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Revista da Educação, Vol.

XV, nº 2, 2007 | 5 - 26

Supervisão como um “TEAR”: Estratégias emergentes de


“andaimação” definidas por supervisoras e supervisionadas

Teresa Vasconcelos
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa

1. INTRODUÇÃO

O trabalho começa a ser eficaz quando sinto que ele me rodeia, tal como alguém que vai
entrando na água e o elemento diferente faz de “muro comunicante”, ao mesmo tempo
protector e perigoso.
Ordenar o caos que este ingresso produz nesse tão tranquilo universo aquático…
Em tudo isto há um factor essencial, um motivador profundo cuja definição não arrisco: as
suas raízes vão mais abaixo da cintura e mais acima do crânio.
Creio que tem a ver muito com o amor.
(Iutta Maria de las Manos, artista de tapeçaria1)

A perspectiva de trabalho da artista de tapeçaria Iutta Maria de las Manos de alguma forma
ilumina e sintetiza os resultados do estudo que apresentaremos em seguida sobre práticas de
supervisão: a imersão no contexto, a re-organização e re-construção das dinâmicas, a
profundidade das interacções que se prendem com saberes pedagógicos profundos e arcanos.

O estudo incidiu sobre práticas de supervisão em três centros para a infância na mesma
zona geográfica de Lisboa. Num trabalho anterior (Vasconcelos, 2007) procurou-se descrever,
a partir de registos naturalistas recolhidos através de entrevistas semi-directivas de
aprofundamento, as perspectivas (pontos de vista) de educadoras e supervisoras sobre os
processos de supervisão. O presente trabalho pretende aprofundar algumas estratégias
emergentes de supervisão, que apelidámos de “scaffolding” (“andaimação”, colocação de
andaimes). Num estudo anterior (Vasconcelos, D’Orey, Homem & Cabral, 2003) a dinâmica
da supervisão havia emergido como uma questão crucial ao desenvolvimento e qualidade do
trabalho pedagógico das instituições estudadas. Os guiões das entrevistas foram elaborados

1
Não podemos referenciar, de modo completo, esta citação. Foi recolhida numa exposição
desta artista que pudémos visitar, há já alguns anos, na Fundação Gulbenkian.

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Não podemos referenciar, de modo completo, esta citação. Foi recolhida numa exposição desta
artista que pudémos visitar, há já alguns anos, na Fundação Gulbenkian.
pela equipa de investigação com base nos dados emergentes do estudo anterior, o qual
assumira um carácter etnográfico (Vasconcelos, 2006, 2000). As entrevistas foram tratadas
mediante uma análise de conteúdo que deu origem a grandes temas emergentes, eles próprios
objecto de tratamento aprofundado com base na evidência dos discursos das entrevistadas.
Tivemos especial cuidado com os procedimentos éticos relativos à protecção dos “sujeitos”
participantes no estudo.

A metáfora do TEAR, usada por uma das directoras entrevistadas, serve de base à
elaboração dos resultados finais do estudo. Alice (nome fictício), uma das supervisoras, explica
como vê o seu trabalho: Às vezes penso nisto como um tear, há muitas linhas, muitas cores, e
depois há a trama que entrelaça tudo aquilo e faz com que as coisas não sejam uma manta de
retalhos, mas que tenham um padrão que se vai mudando, alterando, mas que tem uma certa
continuidade, não é? É estruturado, tem textura, tem luz e pronto… Este TEAR, este tecido de
“realidades múltiplas”, irá ser apresentado ao longo do presente trabalho como forma de
explicitar as estratégias de supervisão encontradas.

2. PERSPECTIVAS TEÓRICAS

A Supervisão emerge como um tema crucial das Ciências da Educação. O trabalho


pioneiro sobre supervisão clínica introduzido por Alarcão e Tavares, em 1987, serviu de
referência, durante muitos anos, à formação de supervisores. Segundo estes autores, “a
supervisão pedagógica é o processo em que um professor, em princípio mais experiente e
informado, orienta outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e
profissional” (1987: 18). Alarcão e Tavares re-elaboraram recentemente o seu trabalho (2003,
2ª edição), incorporando os conceitos de instituição aprendente no contexto de uma escola
reflexiva e alargando os processos de supervisão a toda a dinâmica de escola e não apenas à
relação supervisor/supervisando. Cortesão (1991) introduziu em Portugal o conceito de
supervisão numa perspectiva crítica, tomando os professores como actores sociais
intervenientes no processo e salientando os trabalhos de Smith que enunciavam a supervisão
como um processo emancipatório em que os professores “poderão partilhar colectivamente as
suas reflexões e aprendizagens sobre o que é possível" (Smith, 1988, in: Cortesão 1991, p.
621). Nesta perspectiva, Sá-Chaves preconiza “o alargamento da relação didáctica e dual
supervisor/supervisando para uma concepção que admite, como princípio, a importância de
outros contributos de outras fontes de informação, de outras formas de conhecer, que não se
reduzem simplisticamente à ideia de alguém, que supostamente sabe, poder transmitir o seu
saber a alguém que, também supostamente, não sabe” (2000, p. 12).

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2.1. CONCEITO DE “ SCAFFOLDING” (“ANDAIMAÇÃO"; COLOCAÇÃO DE
ANDAIMES)

Segundo Griffin & Cole (1984) a noção de scaffolding (“scaffold” - andaime) foi
introduzida por Wood, Bruner & Ross, em 1976, com o significado de que "as intervenções de
acompanhamento dos adultos deveriam estar inversamente relacionadas com o nível de
competência da criança para executar tarefas - assim, por exemplo, quanto mais dificuldade
uma criança tivesse em atingir um determinado objectivo, mais directas deveriam ser as
intervenções" (1976, p. 284). Como tal, e de acordo com Rogoff, Malkin & Gilbride, "o
parceiro mais experiente incentiva a criança a resolver um determinado problema, colocando
andaimes que lhe permitam estender as suas competências e conhecimentos a níveis mais
elevados de desempenho" (1984, p. 33).

