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XV, nº 2, 2007 | 5 - 26
Teresa Vasconcelos
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa
1. INTRODUÇÃO
O trabalho começa a ser eficaz quando sinto que ele me rodeia, tal como alguém que vai
entrando na água e o elemento diferente faz de “muro comunicante”, ao mesmo tempo
protector e perigoso.
Ordenar o caos que este ingresso produz nesse tão tranquilo universo aquático…
Em tudo isto há um factor essencial, um motivador profundo cuja definição não arrisco: as
suas raízes vão mais abaixo da cintura e mais acima do crânio.
Creio que tem a ver muito com o amor.
(Iutta Maria de las Manos, artista de tapeçaria1)
A perspectiva de trabalho da artista de tapeçaria Iutta Maria de las Manos de alguma forma
ilumina e sintetiza os resultados do estudo que apresentaremos em seguida sobre práticas de
supervisão: a imersão no contexto, a re-organização e re-construção das dinâmicas, a
profundidade das interacções que se prendem com saberes pedagógicos profundos e arcanos.
O estudo incidiu sobre práticas de supervisão em três centros para a infância na mesma
zona geográfica de Lisboa. Num trabalho anterior (Vasconcelos, 2007) procurou-se descrever,
a partir de registos naturalistas recolhidos através de entrevistas semi-directivas de
aprofundamento, as perspectivas (pontos de vista) de educadoras e supervisoras sobre os
processos de supervisão. O presente trabalho pretende aprofundar algumas estratégias
emergentes de supervisão, que apelidámos de “scaffolding” (“andaimação”, colocação de
andaimes). Num estudo anterior (Vasconcelos, D’Orey, Homem & Cabral, 2003) a dinâmica
da supervisão havia emergido como uma questão crucial ao desenvolvimento e qualidade do
trabalho pedagógico das instituições estudadas. Os guiões das entrevistas foram elaborados
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Não podemos referenciar, de modo completo, esta citação. Foi recolhida numa exposição
desta artista que pudémos visitar, há já alguns anos, na Fundação Gulbenkian.
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Não podemos referenciar, de modo completo, esta citação. Foi recolhida numa exposição desta
artista que pudémos visitar, há já alguns anos, na Fundação Gulbenkian.
pela equipa de investigação com base nos dados emergentes do estudo anterior, o qual
assumira um carácter etnográfico (Vasconcelos, 2006, 2000). As entrevistas foram tratadas
mediante uma análise de conteúdo que deu origem a grandes temas emergentes, eles próprios
objecto de tratamento aprofundado com base na evidência dos discursos das entrevistadas.
Tivemos especial cuidado com os procedimentos éticos relativos à protecção dos “sujeitos”
participantes no estudo.
A metáfora do TEAR, usada por uma das directoras entrevistadas, serve de base à
elaboração dos resultados finais do estudo. Alice (nome fictício), uma das supervisoras, explica
como vê o seu trabalho: Às vezes penso nisto como um tear, há muitas linhas, muitas cores, e
depois há a trama que entrelaça tudo aquilo e faz com que as coisas não sejam uma manta de
retalhos, mas que tenham um padrão que se vai mudando, alterando, mas que tem uma certa
continuidade, não é? É estruturado, tem textura, tem luz e pronto… Este TEAR, este tecido de
“realidades múltiplas”, irá ser apresentado ao longo do presente trabalho como forma de
explicitar as estratégias de supervisão encontradas.
2. PERSPECTIVAS TEÓRICAS
Segundo Griffin & Cole (1984) a noção de scaffolding (“scaffold” - andaime) foi
introduzida por Wood, Bruner & Ross, em 1976, com o significado de que "as intervenções de
acompanhamento dos adultos deveriam estar inversamente relacionadas com o nível de
competência da criança para executar tarefas - assim, por exemplo, quanto mais dificuldade
uma criança tivesse em atingir um determinado objectivo, mais directas deveriam ser as
intervenções" (1976, p. 284). Como tal, e de acordo com Rogoff, Malkin & Gilbride, "o
parceiro mais experiente incentiva a criança a resolver um determinado problema, colocando
andaimes que lhe permitam estender as suas competências e conhecimentos a níveis mais
elevados de desempenho" (1984, p. 33).
