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Renato Boschi, Flavio Gaitán

INTERVENCIONISMO ESTATAL E POLÍTICAS DE


DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA1

Renato Boschi*
Flavio Gaitán**

Este trabalho analisa as dinâmicas dos países latino-americanos na última década, cuja carac-
terística distintiva é o enfraquecimento da hegemonia neoclássica e uma retomada de trajetó-
rias de intervenção estatal na economia. A análise está centrada nos vetores constitutivos de
uma agenda neo-desenvolvimentista e no papel que o Estado deve desempenhar na retomada
do crescimento e do desenvolvimento sustentável. Focaliza-se o papel que o regime político e as
instituições de governo cumprem no processo econômico, sugerindo-se que não haveria possi-
bilidade de crescimento e desenvolvimento sem um Estado forte.
Diferentes trajetórias constituem a base a partir da qual operam um conjunto similar de inter-
venções delimitando um campo para a atação de novos governos, cujos instrumentos e margens
de ação dependerão de um conjunto de características institucionais e de contexto que pautam
a governabilidade e, em última análise, a natureza das políticas econômicas.
PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento, América Latina, instituições políticas, Estado, mercado.


S e sabe, los períodos de transición duran una
eternidad”
Jean Paul Fitoussi
O progressivo enfraquecimento do
neoliberalismo, como modalidade discursiva que
respaldou a implementação das reformas setoriais
no marco do ajuste estrutural, juntamente com uma
INTRODUÇÃO reversão da deterioração dos termos de intercâm-
bio, sob a pressão da emergência das economias
Este trabalho analisa as dinâmicas dos paí- asiáticas (principalmente da China e da Índia), re-
ses latino-americanos na última década, na qual a presentam um marco propício para os países lati-

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característica distintiva é o enfraquecimento da no-americanos, cujo principal desafio consiste em
hegemonia neoclássica e uma retomada de trajetó- quebrar um círculo vicioso e reverter as trajetórias
rias de intervenção estatal na economia, observan- prévias sinalizadas pelo subdesenvolvimento, pelo
do-se uma diversidade de caminhos neodesenvol- atraso relativo e pela desigualdade na distribuição
vimentistas. Nesse sentido, pretende representar de renda.
uma contribuição à abundante bibliografia que foi O eixo de análise está centrado nos vetores
produzida nos últimos anos sobre o papel do Es- constitutivos de uma agenda neodesenvolvimentista
tado e dos atores públicos e privados num proces- e, especificamente, no papel que o Estado deve
so de desenvolvimento. deempenhar na retomada do crescimento e no ca-
* Professor Titular no programa de doutorado em Ciência
minho do desenvolvimento sustentável. Analisa-
Política IUPERJ/UCAM. se, particularmente, o papel do regime político e
Rua da Matriz, 82 - Botafogo. Cep: 22.260-100. Rio de
Janeiro - Brasil. rboschi@iuperj.br das instituições de governo em todo processo eco-
** Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Univer- nômico. O pressuposto é claro: não há possibili-
sidade de Buenos Aires.
Rua da Matriz, 82 - Botafogo. Cep: 22.260-100. Rio de dade de crescimento e desenvolvimento sem um
Janeiro - Brasil. flaviogaitan@gmail.com
1
Escrito para apresentação no VI Encontro da Associação
Estado forte. Só o Estado, ancorado em um proje-
Brasileira de Ciência Política. to desenvolvimentista em função dos interesses

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particulares nacionais e regionais, pode se consti- constituam como sistemas abertos, em constante
tuir como regulador das assimetrias do mercado e processo de adaptação, inclusive frente aos
como garantia das condições de inclusão social. determinantes exógenos que surgem das caracte-
Nesse sentido, o artigo se situa, dentro de uma rísticas do sistema internacional globalizado. Nes-
perspectiva crítica, dentro da ampla literatura di- se sentido, num excelente trabalho, Becker (2007)
fundida nos últimos anos sobre as variedades de elabora uma crítica à noção de complementaridade,
capitalismo (Amable, 2003; Boyer, 2005; Hall; introduzindo o conceito de “abertura sistêmica” e
Soskice, 2001; Huber, 2002; Menz, 2004; “contestação a quadros de referência”, para dar
Schneider, 2004, 2008), que enfatiza, segundo dis- conta do processo de mudança orientado para a
tintas modalidades de coordenação, as diferenças busca de competitividade das economias políticas
nos regimes produtivos dos países desenvolvidos no cenário internacional.
em termos de complementaridades que se estabe- A trajetória dos países latino-americanos,
lecem no plano da atuação das empresas, mas que, nos últimos anos, mostra que os projetos nacio-
em termos gerais, tende a relegar o papel cumpri- nais para transitar no caminho do desenvolvimen-
do pelo aparato estatal (Schneider, 2007, 2008). to, mesmo quando coincidem em reivindicar a
Determo-nos no papel do Estado significa enten- neccessidade de modelos com um papel protago-
der que ele se constitui como um fator de ruptura nista do Estado, são divergentes em relação às
das possíveis complementaridades negativas, de- modalidades de desenvolvimento. Para além das
rivadas das trajetórias mais centradas no mercado, diferenças nacionais, uma análise global das parti-
que predominaram até as crises finais do século cularidades dos países da região é pertinente, por-
XX, abrindo espaço para um novo ciclo de desen- que todos, mesmo com suas especificidades, mos-
volvimento, especialmente para alguns países da tram uma maior presença do Estado na regulação
periferia, como são os latino-americanos. Dito de da arena econômica. Em certo sentido, pode-se falar
outro modo: além de se constituírem como marco de uma dimensão geográfica das dinâmicas políti-
institucional dentro do qual as empresas atuam, cas e econômicas. As dinâmicas de democratiza-
as instituições estatais representam uma dimen- ção, de implementação dos processos de ajuste
são constitutiva do regime produtivo, aspecto que estrutural e de virada ideológica na orientação dos
as análises mais recentes da abordagem das varie- governos em direção a concepções antineoliberais
dades de capitalismo estão tratando de reconside- têm sido contemporâneas, apesar da disparidade
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rar (Hall, 2008). de ritmo e intensidade.


O neodesenvolvimentismo é definido aqui O trabalho se baseia na análise das tendên-
como um modelo ainda em formação, que postula cias recentes na região, mas considera processos
a construção de um espaço de coordenação entre que são afetados, nesse sentido, pela dimensão
as esferas públicas e privadas, com o objetivo de temporal longo prazo. Na medida em que os lega-
aumentar a renda nacional e os parâmetros de bem dos dos diferentes países atuam como fortes
estar social. Apesar do peso que o fenômeno defi- condicionantes das opções possíveis em matéria
nido como globalização adquire nas economias da de desenvolvimento econômico-social, deve-se ter
periferia, assumimos que os processos de desen- em conta que se trata de processos sensíveis em
volvimento “continuam se apoiando na capacida- longo prazo, devendo-se prestar atenção às trans-
de de cada país de participar na criação e difusão formações de larga escala. Tanto a questão da pri-
de conhecimentos e tecnologias e de incorporá-los mazia do Estado como a dimensão temporal dos
no conjunto da atividade econômica e das rela- processos de desenvolvimento (Pierson, 2004)
ções sociais” (Ferrer, 2006). Isto é, que as asimetrias devem constituir pontos nodais nas análises aca-
são explicadas fundamentalmente por fatores dêmicas, em que pese ser o primeiro tratamento
endógenos, mesmo que os espaços nacionais se do regime produtivo como epifenômeno e o se-

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gundo em termos dos equilíbrios que geram traje- da intervenção ativa do Estado na órbita econômi-
tórias dependentes mais ou menos estáveis e ori- ca e a necessidade de incluir o conteúdo e a orien-
entadas para a eficiência econômica, no marco da tação das políticas públicas nas necessidades de
competitividade. cada Estado-nação.
O artigo está dividido em três seções cen- O neodesenvolvimentismo, com quebras e
trais. Em primeiro lugar, apresentamos o debate continuidades nodais a respeito do desenvolvi-
sobre as novas modalidades de intervenção estatal mentismo estruturalista cepalino (Boschi; Gaitan,
na órbita econômica. Em seguida, centramo-nos 2008), representa uma resposta à crise do estado
na análise das instituições e nos processos de rea- neoliberal, e, ao mesmo tempo, uma posição parti-
lização das reformas necessárias para implementar cular frente às dinâmicas recentes do modo de
um ciclo sustentável de desenvolvimento. Na par- produção capitalista. Nesse sentido, mais do que
te seguinte, apresentamos certos indicadores que a variedade de respostas, a bibliografia recente
identificamos como o núcleo constitutivo da agen- (Rodrik, 2004; Stiglitz, 1998) reconhece a relação
da neodesenvolvimentista na atual conjuntura, na positiva entre intervencionismo estatal e êxitos nos
América Latina. modelos de desenvolvimento, além da impossibi-
lidade de importar modelos econômicos sem to-
mar em consideração as particularidades locais.
NEOINTERVENCIONISMO ESTATAL: a política Frente à visão neoclássica, essa vertente da litera-
volta à cena tura nega as virtudes da primazia do mercado e
destaca, por oposição, a noção de modalidades de
O declive do projto neoliberal, que reduziu intervencionismo estatal, na qual a avaliação de
o Estado a um papel passivo nas políticas desempenho não seria medida por critérios de efi-
desenvolvimentistas, legitimador das necesidades ciência, senão, num sentido mais amplo, pela di-
do mercado, representou um ponto de inflexão na fusão de vantagens institucionais comparativas.
emergência dos atuais processos de desenvolvimen- A relação entre Estado e mercado, entre
to e na orientação das práticas intervencionistas. política e atores econômicos, assume característi-
Apesar da permanência do debate entre os defen- cas particulares em cada momento histórico. O lugar
sores de maiores graus de intervenção do Estado comum sobre o projeto neoliberal se refere a uma
na economia e aqueles que adotam postulados “deserção” do Estado. Na realidade, ele cumpriu