Este conceito de parceria adulto/criança pode ser aplicado à relação


supervisor/supervisando, como propõe Vasconcelos (1999), ajudando-nos a clarificar o papel
do supervisor como pessoa mais experimentada que pode amparar as tentativas do
supervisando para adquirir mais competência, não deixando, no entanto, de lhe colocar
desafios que o façam progredir no seu desenvolvimento (Vygotsky, 1956, citado por Rogoff e
Wertsch, 1984), e o levem a executar "funções de ordem superior" (Tharp & Gallimore 1991,
p. 7). É muito importante ter em conta a seguinte distinção: Greenfield (1984) diz que, ao
contrário do conceito de "moldagem de comportamento", o scaffolding não passa por uma
simplificação da tarefa em causa. O processo de scaffolding mantém intacta a dificuldade da
tarefa, mas o papel da criança (neste caso, do supervisando) é simplificado através da
intervenção do supervisor. Todo este processo se enquadra numa abordagem de tipo sócio-
construtivista (Bruffee, 1986) que considera que o conhecimento é gerado a partir da prática
social e é cultural e historicamente enquadrado. O conhecimento é uma actividade social
gerada através de um processo de negociação e consenso. Nesta linha de pensamento se
enquadram trabalhos mais recentes sobre supervisão pedagógica, aplicando a CHAT (cultural
historical theory) à orientação de estudantes em situação de estágio (Edwards, 2005; Edwards
&Protheroe, 2004).

3. O ESTUDO

Como atrás foi indicado, o estudo incidiu sobre práticas de supervisão em três centros
para a infância na mesma zona geográfica da área da Grande Lisboa, dois da rede pública do
Ministério da Educação, inseridos em agrupamentos, e um da rede solidária, parte de um CAI
(Centro de Acolhimento Infantil) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, composto por
diferentes valências (creche, jardim de infância, ATL, atendimento a idosos, etc.). Estes três
centros serviam populações carenciadas, a viver em bairros de realojamento social.
Procuravam-se as perspectivas das supervisoras/directoras entrevistadas sobre o seu próprio
trabalho. Por outro lado, numa lógica de espelho, quis-se compreender o ponto de vista das

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educadoras sobre as suas supervisoras. Supervisoras e educadoras foram entrevistadas
separadamente, através de uma entrevista semi-directiva. Num dos centros fez-se uma
entrevista de grupo às educadoras, à maneira de um focus group (Macedo, 2004). Trata-se de
entrevistas de grupo que permitem uma interacção dinâmica entre os participantes, em que os
discursos produzidos permitem a produção de novos discursos, levando à criação de
pensamento mais elaborado Nestas entrevistas, o papel do investigador é claramente o de
observação etnográfica, permitindo uma mais profunda captação de significados. Mais do que
uma técnica, consideramos que os focus group são uma metodologia de carácter contextual
(Macedo, 2004)

Alice, Beatriz e Carmo são os nomes atribuídos às directoras dos três centros. Alice é
directora do CAI da Misericórdia, exerce as suas funções a tempo inteiro numa dinâmica tripla:
supervisiona a qualidade do trabalho da equipa pedagógica ( creche e jardim de infância);
assegura a gestão administrativa do centro quer internamente, quer na sua ligação às estruturas
amplas e complexas da Misericórdia de Lisboa; assegura ainda as ligações com a comunidade,
especificamente com as “redes sociais de apoio”. Beatriz exerce as suas funções de
coordenadora do jardim de infância em acumulação coma responsabilidade total por um grupo
de crianças (incluindo crianças com necessidades educativas especiais), assegurando ainda a
ligação com a estrutura de gestão do agrupamento de escolas em que o jardim de infância (de 4
lugares) está inserido, bem como com outras estruturas comunitárias locais; recebe, ainda,
estagiárias de uma Escola Superior de Educação, estando responsável pela sua orientação.
Como veremos nos resultados das entrevistas, Beatriz sente-se insatisfeita com a multiplicidade
de funções que desempenha. Carmo dirige também um jardim de infância da rede pública, este
de 3 lugares, inserido num agrupamento, pelo que a equipa é mais pequena e circunscrita. Não
tem estagiárias e Carmo “contorna” a gestão pedagógica de modo a evitar conflitos e assume-
se mais como um “vai-vem” entre a equipa pedagógica e a gestão do agrupamento.

Prepararam-se guiões comuns para as entrevistas às três directoras e outros para as


entrevistas às supervisandas. As entrevistas foram tratadas através de processos de análise de
conteúdo (Bardin, 1995; Bogdan e Biklen, 1994). Mas usando a técnica da constant
comparison analysis (Frankland & Bloor, 1999, in: Macedo, 2004) encontraram-se indicadores
que, por sua vez, deram origem a grandes temas emergentes que foram tratados posteriormente
(Vasconcelos, 2007): relação humana; liderança; questões administrativas; dinamização
pedagógica; sentido para o trabalho. Num processo de re-elaboração dos temas emergentes,
construíram-se grandes princípios de supervisão, que serão apresentados na parte final do
trabalho.

VALOR DAS METÁFORAS NO PROCESSO ANALÍTICO

Porque umas das supervisoras entrevistadas utilizou uma metáfora para definir o seu
trabalho, o processo de análise foi feito usando esta metáfora como ponto de partida. Em

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trabalho anteriormente publicado (Vasconcelos, 1997b) pudemos reflectir sobre o poder da
metáfora como instrumento de análise no paradigma qualitativo de investigação.