3. O ESTUDO
Como atrás foi indicado, o estudo incidiu sobre práticas de supervisão em três centros
para a infância na mesma zona geográfica da área da Grande Lisboa, dois da rede pública do
Ministério da Educação, inseridos em agrupamentos, e um da rede solidária, parte de um CAI
(Centro de Acolhimento Infantil) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, composto por
diferentes valências (creche, jardim de infância, ATL, atendimento a idosos, etc.). Estes três
centros serviam populações carenciadas, a viver em bairros de realojamento social.
Procuravam-se as perspectivas das supervisoras/directoras entrevistadas sobre o seu próprio
trabalho. Por outro lado, numa lógica de espelho, quis-se compreender o ponto de vista das
Alice, Beatriz e Carmo são os nomes atribuídos às directoras dos três centros. Alice é
directora do CAI da Misericórdia, exerce as suas funções a tempo inteiro numa dinâmica tripla:
supervisiona a qualidade do trabalho da equipa pedagógica ( creche e jardim de infância);
assegura a gestão administrativa do centro quer internamente, quer na sua ligação às estruturas
amplas e complexas da Misericórdia de Lisboa; assegura ainda as ligações com a comunidade,
especificamente com as “redes sociais de apoio”. Beatriz exerce as suas funções de
coordenadora do jardim de infância em acumulação coma responsabilidade total por um grupo
de crianças (incluindo crianças com necessidades educativas especiais), assegurando ainda a
ligação com a estrutura de gestão do agrupamento de escolas em que o jardim de infância (de 4
lugares) está inserido, bem como com outras estruturas comunitárias locais; recebe, ainda,
estagiárias de uma Escola Superior de Educação, estando responsável pela sua orientação.
Como veremos nos resultados das entrevistas, Beatriz sente-se insatisfeita com a multiplicidade
de funções que desempenha. Carmo dirige também um jardim de infância da rede pública, este
de 3 lugares, inserido num agrupamento, pelo que a equipa é mais pequena e circunscrita. Não
tem estagiárias e Carmo “contorna” a gestão pedagógica de modo a evitar conflitos e assume-
se mais como um “vai-vem” entre a equipa pedagógica e a gestão do agrupamento.
Porque umas das supervisoras entrevistadas utilizou uma metáfora para definir o seu
trabalho, o processo de análise foi feito usando esta metáfora como ponto de partida. Em
Oldfather & West citam trabalhos anteriores de Lakoff & Johnson chamando a atenção
para o poder iluminante da metáfora:
Há uma similitude induzida pela metáfora que vai para além das meras semelhanças
entre os dois níveis de experiência. A semelhança adicional é uma semelhança
estrutural. Implica a forma como entendemos como as experiências individuais se
harmonizam de uma forma coerente... A metáfora, pelo facto de dar uma estrutura
coerente a um conjunto de experiências pessoais, cria uma nova forma de similitude
(1980, pp 150-151).
Para Lakoff & Johnson a metáfora não é apenas uma estrutura de linguagem, é uma
estrutura conceptual:
Esta nova “gestalt” trouxe-nos um fundamento para o uso da metáfora do “tear” para fazer
a análise da informação recolhida. Oldfather & West clarificam ainda as interacções entre
intelecto e intuição no processo construtivo da metáfora, na sua “ressonância estética com a
experiência sensorial”, no sentido de permitir “novas e mais profundas dimensões” na análise
da experiência:
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“Estruturas profundas”, Segundo Oldfather & West (1994), são encaradas na acepção de
Chomsky (1972), enquanto “princípios abstractos mergulhados no pensamento. As estruturas
profundas, Segundo Oldfather & West determinam a forma como a pesquisa é conduzida. As
“estruturas profundas”, segundo as mesmas autoras, “tornam possível a construção social do
significado e da expressão” (p. 25).
