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Tubarão
2015
TIAGO ZEFERINO DOS SANTOS
Tubarão
2015
IAGO ZEFERINO DO S SANTOS
A presente pesquisa teve como objetivo geral analisar as representações de gênero e sexualidade
(re)produzidas no espaço escolar por estudantes e profissionais de educação a partir da inserção
de uma professora autodefinida transexual em uma escola de Ensino Fundamental da cidade de
Tubarão/SC. Como objetivos específicos buscou-se: elaborar uma narrativa a partir das
memórias da professora transexual enquanto aluna e professora; identificar de que modo as
questões relativas a gênero e sexualidade se expressam na escola junto a uma turma de
estudantes e de profissionais da educação; analisar se (e de que modo) a presença de uma
professora transexual altera as representações de gênero no cotidiano escolar. Os sujeitos
participantes da pesquisa foram estudantes que cursavam o sétimo ano na disciplina de
Português ministrada pela professora transexual no período correspondente ao ano letivo de
2012 e os profissionais de educação presentes na escola nesse mesmo período. A metodologia
utilizada foi a técnica de entrevista com roteiro semiestruturado para todos os envolvidos,
acrescentando-se, ainda, a vídeogravação de dois Grupos de Discussão com estudantes,
utilizados previamente às entrevistas individuais e coordenados pelo pesquisador. Ao todo,
foram entrevistados 5 profissionais de educação e 21 estudantes. O estudo tem como
referenciais teóricos autores com perspectivas pós-estruturalistas ou pós-modernas como
Michel Foucault, Tomas Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro, Judith Butler, Berenice Bento
entre outros/as. Entre outros resultados analisou-se que: a experiência escolar da professora
transexual como estudante demonstra que a escola foi, em sua trajetória, um espaço sexista,
com discriminações cotidianas, inclusive realizadas por docentes; na escola pesquisada, durante
sua atuação como professora transexual, predominou um clima de vigilância, cobranças e
avaliações direcionadas a ela no sentido de comportamentos, vestimentas, práticas sexuais e
profissionalismo; entre estudantes e profissionais da educação a ironia foi um recurso frequente
ao fazerem referência a expressões e comportamentos masculinizados desta professora,
exigindo dela posturas consideradas por eles/as mais femininas; apesar do nome social os/as
profissionais da educação referiam-se à professora trans como “ele” ou a seu nome masculino;
e, por fim, entre os/as profissionais de educação verificou-se poucos conhecimentos sobre
sexualidade e gênero. Esses resultados apontam para a necessidade de políticas de formação
continuada na rede pública estadual de Santa Catarina sobre as reivindicações apresentadas
pelos movimentos sociais de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans.
This research aimed to analyze the gender representations and sexuality (re)produced in the
scholar space by students and education professionals after the insertion of a self-defined
transgender teacher in a Elementary School at Tubarão/SC. The specific objectives were: to
build a narrative from the memories of the transgender teacher as a student and as a teacher; to
identify how the gender related questions are expressed in the school within the students and
other education professionals; to analyze if (and how) the presence of a transgender teacher
changes the gender representations in the school everyday. The participants of the research were
students from the seventh year of the Portuguese subject taught by the transgender teacher
during 2012 and also the education professionals of that school. It has been a semistructured
screenplay to interview all the involved people and a video recording of two groups of students
discussing about the topic. Five education professionals and twenty-one students have been
interviewed. This study has as theoretical references authors with post-struturalists or post-
moderns perspectives such as Michel Foucault, Tomas Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro,
Judith Butler, Berenice Bento entre outros/as. There have had many results, such as: the scholar
experience of the transgender teacher as a student shows that the school has been, in its itinerary,
a sexist space, with everyday discriminations, even done by teachers; in the researched school,
during its work as a transgender teacher, it has predominated a vigilance mood, charges and
some evaluations directed to her about behaviors, clothes, sexual attitudes and professionalism;
among the students and education professionals the ironic was a often used skill to refer to
masculinized expressions and behaviors of this teacher, requiring from her attitudes considered
by them more female; even though the transgender teacher uses a social name, the education
professionals referred to the teacher as “he” or to his male name; finally, among the education
professionals it has been verified little knowledge about sexuality and gender. These results
point to the need of a continuous formation to the public education system about Lesbian, Gay,
Bisexual and Transgender people.
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 13
1.1 CONTEXTUALIZANDO O PROBLEMA ..................................................................... 13
1.2 CAMINHOS PERCORRIDOS E SEUS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 18
1.2.1 Os primeiros contatos com a escola investigada ....................................................... 18
1.2.2 Os sujeitos entrevistados e as metodologias aplicadas ............................................. 19
1.2.3 Esclarecimentos prévios sobre a professora transexual e a pesquisa inicial ......... 20
1.2.4 A entrada em campo na Escola Padre Miguel .......................................................... 22
1.2.5 A organização da turma para os Grupos de Discussão e as entrevistas individuais ........ 23
1.2.6 Os profissionais de educação da Escola Padre Miguel ............................................ 24
2 A REPRESENTAÇÃO DO CURRÍCULO E A PERSPECTIVA PÓS-CRÍTICA: O
ADVENTO DAS DIVERSIDADES NA EDUCAÇÃO ....................................................... 26
2.1 O CURRÍCULO ESCOLAR E SUAS TEORIAS ........................................................... 27
2.2 O PÓS-ESTRUTURALISMO E A TEORIA QUEER .................................................... 33
3 UM BREVE HISTÓRICO DA FABRICAÇÃO E VIVÊNCIA DOS “ESTRANHOS”:
ENTRE CONCEITOS, TEORIAS E OUTRAS TRAMAS ................................................ 40
3.1 O DISPOSITIVO DA SEXUALIDADE E DA CATEGORIA GÊNERO ..................... 40
3.2 A EXPERIÊNCIA TRANSEXUAL ................................................................................ 45
3.3 O EMARANHADO DA CATEGORIA GÊNERO ......................................................... 49
3.4 FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS ONDE NÃO EXISTEM NOSTALGIA: RELATOS E
MEMÓRIAS DE TRAVESTIS E TRANSEXUIS DO BRASIL ............................................ 54
4 A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DA PROFESSORA TRANSEXUAL CAROLINA
.............................................................................................................................................61
4.1 MEMÓRIAS ESCOLARES: PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO .......................... 64
4.1.1 Vivências como estudante na educação básica ......................................................... 65
4.1.2 Vivência como estudante na universidade ................................................................ 68
5 A PROFESSORA TRANSEXUAL CAROLINA E AS REPRESENTAÇÕES
DESPERTADAS EM PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO A PARTIR DESSA
EXPERIÊNCIA ...................................................................................................................... 70
5.1 OS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO E OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS A
GÊNERO E SEXUALIDADE NO ESPAÇO ESCOLAR ....................................................... 70
5.2 A PROFESSORA TRANSEXUAL E OS SIGNIFICADOS (RE) PRODUZIDOS NOS
PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO ....................................................................................... 75
6 A PROFESSORA TRANSEXUAL CAROLINA E A ARTICULAÇÃO DE
REPRESENTAÇÕES NOS ESTUDANTES: ENTRE DÚVIDAS E “VERDADES” ..... 80
6.1 AS REPRESENTAÇÕES DOS ESTUDANTES EM TORNO DE GÊNERO E
DIVERSIDADE SEXUAL....................................................................................................... 80
6.1.1 Namoro na escola: os dispositivos da sexualidade escolar ...................................... 85
6.1.2 Sobre os direitos LGBT .............................................................................................. 88
6.1.3 A chegada de uma professora diferente na escola .................................................... 90
6.1.4 A leitura de corpo e gênero da professora transexual ............................................. 92
6.1.5 As aproximações corporais da professora transexual ............................................. 94
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 97
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 101
8 APÊNDICES ................................................................................................................... 107
9 ANEXOS .......................................................................................................................... 113
13
1 INTRODUÇÃO
1
Existem atualmente no Congresso Nacional brasileiro dois projetos de leis direcionada a travestis e transexuais.
Um deles é o projeto de lei da identidade de gênero João W. Nery (5002/2013) e o outro é o projeto de lei do
deputado Luciano Zica (PT-SP) 72/2007 que pretende alterar a lei de registros públicos acrescentando a
possibilidade de transexuais mudarem seus documentos. Este último projeto ingressou na Câmara dos Deputados
no ano de 2007, e ainda hoje, Julho de 2014, encontra-se à espera para ser incluído na pauta de votações do Senado
Federal desde janeiro desse mesmo ano.
2
Transfobia é a aversão ao gênero da pessoa transexual. Inclusive, a maioria das pessoas trans declaram ser
heterossexuais, ou seja, se relacionam afetiva e sexualmente com pessoas de outro gênero/sexo. No entanto, se
uma pessoa trans for lésbica ou gay, aí neste caso, além de sofrer com a transfobia, também poderá ser alvo da
homofobia ou lesbofobia.
3
A sigla Trans utilizada nessa dissertação refere-se a travesti e transexuais, ambas identidades transgêneras. No
entanto, essa sigla também significa uma gama de possibilidades identitárias que fazem o atravessamento das
normas de sexualidade e gênero, ou seja, são identidades que transitam pelas categorias existentes e até mesmo,
por categorias inimagináveis em relação a gênero e sexualidade.
14
4
O termo cis, abreviação da palavra cisgênera, é utilizado por mim a frente da palavra heteronormativa pois, além
de existir uma cobrança e uma norma pautada na heterossexualidade, há também, antes mesmo da preocupação
social com a sexualidade do indivíduo, a necessidade do gênero, feminino ou masculino, estar sintonia com o sexo
biológico. O termo cisgênero abarca as identidades transgêneras que também sofrem de normas e cobranças
sociais, entretanto, não são cobranças com relação a sexualidade de pessoas trans, mas sim, com a desestabilização
causada pelo gênero dessas pessoas. Apesar de ainda não haver essa distinção em nossa sociedade dos diferentes
tipos de preconceitos sofridos por gays, lésbicas, transexuais e travestis, é necessário, ao menos, que intensifiquem
essas diferenciações na empiria dos espaços acadêmicos. Em suma, uma pessoa cisgênera é aquela que foi
designada “homem” ou “mulher” ao nascer, se sente bem com essa designação e é percebida e tratada socialmente
(medicamente, juridicamente, politicamente) como tal. A palavra Cis surgiu nos estudos Queer no início da década
de 90 para diferenciar do termo transgêneros, isto é, aquelas pessoas que não se sentem representadas pelo gênero
imposto conforme o seu sexo biológico, como por exemplo, travestis e transexuais.
15
5
Daniela Andrade é uma militante e ativista trans da cidade de São Paulo. É membro da Comissão da Diversidade
Sexual da OAB-Osasco, empreendendo ações de inclusão para a população LGBT; diretora da Liga Humanista
Secular - LiHS, lutando pelo laicismo do estado e pelo humanismo no Brasil; membro do coletivo Feminismo sem
Demagogia, atuando na erradicação do machismo e misoginia, assim como na luta pela equidade de direitos entre
os gêneros; membro do coletivo Juntos! LGBT, repensando e atuando na efetiva mobilização na luta contra a
discriminação em função de identidade de gênero e orientação sexual.
6
Associação em Defesa dos Direitos Humanos com Enfoque na Sexualidade – ADEH.
16
pesquisas na área, estudantes que sofrem as mais variadas discriminações por conta de seu
gênero ou orientação sexual, alegam ser a instituição escolar um dos espaços sociais mais
negativos e de difícil permanência (JUNQUEIRA, 2009). Além da necessidade de políticas
públicas para o segmento LGBT, é preciso desenvolver uma consciência crítica pautada no
respeito à diversidade e aos direitos humanos. A meu ver, o caminho para essas mudanças
inicia-se na escola, juntamente com a produção e a difusão de estudos e pesquisas na área.
Com relação ao papel dos professores envolvendo temáticas de gênero e
sexualidade, penso ser fundamental estimular o hábito de pesquisa permanente entre esses
profissionais, assim como nos sugere Seffner (2011, p.112)
Por meio desse pano de fundo envolvendo inúmeras dificuldades de pessoas trans,
principalmente no viés escolar, optei por realizar este estudo a partir dos significados de gênero,
sexualidade e diversidade sexual (re)produzidos em um espaço escolar de Tubarão/SC onde
trabalhou uma professora autodefinida transexual no ano de 2012.
Se compararmos com a realidade da maioria da população trans no Brasil, o fato de
termos algumas dezenas de professoras transexuais e travestis atuando na educação brasileira,
por si só, já evidencia um avanço histórico em nosso país e nos motiva a continuar lutando pela
dignidade humana dessas pessoas. Se hoje é possível termos travestis e transexuais atuando em
diferentes profissões como enfermeira, policial, advogada, programadora de sistemas, entre
outros, isso não é mérito do Estado brasileiro (nem de sua nação, mas sim da exaustiva
persistência e luta dessas pessoas nos diferentes movimentos sociais.
No entanto, não querendo desmerecer as vitórias em ocupar áreas até então
impensáveis para uma pessoa trans, o fato é que não podemos esperar esse mesmo “heroísmo”
dos outros 90% dessa população que está se prostituindo no Brasil. Uma pessoa trans não deve
ser obrigada a resistir a todo sofrimento e violências para garantir algo que, para pessoas
cisgêneras, é alcançado sem nenhum sofrimento discriminatório sobre seu gênero.
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Voltando para o foco desta pesquisa, é necessário identificarmos como está sendo
a produção de significados desses “corpos estranhos” que estão saindo da abjeção e se fazendo
visíveis em nossa sociedade. Elencar os discursos que rodeiam o ambiente de trabalho da
professora transexual, não significa buscar “mais vitimizações” para provar o quanto nosso país
é transfóbico, mas sim, o quanto temos que melhorar apesar dos avanços aparentes,
problematizando e desmistificando essas identidades em todos os setores.
O objetivo geral desta dissertação é analisar as representações de gênero e
sexualidade (re)produzidas no espaço escolar por estudantes e profissionais de educação a partir
da inserção de uma professora autodefinida transexual em uma escola de ensino fundamental
da cidade de Tubarão/SC. Como objetivos específicos buscou-se: elaborar uma narrativa a
partir das memórias da professora transexual enquanto aluna e professora; identificar de que
modo as questões relativas a gênero e sexualidade se expressam na escola junto a uma turma
de estudantes e de profissionais da educação; analisar se (e de que modo) a presença de uma
professora transexual altera as representações de gênero no cotidiano escolar. Esta dissertação
foi dividida em quatro capítulos, sendo que os dois primeiros são teóricos-conceituais e os
demais reservados à análise e discussão dos resultados.
