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RESUMÃO DE POLÍTICA EXTERNA

Política Externa do Regime Militar


A primeira ideia que devemos ter acerca da política externa deste período, de quase 21
anos, é a de que não há uniformidade no que tange à política externa. Há uma diferença
ainda mais significativa quando se compara o primeiro governo militar com os outros quatro
que o seguirão.

Governo Castelo Branco (1964-1967)


O Marechal Castelo Branco pertencia à chamada “Sorbonne”, ala que estava ligada
ao pensamento da Escola Superior de Guerra (ESG), que por sua vez era
profundamente influenciada pela National War College dos EUA. Assim, em um momento de
Guerra Fria, a missão norte-americana de combate à “ameaça vermelha”, ou seja, a doutrina
de contenção de George Kennan, influenciava também o pensamento estratégico no Brasil, e
também na América Latina.
O termo obrigatório para o entendimento deste governo é “neutralizar as
diferenças com os EUA”. Passamos assim a ter um governo absolutamente comprometido com
Washington e em reconquistar a confiança dos EUA. Castelo Branco buscava se diferenciar ao
máximo dos governos anteriores. É um dos raros momentos de ruptura na política externa
brasileira. Pensar política externa é pensar no binômio continuidade-ruptura. A política
externa brasileira tem tradição de compromisso com a ideia de continuidade, com raríssimos
momentos de ruptura, como, por exemplo, a PEI. Com o início do governo militar ocorre a
ruptura com as orientações dos governos anteriores.

A Dimensão Econômica – que tinha sido um dos principais pontos de atrito entre Brasil e EUA
em governos anteriores - não apenas na PEI. Já no governo JK, por exemplo, ocorriam
desencontros em matérias comerciais, sobretudo na questão do café – passa a se alinhar com
os EUA. O Brasil passa a seguir a cartilha de Washington. Roberto Campos e Otávio Gouvêa de
Bulhões, são os artífices da economia brasileira desse período, aquele como Ministro do
Planejamento, este como Ministro da Fazenda. Esses dois importantes economistas liberais,
seguem o tom da cartilha norte-americana monetarista e ortodoxo, convergindo com a política
econômica de Washington. No governo Castelo Branco a indenização às empresas americanas
encampadas é paga. Aqui a ideia era de convergência com os EUA, rompendo com as ideias
nacionalistas de governos anteriores.

A Política Externa – é melhor caracterizada pela ideia de alinhamento. O americanismo


que havia sido abandonado pela PEI, é retomado com Castelo Branco. O Brasil volta a se
orientar absolutamente pelas fronteiras ideológicas da Guerra Fria. As estratégias de
inserção internacional serão pensadas a partir da dicotomia Leste-Oeste. Amado Luiz cervo,
usa o termo “passo fora da cadência” para definir o governo Castelo Branco. Cervo assim
define o período onde o Brasil se distância de sua política externa de crescente independência
conquistada nos governos anteriores, abrindo mão de uma atuação mais autônoma ao
buscar se alinhar aos interesses norte-americanos. São exemplos desse “passo fora da
cadência”:
1964 – Rompimento de relações diplomáticas com Cuba (Aqui posições
antagônicas se estabeleceram. De um lado o Ministro do Planejamento Roberto
Campos, embaixador de carreira, era contra a ruptura. Enquanto isso, o
Chanceler Vasco Leitão da Cunha, defendia o rompimento com Cuba. Como o
último havia sido embaixador em Havana imediatamente antes de assumir como
Chanceler, sua opinião prevaleceu em relação à de Campos);
1965 – Participação Brasileira na Intervenção de Santo Domingo (Aqui fica ainda
ações de uso de força. Essa tradição permanece até hoje. O Brasil se abstém de
votações em ações para o uso da força. Contudo, em 1965, o Brasil envia 1000
homens para a intervenção em Santo Domingo com o objetivo de evitar a ascensão
de um representante da esquerda latino-americana, Joan Bosch, que derrubado
em golpe militar, preparava seu retorno ao poder. Contudo, com o apoio da OEA,
e da FIP (Força Interamericana de Paz), o retorno de Bosch não ocorre. O Brasil,
após a participação em Santo Domingo, propõe a criação de uma FIP
permanente. A proposta brasileira é prontamente rechaçada, inclusive pelos EUA
que queriam suas tropas livres para uso em outras questões. O Brasil passa então a
ser visto como um agente do sub imperialismo americano, o que prejudicou muito a
imagem brasileira no seu entorno regional.
Recuo no Diálogo com a China Comunista – O Brasil que, durante a PEI, estreitara
suas relações comerciais com a China comunista, sob Castelo Branco, interrompe
qualquer canal de diálogo. Rompendo assim com os dois grandes párias (China e
Cuba), segundo a ótica americana. Note que não houve nenhum recuo nas relações
com a URSS ou com o Leste Europeu. Exemplo da relação com a URSS foi a viagem
oficial de Roberto Campos à Moscou. Além disso Comissão Mista Brasil-URSS
continuava em funcionamento normal.
Juracy Magalhães – Foi a figura diplomática mais importante do Governo Castelo
Branco. Foi também ele quem proferiu a frase “O que é bom para os EUA é bom
para o Brasil”, tão alinhado estava o pensamento de Magalhães aos ideais do
governo Castelo Branco, que foi nomeado Chanceler.