Este princípio foi considerado essencial pelas três directoras e pelas respectivas
supervisandas. Uma das educadoras afirma, ao descrever o perfil do director... tem que estar
atento ao que as pessoas sentem, se há algum problema latente... (ele) tem que gerir o
estabelecimento com as pessoas. Beatriz, a directora de um dos centros da rede pública afirma:
Eu acho que uma directora tem que ser uma pessoa que consiga unir as pessoas para uma
coisa só, são as crianças e a escola. Alice, a directora do jardim de infância da Misericórdia
explica: A minha preocupação principal é muito relacional; portanto, eu acho que, numa casa
destas, as pessoas é que são importantes... como é que as pessoas crescem e qual o meu papel
no crescimento delas... a minha preocupação principal não é ver o que as pessoas fazem, é ver
como as pessoas se sentem. A perspectiva de “ver como as pessoas se sentem”, prevalecendo
sobre uma perspectiva reguladora (“ver o que as pessoas fazem”) é demonstrativa de que as
pessoas são o centro e, se os profissionais se sentirem bem no contexto de trabalho, produzirão
melhor qualidade pedagógica na sua actividade com as crianças.
Para Beatriz, a arte da função supervisiva, no que respeita às questões mais de carácter
administrativo, está na organização, de forma a que não deixe que a parte mais burocrática do
seu trabalho a invada, confessando, no entanto, a sua aversão pelos aspectos mais de carácter
legislativo que deve acompanhar: Tenho uma dificuldade enorme em ler os decretos-lei,
detesto aquilo, às vezes passo por cima disso tudo. Alice tem uma postura interessante em
relação a esta questão. Afirma que o seu papel é proteger a equipa dos aspectos mais
burocráticos que uma instituição com a dimensão da Misericórdia de Lisboa exige: Faço de
tampão, para que a burocracia não se sobreponha à pedagogia. E explica: faço isso com
muita facilidade, é a parte do meu trabalho que se relaciona com o desempenho burocrático...
portanto meto isso nos 'entretiços' e às vezes até faço em casa porque é uma coisa que não tem
sentido. Alice situa as suas prioridades numa espécie de "meta-burocracia", um estar para além
desse horizonte aparentemente limitativo, de modo a poder libertar-se para aquilo que
considera ser essencial na sua acção pedagógica como supervisora. No entanto,
contraditoriamente, e apesar dos seus esforços em sentido contrário, as educadoras do centro
que dirige afirmam: Eu acho que ela perde mais tempo com o peso da burocracia. Muitas
reuniões fora e também dentro, porque como ela está em muitos projectos.... As educadoras do
jardim de infância gerido por Carmo também afirmam: Ela às vezes é um bocadinho
absorvida pelo executivo (...) e depois não tem espaço para nós.
Só consigo ver uma saída para este dilema: é exercer o controle que for necessário
com um leve toque e nunca temperar a necessidade. No fim de contas é possível que o
controle possa ser mais ou menos importuno, mais ou menos óbvio. Também muito
vai depender daquilo que o professor pensa que é o controle. Se o fim último do
controle é tornar-se desnecessário, se o professor pretende claramente que as crianças
se tornem competentes, auto-determinadas, responsáveis, e acredita que elas são
capazes de o ser, então estou convencida que o risco de rejeição da aprendizagem será
muito mais reduzido. Portanto voltamos à questão que é a de saber se o professor
respeita verdadeiramente as crianças e deixa que elas se apercebam desse respeito. Se
esta condição for conseguida, então a orientação para a aprendizagem dentro de um
enquadramento estruturado deixará de ser vista como a acção de um guarda atrás das
barras de uma prisão (1979, p. 126) (sublinhados nossos).
Esta perspectiva pode aplicar-se à forma de gestão de equipas de trabalho e é para esse tipo
de gestão que parece apontar a estratégia de Alice na sua instituição.
