Você está na página 1de 7

4 Aprendizagem Social/Situada

Capítulo 4
Princípios da aprendizagem social ou situada
A aprendizagem social ou situada (ou ainda “cognição situada”), assim como a ideia de “comunidades de prática”, tem muitos aspectos e origens em
comum com as teorias previamente estudadas aqui (sociointeracionismo e conceituação na ação). No entanto, há nesta abordagem, que possui várias
ramificações teóricas, outros olhares sobre o fator social e cultural da aprendizagem que traz contribuições importantes à reflexão sobre aprendizagem
na Educação Profissional.

Diz Cescon (2016, p. 38) que:

"o paradigma da cognição situada é, atualmente, uma das tendências mais representativas e promissoras da teoria e da atividade sócio-cultural
(Daniels, 2003). Seu ponto de referência é os escritos de Vygotsky (1986; 1988) e autores como Leontiev (1978) e Luria (1987) e, mais recentemente, os
trabalhos de Rogoff (1993), Lave (1997), Bereiter (1997), Engeström e Cole (1997), Wenger (2001), só para citar os mais conhecidos no âmbito
educativo".
Fonte: Macrovector / Freepik (Fotografias de Wikipedia Commons)

Estes pesquisadores analisaram contextos escolares, contextos profissionais e o modo como neles se pensa e se promove a aprendizagem.
Constataram que em instituições de ensino há uma crença de que “o conhecimento pode ser abstraído das situações em que se aprende” (idem).
Questionaram, então, a grande quantidade de atividades pedagógicas que descontextualizam os conhecimentos, tratados como se fossem
independentes das situações das práticas sociais e culturais nas quais se originam. É muito mais difícil, nestas condições, o aprendiz encontrar
motivação, significância e relevância social nas aprendizagens.

De forma diferente, “os teóricos da cognição situada partem da premissa de que o conhecimento é situado, é parte e produto da atividade, do
contexto e da cultura em que se desenvolve e é utilizado” (idem).

Para eles, a aprendizagem escolar é antes de mais nada um processo de “enculturação”, ou seja, de participação e de “entrada” em determinadas
comunidades, que possuem práticas sociais às quais os aprendizes irão se integrar, com ritmos e formas diferentes uns dos outros, mas segundo
princípios sociais de aprendizagem. Entre tais princípios, está, vale repetir, o de que a aprendizagem deve ocorrer em contextos pertinentes para se
tornar efetiva e relevante para o aprendiz. Em tais contextos, separa-se menos o “saber” do “fazer”. Isso se traduz na busca de um ensino que promova
práticas educativas mais autênticas, com maior relevância cultural e social. Ou seja, é preciso recontextualizar os saberes em situações em que estes
saberes tinham sentido, em que os atores tinham objetivos, problemas a resolver, agindo segundo determinados padrões ou diante de incertezas, em
meio a relações de poder, etc. Cescon lembra que:
"Hendricks (2001) propõe que, partindo da visão situada, os educandos deveriam aprender envolvendo-se no mesmo tipo de atividades que os
especialistas enfrentam em diferentes campos do conhecimento. Paradoxalmente, na cultura escolarizada com frequência procura-se criar práticas ou
atividades científico-sociais semelhantes às realizadas pelos especialistas e pretende-se que os alunos pensem ou atuem como matemáticos, biólogos,
historiadores, etc. Entretanto, o ensino não acontece em contextos significativos, não se enfrenta problemas nem situações reais, nem se promove a
reflexão na ação, nem se ensina estratégias adaptativas e extrapoláveis. O conhecimento do especialista, diferentemente do possuído pelo novato, não
difere somente na quantidade ou profundidade da informação, mas em sua qualidade, já que é um conhecimento profissional dinâmico,
autorregulado, reflexivo e estratégico". (CESCON, 2016, p. 39)

Oliveira e Santos (2011, p. 43) lembram então que “três aspectos são imprescindíveis para que se entenda a aprendizagem ou cognição como sendo
situada:

1º) porque remete a pensamentos e ações das pessoas que acontecem em um espaço, em um tempo;

2º) porque diz respeito a práticas sociais nas quais estão em jogo a participação e o envolvimento de outras pessoas;

3º) porque é sempre atrelada a contextos sociais, marcadamente reconhecidos como fontes de significados e de significações”.
4.1 Comunidades de Prática

Capítulo 4.1
Comunidades de Prática
Uma das mais interessantes abordagens de aprendizagem social para a Educação Profissional é a das Comunidades de Prática. Esta expressão foi
cunhada na década de 1990 por Jean Lave e Etienne Wenger (1991), quando estudaram grupos de alfaiates do leste africano (e depois em vários
outros âmbitos profissionais). Perceberam que havia um movimento de participação periférica dos aprendizes de alfaiate que ia se legitimando por
meio do seu engajamento em diversas tarefas do ofício e que a aprendizagem ocorria não apenas na relação mestre-aprendiz, mas informalmente
entre diversos dos trabalhadores envolvidos nas tarefas.

Fonte: Macrovector / Freepik


Este olhar social para a aprendizagem alavancou a crença de que, para o aprendiz não ser tratado como um receptor passivo de um conhecimento
separado do seu mundo de origem, é considerado fundamental que ele se engaje em uma comunidade de prática, que possa agir “sobre as situações
e com as situações acarretando recíproca mudança” (OLIVEIRA; SANTOS, 2011, p. 43). Este engajamento em situações específicas é condição para que
qualquer generalização do saber faça sentido. Afinal, “saber uma regra geral de modo algum assegura a capacidade de generalizá-la em situações
específicas nas quais a mesma seja relevante” (LAVE; WENGER, 1991, p. 34). Para Lave e Wenger, a capacidade de generalização do conhecimento
“reside no poder para renegociar o significado do passado e do futuro quando da construção do significado das circunstâncias presentes” (LAVE e
WENGER, 1991, p. 34).