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neoclássicos, o certo é que parece existir uma es- um papel muito mais ativo do que apenas ter se
pécie de consenso sobre a necessidade de contar desligado da função de inclusão social e de
com maiores níveis de regulação da atividade eco- regulação das esferas econômicas. Os anúncios de
nômica. As experiencias dos países latino-ameri- privatizações, de desregulação e descentralização
canos, nos últimos anos, nas quais partidos ou das funções asumidas pelos Estados latino-ameri-
coligações identificados como ideológicamente canos, durante grande parte do século XX, foram
progresistas ou de contro-esquerda2 chegaram ao levados a cabo pelas frações dominantes, em fun-
poder, dão conta de que, mesmo sem configurar ção de sua autoridade soberana. Para além da vi-
um modelo férreo e homogêneo, quando se obser- são difundida pelas análises econômicas
vam particularidades entre os diversos estados, eles neoclássicas, de que as privatizações constituiri-
apresentam como característica distintiva a defesa am o desmonte e a redução do aparato estatal, com
2
o objetivo de coibir o rent-seeking, e pelas análises
Dos presidentes em exercício, apenas Alvaro Uribe não é
refratário a se identificar como parte do coletivo identifi- políticas, na perspectiva da escolha racional sobre
cado como direita ou centro-direita. Os demais manda-
tários (Lula, Bachelet, Tabaré Vazquez, Morales, Correa, a necessidade de autonomização do Estado e o iso-
Chavez), ou os mais difusos (Kirchner, Garcia) reivindi- lamento burocrático, a fim de reduzir pontos de
cam para si uma identidade de esquerda, social-demo-
crata ou progressista. veto e impor decisões, observou-se a formação de

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coalisões interessadas na construçãouma uma nova tura, no sentido de superar os fatores de atraso
institucionalidade regulatória – um novo projeto econômico que perduram e se expressam nas ex-
de Estado – para garantir os benefícios das tremas desigualdades estruturais e sociais no inte-
privatizações em longo prazo (Schamis, 2002). rior de cada país e entre os diferentes países, em
Observa-se, assim, um grande paradoxo, que diversos graus. Mesmo que a preferência de dis-
é um crescente intervencionismo estatal para renun- tintas coalizões políticas possa ter expressado pre-
ciar a suas históricas tarefas, com a produção de ferências variáveis ao longo do tempo, como, por
um amplo espectro de leis e regulações para ampli- exemplo, o crescimento sem distribuição, ou o seu
ar os espaços de autonomia do mercado, na crença contrário, a prioridade do emprego ou de políticas
de que o receituário do Consenso de Washington sociais de combate à pobreza, tais desigualdades
levaria os países da região a superar o histórico atra- estruturais são também uma dimensão constitutiva
so. Além de um papel central do mercado, prevale- que marcam distintivamente as configurações do
cia uma visão tecnocrática de desenvolvimento. O capitalismo na região.
denominado desmantelamento do Estado Porém o novo tipo de intervencionismo es-
desenvolvimentista, fundamentalmente a partir de tatal adquire particularidade em relação ao do pas-
processos de privatizações, abriu espaços para uma sado. Em primeiro lugar, o Estado não se postula
nova coalisão vencedora, que antecipava ganhos como interventor direto na órbita da produção. Para
futuros, moldando um novo aparato estatal e novas além da interferência dos aparatos estatais em cer-
modalidades de intervencionismo regulatório com tos enclaves considerados essenciais3 (o Petróleo no
esse fim (Schamis, 2002). Brasil, Equador e Venezuela; o cobre no Chile; o gás
Na atualidade, o papel intervencionista que o na Bolívia), o certo é que o intervencionismo refere-
Estado assume apresenta características radicalmen- se mais a uma modalidade híbrida de coordenação
te opostas, e se proclama a necessidade de regular a econômica ou de recriação de híbridos existentes
economia, submetendo o funcionamento dos merca- (Becker, 2007, p. 277), do que a um retorno do Es-
dos (financeiros e produtivos) à lógica política. Nes- tado produtivo. Os esquemas de produção que sub-
se sentido, as possibilidades de transitar por cami- sistem não ocupam um papel central nas atuais di-
nhos de desenvolvimento sustentável se encontram nâmicas. A geração de vantagens comparativas pa-
limitadas por trajetórias prévias dos países latino- rece provir, na realidade, do financiamento de ativi-
americanos, observando-se maiores graus de liber- dades produtivas, da capacidade de criar núcleos
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dade naqueles países em que o ajuste estrutural de de especialização com altos níveis de eficiência e
cunho neoliberal avançou menos (Brasil e Uruguai), competitividade, da efetiva realização de processos
ou onde, para além da lógica de centralidade do redistributivos para reverter a pobreza e a desigual-
mercado, o Estado conservou elementos de coorde- dade histórica, de modo que se resolvam as tensões
nação econômica (Chile). Trata-se, aqui, de pensar, entre trabalho e capital nas diversas estratégias
para esses casos, em termos de continuidade de tra- redistributivas e da capacidade de os estados lati-
jetórias e adaptações progressivas como processo de no-americanos implementarem projetos
mudança institucional, tal como se sugere no menci- consensuados de modo permanente, no tempo.
onado artigo de Becker (2007). O Estado, por meio das diversas institui-
O debate em torno do pepel do Estado como ções, tanto aquelas que se localizam no cume do
componente e característica constitutiva de algunas nível de hierarquia, como aquelas que constituem
modalidades de regimes produtivos é muito mais
3
Essa é uma vantagem adicional dos países em que o
relevante no caso dos países da América Latina, projeto neoliberal apresentou um menor grau de avan-
para os quais não só importa o legado de cunho ço. O controle dos recursos energéticos no Brasil, Equa-
dor (onde o petróleo representa 35% do ornamento pú-
estatal desenvolvimentista, mas também o papel blico), Bolívia e Venezuela, ou do cobre no Chile repre-
senta uma claram vantagem em relação à Argentina, que
estratégico que o Estado assume na nova conjun- privatizou o petróleo e suas empresas de energia.

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seu aparato administrativo, aparece como o único os acordos institucionais do mercado de trabalho
ator capaz de reverter as externalidades negativas. podem gerar, por meio das negociações entre os
As experiências passadas e as mudanças opera- diversos atores envolvidos, no desdobramento de
das no modo de produção capitalista em âmbito estratégias de qualificação da mão de obra. A exis-
global impedem, de fato, uma volta a modelos tência de acordos mais ou menos estáveis e de re-
desenvolvimentistas clássicos. Nesse sentido, exis- lações contínuas e próximas entre empresas pro-
tem dois grandes vetores, no plano da economia, dutivas e financeiras possibilita relações mais es-
por um lado, e da política, por outro, que consti- táveis, que se expressam, por sua vez, em maiores
tuem parte das condições de possibilidade de re- níveis de estabilidade no emprego para o conjun-
verter as trajetórias prévias dos diversos países da to das empresas (Amable; Barre; Boyer, 1997).
região: o fator político e o estritamente econômico. A hierarquia, por sua vez, se refere às res-
Por um lado, encontramos aquelas variáveis trições e motivações que uma instituição encontra
políticas que são centrais na geração de modelos e deve-se levar em consideração a influência que o
desenvolvimentistas inclusivos e sustentáveis. desdobramento de outras instituições exerce so-
Frequentemente deixada de lado nas análises so- bre ela. Significa que a reforma de certo arranjo
bre a temática, deve-se voltar a incorporar a institucional dado pode gerar uma transformação
conflitiva relação que se costuma estabelecer entre nos outros acordos, desencadeando uma situação
política e desenvolvimento socioeconômico. Em de questionamento das complementaridades
princípio, para além de todo o corpus teórico- constitutivas de uma determinada configuração
programático, a aplicação dos projetos de desen- institucional, por meio da qual se impõem trans-
volvimento que se dá no âmbito das unidades na- formações ou modificações nas instituições, em sua
cionais implica, para ter êxito, um conjunto de totalidade.
leis, regulamentações e uma série de aparatos ad- A naturaza da coalizão política é parte de
ministrativos com a capacidade e o poder de fazê- um eixo mais amplo, que inclui não só atores que
las cumprir. se encontram conjunturalmente no governo, mas
O papel das instituições adquire uma im- também as características do sistema político
portância central. Nas palavras de Amable, “... as (pluralismo, fragmentação, divisão de poderes,
instituições desempenham um papel na economia, etc.). Destaca-se, aqui, uma dimensão relativa à
não para se isolar umas das outras, senão para governabilidade, em termos das coalizões que che-