Segundo Oldfather & West

A metáfora convida à exploração quer das profundas estruturas que orientam a


investigação qualitativa, quer as qualidades improvisacionais que permitem aos
etnógrafos voar livremente em resposta a acontecimentos inesperados e percepções
emergentes (1994, p. 23).

Oldfather & West citam trabalhos anteriores de Lakoff & Johnson chamando a atenção
para o poder iluminante da metáfora:

Há uma similitude induzida pela metáfora que vai para além das meras semelhanças
entre os dois níveis de experiência. A semelhança adicional é uma semelhança
estrutural. Implica a forma como entendemos como as experiências individuais se
harmonizam de uma forma coerente... A metáfora, pelo facto de dar uma estrutura
coerente a um conjunto de experiências pessoais, cria uma nova forma de similitude
(1980, pp 150-151).

Para Lakoff & Johnson a metáfora não é apenas uma estrutura de linguagem, é uma
estrutura conceptual:

[A metáfora] permite uma compreensão de um tipo de experiência em termos de


outra, criando coerências através de uma imposição de “gestalts” que estão
estruturadas pelas dimensões naturais da experiência (...). A metáfora não é
simplesmente uma questão de linguagem. É uma questão de estrutura conceptual. É
uma estrutura conceptual profunda2 não é apenas uma questão de intelecto – envolve
todas as dimensões naturais da nossa experiência, incluindo aspectos das experiências
dos nossos sentidos: cor, forma, textura, som, etc. ... As obras de arte proporcionam
novas “gestalts” da experiência e, portanto, novas coerências (1980, p. 235).

Esta nova “gestalt” trouxe-nos um fundamento para o uso da metáfora do “tear” para fazer
a análise da informação recolhida. Oldfather & West clarificam ainda as interacções entre
intelecto e intuição no processo construtivo da metáfora, na sua “ressonância estética com a
experiência sensorial”, no sentido de permitir “novas e mais profundas dimensões” na análise
da experiência:

2
“Estruturas profundas”, Segundo Oldfather & West (1994), são encaradas na acepção de
Chomsky (1972), enquanto “princípios abstractos mergulhados no pensamento. As estruturas
profundas, Segundo Oldfather & West determinam a forma como a pesquisa é conduzida. As
“estruturas profundas”, segundo as mesmas autoras, “tornam possível a construção social do
significado e da expressão” (p. 25).

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As semelhanças estruturais tornadas claras através da metáfora representam não
apenas o intelecto mas também uma ordem ampla de experiências sensoriais. O poder
da metáfora deriva em parte da ressonância estética com a experiência sensorial.
Trata-se da “ racionalidade imaginativa”(Lakoff & Johnson, 1980) ou o cruzamento
da cognição com o afecto. (...) A metáfora pode servir de ponte entre a experiência e a
mediação, representações e simbolismo, que, em troca, nos permitem entender a
experiência com novas e mais profundas dimensões (Oldfather & West 1994, p. 23).

4. OS GRANDES PRINCÍPIOS EMERGENTES DE SUPERVISÃO:

O estudo descrito anteriormente devolve-nos um conjunto de grandes princípios


emergentes de supervisão que se apresentam, a seguir, de forma desenvolvida:
- pôr as pessoas no centro
- meta-gerir a burocracia
- gerir com as pessoas
- uma orientação para a qualidade pedagógica
- sentido de projecto

Procurámos manter a riqueza das formulações e do discurso das entrevistadas, devolvendo,


na sua espontaneidade, as “vozes” aos leitores deste trabalho.

4.1. PÔR AS PESSOAS NO CENTRO

Este princípio foi considerado essencial pelas três directoras e pelas respectivas
supervisandas. Uma das educadoras afirma, ao descrever o perfil do director... tem que estar
atento ao que as pessoas sentem, se há algum problema latente... (ele) tem que gerir o
estabelecimento com as pessoas. Beatriz, a directora de um dos centros da rede pública afirma:
Eu acho que uma directora tem que ser uma pessoa que consiga unir as pessoas para uma
coisa só, são as crianças e a escola. Alice, a directora do jardim de infância da Misericórdia
explica: A minha preocupação principal é muito relacional; portanto, eu acho que, numa casa
destas, as pessoas é que são importantes... como é que as pessoas crescem e qual o meu papel
no crescimento delas... a minha preocupação principal não é ver o que as pessoas fazem, é ver
como as pessoas se sentem. A perspectiva de “ver como as pessoas se sentem”, prevalecendo
sobre uma perspectiva reguladora (“ver o que as pessoas fazem”) é demonstrativa de que as
pessoas são o centro e, se os profissionais se sentirem bem no contexto de trabalho, produzirão
melhor qualidade pedagógica na sua actividade com as crianças.

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4.2. META-GERIR A BUROCRACIA

Para Beatriz, a arte da função supervisiva, no que respeita às questões mais de carácter
administrativo, está na organização, de forma a que não deixe que a parte mais burocrática do
seu trabalho a invada, confessando, no entanto, a sua aversão pelos aspectos mais de carácter
legislativo que deve acompanhar: Tenho uma dificuldade enorme em ler os decretos-lei,
detesto aquilo, às vezes passo por cima disso tudo. Alice tem uma postura interessante em
relação a esta questão. Afirma que o seu papel é proteger a equipa dos aspectos mais
burocráticos que uma instituição com a dimensão da Misericórdia de Lisboa exige: Faço de
tampão, para que a burocracia não se sobreponha à pedagogia. E explica: faço isso com
muita facilidade, é a parte do meu trabalho que se relaciona com o desempenho burocrático...
portanto meto isso nos 'entretiços' e às vezes até faço em casa porque é uma coisa que não tem
sentido. Alice situa as suas prioridades numa espécie de "meta-burocracia", um estar para além
desse horizonte aparentemente limitativo, de modo a poder libertar-se para aquilo que
considera ser essencial na sua acção pedagógica como supervisora. No entanto,
contraditoriamente, e apesar dos seus esforços em sentido contrário, as educadoras do centro
que dirige afirmam: Eu acho que ela perde mais tempo com o peso da burocracia. Muitas
reuniões fora e também dentro, porque como ela está em muitos projectos.... As educadoras do
jardim de infância gerido por Carmo também afirmam: Ela às vezes é um bocadinho
absorvida pelo executivo (...) e depois não tem espaço para nós.