Beatriz afirma que uma directora tem que ser uma pessoa que saiba respeitar as diferenças
(...), portanto é preciso haver este espírito aglutinador. As educadoras com quem trabalha
consideram que a directora tem como função ser o elo de ligação entre todas as colegas,
estabelecer... a ligação de trabalho, de funções, saber ouvir (...), quem está neste papel tem que
ser uma pessoa serena. Carmo, a directora do terceiro jardim de infância, esclarece que, em
relação às funções, faço um bocadinho a passagem entre o [Conselho] Executivo e o jardim de
infância... É mais neste sentido de ouvir e sentir, também, um bocadinho a vivência do jardim
de infância, porque no meu trabalho parto sempre do princípio de que temos as nossas funções
definidas e que toda a gente é responsável por aquilo que faz.
Alice, a única das directoras que exerce a sua função a tempo inteiro, vê o seu papel
claramente orientado para a promoção da qualidade pedagógica no contexto de uma instituição
reflexiva (Zeichner, 1993; Bolívar, 1997; Alarcão, 2000; Alarcão & Tavares, 2003): A
formação contínua, não é tanto em função daquilo que eu preciso, é mais em função da
resposta que estamos a dar e da melhor qualidade daquilo que estamos a fazer. As educadoras
que coordena especificam que Alice sobretudo dá apoio de retaguarda. Devolve os problemas,
não encobre, leva-nos a pensar... eu acho que ela delega em nós, tem confiança suficiente para
nos deixar soltas...
Beatriz, que acumula as suas funções com as de responsável por um grupo de crianças,
tem expectativas limitadas quanto à possibilidade de fazer orientação e dinamização
pedagógica: Aqui no sistema público acho que é uma utopia, porque tenho simultaneamente o
grupo de crianças. Uma das educadoras afirma que a Beatriz não gosta de estar a interferir no
Nos dois jardins de infância da rede pública emerge, claramente, por parte dos sujeitos do
estudo, a necessidade de existir o cargo de directora (ou de coordenadora) a tempo inteiro que a
disponibilize para funções de liderança necessárias ao crescimento da equipa educativa.
As educadoras geridas por Alice afirmam, em contraponto que, nas reuniões com ela,
tratamos da organização, da gestão do currículo, vendo a questão da gestão do currículo, não
como uma tarefa individual do educador, mas como um trabalho que se faz em equipa, no
colectivo, um dado que nos parece extremamente relevante quando falamos em supervisão
pedagógica (Roldão, 2006, 2007).
5. ESTRATÉGIAS DE “ANDAIMAÇÃO”
Às vezes penso nisto como um tear, há muitas linhas, muitas cores, e depois há a trama
que entrelaça tudo aquilo e faz com que as coisas não sejam uma manta de retalhos, mas que
tenham um padrão que se vai mudando, alterando, mas que tem uma certa continuidade, não
é? É estruturado, tem textura, tem luz e pronto… (Alice)
Estas palavras do investigador António Damásio ilustram bem o que procurámos descrever
anteriormente ao enunciar as raízes do conceito de scaffolding: fazer os outros tomar
consciência do que têm e do que sabem, no sentido de os poder "empurrar" ou "sustentar" para
níveis mais elaborados do conhecimento. Para isso o supervisor tem que estar atento, saber
ouvir. Esta qualidade de atenção implica uma enorme abertura interior, o estar disponível
essencial a toda a relação pedagógica, manter-se acessível, de modo a que os outros não se
sintam um peso mas um motor, uma alavanca que pode ser catapultada para a frente.