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combinar-se; pode-se conceber os ‘modelos nacio- gam ao poder e buscam implementar uma plata-
nais’ como uma combinação particular de institui- forma mais desenvolvimentista. A situação, nesse
ções complementares”, ou, nas palavras de Becker plano, é bastante diferente em cada contexto naci-
(2007, p. 278), “configurações institucionais que onal, o que chama a atenção para a importância
ganharão certo nível de sistemicidade por proces- dos fatores político-institucionais na configuração
sos societais de ensaio e erro.” dos regimes produtivos, o que geralmente pode
Certas características da ação estatal fazer diferença do ponto de vista do desempenho
introduzidas na análise pela teoria da Regulação econômico.
aparecem como nodais. Por um lado, a A existência de pontos de inflexão e, con-
complementaridade define a situação em que os seqüentemente, de novos pontos de equilíbrio
arranjos institucionais, nos diferentes espaços, são desejáveis dependeria das coalizões de apoio a uma
influenciados, limitados ou reforçados na sua ação plataforma desenvolvimentista pós-neoliberal. A
pelos diferentes acordos institucionais postos em maior ou menor capacidade que os sistems políti-
prática em outros âmbitos. Um exemplo clássico, cos mostram para gerar consensos em torno de
que adquire uma grande importância na geração certo núcleo mínimo é uma característica central
de bem estar para os assalariados, é o reflexo que em todo modelo de desenvolvimento. Partimos da

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consideração do desenvolvimento como um pro- objetivo de evitar que a arena política se converta em
jeto nacional, que deve contar com a participação um cenário de um jogo soma zero.
dos diversos atores sociais (empresários, trabalha- Nesse sentido, os atores políticos e o jogo
dores, políticos, técnicos do governo). Nesse sen- que se estabelece na canalização e mediação das
tido, trata-se de recuperar a idéia de projeto nacio- demandas assumem um papel-chave em nossa pers-
nal, agregando também a dimensão regional. pectiva, na qual estabelecemos que as condições de
Assim como a bibliografia resgata, analisan- possibilidade de estratégias de desenvolvimento se
do as experiencias históricas, que não se observam vinculam com a construção de um projeto nacio-
casos de desenvolvimento sem papel ativo do Esta- nal, sem que necessariamente isso signifique nacio-
do (Stiglitz, 1997; Rodrik, 2005), nenhum país se nalismo, em seu sentido clássico. Na realidade,
desenvolveu sem um projeto claro de expressão de “nacional” se refere, em primeiro lugar, a um proje-
sentimento de nação (Sicsu, 2005). O Growth Report to que conte com o consenso de atores representati-
(2008), elaborado pela Comissão sobre Crescimen- vos e, por outro lado, que renuncie às políticas
to e Desenvolvimento, delineia a existência de um impostas por organismos multilaterais ou países
novo consenso que, apesar de continuar atentando centrais e formule caminhos nacionais de desen-
para o valor da estabilidade macroeconômica e para volvimento. Pode-se afirmar que os países que me-
o objetivo de conseguir altas taxas de poupança e nos avançaram nas reformas estruturais são aque-
investimento por meio de mercados competitivos e les que conservaram maiores graus de liberdade para
dinâmicos, desloca o eixo da orientação do desen- implementar uma agenda neodesenvolvimentista e
volvimento nacional do mercado para o Estado. que foram relutantes em copiar modelos como uma
Desse modo, em detrimento da privatização de em- doutrina ecumênica, seguindo caminhos própri-
presas e do livre mercado, pilares do Consenso de os. O mesmo se pode dizer das diferenças nacio-
Washington, o Informe destaca a centralidade do nais para reverter a crise de crescimento, ou para
Estado desenvolvimentista na geração das condi- dar o salto nos níveis nacionais de desenvolvi-
ções para o desenvolvimento, incluindo altas ta- mento, de certos países asiáticos como a China
xas de investimento em infra-estrutura, educação, (que está levando a cabo sua própria transição para
ciência e tecnologia, além de gasto público social. o capitalismo) ou a Malásia.4 Também Taiwan e
A geração de um projeto de desenvolvimen- Coréia do Sul que, por iniciativa do modelo japo-
to, assim entendido, traz para o sistema político um nês do pós-guerra, representaram, nos anos 70,
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componente-chave na canalização de demandas. casos exitosos de industrialização, basearam-se em


Esse ponto adquire maior centralidade porquanto estrratégias estatais de incentivos seletivos de cer-
todo acordo programático, entendido em longo pra- tos objetivos considerados centrais para os proje-
zo, pode dar lugar a reacomodações na estratificação tos nacionais. Essas experiências demonstrariam:
social, gerando retrocessos e férreas oposições, ou i) a importância dos caminhos autônomos, com
seja, réplicas ao quadro de referência da variedade renúncia à implementação das reformas “de ma-
de capitalismo em questão. A maior ou menor ca- nual”; ii) o papel-chave que o componente políti-
pacidade do sistema político para enfrentar situa- co e os funcionários técnicos podem exercer nos
ções de conflito parece constituir uma variável cen- caminhos a seguir em função de um determinado
tral (Faletto, 1996; Becker, 2007). As diversas políti- projeto nacional e iii) a centralidade dos mecanis-
cas que se busca levar à prática mobilizam atores e mos de coordenação e canalização de interesses.
interesses que enfrentam um jogo de estratégias, De fato, certos estudos, entre os quais se destaca
numa dinâmica que, por natureza, é incerta. As ins- 4
Como assinalam Rodrik e Kaplan (2002), a Malásia en-
frentou a crise asiática com receitas alternativas às pro-
tituições, em uma democracia pluralista, têm um postas pelos organismos internacionais de crédito e con-
papel-chave no processo de entendimento e de cri- seguiu melhores taxas de recuperação em um menor
lapso de tempo do que aqueles que aderiram ao manual
ação de pontes entre alternativas opostas, com o da comunidade internacional.

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Evans (2005), apresentam a emergência dos deno- 2005), a novidade em relação a um passsado não tão
minados tigres asiáticos, que são casos de catch up remoto é que as crises, mesmo aquelas mergulhadas
bem sucedidos, com uma dinâmica para a qual con- em conflitos sociais, como no Equador ou na Argen-
vergem a capacidade das burocracias para criar eli- tina, foram solucionadas no marco das instituições
tes orientadas para o mercado, ao mesmo tempo democráticas de governo. Reforça-se, desse modo, a
dos mercados para estabelecerem uma inter-relação necessidade de aprofundar a discussão acadêmica
com as burocracias estatais, escapando-se a proces- sobre o papel das instituições na superação das cri-
sos do passado, como a predação e o militarismo. ses e, mais ainda, de focalizar estratégias de desen-
As mudanças no sistema transnacional que volvimento no veio de trabalhos da escola
os especialistas qualificam como multipolar, ou, institucionalista. Nesse sentido, são centrais os tra-
numa perspectiva extrema, como de carente de balhos de North (1991), que delinearam a íntima re-
polaridade, possibilitariam maiores graus de liber- lação entre economia e política, argumentando, in-
dade na geração de possibilidades para a modifi- clusive, que não há possibilidade de se explicar o
cação do mapa de atores globais, especialmente nas desempenho das sociedades sem levar em conta a
margens do sistema global. Assim, certos países relação entre ambas as esferas.
situados na semi-priferia, nos termos de Wallerstein Entre as instituições, adquirem centralidade
(2001), teriam maiores possibilidades de provocar os sistemas partidários que constituem a platafor-
alguma mudança no sistema transnacional. 5 É uma ma de mediação e procesamento do conflito entre
oportunidade para contestar uma visão centralista diversos interesses, numa perspectiva pluralista.
a respeito do funcionamento do modo de produ- Nesse sentido, a evolução para dinâmicas que re-
ção capitalista e afirmar que é possível um desen- vertam a tendência histórica a negar a legitimidade
volvimento capitalista na periferia, com caminhos dos competidores no jogo eleitoral aparece como
próprios, e que um discurso da globalização como requisito central. Não se trata apenas de obter maio-
espaço que supõe um caminho único de desen- res níveis de transparência política e de modernizar
volvimento constitui uma falácia. os processos de seleção de candidaturas e de divi-
Uma característica claramente distintiva do são de lugares nas legislaturas, mas de avançar numa
atual ciclo intervencionista é a defesa irrestrita da dinâmica institucional para sistemas que melhorem
democracia como regime político. Se, no passado, a a representação política, com o objetivo já mencio-
modernização era um discurso proclamado também nado de estabelecer acordos macro baseados numa

