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A Importância

da Forma
Cinematográfica
Por que o diretor é o autor do filme?

Arthur Tuoto
POR QUE ESTUDAR A FORMA?
Quando assistimos a algum filme e tentamos analisá-lo, alguns
elementos audiovisuais podem ser subestimados. As três aulas
que elaborei, juntamente com o material complementar e as
referências usadas, irão tornar mais rica e mais consciente sua
relação com o cinema.
Não basta analisar um filme somente a partir do seu conteúdo ou
de uma pretensa cartilha técnica, devemos estabelecer uma
relação direta com a forma cinematográfica..
OS ELEMENTOS ESPECÍFICOS DO CINEMA
Na minha perspectiva, o principal problema na relação das pessoas
com o cinema - desde espectadores até críticos de cinema e
cineastas - é uma falha na distinção sobre quais são os elementos
específicos do cinema.
Por exemplo, quando se pergunta para uma pessoa por que ela
gostou de um filme, é comum a pessoa responder que a obra tem
uma boa história, um bom plot twist. Os filmes de Tarantino, por
exemplo, possuem bons diálogos e personagens bem construídos.
Garota Exemplar (2014), de David Fincher, tem um plot twist
impactante. É comum uma pessoa descrever a sua relação com o
cinema através de elementos literários, e não cinematográficos.
A forma geralmente é citada somente quando existe um elemento
formal mais evidente. É assim, por exemplo, quando algumas
pessoas citam a fotografia de um filme. Alfonso Cuarón usou o
preto e branco de forma impositiva em Roma (2018) para trazer
beleza à fotografia. Nesse caso, a forma do cinema está
escancarada e, sendo assim, as pessoas tendem a perceber isso
com mais facilidade.
O IMPACTO ESTILÍSTICO
Se a história de um filme nos impactou, não é só porque essa
história é boa, é porque o diretor soube articular elementos formais
e estilísticos que tornaram essa narrativa impactante.
O impacto do plot twist de Garota Exemplar tem relação direta com
os elementos estilísticos do filme. Fincher nos manipula com sua
abordagem visual objetiva. A montagem é dinâmica, bem como a
decupagem. Os planos expressivos que Fincher faz não entregam o
filme, mas mostram um mundo de falsas aparências.
Outro diretor poderia ter outra visão do roteiro e fazer escolhas
audiovisuais que causassem outro impacto. A premissa do filme é
bastante melodramática, mas a abordagem sóbria de Fincher
mostra-se moderna.
O RIGOR FORMAL DE QUENTIN TARANTINO
Tarantino é um cineasta famoso por seus filmes repletos de
diálogos e personagens bem construídos. Porém para tudo isso de
fato ser impactante ele articula formalmente muito bem suas
ideias.
No diálogo inicial de Bastardos Inglórios (2009) observamos seu
rigor formal. As escolhas estilísticas envolvem desde movimentos
sutis de câmera até a forma como os atores se portam e o tom das
suas vozes. O diálogo é bom, mas é impactante somente devido às
escolhas formais de Tarantino.
O momento de maior tensão da cena é construído por uma escolha
formal do diretor: a câmera mostra o fazendeiro sentado de perfil,
faz um movimento para baixo (chamado pedestal), mostra o sapato
do homem, o piso da casa, até mostrar uma família judia escondida
no porão. Tudo isso em apenas um plano.
O diretor poderia não ter feito isso em um plano sequência, ele
poderia ter cortado para um plano da família no porão ouvindo a
conversa. Esse movimento de câmera, essa escolha formal,
preserva a tensão da cena pois evidencia muito bem a proximidade
entre o oficial nazista e família judia.
UM ROTEIRO GENÉRICO
Garota Exemplar e Bastardos Inglórios são filmes com premissas
complexas. Por outro lado, existem filmes com premissas
genéricas que também tornam-se impactantes pela forma como o
diretor os aborda.
John Wick (2014) é um desses exemplos. O roteiro é de certa
forma clichê, pois tem como objetivo homenagear alguns
elementos do cinema de ação.
Então o que torna o filme bom? Tanto no primeiro como no terceiro
filme da franquia, o diretor equilibra muito bem uma abordagem
caricata que remete ao gênero da fantasia com cenas de luta
realistas e convincentes. O diretor concebe uma contextualização
estilística própria a partir de escolhas formais.