Governo Costa e Silva (1967-1969)


Costa e Silva, ao contrário de Castelo Branco, não era ligado a ala da “Sorbonne” das
forças armadas. Ele fazia parte da chamada “linha dura” e seu governo teve por objetivo
aumentar a repressão aos subversivos, sendo um dos seus principais legados o AI-5. É um
período de maior violência em termos domésticos, de maior repressão.
No entanto, neste período, há uma retomada, ainda que em parte, dos pilares da
PEI. As relações do Brasil com os EUA passam por um período que é definido como
“Rivalidade Emergente”. O Brasil se permite uma autonomia maior, discordar dos EUA, e
não seguir mais cegamente as instruções de Washington. Por exemplo, a rejeição brasileira ao
TNP (1968) é um marco dessa relação. O Brasil via o TNP como um instrumento de
congelamento de poder mundial e o rejeita, ficando por 30 anos fora do TNP. O Brasil assina o
TNP apenas em 1998, no Governo FHC.
Outro importante ponto a ser lembrado é o protagonismo do Brasil na II
UNCTAD (Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento) em Nova
Délhi, 1968. O Brasil não apenas participa, mas é uma voz protagônica nessa conferência
que denuncia as desigualdades e assimetrias. Criticou o GATT, exigiu tratamento especial
e diferenciado, emergiu, ao fim da conferência, como um dos líderes do G77.
Neste contexto, o país retoma o avanço de contenciosos comerciais contra os EUA,
agindo com autonomia e buscando seus interesses. O termo cunhado para caracterizar a
política externa desse período é “Diplomacia da Prosperidade”. O Chanceler deste
período foi Magalhães Pinto, que buscou uma maior ênfase nas relações com a América
Latina.
Como primeiro grande exemplo, é possível indicar a participação brasileira na CECLA
(Comissão Especial de Coordenação Latino Americana). Pela primeira vez, a política externa
brasileira revela latino americanismo, em contraposição ao conceito de pan-americanismo.
Tradicionalmente, desde 1889, Conferência Pan Americana de Washington, o Brasil se orientava
por uma política pan-americanista. O Brasil percebera, porém, que não adiantaria apenas
ser um líder do G77, mas que deveria se projetar como uma liderança do seu entorno regional
e se afastar da imagem de “capacho” dos EUA. Pode-se destacar ainda, dentro dessa
Paraguai, Uruguai e Bolívia. Além da dimensão comercial, havia também o importante viés
político, para o Brasil, de busca por uma melhora de relações com seus vizinhos. Logo após a
assinatura do tratado, morre Costa e Silva. Se inicia então o Governo Médici.

Governo Médici (1969-1974)


Médici também era um representante da “linha dura”. Em seu governo a repressão
aos subversivos é levada ao seu ápice. Repressão dura, elevado grau de violência, prisões
arbitrárias e tortura, são marcas desse período. Essas marcas, todavia, foram mascaradas pelo
“Milagre Econômico”. É nesse período que é lançado o I PND (Plano Nacional de
Desenvolvimento).