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por segmentos castrenses, imprimindo, nos diver- simples participação cidadã e setorial. Dito de ou-
sos golpes, iniciativas de cunho nacional- tro modo: trata-se de ampliar a participação e os
desenvolvimentista, na atualidade não se põe em intercâmbios entre os diversos atores. Na medida
dúvida que os mecanismos democráticos são vistos em que um projeto desenvolvimentista implique a
como “the only game in town” (Linz, 1991). Essa participação de maior quantidade de atores repre-
situação gera maiores espaços para a política. Mes- sentativos do âmbito político, empresarial e de or-
mo quando, no atual ciclo democrático, se contam ganizações não governamentais, haverá maiores pos-
14 experiências de presidentes6 que não consegui- sibilidades de que tal proposta seja vista como pró-
ram concluir seus mandatos (Hagopian; Mainwaring, pria pelos envolvidos nas dinâmicas que possibili-
5
O protagonismo do G20, nas negociações da Rodada de tam o avanço e pelo conjunto da sociedade.
Doha, as demandas cada vez mais ressonantes de Países
6
como Brasi, México ou Índia, na modificação dos esta- Fernando de la Rúa, Argentina (2001); Fernando Collor
tutos dos organismos Multilaterais de Crédito ou co de Mello, Brasil (1992); Hernán Siles Suazo (1985),
Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou as decla- Gonzalo Sánchez de Lozada (2003) e Carlos Mesa (2005),
rações de líderes de países centrais a favor do ingresso do Bolivia; Abdalá Bucarán (1997), Jamil Mahuad (1999) e
Brasil ou Índia no G8 parecem confirmar essas possibi- Lucio Gutiérrez (2005), Equador; Jorge Serrano Elías,
lidades. Do mesmo modo que a existência de uma sigla Guatemala (1993); Jean-Bertrand Aristide, Haiti (2004);
cada vez mais utilizada (BRIC), para se referir a Brasil, Raúl Cubas Grau, Paraguai (1999); Alberto Fujimori, Peru
Rússia, Índia e China como economias que disputarão (2000); Joaquín Balaguer, República Dominicana (1994),
lideranças num futuro próximo. e Carlos Andrés Pérez, Venezuela (1993).

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Nesse particular, observam-se, na América do Pólo Democrático, que se constituiu num espa-
Latina, diferenças notáveis entre as diferentes rea- ço que aglutinou as formações políticas tradicio-
lidades que abarcam desde sistemas relativamente nais, não resultou eficaz. Tampouco foram úteis as
estáveis, até experiências que negam toda a legiti- denuncias de fraude e manipulação eleitoral que
midade às coalizões de governo. Entre as diferen- foram efetivadas por observadores eleitorais como
ças, se encontram o tipo de sistemas partidários, a a OEA e o Centro Carter. Para além dos altos e
quantidade e a qualidade dos atores intervenientes baixos nos resultados eleitorais, é inegável o res-
no jogo político e o papel das instituições na me- paldo eleitoral da cidadania à coalizão governante
diação de interesses, entre outras. que foi vencedora em três eleições presidenciais.9
De um lado, encontra-se um grupo constitu- A radicalização do conflito foi crescente. No
ído por Equador, Venezuela e Bolívia,7 em que a segundo mandato do presidente Chávez, recrudes-
característica mais saliente é a clara dificuldade de ceram os embates da oposição, especialmente des-
canalizar os conflitos por meio de instituições polí- de a promoção do Decreto Habilitante.
ticas. Observa-se, em princípio, uma negação da FEDECAMARAS y la CTV (Confederação de tra-
legitimidade dos presidentes em exercício, somada balhadores da Venezuela) foram atores centrais na
a uma impossibilidade de formar um eixo opositor manifestação contra esse pacote de medidas. O
coerente, estável e com chances de constituir-se em protagonismo da central empresarial, na dinâmica
opção certa de governo. Os atores não políticos cos- política que se dá entre governo e oposição nesse
tumam permanecer inseridos numa dinâmica de jogo país é tão profundo que, no marco da intenção de
de resultado nulo, em que a representação de inte- golpe de estado contra Chavez, o presidente de
resses assume perfis particulares. FEDECAMARAS, Pedro Carmona, chegou a jurar
Desde o início de seu governo, em 1999, como presidente interino, anulando as leis
Hugo Chávez enfrentou uma oposição sem dispo- habilitantes e dissolvendo o Parlamento, o Tribu-
sição de estender pontes de legitimação de seu nal Supremo de Justiça e a Defensoria do Povo.
exercício. De fato, a constante tem sido a falta de Em 2005, toda a oposição renunciou a apresentar
comunicação e o ataque centrado no suposto “mi- candidatos às eleições legislativas, razão pela qual
litarismo” e no “caráter autoritário” do presidente todas as cadeiras foram para a situação.
Chávez, que pode ser considerado um produto do Na Bolívia, Morales não só enfrenta perma-
ocaso da antiga hegemonia acordista de COPEI e nentes embates da oposição, que invoca um supos-
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 305-322, Maio/Ago. 2008

da Ação Democrática, e baseou seu governo, mais to espírito autoritário mas, de modo perigoso, tem
do que no acionar das instituições políticas, em sofrido, até o momento, derrotas em quatro plebis-
uma comunicação direta com o povo e no respal- citos autonomistas que tiveram lugar em Tarija, Santa
do popular de setores excluídos. O desencadear Cruz, Pando e Beni, iniciativas que, além de terem
de estratégias tendentes a recuperar espaços de sido qualificadas de inconstitucionais e separatis-
poder por parte da oposição, como a renúncia dos tas pelo presidente, feriam a autoridade presiden-
candidatos dos partidos outrora majoritários em cial.10 O estopim foi a redação de uma nova cons-
favor de Enrique Salas Romer,8 como candidato tituição, rechaçada pelas zonas mais acomodadas

7
Em princípio, esses países connstituiriam um eixo que
9
reivindica, ao menos no plano discursivo, alternativas Demais, Numa clara intenção de legitimar sua condição,
de tipo socialista para seus governos e que se expressa venceu no referendo sobre a continuidade do presidente
na constituição da ALBA, da qual o Equador renunciou Chávez, realizado em agosto de 2004, com o aval de transpa-
a participar,e ficou finalmente integrado por Bolívia, Cuba, rência da OEA e do centro Carter, obtendo 59,1% dos votos.
Dominica, Nicarágua e Venezuela. 10
As consultas convocadas pelos prefeitos de Beni, Ernesto
8
Apesar da posição dos partidos tradicionais, Chavez Suárez; de Pando, Leopoldo Fernández; de Tarija, Mario
obtuve 56,20% fente a 39,97% do candidato do projeto Cossío e de Santa Cruz, Rubén Costas foram realizadas,
Venezuela, qua contaria, apenas dias antes do ato eleito- para além das intenções de diversas organizações, entre
ral, com o apoio de COPEI e Ação Democrática. A dife- elas a Igreja Católica, para consensuar posições. A Corte
rença foi de mais de um milhão de votos. Nacional Eleitoral (CNE) considerou-as ilegais.