A UNIDADE ESTILÍSTICA
O autor do filme é o diretor pois ele é o responsável pelas escolhas
estilísticas que definem o impacto cinematográfico da obra, desde
o modo como a câmera se move até o modo como o ator fala, além
de vários outros detalhes envolvendo os elementos da linguagem
cinematográfica.
Cada olhar entre os atores, cada corte, cada enquadramento,
respondem à unidade estilística, também chamada de mise-en-
scène, que é a ideia cinematográfica do diretor sobre como ele quer
filmar o roteiro.
OS ESPAÇOS APARENTES DE O ILUMINADO (1980)
Ao assistirmos a filmes baseados em livros sabemos que a
premissa já existe. O diferencial é a forma como o diretor aborda a
história.
Em O Iluminado (1980), Kubrick articula ideias formais para reforçar
sua visão sobre o livro de Stephen King. A decupagem do longa é
toda baseada em movimentos nos quais a câmera paira pelos
espaços, como se fosse uma entidade observando os personagens.
Kubrick filma planos muito abertos, ao mesmo tempo que deixa
tudo em foco. Tudo é bastante aparente e evidente. Embora seja
um filme de terror, tudo é muito visível e bem iluminado. Tudo isso
evidencia a fragilidade dos personagens frente àquele espaço.
O Iluminado não é bom somente pela história ou pela fotografia,
mas porque equilibra a visão formal própria do diretor com o
conteúdo, com a história.
A DESUMANIZAÇÃO EM VIDAS SECAS (1963)
A adaptação do romance de Graciliano Ramos conta a história de
uma família que caminha pelo sertão nordestino em busca de
sobrevivência e trabalho. O aspecto mais marcante da narrativa é a
desumanização dos personagens. São pessoas sem presença no
mundo. Elas falam pouco e baixo devido ao próprio sofrimento que
vivem.
A forma do filme articula muito bem essa ideia na maneira em que
aborda os personagens em relação ao espaço. Em vários momentos
a luz está estourada. O céu torna-se branco e sem vida, sem
nuvens. No plano final a família vai desaparecendo no horizonte.
Em boa parte do longa, sentimos que os cenários irão engolir os
personagens. A premissa não é do cineasta, pois o filme é uma
adaptação literária, mas a forma reforça o tema da obra a partir de
elementos cinematográficos.
AARON SORKIN E CHARLIE KAUFMAN
Aaron Sorkin e Charlie Kaufman são conhecidos por seus
excelentes roteiros. Sorkin faz roteiros com diálogos rápidos e uma
dramaturgia dinâmica. Kaufman trabalha temas contemporâneos
através de elementos lúdicos e surrealistas, expondo a intimidade
de seus personagens. Ainda assim, os roteiros de Sorkin e Kaufman
também estão submissos às escolhas formais do diretor.
Em A Rede Social (2010), Fincher trouxe realismo ao filme, com
uma montagem ágil e atuação mais natural. O drama acontece na
sucessão dos acontecimentos. Já Danny Boyle deu a Steve Jobs
(2015) um tom melodramático. As cenas isoladas do filme têm uma
intensidade dramática maior.
Ou seja, diretores diferentes trabalhando com roteiros da mesma
pessoa produzem trabalhos diferentes. Em 2017 Aaron Sorkin
dirigiu A Grande Jogada. O filme é mais genérico e fraco, visto que
não possui escolhas formais tão interessantes.
Do mesmo modo, Michel Gondry trabalhando com o roteiro de
Kaufman em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004)
deu uma visão lúdica, romantizada e estilizada ao filme. Spike Jonze
em Adaptação (2002) e, principalmente, em Quero Ser John
Malkovich (1999), tem uma visão mais crua. O elemento lúdico é
mais realista, mais urbano e menos estilizado. Os diretores passam
sensações cinematográficas diferentes.
Kaufman, como diretor, fica no meio termo. Suas escolhas formais
são muito ilustrativas. Ele ilustra o roteiro e não define uma
abordagem formal específica.
POR UMA SENSIBILIDADE FORMAL
O impacto que um filme gera vem das escolhas estilísticas feitas
pelo diretor, e não somente pela história. Para assimilarmos melhor
um filme é essencial que tenhamos uma relação mais forte com a
forma, com aquilo que é específico do cinema.
Quanto mais estudamos a forma do cinema, mais nossa
sensibilidade se desenvolve e, consequentemente, aproveitamos
as obras de maneira mais profunda.

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