No primeiro capítulo – A representação do currículo e a perspectiva pós-crítica:
o advento das diversidades na educação – faço uma abordagem do ponto de vista curricular da
educação, apresentando as principais teorias do currículo e focando naquela que mais propõe
inserir as diversidades dentro da escola: a teoria pós-crítica. A justificativa de inserir um
capítulo com discussões curriculares é por acreditar que uma educação do agora e para o futuro,
deva incluir as diferenças como parte de um todo diretamente na esfera regulatória do nosso
sistema de educação: o currículo. É preciso oficializar a mudança na educação por diferentes
caminhos e, o currículo poderia ser um deles.
No segundo capítulo – Um breve histórico da fabricação e vivência dos
“estranhos”: entre conceitos, teorias e outras tramas – apresento uma discussão histórica e
conceitual em torno da categoria gênero e sexualidade. Há, também, uma discussão conceitual
de transexualidade, travestilidade e homossexualidade, ou seja, a origem e “fabricação” desses
termos e seus respectivos contextos no qual estavam inseridos. Ao final desse segundo capítulo,
elenco algumas referências de pesquisas com travestis e transexuais na escola a fim de sustentar
minha denúncia inicial sobre as violências sofridas por pessoas trans no cenário brasileiro.
No terceiro capítulo – A construção identitária da professora transexual Carolina:
memórias e práticas educativas – analiso as memórias e vivências escolares de Carolina na
situação de estudante na educação básica e universitária, as dificuldades em cada nível de
18
7
No entanto, tenho consciência que eu poderia aplicar essa pesquisa em outra cidade de Santa Catarina ou até
mesmo em outro estado, porém, além de todos os problemas de deslocamento que isso envolveria, a minha
aproximação com a escola, profissionais de educação, alunos e, principalmente de outra professora transexual, o
que exigiria um tempo muito maior podendo até mesmo inviabilizar uma pesquisa de mestrado acadêmico com
duração de dois anos.
19
Tubarão para completar sua carga horária. Nessa época, a escola possuía cerca de cem alunos
divididos em Ensino Fundamental I e II e a professora ficou responsável em ministrar a
disciplina de Português do sexto ao oitavo ano.
Antes de me apresentar na escola a ser investigada, resolvi submeter meu projeto
de pesquisa à Gerência de Educação Regional de Tubarão que é responsável pelas escolas
estaduais de outras cindo cidades da região sul de Santa Catarina. Após duas semanas de sua
entrega, o projeto foi autorizado pela gerente Tereza Cristina Meneghel em abril de 2013.
O próximo passo realizado em maio de 2013 foi me apresentar à direção da escola
Padre Miguel8, onde a professora transexual Carolina já havia trabalhado no ano anterior. Assim
que apresentei o projeto de pesquisa para a diretora da escola, juntamente com a autorização da
gerência de educação, predominou um clima de desconfiança e cautela. Esse primeiro contato
com a escola foi bastante tenso, pois, a diretora se mostrou pouco receptiva, afirmando ser
evangélica e que, por esse motivo, não aceitava a transexualidade da professora Carolina. Isso
a partir, apenas, de uma breve apresentação geral do projeto.
O fato de me propor a pesquisar temas tão sensíveis e ainda tão marginalizados pela
educação no Brasil, pode ter despertado a curiosidade da diretora que, sem nenhum receio e
bastante direta, perguntou-me se eu era homossexual. A pergunta terminou por me
desestabilizar por um momento. Não sabia se devia confirmar e correr o risco de a pesquisa não
ser autorizada ou mudava de assunto para que ela percebesse meu desconforto diante daquela
interrogação. Após um breve silêncio, respondi indagando a necessidade daquela pergunta.
Dessa vez, a diretora justificou-se afirmando que é estranho um homem pesquisar “essas
coisas”. Por fim, evitei criar qualquer tipo atrito estendendo aquela conversa e após mais alguns
minutos de silêncio, a pesquisa foi autorizada por ela.
8
Nomes fictícios, tanto da professora quanto da escola.
20
cursavam o sexto ano do ensino fundamental (no sétimo ano quando da entrevista e grupos de
discussão) quanto colegas de trabalho da professora Carolina.
Adotei os procedimentos de coleta de dados por meio de entrevistas individuais e de
Grupos de Discussão dentro de um estudo de caso, com abordagem qualitativa. Minayo (1994, p.
21-22) argumenta que:
A entrevista com a professora transexual Carolina que também será incluída nesta
pesquisa foi analisada parcialmente em 2011 como parte do meu trabalho de conclusão de curso
de história intitulado Memórias escolares e práticas educativas de professoras autodefinidas
transexuais. Naquela época, algumas partes da entrevista, com duração de duas horas e meia,
não foram totalmente categorizadas por conta do recorte estabelecido e também pelo curto
tempo dado para confecção do TCC. Assim, com o término daquela pesquisa e minha
continuação com leituras de gênero e sexualidade no Mestrado em Educação, percebi o quanto
daquela entrevista com a professora Carolina possuía ainda questões a serem analisadas por um
olhar mais atento e qualificado e poderiam contextualizar a nova pesquisa com estudantes e
profissionais de educação onde Carolina havia atuado como professora em 2012.
Deste modo, por considerar relevante e atual a empiria das memórias da professora
transexual Carolina, optei por incluir nessa dissertação uma análise sobre o seu processo de
construção da identidade transexual, suas memórias escolares na situação de aluno (já que se
21
[...] busca a visão da pessoa acerca das suas experiências subjetivas de certas
situações. Estas situações estão inseridas em algum período de tempo de interesse ou
se referem a algum evento ou série de eventos que possam ter tido algum efeito sobre
o respondente.
[...] não oculta totalmente suas atividades, mas revela apenas parte do que pretende.
Por exemplo, ao explicar os objetivos do seu trabalho para o pessoal de uma escola, o
pesquisador pode enfatizar que centrará a observação nos comportamentos dos alunos,
embora pretenda também focalizar o grupo de técnicos ou os próprios professores. A
preocupação é não deixar totalmente claro o que pretende, para não provocar muitas
alterações no comportamento do grupo observado. Esta posição também envolve
questões éticas óbvias.
Após conversa com professores sobre como organizar em dois grupos, a turma do
sétimo ano foi dividida e classificada como Grupo A e Grupo B, visando estabelecer uma
equidade entre meninos e meninas e de “comportamentos indisciplinares”, ou seja, o grupo de
meninos citado pelos professores como impacientes e indisciplinados, foram separados entre
os grupos A e B para diminuir conflitos durante as entrevistas coletivas.
GRUPO A GRUPO B
Meninas Meninos Meninas Meninos
6 4 5 6
Total: 10 Total: 11
Total entrevistados coletivamente: 21 alunos
Para cada grupo foram realizados dois encontros com duração de 45 minutos cada.
As discussões, além de gravadas em áudio, também foram filmadas para facilitara transcrição
das falas e expressões dos alunos. Enquanto se entrevistava um grupo, o outro permanecia em
sala de aula realizando as atividades previstas pelos professores. Antes dos encontros coletivos
e das entrevistas individuais, os/as estudantes levaram para seus pais e/ou responsáveis um
termo de consentimento livre e esclarecido (anexo) e também cada estudante foi informado/a
que poderia mudar de ideia e sair do grupo de entrevistas a qualquer momento, caso o quisesse.
As entrevistas só ocorreram após todos os termos estarem devidamente assinados pelos
responsáveis e direção da escola.
Quem somos “nós”, assim, encerrados em corpos sexuados, construídos enquanto natureza,
passageiros de identidades fictícias, construídas em condutas mais ou menos ordenadas? Quem sou eu, marcada
pelo feminino, repensada enquanto mulher, cujas práticas não cessam de apontar para as falhas,
os abismos identitários contidos na própria dinâmica do ser? (SWAIN, 2002, p. 327)
Antes mesmo de iniciar a reflexão sobre o currículo escolar, quero deixar claro que,
apesar de eu ser um profissional da educação, licenciado e pós-graduado, acredito que a escola
não é e não deve ser encarada como uma instituição salvacionista de todos os problemas de
caráter social, político e cultural. Penso que a escola, somada a outras instituições e
movimentos sociais, pode e faz a diferença em nosso meio. Nessa mesma perspectiva, não
podemos esquecer que, conforme afirma Sacristán (1998),
“O currículo não apenas representa, ele faz”, por conta disso exerce tanta
influência sobre os sujeitos que fazem parte do ambiente escolar e da sociedade em geral.
Mesmo que o sujeito formado não seja o ideal planejado pelo currículo, o mesmo não deixará
de conter marcas profundas do processo de moldura escolar. Um exemplo dessa marca são os
altos índices da evasão escolar de travestis e transexuais. Através de um currículo que não
abarca essas identidades como normais e, compulsoriamente, apresenta como legítimo apenas
28
quem expressa um gênero em sincronia com um determinado sexo biológico, essas pessoas
trans se evadem e se produzem em diferentes ambientes. Como afirma Goodson (2005) É
preciso reconhecer que a inclusão ou a exclusão no currículo tem conexões com a inclusão ou
exclusão na sociedade.
É preciso compreender o currículo também como uma representação social, pois, o
mesmo é a face material, visível, palpável, do conhecimento, isto é, da nossa forma de
representar o mundo. Segundo Silva (1999, p. 35): “A representação é um sistema de
significação. [...] na representação está envolvida uma relação entre um significado (conceito,
ideia) e um significante (uma inscrição, uma marca material: som, letra, imagem, sinais
manuais)”. Essa produção de significado é feita pela sociedade e entendida como representação,
atribuindo significação a algo que produza identidades através de uma construção pré-
elaborada, sem uma garantia da verdade consentida por um grupo. Desse modo, a representação
é coletiva, mas também individual. Neste caso, “conceber o currículo como representação
significa vê-lo como superfície de inscrição, como suporte material do conhecimento em sua
forma de significante. Na concepção do currículo como representação, o conhecimento não é a
transcrição do "real": a transcrição é que é real” (SILVA, 1999, p.64).
Em seus estudos sobre representação, Silva (1999, p. 44) nos afirma que Foucault,
em suas últimas análises, centrou nas estreitas conexões entre discurso e poder, indicando que
“Os discursos, tais como as representações, situam-se num campo estratégico de poder” e, assim
sendo, “os discursos estão localizados entre, de um lado, relações de poder que definem o que
eles dizem e como dizem e, de outro, efeitos de poder que eles põem em movimento: o discurso
é o conjunto das significações constrangidas e constrangedoras que passam por meio das
relações sociais”.
As relações de poder utilizam a força e influência da representação, para produzir
significados às pessoas, aos objetos e aos eventos da sociedade. Para Silva (1999, p.67) a
representação é sempre uma representação autorizada, pois:
Silva (1999) conclui seu trabalho sobre a poética e a política do currículo afirmando
que serão nas análises do papel do currículo na produção da identidade e da diferença social
que a representação se mostra particularmente útil. Através da intersecção entre representação
e identidade é que o currículo adquire sua importância política. O currículo seria, então, o exato
ponto de intersecção entre poder e representação, um local de produção da identidade e da
alteridade. Nesse ponto o currículo, tal como o conhecimento, se torna um terreno de luta em
torno da representação.
Nogueira (2002) alerta que precisamos repensar os fundamentos da educação e
começar a contemplar as diversidades entre os indivíduos. Neste caso, o currículo teria a
possibilidade e a ferramenta necessárias para proporcionar mudanças significativas na
formação do sujeito-aluno, principalmente com as diversidades que nele são ocultadas.
Apesar de o currículo oficial ser uma construção com diferentes objetivos a serem
cumpridos e alcançados, as maiores mudanças no sujeito acontecem através do trabalho
silencioso do currículo oculto. Mesmo não sendo considerado como uma teoria, o currículo
oculto esteve presente em quase todas as críticas iniciais sobre currículo. De acordo com Silva
(1999), o ambiente escolar, como um todo, influencia na construção do currículo oculto.
[...] o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar
que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita
para aprendizagens sociais relevantes. [...] o que se aprende no currículo oculto são
fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações [...].
(SILVA,1999b, p. 78).
Entendido como “normas e valores que são implícita porém efetivamente transmitidos
pelas escolas e que habitualmente não são mencionados na apresentação feita pelos
professores dos fins ou objetivos”, o conceito de currículo oculto aponta para o fato
de que o “aprendizado incidental” durante um curso pode contribuir mais para a
socialização do estudante que o conteúdo ensinado [...]. (1982, apud MOREIRA,
2001, p. 14).
Para Silva (1999b, p. 77), “A noção de currículo oculto estava implícita, por
exemplo, na análise que Bowles e Gintis fizeram da escola capitalista americana [...]”. Assim
sendo, Silva nos faz refletir que a “lógica” da sociedade capitalista para as massas é, justamente,
formar alunos obedientes, conformistas e individualistas. Nessa lógica, os alunos menos
favorecidos (classes operárias) aprendem o seu papel de subordinação, enquanto os alunos das
classes mais favorecidas (classes proprietárias) aprendem seu papel de dominação. “Numa
30
Com relação às teorizações pós-críticas, Silva (2002) responde que ela veio após
um distanciamento da tendência dominante do currículo, o marxismo.
Fazer teoria do currículo nessa época era sinônimo de fazer sociologia do currículo
ou, mais precisamente, era sinônimo de fazer sociologia marxista do currículo.
Tivemos, depois, já no final dos anos oitenta, começo dos anos noventa, a “revolução”
combinada da influência dos Estudos Culturais, do pós-estruturalismo e do pós-
modernismo. Dois períodos principais, pois, de renovação, que combinados, deram
ao pensamento educacional em geral e ao pensamento curricular, em particular, uma
criatividade teórica extraordinária (Entrevista de Tomas Tadeu da Silva em 2002,
Revista Currículo sem Fronteiras).