Donaldson, ao discutir o dilema entre "educação progressiva" e "educação formal" refere,


no que toca às crianças:

Só consigo ver uma saída para este dilema: é exercer o controle que for necessário
com um leve toque e nunca temperar a necessidade. No fim de contas é possível que o
controle possa ser mais ou menos importuno, mais ou menos óbvio. Também muito
vai depender daquilo que o professor pensa que é o controle. Se o fim último do
controle é tornar-se desnecessário, se o professor pretende claramente que as crianças
se tornem competentes, auto-determinadas, responsáveis, e acredita que elas são
capazes de o ser, então estou convencida que o risco de rejeição da aprendizagem será
muito mais reduzido. Portanto voltamos à questão que é a de saber se o professor
respeita verdadeiramente as crianças e deixa que elas se apercebam desse respeito. Se
esta condição for conseguida, então a orientação para a aprendizagem dentro de um
enquadramento estruturado deixará de ser vista como a acção de um guarda atrás das
barras de uma prisão (1979, p. 126) (sublinhados nossos).

Esta perspectiva pode aplicar-se à forma de gestão de equipas de trabalho e é para esse tipo
de gestão que parece apontar a estratégia de Alice na sua instituição.

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4.3. GERIR COM AS PESSOAS

Este princípio supervisivo é decorrente do primeiro princípio, "pôr as pessoas no centro",


mas transcende-o, na medida em que, investindo nas pessoas, se procuram processos de
"empowerment" (Freire, 1975, 1997; Giroux, 1988), de modo a que as pessoas se tornem
actores e sujeitos dos próprios processos de supervisão. No centro gerido por Alice, as
educadoras afirmam: Ela tem que gerir o estabelecimento com as pessoas. E esclarecem: O
perfil de um director... tem que estar atento ao que as pessoas sentem, se há algum problema
latente... essa sensibilidade deve fazer parte do perfil da pessoa que está à frente do
estabelecimento. Alice vê o seu papel como entrando no momento que nos permita avançar,
construir mais qualquer coisa para além, mais do que ficar por aqui mesmo. As suas
educadoras completam: Coordenar é unir as pessoas, é formar equipa à volta de um conjunto
de valores e de interesses que eu acho que são, que têm que ser comuns, e afirmam: É uma
gestão participativa, não é? Acaba por ser isso; portanto eu não a sinto como chefe que... não,
é mais uma pessoa que está ali para ajudar.

Beatriz afirma que uma directora tem que ser uma pessoa que saiba respeitar as diferenças
(...), portanto é preciso haver este espírito aglutinador. As educadoras com quem trabalha
consideram que a directora tem como função ser o elo de ligação entre todas as colegas,
estabelecer... a ligação de trabalho, de funções, saber ouvir (...), quem está neste papel tem que
ser uma pessoa serena. Carmo, a directora do terceiro jardim de infância, esclarece que, em
relação às funções, faço um bocadinho a passagem entre o [Conselho] Executivo e o jardim de
infância... É mais neste sentido de ouvir e sentir, também, um bocadinho a vivência do jardim
de infância, porque no meu trabalho parto sempre do princípio de que temos as nossas funções
definidas e que toda a gente é responsável por aquilo que faz.

4.4. UMA ORIENTAÇÃO PARA A QUALIDADE PEDAGÓGICA

Alice, a única das directoras que exerce a sua função a tempo inteiro, vê o seu papel
claramente orientado para a promoção da qualidade pedagógica no contexto de uma instituição
reflexiva (Zeichner, 1993; Bolívar, 1997; Alarcão, 2000; Alarcão & Tavares, 2003): A
formação contínua, não é tanto em função daquilo que eu preciso, é mais em função da
resposta que estamos a dar e da melhor qualidade daquilo que estamos a fazer. As educadoras
que coordena especificam que Alice sobretudo dá apoio de retaguarda. Devolve os problemas,
não encobre, leva-nos a pensar... eu acho que ela delega em nós, tem confiança suficiente para
nos deixar soltas...

Beatriz, que acumula as suas funções com as de responsável por um grupo de crianças,
tem expectativas limitadas quanto à possibilidade de fazer orientação e dinamização
pedagógica: Aqui no sistema público acho que é uma utopia, porque tenho simultaneamente o
grupo de crianças. Uma das educadoras afirma que a Beatriz não gosta de estar a interferir no

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trabalho das pessoas e eu acho bem... mas as pessoas vão-se fechando um pouco na sala, até
porque têm insegurança..... Carmo confessa igualmente ter expectativas limitadas quanto ao
seu papel a este nível, no entanto, a sua equipa desabafa: Olhe, a área pedagógica,
gostaríamos que ela dinamizasse mais...

Nos dois jardins de infância da rede pública emerge, claramente, por parte dos sujeitos do
estudo, a necessidade de existir o cargo de directora (ou de coordenadora) a tempo inteiro que a
disponibilize para funções de liderança necessárias ao crescimento da equipa educativa.