312
Renato Boschi, Flavio Gaitán

do país, por seu suposto ataque às autonomias Um segundo conjunto de países, entre os
regionais. A chamada a um referendo revocatório quais se poderiam incluir Uruguai, Chile, Brasil e
do presidente Evo Morales e de seu vice-presiden- Colômbia, combina um sistema partidário que apre-
te Álvaro Garcia Rivero, convocado para o dia 10 senta alternância no exercício do poder e um pa-
de agosto, não resultou em maiores níveis de pel ativo do Parlamento. No Chile, o objetivo de
institucionalização da crise. Pelo contrário, não só superação do regime autoritário de Pinochet tor-
persistem as diferenças entre governo e oposição, nou possível a constituição de uma coalizão mais
mas acresce que essa se dividiu entre aqueles que homogênea, orientada para o centro, que se reve-
aceitam a chamada revocatória e aqueles que se lou pragmática e bastante eficiente na construção
negam a participar. de um projeto de país. Essa coalizão foi denomi-
O Presidente Correa é, em grande parte, nada como regime normativo, como referência a
expressão da profunda crise político-econômica de que partidos políticos de distinta procedência ide-
que padece o Equador e que culminou, inclusive, ológica põem em prática políticas públicas homo-
com a dolarização de sua economia. De fato, assu- gêneas. Em parte, essa situação se explica porque
miu a presidência a partir de uma campanha que a discussão, excluídos os partidos radicais (fun-
anunciava a “disfunção da partidocracia tradicio- damentalmente o PC) do parlamento, se dá como
nal”. A oposição do PRIAN (Partido Renovador um pêndulo, entre o centro e a direita. Contudo, a
Institucional Ação Nacional) e do PSC (Partido partir do governo de Ricardo Lagos (2000-2006),
Nacional Cristão) contaram com o financiamento sob a liderança do Partido Socialista, a permanên-
empresarial. A Aliança País (Pátria Altiva e Sobe- cia e a estabilidade da coalizão têm enfrentado, de
rana), Partido Socialista e Frente Ampla, enume- modo cada vez mais freqüente, uma série de obs-
rou, ja quando da sua campanha, uma série de táculos e oposições articuladas de diversos atores
eixos que implicavam uma ruptura com o passa- que se apresentam como um um elemento de pres-
do, enfrentando o poder mafioso da partidocracia. são para a adoção de políticas públicas mais pro-
Em menos de um ano, Rafael Correa se submeteu gressistas, dando lugar a maiores níveis de confli-
a quatro eleições: os dois turnos das eleições pre- to social, que parecem marcar a presidência da atual
sidenciais de 2006, o referendo respaldatório do presidente, Michel Bachelet.11
chamado à Assembléia Constituinte, em abril de No Brasil, o presidente Lula e a elite do gover-
2007, e a eleição dos membros da Assembléia Cons- no devem lidar com o pragmatismo de uns e o

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 305-322, Maio/Ago. 2008


tituinte, de 30 de setembro de 2007. dogmatismo de outros, o que acaba por dificultar par-

Sistema de Partidos

11
Certas clivagens dividiram as águas
Chile nos partidos membros do Pacto,
Integração do sistema partidário

México
como a renovação da lei de contra-
Uruguai tos de trabalho e o aumento das con-
Brasil tribuições. Por sua vez, a greve de
estudantes (que alcançou quese 80%
deles) pôs em xeque a estabilidade e
Colômbia a imagem positiva do gobernó (a ima-
gem caiu de 60 a 44% de aceitação, o
Peru percentual mais baixo até agora ob-
Argentina tido por um presidente da conven-
ção). Ademais houve uma crise de
Equador mudanza de ministros, da Econo-
Paraguai mia, Interior, Fomento e
Venezuela Reonstrução, e Interior. Outros pro-
blemas aconteceram em torno da
Bolívia crise energética e o uso de recursos
adicionais gerados pela elevação do
Reconhecimento de legitimidade preço do cobre.

313
INTERVENCIONISMO ESTATAL E POLÍTICAS...

ticularmente a tarefa de definir e obter apoio para um Presidente Fernandez, continuidade da presidência
projeto de mais longo prazo que consiga situar o país de seu marido Nestor Kirchner, é mais homogênea,
com mais eficácia no caminho do desenvolvimentismo. estruturada sobre o setor momentaneamente
Essa heterogeneidade das coalizões governamentais, hegemônico do Partido Justicialista, incorporando
no Brasil, não é exclusiva do atual período, sob a desprendimentos dos partidos opositores, pelo que,
liderança do Partido dos Trabalhadores. Para somado à crise dos partidos políticos que
viabilizar sua agenda de reformas liberais no âmbito estruturaram as identidades durante a segunda
doméstico (privatização de serviços públicos, inter- metade do século XX, não enfrenta uma oposição
rupção de monopólios estatais, entre outras medi- forte nem articulada. De todo os modos, nos últimos
das), o governo de Fernando Henrique Cardoso se tempos, o perfil que o governo mostra encontrou a
apoiou numa base heterogênea de partidos, obten- oposição de setores agregadores de empresários
do, em seus dois primeiros anos, uma série de vitó- rurais, o que parece haver gerado uma espécie de
rias nessas áreas. expectativa para revitalizar a credibilidade de uma
O Uruguai é realmente um caso interessan- oposição atomizada, carente de lideranças claras e
te. A lenta construção do Encontro Progressista – incapaz de instalar os temas na agenda. O conflito
Frente Ampla, que culminou com a chegada à pre- gerou um súbito e até pouco tempo atrás impensado
sidência do ex-prefeito da capital, Tavaré Vazques, protagonismo do Congresso Nacional, que poderia
é, do mesmo modo que outras experiências de tran- se constituir no âmbito de mediação de projetos
sição aqui citadas, expressão de um desgaste do antagônicos. O Peru parece ser também um caso
sistema tradicional de partidos do seu país. Impe- atípico entre o pluralismo e um antagonismo que
dido de chegar à presidência em 2001, pela união entorpece a geração de consensos de médio e longo
eleitoral dos outrora antagônicos Partidos Colorado prazo, se bem que a mesma eleição,13 pela segunda
e Branco, a Frente representou, em 2005, o ápice vez, de Alan Garcia como presidente tenha sido
de um grande processo que modificou o mapa elei- produto de um acordo partidário típico dos regimes
toral uruguaio.12 De todo modo, aqui não se obser- eleitorais de dois turnos e e sistemas
vou uma dinâmica de exclusão do jogo político e, multipartidários.
para além da maior ou menor dureza da oposição, A diferença mais significativa estaria na
existe um marco institucional da disputa política. possibilidade ou não de propiciar condições para
De fato, no discurso pronunciado na sua assunção gerar cooperação. Observar-se-ia, assim, um pên-
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presidencial, ele agradeceu não só o respaldo da dulo oscilante entre experiências centradas em
cidadania e seus votantes, mas da oposição, que projetos consensuados com protagonismo dos
qualificou de leal. partidos políticos, como mediadores do jogo polí-
Argentina e Peru representariam casos tico, e aquelas em que a característica distintiva é a
intermediários nos quais, apesar de não se negar a exclusão do outro como ator legítimo da arena
legitimidade dos atores no governo, a qualidade das político-partidária, deslocando o eixo dos parti-
instituições políticas mostra uma baixa intensidade dos para os movimentos sociais. Nas dinâmicas
e, adicionalmente, não parece existir uma oposição políticas de Venezuela, Equador14 e Bolívia, a in-
forte, com possibilidades de se constituir em opção
de governo. Na Argentina, a coalizão de governo da 13
Alan Garcia foi eleito em segundo turno frente a Ollanta
Humala. No primeiro turno, o Partido Aprista Peruano
havia obtido 24,33% dos votos, apenas meio ponto mais
12
Triunfou na eleição presidencial de 31 de outubro e que a candidata da Unidade Nacional Lourdes Flores,
2004, na qual se apresentava como candidato pela coali- que havia obtido 23,80%. O candidato vencedor fora da
zão de esquerda Encontro Progressista – Frente Ampla União pelo Peru, com 30.62%.
14
Nova Maioria, ao obter a mayoría absoluta com 50,45% Parte da luta política entre governo e oposição se deslo-
dos votos válidos, transformando-se no primeiro presi- cou para o controle das ruas. Em outubro, o presidente
dente de esquerda e rompendo com a hegemonia Rafael Correa convocou um evento para celebrar seu
bipartidaria do Partido nacional e do Partido Colorado, primeiro ato de governo, contestada com uma outra de
que dominaram a história política Uruguaia desde 1830. oposição, encabeçada pelo prefeito social-cristão de