Nem tudo que é “bom” é considerado bom pra todos. As pesquisas pós-críticas vem
questionando e problematizando as verdades educacionais, inclusive daquelas as quais estamos
acostumados a considerar como boas porque caracterizam democracia, libertação e
transformação (Paraíso, 2003). Esses estudos revelam os motivos que nos levam a considerar
certos tipos de conhecimentos mais desejáveis que outros, certos tipos de sujeitos melhores do
que outros e alguns valores e saberes preferíveis a outros (Silva, 1999). Fica evidente, contudo,
que as teorias pós-críticas vem (des)construindo, inventando e discutindo temas polêmicos com
relação ao currículo hegemônico. Cabe ressaltar, que o alvo principal das análises pós-críticas
se tornará o currículo, pois “de certa forma, todas as teorias pedagógicas e educacionais são
também teorias sobre o currículo” (Silva, 1999, p.21). Assim sendo, a mudança de qualquer
pedagogia na educação iniciaria pela desarticulação do currículo hegemônico.
As relações de gênero são uma das questões muito presentes nas teorias pós-críticas.
Desse modo, inserir o multiculturalismo no currículo não significa utilizar apenas uma forma
ou outra, mas, sobretudo, equilibrar todos esses interesses e particularidades na ausência de
33
exemplo, o Estado e a medicina. Com relação à educação, os espaços escolares, assim como
todos os outros setores da sociedade, são carregados por diversas práticas discursivas, inclusive
sobre gênero e sexualidade. Não somente atravessam o espaço escolar como também são
produzidos nele. E neste caso, conforme afirma Hardt (2004), as análises discursivas
foucaultianas também se aplicam à educação.
Para Scott (1995) a categoria poder é fundamental para compreensão histórica das
formas de dominação e subordinação nas relações de gênero e nos discursos que constituem a
história da sexualidade. No entanto, vale ressaltar que não somente o pós-estruturalismo e as
teorias pós-críticas questionam a categoria poder. Anteriormente, segundo Silva (1999), esta
categoria já era problematiza pelos teóricos críticos, mas centrada nos vieses econômicos e
ideológicos.
O que predomina, de maneira geral, entre os teóricos pós-estruturalistas que
pesquisam gênero e sexualidade é que essas são categorias não-fixas, instáveis e mutáveis. Para
eles, gênero e sexualidade são categorias históricas e discursivamente produzidas pelas relações
de saber-poder. Por esse motivo, gênero e sexualidade são invisibilizadas em vertentes
marxistas, pois, segundo Silva (1999), essas vertentes enfatizam que os processos econômicos
e estruturais são responsáveis pela produção das discriminações e desigualdades de gênero, raça
e sexualidade. Em outras palavras, o que diferencia essencialmente uma da outra é o modo
como as teorias pós-críticas, sobretudo as de influência pós-estruturalista, lidam com a noção
de linguagem e discurso. Na concepção pós-estruturalista, a realidade é produzida na e pela
linguagem, inclusive as discriminações voltadas a gênero e sexualidade.
No entanto, ao adotar o pensamento pós-estruturalista não trato de tomar a
linguagem como instrumento neutro de apreensão da realidade do mundo natural e social, mas,
antes, busco reconhecer que é ela própria que se encontra centralmente envolvida na
constituição do mundo sendo produzida e reproduzida por instituições de saber-poder. Neste
sentido, realidade e homens/mulheres são constituídos/as pela e na linguagem, e não o contrário
(OGIBA, 1995).
Segundo Costa (1998, p. 60) “a crítica fundada no pós-estruturalismo tem o intuito
de desmascarar qualquer sistema de pensamento que esteja ancorado em proposições universais
ou em metanarrativas históricas, articulam em seu lugar uma crítica social a partir de bases mais
locais, plurais e imanentes”. Desse modo, ao rejeitar a ideia de verdade científica, o pós-
estruturalismo reconhece o sujeito como constituído por significação e representações culturais
oriundas de diversas relações, principalmente as de poder.
36
Uma compreensão de gênero mais ampla exige que pensemos não somente que os
sujeitos se fazem homem e mulher num processo continuado, dinâmico (portanto não
dado e acabado no momento do nascimento, mas sim construído através de práticas
sociais masculinizantes e feminizantes, em consonância com as diversas concepções
de cada sociedade); como também nos leva a pensar que gênero é mais do que uma
identidade aprendida, é uma categoria imersa nas instituições sociais (o que implica
admitir que a justiça, a escola, a igreja, etc. são “generificadas”, ou seja, expressam as
relações sociais de gênero). Em todas essas afirmações está presente, sem dúvida, a
idéia de formação, socialização ou educação do sujeito (LOURO,1995, p. 103).
Segundo Guacira Louro, a teoria Queer não pode ser vista simplesmente como uma
política de identidade, mas sim, como uma política pós-identitária.
De modo geral, para introduzir a pedagogia Queer na educação, ancorados pelo viés
das teorias pós-críticas, é preciso estar claro e convicto que as categorias de gênero e
sexualidade, assim como outras, são discursivas, fabricadas por instituições apropriadas de
saber-poder. Desse modo, escrever sobre gênero e sexualidade e, especificamente, sobre as
pessoas trans presentes na educação, colaboram para a sensibilização da sociedade, para a
produção de novas políticas públicas e, numa perspectiva positiva, para produção de um
currículo pós-crítico que abarque todas as diferenças como base epistemológica para educação.
Segundo Louro (2004, p. 42), “desconstruir um discurso implica minar, escavar, perturbar e
subverter os termos que afirma e sobre os quais o próprio discurso se afirma”.
40
9
Para Michel Foucault (2002, p. 244), dispositivos “são formados por um conjunto heterogêneo de práticas
discursivas e não discursivas que possuem uma função estratégica de dominação. O poder disciplinar obtém sua
eficácia da associação entre os discursos teóricos e as práticas reguladoras”.
41
Criada como uma moça pobre e digna de mérito num meio quase que exclusivamente
feminino e profundamente religioso, Herculine Barbin, cognominada Alexina pelos
que lhe eram próximos, foi finalmente reconhecida como sendo um "verdadeiro"
rapaz; obrigado a trocar legalmente de sexo após um processo judiciário e uma
modificação de seu estado civil, foi incapaz de adaptar-se a uma nova identidade e
terminou por se suicidar. Sou inclinado a dizer que a história seria banal, se não
fossem duas ou três coisas que lhe dão particular intensidade (Foucault, 1982, p.5).
A partir de então, um só sexo para cada um. A cada um sua identidade sexual primeira,
profunda, determinada e determinante; quanto aos elementos do outro sexo que
possam eventualmente aparecer, eles são apenas acidentais, superficiais, ou mesmo
simplesmente ilusórios. Do ponto de vista médico, isto quer dizer que não se trata
mais de reconhecer no hermafrodita a presença dos dois sexos justapostos ou
misturados, nem de saber qual dos dois prevalece; trata-se, antes, de decifrar qual
o verdadeiro sexo que se esconde sob aparências confusas. (grifo meu)
Neste mesmo contexto, o sujeito que até então praticava relações sexuais com pessoas
do mesmo sexo, sem nenhuma definição que encobrisse a definição de homem ou mulher, passa
a ser categorizado como homossexual: “Foi por volta de 1870 que os psiquiatras começaram a
constituí-la (a homossexualidade) como objeto de análise médica: ponto de partida, certamente,
de toda uma série de intervenções e de controles novos.” (Foucault, 1992, p. 233). Ainda
43
segundo Foucault, o sujeito homossexual que aparece no artigo “sensações sexuais contrárias”
do médico alemão Carl Westphal, é considerado como um invertido sexual que precisava ser
tratado e curado. A partir de então, “a homossexualidade é transferida da prática sodomita para
uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um
reincidente, agora o homossexual é uma espécie” (FOUCAULT, 1988, p. 50-51). Desse modo,
a homossexualidade e o homossexual passam a ser vistos como
[...] invenções do século XIX. Se antes as relações amorosas e sexuais entre pessoas
do mesmo sexo eram consideradas como sodomia (uma atividade indesejável ou
pecaminosa à qual qualquer um poderia sucumbir), tudo mudaria a partir da segunda
metade daquele século: a prática passava a definir um tipo especial de sujeito que viria
a ser assim marcado e identificado. Categorizado e nomeado como desvio da norma,
seu destino só poderia ser o segredo ou a segregação – um lugar incomodo para
permanecer (LOURO, 2004, p. 29).
De prática sexual externa produzida pela pessoa passa-se a ser uma pessoa com
uma determinada sexualidade. Nesse sentido, Louro afirma que, “até então, o que era ‘normal’
não tinha um nome. Era evidente por si mesmo, onipresente e, consequentemente, (por mais
paradoxal que pareça), invisível. O que, até então, não precisaria ser marcado agora tinha de ser
identificado.” (2009, p. 89). Partindo desse pressuposto, a sexualidade passa a ser objeto de
vários campos disciplinares e de conhecimento, como por exemplo, a sexologia, psiquiatria,
psicanálise, e até mesmo a própria educação. De acordo com Miskolci (2009), “a
homossexualidade passa a ser descrita e, ao mesmo tempo, regulada, saneada, normatizada por
meio da delimitação de suas formas em aceitáveis e perversas” (p. 153). Já com relação ao
termo heterossexual, possivelmente ele teria sido criado por volta de 1892, ou seja, depois da
invenção do sujeito homossexual, e significava num primeiro momento, o amor patológico e
desmedido por uma pessoa do sexo oposto, só posteriormente (início do século XX) que foi
adquirindo o significado de uma sexualidade normal e ideal para uma sociedade.
O termo homossexual foi rapidamente vinculado a uma doença e incorporado por
outras instituições de saber-poder como anomalia que deveria ser sanada pela medicina e
psicologia. Um exemplo de outra instituição reguladora da sexualidade é a escola, conforme
afirma Helena Altmann:
(...) os problemas de desvios sexuais deixam de ser percebidos como crimes para
serem concebidos como doença. A escola passa a ser tida como um espaço de
intervenção preventiva da medicina higiênica, devendo cuidar da sexualidade de
crianças e adolescentes a fim de produzir comportamentos normais. (2001, p. 575)
44
Assim como afirma Louro (2008), é indispensável que reconheçamos a escola não
apenas como um local em que reproduz e reflete as concepções de gênero e sexualidade que
circulam na sociedade, mas que ela própria as produz. Nessa mesma linha, Junqueira (2009),
complementa que
Temos visto consolidar-se uma visão segundo a qual a escola não apenas transmite ou
constrói conhecimento, mas o faz reproduzindo padrões sociais, perpetuando
concepções, valores e clivagens sociais, fabricando sujeitos (seus corpos e
identidades), legitimando relações de poder, hierarquias e processos de acumulação.
Dar-se conta de que o campo da educação se constitui historicamente como um espaço
disciplinador e normatizador é um passo decisivo para se caminhar rumo à
desestabilização de suas lógicas e compromissos (p.14).
a identidade dessas pessoas e dificultam, cada vez mais, a equiparação de direitos e respeito
com relação às pessoas cisgêneras.
Vale ressaltar que, antes de 1950, não existiam definições ou caracterizações
específicas para as pessoas transexuais diferenciando-as de travestis e homossexuais e, nas vias
do senso comum, aquele que fugia da norma cis-heteronormativa era rotulado como gay ou
hermafrodita, sem maiores distinções. A invenção do “transexualismo” ocorreu, primeiramente,
por meio de publicações médicas sobre o tema. Embora outras áreas do conhecimento tenham
se debruçado sobre o tema da transexualidade, os trabalhos publicados giravam em torno de
referenciais de vertentes da psicanálise e da biologia (BENTO, 2006).
Os saberes produzidos e reproduzidos por parte da psicanálise e da biologia sobre
a experiência transexual funcionaram concomitantemente, produzindo teorias, normas e
controle, na criação do diagnóstico da/o transexual verdadeira/o. No princípio, o conjunto de
verdades produzidas pela psicanálise amparou-se nas concepções do psicanalista Robert Stoller
e nas teorizações do endocrinologista alemão Harry Benjamin. Ambos ousaram criar estratégias
e características para se identificar o transexual verdadeiro. Nesse contexto de definições
individuais, Bento (2006) caracteriza como emergentes o conceito “transexual stolleriano” e o
“transexual benjaminiano”:
intenção declarada por “mudar de sexo”. As definições são divididas em três grupos com
respectivos tipos:
Grupo 1
Grupo 2
Tipo 4: Transexual não indicado para cirurgia: pessoas que oscilam entre o
travestismo ocasional e o desejo de viver como do outro gênero, alterando seu corpo
com pequenas intervenções estéticas e hormônios, mas tendo pouca intenção de se
desfazer ou considerar-se como uma mulher real.
Grupo 3
Tipo 5: Transexual de intensidade moderada: deseja alterar seu corpo inclusive com
cirurgia e tem pouca libido.
Tipo 6: Transexual de intensidade alta: pessoa transexual exemplar: vive como o outro
gênero, deseja alterar seu corpo principalmente via cirúrgica, considera-se mulher em
corpo de homem, não possui libido e é extremamente infeliz. (BENJAMIN, 1966 apud
LEITE Jr. 2009, p. 147)
conceito cada vez mais usado pela medicina para colaborar com as definições de pessoas
intersexuais e transexuais.
Para Stoller, um dos aspectos causadores para o possível distúrbio da
transexualidade produzia-se na infância, especialmente na relação da criança com a mãe. Por
defender essa ideia, Stoller afirmava que um tratamento terapêutico intenso realizado no
primeiro ano de vida de crianças com trejeitos afeminados poderia reverter aquele transtorno e
desenvolver a masculinidade. Com relação aos pacientes já adultos, a terapia deveria agir para
que elas/es deixassem de sentir repulsa pelo órgão sexual e se conformassem com aquele corpo.
O objetivo deste tratamento stolleriano era justamente fazer com que transexuais desistissem
da cirurgia de redesignação sexual, considerada por muitos psicanalistas como mutilações
(BENTO, 2008). Essa ação terapeuta tinha por finalidade reestabelecer entre as performances
de gênero, a sexualidade e a subjetividade que constituem a identidade do sujeito. Assim sendo,
conforme Bento (2006), o tratamento obteria sucesso após as/os desviantes passarem da
condição de “aberração sexual” para a de “perversão”, pois, ao invés de querer ser do outro
gênero, as possíveis pessoas transexuais tornariam-se homossexuais ou bissexuais. (BENTO,
2006, p. 137-138).