As educadoras geridas por Alice afirmam, em contraponto que, nas reuniões com ela,
tratamos da organização, da gestão do currículo, vendo a questão da gestão do currículo, não
como uma tarefa individual do educador, mas como um trabalho que se faz em equipa, no
colectivo, um dado que nos parece extremamente relevante quando falamos em supervisão
pedagógica (Roldão, 2006, 2007).

4.5. Sentido de Projecto

O último grande princípio emergente transcende a simples dinamização pedagógica. No


início deste trabalho citei a metáfora do "tear" usada por Alice e que irá ser re-trabalhada em
termos das estratégias de "andaimação" das práticas que procuraremos descrever a seguir. As
educadoras coordenadas por Alice afirmam que coordenar é ligar as pontas, é ligar os
educadores todos,.... a Alice faz as pessoas tomar consciência do que têm (...), falamos e
vamos tomando consciência das coisas. Referem-se a Alice como uma pessoa inspiradora.
Curiosamente, Beatriz afirma que uma pessoa culturalmente não pode ser pobre, tem que ser
uma pessoa de visão aberta neste mundo. A amplitude de interesses e de preocupações tornam
o supervisor mais capaz de "inspirar" a sua equipa. Beatriz aparece como uma pessoa que
"amplia" as preocupações da equipa, numa preocupação com o seu desenvolvimento integral e
não apenas profissional.

Este sentido de projecto é mais amplo que o "projecto pedagógico" do estabelecimento, se


bem que não possa prescindir dele. Situa-se na perspectiva de Morin (1999) de um projecto
como "uma visão de futuro" como antecipação do ainda não-existente. Aplicamos a esta
perspectiva a visão de supervisor reflexivo descrita por Isabel Alarcão: "o supervisor reflexivo
é o formador que, detentor das três atitudes básicas identificadas por Dewey (abertura de
espírito, responsabilidade e entusiasmo), analisa, numa postura prospectiva, interactiva e
retrospectiva, as implicações da sua actuação, não só ao nível técnico e prático, mas também
crítico e emancipatório, para ser o agente do desenvolvimento autonomizante do professor"
(Alarcão 1996, p. 45). Jillian Rodd considera que uma das características da liderança efectiva
é "planear e implementar a mudança de forma a promover um efectivo progresso a nível do
estabelecimento e das pessoas" (Rodd 1996, p. 24).

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Cada um destes cinco princípios de supervisão se desdobra nas respectivas estratégias de
“andaimação” que serão descritas na parte final deste trabalho.

5. ESTRATÉGIAS DE “ANDAIMAÇÃO”

Às vezes penso nisto como um tear, há muitas linhas, muitas cores, e depois há a trama
que entrelaça tudo aquilo e faz com que as coisas não sejam uma manta de retalhos, mas que
tenham um padrão que se vai mudando, alterando, mas que tem uma certa continuidade, não
é? É estruturado, tem textura, tem luz e pronto… (Alice)

A metáfora do TEAR é a grande metáfora emergente do presente estudo, metáfora essa


que é pronunciada pela voz de uma das supervisoras entrevistadas. A metáfora do TEAR, na
forma como Alice a formulou, vai servir de motor à descrição das estratégias de "andaimação"
que procurámos descrever ao longo das entrevistas a supervisoras e às respectivas educadoras.

5.1. PÔR AS PESSOAS NO CENTRO: CORES E LUZ

Apercebo-me de que o momento de penetrar na luz


é também uma poderosa metáfora para a consciência,
para o nascimento do conhecimento,
para o advento ao mesmo tempo simples e esmagador
da entrada de si no mundo da mente.
(Damásio, 1999:21-22)

Estas palavras do investigador António Damásio ilustram bem o que procurámos descrever
anteriormente ao enunciar as raízes do conceito de scaffolding: fazer os outros tomar
consciência do que têm e do que sabem, no sentido de os poder "empurrar" ou "sustentar" para
níveis mais elaborados do conhecimento. Para isso o supervisor tem que estar atento, saber
ouvir. Esta qualidade de atenção implica uma enorme abertura interior, o estar disponível
essencial a toda a relação pedagógica, manter-se acessível, de modo a que os outros não se
sintam um peso mas um motor, uma alavanca que pode ser catapultada para a frente.

Esta postura de colocar das pessoas no centro, implica ainda aceitar diferenças, abrir-se ao
outro na sua alteridade (Levinas 1982), num investimento na qualidade de relação humana. Daí
que faça sentido ouvir as supervisoras do estudo afirmar as pessoas é que são importantes, vou
estando, é importante estar disponível, ou ouvir as supervisandas reconhecer que ela é uma
pessoa que se predispõe, que é acessível. Alarcão & Tavares afirmam:
(…) é necessário criar um clima favorável, uma atmosfera afectivo-relacional e cultural
positiva, de entre-ajuda, recíproca, espontânea, autêntica, cordial, empática, colaborativa e

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solidária (…) a fim de que os problemas que surjam no processo ensino/aprendizagem dos
alunos e nas próprias actividades de supervisão sejam devidamente identificados, analisados e
resolvidos (Alarcão & Tavares 2003, p. 61).