Esta postura de colocar das pessoas no centro, implica ainda aceitar diferenças, abrir-se ao
outro na sua alteridade (Levinas 1982), num investimento na qualidade de relação humana. Daí
que faça sentido ouvir as supervisoras do estudo afirmar as pessoas é que são importantes, vou
estando, é importante estar disponível, ou ouvir as supervisandas reconhecer que ela é uma
pessoa que se predispõe, que é acessível. Alarcão & Tavares afirmam:
(…) é necessário criar um clima favorável, uma atmosfera afectivo-relacional e cultural
positiva, de entre-ajuda, recíproca, espontânea, autêntica, cordial, empática, colaborativa e
Gerir a burocracia torna-se uma arte, um trabalho pouco visível que só é reconhecido
quando, de repente, esbarramos com ela. Tal como a qualidade da interacção pedagógica, a
burocracia faz parte da "trama" do tear que permite, depois, a elaboração mais requintada do
desenho. Parte integrante do processo de sustentação da equipa é "protegê-la" da burocracia,
libertando-a para a pedagogia. Este trabalho é uma arte porque pressupõe que o supervisor não
hiper-valorize as tarefas burocráticas, antes as coloque no seu devido lugar, isto é como
andaimes para uma construção que não precisa depois de os reconhecer. Num tempo em que as
escolas estão literalmente “inundadas” de papéis e burocracias, o desempenho de Alice revela-
se exemplar para outros directores ou presidentes de agrupamentos: libertar os “seus”
professores para a pedagogia. Como afirma Alice, umas vezes é preciso servir de "tampão",
outras neutralizar. Outra das supervisoras estudadas reconhece que é preciso organizar muito
bem a vida, ser uma exímia gestora do quotidiano (Vasconcelos, 1997a). Daí termos afirmado
na secção anterior que o supervisor competente se situa numa espécie de "meta-burocracia",
que, no dizer de uma das entrevistadas, joga naturalmente numa antecipação das coisas que
são precisas.
Oh tece
Tece com os cabelos
Uma coroa de água
(Eugénio de Andrade. Véspera de Água)
Billet insiste no papel da agência individual na mediação das implicações nas actividades e
naquilo que é aprendido através da participação. Fala na “aprendizagem guiada” em situações
de trabalho que se pode realizar de modo directo e inter-pessoal ou orientando e guiando o
acesso a experiências de trabalho. As práticas participativas recíprocas são os fundamentos de
“uma pedagogia do local de trabalho” (2002, p. 39) através da:
A/o supervisor/a tem que ser alguém que “aconselha” e orienta na área pedagógica, dando
uma apoio de retaguarda. Trabalha na "zona de desenvolvimento próximo" (Vygotsky, 1978)
da equipa, permitindo que esta vá mais além, deixando as educadoras avançar e não criando
falsas dependências. Como afirma uma das supervisandas: Ter uma pessoa ao meu lado [a
quem eu possa dizer]: Olhe eu aqui não me sinto nada segura disto: garantir que as pessoas se
sintam sustentadas nas suas tentativas e tacteamentos que as permitem ir mais longe no seu
trabalho pedagógico com as crianças, e proporcionar "feedback", isto é, informação sobre o
desempenho observado.
Quando as supervisandas de Carmo afirmam que gostariam que ela fizesse mais
dinamização pedagógica, estão a reconhecer uma necessidade e, simultaneamente, uma
expectativa para o trabalho do supervisor. Sá-Chaves descreve este processo:
Recorrendo à imagem dos andaimes, este processo implica erguer estruturas de apoio e
revê-las constantemente até que o edifício esteja "pronto", isto é até, que o andaime se torne
desnecessário. A supervisão deixa de ser relevante quando o indivíduo ou o grupo se tornaram
capazes de funcionar autonomamente. Este conceito de supervisão como scaffolding implica
que a quantidade de suporte será tanto maior quanto mais alto for o edifício ou a complexidade
da sua construção, estando a qualidade do suporte dependente do tipo de ajuda necessária. Por
exemplo, construir o scaffolding pode implicar: encorajar, fazer perguntas, dar sugestões,
dirigir a atenção, repetir, exemplificar ou modelizar, re-orientar, trabalhar a par ou, mesmo,
ensinar directamente, para que os adultos não absorvam passivamente as estratégias do
supervisor, mas tenham um papel criador e reconstruam a tarefa, a actividade ou situação,
através da sua própria iniciativa.