Se fôssemos sintetizar essas primeiras definições do sujeito transexual, poderíamos
afirmar que as teorizações de Stoller produziram a transexualidade por um viés de anomalia e
as de Benjamin pela enfermidade. Ambas as construções teóricas articuladas entre si
produziram, na complexidade do dispositivo da transexualidade, a patologização da experiência
(BENTO, 2006; 2008).
A partir da década de 1960 os discursos teóricos e as práticas regulatórias sobre os
corpos de transexuais adquiriram visibilidade e entraram em funcionamento. Em 1980, a
transexualidade foi incorporada ao manual diagnóstico psiquiátrico DSM III (Manual
Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais). Oficialmente o sujeito transexual surge na
história como um “doente mental”, que assim como outros doentes mentais, são incapazes de
tomarem decisões. Mais de uma década depois, em 1994, com a publicação do DSM IV, o
termo transexualismo foi substituído por Transtorno de Identidade de Gênero (TIG), por
começar a considerar a experiência transexual como sendo um estado psicológico no qual a
identidade de gênero estaria em desacordo com o sexo biológico.
Apesar de a mudança de nomenclatura ter ocorrido em 1994, ainda continuou
prevalecendo a ideia de transtorno, de algo errado e fora do normal. Conforme Bento (2011, p.
557)
49
A patologização das identidades autoriza e confere poder àqueles que estão no centro
para realizar com as próprias mãos a “assepsia” que deixará a sociedade livre da
contaminação. É a patologização das identidades distribuindo humanidade, proferindo
sentenças e castigos aos que ousaram romper a lei.
10
Outras campanhas feministas giravam em torno da busca pelos direitos ao aborto e pelos direitos reprodutivos
(incluindo o acesso à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), pela proteção de mulheres e garotas
contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, pelos direitos trabalhistas, incluindo a licença-
maternidade e salários iguais, e todas as outras formas de discriminação.
50
Scott - Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Nesse artigo, Scott descreve gênero
como sendo uma categoria discursiva no campo das diferenças entre os sexos. Assim como a
categoria sexualidade de Foucault, o gênero também é assumido como um campo onde o poder
é articulado e por isso, passa a ter o status de categoria analítica. Para Scott, o gênero expressa
formas de representações, significados, normas, regras, símbolos, códigos no interior dos quais
são articulados os modos de dominação e de poder, e deste modo, ser homem ou ser mulher
significa reproduzir representações de poder e subordinação socialmente construídos pelas
redes saber-poder.
Sobre as contribuições de Scott para os estudos de gênero, Harding (1986) aponta
que autoras como Scott permitiram que novos caminhos fossem abertos para entender gênero
além dos paradigmas das identidades, possibilitando, assim, o surgimento de três planos de
análise: (1) gênero é uma categoria fundamental por meio da qual se atribui sentido a tudo (azul
é masculino e rosa feminino) (2) gênero é uma maneira de organizar as relações sociais (roupas,
profissões e até banheiros separados por sexo) e (3) é também uma estrutura de identidade
pessoal (meninos, homens, meninas, mulheres).
Continuando na perspectiva de Scott, a autora enfatiza a necessidade de uma
desconstrução das diferenças entre os sexos, propondo uma análise no campo das relações de
gênero. Fica clara, portanto, a oposição de Scott aos significados cristalizados pelo patriarcado
que disseminam as relações de gênero como algo fixo e natural da condição humana.
Contrariando o movimento feminista de concepção marxista ortodoxa, isto é, que acreditam
que as explicações de subordinação e inferiorização das mulheres tem como determinante as
condições econômicas, Scott (1995), afirma que fatores econômicos não determinam de modo
direto as relações de gênero, e que a relação de dominação sobre o gênero feminino é anterior
ao capitalismo e ao socialismo. As relações de gênero estão, para Scott, sendo constituídas de
múltiplos sujeitos e de diferentes representações da realidade.
Margareth Rago, em seu artigo sobre Epistemologia feminista, gênero e História
(1998, p. 31) diz que, “podemos pensar numa epistemologia feminista, para além do marxismo
e da fenomenologia, como forma especifica de produção do conhecimento que traz a marca
feminina, tendencialmente libertária, emancipadora”. A partir desse viés pós-estruturalista,
acredito que a educação escolar poderia promover a emancipação dos sujeitos para além do
binarismo histórico, homem versus mulher, heterossexual versus homossexual, contribuindo
assim, para contemplação de uma identidade livre, sem pudores, onde cada sujeito possa bancar
seus desejos, sem o receio de ser marginalizado e torna-se um abjeto socialmente. Sobretudo,
51
A desconstrução trabalha contra essa lógica, faz perceber que a oposição é construída
e não inerente e fixa. A desconstrução sugere que se busquem os processos e as
condições que estabeleceram os termos da polaridade. Supõe que historicize a
polaridade e a hierarquia nela implícita (2008, p. 32).
Para essa educação almejada por mim, proposta por teóricos pós-estruturalistas e
pós-críticos, deve-se tornar hábito questionar a hierarquia entre o masculino e o feminino e as
subordinações que estão atreladas às concepções de gênero cristalizadas em nossa sociedade.
Sobre a construção do gênero socialmente, Louro (2007) reforça o peso em que a cultura exerce
sobre os corpos.
Gênero serve, portanto, para determinar tudo que é social, cultural e historicamente
determinado. No entanto, como veremos, nenhum indivíduo existe sem relações
sociais, isto desde que se nasce. Portanto, sempre que estamos referindo-nos ao sexo,
já estamos agindo de acordo com o gênero associado ao sexo daquele indivíduo com
o qual estamos interagindo (GROSSI, 2010, p.5)
11
Há uma diferença entre performatividade e performance de gênero: O gênero não é simplesmente uma
performance, um ato teatral que “alguém” simplesmente elege representar. Sem sombra de dúvidas, essa é uma
diferença importante para compreender o pensamento de Judith e acredito que a maioria de nós já cometeu um
“erro” por aqui. Boa parte da crítica apropriando da noção de performatividade, reduziu-a a uma performance de
gênero. Bodies that matter é um esclarecimento a essa confusão. A performatividade, segundo a autora, é o
processo global da constituição do gênero, da internalização das normas que se estilizam no corpo e criam um
efeito de substância e criam um efeito de “eu” com gênero constante, a performance pode ser uma parte desse
processo. Nesse sentido, a performatividade é um conceito que não é nem completamente determinado, nem
radicalmente elegido, ela está fora dessa oposição.
12
Para Freud (1973) “Tabu” é um termo de difícil precisão, uma vez que carrega dois sentidos contrários: “por um
lado, ‘sagrado’, ‘consagrado’, e, por outro, ‘misterioso’, ‘perigoso’, ‘proibido’, ‘impuro’” (p. 38).
13
Raewyn Connell (nascida Robert William Connell, Sydney, 3 de janeiro de 1944) é uma cientista social
australiana, conhecida por seu trabalho nos campos da sociologia, educação, estudos de gênero, ciência política e
história. Atualmente é professora da Faculdade de Educação e Serviço Social da Universidade de Sydney
(University of Sydney) e Fellow da Academy of Social Sciences in Australia desde 1996. (Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Raewyn_Connell)
53
Como pano de fundo desta pesquisa optei por trazer relatos e memórias de pessoas
que se autodefinem como travestis ou transexuais, principalmente sobre o período de
escolarização, a fim de sustentar minha denúncia inicial sobre as violências sofridas por pessoas
trans no cenário brasileiro. Os fragmentos das histórias de vidas aqui evidenciadas dialogam
com um levantamento bibliográfico das principais obras que permeiam os espaços acadêmicos
e contribuem para a contextualização do espaço escolar como transfóbico. Os relatos de
travestis e transexuais aqui expostos são, na verdade, a materialização do descaso e da violência
das pessoas que fogem do padrão cis-heteronormativo, ou seja, a concretização das denúncias
e revelações explanadas por autores como Foucault, Butler, Scott, Bento, Louro, Silva, entre
outros.
Entre as diversas narrativas das pessoas trans, geralmente nos deparamos com os
mesmos roteiros memoriais, diferenciando-se apenas, a ordem dos sujeitos ou instituições
opressoras. Assim como destaca Bento (2008) pessoas transexuais e travestis são expulsas de
casa, impedidas de estudar, de conseguir emprego, são excluídas de todos os campos sociais ou
ainda entram na justiça para solicitar a mudança de nome e redesignação sexual. Essas
exclusões iniciam-se muito antes de a pessoa afirmar que não se reconhece no seu sexo
biológico e no gênero que lhe é imposto conforme sua genitália, ou seja, desde a infância por
meio de brincadeiras e piadas sobre aquele corpo que não se adequa em gênero, postura,
comportamento e preferência. Apesar de todo o simbolismo atrelado ao gênero masculino e
feminino serem construções assim como o próprio gênero, são esses os primeiros demarcadores
na vida de uma criança trans.
A patologização da transexualidade continua alimentando, por meio do senso
comum, a representação de uma doença mental, isto é, um transtorno que deve ser inspecionado
e acompanhado por profissionais “experientes”. Desse modo, quando travestis ou transexuais
sofrem alguma violência, isso não causa uma indignação social, pelo contrário, compreende-se
o ato do criminoso, ou, mais adequado com a nossa realidade, compreende-se o ato do
“justiceiro”, pois, uma pessoa que resolve punir ou eliminar uma pessoa trans por seus próprios
meios não é e nem pode ser considerada uma criminosa. Sua ação torna-se compreensível tendo
em vista quem foi a vítima.
Citarei agora um exemplo desta “(in)compreensão-social” quando alguém resolve
punir/eliminar alguém que fogem do padrão cis-heteronormativo. No dia 17 de fevereiro de
2014, em Mossoró/RN, um menino de 8 anos é levado ao posto de saúde com sangramentos
após ter sido espancado por seu pai. Apesar da tentativa de salvamento, o menino já estava
56
morto. As notícias que foram veiculadas mais tarde sobre o caso tinham a seguinte nota: “Pai
matou o filho a porradas porque ele não quis cortar o cabelo!”. A princípio, qualquer manchete
como essa enfatizando uma criança brutalmente assassinada por seu pai, geralmente, causaria
comoção e revolta. No entanto, conversando com minha amiga que teve acesso a esta mesma
notícia, ela comentava que leu a manchete para seu colega de trabalho e, instantaneamente, ele
mostrou-se revoltado afirmando que o assassino deveria “apodrecer na cadeia”. Porém, logo
em seguida minha amiga continuou afirmando que o pai havia matado porque desconfiava que
o filho era gay. Nesse momento, o colega de trabalho, num tom de voz mais baixo, ressignifica
sua fala anterior dizendo: “Gay? Aaah tá, entendi”. A expressão final desse homem revela o
quanto nossa sociedade ainda é conivente e compreensiva com os crimes direcionados a pessoas
LBGT. Esta hierarquia da cis-heterossexualidade continua, direta e indiretamente, legitimando
a violência sobre qualquer corpo que desvie da norma naturalizada.
Uma das primeiras pesquisas trazidas sobre memórias de pessoas trans foi realizada
por Wiliam Siqueira Peres, doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Em seu artigo, Cenas de exclusões anunciadas: travestis, transexuais e transgêneros
nas escolas brasileiras, publicado em 2009, Peres traz à tona relatos de pessoas trans
relacionados à escola. A intenção do autor com esses depoimentos é enfatizar a necessidade de
reflexões sobre as diversas identidades sexuais e de gênero e mostrar o quanto a instituição
escolar pode mudar a vida e a história de uma pessoa trans. As pessoas trans entrevistadas por
Peres são de diferentes cidades brasileiras. No artigo citado, foram trazidos relatos de seis
mulheres trans (travestis e transexuais).
Uma delas é Lilith, travesti negra, candombleira e portadora do vírus HIV. Segundo
ela, na época em que cursava a quarta série do Ensino Fundamental I era molestada e agredida
constantemente por seus colegas. O ápice desse sofrimento aconteceu quando ela foi presa no
banheiro da escola e obrigada a fazer sexo oral e anal com todos os nove meninos do grupo.
Apesar de toda essa violência contra Lilith chegar ao conhecimento da direção, a “medida
corretiva” foi aplicada contra ela mesma, que teve que ser transferida de escola pela acusação
de atentado e violência ao pudor. A atitude da diretora com Lilith, identificado naquele
momento como homossexual, pobre, e negro, foi basicamente higienista e cautelosa. Era muito
mais fácil eliminar o sujeito homossexual negro e pobre que, por natureza, era imbuído de
problemas e ameaças, do que punir os outros nove alunos, Lilith continuar na escola e o
problema se repetir.
Outro depoimento é de Lara, travesti de 38 anos, costureira e dançarina em boates,
que enfrentou constrangimentos semelhantes os de Lilith por parte de seus colegas. A cena mais
57
marcante ligada a uma instituição de ensino se deu aos dezoito anos, quando Lara resolveu fazer
um curso de italiano. Logo na segunda semana, Lara foi chamada pela diretora da instituição
onde foi decretado o seu não pertencimento naquele espaço de “gente normal”. Lara foi
recebida com as seguintes palavras:
Então você resolveu se sentir gente? Com a vida que você leva, você acha que pode
frequentar lugares de gente de bem? Mas você é muito atrevido mesmo, você quer
desmoralizar a minha escola? Você quer sujar o nome da escola? Saia imediatamente
daqui ou terei que chamar a polícia! (Entrevista de Laura. PERES, 2009, p. 248).
A escola, que deveria ser um lugar de inclusão e respeito da diversidade, muitas vezes
perde a sua função e passa a desempenhar outras. Torna-se escola-polícia, escola-
igreja, escola-tribunal, orientadas por tecnologias sofisticadas de poder centradas na
disciplina dos corpos e na regulação dos prazeres. Distanciam-se, assim, de uma das
funções da educação: tornar as pessoas preparadas para o convívio com as diferenças
por meio da produção de sentimentos e atitudes de fraternidade, solidariedade e
igualdade de direitos, valorizando o coletivo e garantindo o acesso à informação, sem
o que é impossível às pessoas a construção de suas cidadanias. Fazendo uso de slogan
do movimento nacional de travestis, transexuais e transgêneros, vale recordar que:
“Cidadania não tem roupa certa!”. (p.249)
violência verbal por parte dos/as professores/as e violência física por parte dos colegas nesse
mesmo percentual.