Atenção: A orientação econômica não é mais aquela que se verificava no governo Castelo
Branco, liberal. Sob Médici, como também sob Costa e Silva, a orientação é desenvolvimentista.
O Estado passa a ter participação ativa e decisiva, tendo que prover a infraestrutura e cuidar das
indústrias de base, por exemplo.

Com a mudança da orientação econômica brasileira ocorre crescimento


extraordinário da economia. Como efeito direto dessa expansão o Brasil precisa encontrar novos
mercados que absorvam seu excedente de produção. Cresce muito o poder aquisitivo da
classe média, que aumenta a sua procura por bens de consumo duráveis. As camadas
populares, que poderiam impulsionar a busca por bens de consumo não-duráveis, quase não
são alcançadas pelo milagre econômico.
Assim, o Brasil encontra novos mercados consumidores muito importantes no
continente africano, região com países independentes (exceção feita à África portuguesa). O
Brasil encontra também mercados consumidores na Ásia e na América Latina, porém, ocorre
uma nova ênfase africanista neste período, com fins pragmáticos (economia, consumo,
mercado) e não com viés de compartilhamento de visões de mundo. A viagem do Chanceler
Mário Gibson Barbosa à 9 países africanos de uma só vez, em 1972, tinha motivações
pragmáticas. Gibson, teve o cuidado de evitar visitar (i) países de língua portuguesa, para não
criar atritos com Portugal e, (ii) países que tivessem alcançado sua independência por meio de
guerras, evitando atritos com Reino Unido e França.
A ênfase africanista da PEI não havia gerado tantos frutos e a do governo Médici não foi
mais frutífera. O Brasil continuava condescendente com o Apartheid e não criticando Portugal,
o que atrapalhava suas relações no continente. Contudo, percebe-se um avanço na gestão
Gibson Barbosa, Chanceler durante todo o governo Médici. O brasileiro se encontrou em
Portugal com Marcelo Caetano, mandatário português, ainda na fase final do salazarismo, e
tentou convence-lo a acelerar ao máximo a independência das colônias portuguesas. Era a
primeira vez que o Brasil assumia papel de mediação na questão do colonialismo português. O
livro de memórias do Chanceler Gibson Barbosa, Na Diplomacia o Traço Todo da Vida, é leitura
recomendada.
Ocorre ainda a primeira missão empresarial à RPC (República popular da China),
em 1972. Era a primeira vez que empresários brasileiros, e não agentes governamentais, iam
em missão ao mercado chinês. Essa missão foi capitaneada por Horácio Coimbra,
empresário do setor açucareiro. O presidente Médici tentou impedir a missão. Sem a
autorização do governo a missão seria inviável.
O mandatário brasileiro tinha enorme preocupação com o maoísmo, doutrina
seguida por aqueles que questionavam e protestavam contra o regime militar, sobretudo
nas áreas rurais do Brasil. A Guerrilha do Araguaia, por exemplo, era de base maoísta.
O Sendero Luminoso, na Bolívia, também. Assim, Médici reconhecia no maoísmo
um fator de desestabilização para o Brasil e para a América Latina, e temia essa
aproximação. Contudo, foi convencido pelos seus ministros, especialmente o da
Na esteira do bom momento econômico brasileiro, cresce também o comércio do Brasil
com a URSS. O Brasil passa a importar petróleo da URSS em função do I Choque do
Petróleo (1973), criando oportunidades também de exportações para os soviéticos,
principalmente a exportação de alimentos.
Inicia-se, também neste momento, a aproximação com o oriente médio. Essa
aproximação terá seu ápice no governo Geisel. Note que, é um erro atribuir o início da
aproximação ao governo Geisel. O Brasil tinha o objetivo de não entrar na lista de boicote do
oriente médio, procurava assim, um bom relacionamento e acabou por estabelecer relações
diplomáticas, com abertura de embaixadas, em diversos países com os quais não tinha antes.
No contexto latino americano reconhecemos avanços das relações com a região. Um
bom exemplo é a assinatura de acordos bilaterais. O mais importante desses acordos foi o
tratado de Itaipu, assinado em 1973 com o objetivo de assegurar a base energética do