Em 2002, Etienne Wenger se junta a McDermott e Snyder para formular as condições que permitem cultivar comunidades de prática. Algumas destas
formulações são muito inspiradoras para o contexto da formação de trabalhadores.

Para começar, identificam uma Comunidade de Prática (CoP) como sendo um “grupo de pessoas que compartilham preocupações, um conjunto de
problemas ou uma paixão sobre um assunto e que aprofundam seus conhecimentos e expertises nessa área ao interagirem de maneira contínua”
(WENGER, MCDERMOTT; SNYDER, 2002, p. 4). Não é uma comunidade idealizada: há conflitos, relações de poder, divergências nos grupos. Contudo,
há nelas uma estrutura básica que faz com que CoPs nasçam, se desenvolvam, se transformem ou, eventualmente, desapareçam. Esta estrutura é
composta de três elementos relacionados:

um domínio, ou seja, o corpo de conhecimento, que gera um senso de responsabilidade, define o compromisso (não são um grupo de amigos
reunidos apenas), a identidade do grupo, a sua motivação em participar;

a comunidade, interessada no domínio, interage, com base em relações de respeito e confiança, sem o que dificilmente compartilhariam suas
experiências, dúvidas, anseios. A comunidade é a trama social da aprendizagem, enriquecida pelas contribuições diversificadas dos indivíduos, os
quais, por sua vez, compartilham uma visão geral, um senso de pertencimento. Esta riqueza de visões individuais e compromisso mútuo é um
campo fértil para a aprendizagem e a criatividade;

as práticas referem-se aos modos de agir da comunidade no domínio que a une e pode incluir experiências, ferramentas, histórias, modelos,
manuais, entre outros - abrangendo aspectos tácitos e explícitos. Esse conhecimento não é estático, ele evolui ao longo do tempo e a medida que
novas situações e novos conhecimentos são apresentados, a prática também evolui. Ela é um currículo vivo e uma espécie de mini cultura que une a
CP, incorporando comportamentos e posturas éticas, por exemplo.

Há hoje muitas CoPs virtuais além daquelas que se formam por meio de atividades presenciais. Se os membros de uma CoP buscam desenvolver ou
aprimorar seus conhecimentos, é fundamental lembrar que se trata de “criar uma prática compartilhada transcende o caráter interpessoal da rede de
relacionamentos informais e se manifesta nas questões de pertencimento, identidade e comportamento” (CASTANHEIRA E COSTA, ALLAIN, 2020).
Em suma, as CoPs se formam nas intensas trocas entre trabalhadores engajados mutuamente em um empreendimento conjunto (há uma infinidade de
exemplos, basta você fechar os olhos e encontrará algum) com um repertório compartilhado de práticas, que “rotinas, palavras, ferramentas, modos de
fazer coisas, histórias, gestos, símbolos, gêneros, ações ou conceitos que a comunidade produziu ou adotou no decorrer de sua existência e que se
tornou parte de sua prática” (CALVO, 2017, p. 194).

Isso é muito interessante para pensar a aprendizagem (e a formação) profissional, pois raras vezes pensamos que estamos preparando os estudantes
para entrarem em Comunidades de Práticas profissionais. Como professores, inclusive, tendemos a trabalhar muito isoladamente e a termos poucas
trocas (embora nem sempre as melhores condições para isso, vale dizer).

Temos, então, alguns ensinamentos a retirar desta teoria das Comunidades de Prática

Como pode ser pensada a aprendizagem a partir das CoPs?

Aprender é, no fundo, construir e transformar identidades. A aprendizagem tem a ver com o que você está se tornando, diz Wenger. Aprender uma
profissão é transformar profundamente a sua identidade, é um tornar-se. Este aprender como transformação identitária acontece: na experiência de
si mesmo, uma experiência negociada com os outros, na trajetória de aprendizado, no sentir-se parte de algo (pertencimento definido globalmente
em relação à CoP, mas experimentado localmente, nas práticas). Identidade aqui não é restrita. Podemos ter múltiplos pertencimentos e integrar
diversas CoPs…;

Para promover esta aprendizagem, deve-se criar para o aprendiz oportunidades de engajamento na prática (aquele rico conjunto de atividades
compartilhadas de que falamos acima);

A comunidade torna-se um “currículo vivo” para o aprendiz (e pode ser também para o professor).

Finalizaremos com mais duas ideias que consideramos importantes a respeito das CoPs.

Primeiro, utilizaremos as belas palavras de Lave e Wenger: “Uma bela consequência é que: “Uma comunidade de prática é uma condição intrínseca
para a existência de conhecimento, também porque ela fornece o apoio interpretativo necessário para fazer sentido de seu legado (...)” (WENGER;
LAVE, 1991, p. 34).

Segundo, como diz Calvo, podemos com estas considerações enfrentar o que ele chama de “obstáculos epistemológicos” que são comuns no ensino:

1) Concepção de aprendizagem como algo que acontece eminentemente a partir de mecanismos explícitos e formais;

2) Concepção do conhecimento como patrimônio individual, gerador de prestígio e poder” (p. 205).

Você também pode gostar