5.2. GERIR A BUROCRACIA: AS LINHAS

Sobre a areia o tempo poisa


Leve como um lenço
(Sophia de Mello Breyner. Obra Poética I)

Gerir a burocracia torna-se uma arte, um trabalho pouco visível que só é reconhecido
quando, de repente, esbarramos com ela. Tal como a qualidade da interacção pedagógica, a
burocracia faz parte da "trama" do tear que permite, depois, a elaboração mais requintada do
desenho. Parte integrante do processo de sustentação da equipa é "protegê-la" da burocracia,
libertando-a para a pedagogia. Este trabalho é uma arte porque pressupõe que o supervisor não
hiper-valorize as tarefas burocráticas, antes as coloque no seu devido lugar, isto é como
andaimes para uma construção que não precisa depois de os reconhecer. Num tempo em que as
escolas estão literalmente “inundadas” de papéis e burocracias, o desempenho de Alice revela-
se exemplar para outros directores ou presidentes de agrupamentos: libertar os “seus”
professores para a pedagogia. Como afirma Alice, umas vezes é preciso servir de "tampão",
outras neutralizar. Outra das supervisoras estudadas reconhece que é preciso organizar muito
bem a vida, ser uma exímia gestora do quotidiano (Vasconcelos, 1997a). Daí termos afirmado
na secção anterior que o supervisor competente se situa numa espécie de "meta-burocracia",
que, no dizer de uma das entrevistadas, joga naturalmente numa antecipação das coisas que
são precisas.

Sullivan & Glanz abordam o dilema aparentemente contraditório de querer genuinamente


ajudar os professores e, simultaneamente, ter que assumir uma função de carácter avaliativo:

(…) os supervisores ou as pessoas envolvidas com a supervisão, entretanto enfrentaram


o conflito básico do papel, a saber: o dilema não resolvido entre a necessidade de
avaliar (uma função burocrática) e o desejo genuíno de ajudar os professores no
processo instrutivo (um objectivo democrático e profissional (Sullivan & Glanz 2004, p.
25)
5.3. GERIR COM AS PESSOAS: TEXTURA

Oh tece
Tece com os cabelos
Uma coroa de água
(Eugénio de Andrade. Véspera de Água)

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A textura do tear é o resultado do trabalho anterior, o qual permite a sofisticação e o
requinte da tapeçaria. Não é algo de visível, mas algo que é tomado como adquirido. Gerir com
as pessoas pressupõe uma capacidade de criar equipas de trabalho que possam funcionar
autonomamente. Este processo pressupõe um enorme investimento na criação simultânea da
autonomia e de segurança necessárias à emergência de um sentido de iniciativa. Daí que faça
sentido escutar uma supervisora afirmar que só se pode dirigir o estabelecimento com as
pessoas e que o seu papel é ajudar na maturação da equipa, ou uma das supervisandas
reconhecer é uma gestão participativa, não é? Tudo isto pressupõe uma gestão participativa e
criativa (e criadora) dos conflitos, isto é, ajudando a que estes se tornem factores de
desenvolvimento pessoal e de grupo. Coordenar, segundo uma das entrevistadas, é ligar as
pontas. O Supervisor apresenta-se como uma "referência" que não tem que ser intrusiva,
mantendo-se como "espírito aglutinador". É também importante que o supervisor ajude à
tomada de decisão de modo consensual, ajudando nos processos de negociação. Daí que uma
grande qualidade do supervisor seja a sua capacidade de delegar, confiando em quem
desempenha a tarefa e, tal como a educadora estudada por Vasconcelos (1997a), sabendo-se
"deslocar para fora do centro", tornando-se a si própria desnecessária". Tornar-se a si própria
desnecessária torna-se uma estratégia fundamental da/o supervisora/o.

Billet insiste no papel da agência individual na mediação das implicações nas actividades e
naquilo que é aprendido através da participação. Fala na “aprendizagem guiada” em situações
de trabalho que se pode realizar de modo directo e inter-pessoal ou orientando e guiando o
acesso a experiências de trabalho. As práticas participativas recíprocas são os fundamentos de
“uma pedagogia do local de trabalho” (2002, p. 39) através da:

- estruturação intencional da participação;


- reconhecimento das consequências de diferentes possibilidades do local de
trabalho;
- papel da agência individual na forma como se envolvem nas actividades e o que
aprendem os intervenientes através da sua participação.

5.4. UMA ORIENTAÇÃO PARA A QUALIDADE PEDAGÓGICA: PADRÕES QUE SE VÃO


ALTERANDO

Oiço-o partir, o sol da mão.


O prazer do ofício,
a paciência da areia
abrindo para os caminhos do verão

(Eugénio de Andrade, Ofício de Paciência)

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Instalada a trama do tear, é possível, através do cruzamento de pontos, da mudança de
tipos de fio, da alteração de cores, ir criando e alterando os padrões. Uma tarefa que é já do
foro da arte, tal como descreve a artista de tapeçaria citada no início do presente trabalho. Este
o grande objectivo do supervisor, o que pressupõe ajudar a sua equipa a orientar-se para a
qualidade pedagógica.

A/o supervisor/a tem que ser alguém que “aconselha” e orienta na área pedagógica, dando
uma apoio de retaguarda. Trabalha na "zona de desenvolvimento próximo" (Vygotsky, 1978)
da equipa, permitindo que esta vá mais além, deixando as educadoras avançar e não criando
falsas dependências. Como afirma uma das supervisandas: Ter uma pessoa ao meu lado [a
quem eu possa dizer]: Olhe eu aqui não me sinto nada segura disto: garantir que as pessoas se
sintam sustentadas nas suas tentativas e tacteamentos que as permitem ir mais longe no seu
trabalho pedagógico com as crianças, e proporcionar "feedback", isto é, informação sobre o
desempenho observado.

Quando as supervisandas de Carmo afirmam que gostariam que ela fizesse mais
dinamização pedagógica, estão a reconhecer uma necessidade e, simultaneamente, uma
expectativa para o trabalho do supervisor. Sá-Chaves descreve este processo:

(…) Supervisão é um processo de sustentação – A meta-tarefa que este tipo de formação


implica supõe uma orientação sustentada por alguém (singular ou plural) que,
conhecendo bem os registos conceptuais que no seu engrossamento definem essa
complexidade, pode desconstruí-la de modo a que se torne compreensível ao
aprendente, a partir dos instrumentos conceptuais de que dispõe. É nesta função de
desconstrução para o outro que a função de supervisão se apresenta também como uma
função de ensino (Sá-Chaves 1994, p. 146).