314
Renato Boschi, Flavio Gaitán

clinação movimentista parece mais marcada. Além escrutínio incluída), encontrou no PAN um ator
da estrutura política de apoio ao presidente Chávez, político mais confiável que se constituiu, primei-
o MVR (Movimnto Quinta República), as mobili- ramente, em uma oposição leal e, logo depois, em
zações de rua e o apelo ao respaldo popular como um respaldo para um sistema que podia gerar uma
eixo da práxis política parece constituir uma cons- alternância de governo em um segundo momento
tante tanto para o governo como para a oposição. (Palma, 2004).
A caracerística comum desse movimentismo na A mesma idéia de oposição leal, apesar das
Bolívia e no Equador estaria dada pela importân- críticas que pode receber, representa a base do
cia do fator étnico, diferentementemente da funcionamento do sistema político em seu papel
Venezuela, onde se daria em função da adesão ou mediador. Não se trata da impossibilidade de ade-
não ao socialismo bolivariano proposto pelo pre- rir a projetos alternativos. Significa que os atores
sidente Chávez. aceitam as regras do jogo, compartilham um piso
A qualidade do jogo político se baseia na mínimo de compromisso com os valores de funci-
legitimidade dos atores, que devem se reconhecer onamento, e, sem renunciar ao antagonismo típi-
como competidores válidos e legítimos, para além co de toda arena política baseada no conflito de
da defesa de projetos diversos ou antagônicos em projetos em luta, apela para a tolerância e para a
termos ideológicos ou pragmáticos; na existência importância de reconhecer o papel legítimo do
de mais de um partido de governo e, não menos oponente.
importante, na possibilidade certa de que a oposi- Podemos distinguir dois tipos de institui-
ção possa se constituir em alternância de governo. ções do governo, aquelas que estão no cume do
As características que a oposição assume constitu- ordenamento hierárquico e as que integram o apa-
em um fator central na configuração do sistema rato administrativo do Estado. No nível institucional
político-partidário. A existência de uma oposição das organizações da administração pública, a bibli-
mais ou menos leal parece ser parte de um eixo ografia resgata que os sistemas mais estáveis e dinâ-
articulador da possibilidade de se estabelecerem micos são aqueles em que as instituições não apre-
políticas de Estado, mesmo nos casos em que a sentam variações bruscas. A maior ou menor capa-
configuração de um modelo de sistemas padece cidade das instituições do aparato administrativo
de um respaldo pleno da qualidade institucional. do Estado de se isolarem das crises do regime polí-
Desse modo, a hegemonia do PRI, amparada na tico no sentido amplo constitui vantagem compara-

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regra de designação do sucessor presidencial e na tiva para os diversos Estados. Nesse sentido, obser-
fraude eleitoral, apesar de não ter sido vencida pelo vam-se diversos caminhos na América Latina, o que
PRD (Partido da Revolução Democrática), que foi se expressou numa capacidade díspar de levar a
vítima de manipulação dos resultados eleitorais15 cabo políticas estáveis de médio e longo prazo. San-
(com uma suspensão discricional e deliberada de tos (2008) resgata a continuidade de um pacote de
políticas macro realizada nos últimos 15 anos, no
Brasil, em que a chegada ao poder do Partido dos
Guayaquil, Jaime Nebot, com a justificativa de defesa de Trabalhadores (PT), longe de significar uma que-
sua cidade e de evitar a confrontação pela qual responsa-
bilizava o presidente. bra, mostrou uma continuidade com a saudável agre-
15
As suspeitas de fraude do PRD ocorreram em duas opor-
tunidades. Em 1988, Cuhautémoc Cárdenas, filho do gação de uma ampliação das políticas sociais
líder histórico do PRI, Lázaro Cárdenas, sofreu uma der- dirigidas às pessoas que se encontram na base da
rota do candidato Carlos Salinas de Gortari com a qual
subitamente se interrompeu o escrutínio definitivo, pirâmide distributiva. A estabilidade macro-econô-
declarando-se vencedor o PRI, situação irregular para
um amplo espectro de observadores internacionais. Nas mica e a participação de atores políticos e empresa-
eleições de julho de 2006, o candidato Andrés López
Obrador foi vencido por Felipe Calderón, por uma pe- riais seria a base de um jogo de resultado positivo
quena diferença de votos e, novamente, o Instituto Fe- propiciado pelo presidente Lula, no qual todos ga-
deral Electoral (IFE) rechaçou um uma contagem espe-
cífica das urnas que apresentavam irregularidades. nhariam.

315
INTERVENCIONISMO ESTATAL E POLÍTICAS...

Outra variável do tipo política, chave para de implementação da agnda neodesenvolvimentista


analisar as modalidades intervencionistas na Amé- que analisamos detalhadamente a seguir.
rica Latina, é a existência de núcleos de pacto os Trata-se, definitivamente, de ressaltar a im-
atores econômicos e políticos. A coordenação pu- portância do Estado na constituição das diversas
blico-privada aparece como eixo central da agenda modalidades de capitalismo, dando conta das
neodesenvolvimentista. Em princípio, não é pos- complementaridades que não são resolvidas no
sível um modelo de desenvolvimento sem um âmbito institucional localizado. As particularida-
empresariado forte (Boschi, 2006; Diniz, 2000; des que são observadas entre os diferentes países
Diniz; Boschi, 2006; Sicsu, 2005). A existência de estariam dadas, segundo nossa perspectiva de aná-
núcleos de pactos entre o setore público e o priva- lise, pela matriz institucional.
do é fundamental em termos de vantagens
institucionais comparativas. Também é o caso da
existência de agências voltadas para o fomento e a A AGENDA NEO-DESENVOLVIMENTISTA:
implementação de políticas setoriais e industriais. vetores para um desenvolvimento inclusivo
Nesse ponto, é central o papel mediador das orga-
nizações de representação de interesses na media- O desenvolvimento de um país representa
ção do conflito. um processo unívoco, difícil de ser reproduzido
A implementação de modelos historicamente ou transplantado. Apesar disso, a observação ana-
testados, que envolvem particularmente a coorde- lítica de casos exitosos de industrialização recen-
nação por parte do Estado, é defendida por Chang te, que se expressaram em um caminho de desen-
(2002, 2003), que preconiza a necessidade de polí- volvimento sustentável, permite dar conta de uma
ticas industriais no sentido restrito e seletivo, ca- séire de fatores-chave que constituem uma matriz
pazes de promover, como foi no exitoso caso da desenvolvimentista. Entre esses fatores, incluem-
Coréia, uma relação extremamente coordenada e se a estabilidade macro-econômica, a capacidade
afinada entre os conglomerados industriais e a de gerar um sistema próprio de inovação, funcio-
burocracia do Estado. De todos os modos, a políti- nal para os interesses nacionais, a existência de
ca industrial é apenas uma parte de um esforço sistemas de financiamento da produção e o em-
intervencionista de maior alcance, que envolve as prego, modelos inclusivos de políticas sociais e
políticas de financiamento, o apoio à investigação sistemas de trabalho formais, a capacidade de re-
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 305-322, Maio/Ago. 2008

e ao desenvolvimento, as relações horizontais, as gular os mercados, a existência de núcleos de ajuste


políticas regionais e de integração regional e mun- entre o estado e o setor privado.
dial. A definição mais restrita de política industri- O neodesenvolvimentismo reconhece que
al enfatiza a dimensão setorial, o papel do Estado as estratégias dos Estados-nação, em permanente
como coordenador, assim como a adoção de polí- e feroz competição, constituem o marco de possi-
ticas seletivas. bilidade de uma estratégia de modernização e de-
A cooperação entre as elites econômicaso lo- senvolvimento sustentável. Por outro lado, ad-
cais e a atuação coordenada de diferentes segmen- quire preeminência o conjunto macro institucional
tos da burocracia é importante, no sentido de defi- para gerar oportunidades para o investimento e o
nir estratégias de desenvolvimento. Em última ins- emprego. Nesse sentido, combina o valor da in-
tância, deve-se ressaltar a importância de mecanis- tervenção estatal com um respeito inegociável pelo
mos institucionais para assegurar projetos de de- valor da estabilidade monetária, em grande parte
senvolvimento de mais longo alcance. Nesse senti- produto de um temor pelo retorno da espiral in-
do não basta contar com projetos medianamente flacionária que a região sofreu durante os anos
consensuados no interior dos diversos países, sen- oitenta.
do necessário gerar as condições de possibilidade A estabilidade macro-econômica se apre-

316
Renato Boschi, Flavio Gaitán

senta como um eixo inegociável da nova agenda nomias de investimento médio (5,6%).
neodesenvolvimentista. Em princípio, as metas Os sistemas de financiamento do desenvol-
de crescimento, controle da inflação, aumento de vimento e, especialmente, aqueles que se centram
superavit fiscal, controle dos interesses da dívi- em diversificar a produção e privilegiar os meca-
da constituem um indicador de saúde da econo- nismos de inovação, constituem uma parte axial
mia e, como tal, representam um conjunto de in- das novas estratégias desenvolvimentistas. A po-
dicadores que são considerados pelos investido- sição relativa de um país ou região no mercado
res. Adicionalmente, constituem um modo de internacional se encontra, atualmente, cada vez mais
blindar a economia frente às crises cíclicas, ca- relacionada com a capacidade de gerar e ampliar o
racterísticas do modo de produção capitalista e uso da tecnologia, entendida como um fator-cha-
reduzir, em conseqüência, a vulnerabilidade ex- ve para se obterem incrementos de competitividade
terna. Nesse ponto, a situação é excepcional. Pela que assegurem uma melhor presença nos merca-
primeira vez, em quase 40 anos, os países da re- dos mundiais. Uma olhada na história ensina que
gião transitam por um ciclo de crescimento e equi- os processos de desenvolvimento se assentaram
líbrio fiscal. O superavit fiscal expressa a maior na massificação da difusão da tecnologia, como ga-
capacidade de um país levar a cabo investimen- rantia da irreversibilidade do progresso social. Esse
tos próprios, sem o controle de fontes externas foi o caminho dos modelos clássicos de desenvol-
de financiamento, e adquire maior importância vimento gerados pela revolução industrial do sé-
em virtude dos elevados níveis de endividamento culo XX (Estados Unidos, Alemanha e Japão) e
dos países sul-americanos. Por outro lado, certos dos NIC asiáticos da segunda metade do século
mecanismos dos sistemas de financiamento, com XX (os dragões Signapura, Coréia e os posteriores
a fixação de taxas diferenciais em função de uma Tigres, Malásia, Tailândia e Vietnam), experiênci-
série de variáveis macro do país, atuam como um as que fizeram especiais esforços para potencializar
fator disciplinador de possíveis distorções. A es- a capacidade de geração e captação de tecnologia
tabilidade fiscal e macro-econômica passa a ter por parte da população em seu conjunto. Diferen-
um papel-chave.16 temente da América Latina, que teve sua fase de
O crescimento, que se apresenta como im- crescimento assentada na exportação de matérias
perativo para o desenvolvimento, representa um primas e de indústrias de matrizes estrangeiras,
desafio para os países da região, para além de cer- esses países investiram amplas somas de recursos