Um dos reflexos desse alto índice de violência escolar contra travestis e transexuais
é a evasão desses sujeitos. No caso dessa pesquisa de Bohm (2009), 35% das entrevistadas
alegaram ter abandonado a escola por conta das violências dirigidas a elas e por serem
invisibilizadas pelo corpo do docente.
[...] fui extremamente humilhada, sim, desde a primeira série, porque minha voz era
fina, os meus gestos são extremamente delicados [...] Eu não entendia o que estava
acontecendo, porque eu era uma menina no corpo de um menino [...] eu tinha sido
invisível para meus educadores, professoras ausentes que nunca me enxergaram [...]
impossível as professoras nunca terem visto, elas deixavam assim, como se eu fosse
a vilã. (Entrevista professora trans. BOHM, 2009, p. 44)
Minhas lembranças da escola são traumáticas. Não fui para o regular por medo. Peguei
pânico de escola. Medo de olharem e me xingarem de novo. Medo de encarar o
mundo. Porque eu não aguentava mais, eu estava com 17 anos e era xingada e
humilhada todos os dias. Era tratada com desprezo. Já tinha os conflitos pessoais de
não me aceitar como homem. Me via como mulher. E os xingamentos reforçavam
que eu não era uma mulher. Doía. Doía muito. Pegava trauma. (entrevista
Rafaelly Wiest, SANTOS, 2012, p.155, grifo meu)
59
Por meio desses relatos, evidenciamos o quanto a instituição escolar colabora para
cercear o futuro das pessoas trans que, por não resistirem aos excessos de violência acometidos
no espaço escolar e, por ansiarem amenizar esses sofrimentos, acabam abandonando a educação
formal e a possibilidade de aperfeiçoamento conforme os currículos e necessidades vigentes
para o mercado de trabalho. Por si só, é muito difícil ser transexual ou travesti em nossa
sociedade contemporânea, porém, os problemas multiplicam-se quando não é possível o
mínimo de formação de escolar para esses sujeitos. A informalidade, decorrente da dificuldade
de inserção profissional, passa ser a única fonte de renda, principalmente em atividades ligadas
à prostituição.
No ano de 2013, a professora transexual Marina Reidel defendeu sua pesquisa de
mestrado pelo Programa de Pós Graduação em Educação (UFRGS), intitulada – A Pedagogia
do Salto Alto: histórias de professoras transexuais e travestis na educação brasileira. O
número de professores/as transexuais e travestis na educação brasileira catalogados/as por
Reidel são de aproximadamente sessenta profissionais. Apesar de ser um número bastante
baixo, comparando com os 90% que se prostituem, é um ramo de atividade que está em
ascensão entre a população trans.
Hoje, sei que não sou única! Já encontrei mais de sessenta professoras transexuais e
travestis inseridas na Educação Brasileira. De norte a sul, estão espalhadas em cidades
pequenas como no Vale do Jequitinhonha, interior de Minas, no sertão do Nordeste,
nas reservas do Rio Amazonas, na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai,
bem como nas grandes cidades e capitais de todo Brasil. Pude constatar que muitas
vivem nas comunidades e não tem voz militante, porque o próprio movimento de
travestis e transexuais não tinha conhecimento de suas existências. Raras se
apresentam como travesti ou transexual e procuram uma ONG ou secretarias locais
para pedir apoio ou algum tipo de informação e/ou proteção. Também encontrei várias
que não assumiam a condição de professora trans e, sim, de professora mulher, para
não expor a vida pessoal ou não provocar discussões em torno do tema da sexualidade
na escola, com medo da reação da comunidade escolar, ou mesmo medo de sofrerem
represálias políticas e religiosas. (REIDEL, 2013, p. 73)
Para esta pesquisa, Reidel entrevistou seis professoras trans de vários estados
brasileiros. Um ponto evidenciado pela maioria das professoras foi a dificuldade de enfrentarem
no dia-a-dia da escola, principalmente, com os outros professores da própria instituição. Não
bastava serem professoras trans, elas deveriam cotidianamente ser melhores naquilo que
faziam, pois havia essa cobrança implícita, mas perceptível. A meu ver, ser a melhor professora
parecia ser a única alternativa para ser “aceita” no espaço escolar, pois, um corpo que carrega
a materialização do impossível tem, por obrigação, demonstrar algum benefício a mais que
justifique dividir com os demais o mesmo espaço de trabalho.
60
Voltando para as memórias do período escolar, uma das entrevistadas por Reidel, a
professora Sales, travesti do estado de Paraná, chamou atenção para discriminação sofrida
também no ensino superior.
A nós não foi dado o direito de sequer chegar ao vestibular, a sociedade nos impede
bem antes de concluirmos o ensino fundamental. Raras são as que conseguem superar
todas as violências, superar a fenda diminuta que as pessoas cisgêneras criaram para
que não adentrássemos a humanidade, ou que o fizéssemos apenas pela porta dos
fundos, pela área de serviços. (ANDRADE, maio de 2014)
Assim como outras pessoas trans, Carolina também teve uma infância e
adolescência permeada por dúvidas, discriminações e preconceitos em diversos ambientes
sociais. A escola, como citado no capítulo anterior, também aparece como o principal local de
sofrimento no processo de construção de mulher e professora Carolina.
A importância de trazer memórias de uma professora transexual vem ao encontro
de uma das conceituações de Le Goff, em que, segundo o autor, “memória é onde cresce a
história, que por uma vez a alimenta, procura salivar o passado para servir o presente e o futuro.
Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a
servidão dos homens” (1996, p. 477). Deste modo, reviver e compartilhar memórias de pessoas
trans colabora para a libertação e legitimação dessa população.
Apesar de Carolina se autodefinir como transexual no momento da pesquisa, esta
experiência foi resultado de um longo processo de reflexão e autoconhecimento sobre seu
corpo, gênero e sexualidade. Num primeiro momento, sua trajetória é comum a de outras
transexuais, ou seja, a experiência homossexual é sua primeira definição sobre seu desejo, pois,
o fator que atuava como referência de orientação sexual era o desejo físico por homens, marca
presente no universo gay masculino. Outro ponto que contribuiu para aceitação da
homossexualidade foram as próprias amizades na escola e fora dela.
14
“Geni e o Zepelim” é uma canção extremamente crítica de Chico Buarque e sua crítica à hipocrisia social e ao
falso-moralismo religioso dos moralistas da época de sua criação ocorre por meio da ironia. A hipótese é a de
que a imagem da canção desvela o preconceito da nação ao criticar a hipocrisia que rege o coro das vozes
sociais, ao mesmo tempo, aclamadoras e apedrejadoras, que apagam Geni, a travesti Maria Madalena da canção
(PAULA, 2010).
62
Em certo momento da minha vida eu achava que eu era gay. Eu achava que eu era
gay por quê? Porque, na verdade, as pessoas que eu conhecia eram todos gays, então
eu acreditava até, eu ia a boates gays, eu tinha amigos gays. (E. Carolina)
Então eu acreditava num primeiro momento que eu era gay, então isso levou um
tempo muito grande pra mim perceber e conhecer outras trans. Qual foi o bum do
momento, assim? Foi Roberta Close, foi Telma Lipe, aonde eu vi nessas pessoas que
eu tinha uma identidade de gênero feminina. Então eu levei um tempo pra descobrir
que eu tinha uma identidade de gênero feminina. Aí eu também vivenciei outro
momento muito sério da minha vida que é acreditar que eu era travesti. (E. Carolina)
15
Segundo Larissa M. Pelúcio (2007) a categoria travestilidade se insere em uma problemática Queer, no qual o
termo utilizado sistematicamente para ofender e desqualificar passa a ser utilizado como uma forma de
ressignificá-lo. Desse modo, o termo travestilidade procura ressignificar a categoria travestismo.
63
O gênero não deve ser constituído como uma unidade estável ou um locus de ação do
qual decorrem vários atos; em vez disso, o gênero é uma identidade tenuamente
constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição
estilizada de atos. (BUTLER, 2003, p. 200).
com outras, como outras experiências. E aí que peca né, que toda uma sociedade peca,
que joga a gente, na verdade, nesse mundo e a gente se sente diferente, se percebe
diferente, mas não consegue entender porque que é diferente. Ou, se a gente também
não é diferente, é o mundo que é tudo igual? (E. Carolina)
Fazendo uma reflexão sobre esta fala de Carolina, enquanto uma pessoa cisgênera
planeja fazer um curso superior, viajar, procurar um novo emprego e formar uma família, uma
pessoa transexual ou travesti na mesma idade continua se preparando em função do outro,
recorrendo a tratamentos hormonais sem nenhum acompanhamento médico e sujeitando-se a
profissões de riscos para conseguir o valor suficiente para nova intervenção cirúrgica. Assim
segue os principais anos da vida adulta de uma pessoa trans, totalmente voltado para avaliação
do outro e para outro. De acordo com Peres (2008) as transformações do corpo e da estética em
uma transexual envolvem elementos relacionados à condição socioeconômica e cultural da
pessoa que pleiteia sua transformação. Quanto mais capitalizado o meio onde está inserida uma
pessoa trans, mais será exigido um “corpo perfeito” por parte das travestis e transexuais.
A associação entre a feminilização biológica e os modos culturais do feminino cria
a demanda por um conhecimento médico trans que ainda é precário e gera sofrimento. Podemos
inferir daí que existem diferenciações de classe no modo de viver a experiência transexual, já
que, quanto menores forem os recursos financeiros do indivíduo transexual, menor sua
qualidade de vida em função da automedicação e não acompanhamento médico.
Como se pode ver, as identidades de gênero e de orientação sexual de Carolina
foram se construindo com o tempo, através do meio social com as novas informações da mídia
ou pelas relações sociais cotidianas num processo de identificação e diferenciação gradual, ora
frutos de uma elaboração intelectual, ora da ordem do desejo e da busca de sua expressão.
O padrão com o qual todas as outras sexualidades devem ser comparadas e medidas.
É essa qualidade normativa - e o ideal que ela encarna - que constitui uma forma
específica de dominação chamada heterossexismo. Este pode ser definido como a
crença na existência de uma hierarquia das sexualidades, em que a heterossexualidade
assume posição superior. Todas as outras formas são qualificadas, na melhor das
hipóteses, como incompletas, acidentais e perversas, e na pior, como patológicas,
criminosas, imorais e destruidoras da civilização (BORRILLO, 2009, p. 25).
Carolina, ao ser indagada sobre sua sexualidade como aluna na educação básica,
relaciona com as experiências dos estudantes no momento em que ela já está adulta:
66
[...] hoje eu, assistindo esses bullying passando na TV, esse menino 16 que teve esse
problema que se matou no Rio de Janeiro... Se eu for me remeter a minha história de
vida, olha, eu sofri tanto, tanto, tanto na escola! A escola foi pra mim o ambiente mais
negativo que você possa imaginar. Assim, todas as barbáries fizeram comigo, todas,
todas. Eu tive que viver uma vida camuflada, uma vida mentirosa por um longo tempo.
(E. Carolina)
[...] um dos espaços mais difíceis para que alguém “assuma” sua condição de
homossexual ou bissexual. Com a suposição de que só pode haver um tipo de desejo
e que esse tipo – inato a todos – deve ter como alvo um indivíduo do sexo oposto, a
escola nega e ignora a homossexualidade (provavelmente nega porque ignora) e, desta
forma, oferece muito poucas oportunidades para que adolescentes ou adultos
assumam, sem culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento mantém-
se, com relação à sexualidade, como lugar do desconhecimento e da ignorância
(LOURO, 1999, p. 30).
Educação física era unânime, né? Porque educação física, na minha época, era
separado, meninos e meninas. Aí, tu imagina! Jogar futebol eu não conseguia jogar de
jeito nenhum, não é porque a gente é fresco não, é porque tu não se identifica.
Porque eu também não acho nada demais você ser uma trans e jogar futebol. [...] mas
eu não gostava, não era o que eu queria, mas, eu era forçada, e aí botavam pra ir
no gol. Aí tu imagina, piorou ainda, porque cada vez que a bola vinha, eu virava de
costa porque eu tinha medo que a bola me machucasse. [...] e eles caíam de pau em
cima de mim. (E. Carolina, grifos nossos)
16
Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu a escola armado com dois revólveres e começou a disparar
contra os alunos presentes, matando doze deles, com idade entre 12 e 14 anos. A motivação do crime é incerta,
porém a nota de suicídio de Wellington e o testemunho público de sua irmã adotiva e o de um colega próximo
apontam que o atirador era reservado, sofria bullying e pesquisava muito sobre assuntos ligados a atentados
terroristas e a grupos religiosos fundamentalistas (Wikipédia, Massacre de Realengo, acessado em 20/02/2014)
67
Como afirma Resende (1994), o professor poderia intervir e mediar os conflitos nas
aulas de Educação Física, inclusive atendendo às políticas de orientação sexual dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) que já apontavam essa questão. No entanto, segundo as
entrevistadas, o professor impulsionava e motivava a turma para o deboche permitido.
A masculinidade predominante entre os professores de educação física, em geral
homens, era de que o futebol era masculino e, portanto, se uma pessoa considerada pelos demais
como homem negasse jogar futebol e desejasse outro esporte, deveria ser excluído do universo
dos homens e, ao mesmo tempo, não lhe seria destinado outras práticas esportivas. Estava dada
a exclusão. Mas além dos esportes, outras disciplinas escolares também não revelavam uma
preocupação em fugir dos padrões cisgêneros de ser homem e possuir habilidades da
masculinidade tradicional.
Vamos supor, como eu já tinha uma tendência mais pra artes, mais pra vôlei. Eu
percebia que eles poderiam explorar muito mais isso em mim. Mas eu sempre ficava
em segundo plano, eu percebia isso. Vamos supor – vôlei – eu podia estar jogando
vôlei, né? Porque eu tinha essa habilidade, eu gostava. Só que não, eles não me
colocavam no time, que era o time masculino. Eles poderiam ter me explorado nisso,
né? Como teatro. Na verdade, eu poderia ter feito uma peça que eu tivesse uma
identidade de gênero feminina, mas não – porque “ah, como um homem vai se vestir
com roupa de mulher?”. (E. Carolina)
Na convicção de Carolina, ela poderia ser uma pessoa melhor se não tivesse sido tão
limitada durante seu período escolar. No entanto, mesmo com todas as intervenções negativas
sobre ela, Carolina destaca que procurava se manter mais forte que o movimento de
silenciamento que caía sobre ela.
