artmed.
objetivos na prática clínica: quais
Ferez-Carneiro, T., & Neto, O. D. (2008). caminhos seguir? Revista Brasileira de
Psicoterapia de casal: modelos e Terapia Comportamental Cognitiva,
perspectivas. Aletheia, 27 (1), 173-187. 7(2), 178-188.
Ferreira, V. R. T. (2005). Produção Norgren, M. B. P., Souza, R. M., Kaslow,
brasileira em bases de dados sobre o F., Hammerschmidt, H., & Sharlin, S. A.
processo terapêutico na terapia familiar e (2004). Satisfação conjugal em
de casal. Psico Ψ, 36(1), 7-12. casamentos de longa duração: uma
construção possível. Estudos de
Fincham, F. D., & Beach, S. R. H. (1999). Psicologia (Natal), 9(3), 575-584.
Conflict in marriage: Implications for
working with couples. Annual Review of Ronan, G. F., Dreer, L. E., Dollard, K. M.,
Psychology, 50, 47-77. & Ronan, D. W. (2004). Violent couples:
coping and communication skills.
Goldiamond, I. (2002). Toward a Journal of Family Violence, 19(2), 131-
constructional approach to social 137.
problems: Ethical and constitucional
Russell, M. N., & Listel, R. F. (1992).
issues raised by Applied Behavior
Marriage preparation: factors associated
Analysis. Behavior and Social Issues, 11,
with consumer satisfation. Family
108-197 (Originalmente publicado em
Relations, 41, 446-451.
1974).
Silva, L. P., & Vanderbergh, L. (2008). A
Gottman, J. M. (1998). Psychology and the importância do treino de comunicação na
study of marital process. Annual Review terapia comportamental de casal.
of Psychology, 49, 169-197. Psicologia em Estudo, 13(1), 161-168.
Graminha, S. S. V. (1994). Problemas Silvares, E. F. de M., & Gongora, M. A N.
emocionais comportamentais em uma (1998). Psicologia clínica
amostra de escolares: incidência em função comportamental: A inserção da
do sexo e idade. Psico, 25, 44-74. entrevista com adultos e crianças. São
Paulo: Edicon.
Jaeyop, K., Sookyung, P., & Clifton, R. E.
(2009). The Incidence and Impact of Silveira, J. M. (2008). Casais em conflito: até
Family Violence on Mental Health que o ambiente os separe. In L. Weber
Among South Korean Women: Results of (Org.) Família e desenvolvimento: Visões
a National Survey. Journal of Family interdisciplinares (pp.197-202). Curitiba:
Violence, 24(3), 193-202. Juruá.

Kanoy, K., Ulku-Steiner, B., Cox, M., & Solantaus, T., Leinonen, J. & Punamãki, R.
(2004). Children’s mental health in times
Burchinal, M. (2003). Marital
of economic recession: Replication and
relationship and individual psychological
extension of the family economic stress
characteristics that predict physical model in Finland. Developmental
punishment of children. Journal of Psychology, 40(3), 412-429.
Family Psychology, 17(1), 20-28.
Vanderbergh, L. (2006). Terapia
Lavee, Y., & Avisar, Y. (2006). Use of comportamental de casal: Uma
standardized assessment instruments in retrospectiva da literatura internacional.
couple therapy: the role of attitudes and Revista Brasileira de Terapia
professional factors. Journal of Marital Comportamental e Cognitiva, VIII(1),
and Family Therapy, 32(2), 233-244. 145-160.
44 Bolsoni-Silva, A. T., & Marturano, E. M.

Villa, M. B. (2002). Habilidades sociais Enviado em Abril de 2009


conjugais de diferentes filiações Revisado em Dezembro de 2009
religiosas. Dissertação de Mestrado, Aceite final em Janeiro de 2010
Universidade de São Paulo, Ribeirão Publicado em Dezembro de 2010
Preto.
Villa, M. B. (2005). Habilidades Sociais no
Casamento: Avaliação e contribuição
para a satisfação conjugal. Tese de
Doutorado, Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto.
Witkin, S. L., Edleson, J. L., Rose, S. D., &
Hall, J. A. (1983). Group training in
marital communication: a comparative
study. Journal of Marriage and the
Family, 45, 661-669.

Nota dos autores:


Alessandra Turini Bolsoni-Silva – Doutora, Docente do Departamento de Psicologia, Faculdade de
Ciências (FC), Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Bauru, SP.
Edna Maria Marturano – Doutora, Docente do Departamento de Neurociências e Ciências do
Comportamento, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) – Ribeirão Preto, SP.

Você também pode gostar