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tas exceções mostrarem baixas taxas de crescimen- em investigação e desenvolvimento, sistemas uni-
to, situando-se abaixo das taxas que a maior parte versitários e renovação tecnológica e de suas ma-
dos países do mundo apresentam. Inclusive a média trizes do aparato produtivo.
de crescimento anual para o período 2000-2006 A crescente importância do domínio da téc-
na região (3,1%) é uma das menores, apenas mai- nica, numa economia do conhecimento, pode ser
or que a média dos países centrais (2,3%), estando medida por meio de vários indicadores, sendo o
abaixo do crescimento da África Sub-Sahariana mais usual o investimento destinado à investiga-
(4,7%) Ásia Pacífico (8,6%), ásia Central (5,7%), ção e ao desenvolvimento, tanto em termos abso-
Oriente Médio e África do Norte (4,1%) e Ásia do lutos como em taxa sobre o produto interno. Na
Sul (6,9%); menor inclusive, que a média das eco- década que vai de 1992 a 2001, o investimento em
16
pesquisa e desenvolvimento quase duplicou em
O valor da estabilidade fiscal e macroeconômica foi ques-
tionada, nos últimos anos, devido ao problema crescen- todo o mundo: passou de algo mais de 400.000
te da inflação, especialmente de alimentos. Frente ao
tema, observam-se duas grandes tendências nos países milhões a mais de 700.000 de dólares, um aumen-
latino-americanos: o controle de preços e comércio exte-
rior de certos alimentos básicos (arroz, carne, grãos) ou to de 17%. O crescimento, nos anos transcorridos
o controle das taxas lucro, com o objetivo de ajustar os deste século, é ainda maior. Desse montante, a re-
possíveis efeitos indesesáveis do “reaquecimento” das
economias. gião da América Latina e do Caribe corresponde a

317
INTERVENCIONISMO ESTATAL E POLÍTICAS...

apenas 1,6%, uma soma que só supera o investi- camadas sociais. Nesse sentido, o papel das polí-
mento da Oceania , e que os países do bloco da ticas sociais é essencial. Um núcleo de políticas
América do Norte superam em 25 vezes. A Ásia e de transferência de renda, de investimento em ser-
a Europa investiram aproximadamente 18 vezes viços sociais básicos, de capacitação para o empre-
mais. Nessa corrida pelo conhecimento, os países go, com uma lógica de inserção social que escape
da América Latina se encontram, em geral, atrasa- ao mero assistencialismo, constitui uma necessi-
dos, mas as diferenças são notórias. dade das atuais administrações. Para além de cer-
No conjunto dos países latino-americanos, tas iniciativas privadas amparadas pela retórica da
somente o Brasil, desde o ano 2000, alcança anu- responsabilidade social, somente o Estado pode
almente a meta de 1% do investimento do PIB em atuar como protetor dos setores mais desprotegidos
pesquisa e desenvolvimento, considerado uma das durezas do mercado.
espécie de fronteira entre os países que começam a A discussão teórica reconhece que, para ter
se desenvolver e as economias mais débeis. É, as- êxito, uma experiência de desenvolvimento deve
sim, o país da região que se destaca sobre a pobre não só aumentar o produto, mas expandi-lo para a
média geral da América Latina, que se coloca em sociedade, melhorando o nível de vida. O livro de
torno de 0,6%. A Argentina apresenta uma taxa Evelyn Huber (2002), sobre modelos de capitalis-
ainda menor, de 0,45% histórica e que, pelos vai- mo, aborda estudos que rompem com a visão este-
e-vem próprios de sua dinâmica econômica, des- reotipada acerca da existência de um modelo libe-
ceu a níveis apenas superiores ao 0,30%, a meta- ral genérico, por oposição a uma versão igualmen-
de do investimento chileno. Esses dados são mo- te única de intervencionismo estatal, e reintroduz
destos, inclusive em comparação com os paíse de a dimensão social como o cerne das políticas de
baixo desenvolvimento, como os do Sul da África desenvolvimento. Segundo a autora, políticas so-
(0,8%), Nepal (0,7%) e Uganda (0,8%). ciais e de crescimento econômico se reforçam mu-
A questão social representa um eixo tuamente e somente através de políticas econômi-
constitutivo dos novos modelos intervencionistas. cas que contemplem o aspecto social a América
A agenda social ocupa um plano relevante no mo- Latina poderá instaurar um novo ciclo de desen-
delo neodesenvolvimentista. Os países da América volvimento. Por outro lado, deve-se destacar que
Latina mostraram capacidade de combinar cresci- foi a ênfase na dimensão social e as propostas de
mento e igualdade. Em 1970, a América Latina, em políticas de transferência de renda e de integração
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 305-322, Maio/Ago. 2008

seu conjunto, cresceu a uma taxa média de 3%, social de amplos segmentos marginais os fatores
apesar da porcentagem e do número de pessoas que explicam o giro ideológico do eleitorado lati-
pobres se manterem constantes. Atualmente, quase no-americano, que optou por governos progres-
40% dos latino-americanos são pobres (cerca de 210 sistas. A nova agenda ficou definida, desse modo,
milhões de pessoas) e 15% indigentes. por uma preocupação com o retorno do crescimen-
Um dos aspectos centrais da agenda pós- to, num modelo em que as políticas sociais assu-
neoliberal, em termos de desafios do desenvol- mem um lugar estratégico, mas ainda levando em
vimento, na atual etapa de globalização refere-se conta o compromisso com a manutenção da esta-
não apenas aos aspectos econômicos, mas, es- bilidade, num contexto de crescente competência,
pecialmente, à sua dimensão social, basicamen- derivado da globalização financeira e comercial, que
te à capacidade de estender os benefícios do de- limitam especialmente os graus de liberdade para
senvolvimento a toda a sociedade. Essa preocu- a implementação de políticas orientadas para o
pação com a inclusão social se encontra tanto crescimento.
no debate acadêmico como nas experiências Também, nesse caso, uma questão de or-
neodesenvolvimentistas. dem prática alimenta a discussão e se relaciona
O desenvolvimento deve chegar a todas as com a possibilidade de aprender com os casos

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Renato Boschi, Flavio Gaitán

exitosos de desenvolvimento, em que a totalidade EPÍLOGO


ou a maioria da população participou do processo
de transformação, crescimento e distribuição de Ao longo deste trabalho, afirmamos que se
seus frutos. Esses países não registraram fraturas observa, na América Latina, um retorno a proces-
abissais na sociedade fundadas em causas étnicas sos que denominamos de neodesenvolvimento,
ou religiosas, nem em diferenças extremas na dis- constitutivos de uma dimensão substancial dos
tribuição da riqueza e o investimento.17 governos latino-americanos, que apresentam como
A ampliação dos níveis de consumo, espe- característica comum um retorno do
cialmente daqueles historicamente postergados, intervencionismo estatal, diferenciando-se, no con-
apresenta-se como uma demanda de governantes teúdo, dos projetos nacionais. Particularmente,
e governados. Nesse sentido, o crescimento analisamos o papel-chave do sistema político na
demográfico e o tamanho populacional dos paí- geração de condições próprias para assegurar di-
ses, frequentemente apresentados como obstácu- nâmicas de desenvolvimento sustentável. A pri-
los para o desenvolvimento, tornaram-se caracte- mazia da política, em momentos em que se encon-
rística positiva. Pode-se dizer que os países que tra em formação a agenda pós-neoliberal, é central.
contam com uma população importante, e que se- Além de fatores exógenos que se traduzem em for-
jam exitosos no desafio de incluir toda a socieda- tes condicionantes para países periféricos, os fato-
de no consumo, com o respeito de seus direitos res endógenos explicam as fortes variações que se
sociais e econômicos, guadam vantagens em com- apresentam entre os países. De fato, cremos que
paração a países pequenos. Os denominados BRIC, nao há uma modalidade fixa de Estado capitalista,
sigla que representa Brasil, Rússia, Índia e China, nem algum tipo de determinismo que condene os
se encontram entre os países mais povoados do Estados latino-americanos ao atraso e à
mundo e representam, em conjunto, quase 45% marginalidade de suas sociedades.
da população mundial. O desafio passaria, assim, Em segundo lugar, podemos afirmar que
pela reversão do processo piramidal, em que só esse neodesenvolvimentismo ou neo-
uma parte da população conta com direitos econô- intervencionismo representa um modelo híbrido
micos e sociais. de coordenação econômica efetuada também a par-
Nesse caminho, os países da região têm um tir do mercado. Isso significa que não existe uma
largo caminho a percorrer. Os indicadores de po- volta ao Estado produtivo, mas, apenas, um maior