Eu sempre dei a volta por cima e nunca deixei as pessoas tomar, não. Nunca eles
tiraram, não. Eu sempre revidei. Se me atirassem uma pedra, eu atirava duas. [...] eu
fui muito forte, sinceridade. Então assim, eu sempre fui ousada, sempre bati boca com
o professor, até na própria faculdade. (E. Carolina, grifo meu)
sobre sexualidade e gênero. Havia, sim, um discurso normativo para chamá-la a mudar seu
“jeito de ser”, isto é, que se comportasse como “homem”. Durante todo o ensino básico Carolina
foi rotulada como gay e discriminada: “Queira ou não queira os professores me chamavam
de veado, os professores me taxavam, os professores me excluíam, as pessoas me excluíam e
a escola, volta e meia, me chamava para discutir o meu comportamento, né?” (E. Carolina).
Por meio dessa fala, evidenciamos que era o comportamento de Carolina que desestabiliza os
profissionais de educação. Nesse ponto, o ato de chamar Carolina para “mudar seu
comportamento” não era uma tentativa para protegê-la das discriminações, mas sim, para
proteger os outros alunos e professores daquele comportamento diário de Carolina.
Nós, no primeiro dia já, ele (professor) pediu pra gente fazer um título [...] ele veio e
brincou falando que eu tinha colocado flor, já pra me excluir, né? Aí, lógico que todo
mundo ri, né? Aí eu peguei revidei e todo mundo riu também. Disse que eu fiz flor
pensando nele. Até umas gurias chamaram [a Carolina] e [disseram]– “não faz isso,
porque ele persegue e depois ele te reprova”. Eu disse: Eu, hem, querida! Pode me
reprovar, mas eu não vou deixar barato, não! (E. Carolina, grifos nossos)
brasileiros17 que determina que as escolas públicas devem nomear estudantes conforme a
solicitação deles/as. Em algumas universidades federais 18(UFBA e UFES) também já existem
resoluções para o nome social de alunos/as trans. No Sistema Único de Saúde também há uma
portaria19 que abarca um melhor tratamento à travestis e transexuais pelo nome social, no
entanto, na prática existem poucos hospitais com formulários adaptados conforme esta portaria.
No Brasil, ainda não existe uma legislação específica para alteração do nome e sexo nos
registros civis de travestis e transexuais. No entanto, a Constituição Federal, o Código Civil e
a Lei de Registros Públicos possibilitam uma interpretação que fundamente a decisão favorável.
Outro fator que acaba colaborando são as jurisprudências sobre o assunto, isto é, casos
semelhantes já aprovados pelo país. Em geral, os processos no Brasil têm levado de um a quatro
anos e, caso o pedido seja negado pelo/a juiz/a, é possível recorrer e solicitar que o caso seja
analisado por desembargadores.
Se compararmos os espaços e discriminações dos diferentes ambientes escolares,
podemos supor que a universidade tenha sido menos discriminatória na relação com colegas e
professores, talvez pelas transexuais expressarem mais firmeza e cuidado em suas relações
sociais, fruto do árduo aprendizado escolar e social anterior.
17
Medida já aprovada nos estados de SC, PR, SP, RJ, BA, AL, PB, PA e GO (2010).
18
Universidade Federal da Bahia - Resolução n° 01 / 2014, aprovada pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa
e Extensão, em 18 de junho de 2014.
Universidade Federal do Espírito Santo – Resolução n° 23 / 2014, aprovado pela Pró-Reitoria de Assuntos
Estudantis e Cidadania (PROAECI), em 25 de junho de 2014.
19
Portaria 676 de 2006, que garante o nome social no SUS, foi revogada e reiterada pela Portaria 1820 de agosto
de 2009, mantendo o direito ao nome social na carta aos usuários do SUS.
70
ligada a vários fatores externos à escola, entre eles, o aumento das Paradas do Orgulho LGBT
no Brasil e em outros países, as frequente e maiores inserções midiáticas das temáticas LGBT,
o aumento das referências artísticas nacionais e internacionais como gays, lésbicas, bissexuais
ou até mesmo transexuais.
Ainda que esses segmentos começaram a ser mais visibilizados dentro das salas de
aulas, estar visível não significa, necessariamente, que essas identidades sejam contempladas e
pensadas pela educação. Parece haver, segundo as pesquisas, um certo descaso por parte dos
profissionais de educação e, principalmente, pelas políticas públicas e educacionais LGBT.
Sobre esta questão, Felipe Bruno Fernandes (2011), em sua tese de doutorado sobre a agenda
anti-homofobia na educação brasileira, traz uma reflexão sobre o atual cenário de políticas
educacionais LGBT destacando o governo Lula (2003-2010) como um tempo em que direitos
LGBT eram ouvidos e respaldados.
O mês de maio de 2011 foi paradigmático nesse sentido. Se, na primeira semana do
mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável para pessoas do
mesmo sexo (passiva de ser convertida em casamento); na última semana, a presidenta
Dilma Rousseff vetou o chamado “Kit de Combate à Homofobia”, argumentando que
“o governo não fará propaganda de opção sexual”, e desqualificou a política editorial
do MEC ao dizer que tudo que tenha a ver com “costumes” terá que passar pelo crivo
da Presidência da República (PR). Com base nesse evento, vejo hoje, no “Brasil de
Dilma”, uma nova configuração das forças políticas que tem na agenda anti-
homofobia um de seus eixos de irreflexão e alianças políticas conservadoras. Sendo
um pouco pessimista, penso que esta tese se finda na “ruína” dos avanços do governo
Lula. Talvez este texto se torne histórico ao fazer a análise de “um tempo que já se
foi”, o de um governo no qual os direitos de LGBTTT tiveram respaldo, escuta e
agência. (FERNANDES, 2011, p.338, destaque do autor)
preconceituoso; e também agir de modo discriminatório com estudantes LGBT. Sobre essa
situação, trago as palavras da diretora da escola Padre Miguel.
Na verdade, se eu te disser assim, que falta uma preparação para os professores pra
aceitar esses profissionais. Mas eu, particularmente, eu entendo e respeito, mas
particularmente, eu não aceito. Então falta uma preparação pra mim? Não, foi
uma crença que eu já tive desde criança. Então é muito difícil fazer eu entender
porque eu acho que não é certo, que não tá dentro dos princípios divinos. Então
como é que eu vou me preparar se minha crença diz que não é correto? (E. Helena,
grifo meu)
Eu, como professora, não tenho preconceito mas os outros tem preconceito, aí como
lidar com esta situação? Essa é minha maior dificuldade. Porque, muitas vezes, esses
alunos que manifestam uma tendência pra serem homossexuais, ele viram
chacota, então como tu intervir? Como tu chamar atenção do outro? E tem uns
que mesmo tendo tendências eles não assumem ou os pais não aceitam, ou eles
dizem que não tem essa tendência. (E. Juliana, grifo meu)
O fato citado pela professora Juliana, isto é, de não saber o que fazer numa situação
onde o aluno homossexual é hostilizado por seus colegas, é uma realidade recorrente a muitos
outros profissionais da educação. Penso que os professores tem receio de intervir pelo fato de
não saberem justificar o quanto aquela diversidade LGBT é uma das alternativas para a vivência
de gênero e de sexualidade humana. Indiretamente (ou não), o silêncio desses profissionais acaba
legitimando a perpetuação de um ambiente lesbohomotransfóbico no espaço escolar.
Outra fragilidade dessa situação é citada pelo professor Roberto, segundo ele, a
maior dificuldade com alunos LGBT é saber usar as palavras corretamente para se dirigir a eles.
Esta preocupação é de extrema relevância tendo em vista que muitos ex-alunos travestis e
transexuais lamentam que professores e outros funcionários da escola insistem em tratar a
identidade de gênero de alunos trans unicamente na esfera da sexualidade, mais especificamente,
como gays ou lésbicas (PERES, 2009). Para a profissional de educação, Patrícia, deveria haver
uma série de palestras durante todos os períodos da educação básica.
Começando pela estrutura familiar, a gente percebe que os pais não são tão amigos
dos filhos e eles tem uma visão distorcida de sexualidade. Tudo pra eles é uma questão
de levar pra brincadeira, banalizar. Então, tinha que ter tipo uma palestra desde lá
a base, mostrando que sexualidade não é pecado, não é feio. (E. Patricia, grifo
meu)
Por meio dessa e de outras falas de Patricia, pode-se inferir que, para esta
professora, tratar de gênero e sexualidade seria uma função de um outro, alguém externo às
atribuições dos professores e, por esse motivo, deveriam ser chamados profissionais
especializados para essa discussão em momentos específicos do ano letivo. Ainda que palestras
sejam interessantes, penso que a palestra não permite a reflexão conjunta sobre as situações e
dificuldades e tampouco será suficiente para alunos e professores “aprenderem” a atuar
cotidianamente com a população LGBT.
Com relação aos significados de gênero e sexualidade, todos profissionais de
educação manifestaram dúvidas a respeito do significado de gênero. Assim como em outros
espaços, as discussões predominantes na escola em torno dos possíveis alunos trans situava-se
sempre no âmbito da sexualidade. Para Helena, diretora da escola, que em outro momento
afirmou não ter dificuldades em trabalhar com os alunos os assuntos da diversidade sexual e de
74
gênero, revela na fala abaixo, o quanto o seu entendimento se restringia, apenas, a dois tipos de
expressão da sexualidade.
Eu já ouvi falar, mas eu não sei entender muito bem. Não consigo fazer uma distinção
entre uma coisa e outra. As orientações que conheço são assim, o homossexualismo.
(Pesquisador: Mais alguma?) Homossexualismo e a heterossexual, né? (E. Helena,
diretora)
Uma das primeiras indagações realizadas aos profissionais de educação foi a sobre
o que pensavam sobre a professora trans, “se era como homem ou como mulher”. Todos
responderam que a viam como homem e sempre justificavam essa resposta no sexo biológico
e nos estereótipos do gênero masculino que, segundo eles, faziam parte do corpo da professora
trans. No entanto, essa negação da feminilidade de Carolina se dava a partir do momento que
esses profissionais da educação passavam a saber da história de transformação processual do
corpo dela. Segundo eles, a professora Carolina se apresentou como transexual logo no início
(e não como mulher). Se alguns professores já o sabiam, para outros era uma novidade.
A informação prévia sobre ela ter nascido com um órgão genital de macho
funcionava como uma espécie de dispositivo de aniquilação. A representação do órgão genital
de um homem, com componentes explícitos de feminilidade, quebrava com a estrutura
dicotômica homem/mulher. Se antes eles a viam como mulher feminina, após essa comprovação
biológica, era como se fosse inadmissível continuar reconhecendo na professora trans uma
mulher “legítima”. O que se via, a partir desse momento, era um homem na tentativa diária de
parecer mulher aos olhos dos demais.
Assim que ela chegou aqui eu não a conhecia. Conhecia pelo que os outros falavam.
A princípio eu vi uma mulher, aí depois quando ela me contou a sua história, aí eu vi
a parte do homem. Eu sempre via as duas coisas, tanto um homem, quanto uma
mulher. Tinha alguns momentos que ela deixava aparecer mais o lado masculino. Era
uma mistura sempre. (Pesquisador: e quais eram esses momentos?) Quando nós
estávamos mais à vontade, na hora do intervalo, aí a gente falava de outros assuntos,
e apareciam esses lados masculinos. (E. Patricia)
Como homem! (Pesquisador: por quê?) Pelo que eu fui, né? Desde pequena eu fui
instruída pra não aceitar esse tipo de mudança. (Pesquisador: Mas na imagem em si
da professora Ge?) Eu sei que ela é um homem, eu não consigo imaginar ela sendo
76
Além do sexo que é a parte física, a postura, o jeito, a delicadeza. Porque o homem é
a tendência de ser mais ríspido, machão. Enquanto a mulher até o tom de voz é mais
suave. (E. Juliana)
As mulheres são mais femininas, delicadas. (Pesquisador: e se a professora Ge fosse
mais feminina, você a veria como mulher?) Não, porque, por causa do corpo, da
estrutura óssea, isso tudo. (E. Helena, grifo meu)
Segundo o pouco que eu aprendi ano passado, transexual é aquela pessoa que quer ser
do outro sexo. Eu consigo entender pelo que ouvi na questão do corpo, uma mistura
de sexo, masculino e feminino. (E. Patricia)
Assim sobre gay, lésbica, não, mas a gente já aprendeu alguma coisa assim em
ciências. (E. Marcelo)
A professora de ciência já deu um livrinho lá de mulher e de menino. (Pesquisador:
o que tinha nesse livro?) Tinha um negócio lá da guria (risos de timidez), ensinou pras
gurias lá. (Pesquisador: e de vocês?) O nosso ela nem explicou nada. (E. Miguel)
Não, só ano passado em ciências. (Pesquisador: e sobre as diversidades?) Nunca! (E.
Joana)
Só a professora de ciências. Como a gente devia se lavar e tal, como colocar a
camisinha. (Pesquisador: e você acha importante trabalhar esses temas?) acho bem
importante. (Beatriz)
Apenas uma estudante, entre os dez entrevistados, afirmou ter participado de uma
conversa sobre o “respeito das diferenças” conduzida pela diretora no mesmo ano em que a
professora transexual começou a trabalhar na escola. Segundo a estudante, nada foi citado sobre
gays, lésbicas, travestis e transexuais. Podemos perceber, mais uma vez, a superficialidade com
que se trata a questão, mesmo havendo uma professora trans na escola. No entanto, a
invisibilidade dada pela diretora, talvez seja também reflexo de sua posição ao ser contatada no
início dessa pesquisa, quando afirmou ser evangélica e não aceitar a transexualidade, tampouco
a homossexualidade e práticas semelhantes.