5.5. SENTIDO DE PROJECTO: A TAPEÇARIA

Esta foi a sua empresa: reencontrar o limpo


Do dia primordial. Reencontrar a inteireza
Reencontrar o acordo livre e justo
E recomeçar cada coisa a partir do princípio
(…)
Em contínua memória de um projecto
Que sem cessar de novo tentaremos
(Sophia de Mello Breyner. Projecto II)

A tapeçaria, tecida de realidades múltiplas é, então, o resultado e, simultaneamente, o


objectivo do trabalho do supervisor. Por isso as supervisandas falam em alguém que "inspira",

RE, Vol. XV, nº 2, 2007 | 17


que promove "horizontes amplos", que tem uma visão cultural aberta, que ajuda a criar uma
filosofia comum. É a este nível que se pode falar em transformação, tomando a supervisão
numa perspectiva simultaneamente crítica e transformadora (Freire, 1975, 1997; Giroux, 1988;
Cortesão, 1991). Afirma uma das supervisoras que é preciso avançar, construir sempre mais
qualquer coisa para além. Para garantir este processo é preciso que a supervisora crie um
espírito aglutinador, uma "sentido de projecto", ajudando à tomada de consciência de "para
onde estamos a caminhar". A este nível situamo-nos num patamar ético-estético, eivado de
significações profundas, que apontam para um profissionalismo baseado na ética, numa re-
significação do que se entende por democracia.

Tivemos a oportunidade, noutro contexto, de defender um modelo de supervisão usando a


metáfora da "Mesa Grande" (Vasconcelos, 1995) usando um quadro teórico que se prende com
o construtivismo social. Pretendemos transpor a noção de scaffolding, utilizada no
desenvolvimento infantil, para o conceito de supervisão tal como o entendemos. Englobamos
neste conceito de supervisão tanto a supervisão da prática pedagógica dos alunos na sua
formação inicial como o processo de supervisão de profissionais em exercício. Jacobs (2001)
escreve sobre este processo na formação de professores do 1º ciclo do ensino básico.

Recorrendo à imagem dos andaimes, este processo implica erguer estruturas de apoio e
revê-las constantemente até que o edifício esteja "pronto", isto é até, que o andaime se torne
desnecessário. A supervisão deixa de ser relevante quando o indivíduo ou o grupo se tornaram
capazes de funcionar autonomamente. Este conceito de supervisão como scaffolding implica
que a quantidade de suporte será tanto maior quanto mais alto for o edifício ou a complexidade
da sua construção, estando a qualidade do suporte dependente do tipo de ajuda necessária. Por
exemplo, construir o scaffolding pode implicar: encorajar, fazer perguntas, dar sugestões,
dirigir a atenção, repetir, exemplificar ou modelizar, re-orientar, trabalhar a par ou, mesmo,
ensinar directamente, para que os adultos não absorvam passivamente as estratégias do
supervisor, mas tenham um papel criador e reconstruam a tarefa, a actividade ou situação,
através da sua própria iniciativa.

Wesley & Buysse (2001) referem os trabalhos de Waddock que descrevem os incentivos
múltiplos que promovem e trabalham para sustentar o envolvimento de diferentes participantes
em “comunidades de prática”, incluindo: a necessidade de cross-fertilization de ideias e
comunicação; a possibilidade de soluções de que os membros podem beneficiar; a
oportunidade de partilhar liderança e poder; aumento da compreensão sobre a aprendizagem
multidisciplinar; o sentido de fazer a diferença para crianças e famílias (1999, p. 121). Segundo
estes autores, as comunidades de prática emergem do desejo de os seus membros trabalharem
para a mudança: os práticos são vistos como co-construtores de saberes e usam uma abordagem
centrada na investigação (ibid., p. 118). A mudança emerge, pois, da aprendizagem individual
mediada pela organização.

O estudo sobre a Ana (Vasconcelos, 1997a) proporcionou-nos outra metáfora poderosa,


decorrente do processo de scaffolding. Quer nas suas interacções com as crianças, quer nas
suas interacções com os adultos, a Ana utilizava uma "Mesa Grande", em torno da qual os

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processos de troca e negociação se realizavam. Assim, ultrapassando o modelo triangular de
supervisão (aluno/educador cooperante/supervisor da escola de formação; ou, apenas,
docente/supervisor), o "modelo de supervisão na Mesa Grande" figura um lugar/espaço onde,
em circunstâncias diversificadas, não apenas supervisor e supervisionado “se sentam”, mas
também outros possíveis intervenientes no processo educativo: formandos, profissionais,
especialistas externos, o formador da instituição de formação, o inspector da área, e, quando
adequado, os pais ou outros elementos da comunidade. O pólo aglutinador das energias e
esforços dos participantes é qualquer coisa decorrente da sua interacção, estando, no entanto
para além deles: trata-se do projecto de escola. A supervisão "em redor da Mesa Grande" dá-se
em sistema, em organismo vivo, numa interacção dialógica (Britzman, 1991).

O supervisor coloca andaimes para que este processo se vá gerando. Ajuda a criar redes de
recursos, de comunicação e apoio. Vai ajustando o scaffolding conforme as necessidades do
grupo. E sabe encontrar o momento de retirar-se, arrumando o andaime, quando este deixa de
ser necessário, evitando criar falsas dependências. Sabe partir em silêncio, sem esperar
reconhecimento ou um simples obrigado (Vasconcelos, 1994).

