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O CASO EMMA ECKSTEIN NA HISTERIA E REPREENSÃO.

Caroline Wachholz Muterle e Cler Maite Ramos Alves

INTRODUÇÃO

O caso Emma Eckstein é, por alguns autores, a origem e aprofundamento dos


conhecimentos e teorias de Freud na histeria. Ainda que de forma trágica, o caso de Emma
serviu como experiência de “tentativa e erro” para Sigmund. A paciente acabou ter suas
narinas cauterizadas e operadas em decorrência da teoria que estabelecia a relação entre vias
aéreas e órgãos genitais, justamente por sua masturbação constante e diversas hemorragias
nasais. Relacionando-se aqui, o conceito de histeria e trauma retardado – assuntos tidos como
causais dos sintomas de Emma.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nos estudos sobre histeria (1892-1895/1996) Freud e Breuer afirmam que na origem
da patologia existe uma vivência traumática em que o paciente não conseguiu reagir,
causando então os sintomas da doença.

Porém Freud usou o caso de Emma Eckstein para explicar a repressão. Nós não
sabemos o que Freud considerava como a raíz do problema de Eckstein. Sua posição teórica,
expressa seguidamente, foi que os sintomas histéricos na fase da latência (após aprox. os 8
anos de idade) ou na adolescência quase que invariavelmente representa os efeitos de um
abuso sexual muito mais cedo.

Sigmund na época estava convencido que as memórias de Emma eram reais. “Cena”
[Szene] como Freud usou na passagem do “Projeto” vai além de qualquer questionamento
como referência para algo que realmente aconteceu. Não foi até mais tarde que Freud passou
a ver essas “cenas” como fantasias. Essa passagem de o “Projeto” apresenta que no final das
contas, a operação de Emma Eckstein, preocupou Freud para com os eventos e traumas
anteriores e seus efeitos tardios na vida emocional da vítima.

A nova teoria de Freud foi publicada pela primeira vez no jornal francês Revue
Neurologique em março de 1896. Seu artigo foi chamado de “L’Hérédité et l’étiologie des
nevroses.” Onde publicou pela primeira vez o uso das palavras “psicanálise” e
“psiconeurose”. Freud afirmou possuir “a psicanalise completa em treze casos de histeria”. E
em um alguns desses casos Freud escreveu “foi um evento do tipo definido a cima (sedução
na infância) que faltou. Foi representado tanto por um abuso brutal por um adulto ou uma
sedução mais rápida e menos repulsiva, mas chegando a mesma conclusão (mesmo efeito)”
(FREUD, 1896).

Freud e Breuer partiam da ideia de que na base da histeria havia uma experiência real
traumática que a originava, por causa dessa situação traumática havia uma divisão da
consciência, porém esta não explicava a origem da histeria, como afirmava Janet. Mas esta
experiência traumática e a lembrança dela causavam um afeto aflitivo. O que resultava em
uma defesa por parte do ego frente à experiência traumática vivida. Diante desse trauma
sofrido pelo histérico era necessária a retirada da lembrança desta experiência por meio do
esquecimento, o que tornaria uma divisão secundária da consciência. Esquecimento esse,
denominado de recalcamento: esquecer a ideia, retirando o afeto aflitivo e deslocando-o para
uma inervação somática, por meio do que Freud denomina conversão.

Após proferir na Sociedade de Psiquiatria uma conferência chamada a etiologia da


histeria (1896/1996), Freud expressa sua ideia de que a causa da histeria era propriamente
psíquica, causada pela incapacidade de processas o trauma vivido pelo histérico na área da
sexualidade.

Após vermos que a compulsão histérica ocorre originada por uma formação simbólica
que chamamos de formação primária, ativada pela defesa por parte do ego, observamos que
isso tudo ocorre apenas na esfera sexual.

Emma não se sente segura para entrar sozinha em lojas, o motivo seria uma lembrança
de quando tinha aproximadamente doze anos, quando entrou em uma loja para comprar algo e
viu dois vendedores rindo juntos e saiu correndo. Ao final lembra que os dois riam de suas
roupas e que um deles, havia a agradado sexualmente.