Wesley & Buysse (2001) referem os trabalhos de Waddock que descrevem os incentivos
múltiplos que promovem e trabalham para sustentar o envolvimento de diferentes participantes
em “comunidades de prática”, incluindo: a necessidade de cross-fertilization de ideias e
comunicação; a possibilidade de soluções de que os membros podem beneficiar; a
oportunidade de partilhar liderança e poder; aumento da compreensão sobre a aprendizagem
multidisciplinar; o sentido de fazer a diferença para crianças e famílias (1999, p. 121). Segundo
estes autores, as comunidades de prática emergem do desejo de os seus membros trabalharem
para a mudança: os práticos são vistos como co-construtores de saberes e usam uma abordagem
centrada na investigação (ibid., p. 118). A mudança emerge, pois, da aprendizagem individual
mediada pela organização.
O supervisor coloca andaimes para que este processo se vá gerando. Ajuda a criar redes de
recursos, de comunicação e apoio. Vai ajustando o scaffolding conforme as necessidades do
grupo. E sabe encontrar o momento de retirar-se, arrumando o andaime, quando este deixa de
ser necessário, evitando criar falsas dependências. Sabe partir em silêncio, sem esperar
reconhecimento ou um simples obrigado (Vasconcelos, 1994).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que ela amava acima de tudo era fazer bonecos de barro. (...) mergulhava os dedos naquela
mistura fria, muda e constante como uma espera; amassava, amassava, aos poucos ia
extraindo formas. Fazia crianças, (...) uma menina fazendo coisas de barro, um menino
Já na fase de conclusão deste trabalho tivemos a oportunidade de ler este texto de Clarice
Lispector, escritora brasileira amplamente reconhecida. Usando uma linguagem metafórica,
Clarice Lispector descreve, de modo “imetafórico” em que consistem os processos de
supervisão. Uma espécie de bordado, concebendo bonecos de barro, dando-lhes vida e
autonomia, na convicção de que nem ela nem ninguém poderia tentar aperfeiçoá-los sem
destruir sua linha de pensamento. Era como se eles só pudessem se aperfeiçoar por si mesmos,
se isso fosse possível. Foi esse trabalho que procurámos descrever nas páginas anteriores, a
partir das vozes de um conjunto de três supervisoras e dos “ecos” das respectivas
supervisandas.
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RESUMO:
Tomando como ponto de partida e de chegada a metáfora do “tear” utilizada por uma das
supervisoras entrevistadas neste estudo descrevem-se estratégias e práticas de supervisão do
ponto de vista das supervisoras e das respectivas supervisandas. Descrevem-se estratégias de
“scaffolding” (colocar andaimes) numa perspectiva individual e sistémica, envolvendo todos
os adultos em processos de aprendizagem para a melhoria da qualidade pedagógica. Estas
estratégias são descritas usando a metáfora inicial do “tear”. Fornece-se suporte teórico para
o uso destas metáforas.
Palavras-chave:
Supervisão Educacional; Formação Contínua; “Andaimação”; Educadores De Infância
3
Este trabalho foi elaborado com base nos resultados finais de um Projecto, financiado pelo Instituto
Politécnico de Lisboa, entre 2003-2006. Fizeram parte da equipa do projecto, nomeadamente para a
recolha de entrevistas, Luisa Fernandes Homem (ESELx) e Inês D’Orey (ESE Maria Ulrich). O plural
usado ao longo deste trabalho não corresponde apenas à tradição académica, mas ao sentido profundo de
que somos co-autoras deste trabalho, ainda que o texto escrito seja da minha inteira responsabilidade.
ABSTRACT:
Taking as a starting point the metaphor of a” loom” used by one of the supervisors that were
interviewed in this study, some strategies and practices of supervision are described from the
point of view of the supervisors and the correspondent supervisees. Strategies of scaffolding
are described within an individual and systemic perspective, involving all adults in learning
processes towards the improvement of pedagogical quality. These strategies are described
using the initial metaphor of the “loom”. Theoretical support is provided for the use of these
metaphors.
Key-words:
Educational SupervisionIn-service trainingScaffoldingEarly Childhood Teachers