Para os educadores das escolas de Reggio Emília (Itália), as funções de supervisão


administrativa e pedagógica são assumidas pelo “pedagogista”. Segundo eles:

O pedagogista, como membro da equipa de coordenadores pedagógicos, tem a tarefa


complexa e multifacetada de proporcionar recursos e promover um crescimento
cultural e social dos sistemas educativos para as crianças pequenas. Isto é conseguido
de várias maneiras , servindo sempre como um recurso ou ponto de referência para
todos os tipos de iniciativas, e sempre agindo como um elo entre as pessoas e os
grupos de educação para a primeira infância, criando uma rede de recursos para a
construção de uma plataforma que cobre toda a cidade. É um papel difícil, mas
estimulante, pois deve ser construído enquanto avançamos e, em razão do modo como
trabalhamos, como uma equipe de orientação, em ligação com outras equipes e
grupos. É deste modo que toda a nossa experiência educacional se constrói a si mesma
dentro de uma perspectiva sistémica (Edwards, Gandini & Forman 1999, p. 127)

Os educadores de Reggio Emília encaram os processos de supervisão na sua complexidade


dinâmica, como um sistema de interacções que promove a qualidade, numa partilha de
lideranças que descentra os processos dos indivíduos e os situa em dinâmicas grupais de
empowerment.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que ela amava acima de tudo era fazer bonecos de barro. (...) mergulhava os dedos naquela
mistura fria, muda e constante como uma espera; amassava, amassava, aos poucos ia
extraindo formas. Fazia crianças, (...) uma menina fazendo coisas de barro, um menino

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descansando, uma menina contente, uma menina vendo se ia chover... Muito mais, muito mais.
Pequenas formas que nada significavam, mas que eram na verdade misteriosas e calmas. Às
vezes alta como uma árvore alta, mas não eram árvores, não eram nada... Às vezes um
pequeno objecto de uma forma quase estrelada, mas sério e cansado como uma pessoa. Um
trabalho que jamais acabaria, isso era o que de mais bonito e atento ela já soubera. Pois se
ela podia fazer o que existia e o que não existia! (...) Ela observava: mesmo bem acabados,
eles eram toscos como se pudessem ainda ser trabalhados. Mas vagamente, ela pensava que
nem ela nem ninguém poderia tentar aperfeiçoá-los sem destruir sua linha de pensamento. Era
como se eles só pudessem se aperfeiçoar por si mesmos, se isso fosse possível.

(Clarice Lispector – Os bonecos de barro)

Já na fase de conclusão deste trabalho tivemos a oportunidade de ler este texto de Clarice
Lispector, escritora brasileira amplamente reconhecida. Usando uma linguagem metafórica,
Clarice Lispector descreve, de modo “imetafórico” em que consistem os processos de
supervisão. Uma espécie de bordado, concebendo bonecos de barro, dando-lhes vida e
autonomia, na convicção de que nem ela nem ninguém poderia tentar aperfeiçoá-los sem
destruir sua linha de pensamento. Era como se eles só pudessem se aperfeiçoar por si mesmos,
se isso fosse possível. Foi esse trabalho que procurámos descrever nas páginas anteriores, a
partir das vozes de um conjunto de três supervisoras e dos “ecos” das respectivas
supervisandas.

Pôr, colocar andaimes, em Pedagogia, é um "ofício de paciência", é um trabalho de


tecedeira ou de tecedor, um exercício de colaboração. É um projecto profundo de criação e de
atenção. De mestria.

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SUPERVISÃO COMO UM “TEAR” : ESTRATÉGIAS EMERGENTES DE
“ANDAIMAÇÃO” DEFINIDAS POR SUPERVISORAS E SUPERVISANDAS3

RESUMO:

Tomando como ponto de partida e de chegada a metáfora do “tear” utilizada por uma das
supervisoras entrevistadas neste estudo descrevem-se estratégias e práticas de supervisão do
ponto de vista das supervisoras e das respectivas supervisandas. Descrevem-se estratégias de
“scaffolding” (colocar andaimes) numa perspectiva individual e sistémica, envolvendo todos
os adultos em processos de aprendizagem para a melhoria da qualidade pedagógica. Estas
estratégias são descritas usando a metáfora inicial do “tear”. Fornece-se suporte teórico para
o uso destas metáforas.

Palavras-chave:
Supervisão Educacional; Formação Contínua; “Andaimação”; Educadores De Infância

3
Este trabalho foi elaborado com base nos resultados finais de um Projecto, financiado pelo Instituto
Politécnico de Lisboa, entre 2003-2006. Fizeram parte da equipa do projecto, nomeadamente para a
recolha de entrevistas, Luisa Fernandes Homem (ESELx) e Inês D’Orey (ESE Maria Ulrich). O plural
usado ao longo deste trabalho não corresponde apenas à tradição académica, mas ao sentido profundo de
que somos co-autoras deste trabalho, ainda que o texto escrito seja da minha inteira responsabilidade.

RE, Vol. XV, nº 2, 2007 | 25


SUPERVISION AS WORKING IN A LOOM: EMERGENT STRATEGIES OF
“SCAFFOLDING” AS DEFINED BY SUPERVISORS AND SUPERVISEES

ABSTRACT:

Taking as a starting point the metaphor of a” loom” used by one of the supervisors that were
interviewed in this study, some strategies and practices of supervision are described from the
point of view of the supervisors and the correspondent supervisees. Strategies of scaffolding
are described within an individual and systemic perspective, involving all adults in learning
processes towards the improvement of pedagogical quality. These strategies are described
using the initial metaphor of the “loom”. Theoretical support is provided for the use of these
metaphors.

Key-words:
Educational SupervisionIn-service trainingScaffoldingEarly Childhood Teachers

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