desenvolvimento brasileiro, papel então atribuído ao Estado. Como efeito da assinatura desse
tratado, ocorre crise profunda com a Argentina, prejudicando a estratégia latino-americanista
do Brasil: Crise das Hidrelétricas (Itaipu x Corpus).
A Argentina pretendia construir, em parceria com o Paraguai, a hidrelétrica de Corpus
Christi, à jusante do estuário. Note que o projeto Argentino era anterior ao brasileiro. A
hidrelétrica de Itaipu, contudo, seria construída à montante do mesmo estuário, inviabilizando
o potencial energético hídrico para a usina de Corpus, pois não sobraria queda de água suficiente
à jusante.
Os argentinos então, denunciam o Brasil na ONU sob a alegação de que teria sido violado
o compromisso de consulta prévia, que é costume e, portanto, fonte de DIP. Incrementando os
fatores de crise, os militares argentinos apontavam risco à segurança nacional com a construção
da hidrelétrica de Itaipu. No caso de um acidente (motivado ou não) na represa, a água,
alegavam eles, jorraria com tamanho volume e força, que chegaria às portas de Buenos Aires.
O Brasil, durante o governo Médici, evitou a bandeira terceiro-mundista, preferindo o
diálogo bilateral e não multilateral com os países do terceiro mundo. Optando por estratégia
bastante diferente da verificada durante o governo Costa e Silva. Embora os países do terceiro
mundo fossem importantes para o Brasil, como mercados consumidores, o país evitava ser visto
como um líder terceiro-mundista porque queria ser visto no mundo a partir do projeto de
Brasil Potência! O nome da política externa do governo Médici é “Diplomacia do Interesse
Nacional”, ou seja, o interesse nacional acima de tudo. E o interesse nacional era o
desenvolvimento, o Brasil Potência, o Brasil como um ator de destaque no cenário mundial.
No que tange às relações com os EUA, ocorre uma busca de relações satisfatórias
(termo cunhado pelo professor Paulo Vizentini), o que provoca uma melhora nas relações e
neutraliza o contexto de “rivalidade emergente”. O Brasil é considerado peça-chave na doutrina
Nixon (A doutrina Nixon foi lançada em momento de grande crise econômica e fiscal nos EUA,
agravada pelos gastos com a Guerra do Vietnã e outros gastos para contenção do comunismo
no mundo). Essa doutrina pregava a necessidade de os EUA repassarem às potências regionais
aliadas os custos e responsabilidade pela contenção do comunismo. A política externa de Nixon
não existiria não fosse Henry Kissinger, seu secretário de Estado. Nixon e Kissinger
compartilhavam frase que exprimia a sua visão com relação à América Latina: “Para onde for o
Brasil, irá a América Latina”. Essa frase foi extremamente negativa para o Brasil, mal recebida
pelo Itamaraty e um problema para o projeto latino-americanista do Brasil.
Contudo, demonstrava o peso que o Brasil tinha.
Nesse contexto, o governo Médici apoia, explicitamente, três golpes militares na
América do Sul, para satisfação dos americanos.

Golpe Militar no Chile – Pinochet;


Golpe Militar na Bolívia – Hugo Banzer;
Golpe Militar no Uruguai – Bordaberry;
Note que o Brasil não apoiou os golpes mencionados acima por alinhamento aos
interesses dos EUA. As decisões foram pautadas, exclusivamente, em uma lógica de interesse
nacional brasileiro. Assim, embora os golpes convergissem com os interesses dos EUA, o Brasil os
apoiou com base em um alinhamento ideológico e político com esses governos, também
militares e de violenta repressão aos subversivos. Era do interesse do Brasil que não houvesse,
em seu entorno regional, países com orientações à esquerda e que pudessem ser fontes de
instabilidade no continente. Se assim não o fosse, mesmo que fosse do interesse dos EUA, o
Brasil não apoiaria nenhum dos golpes. A lógica era, absolutamente, a de interesse nacional
brasileiro. Não há alinhamento com os EUA. Não é americanismo automático. Por exemplo, em
1970, o Brasil estende o seu mar territorial de 12 para 200 milhas, em claro sinal de autonomia,
para contrariedade declarada dos EUA. Neste mesmo ano, o Brasil rejeita novamente a
assinatura do TNP.

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