No entanto se o que lhe incomodava era o fato de rirem de suas roupas, esta lembrança
teria sido remediada ao passar do tempo em que passou a se vestir como moça. Fica claro que
o fato de entrar ou não sozinha em alguma loja, não tem a ver com as roupas que Emma veste.
Ao final dos relatos pode se concluir que as lembranças não explicam a compulsão histérica
nem a ativação do sintoma. Porém, uma segunda lembrança que Emma não relatou na Cena I
e também afirmou não ter tido em mente anteriormente, revela que aos oito anos de idade, ao
ir a uma confeitaria por duas vezes, a mesma teria sido na primeira vez, agarrada pelo
proprietário nas genitais por cima da roupa, mas ao invés de evitar ir a confeitaria, retornou
uma segunda vez ao local. E agora se recrimina por ter ido novamente, como se tivesse a
intenção de provocar o causador do ato. Sua consciência pesa por esse motivo, trazendo à
tona tais lembranças.

Agora compreendemos a cena I (vendedores) e a combinamos com a cena II (dono da


confeitaria), necessitando apenas de um vínculo entre elas. A mesma indica que é dado pelo
riso, o qual foi proferido pelos vendedores, fazendo com que ativasse de forma inconsciente o
gatilho do trauma passado por meio das semelhanças do momento, quando o dono da
confeitaria acompanhou a sua investida. A memória despertou a liberação sexual, a qual virou
angústia, e por conta disso, teve medo que os vendedores acabassem por repetir o ato abusivo
do dono e saiu correndo.

O fato de que a liberação sexual também perpetrou-se na consciência, comprova a


atração que a mesma sentiu pelo vendedor que ria. O fato de ela não comparecer sozinha a
loja em decorrência do medo é completamente racional se analisar que foi fundamentado de
forma associativa.

Porém, nada do processo adentrou a consciência, exceto pelas “roupas” e o


pensamento conscientemente operante que estabeleceu duas conexões errôneas: (1) que riam
dela por conta da sua roupa, (2) que ela havia ficado excitada sexualmente por um dos
vendedores.

O complexo por inteiro teve seu simbolismo firmado na consciência de roupas, a parte
mais inocente da cena. Logo, havendo um recalcamento por meio dos símbolos. O caso de o
sintoma ter sido construído de forma racional sem influência do símbolo é considerado algo
peculiar no caso de Emma.

Deve-se levar em conta que é comum ocorrer a associação passar por inúmeros
vínculos inconscientes até se ligar a algo consciente, que é o que acontece nesse caso, em que
o que “traz a tona” é o interesse especial. Mas no caso, o que mais chama atenção é
justamente que o elemento na consciência não desperta interesse, mas sim a qualidade do
símbolo, nesse caso, a roupa.

A possível resposta para esse processo interpolado seria, então, a liberação sexual – a
qual também possui provas na consciência. Isso se vincula ao atentado, porém é altamente
digno de nota que a liberação sexual não criou vinculo com o atentado quando ocorreu, porém
só depois, quando o mesmo foi relembrado após a puberdade, tendo agora a compreensão do
ocorrido.

Portanto, esse caso é típico do recalcamento na histeria, onde se recalca lembranças


que possuem traumatização retardada.

REFERÊNCIAS

CASTIEL, S; SIBEMBERG, A; FIRPO, L and SILVA, R. Defesa e trauma: do projeto à


atualidade. Ágora (Rio J.) [online]. 2012, vol.15, n.1, pp.63-77. ISSN 1809-4414.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-14982012000100005.

FREUD,S. (1893) "Sobre os mecanismos psíquicos dos fenômenos histéricos: uma


conferência", v.3, p.35-47.

FREUD, S. (1894) "As neuropsicoses de defesa", v.3, p.51 a 72.

FREUD, S. (1892-1895) "Estudos sobre a histeria", v.2, p.13 a 32.

FREUD, S. (1896) "A etiologia da histeria", v.3, p.187 a 215.

MASSON, J. (1984) “Freud and the Seduction Theory: A challenge to the foundations of
psychoanalysis”.
Disponível em: <https://www.theatlantic.com/magazine/archive/1984/02/freud-and-the-
seduction-theory/376313/>

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