Mesmo após a confirmação dos alunos nunca terem recebido qualquer explicação
em torno de gênero e sexualidade, ainda era necessário saber o que eles traziam de
representações em torno dessas categorias. Em geral, predominou uma mistura de significados
entre gênero e sexualidade e, a busca constante de considerá-las como sinônimo. Ao mesmo
tempo, tudo que o que fugisse da norma era tratado, inicialmente, como temática gay pelos
alunos.
Sobre a heterossexualidade a maioria dos alunos respondeu conforme as
descrições clássicas dessa identidade sexual. Ainda assim, trago duas falas que chamaram a
atenção durantes as entrevistas: uma delas demonstra o quanto a heterossexualidade é vista
como a prática correta; e a outra, o quanto predomina a falta de conhecimento sobre a própria
categoria hetero.
(...) É um homem com uma mulher, né? Um casal certo! (E. Marcelo)
(...) Eu não sei, acho que são aqueles que gostam dos dois. (E. Débora)
Eu não sei nada dessas coisas, só sei que homem com homem é gay. (E. Júlia)
É homem vestido de mulher (E. Joana)
Mulher que gosta de mulher (E. Beatriz)
Se nossa cultura não fosse tão cerceada por esses pensamentos de gênero e
sexualidade fixos e imutáveis, poderíamos nos permitir a diferentes prazeres em diferentes
momentos de nosso ciclo vital, não existindo a preocupação de fugir de normas e,
consequentemente, as pessoas não sofreriam violências ou discriminações por estarem se
permitindo a diferentes prazeres. Em pleno século XXI, penso que o termo homossexual ainda
é necessário por uma questão política de afirmação, ou seja, se em várias sociedades a
homossexualidade continua sendo vista como uma doença, é preciso, primeiramente, a anulação
desses discursos e a equiparação dos direitos civis entre heterossexuais e homossexuais, mesmo
que para isso os movimentos se utilizem dos argumentos da homossexualidade como algo
essencial, natural e imutável. No entanto, também tenho consciência da importância do termo
homoerotismo para a construção de uma liberdade sexual baseada na busca individual do
próprio prazer, sem a necessidade de fixar-se em alguma categoria existente por pressão social
ou cultural. A implementação do termo homoerotismo poderia vir após a equiparação dos
direitos civis, quando o conjunto da sociedade já ter conseguido romper com o tabu da
homossexualidade.
Essa discussão sobre a fluidez da sexualidade vem ao encontro dos estudos Queer,
já citados no primeiro capítulo dessa dissertação. No entanto, assim como afirma Louro (2004)
a defesa dessa teoria para a educação em um futuro próximo "não se trata, pois, de tomar sua
figura como exemplo ou modelo, mas de entendê-la como desestabilizadora de certezas e
provocadora de novas percepções" (LOURO, p. 24). Desse modo, a aplicação da teoria Queer
do âmbito da sexualidade para a educação indica que, além de desconstrucionista, essa teoria
se pretende subversiva no sentido de extrapolar as formas usuais de leitura dos textos, discursos
e corpos.
Sobre a travestilidade, as respostas dos estudantes pesquisados foram bastante
semelhantes entre si, girando em torno da afirmação que “travesti é um homem que se veste de
mulher”. No entanto, mesmo os estudantes respondendo que travesti era um homem que se
travestia com o padrão feminino, esse fato não anulava, para eles, a homossexualidade dessa
pessoa, pois segundo eles as travestis se relacionam com outros homens e, por esse motivo, os
estudantes as consideram gays.
Com relação a transexualidade, apenas três alunos arriscaram responder, os demais
alegaram não saber o que era uma pessoa transexual.
Várias pessoas, inclusive entre as minhas informantes [...] é possível traçar algumas
diferenças importantes entre as transexuais e as travestis. As transexuais dominam
uma linguagem médico-psicológica refinada, apoiam-se em escritos científicos dessas
disciplinas para explicar e demonstrar seu modo de ser, evidenciam as diferenças entre
sua condição e a das travestis por meio de argumentos e razões fundamentadas nas
noções de patologia e desvio, creem-se doentes e deduzem que o tratamento e a
cirurgia podem ser o instrumento de correção ou de ajustamento à sua personalidade.
Essas concepções estão relacionadas à origem de classe. As informantes que se
autoidentificam como transexuais, possuem, via de regra, maior escolaridade, têm,
portanto, acesso a bibliografias técnicas sobre o assunto com mais facilidade e situam-
se mais próximas socialmente das explicações institucionais e científicas sobre a
questão (BENEDETTI, 2005, p.113).
Para alguns autores como Fernandéz (2004), Bento (2008), Leite Jr (2009) e
Teixeira (2009) o ponto principal da diferença entre travesti e transexual reside na relação de
cada uma com seu órgão genital (pênis). Enquanto as transexuais sentem repulsa e reivindicam
a cirurgia de transgenitalização, travestis convivem satisfatoriamente com seu órgão genital
(BARBOSA, 2010).
Para Pelúcio, o conceito de travesti também é construído em torno do órgão genital.
As travestis são pessoas que nascem com o sexo genital masculino (por isso a grande
maioria se entende como homem) e que procuram inserir em seus corpos símbolos do
que é socialmente sancionado como feminino, sem, contudo, desejarem extirpar sua
genitália, com a qual, geralmente, convivem sem grandes conflitos. Via de regra, as
travestis gostam de se relacionar sexual e afetivamente com homens, porém, ainda
assim, não se identificam com os homens homo-orientados (PELÚCIO, 2009, p. 03-
04).
Algumas transexuais falam das diferenças dos homens que procuram transexuais. Ana
afirmou que as travestis são principalmente ativas, pois é isso que os homens querem
das travestis. Outra pessoa autodenominada transexual do grupo, acrescentou ainda
que não dá para entender o gênero das travestis, e formulou as seguintes questões:
Qual seria a orientação sexual de alguém que procura uma travesti? É um homem
que busca uma aparência feminina, mas busca principalmente a parte masculina
dessa, o pênis. O que seria esse homem em termos de orientação sexual?
Homossexual? Heterossexual? Outra transexual continuou argumentando que as
transexuais não conseguiriam ser ativas no ato sexual, pois mulheres não são ativas,
assim os homens que as procuram são heterossexuais (BARBOSA, 2010, p.24-25,
grifos do autor).
A escola também é um ambiente onde os jovens criam seus primeiros laços de afeto.
Isso inclui, muitas vezes, a experiência do namoro, que pode começar nesse espaço. Em muitas
escolas, principalmente aquelas que só têm Ensino Fundamental, o namoro é proibido com
objetivo de evitar constrangimentos e baixo rendimento escolar dos estudantes em geral. Em
algumas escolas onde trabalhei em Tubarão/SC, por exemplo, o “namoro consciente”
(expressão das diretoras) é permitido pela direção escolar, isto é, desde que os pais ou
responsáveis dos alunos envolvidos tenham conhecimento do relacionamento.
Entretanto, a questão do namoro na escola torna-se uma discussão ainda mais
delicada quando pensada para estudantes do mesmo sexo/gênero. Talvez esta situação de
namoro gay dentro de uma escola nunca tivesse sido imaginada pelos estudantes entrevistados
nessa pesquisa, principalmente numa instituição com apenas Ensino Fundamental. Sobre esse
assunto, o estudante Miguel responde,
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Sou contra! (Pesquisador: por quê?) Porque namorar não é na escola, é fora!
(Pesquisador: e se fosse do sexo oposto?) também. (Pesquisador: e estudantes do
mesmo sexo namorar fora da escola, o que você acha?) Ah, se quer namorar, mas
namora num lugar escondido pra ninguém vê. (Pesquisador: por que tu acha que tem
que ser escondido?) Porque decerto os outros não gostam, né? (...) influenciam os
outros também né? Os mais pequenos. (E. Miguel)
A ideia dessa questão era saber o que faz com que alunos sejam contra ou a favor de um
namoro entre duas pessoas do mesmo gênero/sexo, em um ambiente impensável para isso ―
dentro de uma instituição de saber-poder e que é considerada como um dos lugares mais
negativos para gays, lésbicas, travestis e transexuais.
Entre os dez alunos entrevistados, apenas duas meninas se mostraram favoráveis ao
namoro gay na escola, porém, todos os alunos, inclusive ambas citadas, afirmaram que não
iriam se sentir bem ficando próximos de um casal gay, seja na escola ou fora dela.
Para Freud (1987), esse sentimento é despertado sempre que algo nos deixa
desconfortável, tenso, com sensação de que algo está errado, e também, quando algo nos deixa
apreensivos, incertos e assustados. No caso dos alunos, é até compreensível que uma cena com
dois homens ou duas mulheres namorando ainda cause desconforto, uma vez que, é algo novo
em suas realidades e amplamente divulgado em suas representações como o ápice da
imoralidade. A estranheza dessas meninas que argumentam ser normal pode decorrer apenas
do inabitual, mas também pode ser que haja um discurso politicamente correto, como se
dissessem “gays existem, são normais, mas de preferência longe de mim”.
Para os demais estudantes o estranhamento combinava-se à oposição, à negação, já
que posicionaram-se contra o namoro de pessoas do mesmo sexo no espaço escolar.
Eu acho errado, mas aqui não tem. (Pesquisador: mas o que tu acha de namorar na
escola?) Ah, as professoras não deixam, a diretora proíbe e eu também acho errado.
(Pesquisador: e lá fora, o que você acha de dois meninos namorarem?) Talvez, mas
em lugar sozinho porque na frente dos outros eles podem zoar. (Pesquisador: tu
se sentiria bem perto de um casal homossexual?) Não, porque eu acho errado. (E.
Marcelo Elias)
87
Figura 1
88
Eu acho que eles tão certo, porque eles deviam ser felizes também, né? Teve algum
país que já liberaram eles pra casar, né? Eu acho que eles devem continuar, eles devem
ser feliz e tentar consegui alguma coisa, lutar pelos direitos deles. (E. Miguel)
Acho importante porque tem bastantes gays no Brasil. Se a gente tem direitos eles
também deviam ter. (E. Júlia)
Figura2: G1.com
89
Figura 3: Noticias.terra.com.br
Eu acho certo porque eles merecem direitos como nós temos. (Pesquisador: e por que
tu acha que eles reivindicam?) Porque tem muita gente preconceituosa. (E. Beatriz)
Eles têm os direitos deles de fazer isso. [...] porque como nós temos os nossos direitos
eles também podem ter. (E. Daniele)
(Pesquisador: O que você acha das reivindicações por direitos de pessoas gays,
lésbicas, travestis e transexuais?) Eu não sei. Quando eu vou assim nos lugares eu
não vejo muitas pessoas assim protestando. (Pesquisador: e as reinvindicações que
passam nas mídias, jornais...?) Não sei, eles protestam pro bem deles né.
(Pesquisador: mas o que tu acha disso?) Pra mim eu acho errado. (Pesquisador: por
que tu acha errado?) de o país deixar o homem casar com homem e mulher com
mulher. (Pesquisador: e porque tu acha isso errado?) Por causa que, sempre me
orientaram que é assim, assim, assim e religião também não deixa, né? (E.
Marcelo Elias, grifo meu)
Como se pode ver, está presente nesse aluno o pensamento religioso, que se baseia
em dogmas e verdades inquestionáveis. Mesmo que ele não consiga aprofundar seus
argumentos contra os direitos civis LGBT, segundo ele, não é certo e ponto final, terminando
sua justificativa citando a religião como responsável por orientá-lo daquela maneira.
Nossa educação escolar não se contrapõe à cultura religiosa, que termina por ser
um de seus componentes, ainda que o Estado seja considerado laico. A aprovação do novo
Plano Nacional de Educação (2011-2020) é um reflexo dessa questão, ao dificultar a inserção
da reflexão sobre gênero nas escolas brasileiras. De acordo com o deputado federal Jean Wyllys
(2004), a rigor o PNE falava pouco sobre gênero. Essa pequena palavra – que abriga um
poderoso conceito – consta basicamente em uma frase do projeto de lei. No artigo 2º, voltado
90
Assim que souberam que uma “travesti” iria ser professora na escola Padre Miguel,
todos os alunos correram para o entorno da sala dos professores na esperança de avistar a tão
falada professora que “havia nascido homem e se vestia como mulher” (alunos 7º ano, Grupo
de discussão). Tal foi a descrição nos grupos de discussão. A imagem que disseminou-se na
escola entre os alunos era de que Carolina era uma professora travesti. Esta denominação, que
poderia ser provisória e ser alterada após a conhecerem, tornou-se o principal rótulo
compartilhado entre estudantes e validado pelo conjunto de funcionários da escola
(professores/as, orientadoras, diretora). Para se ter ideia, ao final do mesmo ano letivo de 2012,
os alunos ainda consideravam a professora Carolina como “um travesti”. Segundo eles,
ninguém afirmou o que a professora era “de verdade”, e as poucas informações que eles
91
obtiveram, inclusive de outros professores, era de que era um travesti, um homem que tinha
pênis e que resolveu viver daquela maneira, isto é, de forma travestida.
O fato de se ter uma professora com uma identidade de gênero feminina que não
correspondesse ao seu corpo biológico de nascimento de macho trabalhava com o imaginário
dos alunos que, em contrapartida, aproveitavam aquela situação para atentarem-se ao máximo
no corpo e comportamentos da professora trans. Em outros momentos, por meio de piadinhas,
ironias e deboche, compartilhavam entre si e até mesmo com outros professores, as
“interpretações” que cada um tinha daquele corpo ininteligível.
Num primeiro momento, os alunos afirmaram como fato normal e portanto, aceito
por eles, terem uma professora como Carolina na escola Padre Miguel, ou travesti, como eles a
designavam. Entretanto, tal preocupação era visível por parte da coordenação pedagógica que,
segundo os alunos, abordava a turma durante os primeiros meses de atuação da professora
transexual, no intuito de saber o que estavam achando dela, como era o seu comportamento em
sala de aula ou, ainda se eles tinham alguma reclamação da professora.
Em geral, é muito comum o corpo pedagógico de uma instituição escolar abordar
seus alunos para fazer feedbacks sobre os professores e outros funcionários, entretanto, no caso
da escola Padre Miguel, os questionamentos dirigidos aos alunos eram, única e exclusivamente,
sobre a professora transexual. Tal atitude comprova, o quanto a desconfiança e a vigilância
sobre Carolina era excessiva se comparada à “preocupação” que a escola tinha com os demais
professores.