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breza, indigência e desigualdade revelam que, na grau de coordenação estatal da esfera econômica,
América Latina, a mais desigual do mundo, a dis- com maior espaço para atividades de regulação e
tância entre os extremos persiste. Apesar da es- controle. Apesar de existirem novos esquemas de
candalosa magnitude da desigualdade e da indi- intervenção do Estado na órbita produtiva, essa
gência, certos esforços das atuais administrações atividade adquire um papel estratégico, mas não
buscam essa tendência, por diferentes caminhos, proeminente.
desde as políticas de concessões, como o Bolsa O impacto dos processos prévios permite
Família no Brasil, o Plano Chefes de Família Deso- aos países uma atitude diferenciada frente aos fa-
cupados, ou o Plano Famílias para a Inclusão So- tores que consideramos parte constitutiva esencial
cial, na Argentina, até as missões sociais na de uma nova agenda de desenvolvimento e que
Venezuela. implica uma sinergia entre Estado e setor privado-
público não estatal; a criação de um setor privado
forte e competitivo, em paralelo ao desenvolvimen-
17
Em Taiwán, por exemplo, ao mesmo tempo em que se
mudou sua matriz produtiva (em 1960 a agricultura re- to de um setor público eficiente, que possa corri-
presentava 30% do PIB, com um investimento médio gir erros e pontos débeis, descentralizar suas ativi-
de 200 dólares estadunidenses e, em 2007, caiu para 3%,
com um investimento de 12.500). dades e dirigir seus esforços para potencializar re-

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INTERVENCIONISMO ESTATAL E POLÍTICAS...

cursos e capacidades. Não existe um modelo úni- A reversão da deterioração dos termos de
co. As trajetórias diferenciais dos países que as- intercâmbio (em parte pela ampliação das frontei-
sentam seu projeto desenvolvimentista em um ras agrícolas, o alto custo das comodities e a alta
maior grau de coordenação entre Estado e merca- produtividade do setor primário) juntamente com
do, em contraposição a experiências críticas do a constituição de um mundo multipolar ou, num
mercado, respaldam o argumento relativo ao pa- olhar radical, de ausência de polaridade, como
pel do Estado de outorgar uma caractrística dife- estariam indicando a crise dos Estados Unidos da
rencial aos projetos de desenvolvimento. A orien- América e o vazio deixado pela hegemonia que
tação das administrações pós-neoliberais mostra exercia, constituem uma oportunidade propícia do
que não exite, na América Latina, um só caminho ponto de vista da efetiva possibilidade de os paí-
para o desenvolvimento. De fato, as variáveis e a ses da América Latina ampliarem suas capacida-
agenda neodesenvolvimentista que foram apresen- des para o desenvolvimento.
tadas aqui, na seção anterior, que constituem a Nossa defesa do Estado como o único ca-
matriz constitutiva de novos modelos de desen- paz de reverter o processo de subdesenvolvimen-
volvimento, apresentam-se, em cada Estado-nação, to das plenas potencialidades dos países da região
de modo particular. As trajetórias prévias consti- implica uma reivindicação das instituições, como
tuem o ponto de partida que prenuncia diferentes motor de desenvolvimento, como nexo de criação
perspectivas de avanço na implementação de re- de acordos e compromissos em que os diversos
formas econômicas e sociais. atores sociais (trabalhadores, empresários, cientis-
Diferentes trajetórias (aquelas que marcam tas, burocratas e decisores de governo) aportem
a história recente do período desenvolvimentista) sua experiência de modo incremental. Definitiva-
constituem a base a partir da qual opera um con- mente, as instituições devem atuar como
junto bastante similar de intervenções (as refor- facilitadoras. Muito mais do que as críticas que se
mas setoriais no marco do ajuste estrutural), deli- fazem à abordagem institucional, elas representam,
mitando um campo para a atuação de novos go- na nossa visão, a expressão de demandas que per-
vernos, cujos instrumentos e margens de ação de- mitem canalizar o jogo político. Porque uma estra-
penderão de um conjunto de características tégia de desenvolvimento autônomo exitoso pare-
institucionaise de contexto que pautam a ce consistir precisamente, nisso: em lograr recu-
governabilidade e, em última instância, a natureza perar, para o espaço político, níveis crescentes de
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das políticas econômicas. autonomia de decisão. Estabelecer que existe uma


As vantagens institucionais comparativas relação estrita entre instituições de governo e ins-
não formam um núcleo estático e não apenas fo- tituições econômicas não significa subsumir a po-
ram variando ao longo do tempo, mas uma carac- lítica ao domínio da economia, senão, pelo contrá-
terística que, em um momento, era entendida como rio, reclamar a necessidade de cada sociedade de
negativa pode passar a ser vista como um eixo de estabelecer acordos mínimos que permitam o de-
desnvolvimento. Isso se relaciona, por um lado, senvolvimento e o bem-estar.
com a dimensão temporal que assumimos aqui. A hora atual – com a reversão da deteriora-
Por mais que seja desejável que os países latino- ção dos termos de intercâmbio, com a demanda
americanos transitem pela senda do desenvolvi- crescente de produtos que a região produz natu-
mento o mais rápido possível, o momento em que ralmente, com a ampliação dos mercados asiáti-
os diferentes países empreendem o catch up é cos que parecem anunciar a manutenção dessa
particular. Que os países da região, vistos em con- demanda por um tempo relativamente longo –
dições de dar o salto nos anos setenta, não o te- constitui uma excelente oportunidade para que
nham dado não significa que esses salto não se os países, ancorados em seus interesses nacio-
possa dar. nais, a partir de uma perspectiva local e regional,

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Renato Boschi, Flavio Gaitán

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INTERVENCIONISMO ESTATAL E POLÍTICAS...

STATE INTERVENTIONISM AND DEVELOPMENT L’INTERVENTIONISME D’ETAT ET LES POLITIQUES


POLICIES IN LATIN AMERICA DE DEVELOPPEMENT EM AMERIQUE LATINE

Renato Boschi Renato Boschi


Flávio Gaitán Flávio Gaitán

This work analyzes the dynamics of the Latin- Ce travail analyse les dynamiques des pays latino-
American countries in the last decade, which américains au cours de la dernière décennie dont la
distinctive characteristic is the weakness of the caractéristique spécifique est l’affaiblissement de
neoclassical hegemony and a retaking of state l’hégémonie néo classique ainsi que la reprise de
intervention trajectories in the economy. The analysis trajectoires d’intervention de l’état dans l’économie.
is centered in the constituent vectors of a neo- L’analyse se concentre sur les vecteurs constitutifs de
developmentist calendar and in the role that the State compromis néo développementistes et sur le rôle que
should carry out in the retaking of growth and of l’Etat doit jouer pour la reprise de la croissance et du
sustainable development. In focus are the roles that développement soutenable. On y focalise le rôle que le
the political regime and government institutions régime politique et les institutions du gouvernement
accomplish in the economical process, with the assument au niveau du processus économique. Il
suggestion that there would be no possibility of growth semblerait ne pas y avoir de croissance possible ni de
and development without a strong State. Different développement sans un Etat fort. Diverses trajectoires
trajectories constitute the base from which a similar constituent la base à partir de laquelle un ensemble
group of interventions operate delimiting a field for similaire d’interventions opère en délimitant un champ
the attraction of new governments, which instruments d’action capable d’attirer de nouveaux gouvernements
and action margins will depend on a group of dont les instruments et les marges de manoeuvre
institutional characteristics and of context that rule dépendront d’un ensemble de caractéristiques
governability and, in last analysis, the nature of the institutionnelles et d’un contexte capables d’orienter la
economical policies. gouvernabilité et, en dernière analyse, la nature des
politiques économiques.

KEYWORDS: development, Latin America, political M OTS - CLÉS : développement, Amérique Latine,
institutions, State, market. institutions politiques, Etat, marché.
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