Durante todas as conversas com os/as adolescentes pôde-se perceber que as dúvidas
e inquietações dos alunos sobre Carolina não foram sanadas e que a própria professora
transexual não o fez. Conforme os relatos, temáticas como gênero e sexualidade não eram
abordados por ela durante o desenvolvimento das aulas e os conteúdos de língua portuguesa.
Penso que o nome social adotado pela professora Carolina naquele espaço, isto é, o de
professora Jó20, não a favorecia no sentido de inserir-se como mulher transexual, visto que a
neutralidade do nome deixava em aberto sua identidade de gênero o que levava a perpetuação
das representações dos alunos sobre ela, isto é, de um homem que se vestia como mulher.
20
O nome Jó foi o nome social utilizado pela professora Carolina naquele espaço em 2012. No entanto, esse não
é o mesmo nome utilizado na maioria dos ambientes onde a professora transexual Carolina se apresenta.
92
homem diferente. (...) os outros [professores] a gente sabe que é homem garantido ou mulher”
(E. Joana). Segundo a perspectiva desses alunos, a voz da professora transexual era uma
característica atribuída ao universo masculino e isso impossibilitava um conforto maior na sala
de aula. Entretanto, quatro estudantes desse grupo de entrevistados também confirmaram as
diferenças físicas na professora transexual, mas acrescentaram que as aulas eram normais como
de qualquer outro professor, no sentido da positividade, “como se fosse uma mulher de
verdade” (E. Yuri).
As vestimentas e a estética da professora transexual eram alvo de constantes
observações, majoritariamente, por parte das alunas. Os calçados, a calça, a blusa e o cabelo
eram minuciosamente analisados dia-a-dia para depois debocharem pelos corredores da escola
com outros colegas e, até mesmo, com outros professores, conforme foi relatado. Segundo
alguns estudantes durante o Grupo de discussão, se a professora Carolina quisesse mesmo ser
uma mulher de verdade (palavras delas), deveria se arrumar melhor, ser mais feminina, fazer a
cirurgia de redesignação sexual e também, “estudar primeiro o que é ser mulher” (Gisele,
Grupo de discussão). Predomina nessas falas um conjunto de representações em torno de uma
“mulher ideal e aceitável” influenciado por diversos setores, como a mídia, a família e,
principalmente, a escola. A imagem de professora sugerida por esses alunos durante o Grupo
de discussão é de uma mulher bonita, elegante, maquiada, meiga e, acima de tudo, feminina.
Entretanto, esses pré-requisitos não eram exigidos na mesma intensidade para com os outros
professores cisgêneros. Por meio dessa exigente cobrança direcionada à professora trans,
percebemos o quanto esse segmento é forçado, cotidianamente, a serem melhores que as
pessoas ditas “normais”, situação semelhante à vivida por mulheres cisgêneros quando
comparadas aos homens.
O padrão de beleza cobrado das mulheres cis, já analisado, é ainda mais rígido
quando aplicado às mulheres trans. Parece ser inadmissível “aceitar” uma transexual ou travesti
isenta de qualquer beleza padrão que é amplamente divulgada pelas mídias. São tantos os
estereótipos que acompanham uma pessoa trans que, a beleza se torna o mínimo que pode ser
oferecido para as pessoas cis suportarem a imagem e presença delas.
A aproximação física de seus alunos pela professora transexual parecia ser o nível
máximo em que as repulsas poderiam ser colocadas em xeque. Todos os alunos entrevistados
alegaram se sentir desconfortáveis com o contato físico-profissional estabelecido pela
professora. Através das falas, percebe-se o quanto as representações (re)produzidas por esses
alunos são decisivas nesse contato:
Ela chegava do nosso lado, abraçava nós, beijava. (Pesquisador: os alunos gostavam
disso?) Não! (Pesquisador: por que você acha que eles não gostavam?) eles não
gostavam por que ela era estranha né. [...] (E. Débora, grifo meu)
É, tinha muita gente assim que não gostava, daí, porque, ficavam com vergonha
porque ela era um homem, né? (Pesquisador: E você, como via essa aproximação?)
Não sei, não gostava, né? (risos). (Pesquisador: Por que não gostava?) Não sei, tipo
assim, um homem me abraçando, todo mundo ficava olhando quando ela chegava
perto de mim. (E. Miguel, grifos meus)
Eu não sei direito porque eu não era muito chegado a ela, mas, com os outros ela
abraçava e conversava assim carinhosamente. (Pesquisador: por que você acha
que os outros alunos não gostavam que ela se aproximasse?) eu não gosto porque a
gente já sabe que ela é diferente. (Pesquisador: e se ela não fosse diferente, teria
problema?) aí não. (E. Marcelo, grifo meu)
Ela só chegava, abraçava alguns alunos e explicava bem pertinho. (Pesquisador:
e o que você achava?) achava mais ou menos, não gostava muito (Pesquisador: e
porque você acha que não gostava?) ela era estranha, né? E também depois eles
(outros alunos) ficavam rindo quando ela chegava perto da gente. (E. Mauricio,
grifo meu)
outras nuances, essa relação dos colegas caracterizava uma disputa de poder, ganhando aquele
que fosse mais fiel à sua heterossexualidade demonstrada pela maior repulsa ao contato com a
professora transexual.
Com relação às meninas, de modo diferente mas com igual repulsa, elas também
resistiam às aproximações da professora transexual.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que, num
dado momento, a tua fala seja a tua prática”.
(Paulo Freire)
Nessa mesma perspectiva, se nós refletirmos pelo viés ideológico em que a escola é
considerada uma instituição que detém certo respeito e admiração da sociedade e que preza em seus
discursos pela diversidade e emancipação do ser humano, então podemos afirmar, através das
reflexões aqui apresentadas, que a escola há muito tempo não cumpre seu papel com a população
LGBT, pelo contrário, colabora para o mascaramento e a opressão dessas identidades.
Apesar dos altos índices negativos na relação escola(professores) versus estudantes
LGBTs, termino esse trabalho muito mais confiante e esperançoso de quando iniciei há dois anos.
Tenho consciência que a escola não é a salvação de todos esses problemas, porém, acredito que é
um dos principais caminhos para mudança. E se a escola é um dos caminhos, por onde devemos
começar? No primeiro capítulo dessa dissertação vimos, através das reflexões, a necessidade da
reformulação do currículo escolar de forma que contemple todas as identidades em grau de
igualdade. Percebemos que “o currículo não apenas representa, ele faz” e por conta disso exerce
tanta influência sobre os sujeitos que fazem parte do ambiente escolar e da sociedade em geral.
Tal importância desse documento nos confirma que, qualquer mudança a fim de tornar a escola
mais humana e inclusiva necessita, de fato, registrar esses anseios em um novo currículo e em
suas novas diretrizes.
Analisando as narrativas da professora transexual Carolina, constatamos que assim
como outras trans apresentadas nesta pesquisa, ela também teve uma infância e adolescência
permeada por dúvidas, discriminações e preconceitos sofridos em diversos ambientes sociais
mas, principalmente, na escola. O problema aumentava nas aulas de educação física. A falta de
prática em jogar futebol unido aos trejeitos afeminados de Carolina favorecia as exclusões e
constrangimentos. Com relação à universidade, o preconceito e a discriminação contra Carolina
foram menos intensos em comparação com o ensino básico. Essa diferença nos permite supor
que a universidade seja menos discriminatória na relação com colegas e professores, mas ainda
faltam maiores pesquisas sobre o meio universitário.
Já na posição de professora transexual, percebemos, por meio das narrativas dos
profissionais de educação, que Carolina era minuciosamente analisada a fim de encontrarem ou
negarem qualquer feminilidade naquele corpo que insistia em se apresentar como mulher.
Inclusive, todos profissionais de educação a viam como sendo um homem e embasavam suas
opiniões em características físicas de Carolina que não são consideradas pertencentes ao gênero
feminino. Outro fator bastante citado era que a professora Carolina não possuía um sexo
biológico correspondente e, acima de tudo, carregava consigo o órgão de maior representação
masculino: o pênis. Talvez por essa opinião, a maioria dos profissionais de educação apenas
99
continuidade de nossas gerações anteriores. Hoje, até podemos lutar com novas armas e novas
escolhas mas, nossos sonhos continuam sendo os mesmos imaginados pelos grandes pensadores
e movimentos sociais do século passado.
Por fim, acredito que essa pesquisa vem ao encontro de muitas outras e reforça a
necessidade de desenvolvimento e implementação de políticas públicas para o acesso e
permanência das diversidades no espaço escolar. É preciso, portanto, uma reestruturação do
currículo, do espaço físico da escola, dos livros didáticos e, principalmente, do que se refere à
formação inicial e continuada dos profissionais de educação. Com relação às pessoas
transexuais e suas dificuldades de inserção e permanência no mercado de trabalho, percebe-se
que é preciso muito mais que políticas públicas para educação. É claro que se a escola faz sua
parte, isso se reflete fora dela, simultaneamente na sociedade. É na ação conjunta, escola e
movimentos sociais que vamos incluir as pessoas trans. Toda a transformação é resultado do
trabalho de conscientização através da escola, das pesquisas, dos movimentos sociais e das
políticas públicas.
101
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107
APÊNDICES
Foram estas as perguntas que eu fiz com os alunos durante as entrevistas individuais. Outras
perguntas poderão surgir, ou mesmo as que aqui se apresentam poderão se modificar.
Perguntas gerais
17) Em sua opinião, as escolas estão preparadas para receberem professores LGBT? (o que
falta?).
18) Já ouviu falar em Homofobia? O que pensa ser o papel da escola e do/a professor/a em
relação a esta prática?
19) Aqui na escola já ocorreram situações de homofobia? Quais? Essas situações foram com
estudantes? Professores? O que aconteceu? Contem.
1) Como você via a professora Carolina? Como homem ou como mulher? Por que?
2) Pra você, o que torna a pessoa um homem ou uma mulher?
3) Qual característica você considera essencial para um homem ou uma mulher ser
reconhecida como tal? (Exemplo: vestimentas, trejeitos, voz, órgão sexual específico
etc).
4) Você acha que existem preconceitos com uma pessoa que se autodefine transexual?
5) Você acha que é importante um aluno ou aluna saber o que é uma pessoa transexual?
Por que?
6) O que você acha de uma pessoa transexual utilizar o banheiro correspondente ao seu
gênero atual?
7) O que o professor faz fora da escola, pode influenciar no seu trabalho dentro da escola?
(a sua vida particular influenciar a sua vida profissional? Por que?)
8) O que você tem a falar por ter observado ou tido conhecimento sobre o profissional da
professora Carolina?
9) O que os demais professores comentavam sobre a professora Carolina?
113
1) Como você sentia sua sexualidade e gênero na escola? Você se sentia gay... trans?
Comente.
2) Você tinha dúvidas do que realmente era em relação a seu gênero/sexualidade? Comente
como foi esse processo.
3) O que buscou (e onde) buscou para sanar suas dúvidas em relação a seu
gênero/sexualidade? (se houve)
4) Quais os registros que você tem enquanto estudante no ensino básico em relação ao
tratamento recebido pelos professores?
5) Os professores sabiam ou percebiam sua condição de gênero e sexualidade? Existia
diálogo sobre o assunto? Comente.
6) Havia alguma disciplina ou professor em especial que você se sentia mais excluído?
Como era a relação com seus colegas de classe? Você se sentia afastado ou se afastava?
7) Existia diferença do professor no seu tratamento com relação os demais alunos? Se
houve, descreva uma cena.
8) Você sentia haver invisibilidade ou preconceito em relação ao seu modo de
ser/expressar, principalmente sobre sua sexualidade e gênero?
9) Algum professor trabalhava questões de gênero e sexualidade com a classe? (Caso não)
10) Havia momentos que assuntos dessa temática surgiam durante a aula? Como o professor
lidava quando isso acontecia? Comente uma ou mais cenas.
11) Numa visão panorâmica, como eram suas atitudes em sala de aula? Era mais tímido,
agitado, enfim... Comente.
Na universidade (graduação)
1) Quando entrou na universidade, você já tinha conhecimento/certeza de sua sexualidade
ou gênero?
115
2) Quais os registros que você tem enquanto estudante no ensino universitário em relação
ao tratamento recebido pelos professores? Comente alguma cena.
3) Qual a diferença ou semelhança que você encontrou no seu processo de ensino básico e
depois universitário? Você se sentiu “melhor/mais aceito” em algum desses estágios ou
não? Por quê?
4) Você sentia haver invisibilidade ou preconceito em relação ao seu modo de
ser/expressar, principalmente sobre sua sexualidade e gênero?
5) Durante as aulas, algum professor demonstrava fragilidade/dificuldade em lidar com
questões ligadas ao gênero e sexualidade? Como eram as relações dos professores com
os alunos gays, transexual... etc. Comente.
6) Sobre sua escolha pela área da educação, em algum momento houve algum tipo de
preconceito de algum professor, colega ou funcionário da universidade com relação a
sua capacidade de ser uma futura professora? Comente uma cena.
7) Sobre sua escolha pela área da educação, em algum momento houve algum tipo de
incentivo de algum professor, colega ou funcionário da universidade sobre sua escolha?
8) Seus colegas de classe ficavam curiosos sobre sua condição de gênero, ou seja, eles
tinham conhecimento sobre o assunto, perguntavam a você, evitavam contato, como se
dava essas relações?
9) Numa visão panorâmica, como eram suas atitudes em sala de aula? Era mais tímido,
agitado, enfim... Comente.
116
ANEXOS
O participante tem o livre arbítrio para aderir ou desistir, a qualquer momento, do processo da pesquisa;
A privacidade do participante será respeitada durante o processo, evitando exposição desnecessária ou
situações que possam causar constrangimentos;
Não serão publicados dados que o participante não libere para divulgação;
O participante não será exposto a riscos de nenhuma natureza que possa ferir sua integridade física, mental
e emocional;
O processo da pesquisa não poderá interferir no cotidiano da vida do participante e do local onde está
sendo feita a pesquisa;
O estudo será apresentado de forma fidedigna, sem distorções de dados;
Os resultados da pesquisa sejam apresentados ao final da mesma, em forma e data acordados entre
pesquisador e demais participantes do estudo.
________________________________________________
Participante da Pesquisa